AMADEU ROSA
O VIOLÃO E A ORNAMENTAÇÃO NAS
OBRAS DE FRANÇOIS COUPERIN:
Um estudo sobre a técnica do ornamento barroco
aplicada ao violão
Monografia apresentada ao Curso de
Graduação em Música da Faculdade
Cantareira, em cumprimento parcial às
exigências para obtenção do título de
Bacharel em Música.
Orientador: Prof. Celso Mojola
São Paulo
Novembro/2010
i
À minha mãe
ii
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha mãe, principal responsável pela conclusão da minha
graduação
Agradeço à minha tia Leda, Ângela, e ao tio Gilmar, pelo total apoio e por me
proporcionarem condições para o meu crescimento musical.
Agradeço à Ana Lígia, pelo apoio, atenção, alegria proporcionada e
companhia.
Agradecimentos especiais ao meu eterno professor e amigo Henrique Pinto.
Agradecimentos a Pedro Cameron, Geraldo Ribeiro, Márcia Braga, Paulo
Martelli e Fernando Lima, professores de violão que contribuíram para meu
desenvolvimento musical.
Agradeço ao luthier Samuel Carvalho, por me possibilitar a utilização de um
bom instrumento durante meu curso
Agradeço a Sra. Jane Lombardi, por possibilitar meus primeiros passos com o
violão.
Agradeço à orientação e a atenção dada pelo meu orientador Celso Mojola.
Sinceros agradecimentos a todos meus amigos.
iii
SUMÁRIO
Lista de Figuras ............................................................................................... 1
Resumo
....................................................................................................... 9
Abstract
..................................................................................................... 10
Introdução...................................................................................................... 11
Capítulo 1 — Performance histórica e a tradição da ornamentação nas obras
do período barroco ....................................................................................... 15
1.1 O período em questão..................................................................... 15
1.2 Escolhas possíveis na performance histórica. ............................... 21
1.3 A tradição da ornamentação ........................................................... 28
1.4 Ornamentação essencial ou francesa e a contribuição de François
Couperin................................................................................................ 31
Capítulo 2 — Um estudo técnico de ornamentação baseado na tabela de
ornamentação de François Couperin ............................................................ 34
2.1 Port de voix coulée .......................................................................... 34
2.2 Accent. ............................................................................................ 36
2.3 Tierce coulée, en montant. .............................................................. 39
2.4 Tierce coulée, en descendant.. ....................................................... 42
2.5 Pincé simple .................................................................................... 44
2.6 Pincé double. .................................................................................. 46
2.7 Tremblement appuyé, et lié. ............................................................ 49
iv
2.8 Tremblement lié sans etre appuyé. ................................................. 51
2.9 Tremblement détaché. .................................................................... 52
2.10 Pincés diésés, et bémolisés. ......................................................... 54
2.11 Pincé continu. ................................................................................ 54
2.12 Tremblement continu..................................................................... 56
2.13 Arpègement, en montant. .............................................................. 58
2.14 Arpègement, em descendant. ....................................................... 59
2.15 Coulés, dont lês points marquent que la seconde note de chaque
tems doit être plus appuyée. ................................................................. 61
2.16 Aspiration ...................................................................................... 62
2.17 Suspension. .................................................................................. 63
2.18 Tremblement ouvert.. .................................................................... 64
2.19 Tremblement fermé. ...................................................................... 66
2.20 Port de voix simple. ....................................................................... 67
2.21 Port de voix double........................................................................ 69
2.22 Double. .......................................................................................... 71
2.23 Unisson. ........................................................................................ 73
Capítulo 3 — Ornamentação em Les Sylvains de François Couperin ........... 75
Conclusão.................................................................................................... 104
Referências ................................................................................................. 107
Anexos................... ...................................................................................... 109
Anexo A............................................................................................... 109
Anexo B............................................................................................... 111
Anexo C. ............................................................................................. 114
1
LISTA DE FIGURAS
FIG. 1 — Suspention grafada na tabela de ornamentação de J. P Rameau . 33
FIG. 2 — Suspention grafada na tabela de ornamentação de François
Couperin
.................................................................................................... 33
FIG. 3 — Port de voix coulée ........................................................................ 34
FIG. 4 — Execução da apojatura longa utilizando uma corda do violão e
técnica de ligados ......................................................................................... 35
FIG. 5 — Execução da apojatura longa utilizando uma corda do violão sem a
técnica de ligados .......................................................................................... 35
FIG. 6 — Execução da apojatura longa utilizando duas cordas do violão .... 36
FIG. 7 — Accent ............................................................................................ 37
FIG. 8 — Apojatura de passagem executada em uma corda do violão com a
utilização da técnica de ligados de mão esquerda ....................................... 38
FIG. 9 — Apojatura de passagem executada apenas em uma corda do violão,
sem a técnica de ligados de mão esquerda .................................................. 38
FIG. 10 — Apojatura de passagem executada com a técnica de Campanella 39
FIG. 11 — Tierce coulée, en montant ........................................................... 39
FIG. 12 — Apojatura dupla ascendente realizada com a técnica de ligados de
mão esquerda ............................................................................................... 40
FIG. 13— Apojatura dupla ascendente realizada com o efeito de Campanella 41
FIG. 14 — Slides .......................................................................................... 41
2
FIG. 15— Slide proposto por Yates digitado para ser executado em uma
corda do violão ............................................................................................. 42
FIG. 16 — Tierce coulée, en montant ........................................................... 42
FIG. 17 — Slide realizado com a utilização de três cordas do violão ........... 43
FIG. 18 — Slide realizado em duas cordas do violão, com a utilização da
técnica de ligados ......................................................................................... 43
FIG. 19 — Pincé simple ................................................................................ 44
FIG. 20 — Mordentes inferiores executados em apenas uma corda do violão 45
FIG. 21 — Mordente, executado ao violão com a utilização de duas cordas do
violão
..................................................................................................... 45
FIG. 22 — Mordente inferior executado em duas cordas do Violão ............. 46
FIG. 23 — Pincé double ............................................................................... 46
FIG. 24 — Ornamento múltiplo, executado com a mão esquerda por
movimento de ligados ................................................................................... 47
FIG. 25 — Mordente múltiplo, executado com a técnica de ligados de mão
esquerda do violão e com o deslizamento até a ultima nota. ....................... 48
FIG. 26 — Mordente múltiplo, executado com movimento de ligados e
alternância dos dedos da mão esquerda ...................................................... 38
FIG. 27 — Mordente múltiplo executado em duas cordas do violão ............ 49
FIG. 28 — Tremblement appuyé et lié .......................................................... 49
FIG. 29 — Tremblement ............................................................................... 50
FIG. 30 — ―Tremblement appuyé, et lié‖ executado em uma corda do violão,
com a técnica de ligados de mão esquerda ................................................. 50
FIG. 31 — “Tremblement appúyé, et lié” executado em duas cordas do violão 50
3
FIG. 32 — Tremblement lié sans etre appuyé .............................................. 51
FIG. 33 — Trinado antecipatório, executado com a utilização da técnica de
ligados de mão esquerda ............................................................................. 51
FIG. 34 — Trinado antecipatório, executado com a utilização de duas cordas
do violão
..................................................................................................... 52
FIG. 35 — Tramblement détaché ................................................................. 52
FIG. 36 — Tremblement détaché executado ao violão com a utilização da
técnica de ligados ......................................................................................... 53
FIG. 37 — Tremblement détaché executado com a utilização de duas cordas
do violão
..................................................................................................... 53
FIG. 38 — Pincés diéses, et bémolisés ........................................................ 54
FIG. 39 — Pincé continu ............................................................................... 55
FIG. 40 — Mordente contínuo, utilizando a técnica de ligados do violão ..... 55
FIG. 41 — Mordente contínuo, com a utilização da técnica de ligados do
violão, com a alternância dos dedos 3 (três), 2 (dois) e 1 (um) da mão
esquerda ...................................................................................................... 56
FIG. 42 — Mordente contínuo executado com a utilização de duas cordas do
violão
..................................................................................................... 56
FIG. 43 — Tremblement continu .................................................................. 57
FIG. 44 — Trinado contínuo executado com a utilização da técnica de ligados
do violão
.................................................................................................... 57
FIG. 45 — Trinado contínuo executado com a utilização da técnica de ligados
de mão esquerda .......................................................................................... 58
4
FIG. 46 — Trinado contínuo executado com a utilização de duas cordas do
violão
.................................................................................................... 58
FIG. 47 — Arpègement, en montant ............................................................. 59
FIG. 48 — Arpejo em movimento ascendente executado com os dedos
polegar, indicador e médio ou com os dedos indicador, médio e anular ...... 59
FIG. 49 — Arpègement, en descendant ....................................................... 60
FIG. 50 — Arpejo descendente realizado com a utilização dos dedos anular,
médio e indicador ou dos dedos médio, indicador e polegar da mão direita 60
FIG. 51 — Coulés, dont les points marquent que la seconde note de chaque
tems doit être plus appuyée .......................................................................... 61
FIG. 52 — Forma de execução do ―Coulés, dont les points marquent que la
seconde note de chaque tems doit être plus appuyée‖ ................................. 61
FIG. 53 — Aspiration .................................................................................... 63
FIG. 54 — Suspension ................................................................................. 64
FIG. 55 — Tremblement ouvert .................................................................... 65
FIG. 56 — Tremblement ouvert executado no violão com a combinação da
técnica de ligados de mão esquerda e da utilização de Campanella ............ 65
FIG. 57— Tremblement ouvert executado ao violão com a utilização do efeito
de Campanella e da técnica de ligados de mão esquerda ............................ 66
FIG. 58 — Tremblement fermé ..................................................................... 66
FIG. 59 — Tremblement fermé executado ao violão com a utilização da
combinação da técnica de ligados e do efeito da Campanella ...................... 67
FIG. 60 — Tremblement firme executado ao violão com a utilização do efeito
de Campanella .............................................................................................. 67
5
FIG. 61 — Port de voix simple ...................................................................... 68
FIG. 62 — Port de voix simple realizado em apenas uma corda do violão, por
movimento de ligados de mão esquerda ....................................................... 68
FIG. 63 — Port de voix simple realizado em uma corda do violão, por
movimento de ligados de mão esquerda e finalizado com um arraste .......... 69
FIG. 64 — Port de voix simple executado ao violão com a utilização de duas
cordas
.................................................................................................... 69
FIG. 65 — Port de voix double ...................................................................... 70
FIG. 66 — Port de voix double executado ao violão com a utilização da
técnica de ligados de mão esquerda. ............................................................ 70
FIG. 67 — Port de voix double realizado ao violão com a utilização da técnica
de ligados de mão esquerda e arraste para a última nota ............................. 71
FIG. 68 — Port de voix double executado com a utilização de duas cordas do
violão.
......................................................................................................71
FIG. 69 — Double .......................................................................................... 72
FIG. 70 — Grupeto realizado com a combinação da técnica de ligados de
mão esquerda e da Campanella .................................................................... 72
FIG. 71 — Grupeto realizado com a utilização do efeito de Campanella ...... 73
FIG. 72 — Unisson ........................................................................................ 73
FIG. 73 — Unisson realizado na Sonata K490 de Domenico Scarlatti .......... 74
FIG. 74 — Port de voix simple e Port de voix double presentes no compasso
Compasso 1 .................................................................................................. 76
FIG. 75 — Port de voix simple executado ao violão ...................................... 76
FIG. 76 — Port de voix double executado ao violão ...................................... 77
6
FIG. 77 — Pincé simple, que aparece no Compasso 2. ................................ 77
FIG. 78 — Pincé simple executado ao violão ................................................ 78
FIG. 79 — Pincé simple que aparece no compasso 3 ................................... 78
FIG. 80 — Pincé simple executado ao violão ................................................ 79
FIG. 81 — Mordente duplo presente no compasso 4. ................................... 79
FIG. 82 — Mordente duplo executado ao violão ........................................... 80
FIG. 83 — Trinado encontrado no Compasso 7 ............................................ 80
FIG. 84 — Trinado executado ao violão ........................................................ 80
FIG. 85 — Port de voix simple e Port de voix coulée, encontrados no
compasso 9 ................................................................................................... 81
FIG. 86 — Port de voix simple executado ao violão ...................................... 82
FIG. 87 — Apojatura longa executada ao violão ........................................... 82
FIG. 88 — Grupeto e Mordente duplo, ocorrentes no compasso 10. ............ 83
FIG. 89— Grupeto executado ao violão. ....................................................... 83
FIG. 90 — Mordente duplo executado ao violão ........................................... 84
FIG. 91 — Compasso 11 ............................................................................... 84
FIG. 92 — Mordente duplo, executado ao violão .......................................... 85
FIG. 93 — A dupla ocorrência do Port de voix coulée, no Compasso 12 ...... 85
FIG. 94 — Port de voix coulée executado ao violão ...................................... 85
FIG. 95 — Port de voix coulée executado ao violão. ..................................... 86
FIG. 96 — Ocorrência de um port de voix coulée e de um Slide, no compasso
13
..................................................................................................... 86
FIG. 97 — Port de voix coulée executado ao violão ...................................... 87
FIG. 98 — Slide executado ao violão ............................................................ 87
7
FIG. 99 — Mordente duplo, encontrado no compasso 14 ............................. 87
FIG. 100 —Mordente duplo, executado ao violão ......................................... 88
FIG. 101 — Tierce coulée e mordente duplo, encontrados no Compasso 15 88
FIG. 102 — Tierce coulée, executado ao violão ............................................ 89
FIG. 103 — Apojatura dupla, executada ao violão. ....................................... 89
FIG. 104 — Apojaturas longas encontradas no Compasso 18 ...................... 90
FIG. 105 — Apojatura longa, executada ao violão ........................................ 90
FIG. 106 — Apojatura longa, executada ao violão ........................................ 91
FIG. 107 — Apojatura longa, executada ao violão ........................................ 91
FIG. 108 — Port de voix double, encontrado no Compasso 19..................... 91
FIG. 109 — Port de voix double, executado ao violão ................................... 92
FIG. 110 — Mordente duplo, encontrado no compasso 20 ........................... 92
FIG. 111 — Mordente duplo, executado ao violão ........................................ 93
FIG. 112 — Mordente duplo, encontrado no Compasso 28 .......................... 93
FIG. 113— Mordente duplo, executado ao violão ......................................... 94
FIG. 114 — Apojatura longa, encontrada no Compasso 29 .......................... 94
FIG. 115— Apojatura longa, executada ao violão. ........................................ 94
FIG. 116 — Compasso 31 ............................................................................. 95
FIG. 117 — Mordente duplo, executado ao violão ........................................ 95
FIG. 118 — Trinado, executado ao violão. .................................................... 96
FIG. 119 — Trinado, encontrado no Compasso 44 ....................................... 96
FIG. 120 — Trinado, executado ao violão ..................................................... 97
FIG. 121 — Apojatura longa, encontrada no Compasso 55 .......................... 97
FIG. 122 — Apojatura longa, executada ao violão ........................................ 98
8
FIG. 123 — Trinado, encontrado no Compasso 56 ....................................... 98
FIG. 124 — Trinado, executado ao violão ..................................................... 99
FIG. 125 — Apojatura longa e trinado, localizados no Compasso 61 ........... 99
FIG. 126 — Apojatura longa, executada ao violão. ..................................... 100
FIG. 127 — Trinado, executado ao violão. .................................................. 100
FIG. 128 — Mordente duplo, encontrado no Compasso 65 ........................ 101
FIG. 129 — Mordente duplo, executado ao violão ...................................... 101
FIG. 130 — Port de voix simple, encontrado no Compasso 66 ................... 102
FIG. 131 — Port de voix simple, executado ao violão ................................. 102
FIG. 132 — Trinado, encontrado no Compasso 69 ..................................... 102
FIG. 133 — Trinado, executado ao violão ................................................... 103
9
RESUMO
Baseado no legado deixado por François Couperin, o presente
trabalho propõe um estudo técnico de ornamentação barroca voltada ao
violão, através da investigação e transcrição de sua tabela de ornamentação,
sempre visando, como principal objetivo, a melhor compreensão e realização
da arte da ornamentação barroca. O trabalho é dividido em três capítulos
distintos. No primeiro capítulo, são apresentados os principais fundamentos
históricos e interpretativos da música barroca, a fim de situar o leitor em uma
época onde a prática da ornamentação fazia parte de uma tradição
interpretativa. O segundo capítulo propõe uma transcrição para violão dos
ornamentos propostos por Couperin, utilizando diferentes soluções técnicas
para cada ornamento. O terceiro capítulo apresenta sugestões para a
ornamentação de ―Les Sylvains”, que integra a primeira Ordre de peças de
Couperin, escrita originalmente para cravo, tendo sempre como fonte primária
as indicações deixadas por François Couperin.
