Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG
2º Módulo Regional Nordeste
Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007.
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Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG
ÍNDICE SUMÁRIO
Textos
Página
01
Matriz Pedagógica do I Módulo do Curso de Formação de Educadores
e Educadoras em Concepção e Prática Sindical e em Metodologias
01
02
Herança de diferenciação e futuro de fragmentação
fragmentação
Tânia Bacelar
06
03
Ascensão e Queda do Coronelismo
Voltaire Schilling
31
04
Contexto e Diversidade das agriculturas Familiares no Nordeste semisemiárido
Patrick Caron e Eric Sabourin (organizadores)
40
05
Origem e papel dos sindicatos
Altamiro Borges
49
06
História do movimento sindical – Cartilha da CNTE
55
07
Concepções e correntes sindicais no Brasil
Amarildo Carvalho de Souza e Domingos Corcione
67
08
A historia das nossas raízes: itinerário das lutas dos trabalhadores (as)
rurais no Brasil e o surgimento do sindicalismo rural
Maria do Socorro Silva
83
09
Trajetória política da contag - as primeiras lutas
98
10
Participação das mulheres na luta dos trabalhadores e no movimento
sindical
Maria Valéria Junho Penna
111
11
A mulher e a emergência da
da seca no nordeste do Brasil
Izaura Rufino Fischer e Lígia Albuquerque
119
12
Muito trabalho e nenhum poder marcam as vidas das agricultoras
familiares
Taciana Gouveia
127
13
Margaridas nas ruas: As mulheres trabalhadoras rurais como categoria
política
Maria Dolores de Brito Mota
135
14
Potencial e limite das disputas políticas: pontos para reflexão
Sara Pimenta e Domingos Corcione
146
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2°MÓDULO DO CURSO DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES E EDUCADORAS EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA SINDICAL E METODOLOGIA DA FORMAÇÃO.
(REGIÃO NORDESTE
ORDESTE)
Data: 04 a 10 de novembro de 2007
Local: Hotel Beira Mar
Endereço: AV. ROTARY S/N - ATALAIA VELHA, ARACAJU (SE), FONE / FAX: 79 - 21062106-8989
MATRIZ PEDAGÓGICA
Objetivo Geral:
•
Contribuir com a formação de militantes do MSTTR, de modo que aprimorem sua capacidade multiplicadora e
potencializadora da ação formativa em suas áreas de atuação.
Objetivos Específicos:
•
•
•
•
Socializar e aprofundar referenciais teóricos, políticos e ideológicos que fundamentam e alimentam os ideais e a luta
sindical e popular.
Re-avaliar e fortalecer a luta sindical, numa visão e ação sindical transformadoras, estimulando processos de mudanças de
atitudes, comportamentos e práticas individuais e coletivas, coerentes com as exigências de implementação do PADRSS.
Favorecer a experimentação, sistematização e apropriação de novas metodologias pedagógicas que realimentem a prática
formativa do movimento sindical.
Contribuir para a constituição de uma rede de formadores/as que assumam e implementem o projeto de formação do
MSTTR.
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EIXO TEMÁTICO: HISTÓRIA, CONCEPÇÃO, ESTRUTURA E PRÁTICA SINDICAL.
EIXOS PEDAGÓGICOS: PEDAGOGIA PARA UMA NOVA SOCIABILIDADE E MEMÓRIA E IDENTIDADE.
Observação: utilizar a linha do tempo como principal recurso pedagógico.
Dia 04 de novembro
novembro de 2007 (Domingo)
Período
Tema e SubSub-temas.
Objetivos
Responsáveis
Mística de acolhida
Avançar no processo de integração do grupo. Articular Rede de educadores (as) de
com a mística do I Módulo (elementos da natureza)
Sergipe e equipe ENFOC
Abertura Política do II Curso
Coordenação Política da ENFOC, Regional da CONTAG,
convidados Reafirmar os compromissos, princípios e
objetivos da ENFOC.
MANHÃ
Roteiro, acordos, comissões de
trabalho.
Memória e Identidade – Perfil de
militância
Estabelecer a partir das identidades individuais, a
identidade de grupos, favorecendo a percepção de
construção histórica tanto das concepções presentes na
sociedade, quanto os fatos significativos vivenciados
individual e coletivamente.
ReRe-apropriação do I Módulo
Estimular uma releitura do I Módulo e a compreensão da
inter-relação entre o I e II módulos (identidade, trabalho,
sistemas de sociedade, Estado e politicas públicas,
organização e lutas, diálogos pedagógicos)
Comissões
de
trabalho:
Organização e apoio; mística e
animação; avaliação; relatoria
e sistematização.
Obs: agrupar por gênero;
geração; raça-etnia; tempo de
movimento e fatos
significativos; e motivação
para militância.
Rede de educadores (as)
TARDE
Contexto e origem do sindicalismo no
Brasil
Brasil até o inicio da década de 30
Amarildo Carvalho – assessor
Compreender a formação da classe trabalhadora no
da CONTAG
Brasil.
NOITE
Sessão de Cinema
Exibição do Filme “VIDAS SECAS”
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Dia 05 de novembro de 2007 (Segunda Feira)
Período
Tema e SubSub-temas.
temas.
Objetivos
Responsáveis
MANHÃ
Contexto regional até a década de 30.
Compreender as relações sociais, políticas, econômicas e
de lutas no Nordeste.
Socorro Silva – colaboradora
da ENFOC
TARDE
Formação da estrutura sindical oficial
Organizações de
de trabalhadores no
campo brasileiro (das LIGAS
Camponesas à ULTAB)
Compreender o papel do Estado na organização sindical
e nas relações capital e trabalho.
Compreender o processo de organização e as principais
bandeiras de luta das organizações nesse período
Socorro Silva – colaboradora
da ENFOC
Memória da constituição e organização
do MSTTR no nordeste
Preparar as apresentações do Tempo Comunidade
(história, lutas e organização das entidades sindicais do
MSTTR)
Rede de educadores (as)
Dia 06
06 de novembro
novembro de 2007 (Terça
(Terça Feira)
Período
MANHÃ E
TARDE
Tema e SubSub-temas.
Objetivos
Responsáveis
Diálogos pedagógicos
Reapropriação dos temas trabalhados nos dias
anteriores
Equipe ENFOC e Comissão de
sistematização
Memória da constituição e organização
do MSTTR no nordeste (Apresentação
das federações e exposição dialogada)
Favorecer uma leitura critica da historia, organização e
lutas das entidades do MSTTR, explicitando:
Socorro Silva – colaboradora
da ENFOC
As formas anteriores de organização.
Concepções e correntes políticas na fundação
das FETAGs.
Principais demandas e bandeiras de luta.
As mudanças na organização e bandeiras de luta
das Federações até os dias atuais.
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Comissão de Sistematização
uma
síntese
das
fará
apresentações.
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No dia 06 (noite), haverá lançamento de filme sobre migração nordestina para o corte da cana em São Paulo – Professor Beto Novaes
Dia 07 de novembro de 2007 (Quarta Feira)
Período
Tema e SubSub-temas
Objetivos
Responsáveis
MANHÃ
Diálogos pedagógicos:
Leitura critica de duas importantes e estratégicas frentes
lutas
Memória das lut
as dos assalariados e de luta no Nordeste:
pela reforma agrária de finais da
Reforma Agrária
década de 70 aos anos 80
Organização e Luta dos Assalariados/as.
Moderação de Beto Novaes
(luta dos assalariados
assalariados na
região)
região)
Comissões e equipe ENFOC
TARDE
Organização das centrais sindicais no
Brasil e o dialogo com a CONTAG
Testemunho de Francisco
Urbano Filho – exex-presidente
da CONTAG e José Carmo –
Colaborador da FETASE
Favorecer maior compreensão sobre a formação das
centrais sindicais no inicio dos anos 80 e a participação
da CONTAG nesse processo.
Dia 08 de novembro de 2007 (Quinta Feira)
Período
Tema e SubSub-temas
MANHÃ
Livre
TARDE
Memória da Luta das mulheres
trabalhadoras
abalhadoras rurais no Nordeste.
tr
Objetivos
Responsáveis
Favorecer maior compreensão sobre a trajetória
organizativa e de luta das mulheres trabalhadoras rurais
nordestinas.
Testemunhos:
Rita – CUT/PB
Vanete Almeida – REDELAC
Trazer as dimensões de classe, raça e etnia.
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Raimunda Celestina
Mascena – CONTAG
de
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Dia 09 de novembro de 2007 (Sexta Feira)
Período
Tema e SubSub-temas
Diálogos Pedagógicos
MANHÃ
Objetivos
Responsáveis
Reapropriação dos temas trabalhados nos dias
anteriores
Equipe ENFOC e Comissão de
Sistematização
Manoel José dos Santos Presidente da CONTAG
Memória da organização do MSTTR a Favorecer uma leitura critica sobre a trajetória do MSTTR
de 1990 aos nossos dias.
partir de 1990
TARDE
Reflexão sobre a organização e pratica sindical do MSTTR Manoel José dos Santos ontem e hoje
Presidente da CONTAG
Organização, Estrutura e Prática
Sindical
Explicitar a importância do PADRSS enquanto referencia
de mudanças na organização do MSTTR.