Palavras-chave: Violão, Couperin, ornamentação barroca.
10
ABSTRACT
Based on the legacy left by Francois Couperin, this study proposes
a technical study of baroque ornamentation directed at guitar, through
research and transcription of his ornamentation’s table, always seeking, as the
main objective, a better understanding and implementation of the art of
ornamentation baroque. The work is divided into three separate chapters. In
the first one, are presented the main historical reasons and interpretative
about baroque music, in order to situate the reader in an era in which the
practice of ornamentation formed part of an interpretative tradition. The
second chapter proposes a transcription to guitar of ornaments proposed by
Couperin, using different technical solutions for each ornament. The third
chapter presents suggestions for the ornamentation of “Les Sylvains”, the
make part of Couperin’s first Ordre, written originally for harpsichord, always
having as primary source indications left by Francois Couperin.
Keywords: Guitar, Couperin, baroque ornamentation.
11
INTRODUÇÃO
O interesse pela interpretação da música antiga é cada vez mais
freqüente na vida musical de um estudante de música, concertista, estudioso
ou até mesmo um cultor da música erudita. Ela está sempre presente na
exigência de cumprimento de programa de conservatórios e universidades,
no programa de solistas, grupos de música de câmara ou orquestras. Talvez
isso seja reflexo da necessidade do homem contemporâneo em conhecer
suas origens e representá-las no dias atuais, quase como um saudosismo à
cultura da sociedade antiga. Já para Nikolaus Harnoncourt, isso ocorre pelo
fato da:
ausência de uma música contemporânea realmente viva. A música de hoje não
satisfaz nem o músico nem o público, que, em sua maioria, a rejeita; e para
preencher o vazio assim criado, nós nos voltamos para a música histórica.
(HARNONCOURT, 1998, p. 18).
É difícil dizer se tão dura crítica tecida à produção musical
contemporânea é realmente a causa do interesse pelo repertório da música
antiga. O importante de se considerar é o fato de que esse movimento resulta
na pesquisa de um repertório produzido numa sociedade com realidade e
tradições diferentes da realidade contemporânea.
Conhecer as tradições de execução é um fator determinante para a
interpretação da música de qualquer época da história da música. Em
12
contraponto a isso, sabe-se que essas tradições são freqüentemente
distorcidas e esquecidas. (DONINGTON, 1963, p. 26) A polêmica das
escolhas interpretativas na execução desse tipo de repertório paira no meio
musical e cria duas vertentes de pensamentos; transportar a música antiga ao
presente ou tentar vê-la com os olhos da época em que foi concebida
(HARNONCOURT, 1998, p. 17)
O fato se agrava ainda mais quando surge a proposta de aplicar
esse tipo de repertório a um instrumento que não pertencia à realidade da
época em que a música fora concebida. O violão moderno, tal como
conhecemos hoje, é o resultado do trabalho desenvolvido no final do século
XIX pelo luthier espanhol Antonio Torres Jurado (1817-1892) (DUDEQUE,
1994, p. 77). Além da necessidade de produzir música original para o violão
moderno, houve um árduo trabalho de resgate e transcrição de um repertório
realizado em épocas anteriores ao surgimento do instrumento, quase como
uma tentativa de preencher uma lacuna de séculos de produção musical. Isso
trouxe à tona para a realidade do instrumento toda a discussão da execução
da música antiga.
Em meio à extensa gama de tradições encontradas do período
barroco está a utilização de ornamentos. Este recurso expressivo teve um
papel fundamental em toda a produção musical barroca. Segundo HansMartin Linde:
A expressão ―diminuição‖, que desde o século XIV até o XIX se equivale a todas
as outras expressões para ―ornamento‖ (maneiras, adornos, ―coloraturas‖,
―agréments‖, ―graces‖, ―fioriture‖, entre outras), nos dá uma clara resposta a
nossa pergunta: ―diminuir‖ significa ―fragmentar‖. Pela diminuição, portanto, um
13
som é desdobrado em vários sons e, assim, uma seqüência de sons é
decomposta em série de valores menores. (LINDE, 1979, p. 5)
A arte da ornamentação era outrora uma prática musical
amplamente difundida. Por isso, a maioria dos compositores antigos esperava
que o intérprete ornamentasse suas obras. (LINDE, 1979, p. 5). Ao observar
com olhar clínico o comentário de Hans-Martin Linde, pode-se afirmar que os
ornamentos eram, no período que serve de objeto de estudo a este trabalho,
um recurso de improvisação.
Muito se discute sobre a maneira de realizar a ornamentação da
música barroca, já que a falta de grafia dos ornamentos nas partituras
provocaram grande número de interpretações errôneas. O fato é que são
propostos diversos métodos para o estudo da execução do ornamento
barroco, já que essa tradição pertence a uma realidade bastante distante do
intérprete contemporâneo. Hans-Martin Linde diz:
Não nos esqueçamos de que a maioria dos ornamentos devia ser realmente
improvisada. Naturalmente, uma condição básica imprescindível para isso é um
estudo intensivo da ornamentação. Só através de experimentações constantes é
que se alcança, pouco a pouco, a capacidade de se encontrar os ornamentos
mais adequados ao caráter da peça ao se executá-la (LINDE, 1979, p. 5).
Ao tomar as palavras de Hans-Martin Linde como verdadeiras, se
faz necessário ao violonista interessado na execução do ornamento barroco
um aprofundado estudo sobre as possibilidades técnicas da utilização do
violão nesse tipo de repertório. Perante a esta afirmação, o violonista se
depara com a pouca existência de material sobre o assunto dirigido
especificamente ao violão. Esse material encontrado não é concentrado e
quase sempre não é encontrado em língua portuguesa.
14
Esta monografia, organizada em três capítulos distintos, tem a
proposta de fazer um estudo técnico da ornamentação voltado ao violão. O
primeiro capítulo funciona como uma espécie de apresentação ao período
barroco. Serão expostos os principais aspectos históricos e interpretativos,
que são fundamentais para o entendimento e execução dos ornamentos
barrocos.
No segundo capítulo serão apontadas soluções técnicas para a
execução dos ornamentos sugeridos pela tabela de ornamentação de
François Couperin, parte integrante de seu livro ―L’Art de toucher Le
Clavecin‖, publicado pela primeira vez em 17161, possibilitando assim uma
ferramenta para que o violonista possa ter um guia de estudo de
ornamentação.
O terceiro capítulo propõe sugestões de ornamentação para ―Les
Sylvains”, integrante da primeira Ordre de peças de François Couperin. A
escolha dos ornamentos foi feita a partir das indicações de Couperin em sua
tabela e das digitações sugeridas por este trabalho. Procurou-se, no terceiro
capítulo, a maior variedade de digitações, visando à melhor aplicação prática
dos ornamentos vistos no decorrer do segundo capítulo.
Os ornamentos serão aqui abordados nos aspectos teórico, técnico
e prático, possibilitando assim, melhores execuções desse tipo de repertório
ao violão.
1
COUPERIN, 1933, p.8.
15
CAPÍTULO 1
PERFORMANCE HISTÓRICA E A TRADIÇÃO DA ORNAMENTAÇÃO NAS
OBRAS DO PERÍODO BARROCO
1.1 O PERÍODO EM QUESTÃO
Para melhor compreensão do foco do estudo desse trabalho –
Ornamentação barroca -, se faz necessário uma breve explanação sobre o
período em que essa tradição era parte da realidade do fazer musical. O
Barroco2, levando em consideração que as datas não podem ser
precisamente afirmadas, consiste no período que se inicia no ano de 1600 e
se finda aproximadamente no ano de 1750. O termo também pode ser
adotado para indicar o período da história da música que vai do aparecimento
da ópera e do oratório até a morte de J.S Bach (BENNETT, 1986, p. 35). Os
músicos desse tempo exploravam novos campos emocionais e ampliavam a
sua linguagem de forma a poderem enfrentar as novas necessidades
expressivas (PALISCA, 2007, p. 311).
O termo barroco, se atualmente é utilizado para denominar um
período artístico e arquitetônico com tendências ostentosas e decorativas, era
usado em sua época de forma bastante pejorativa (BENNET, 1986, p. 35):
2
A palavra “barroco” é provavelmente de origem portuguesa, significando pérola ou jóia
de formato irregular. (BENNET, 1986, p. 35)
16
Em 1755, em suas Lettres familières, Charles de Brosses utiliza a palavra
francesa "baroque" em crítica ao estilo rebuscado (pseudo-gótico) das
ornamentações(filigranas) aplicadas ao Palazzo Doria Pamphili em Roma. Na
acepção de Charles de Brosses, essas ornamentações, dignas de trabalhos de
um joalheiro ou um artesão de porcelanas, não eram adequadas ao trabalho
arquitetônico. Em outro trecho da mesma obra, declarando-se atônito, o autor
afirma que o recitativo italiano poder ser "ao mesmo tempo tão barroco e tão
monótono". (ANDRÉ, 2006, p. 2)
Em seu Dictionnaire de musique, Jean-Jacques Rousseau definia
'musique barocque' (fazendo referência àquilo que ele acreditava ser a
etimologia do termo) e, dentro do espírito Iluminista, colocando-se
frontalmente contra a sua utilização (ANDRÉ, 2006, p. 2). Para o filósofo
francês Nöel Antoine Pluche:
Sua melodia é entendida a partir dos sons naturais de nossa garganta e a partir
dos 'acentos' da voz humana, que fala aos outros a respeito daquilo que nos
sensibiliza, sempre sem tensão ou afetação, sempre sem esforço, quase sem
arte [arte, nesta acepção, é substantivo de artificial, i.e. sem artificialidade, com
naturalidade]. Nós chamaremos de la musique chantante. A outra [música] quer
surpreender através da intrepidez de seus sons e ser transmitida como canto em
controle de sua velocidade [vivacidade] e barulho; nós a denominamos la
musique Barroque. (PLUCHE apud ANDRÉ, 2006, p.2)
O termo barroco, hoje, designa uma fase histórica da arte que,
mesmo a um exame superficial, se apresenta muito complexa, longe da
relativa uniformidade estilística que se observa na Renascença (KIEFER,
1981, p. 231). Tão complexo é o entendimento do barroco que este,
usualmente, é subdividido em três fases, distintas entre si: primeira fase – ou
barroco primitivo – (1580 – 1630), segunda fase – ou barroco médio – (1630
– 1680) e terceira fase – ou barroco tardio - (1680 – 1730)3. (BUKOFZER
apud KIEFER, 1981, p. 232). Para Bruno Kiefer, esta divisão pode ser
compreendida da seguinte maneira:
3
Nota-se que as datas utilizadas por Bukofzer não coincidem com a adotada pelo
presente trabalho para delimitar as datas do período barroco – no caso 1600 até 1750 -. Muitos
musicólogos adotam datas diferentes ou até mesmo acabam por não aceitar essa subdivisão em fases
proposta para o período barroco.
17
Compreenderemos melhor este estudo, sobretudo na fase inicial, se encararmos
o barroco como resultado da presença – e em partes da confluência – de três
4
direções: uma renascentista, a perdurar ao longo do Barroco, outra maneirista e
a terceira ligada ao espírito da contra-reforma. (KIEFER, 1981, p. 232)
A primeira fase – ou barroco primitivo – possui alto grau de
influência da produção musical do renascimento. Tal como filósofos
começaram por tentar desenvolver idéias novas no quadro dos métodos
antigos, também os músicos tentaram. (PALISCA, 2007, p. 311). Foi um
período de experimentação com uso de cromatismo e dissonância polifônica
(Madrigal Renascentista) aproveitados dentro de um contexto monódico5.
(ANDRÉ, 2006, p. 8).
De fato, se compararmos aquele período que chamamos de 'Barroco Musical'
àquele chamado de 'Renascimento Musical', as mudanças só começam a ser
sentidas e/ou estabelecidas com maior clareza a partir de ca. 1600. Porém, a
antecipação da data é justificada pelo surgimento (já na década de 1580) das
primeiras experiências (ainda que apenas teóricas) de música vocal dramática e
monodia, intencionalmente diferenciadas das práticas composicionais
Renascentistas -- aquilo que ficou conhecido por termos como 'dramma in
musica', sendo mais tarde adotado o termo genérico: 'ópera'. (ANDRÉ, 2006, p.
6)
Bruno Kiefer aponta algumas características musicais deste
período:
4
Há de se apontar uma contradição na explicação adotada por Bruno Kiefer quando se
fala de maneirismo. O maneirismo é utilizado, na história das artes plásticas, para identificar a fase
intermediária entre as últimas formas renascentistas e o Barroco (CARPEAUX, 2001, p. 51). O próprio
Bruno Kiefer, em seu livro “História e significado das formas musicais”, apresenta o maneirismo como
característica da primeira fase do período barroco. Uma possibilidade de substituir o termo
“maneirismo” na citação de Bruno Kiefer é possivelmente identificar a segunda fase do barroco como
sendo a fase da consolidação das formas adquiridas.