Diálogos Pedagógicos:
Pedagógicos:
Política Nacional de Formação (PNF) do
MSTTR
Resgatar o histórico da formação sindical do MSTTR e
refletir sobre os princípios políticos do PADRSS enquanto
referenciais dessa formação.
Amarildo Carvalho – assessor
da CONTAG
Refletir sobre princípios e estratégias da PNF do MSTTR.
Dia 10 de novembro
novembro de 2007 (Sábado)
Período
MANHÃ
MANHÃ
Tema e SubSub-temas
Diálogos Pedagógicos: Tempo
Comunidade
Objetivos
Responsáveis
Refletir sobre o tempo comunidade na estratégia da
formação;
Construir passos para a realização as atividades inter
módulos e GES
Equipe
Equipe ENFOC
Encaminhamentos
Reapropriação do Módulo (linha do
tempo)
Discutir encaminhamentos dos próximos passos;
Avaliação / Encerramento
Possibilitar uma reflexão avaliativa do 2º Módulo.
Visualizar o 2º Módulo na sua totalidade, considerando
nexos e pontes para as etapas seguintes;
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Equipe ENFOC, comissões de
avaliação e de
sistematização.
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Herança de diferenciação e futuro de fragmentação
Tânia Bacelar de Araújo
NESTE ARTIGO, observa-se o Nordeste do Brasil por sua economia, enfocando-se suas
,características principais, tendências atuais e perspectivas econômicas, analisando-se
ainda sua inserção nos contextos nacional e mundial.
O Nordeste aqui considerado congrega os estados que vão do Maranhão à Bahia,
diferindo da classificação feita pela Sudene que inclui parte do estado de Minas Gerais
(região polarizada de Montes Claros).
Apresenta-se inicialmente sucinta descrição da dinâmica geral das atividades econômicas:
a região será abordada em seu conjunto, utilizando-se portanto dados globais referentes,
em sua grande maioria, ao total regional. Num segundo momento, a análise será feita
com referência às diferenciações existentes dentro da própria região Nordeste,
destacando-se os novos subespaços dinâmicos e os focos de resistência a mudanças. A
heterogeneidade e a complexidade da dinâmica nordestina aparecerão, então, com maior
clareza.
Esforço especial será dedicado à observação das mais importantes articulações
econômicas regionais e sub-regionais. O Nordeste e seus subespaços serão percebidos,
assim, em suas tendências de ligações com o exterior e com as demais regiões do próprio
Brasil. Serão analisados ainda os movimentos de mercadorias e de capitais focalizando-se
as décadas de 60, 70 e 80.
Concluir-se-á com uma reflexão sobre as tendências atuais da economia nordestina e os
primeiros impactos da opção brasileira por uma inserção passiva no mercado mundial em
globalização. Finalmente, especular-se-á sobre a hipótese do aprofundamento das
diferenciações e desigualdades internas. Daí a questão posta no título do artigo: o rumo
será o da fragmentação?
Caracterização inicial
Na região Nordeste (20% do território brasileiro) vivem 29% da população do país.
Originam-se, aproximadamente, 14% da produção nacional total (medida pelo PIB), 12%
da produção industrial e quase 21% da produção agrícola. Cabe destacar que na região
residem 23,5% da população urbana do Brasil e 46% de sua população rural. O lento
crescimento econômico, que durante muitas décadas caracterizou o ambiente econômico
nordestino (GTDN, 1967), foi substituído pelo forte dinamismo de numerosas atividades
que se desenvolveram recentemente na região, como se verá a seguir. A pobreza, porém,
continua a ser uma das características mais marcantes do Nordeste, quando visto no
contexto nacional. É um traço antigo que o dinamismo econômico das últimas décadas
não conseguiu alterar significativamente.
Levantamento recente do Instituto de Planejamento Econômico e Social – IPEA mostra
que, em 1990, dos 32 milhões de brasileiros indigentes, 17,3 milhões estavam no
Nordeste (55% do total nacional) e mais de 10 milhões residiam na zona rural da região.
Assim, com 46% da população rural brasileira, o Nordeste tem 63% dos indigentes
brasileiros que vivem nas áreas rurais. Dos indigentes urbanos do país, quase 46% estão
no Nordeste (IPEA , 1993).
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Dinamismo econômico: uma herança recente
Apesar de vista como região problema pela maior parte dos brasileiros, a economia
nordestina apresentou entre 1960 e 1990 um excelente desempenho.
Coordenado por Celso Furtado no final dos anos 50, o relatório do Grupo de Trabalho para
o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) que fundamentou a estratégia inicial de ação da
Sudene, constatava ter sido o seu fraco dinamismo nas décadas anteriores a
característica mais importante da base produtiva instalada na região. Enquanto a
indústria comandava o crescimento econômico no Sudeste, o velho setor primárioexportador implantado no Nordeste dava mostras de sua incapacidade para continuar
impulsionando o desenvolvimento econômico regional.
Uma das propostas centrais do relatório do GTDN – como ficou conhecido aquele
documento – era estimular a industrialização no Nordeste como forma de superar as
dificuldades geradas pela velha base agroexportadora nordestina.
A partir dos anos 60, impulsionadas por incentivos fiscais – 34/18-Finor e isenção do
imposto sobre a renda, principalmente –, por investimentos de empresas estatais do porte
da Petrobrás (na Bahia e Rio Grande do Norte) e da Vale do Rio Doce (no Maranhão),
complementados com créditos públicos (do BNDES e BNB, particularmente) e com
recursos próprios de importantes empresas locais, nacionais e multinacionais, as
atividades urbanas – e dentro delas, as atividades industriais – ganham crescentemente
espaço no ambiente econômico do Nordeste e passam a comandar o crescimento da
produção na região, rompendo a fraca dinâmica preexistente. Entre 1967 e 1989 a
agropecuária reduziu sua contribuição ao PIB regional de 27,4% para 18,9% e em 1990,
ano de seca, que afetou consideravelmente a produção na zona semi-árida, tal percentual
caiu para 12,1%. Enquanto isso, a indústria passou de 22,6% para 29,3%, e o setor
terciário cresceu de 49,9% para 58,6%, segundo dados da Sudene para o período.
No início dos anos 60 a Sudene, recém-criada, concentrou esforços e recursos federais na
realização de estudos e pesquisas sobre a dotação de recursos naturais do Nordeste (em
particular de recursos minerais) e na ampliação da oferta de infra-estrutura econômica
(sobretudo transportes e energia elétrica). Tais investimentos tiveram importante papel
para o posterior dinamismo dos investimentos nas atividades privadas, tanto no setor
industrial quanto no terciário.
No global, nas décadas recentes, o Nordeste foi a região que apresentou a mais elevada
taxa média de crescimento do PIB no país. Vários estudos recentes confirmam esse
comportamento. De 1960 a 1988 a economia nordestina suplantou a taxa de crescimento
média do país em cerca de 10%; e entre 1965 e 1985 o PIB gerado no Nordeste cresceu
(média de 6,3% ao ano) mais que o do Japão no mesmo período (5,5% ao ano), segundo
estudo realizado por Maia Gomes (1991).
Usando dados que comparam o desempenho da economia brasileira no seu total com o
de sua parte localizada no Nordeste, verifica-se nítida melhoria nos indicadores de
participação relativa dessa região na economia do país: entre 1960 e 1990 a participação
no PIB aumentou de 13,2% para 17,1% (Sudene, 1996).
No total, entre 1960 e 1990, o PIB do Nordeste quase sextuplicou, passando de US$ 8,6
bilhões para US$ 50 bilhões (Araújo, 1992).
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Cabe salientar que quando se compara o desempenho das atividades econômicas do
Nordeste com a média nacional, verifica-se que a dinâmica regional tendeu a acompanhar
as oscilações cíclicas da produção total do país. Embora as taxas se diferenciem, as
tendências são semelhantes. O movimento de integração econômica comandado pelo
processo de acumulação de capitais do Brasil nas últimas décadas havia atingido o
Nordeste e solidarizado sua dinâmica econômica às tendências gerais da economia
nacional, como ressaltaram em seus estudos Oliveira (1990) e Guimarães Neto (1989).
Sob tal perspectiva, e nesse novo momento, uma das teses centrais do GTDN ficou
ultrapassada: não se verifica mais o fato de a economia do Nordeste ir mal, enquanto o
Centro-Sul vai bem. A integração produtiva articulara a dinâmica econômica nas diversas
regiões brasileiras.
Naturalmente, a integração econômica não homogeneizou as estruturas produtivas das
diferentes regiões do país. Permaneceram diferenciações importantes.