5
Refere-se à Monodia, termo definido e utilizado – no material de consulta – como
indicativo de uma única linha melódica com acompanhamento, embora a rigor a ausência de
acompanhamento também devesse ser incluída. O termo é geralmente aplicado a peças com
acompanhamento instrumental, principalmente àquelas compostas a partir do final do séc. XVI ou
início do séc. XVII. Na literatura técnica, aceita-se que o termo tenha sido utilizado pela 1ª vez na
década de 1630 por Giovanni Battista Doni (1595-1647). (ANDRÉ, 2006, p. 6)
18
Uma outra direção que se observa no começo do barroco, e que havia de
persistir até o final, pode ser ligada diretamente à contrarreforma. Esta,
conforme vimos,acarretou a confirmação de feições importantes da música
renascentista (Concílio de Trento) tais como a polifonia imitativa, clareza e
simplicidade, inteligibilidade (relativa) do texto e outras. (KIEFER, 1981, p. 237)
Ainda seguindo a linha de pensamento de Bruno Kiefer, a primeira
fase do barroco pode ser considerada como própria do movimento do
maneirismo:
É compreensível que o mundo, em meio a tão grandes catástrofes, não podia
ser concebido como um cosmos harmonioso. Isto explica a profunda reviravolta
que se observa nas artes e letras a partir da década de 1520 (na música mais
tarde). Surge desta forma, um movimento nas artes e letras denominado
maneirismo. (KIEFER, 1981, p. 234)
O barroco médio é o período da consolidação das novas práticas
musicais como, por exemplo, as dissonâncias controladas mais estritamente
e surgimento e fixação de formas regularizadas (ária da capo) (ANDRÉ, 2006,
p. 8).
A segunda fase trouxe o estilo do ―bel-canto‖ na ópera, no oratório e na cantata,
com como a distinção entre recitativo e ópera. São sintomas de uma reviravolta.
Poderíamos falar numa revolta da musicalidade contra a hegemonia do texto. A
conseqüência desta postura tinha que ser a preocupação pelo equilíbrio da
forma musical. A ária-da-capo, que se tornará favorita na terceira fase, com seu
esquema ABA, inicia aqui sua existência. (KIEFER, 1981, p. 243).
Segundo Bruno Kiefer, a harmonia se torna mais simples. Da
insistência em certos encadeamentos de acordes (IV-V-I) ou (II-V-I) surge
uma tonalidade rudimentar. (KIEFER, 1981, p. 243).
Na terceira fase – ou barroco tardio – o barroco assume feições
clássicas (KIEFER, 1981, p. 243). São características dessa fase a
regularidade tonal e florescimento de formas de grandes dimensões, com
19
padrões estruturais possibilitados pelo estabelecimento da regularidade tonal.
(ANDRÉ, 2006, p. 9).
O período barroco assistiu ao nascimento de importantes formas e
gêneros musicais, que são citadas por Clovis de André6:
MÚSICA INSTRUMENTAL
- suíte
- abertura ("sinfonia")
- concerto grosso
- fuga
- sonata; trio-sonata
- formas livres: prelúdios, caprichos, fantasias, toccata
MÚSICA VOCAL SACRA
- cantata
- ópera
- paixão
- oratório
- missa
MÚSICA VOCAL PROFANA
- cantata
- ópera
Também é característica do período barroco o surgimento dos
estilos nacionais, embora este conceito ainda não tenha o conteúdo
romântico com o qual estamos familiarizados. (KIEFER, 1981, p. 243). Este
nacionalismo era manifestado a partir da diferenciação (ou pelo menos
intenção de diferenciação) de idiomas musicais nacionais (ANDRÉ, 2005, p.
8). Perante este conceito de nacionalismo musical, é plausível a
6
ANDRÉ, 2006, p. 9
20
apresentação dos principais compositores do período barroco organizados
por nacionalidade, como faz Clovis de André7:
ITÁLIA
- Emilio de' Cavalieri (1550–1602)
- Giulio Caccini (1551–1618)
- Jacopo Peri (1561–1633)
- Claudio Monteverdi (1567–1643)
- Girolamo Frescobaldi (1583–1643)
- Francesca Caccini (1587–1637) - filha mais velha de Giulio Caccini - Francesco Cavalli (1602–1676)
- Giacomo Carissimi (1605–1674)
- Giovanni Legrenzi (1626–1690)
- Arcangelo Corelli (1653–1713)
- Giuseppe Torelli (1658–1709)
- Alessandro Scarlatti (1660–1725)
- Antonio Vivaldi (1678–1741)
- Giovanni Battista Pergolesi (1710–1736)
FRANÇA
- Jean-Baptiste Lully (1632–1687)
- Marc-Antoine Charpentier (1634–1704)
- André Campra (1660–1744)
- François Couperin (1668–1733)
- André-Cardinal Destouches (1672–1749)
- Jean-Philippe Rameau (1683–1764)
ALEMANHA
- Heinrich Schütz (1585–1672)
- Dietrich Buxtehude (ca. 1637–1707)
- Johann Pachelbel (1653–1706)
- Johann Kuhnau (1660–1725)
- Johann Mattheson (1681–1767)
- Georg Philipp Telemann (1681–1767)
- Johann Sebastian Bach (1685–1750)
- George Frideric Haendel (1685–1759)
INGLATERRA
- John Blow (1649–1708)
- Henry Purcell (1658/9–1695)
- John Gay (1685–1732)
- George Frideric Haendel (1685–1759) - origem alemã ESPANHA
- Juan Hidalgo (1614–1685)
- Tomás de Torrejón y Velasco (1644–1728)
7
ANDRE, 2006, p. 10.
21
1.2 ESCOLHAS POSSÍVEIS NA PERFORMANCE HISTÓRICA
O interesse pela chamada Performance Histórica é bastante
recente, porém, cada vez mais freqüente na vida musical contemporânea.
Falando de maneira genérica, os músicos dos séculos XVII e XVIII não se
interessavam por música antiga. (NEUMANN, 1983, p.9).
Nessa época,
nenhum músico estava interessado a não ser na música nova, isto é, na
música escrita durante os quarenta ou trinta anos anteriores (DART, 2000, p.
207). Segundo Nikolaus Harnoncourt:
A música antiga era considerada como uma etapa preparatória, no melhor dos
casos como material de estudo; ou ainda mais raramente, usada para alguma
execução especial, quando seria rearranjada. Nestas raras execuções de
música antiga – no século XVIII, por exemplo, - considerava-se imprescindível
uma certa modernização. (HARNONCOURT, 1998, pg. 17)
Thurston Dart comenta em seu livro ―Interpretação da Música‖
sobre o quanto a prática da música antiga não era vista com bons olhos:
Manuscritos antigos e livros impressos eram coisas de antiquários, historiadores
e esnobes; os instrumentos musicais antigos, a menos que fossem violinos,
estavam fora de moda e eram enfadonhos; e a idéia de incluir uma simples peça
de música antiga no programa de um concerto seria considerada antiquada e
excêntrica. (DART, 2000, p. 207)
Para Frederick Neumann, o século XIX foi o primeiro a fazer o
cultivo desse tipo de música, embora não fosse adotado um contexto
histórico. (NEUMANN, 1983, p. 9). A partir da pesquisa pioneira de Arnold
Dolmetsch (1858-1940), iniciada ao final do século XIX (e levada adiante por
seu filho Carl e a Dolmetsch Foundation), as pesquisas em práticas de
22
performance históricas levaram a uma direção diametralmente oposta ao
gosto romântico (BORÉM, 2004, p. 47).
Muitas são as explicações para o acontecimento dessas pesquisas
em performance histórica. Talvez isso seja reflexo da necessidade do homem
contemporâneo em conhecer suas origens e representá-las no dias atuais,
quase como um saudosismo à cultura da sociedade antiga. Já para Nikolaus
Harnoncourt, isso ocorre pelo fato da:
[...] ausência de uma música contemporânea realmente viva. A música de hoje
não satisfaz nem o músico nem o público, que, em sua maioria, a rejeita; e para
preencher o vazio assim criado, nós nos voltamos para a música histórica.
(HARNONCOURT, 1998, p. 18).
O fato é que a música histórica desempenha um papel
preponderante na vida musical de hoje. Para Thurston Dart, somos
prisioneiros do passado. Toda a formação de um músico moderno, seja de
compositor, intérprete ou ouvinte, está baseada na execução, audição, leitura
e análise da música antiga. (DART, 2000, p. 208).
Se por um lado toda a pesquisa sobre música antiga traz uma série
de benefícios para o desenvolvimento do músico contemporâneo, por outro
lado traz uma série de dúvidas e questionamentos sobre sua execução, já
que não faz parte da cultura do intérprete moderno.
Há dois pontos de vista básicos com relação à música histórica que
correspondem também a dois tipos de execução: um deles transporta ao
presente, e o outro tenta vê-la com os olhos da época em que foi concebida.
(HARNONCOURT, 1998, p. 17)
23
A primeira opção – a de transportar a música antiga ao presente –
condiz com o já citado ideal do século XIX, onde não há preocupação em
tentar executar a música como era executada na época em que fora
concebida. Segundo Nikolaus Harnoncourt:
A primeira concepção é a mais natural e comum às épocas em que há uma
música contemporânea realmente viva. Ela é também a única possível ao longo
da história da música ocidental, desde os primórdios da polifonia até a segunda
metade do século XIX, e, ainda hoje, grandes músicos mantêm esta concepção.
Este conceito se originou do fato de que a linguagem da música sempre foi
considerada como sendo absolutamente ligada a seu tempo. (HARNONCOURT,
1998, p. 17)
Um exemplo claro da modernização da música antiga pode ser
encontrado na instrumentação hoje utilizada para a execução das obras
desse período. Alguns dos instrumentos usados nos séculos anteriores, como
o cravo e o alaúde, são considerados hoje obsoletos. ―O Cravo bem
temperado‖, de Johann Sebastian Bach, é adotado como parte integrante do
repertório do piano moderno, porém não mantém, principalmente no que se
refere a timbre, relação com o instrumento original da obra, o cravo. As suítes
para alaúde do mesmo compositor são freqüentemente executadas ao violão.
Isso pode ser fruto da teoria evolucionista da música, onde música,
instrumentos e métodos do presente são mais adequados que os do
passado. (DART, 2000, p. 27). Se uma das características do período barroco
é
justamente
o
desenvolvimento
idiomático8,
adotar
outra
instrumentação pode ser considerado um erro estilístico.
8
Desenvolvimentos iniciais de escrita idiomática (específica) para cada
instrumento e para a voz. (ANDRÉ, 2006, p. 7)
possível
24
A escolha dessa postura interpretativa moderna implica em
assumir as responsabilidades e riscos de uma possível distorção das
tradições da música antiga. Segundo Nikolaus Harnoncourt:
Na execução da música antiga, a tradição é um fator tão determinante quanto a
própria notação da obra. Toda peça musical é submetida, através de repetidas
execuções no curso de decênios e séculos, a uma elaboração formal que acaba
por adquirir um caráter quase definitivo. As numerosas interpretações de algum
modo se copiam umas às outras, acabando por constituir uma forma ―legítima‖
que não pode mais ser ignorada em novas execuções. (HARNONCOURT, 1993,
p. 51)
Esse conceito de legitimidade na execução da música antiga nos
remete ao segundo ponto de vista básico que o intérprete pode seguir para
tomar alguma posição interpretativa; o da interpretação autêntica. Esse tipo
de corrente interpretativa busca uma interpretação exata à que era realizada.
[...] essa execução ―autêntica‖ da música histórica tem sido cada vez mais
exigida, e importantes intérpretes pretendem fazer disso um ideal. Tenta-se
fazer justiça à música antiga, recriando-a segundo o espírito do tempo em que
foi concebida. (HARNONCOURT, 1998, p. 19)
Pode-se assim dizer que esse ideal interpretativo - ao contrário do
que traz a música antiga para a modernidade – recoloca-a no passado. Para
recolocar a música antiga no passado, o intérprete deve primeiramente
conhecer suas tradições, já que elas se encontram muito distantes da
realidade do intérprete contemporâneo.
Quando executamos atualmente música histórica, não podemos fazê-lo como os
nossos predecessores das grandes épocas. Perdemos aquela espontaneidade
que nos teria permitido recriá-la na época atual; a vontade do compositor é para
nós a autoridade suprema; encaramos a música antiga como tal, em sua própria
época, e nos esforçamos para recriá-la de maneira autêntica, não por motivos
históricos, mas porque isso nos parece, hoje, o único caminho verdadeiro para
executá-la de forma viva e digna. Mas uma execução só será fiel se ela traduzir
a concepção do compositor no momento da composição. Sabemos que isso é
25
possível, mas até certo ponto; a idéia original de uma obra deixa-se apenas
adivinhar, sobretudo quando se trata de música muito distante de nós no tempo
(HARNONCOURT, 1998, p. 19)
O grande problema desse movimento de fazer música autêntica foi
o aparecimento de interpretações muito literais do ponto de vista
musicológico , que são sempre irrepreensíveis historicamente,
mas que
careciam de vida (HARNONCOURT, 1998, p. 19).
Na primeira metade do século XX, observou-se inicialmente a tendência de
muitos intérpretes e críticos "autênticos" adotarem posições doutrinárias,
afastando-se da espontaneidade e expressividade que essa nova ordem parecia
excluir. Mas, ao final do século XX, as abordagens "históricas" pareceram
caminhar para um ponto de equilíbrio. (BORÉM, 2004, p. 48)
Nikolaus Harnoncourt discute a postura do intérprete perante as
tradições:
Esta decisão de ignorar a tradição interpretativa não deve, naturalmente, nos
conduzir a uma postura artificial de sistemática oposição, onde se faz tudo ao
contrario do habitual: é sempre possível conciliar novos resultados com a prática
tradicional. (HARNONCOURT, 1993, p. 52)
Para Robert Donington, questões de interpretação podem ser
apoiadas na musicalidade do intérprete, porém também devem ser decididas
sob a luz das evidências sobreviventes da época – ou, em outras palavras,
apoiando-se nas tradições-. (DONINGTON, 1990, p. 25)
A grande questão do intérprete moderno é onde procurar material
para conhecer realmente as tradições de época para seguir em suas
escolhas interpretativas.