E é justamente em função das particularidades das estruturas produtivas de cada região
brasileira que o Nordeste foi menos atingido pela crise dos anos 80, crise que afetou mais
fortemente o setor industrial e, dentro dele, os segmentos produtores de bens de capital e
bens de consumo duráveis. Ora, tais segmentos não têm grande presença no tecido
industrial do Nordeste. Assim, ao especializar-se mais na produção de bens
intermediários, destinando parte importante às exportações, a indústria recentemente
instalada no Nordeste resistiu melhor aos efeitos da desaceleração da economia
brasileira. Paralelamente, em sua porção oeste, às margens do submédio São Francisco e
no vale do Açu (RN), implantou moderna agricultura de grãos e importantes pólos de
fruticultura, ambos para exportação, o que o ajuda a resistir aos efeitos da retração da
demanda interna, podendo localizadamente melhor enfrentar a crise nacional. Conforme
dados da Sudene (1992), também o setor de serviços tem tido desempenho bastante
razoável na região, especialmente a partir da segunda metade dos anos 80, apresentando
taxas de crescimento anual positivas e superiores à média do país.
Nordeste: mudanças no perfil produtivo
Nas últimas décadas a região promoveu mudança importante na composição de sua
produção. Acompanha, também nesse ponto, as tendências gerais da economia brasileira,
apesar de suas especificidades locais.
As atividades agropecuárias vêm perdendo peso relativo no PIB do Brasil e também no do
Nordeste, com as atividades urbanas avançando mais nos dois casos. No entanto, a
indústria tornou-se relativamente mais importante no total da produção brasileira (34%,
em 1990) do que no Nordeste (30%).
Dessa forma, quando visto no ambiente econômico nacional, o Nordeste continua sendo
relativamente mais importante como região produtora agropecuária (20% do total
nacional) do que industrial (12%) ou terciária (15%), segundo dados da Sudene (1992)
para o ano de 1990.
Mudanças ocorreram, por exemplo, no perfil produtivo da agropecuária nordestina: a
partir dos anos 70, enquanto se reduzia a área cultivada com algodão, mamona,
mandioca e sisal, expandia-se a que era ocupada com cana-de-açúcar, arroz, feijão,
laranja e milho. Ao mesmo tempo algumas culturas não-tradicionais na região, por seu
valor de mercado relativamente alto, apresentaram peso crescente na produção regional:
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é o caso de frutas como melão, manga, melancia, uva (nas áreas irrigadas pelo São
Francisco e Açu), abacaxi (em manchas favoráveis do sertão e agreste) além de tomate,
café e soja (em áreas favoráveis do São Francisco, do Agreste e do Cerrado,
respectivamente). Tais produtos representavam, em 1970, apenas 3% do valor da
produção agrícola do Nordeste, crescendo para 13,5% em 1989 (Congresso Nacional,
1993).
Por outro lado, nos anos em que a economia brasileira consolida o mercado interno
nacional e promove sua integração produtiva, o Nordeste engata na dinâmica nacional,
como anteriormente ressaltado. Nessa fase, capitais privados buscam novas frentes de
investimento em espaços localizados para além do centro mais industrializado do país – o
Sudeste. Verifica-se a desconcentração da atividade produtiva, inclusive da atividade
industrial. Esse movimento atinge também o Nordeste (Guimarães Neto, 1990; Oliveira,
1990; Fundaj, 1992). Como o movimento de desconcentração busca também utilizar
recursos naturais disponíveis nas diversas regiões do país, o Nordeste comparece
abrigando alguns pólos importantes de desenvolvimento agroindustrial e industrial, que
serão analisados com detalhes adiante, quando se examinarem os focos de modernidade
surgidos na região nas últimas décadas. No caso da indústria, coube ao Nordeste assumir
novo papel no contexto da divisão inter-regional do trabalho do país. De tradicional região
produtora de bens de consumo não-duráveis (têxtil e alimentar, principalmente), vai se
transformando nos anos pós-60 em região industrial mais especializada em bens
intermediários (Araújo, 1981), com destaque para a instalação do pólo petroquímico de
Camaçari, na Bahia, e do complexo minero-metalúrgico, no Maranhão, além do pólo de
fertilizantes de Sergipe, do complexo da Salgema em Alagoas, da produção de alumínio no
Maranhão, dentre outros.
Nesse contexto, o perfil industrial do Nordeste mudou significativamente com a perda da
posição relativa da indústria de bens não-duráveis de consumo e com o crescimento
relativo do segmento voltado à produção de bens-intermediários. A indústria, financiada
pelos incentivos da Sudene, demonstra tal perfil: foram os segmentos produtores de
insumos que receberam a maior parte dos recursos provenientes do sistema 34/18-Finor.