Um único registro sonoro pode nos dizer mais sobre os métodos de performance
barroca do que todas as nossas pesquisas meticulosas, mas não temos essas
gravações, e devemos fazer o melhor possível sem elas. O melhor que
podemos fazer é iniciar a partir de evidências contemporâneas que
sobreviveram. (DONINGTON, 1990, p. 28)
26
Um caminho bastante claro é apoiar-se em tratados de época,
como é o exemplo deste trabalho, que apresenta a tabela de François
Couperin como base do estudo da ornamentação. Ninguém melhor que os
músicos da época para relatar as experiências musicais de seu tempo, sem a
distorção dos acontecimentos após uma seqüência de interpretações pouco
ligadas ao ponto de vista histórico.
Outra possível fonte de pesquisa é a utilização das partituras
existentes provenientes do período barroco – sejam de época ou edições
modernas -, que acabam por provocar a polêmica discussão sobre a notação
da época, e junto com isso outros assuntos extremamente relevantes para a
pesquisa de música antiga, como o processo criativo da época e a relação
entre compositor, intérprete e ouvinte.
Por ser uma das únicas fontes de pesquisa, a notação da época é
a causa, na grande maioria das vezes, dos problemas de interpretação das
tradições de execução da época. A razão disso, na verdade, não é da
notação em si, até porque era uma convenção da época. O problema
principal é que são lançados olhares modernos sobre a notação antiga.
No passado, o intérprete era visto como um membro mais inteligente da
comunidade musical do que é hoje, isso se os sinais de dinâmica, fraseado,
andamento e outras coisas semelhantes espalhadas em uma composição
moderna são indicações da atitude do compositor em relação ao intérprete.
Quanto mais retrocedemos na história da música, menos essas indicações
aparecem, e mais confiança era evidentemente depositada no preparo do
intérprete, no seu senso de tradição, na sua musicalidade inata. (DART, 2000, p.
7)
27
De acordo com as palavras de Thurston Dart, pode-se dizer que o
homem antigo encarava a notação musical com diferentes conceitos que os
do homem moderno. O fazer musical, como dito anteriormente neste trabalho,
é mais baseado na tradição que na notação. Além disso, a notação surge
através do fazer musical, é um reflexo de seu tempo.
A notação é tranquilamente ensinada como se válida para todo o tipo de música,
e ninguém diz ao estudante que a música do período anterior a este limite
concernente à notação é para ser lida e interpretada de maneira diversa da que
foi composta em período posterior. Há uma falta de conscientização geral, tanto
por parte dos professores como dos alunos, sobre o fato de que, em um caso,
lida-se com uma notação cheia de indicações prontas e precisas a respeito da
execução, ao passo que, no outro caso, lida-se com uma composição que foi
representada no papel de forma inteiramente diversa. (HARNONCOURT, 1998,
p. 36)
Diante dessas evidências, é claro afirmar que a improvisação era
de fundamental importância na cultura musical barroca, e fora, talvez, uma de
suas tradições mais fortes.
A improvisação, de um tipo ou de outro, exerceu um papel muito importante na
música antiga, mas durante os dois últimos séculos aproximadamente foi saindo
cada vez mais de moda. É provável que não seja simples coincidência o fato de
a notação musical, no mesmo período, ter emaranhado o intérprete numa rede
cada vez mais cerrada de regras precisas e tirânicas. Compositores como
Stravinsky e Schönberg não deixam nenhuma liberdade ao intérprete: toda
nuance de dinâmica, andamento, fraseado, ritmo e expressão é prescrita de
maneira rígida, sendo o intérprete reduzido a condição abjeta de uma pianola ou
de um gramofone. (DART, 2000, p. 67)
Tais palavras não devem ser levadas como uma dura crítica à
produção musical contemporânea, mas sim como a exposição bastante clara
do papel do intérprete na música barroca. Ainda citando Thurston Dart:
Essa atitude – a de improvisar – em relação ao compositor e sua obra era
muitas vezes encorajada pelo próprio compositor, e o intérprete podia ter o
sentimento legítimo de que não era apenas seu direito, mas também seu dever
28
dar uma substancial contribuição criativa própria à música que estava
interpretando. (DART, 2000, p. 68)
Um dos recursos fundamentais da improvisação no período
barroco era a ornamentação. Tão fundamental era esse recurso que, ao falar
de ornamentos, logo nos remetemos aos séculos XVI e XVII. (GUERRA,
2001, p. 14)
1.3 A TRADIÇÃO DA ORNAMENTAÇÃO
O Ornamento - em arte - é desenho acrescentado à obra principal
com fins decorativos. O ornamento - em música - consiste em notas ou
grupos de notas acrescentadas a uma melodia com a finalidade de adornar
as notas reais9. (MED, 1996, p. 293). Os ornamentos, embora fossem
utilizados na música anterior ao barroco musical, atingiram seu ápice neste
período (DONINGTON, 1990, p. 125). Não se pode negar que estes
embelezamentos sejam fundamentais à performance da música barroca.
(CURY, 1999, p. 237)
Os ornamentos – na música - tiveram sua origem na execução dos antigos
instrumentos de tecla, cuja falta de sonoridade se contornava por meio de
acréscimos de notas estranhas ao desenho original. Até o início do século XVII
os ornamentos não eram, em geral, grafados ou mesmo indicados na partitura.
Por isso é muito difícil definir uma norma geral a respeito da execução dos
adornos na música antiga. (MED, 1996, p. 293)
Os ornamentos ajudam a valorizar o movimento das frases,
destacando as dissonâncias. Funcionam também como importantes recursos
9
Notas reais são todas aquelas que fazem parte integrante da melodia (MED, 1996, p. 293)
29
na caracterização dos afetos, tornam as peças mais interessantes, atraindo,
assim, a atenção do público. (CURY, 1999, p. 237)
Embora haja os benefícios citados, a ornamentação é um dos
assuntos
mais
controversos
na
execução
da
música
antiga.
(HARNONCOURT, 1993, p. 38). Se a não notação dos ornamentos trazia ao
intérprete antigo toda a possibilidade em expressar sua criatividade, isso
trouxe certas dificuldades ao intérprete moderno, que já não vive mais sob a
luz do passado, e necessita de indícios para que sua execução tenha um
maior grau de autenticidade.
Engana-se quem pensa que essa discussão sobre omitir a
representação
dos
ornamentos
na
partitura
seja
moderna.
Os
contemporâneos da época que compete a este estudo – o período barroco –
já discutiam a respeito dessa temática. Muitos dos tratados de música antiga
são contraditórios entre si, afinal, mesmo vivendo em uma mesma sociedade,
os antigos deviam, por uma razão ou outra, ter opiniões diferentes sobre
diversos assuntos, inclusive sobre a prática musical. Isso se torna fato quanto
é apresentada no livro ―O Diálogo Musical‖, de Nikolaus Harnoncourt, uma
discussão entre o maestro e musicólogo Johann Adolph Scheibe e o
professor de retórica em Leipzig e compositor Johann Abraham Birnbaum.
O Senhor Bach é, afinal das contas, o mais eminente musico de Leipzig... Sua
destreza (ao órgão) é assombrosa e mal podemos conceber como é possível
que ele possa entender e cruzar seus dedos e seus pés de modo tão rápido e
estranho, realizando os maiores saltos sem errar uma só nota e sem distorcer o
seu corpo com tão enérgicos movimentos. Este grande homem seria objeto de
admiração de nações inteiras caso fosse mais gracioso e se não subtraísse toda
a naturalidade às suas peças por meio de uma execução bombástica e confusa,
cuja beleza é obscurecida por seus excessos artísticos. Como ele julga por seus
dedos, suas peças são de execução extremamente difícil, pois exigem que
cantores e instrumentistas reproduzam através de suas gargantas e
30
instrumentos aquilo que ele pode realizar ao teclado; entretanto, Isto é
completamente impossível. Ele expressa detalhadamente, em notas, todos os
maneirismos e pequenas ornamentações que entendemos como próprios ao
modo de tocar, o que não só retira de suas peças a beleza e harmonia, como
torna o canto bastante inaudível. (SCHEIBE apud HARNONCOURT, 1993, p.
45)
Em resposta à isso, temos a seguinte citação:
[...] Se, em parte, é certo que o assim chamado método de ornamentação do
canto e da prática instrumental é quase universalmente aceito e considerado
agradável, também é inquestionável que aquele método só agrada ao ouvido
quando empregado nos lugares certos; em compensação, quando mal colocado,
é irritante e destrói a linha melódica. Por outro lado, a experiência ensina que
sua utilização é, com freqüência, deixada à discrição dos cantores e
instrumentistas. Se todos fossem suficientes instruídos sobre o que é
verdadeiramente belo neste método, e se todos soubessem aplicá-lo tão
somente onde serve de fato como ornamento, dando um acento peculiar à
melodia principal, seria então supérfluo o compositor querer ainda fixar a notação
o que já seria do conhecimento de todos. Porém, como só um pequeno número
de músicos tem conhecimentos suficientes, a maioria, ao aplicar
inadequadamente o método, arruína a melodia principal. Chega-se ao ponto de,
amiúde, introduzir passagens que nada têm a ver com a estrutura das obras,
possíveis de serem considerados, por quem não conhece a verdadeira situação,
como erros do compositor. Portanto, qualquer autor, inclusive o senhor
compositor da corte – J.S Bach -, tem o direito de prescrever um método correto
e de acordo com suas intenções para trazer ao bom caminho os que se
extraviaram, cuidando destarte da preservação de sua honra. (BIRNBAUM apud
HARNONCOURT, 1993, p. 49)
Se essa discussão perdurava durante a época em que a
ornamentação fazia parte de uma tradição musical, hoje o problema é
agravado. O melhor que o intérprete moderno pode fazer é um estudo
intensivo de ornamentação, pois só assim, pouco a pouco, surgirá a
capacidade de encontrar os ornamentos mais adequados ao caráter de uma
peça ao executá-la (LINDE, 1979, p. 5).
31
1.4 ORNAMENTAÇÃO ESSENCIAL OU FRANCESA E A CONTRIBUIÇÃO
DE FRANÇOIS COUPERIN
Segundo Hans-Martin Linde, devemos a Johann Joaquin Quantz,
professor de flauta de Frederico, O Grande, a clara divisão das modalidades
de ornamentação em dois grandes grupos. Distinguimos assim ornamentos
essenciais (fixos) e ornamentos livres (LINDE, 1979, p. 5). No século XVIII
o primeiro grupo é chamado de ornamentação ―francesa‖, e o outro de
ornamentação ―italiana‖, que claro, não significa, necessariamente, uma
limitação rígida a esses dois países (LINDE, 1979, p.5). Os franceses
colocavam em sua obra, nos locais correspondentes, determinados símbolos
para a ornamentação essencial (LINDE, 1979, p. 5).
A este trabalho interessa a primeira prática citada – essencial ou
francesa –, pois é a utilizada por François Couperin em sua tabela de
ornamentação. Para a aplicação da ornamentação francesa, havia certas
regras que, contudo, divergiam entre si, pois se tratava de uma prática em
constante evolução. Ademais, sua execução admitia certa liberdade no que
dizia respeito à velocidade, ritmo e acentuação. (LINDE, 1979, p. 6).
O mais famoso e mais freqüentemente citado dos autores
franceses, com relação à performance e particularmente em ornamentação é
François Couperin. (NEUMANN, 1983, p. 75).
Edward Dannreuther
apresenta uma lista de publicações de François Couperin, a que nos
interessa
é
―L’Art
de
toucher
(DANNREUTHER, 1893, p. 99).
Le
Clavecin.‖,
publicada
em
1717.
32
Consideramos L’Art de Toucher le Clavecin um dos mais importantes tratados
do ensino deste instrumento, não só pela importância de seu conteúdo como,
sobretudo, pela riqueza musical de sua parte prática. Além disso, ele é utilizado
com verdadeira unanimidade pelos professores de cravo no Brasil e no mundo,
mesmo que sejam inúmeras as crenças pedagógicas subsistentes. Salientamos,
finalmente, a importância de François Couperin para a História da Música, como
uma figura de tal genialidade em seu país quanto Telemann ou Bach na
Alemanha. (ALBUQUERQUE, 2005, p. 326)
O trabalho deixado por Couperin com indicações de como tocar o
cravo
era
conhecido
e
muito
apreciado
por
Bach
e
seus filhos
(DANNREUTHER, 1893, p. 99). Para Frederick Neumann, a arte elegante e
sofisticada do ornamento francês atingiu seu pleno florescimento na primeira
metade do século XVIII e alcançou sua expressão clássica e infinitamente
graciosa na obra de François Couperin (NEUMANN, 1983, p. 36).
O método de Couperin não só inspira reflexões sobre a educação
musical – ou execução – como nos inspira a aproveitá-las hoje
(ALBUQUERQUE, 2005, p. 330). Melhor dizendo, este método é um caminho
para alcançar a tão discutida interpretação autêntica, baseado em
concepções da época. Neste livro encontram-se instruções sobre o
posicionamento perante o instrumento, posição das mãos, ornamentos e
comentários sobre digitações (DANNREUTHER, 1893, p. 99).
A maneira mais usual que o compositor antigo encontrava para
representar seus ornamentos, era a partir das tabelas de ornamentação.
Segundo Dannreuther, as tabelas de ornamentação são difíceis de serem
compreendidas, já que são contraditórias entre si (DANNREUTHER, 1893, p.
xii). Na Figura 1, encontra-se um ornamento grafado na tabela de
ornamentação de Rameau, extraído por Dannreuther de ―Pièces de Clavecin”,
livro publicado em 1731 (DANNREUTHER, 1893, p. 106):
33
Figura 1 – Suspension grafada na tabela de ornamentação de J. P Rameau (RAMEAU apud
Dannreuther, 1893, p. 106). [à esquerda encontra-se o símbolo do ornamento e, à direita,
encontra-se notado o efeito do ornamento]
Na figura 2, François Couperin indica um ornamento que têm o
mesmo nome – Suspension.
Figura 2 - Suspension grafada na tabela de ornamentação de François Couperin
(COUPERIN, 1933, p. 39) [no pentagrama superior, encontra-se grafado o símbolo do
ornamento e no inferior seu efeito]
Claramente podem-se ver nas tabelas de ornamentação de J.P
Rameau e François Couperin duas representações de ornamentos que tem o
mesmo nome e o mesmo símbolo grafados. Apesar disso, nota-se que
Rameau utiliza uma pausa de semicolcheia enquanto François Couperin
utiliza uma pausa de colcheia, o que leva os dois ornamentos a serem
executados de maneira diferente. Diante destas contradições, o presente
trabalho baseia-se, para melhor organização, apenas nas indicações
deixadas por François Couperin em sua tabela de ornamentação..