A nova base agrícola da região também tem a vocação para ofertar produtos cujo
beneficiamento se dará fora do Nordeste ou até do país, salvo em casos como o das
frutas tropicais, enviadas in natura para o mercado consumidor externo; da uva,
transformada em vinho também no Nordeste; ou da soja, processada por agroindústrias
instaladas na região.
Nos anos 70, quando o Estado brasileiro, a partir da estratégia definida no II Plano
Nacional de Desenvolvimento (II PND), realizou importante programa de investimentos
públicos e com ele sustentou a dinâmica da economia nacional num contexto
internacional de crise, o Nordeste também se incluiu nessa tendência quando a Petrobrás
comandou, na Bahia, a implantação do pólo petroquímico de Camaçari, e a Companhia
Vale do Rio Doce implementou o complexo de Carajás, com parte do projeto localizado no
Maranhão. Merecem também referência os investimentos do sistema Eletrobrás.
No total da formação bruta de capital fixo, contabilizada pelo IBGE/FGV, que inclui
investimentos da administração pública e das empresas do governo, verifica-se a posição
do Nordeste como região recebedora de recursos, passando de 13% do total nacional em
1970 para 17% em 1985 (superior à sua participação no PIB brasileiro).
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Finalmente, nos anos 80, quando a crise se aprofundou excluindo de seus efeitos
negativos as atividades de intermediação financeira e os segmentos voltados para a
exportação, o Nordeste tendeu a reproduzir tal padrão. Entre 1975 e 1990 o Brasil
expandiu suas exportações, mais que as quadruplicando: passam de US$ 7,6 bilhões de
vendas anuais para US$ 31,1 bilhões. O Nordeste também produziu mais para o exterior,
duplicando seu valor exportado, que passou de US$ 1,5 bilhão, em 1975, para US$ 3
bilhões, em 1990. Dentro dele, o estado da Bahia merece referência especial não só por
ter acompanhado o padrão nacional, triplicando seu valor exportado (de US$ 525 milhões
para US$ 1,5 bilhão), mas por aumentar sua já predominante importância no total vendido
pela região no mercado internacional: em 1975, sua economia gerava um terço das
exportações nordestinas; em 1990 respondia pela metade do valor exportado pela região.
No Nordeste, até mais que no Brasil, a tendência à perda de importância dos produtos
básicos e ao maior crescimento dos bens manufaturados no valor exportado também se
verificou nesse período.
No que se refere às atividades de intermediação financeira, houve excepcional
crescimento no Nordeste nas décadas recentes. Enquanto a economia brasileira
desacelerava, a atividade de intermediação financeira crescia. No Nordeste também se
observou a mesma tendência. Enquanto nos anos 70 e 80 a economia da região cresceu
em média 7,6% ao ano, as atividades financeiras, bens imóveis e serviços às empresas,
como contabiliza a Sudene (1992), expandiram-se na proporção de 10% ao ano.
Como se observa do exposto, as atividades econômicas do Nordeste tendem, no geral, a
acompanhar bem de perto as principais tendências da economia brasileira. Guardam, no
entanto, certas especificidades importantes, algumas das quais aparecerão com destaque
em outros tópicos deste trabalho.
Uma das características importantes da economia do Nordeste é o relevante papel
desempenhado nos anos recentes pelo setor público. É evidente que o Estado patrocinou
fortemente o crescimento econômico nas diversas regiões brasileiras. No Nordeste,
porém, pode-se afirmar que sua presença foi fator fundamental para explicar a
intensidade e os rumos do crescimento econômico ocorrido nas últimas décadas. Direta
ou indiretamente, foi o setor público quem puxou o crescimento das atividades
econômicas que mais se expandiram na região nos anos 70 e 80. Segundo dados da
Sudene (1992), atividades como bens imóveis e serviços às empresas; atividades
financeiras; produção de energia elétrica e abastecimento de água; serviços comunitários
sociais e pessoais, destacaram-se como atividades muito dinâmicas e, na maioria delas, o
investimento público foi fundamental. Aliás, o setor público tem, no Nordeste, maior peso
na formação bruta de capital fixo total do que na média nacional. Investindo, produzindo,
incentivando, criando infra-estrutura econômica e social, o Estado se fazia presente com
grande intensidade na promoção do crescimento da economia nordestina.
A heterogeneidade econômica intraintra-regional
Deve-se ressaltar que nunca houve um Nordeste economicamente homogêneo e que,
historicamente, era possível destacar subconjuntos sócio-econômicos diferenciados, em
virtude de variados processos de ocupação humana e econômica :
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Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG
•
o Nordeste que se estendia do Rio Grande do Norte até Alagoas, onde a economia
açucareira e a pecuária gestavam poderosas oligarquias e incipiente burguesia
industrial;
•
dele já se distinguia o Ceará, onde o complexo gado-algodão-agricultura de alimentos
conformava uma oligarquia sertaneja que se expandia na acumulação comercial e não
existia o complexo canavieiro;
•
o Nordeste de Sergipe e Bahia, caracterizado pela Fundação IBGE durante certo tempo
como integrante da região Leste, era comandado por Salvador, cidade portuária e
mercantil, onde desde cedo se desenvolveu uma burguesia banqueira. No campo, a
cana, o cacau e as zonas de combinações agrícolas sertanejas eram predominantes. O
oeste baiano era um vazio econômico, e mesmo demográfico, até décadas recentes;
•
o Nordeste do Piauí e Maranhão, mais conhecido como espaço de transição entre o
Nordeste seco e a região amazônica, era chamado por alguns estudiosos de meioNorte (Melo, 1978) e até o final dos anos 50 visto como área aberta à expansão da
fronteira agrícola regional (GTDN, 1967).
Nas últimas décadas mudanças importantes remodelaram a realidade econômica
nordestina, questionando inclusive visões tradicionalmente consagradas sobre a região.
Nordeste região problema, Nordeste da seca e da miséria, Nordeste sempre ávido por
verbas públicas, verdadeiro poço sem fundo em que as tradicionais políticas
compensatórias de caráter assistencialista só contribuem para consolidar velhas
estruturas sócio-econômicas e políticas perpetuadoras da miséria... Essas são apenas
visões parciais sobre a região nos dias presentes. Revelam parte da verdade sobre a
realidade econômica e social nordestina, mas não apreendem os fatos novos dos anos
mais recentes. Não refletem a atual e crescente complexidade da realidade econômica
regional e não permitem desvendar uma das mais marcantes características do Nordeste
atual: a grande diversidade, a crescente heterogeneidade de suas estruturas econômicas.
Embora traços gerais possam ser identificados, como já o fizemos, a percepção da
realidade econômica nordestina exige análise mais detalhada. Nesse sentido, é mister
ressaltar os novos focos de dinamismo da economia regional, que convivem atualmente
com as tradicionais áreas agrícolas ou agropastoris da região. Uma análise que perceba
as diferentes trajetórias econômicas dos diversos subespaços nordestinos. É o que se
tentará fazer no próximo tópico do trabalho.
Áreas dinâmicas de modernização intensa
Como vem se tentando demonstrar ao longo deste texto, importantes movimentos da
economia brasileira tiveram fortes repercussões na região Nordeste nos anos recentes.
Tendências da acumulação privada reforçadas pela ação estatal, quando não
comandadas pelo Estado brasileiro, fizeram surgir e se desenvolver no Nordeste diversos
subespaços dotados de estruturas econômicas modernas e ativas, focos de dinamismo
em grande parte responsáveis pelo desempenho relativamente positivo apresentado pelas
atividades econômicas na região. Tais estruturas são tratadas na literatura especializada
ora como frentes de expansão, ora como pólos dinâmicos, ora como manchas ou focos de
dinamismo e até como enclaves. Dentre eles, cabe destaque para o complexo
petroquímico de Camaçari, o pólo têxtil e de confecções de Fortaleza, o complexo minerometalúrgico de Carajás, no que se refere a atividades industriais, além do pólo
agroindustrial de Petrolina-Juazeiro (com base na agricultura irrigada do submédio São
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Francisco), das áreas de moderna agricultura de grãos (que se estendem dos cerrados
baianos atingindo, mais recentemente, o sul dos estados do Maranhão e do Piauí), do
moderno pólo de fruticultura do Rio Grande do Norte (com base na agricultura irrigada do
Vale do Açu), e dos diversos pólos turísticos implantados nas principais cidades litorâneas
do Nordeste.
Pesquisa recente realizada pelos professores Policarpo Lima e Frederico Katz, da UFPE,
tentou melhor identificar essas áreas, caracterizando-as e analisando seus novos
impactos e suas perspectivas de expansão (Lima & Katz, 1993). Menos por seu
dinamismo e mais pelo fato de desenvolverem modernas atividades de base tecnológica,
merecem referência ainda os tecnopólos de Campina Grande (PB) e do Recife (PE).