34
CAPÍTULO 2
UM ESTUDO TÉCNICO DE ORNAMENTAÇÃO BASEADO NA TABELA DE
ORNAMENTAÇÃO DE FRANÇOIS COUPERIN
2.1 Port de voix coulée
Para Edward Dannheuther, Port de voix coulée pode ser
identificada como uma apojatura longa. (DANNHEUTHER, 1893, p. 104). A
apojatura longa ou expressiva10 é representada por uma pequena nota, cuja
figura tenha exatamente o seu justo valor quando executada (PRIOLLI, 2002,
pg. 89). Na tabela de ornamentação contida em ―L’Art de toucher Le
Clavecin‖, François Couperin representa uma apojatura longa por movimento
ascendente11 , como mostra a Figura 3:
Figura 3 – Port de voix coulée (COUPERIN, 1933, p. 39)
No violão, esta apojatura pode ser executada com a utilização de
uma ou duas cordas. A escolha de execução pode depender de vários
10
Termo utilizado por Maria Luisa de Mattos Priolli que propõe outra possível definição para
apojatura longa. (PRIOLLI, 2002, p. 89)
11
Inicia-se a execução da apojatura a partir da nota inferior em direção a nota superior do
ornamento.
35
fatores, principalmente da sonoridade que o intérprete deseja atingir e da
possibilidade de execução dentro do trecho de uma música.
Quando se opta pelo caminho da execução desse tipo de
ornamento em uma única corda, o intérprete se depara com duas
possibilidades distintas. A primeira é a utilização da técnica de ligados do
violão para a execução desta apojatura, onde se toca a nota do ornamento
com o auxílio da mão direita, e a nota principal é executada apenas com a
mão esquerda do instrumentista, como demonstra a Figura 4:
Figura 4 – Execução da apojatura longa utilizando uma corda do violão e técnica de ligados.
A segunda possibilidade é a da execução da apojatura longa em
uma corda do violão sem a utilização da técnica de ligados do violão. Toca-se
a nota do ornamento e a nota principal usando os dedos da mão direita e
esquerda do instrumentista simultaneamente, como mostrado na figura 5:
Figura 5 – Execução da apojatura longa utilizando uma corda do violão sem a técnica de
ligados.
36
Ao escolher a opção de executar a apojatura longa utilizando duas
cordas do violão, o intérprete abandona automaticamente a possibilidade de
englobar a técnica de ligados do violão, pois todas as notas devem ser
tocadas de maneira que nem a mão direita, nem a mão esquerda deixem de
participar da ação, como demonstra a figura 6:
.
Figura 6 – Execução da Apojatura longa utilizando duas cordas do violão
A escolha da execução da apojatura longa utilizando duas cordas
do violão pode ser muito interessante, pois a duração das notas se mantêm
durante mais tempo que as realizadas com a técnica do ligado, porém, devese tomar cuidado para que as notas do ornamento sejam executadas
respeitando sua devida duração, para que nenhuma dissonância seja mantida
de forma indesejada pelo intérprete.
2.2 Accent.
A princípio, este termo, utilizado por François Couperin, causa uma
dificuldade no processo da tradução de seu significado para a língua
portuguesa. Para Dannheuther, o termo Accent é utilizado para indicar um
Nachschlag (DANNHEUTHER, 1893, p. 104). Existem algumas referências
do termo alemão Nachschlag que são discrepantes entre si. Hans-Martin
37
Linde, ao fazer a indicação de Nachschlag em seu guia de ornamentação,
traduz o termo como aspiração, e define o ornamento como não acentuado e
com a função de unir mais intimamente os sons da melodia. (LINDE, 1979, p.
11). O problema em utilizar o termo aspiração para traduzir Nachschlag para
o português é o fato de existir um ornamento, na mesma tabela de Couperin,
indicado como Aspiration, que pode levar a grandes confusões de
interpretação.
Já Robert Donington, em The Interpretation of Early Music,
apresenta o termo em inglês Passing Appoggiatura como uma possível
tradução de Nachschlag para apresentar um ornamento que não era utilizado
para indicar uma mera nota de passagem, e sim uma apojatura.
(DONINGTON, 1990, 161). É fácil deduzir que, a partir da denominação
utilizada por Donington, o termo Apojatura de Passagem é o mais indicado
para traduzir para a língua portuguesa este tipo de ornamento. Na Figura 7 é
apresentada a apojatura de passagem – ou Accent:
Figura 7 – Accent (COUPERIN, 1933, p. 39)
A execução deste ornamento, indicado na tabela de François
Couperin, pode ser realizada ao violão com a utilização de uma ou duas
cordas, e a escolha dessas possibilidades depende do resultado sonoro
desejado.
38
Para realizar a apojatura de passagem grafada por Couperin com a
utilização de apenas uma corda do violão, pode-se optar pela utilização da
técnica de ligados do violão, onde a primeira nota é tocada utilizando a
combinação entre as mãos direita e esquerda, e a nota principal é alcançada
pelo movimento de ligado da mão esquerda, como mostra a Figura 8.
Figura 8– Apojatura de Passagem executada em uma corda do violão com a utilização de
ligado de mão esquerda.
A apojatura de passagem também pode ser executada sem ligados
da mão esquerda, ou seja, executando todas as notas numa combinação
entre a mão direita e a mão esquerda, como mostra a Figura 9:
Ex. 9 – Apojatura de passagem executada apenas em uma corda do violão, sem a técnica de
ligados de mão esquerda.
A terceira possibilidade de execução da apojatura de passagem é
a aplicação da técnica de Campanellas do violão. O principio de execução é
similar ao uso da técnica de executar este ornamento em apenas uma corda
do violão, e sem a utilização de ligados da mão esquerda, só que se procura,
39
ao máximo, tocar as notas que se seguem em cordas distintas do violão,
como mostra a Figura 10.
Figura 10 – Apojatura de passagem executada com a técnica da Campanella
2.3 Tierce coulée, em montant:
Este
ornamento
pode
ser
identificado
como
um
Slide12,
representado na Figura 11. (DANNREUTHER, 1893, p. 104). Ele consiste em
um rápido ornamento melódico em que a nota principal é precedida por duas
notas auxiliares. (YATES, 1998, p. 165).
Figura 11 – Tierce coulée, em montant (COUPERIN, 1933, pg. 39) [no pentagrama superior
está representado o símbolo do ornamento e, abaixo, o efeito]
12
Decidiu-se por manter o nome deste ornamento em inglês, pois esta convenção é
freqüentemente utilizada pelos músicos, e está grafada dessa maneira na maioria dos métodos ou
tratados de ornamentação. Uma tradução possível para a palavra Slide é deslizamento.
40
Ao analisar o ornamento indicado por Couperin, nota-se que existe
um intervalo de terça maior entre as notas - indicadas por mínimas - Do e Mi,
e que elas devem soar ao final da execução do ornamento. Essa conclusão
pode ser tirada a partir da ligadura existente entre a primeira nota do
ornamento e a nota Do, representada por uma mínima. Frederick Neumann,
em “Ornamentation in Baroque and Post-Baroque Music”, vê este ornamento
como um ornamento composto, já que existe uma combinação entre um
arpejo e um Slide (NEUMANN, 1983, p. 504). Este trabalho decidiu manter a
denominação de Dannreuther, pois nas edições de música para violão é mais
usual a representação desse ornamento sem essa nota que se mantém em
intervalo de terça.
No violão, existem duas possibilidades para realizar este tipo de
ornamento indicado por Couperin. A primeira é a utilização da técnica de
ligado da mão esquerdo, como mostra a Figura 12, onde a primeira nota do
ornamento – Dó - é executada com o dedo indicador da mão direita,
procedida pela segunda nota - Ré – tocada com o dedo médio da mão direita,
que segue seu caminho até a nota Mi com o movimento de ligado da mão
esquerda.
Figura 12 – Apojatura dupla ascendente realizada com a técnica de ligado de mão esquerda.
41
Outra possibilidade para executar este ornamento no violão é com
a utilização do recurso da Campanella. A Primeira nota – Dó – é tocada com
o dedo indicador da mão direita na terceira corda. Em seguida toca-se com o
dedo médio a nota Ré do ornamento que não deve permanecer soando após
chegar à nota Mi, que é realizada com o dedo anular na primeira corda, como
mostra a Figura 13:
Figura 13 – Apojatura dupla ascendente realizada com o efeito de Campanella.
O violonista Stanley Yates apresenta, no livro ―J.S. Bach: Six
Unacconpanied Cello Suites Arrangeded for Guitar”, o Slide sem esse
intervalo de terça proposto por Couperin, como demonstra a Figura 14:
Figura 14 – Slides (Yates, 1998, p 165)
Como não existe nenhuma nota para ser mantida durante a
execução, a solução mais usual para a realização do ornamento proposto por
Yates é realizá-lo em apenas uma corda, tocando a primeira nota do
ornamento com um dos dedos da mão direita – neste caso o dedo médio – e
42
alcançar a nota principal por movimento de ligado da mão esquerda, como
mostra a Figura 15:
Figura 15 – Slide proposto por Yates digitado para ser executado em uma corda do violão.
2.4 Tierce coulée, en descendant.
A execução do Tierce coulée, en descendant, representado na
Figura 16, deve seguir os mesmos princípios do Tierce coulée, en montant,
pois é um Slide realizado de maneira descendente. (DANNREUTHER, 1893,
p. 105).
Figura 16 – Tierce coulée, en montant (COUPERIN, 1933, p. 39)
A melhor forma de executá-lo é com a utilização de três cordas do
violão, seguindo os mesmos princípios da técnica de arpejo de mão direita no
violão, como mostra a Figura 17. Toca-se a primeira nota do ornamento com
43
o dedo anular da mão direita, a segunda nota com o dedo médio da mão
direita. A nota real da melodia deve ser tocada com o dedo indicador da mão
direita. A nota tocada com o dedo médio da mão direita deve ser abafada
após sua realização, pois o que deve soar no final é um intervalo de terça.
Para abafar esta nota, pode-se tirar o dedo 1 da mão esquerda da nota ré ou
utilizar o dedo médio da mão direita.
Figura 17– Slide realizado com a utilização de três cordas do violão
Outra solução possível é com a combinação da mão direita e a
técnica de ligados, demonstrado na Figura 18. Toca-se a primeira nota do
ornamento com a mão direita – neste caso com o dedo anular -, e em seguida
toca-se também a segunda nota do ornamento com a mão direita – neste
caso com o dedo indicador. A nota real do ornamento é alcançada por
movimento de ligado.
Figura 18 – Slide realizado em duas cordas do violão, com a utilização da técnica de ligados.
44
2.5 Pincé simple:
Segundo Dannreuther, Pincé simple é o equivalente ao mordente
simples ou curto (DANNREUTHER, 1893, pg. 104). Bohumil Med diz:
Mordente é um ornamento que se compõe de duas notas que precedem a nota
real, sendo a primeira nota da mesma altura da nota real e a segunda um grau
acima ou abaixo dela. Na execução dá-se ao mordente uma parte da nota real,
ficando esta com o restante do valor. (MED, 1996, p. 306)
Na tabela de ornamentação de François Couperin encontra-se um
mordente simples inferior (cf. Figura 19), ou seja, onde a segunda nota está
uma nota abaixo da nota real (MED, 1996, p. 306).
Figura 19 – Pincé simple.(COUPERIN, 1933, p. 39) [No pentagrama superior encontra-se o
símbolo do ornamento e no inferior seu efeito]
A execução deste ornamento no violão pode ser feita através do
uso de uma ou duas cordas do violão. Pode-se encontrar no livro “El barroco
em la guitarra” de Ruy Guerra, referências sobre a possibilidade de executar
o mordente inferior em apenas uma corda, como mostra a Figura 20. Embora
o exemplo esteja transposto, o exemplo de Ruy Guerra tem o mesmo
45
desenho do ornamento de François Couperin, ou seja, a aplicação técnica é a
mesma.
Figura 20 – Mordentes inferiores executados em apenas uma corda do violão (GUERRA,
2001, p. 69)
Rey Guerra indica em a) a maneira mais comum de realizar o
mordente inferior e em b) uma forma muito orgânica de realização, já que ao
deslizar o dedo se permite que a nota final seja mais suave que a primeira,
que é a nota que leva a acentuação. (GUERRA, 2001, p. 69)
Ao decidir por realizar o mordente utilizando duas cordas do violão,
o intérprete tocará todas as notas do ornamento com a mão direita, utilizando,
como demonstrado na Figura 21, os dedos indicador e polegar ou médio e
polegar.
Figura 21 - Mordente, executado ao violão com a utilização de duas cordas (GUERRA, 2001,
p 71).
46
Outra possibilidade de executar esse ornamento com a mão direita
é com a utilização de três dedos da mesma, sendo eles os dedos anular,
indicador e médio, como mostra a Figura 22:
Figura 22 – Mordente inferior executado em duas cordas do violão. Amadeu Rosa
2.6 Pincé double:
Segundo Dannreuther, Pincé-double, representado no exemplo 23
pode ser identificado como um mordente duplo (DANNREUTHER, 1893, p.
104). Já Frederick Neumann diz que este ornamento pode ser caracterizado
como mordente múltiplo (NEUMANN, 1983, p.427).
Figura 23 – Pincé-double (COUPERIN, p. 39) [No pentagrama superior encontra-se
representado o símbolo do ornamento e no inferior seu efeito]
O mordente múltiplo pode ser realizado no violão, tal como o
mordente simples, em uma ou mais cordas. Os fatores que influenciam essa
47
escolha podem variar, sendo possível de citar, por exemplo, a escolha do
timbre desejado ou a fluência que a digitação do ornamento pode provocar
em certo trecho da música.
Ao escolher a alternativa de realizar o ornamento com a utilização
de uma corda do violão, o intérprete pode tocar a primeira nota, e as
seguintes serão executadas por meio da técnica de ligados do violão,
alternando as notas do ornamento, por exemplo, entre os dedos 1 (um) e 2
(dois) da mão esquerda, como mostra a Figura 24.
Figura 24 – Ornamento múltiplo executado com a mão esquerda por movimento de ligado.
Outra possibilidade é executar o ornamento múltiplo seguindo os
mesmos princípios de digitação de Ruy Guerra para a execução do mordente
simples, onde a última nota do ornamento é alcançada por movimento de
deslizamento, o que pode beneficiar na suavidade da nota final, como
demonstra a Figura 25:
48
Figura 25 – Mordente Múltiplo executado com a técnica de ligados de mão esquerda do
violão e com deslizamento na última nota.
Muitos violonistas escolhem alternar os dedos da mão esquerda
para conseguir maior fluência no ornamento. No caso do próximo exemplo, é
utilizada a alternância entre os dedos 2 e 3 da mão esquerda, como
demonstra a Figura 26:
Figura 26 – Mordente múltiplo executado com movimento de ligados e alternância dos dedos
da mão esquerda.
Assim como nos ornamentos anteriores, o mordente múltiplo pode
ter sua execução baseada na técnica de ornamentos de duas cordas do
violão. Para isso, são utilizados 4 (quatro) dedos da mão direita, sendo eles;
a, i, m, p, como demonstrado na Figura 27.
49
Figura 27 – Mordente múltiplo executado em duas cordas do violão.
2.7 Tremblement appuyé, et lié.
O ―Tremblement appuyé, et lié” , representado na Figura 28, é um
trinado que se executa da seguinte forma: Permanece-se sobre a nota
superior por volta de metade do tempo da nota principal, em seguida toca-se
o trino; finalmente repousa-se um pouco na nota principal. (DANNREUTHER,
1893, p. 104).
Figura 28 – Tremblement appuyé et lié (COUPERIN, 1933, p.39)
Para melhor entender a execução e a representação desse
ornamento na partitura, este trabalho recorre, como demonstrado na Figura
29, à explicação de Dannreuther para ―Tremblement appuyé‖, já que na
tabela de Couperin não existe a representação do efeito desse ornamento.
50
Figura 29 – Tremblement (DANNREUTHER, 1983, pg. 104). [No pentagrama superior
encontra-se grafado o símbolo do ornamento e no inferior seu efeito]
A execução desse ornamento no violão pode ser feita de duas
formas; com a utilização de uma corda do violão ou de duas. Na Figura 30,
encontra-se uma possibilidade de digitação para o ornamento realizado em
uma corda do violão, com a utilização da técnica de ligados.
Figura 30 – “Tremblement appuyé. et lié” executado em uma corda do violão, com a técnica
de ligados.
A segunda possibilidade para executar esse ornamento no violão,
utilizando duas cordas, é representada na Figura 31. São utilizados os dedos
polegar, anular, indicador e médio da mão direita.
Figura 31 – “Tremblement appuyé, et lié” executado em duas cordas do violão.
51
2.8Tremblement lié sans etre appuyé
François Couperin representa em sua tabela de ornamentação o
efeito do Tremblement lié sans etre appuyé, exemplificado na FIGURA 32,
retirada da tabela de ornamentação de François Couperin:
Figura 32 – Tremblement lié sans etre appuyé (COUPERIN, 1933, p. 39) [no pentagrama
superior está demonstrado o símbolo do ornamento no inferior seu efeito]
De acordo com o efeito representado, pode-se chegar à conclusão
que este ornamento pode ser identificado como um trinado antecipatório
(DANNREUTHER, 1983, p. 104). Este ornamento pode ser executado no
violão com a utilização de uma ou duas cordas do violão.
A primeira opção – utilizando apenas uma corda do violão – utiliza
a técnica de ligados do violão, alternando dedos 3 (três) e 1 (um) da mão
esquerda, como indicado na Figura 33:
Figura 33 – Trinado antecipatório, executado com a utilização da técnica de ligados do violão.
52
A segunda opção – executar o ornamento com a utilização de duas
cordas – necessita dos dedos; anular, médio, indicador e polegar da mão
direita, como representado na Figura 34:
Figura 34 – Trinado antecipatório, executado com a utilização de duas cordas do violão.
2.9Tremblement détaché
O Tremblement détaché, representado na Figura 35, funciona
como um trinado antecipatório, porém articulado – sem a ligadura.
(DANNREUTHER, 1983, p. 104)
Figura 35– Tremblement détaché (COUPERIN, 1933, p. 39) [no pentagrama superior
encontra-se grafado o símbolo do ornamento e no inferior seu efeito.]
53
Sua execução ao violão pode ser realizada através da utilização de
uma ou duas cordas do violão, sendo a escolha dessas opções baseadas no
timbre, ou facilidade que pode provocar em certa passagem musical.
Ao optar por realizar este ornamento com a utilização de apenas
uma corda do violão, a execução baseia-se na alternância dos dedos 3 (três)
e 1 (um) da mão esquerda, em movimento de ligados sucessivos, como
demonstrado na Figura 36:
Figura 36 – Tremblement détaché executado ao violão com a utilização da técnica de
ligados.
Este ornamento pode ser executado no violão com a utilização de
duas cordas do violão, alternando os dedos anular, médio, indicador e
polegar, como demonstrado na Figura 37:
Figura 37– Tremblement détaché executado com a utilização de duas cordas do violão
54
2.10 Pincés diésés, et bémolisés.
Para Dannreuther, ―Pincés diésés, et bémolisés”, representado na
Figura 38 é um mordente com indicação de acidentes. (DANNREUTHER,
1893, p. 104)
FIGURA 38 - Pincés diésés, et bémolisés (COUPERIN, 1933, p. 39). [no pentagrama superior
encontra-se representado o símbolo do ornamento, e no inferior seu efeito]
Ao violão, este tipo de indicação não surte efeitos técnicos que
causem uma distinção na maneira de aprender e estudar os ornamentos.
Eles devem ser entendidos como mordentes duplos e estudados de acordo
com os exemplos já aqui citados.
2.11Pincé continu.
Para Dannreuther, o Pincé continu, grafado na Figura 39 é um
mordente prolongado – ou contínuo- (DANNREUTHER, 1893, p. 105).
55
Figura 39 – Pincé continu (COUPERIN, 1933, p. 39) [No pentagrama superior encontra-se o
símbolo do ornamento e no inferior seu efeito]
A execução desse ornamento é parecida com a do pincé double e
pode ser realizada no violão com a utilização de uma ou duas cordas do
violão. Na primeira opção – utilizando apenas uma corda do violão - existem
ainda duas possibilidades. A primeira é representada na Figura 40, onde é
utilizada a técnica de ligados com alternância dos dedos 3 (três) e 1 (um) da
mão esquerda.
Figura 40 – Mordente contínuo utilizando a técnica de ligados do violão.
Outra possibilidade é também executar este tipo de mordente
utilizando a técnica de ligados do violão, só que com a alternância dos dedos
3 (três), 1 (um) e 2 (dois) da mão esquerda, como exemplificado na Figura 41:
56
Figura 41 – Mordente contínuo com a utilização da técnica de ligados do violão, com a
alternância dos dedos 3 (três), 2 (dois) e 1(um) da mão esquerda.
Para realizar o mordente contínuo em duas cordas do violão,
utilizam-se os dedos anular, indicador, médio e polegar da mão direita, como
exemplificado na Figura 42, retirada de um artigo de David Rusell:
Figura 42– Mordente contínuo executado com a utilização de duas cordas do violão
(RUSSELL, 15/set/2010)
2.12 Tremblement continu.
O Tremblement continu, exemplificado na Figura 43, é reconhecido
como um trinado prolongado ou contínuo (DANNREUTHER, 1893, p. 105).
Sua execução é muito parecida com a do Pincé Continu, tanto que os
dedilhados são praticamente os mesmos.
57
Figura 43 – Tremblement continu (COUPERIN, 1933, 39). [No pentagrama superior encontrase o símbolo do ornamento, e no inferior seu efeito]
Assim como no Pincé continu, o Tremblement continu pode ser
executados com a utilização de uma ou duas cordas do violão. Em uma
corda, utiliza-se a técnica de ligados do violão. Na Figura 44 é representado o
trinado contínuo executado com a técnica de ligados do violão com a
alternância dos dedos 3 (três) e 1 (um) da mão esquerda:
Figura 44 – Trinado contínuo executado com a utilização da técnica de ligados do violão.
Pode-se também executar esse trinado com o revezamento dos
dedos 3 (três) e 2 (dois) da mão esquerda utilizando a técnica de ligados do
violão, como representado na Figura 45:
58
Figura 45 – Trinado contínuo executado com a utilização da técnica de ligados do violão
Para a execução desse trinado em duas cordas do violão, utiliza-se
a alternâncias dos dedos anular, indicador, médio e polegar da mão direita,
como exemplificado na Figura 46:
Figura 46 – Trinado contínuo executado com a utilização de duas cordas do violão
(RUSSELL, 15/set/2010)
2.13
Arpègement, en montant.
O Arpègement, en montant, representado na Figura 47, é
facilmente identificado como um arpejo em movimento ascendente. O
Arpejo é a execução rápida e sucessiva das notas de um acorde, quase
sempre interpretada no início dele. (MED, 1996, p. 324)
59
Figura 47 – Arpègement, em montant (COUPERIN, 1933, p. 39) [No pentagrama superior
encontra-se símbolo do ornamento e no inferior seu efeito]
A execução das notas do arpejo pode ser bastante variada,
dependendo de uma série de fatores, dentre eles a quantidade de notas a
serem executadas. O arpejo em movimento ascendente grafado na tabela de
Couperin pode ser realizado no violão com a utilização do dedo polegar,
indicador, médio e anular, como demonstrado na Figura 48:
Figura 48 – Arpejo em movimento ascendente executado com os dedos polegar, indicador e
médio ou com os dedos indicador, médio e anular.
2.14
Arpègement, en descendant.
Este ornamento tem as mesmas características do ―Arpègement,
em montant”, só que realizado por movimento descendente, levando assim o
nome de “Arpègement, en descendant” , indicado na Figura 49:
60
Figura 49 - Arpègement, en descendant (COUPERIN, 1933, p. 39) [no pentagrama superior
encontra-se o símbolo do ornamento e no inferior seu efeito]
Sua execução, assim como no ―Arpègement, en montant”, possui
execuções variadas, dependendo da, novamente citando, quantidade de
notas. No arpejo representado na tabela de François Couperin, podem-se
executar os ornamentos com a utilização dos dedos polegar, indicador, médio
e anular da mão direita, como na Figura 50:
Figura 50 – Arpejo descendente realizado com a utilização dos dedos anular, médio e
indicador ou dos dedos médio, indicador e polegar.
61
2.15
Coulés, dont les points marquent que la seconde note de chaque
tems doit être plus appuyée
Para Frederick Neumann, o termo Coulés pode ser traduzido com
a utilização do verbo fluir e, geralmente, é usado para indicar um
embelezamento – ou ornamento – de uma nota descendente, ou que
descende. (NEUMANN, 1983, p. 50). Na tabela de François Couperin se
encontra a seguinte indicação, demonstrado na Figura 51:
Figura 51 - Coulés, dont les points marquent que la seconde note de chaque tems doit être
plus appuyée (COUPERIN, 1933, 39)
Para Dannreuther, a execução deste ornamento indicado na tabela
de Couperin deve ser como o representado na Figura 52.
Figura 52– Forma de execução do ―Coulés, dont les points marquent que la seconde note de
chaque tems doit être plus appuyée‖ (DANNREUTHER, 1893, p. 104)
62
A execução deste ornamento requer apenas o domínio da técnica
de abafar as notas do violão, já adquirida pela maioria dos estudantes. Para
abafar a nota, toca-se a nota que deve ser abafada e, em seguida, apaga-se
a nota com algum dos dedos da mão direita. A escolha do dedilhado depende
da digitação em que a nota que deve ser abafada foi tocada. Se ela foi
tocada, por exemplo, com o dedo indicador da mão direita, seria mais usual
abafá-la com o dedo médio ou anular, e assim por diante.
As notas podem ser abafadas também com a utilização da mão
esquerda do violão, onde a mesma repousa sobre as cordas após a
execução da nota que deve ser apagada. Se a nota a ser abafada for uma
nota presa – não estiver localizada em uma das cordas soltas do violão –, o
dedo da mão esquerda que está executando a nota deve ser retirado da
corda, causando assim o abafamento da nota.
2.16
Aspiration.
Aspiration, indicado na Figura 53 representa um quasi-legatto
(DANNREUTHER, 1893, p. 105).
63
Figura 53 – Aspiration (COUPERIN, 1933, p. 39). [No pentagrama superior encontra-se o
símbolo do ornamento, e no inferior seu efeito]
Sua execução ao violão também depende da técnica de abafar –
ou apagar – as notas que tenham indicação para a ocorrência de ornamento.
O mais usual é abafar a nota com um dos dedos da mão direita. Se a nota foi
tocada com o dedo indicador, deverá ser abafada, por exemplo, com o dedo
médio ou anular da mão direita, e assim por diante.
Ela também pode ser abafada com o auxilio da mão esquerda do
violão, onde a mesma repousa sobre a corda do violão após a execução da
nota que necessita ser abafada. Se a nota a ser abafada for uma nota presa –
não estiver localizada em uma das cordas soltas do violão –, o dedo da mão
esquerda que está executando a nota deve ser retirado da corda, causando
assim o abafamento da nota.
2.17
Suspension.
Suspension, grafada na Figura 54, é entendida como uma
respiração realizada anteriormente à nota real, portanto sua execução é um
pouco retardada (DANNREUTHER, 1893, p. 105).
64
Figura 54 – Suspension (COUPERIN, 1933, p. 39). [No pentagrama superior encontra-se o
símbolo do ornamento, e no inferior seu efeito]
Não são necessários muitos conselhos técnicos para a execução
desse tipo de ornamento ao violão, já que ele implica basicamente apenas no
retardamento da nota. Na Figura 54, por exemplo, a nota anterior ao
ornamento – nota dó, que é representada por uma semínima e se encontra
no terceiro tempo do primeiro compasso – deve ser abafada. Esse
abafamento deve contar com o auxílio dos dedos da mão direita ou da mão
esquerda.
2.18
Tremblement ouvert.
O Tremblement ouvert, representado na Figura55, é um trinado
com conclusão realizada de maneira ascendente (DANNREUTHER, 1893, p.
104).
65
Figura 55 - Tremblement ouvert (COUPERIN, 1933, p. 39)
Sua execução pode ser feita através da utilização da técnica de
ligados do violão combinada com a utilização da Campanella – notas
realizadas em mais de uma corda do violão – e como demonstrado na Figura
56, onde se inicia o trinado com uma série de ligados consecutivos e concluise o ornamento com a utilização de Campanella.
Figura 56 – Tremblement ouvert executado no violão com a combinação da técnica de
ligados de mão esquerda e da utilização de Campanella.
Outra maneira de realizar esse tipo de ornamento ao violão é
sugerida no artigo sobre ornamentos de David Russell, onde ele inicia o
ornamento sem o movimento de ligados, tocando todas as notas do trinado.
Para a conclusão, ele utiliza a técnica de ligados do violão e o efeito da
Campanella, como mostra a Figura 57:
66
Figura 57 – Tremblement ouvert executado ao violão com a utilização do efeito de
13
Campanella e da técnica de ligados de mão esquerda. (RUSSELL, 15/set/2010)
2.19
Tremblement fermé.
O Tremblement Fermé, representado na Figura 58, indica um
trinado que tem sua conclusão de forma descendente. (DANNREUTHER,
1893, p. 104).
Figura 58 – Tremblement fermé (COUPERIN, 1933, p. 39)
Sua execução ao violão deve ser fruto da combinação da técnica
de ligados e do efeito da Campanella, ou apenas com a utilização do trinado
realizado em mais de uma corda do violão – Campanella -. Na Figura 59 é
apresentado o exemplo do Tremblement fermé, iniciado com o movimento de
ligados de mão esquerda e terminado com o efeito da campanella:
13
Foram omitidas as três primeiras notas do ornamento, para melhor adequação do exemplo
de David Russell e do ornamento representado na tabela de François Couperin.
67
Figura 59 – Tremblement fermé executado ao violão com a utilização da combinação da
técnica de ligados e do efeito da Campanella.
Na Figura 60 encontra-se este ornamento iniciado com a técnica
de trinado realizada em duas cordas e, logo em seguida, sua finalização com
a utilização do efeito de Campanella:
Figura 60 – Tremblement firme executado ao violão com a utilização do efeito de
Campanella.
2.20
Port de voix simple.
O Port de voix simple, ornamento representado na Figura 61, é
entendido como um mordente simples precedido por uma apojatura curta –
ou breve - (DANNREUTHER, 1893, p. 104).
68
Figura 61 – Port de voix simple (COUPERIN, 1933, p.39). [No pentagrama superior encontrase o símbolo do ornamento, e no inferior seu efeito]
Sua execução ao violão pode ser realizada através da utilização de
uma ou duas cordas do violão. Essa escolha pode depender do timbre
desejado ou facilidade técnica que a escolha do ornamento pode
proporcionar. Na Figura 62 encontra-se representado o port de voix simple
realizado em apenas uma corda do violão, por movimento de ligados de mão
esquerda.
Figura 62 – Port de voix simple realizado em apenas uma corda do violão, por movimento de
ligados de mão esquerda.
Ao realizar o port de voix simple ao violão utilizando apenas uma
corda, pode-se optar por terminar a última nota por movimento de arraste,
como mostra a Figura 63, podendo assim suavizar a intensidade da última
nota, dando mais uniformidade ao ornamento como um todo.
69
Figura 63 - Port de voix simple realizado em uma corda do violão, por movimento de ligados
de mão esquerda e finalizado com um arraste.
O port de voix simple pode também ser realizado em duas cordas
do violão, utilizando os dedos indicador, anular e médio, como mostra a
Figura 64:
Figura 64 – Port de voix simple executado ao violão com a utilização de duas cordas.
2.21
Port de voix double.
O port de voix double, representado na Figura 65, consiste em um
mordente longo – ou duplo – precedido por uma apojatura longa.
(DANNREUTHER, 1893, p. 104).
70
Figura 65 – Port de voix double (COUPERIN, Ano, p.39). [No pentagrama superior encontrase o símbolo do ornamento, e no inferior seu efeito]
Sua execução ao violão pode ser feita através da utilização de uma
ou duas cordas do violão. Ao decidir por executar esse tipo de ornamento
com apenas uma corda do violão, se faz necessária a utilização da técnica de
ligados de mão esquerda, como mostra a Figura 66:
Figura 66 – Port de voix double executado ao violão com a utilização da técnica de ligados de
mão esquerda.
Pode-se também, ao optar por realizar o Port de voix double em
apenas uma corda do violão com a utilização da técnica de ligados, terminar
o ornamento com um arraste, que pode dar maior uniformidade ao
ornamento, como mostra a Figura 67:
71
Figura 67 – Port de voix double realizado ao violão com a utilização da técnica de ligados de
mão esquerda e arraste para a última nota.
O Port de voix double pode ser também realizado com a utilização
de duas cordas do violão, necessitando, assim, dos dedos indicador, médio,
polegar e anular da mão direita, como mostra a Figura 68:
Figura 68 – Port de voix double executado com a utilização de duas cordas do violão.
2.22
Double.
O Double, ornamento demonstrado na Figura 69, pode ser
compreendido como um grupeto (DANNREUTHER, 1893, p. 105). O grupeto
é um ornamento que se compõe de três ou quatro notas que precedem ou
seguem a nota real. (MED, 1996, p. 310).
72
Figura 69 – Double (COUPERIN, 1933, p. 39). [No pentagrama superior encontra-se o
símbolo do ornamento, e no inferior seu efeito]
No violão, esse ornamento, representado na tabela de Couperin,
pode ser realizado com a combinação da técnica de ligados de mão esquerda
e do efeito de Campanella, ou apenas utilizando o efeito de Campanella. Ao
escolher a primeira opção, usa-se a técnica de ligados da primeira para
segunda nota e segue-se com o efeito de Campanella, utilizando os dedos
médio, indicador e anular, como representado na Figura 70:
Figura 70– Grupeto realizado com a combinação da técnica de ligados de mão esquerda e
da Campanella.
Na Figura 71 está representada a maneira de realizar o grupeto de
Couperin, apenas utilizando o efeito de Campanella, executando as notas
com os dedos anular, médio e indicador da mão direita.
73
Figura 71 – Grupeto realizado com a utilização do efeito de Campanella.
2.23
Unisson.
Além da representação gráfica, como mostra a Figura 72, Couperin
não deixa mais nenhuma indicação a respeito do Unisson, o que nos leva a
deduzir sua execução apenas tendo como referência essa representação.
Uma pequena análise da figura revela a existência de dois mordentes que
acontecem simultaneamente.
Figura 72– Unisson (COUPERIN, 1933, p.39). [No pentagrama superior encontra-se o
símbolo do ornamento, e no inferior seu efeito]
O Unisson, ao violão, é pouco natural e sua aparição nas músicas
barrocas transcritas para violão é quase nula. O violonista escocês David
Russell apresenta em sua transcrição para a Sonata K490, de Domenico
Scarlatti, uma solução técnica para a realização desse tipo de ornamento,
como demonstra a Figura 73, onde o trinado que ocorre na região mais grave
74
é realizado com a técnica de ligados de mão esquerda. Já o ornamento que
ocorre na região mais aguda é realizado em duas cordas do violão, com a
utilização dos dedos anular, indicador, médio e polegar da mão direita.
Figura 73 – Unisson realizado na Sonata K490 de Domenico Scarlatti (SCARLATTI, 2001,
p.10)
75
CAPÍTULO 3
ORNAMENTAÇÃO EM LES SYLVAINS DE FRANÇOIS COUPERIN
Como o violão possibilita um grande leque de variantes para
escolha de digitações, tanto para a mão direita quanto para a mão esquerda
do instrumentista, este capítulo apresenta sugestões de ornamentações para
uma música de François Couperin. Ao contrário do capítulo anterior, onde
eram propostos diferentes dedilhados para a realização de um mesmo
ornamento, propõe-se aqui apenas um dedilhado para cada ornamento.
Les Sylvains, a peça escolhida pelo presente trabalho para ser
ornamentada, faz parte da primeira Ordre de peças.
A escolha do termo Ordre por Couperin nunca foi completamente explicada. Do
mesmo modo que as suítes, as Ordres justapõem danças, peças descritivas ou
de inspiração variada, escritas na mesma tonalidade, ou pelo menos em
tonalidades próximas. Esta maneira de ordenar as peças não obriga a execução
das Ordres em sua totalidade, podendo o intérprete agrupá-las de maneira
individual. (GATTI, 1998, p. 65)
As sugestões de ornamentos da versão para violão (cf. Anexo C),
não seguem estritamente as ornamentações indicadas por François Couperin
na versão original para cravo, por razões de adaptação para a possibilidade
de realização do violão. O critério de escolha dos ornamentos baseia-se nas
ornamentações indicadas na tabela de ornamentação de François Couperin
(cf. Anexo A).
76
Já no primeiro compasso da peça, são encontrados um Port de
voix simple – mordente simples precedido por uma apojatura -, que aparece
no primeiro tempo do compasso, e um Port de voix simple – mordente duplo
precedido por uma apojatura -, que aparece no terceiro tempo do compasso,
como mostra a Figura 74:
Figura 74 – Port de voix simple e Port de voix double presentes no Compasso 1
O dedilhado escolhido para a execução do Port de voix simple ao
violão utiliza duas cordas do instrumento, onde há a alternância dos dedos
anular, indicador, médio e polegar da mão direita, como demonstrado na
Figura 75. A nota ré grave deve ser executada com o dedo polegar da mão
direita simultaneamente com a primeira nota do ornamento - Si.
Figura 75 – Port de voix simple executado ao violão
77
Para a execução do Port de voix double, emprega-se a mesma
técnica do ornamento anterior, ou seja, com a utilização de duas cordas do
violão, alternando os dedos anular, polegar, indicador e médio da mão direita,
usando a seqüência sugerida na Figura 76. A nota Fá grave deve ser
executada com o dedo polegar da mão direita, simultaneamente com a
primeira nota do ornamento.
Figura 76 – Port de voix double executado ao violão
Já no primeiro tempo do segundo compasso, há a ocorrência de
um Pincé simple - mordente simples - , representado na Figura 77:
Figura 77 – Pincé simple, que aparece no Compasso 2.
78
A execução desse ornamento ao violão, representada na Figura
78, utiliza duas cordas do violão e a seqüência anular, indicador e médio dos
dedos da mão direita. O baixo deve ser executado com o polegar e tocado
simultaneamente com a primeira nota do ornamento.
Figura 78 – Pincé simple executado ao violão
A Figura 79 demonstra um Pincé simple, que aparece novamente
no terceiro compasso da música:
Figura 79 – Pincé simple que aparece no compasso 3
Sua execução ao violão é similar a do ornamento anterior, ou seja,
utilizam-se duas cordas de violão e os dedos anular, indicador e médio da
mão direita, nessa respectiva seqüência, como demonstrado na Figura 80. A
nota Dó deve ser executada com o polegar simultaneamente com a primeira
nota do ornamento.
79
Figura 80 – Pincé simple executado ao violão
No quarto compasso da música há a ocorrência de um mordente
duplo, representado aqui na Figura 81.
Figura 81 – Mordente duplo presente no compasso 4.
A execução desse mordente duplo é parecida com a dos
ornamentos duplos representados anteriormente nesse capítulo, ou seja, com
a utilização de duas cordas do violão, como demonstrado na Figura 82. Tocase a sequência; a, i, m, p. A nota grave – Sol – deve ser executada com o
dedo polegar da mão direita, simultaneamente com a primeira nota do
ornamento.
80
Figura 82- Mordente duplo executado ao violão
No sétimo compasso, há a ocorrência de um trinado, localizado no
terceiro tempo do compasso, como demonstra a Figura 83:
Figura 83 – Trinado encontrado no Compasso 7
Para a realização desse trinado ao violão, utilizam-se duas cordas
do violão e a seguinte combinação de dedos; a, i, m. p. a. i, m e p, como
demonstra a Figura 84:
Figura 84 – Trinado executado ao violão
81
Para evitar atrasos, em relação ao tempo de execução, nota Ré
grave, localizada no segundo tempo do compasso, deve ser executada com a
mão esquerda do violão, simultaneamente com a nota final do ornamento - Lá
-. Essa técnica – de executar a nota apenas com a mão esquerda - funciona
como o principio da técnica de ligados do violão, porém, não se utiliza a mão
direita para tocar a primeira nota, como na técnica de ligados convencional.
Um bom exercício para conseguir precisão rítmica e de execução, é tocar as
cordas soltas do violão – Mi, La, Ré, Sol, Si, Mi – apenas com a mão
esquerda. Ao realizar essa técnica, a mão esquerda deve realizar o
movimento de ligado e repousar sobre a corda inferior. Na Figura 84, por
exemplo, a mão esquerda realiza a nota Ré encontrada na sexta corda do
violão e, após esse movimento de ligado, repousa sobre a quinta corda do
violão. Sem essa técnica, o baixo e a última nota do ornamento não podem
ser executadas simultaneamente.
No compasso 9, representado na Figura 85, há a ocorrência de
dois ornamentos. O primeiro deles é um Port de voix simple, localizado no
primeiro tempo do compasso. No terceiro tempo do compasso há a
ocorrência de uma apojatura longa.
Figura 85 – Port de voix simple e Port de voix coulée, encontrados no compasso 9
82
Para a execução do Port de voix simple ao violão devem-se utilizar
duas cordas do violão e os dedos a, i, m e p da mão direita, como demonstra
a Figura 86. A nota Ré grave deve ser executada com o polegar
simultaneamente com a primeira nota do ornamento.
Figura 86 – Port de voix simple executado ao violão
A apojatura longa, como mostra a Figura 87, é executada ao violão
com a utilização de apenas uma corda, em movimento de ligado.
Figura 87 – Apojatura longa executada ao violão
No compasso 10, representado aqui na Figura 88, há a ocorrência
de dois ornamentos. O primeiro deles é o Double – ou grupeto –, localizado
83
no segundo tempo do compasso, e o segundo é um mordente duplo,
localizado no quarto tempo do compasso.
Figura 88 – Grupeto e Mordente duplo, ocorrentes no compasso 10.
O grupeto, como demonstrado na Figura 89, deve ser realizado,
nesse caso, com a utilização do efeito de Campanella, ou seja, executado em
cordas separadas do violão. Os dedos da mão direita utilizados são; anular,
médio e indicador.
Figura 89 – Grupeto executado ao violão.
O mordente duplo, representado na Figura 90, segue as mesmas
recomendações dos mordentes duplos já demonstrados anteriormente, ou
seja, é executado em duas cordas do violão, com a combinação de dedos a,
84
i, m e p, nessa respectiva ordem. A nota do baixo – Ré – deve ser executada
simultaneamente com a primeira nota do ornamento.
Figura 90 – Mordente duplo executado ao violão
No compasso de número 11, demonstrado na Figura 91, há
novamente a ocorrência de um mordente duplo:
Figura 91 – Compasso 11
Sua execução ao violão, novamente, segue o mesmo modelo dos
outros mordentes duplos aqui representados, utilizando duas cordas do
violão, como mostra a Figura 92:
85
Figura 92 – Mordente duplo executado ao violão
No primeiro tempo do compasso 12, como mostra a Figura 93, há
duas vezes a ocorrência do Port de voix coulée, ou mordente simples. A
primeira no primeiro tempo do compasso, e a segunda no segundo tempo.
Figura 93 – A dupla ocorrência do Port de voix coulée, no Compasso 12
Sua execução ao violão é feita através da utilização da técnica de
ligados, como demonstra a Figura 94:
Figura 94 – Port de voix coulée executado ao violão
86
Se a execução do ornamento anterior foi feita através da técnica
de ligados, o segundo utiliza duas cordas do violão, onde se tocam todas as
notas do ornamento, como mostra a Figura 95:
Figura 95 – Port de voix coulée executado ao violão.
No compasso 13 da música, representado na Figura 96, existe a
ocorrência de um port de voix coulée localizado no primeiro tempo do
compasso, e de um Slide, localizado no terceiro tempo do compasso.
Figura 96 – Ocorrência de um port de voix coulée e de um Slide, no compasso 13
Nesse Port de voix coulée optou-se por tocar todas as notas do
ornamento com a mão direita, como mostra a Figura 97, utilizando os dedos
anular e médio.
87
Figura 97 – Port de voix coulée executado ao violão
A execução do Slide proposto utiliza apenas uma corda do violão,
realizado através da técnica de ligados de mão esquerda, partindo da corda
solta, tocada com o dedo anular da mão direita, e atingindo a nota final
através dos dedos 2 e 4 da mão esquerda, como mostra a Figura 98:
Figura 98 – Slide executado ao violão
Já no compasso de número 14, representado na Figura 99,
encontra-se, novamente, um mordente duplo, situado no primeiro tempo do
compasso:
Figura 99 – Mordente duplo, encontrado no compasso 14
88
Para a realização desse mordente, optou-se por utilizar a técnica
de ligados do violão, utilizando apenas uma corda, alternando os dedos 2 e 1
da mão esquerda, como mostra a Figura 100:
Figura 100 – Mordente duplo, executado ao violão
No compasso de número 15, representado na Figura 101,
encontram-se dois ornamentos. O primeiro, ainda não utilizado nessa música,
é um Tierce coulée, encontrado no segundo tempo do compasso. No terceiro
tempo do compasso, encontra-se, novamente, um mordente duplo:
Figura 101 – Tierce coulée e mordente duplo, encontrados no Compasso 15
89
Para a realização do Tierce coulée – onde se deve, ao final do
ornamento, soar um intervalo de terça – utiliza-se duas cordas do violão,
como demonstra a Figura 102. Da primeira para a segunda nota do
ornamento, utilizam-se os dedos médio e indicador da mão direita. A última
nota do ornamento deve ser alcançada por movimento de ligado de mão
esquerda.
Figura 102 – Tierce coulée, executado ao violão
O mordente duplo segue as mesmas orientações que os anteriores
para sua execução. Utilizam-se duas cordas do violão, utilizando os dedos
anular, indicador, médio e polegar da mão direita, nessa respectiva ordem,
como demonstra a Figura 103. A nota do baixo – Mi – deve ser executada
com o dedo polegar da mão direita, simultaneamente com a primeira nota do
ornamento.
Figura 103 – Apojatura dupla, executada ao violão.
90
No compasso de número 18, encontram-se três apojaturas longas,
situadas no primeiro, segundo e terceiro tempo do compasso, como mostra a
figura 104:
Figura 104 – Apojaturas longas encontradas no Compasso 18
Essas três apojaturas, ao violão, têm execução bastante similares.
Na primeira apojatura, utilizam-se duas cordas do violão, tocando as notas
com os dedos médio e indicador da mão direita, como mostra a Figura 105:
Figura 105 – Apojatura longa, executada ao violão
Na segunda apojatura desse compasso, representada na Figura
106, tocam-se, novamente, as notas utilizando duas cordas do violão, e os
dedos médio e indicador da mão direita.
91
Figura 106 – Apojatura longa, executada ao violão
A terceira apojatura, demonstrada na Figura 107, é executada,
dessa vez, de maneira ascendente, ou seja, parte da nota mais grave para a
mais aguda. Utilizam-se duas cordas do violão e os dedos indicador e médio
da mão direita.
Figura 107 – Apojatura longa, executada ao violão
No compasso 19, representado na Figura 108, encontra-se um
Port de voix double, situado no terceiro tempo.
Figura 108 – Port de voix double, encontrado no Compasso 19
92
Para a realização desse ornamento, utilizam-se duas cordas do
violão, tocando as notas com os dedos da mão direita na seguinte ordem;
anular, polegar, anular, indicador, médio e polegar, como demonstra a figura
109. A nota do baixo – Sol – deve ser executada com o dedo polegar da mão
direita simultaneamente com a primeira nota do ornamento.
Figura 109- Port de voix double, executado ao violão
No compasso 20, representado na Figura 110, é encontrado um
mordente duplo, situado no primeiro tempo.
Figura 110 – Mordente duplo, encontrado no compasso 20
Optou-se por executar esse ornamento com a utilização de apenas
uma corda do violão, por meio da técnica de ligados de mão esquerda,
alternando entre os dedos 3 e 1 , como mostra a Figura 111.
93
Figura 111 – Mordente duplo, executado ao violão
No terceiro tempo do compasso 28, representado na Figura 112,
encontra-se, novamente, um mordente duplo.
Figura 112 – Mordente duplo, encontrado no Compasso 28
A execução desse mordente duplo é similar aos propostos
anteriormente, ou seja, utilizando duas cordas do violão, tocando as notas
com os dedos anular, indicador, médio e polegar da mão direita, com mostra
a Figura 113. A nota do baixo – Fá – deve ser executada simultaneamente
com a primeira nota do ornamento.
94
Figura 113– Mordente duplo, executado ao violão
No primeiro tempo do compasso de número 29, representado na
Figura 114, encontra-se uma apojatura longa:
Figura 114 – Apojatura longa, encontrada no Compasso 29
Sua execução ao violão, representada na Figura 115, utiliza duas
cordas do violão, tocando as notas com os dedos indicador e médio da mão
direita.
Figura 115 – Apojatura longa, executada ao violão.
95
No compasso 31, representado na Figura 116, são encontrados
dois ornamentos. Situado no primeiro tempo, está um mordente duplo. No
terceiro compasso, encontra-se um trinado.
Figura 116 – Compasso 31
Executado ao violão, esse ornamento utiliza duas cordas do violão,
tocando as notas com os dedos anular, indicador, médio e polegar da mão
direita, como mostra a Figura 117. A nota do baixo – Sol – deve ser
executada com o dedo polegar da mão direita, executada simultaneamente
com a primeira nota do ornamento.
Figura 117 – Mordente duplo, executado ao violão
96
O trinado, representado na Figura 118, também utiliza duas cordas
do violão, utilizando a seguinte combinação dos dedos da mão direita; anular,
indicador, médio, polegar, anular, indicador, médio e polegar. A segunda nota
grave- Si – deve ser executada com a mão esquerda, em um movimento
parecido com a técnica de ligados, simultaneamente com a última nota do
ornamento. Isso ocorre pelo fato do dedo polegar, que geralmente executaria
o baixo, está envolvido na realização do ornamento.
Figura 118- Trinado, executado ao violão.
No compasso de numero 44, representado na Figura 119,
encontra-se, novamente, um trinado.
Figura 119 – Trinado, encontrado no Compasso 44
97
Sua execução no violão utiliza a mesma combinação do trinado
anterior, ou seja, com os dedos da mão direita alternados na seguinte
seqüencia; anular, indicador, médio, polegar, anular, indicador, médio e
polegar, como mostra a Figura 120. Novamente, a segunda nota da linha do
baixo – Lá - deve ser executada com a mão esquerda do violão, utilizando o
dedo 1, em um movimento parecido com a técnica de ligados. Isso ocorre
pelo falo do dedo polegar da mão direita, que usualmente executaria esse
baixo, está envolvido na realização do ornamento.
Figura 120 – Trinado, executado ao violão
No compasso 55, representado na Figura 121, encontra-se uma
apojatura longa, situada no primeiro tempo do compasso.
Figura 121– Apojatura Longa, encontrada no Compasso 55
98
Sua execução ao violão, representado na Figura 122, utiliza duas
cordas do violão, tocando as notas com os dedos indicador e médio da mão
direita.
Figura 122 – Apojatura longa, executada ao violão
No compasso de número 56, representado na Figura 123,
encontra-se, novamente, um trinado, situado no terceiro tempo do compasso.
Figura 123 – Trinado, encontrado no Compasso 56
Sua execução, como mostrado na Figura 124, utiliza a técnica de
ligados do violão, alternando entre os dedos 3 e 2 da mão esquerda. A
segunda nota da linha do baixo – Ré – pode, dessa vez, ser executada com o
dedo polegar da mão direita, já que o mesmo não está envolvido na execução
do ornamento.
99
Figura 124 – Trinado, executado ao violão
No compasso 61, representado na Figura 125, encontram-se dois
ornamentos. O primeiro ornamento, localizado no primeiro tempo do
compasso, é uma apojatura longa. O segundo ornamento, localizado no
terceiro tempo do compasso, é um trinado.
Figura 125– Apojatura longa e trinado, localizados no Compasso 61
Para a execução da apojatura longa, como mostra a Figura 126,
utiliza-se a técnica de ligados do violão. Toca-se a primeira nota com o dedo
4 da mão esquerda, e em seguida realiza-se o ligado, em direção a nota ré,
que é feita pelo dedo 3 da mão esquerda.
100
Figura 126 – Apojatura longa, executada ao violão.
O trinado é executado através da técnica de ligados do violão,
alternando entre os dedos 2 e 3 da mão esquerda, como mostra a Figura 127.
A segunda nota da linha do baixo – Fá – pode ser executada, novamente,
com o dedo polegar da mão direita, já que o mesmo não está envolvido na
execução do ornamento.
Figura 127 – Trinado, executado ao violão.
No compasso 65, representado na Figura 128, encontra-se, no
terceiro tempo, um mordente duplo:
101
Figura 128 – Mordente duplo, encontrado no Compasso 65
Este ornamento, executado ao violão, segue a mesma técnica de
execução dos outros mordentes duplos aqui representados, ou seja, utilizamse duas cordas do violão, com a seguinte combinação de dedos da mão
direita: anular, indicador, médio e polegar, como mostra a Figura 129. A nota
do baixo – Sol – deve ser executada com o dedo polegar da mão direita,
simultaneamente com a primeira nota do ornamento.
Figura 129 – Mordente duplo, executado ao violão
No compasso 66, representado aqui na Figura 130, encontra-se
um Port de voix simple, ou seja, um mordente simples precedido por uma
apojatura longa. Esse ornamento se encontra no primeiro tempo do
compasso.
102
Figura 130 – Port de voix simple, encontrado no Compasso 66
A execução desse ornamento ao violão, representado na Figura
131, utiliza a técnica de ligados de mão esquerda, com o auxilio dos dedos 2
e 1, ambos da mão esquerda.
Figura 131 – Port de voix simple, executado ao violão
O último ornamento sugerido para esta música, encontrado no
compasso 69, é um trinado, representado aqui pela Figura 132, e está
localizado no terceiro tempo do compasso.
Figura 132 – Trinado, encontrado no Compasso 69
103
Sua execução ao violão, aqui representada na Figura 133, é
realizada através da técnica de ligados de mão esquerda, utilizando os dedos
2 e 1, ambos da mão esquerda. A segunda nota da linha do baixo – Ré –
pode, nesse caso, ser executada com o dedo polegar da mão direita, já que o
mesmo não está envolvido na realização do ornamento.
Figura 133 – Trinado, executado ao violão
104
CONCLUSÃO
O presente trabalho se propôs a realizar um detalhado estudo
sobre a tabela de ornamentação de François Couperin e sua transcrição e
execução ao violão, e claro, o papel desse instrumento na execução da
música barroca.
A primeira importante questão colocada é o fato de que o violão
não pertence à realidade de uma época em que os ornamentos faziam parte
de uma tradição de execução, levando em consideração que sua construção
é datada do século XIX. O presente trabalho adotou como causa do
aparecimento do repertório barroco transcrito para violão, a necessidade de
preencher a lacuna de alguns séculos de produção musical para o
instrumento.
No primeiro capítulo, foram apresentados os principais conceitos
históricos e interpretativos da música barroca. O primeiro assunto voltado ao
ponto de vista histórico é a questão das datas estabelecidas para delimitar
esse período. Chegou-se a conclusão de que o período barroco não tem a
uniformidade que outros períodos da história da música têm e, para melhor
entendimento, deve ser fragmentado em outras três fases distintas; barroco
primitivo, barroco médio e barroco tardio, atribuindo características a cada
uma dessas fases, com o objetivo de diferenciá-las. Também foram dados
105
exemplos dos principais compositores da época e formas musicais que
nasceram – ou se desenvolveram - durante o período barroco.
Do ponto de vista interpretativo, foram expostas razões pela qual a
música antiga, atualmente, vem provocando interesse aos intérpretes. Foram
apresentadas também as três possíveis escolhas interpretativas que o
intérprete pode adotar. A primeira escolha apontada é a de executar a música
antiga com os olhares do presente. A segunda escolha interpretativa é
chamada de autêntica ou, melhor dizendo, recolocar a música ao passado,
seguindo estritamente as indicações sobreviventes do período barroco. A
terceira escolha interpretativa propõe um ponto de equilíbrio entre as
tradições do passado e o conhecimento musical do presente.
Este trabalho deixa muito claro sua posição perante as escolhas
interpretativas. É bastante coerente dizer que um trabalho que propõe a
realização de uma das tradições do passado – a ornamentação -, sob os
olhares de um músico do passado – Couperin -, em um instrumento moderno
– violão -, busca um ponto de equilíbrio entre passado e presente, seguindo,
então, a terceira escolha interpretativa.
A partir disso, o segundo capítulo do trabalho apresentou diversas
soluções técnicas para a realização dos ornamentos indicados por Couperin,
discutindo, por exemplo, a questão de realizar os ornamentos em uma ou
duas cordas. Como os ornamentos indicados por Couperin estavam em
língua francesa ou, às vezes, não tinham a indicação convencional – ou
padrão – foram identificados cada um dos ornamentos, para melhor
entendimento deles, novamente, com os olhares modernos.
106
O terceiro capítulo propôs ornamentações na obra Les Sylvains,
integrante da primeira Ordre de peças para cravo, seguindo as indicações de
Couperin dadas em sua tabela de ornamentação e os dedilhados que foram
propostos no segundo capítulo para sua execução. Conseqüentemente, o
trabalho visa contribuir para o crescimento do repertório de música barroca
que é executado ao violão, já que para melhor explicação da parte prática dos
ornamentos dadas no terceiro capítulo, foi confeccionada uma transcrição.
Por fim, esta pesquisa permitiu a melhor integração entre o violão e
a
música barroca, pois proporcionou material de
consulta
voltado
especificamente para o instrumento, sendo esses materiais hoje, infelizmente,
ainda escassos. Sendo assim, o presente trabalho, com certeza, contribuirá
para as futuras melhores performances voltadas a música barroca realizadas
pelo violão.
107
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108
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New York: Mel Bay Publications, 1998.
109
ANEXO A
Tabela de ornamentação de François Couperin, extraída do livro L’Art de
Toucher le Clavecin.
110
111
ANEXO B
―Les Sylvains‖ de François Couperin, em sua versão original para cravo,
extraída do livro ―Complete Keybord Works‖
112
113
114
ANEXO C
―Les Sylvains‖ de François Couperin, transcrita para violão por Amadeu
Rosa.
115
116
117
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O Violão e a Ornamentação nas Obras de François - Sem