O pólo petroquímico de Camaçari, como descrevem Lima e Katz (1993), constitui um dos
principais pilares da crescente importância da produção de bens intermediários no
Nordeste. Implementado ao longo dos anos 70, importou em investimento total de cerca
de US$ 4,5 bilhões e, com o programa de ampliação previsto, chegará a US$ 6 bilhões.
Esse complexo industrial foi viabilizado com a participação de capitais privados nacionais
e multinacionais e com o suporte estatal (Petrobrás), contando com fontes de
financiamento diversas.
Quanto aos seus impactos, vale registrar que em 1990 o pólo petroquímico de Camaçari
contribuiu com 13,6% da receita tributária do estado da Bahia, sendo de 32,8% o seu
peso na receita do ICMS gerado pela indústria de transformação. Além disso, concorreu
para alterar estruturalmente a economia baiana (aumentando o peso do setor secundário
de 12%, em 1960, para quase 30% do PIB estadual em 1990), contribuindo também para
a elevação das exportações do estado. Embora as repercussões esperadas fossem
maiores, o pólo de Camaçari representa hoje uma possível base para a esperada
verticalização da matriz industrial da petroquímica regional.
O pólo têxtil e de confecções de Fortaleza, por sua vez, desponta como um dos
importantes centros do setor, tanto em âmbito regional como nacional. Entre 1970 e
1985 o número de estabelecimentos têxteis do Ceará cresceu de 155 para 358, enquanto
os ligados à confecção passavam de 152 para 850. Em 1991, segundo o Sindicato da
Indústria de Confecções do Ceará, o pólo cearense reunia cerca de três mil empresas,
gerava 60 mil empregos diretos e era responsável por 12% do ICMS do Ceará (Lima &
Katz, 1993).
O parque têxtil e de confecções de Fortaleza é competitivo nacionalmente e, no caso da
fiação, internacionalmente, em virtude de sua atualização tecnológica. A abertura
comercial pode ter implicações negativas sobre a tecelagem e as confecções, dado que
nesses segmentos existe uma defasagem tecnológica a ser superada.
O encadeamento do pólo cearense com a base agrícola da região é reduzido, devido à
drástica diminuição na produção de algodão no Nordeste. Contudo, nos efeitos para a
frente conta-se com a perspectiva da instalação de pequenas e médias malharias que se
beneficiariam das fiações já existentes, o que já vem sendo estimulado por empresários
ligados ao setor. No que se refere ao segmento das confecções, há espaços para um
reforço do setor de tecelagem (60% dos tecidos são adquiridos fora do estado), bem como
para o crescimento de unidades fornecedoras de aviamentos e linhas (cerca de 80%
destes são comprados fora) (Lima & Katz, 1993).
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O complexo minero-metalúrgico do Maranhão está associado aos desdobramentos do
Programa Grande Carajás (PGC) e ao interesse do capital multinacional em diversificar
suas fontes de abastecimento de matérias-primas. Para a montagem desse pólo, a
Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) desempenhou um dos papéis principais, implantando
a infra-estrutura para exploração-exportação de minério de ferro.
Em função desses investimentos, impactos importantes já se notavam nos anos 80: o PIB
total do estado aumentou de US$ 2 bilhões em 1980 para US$ 3 bilhões em 1987, tendo
o produto da indústria ampliado sua participação no total estadual de 14,3% para 21,8%.
Cortando regiões anteriormente isoladas, a Estrada de Ferro Carajás (EFC) integrou-as ao
circuito da produção mercantil e contribuiu para dinamizar o pólo agrícola do sul do
Maranhão, onde a produção de soja se expande.
O projeto Celmar, que tem a CVRD como sócio, destina-se a produzir celulose, em
Imperatriz, com investimentos de US$ 1,2 bilhão, produção estimada em 420 mil
toneladas/ano, gerando diretamente 800 empregos, e mais três mil no reflorestamento,
além de cerca de 3.200 empregos indiretos (Lima & Katz, 1993). Além disso, a Estrada de
Ferro Carajás ajudou a dinamizar a instalação de usinas de ferrogusa e de ferroliga ao
longo de sua extensão.
O projeto da Alumar também tem grande peso atualmente na indústria maranhense.
Trata-se de uma associação de várias empresas, que resultou em projeto de investimento
da ordem de US$ 2 bilhões para a produção de três milhões de toneladas/ano de alumina
e 500 mil de alumínio, gerando na fase atual um milhão de toneladas de alumina e 350
mil de alumínio. De forma semelhante ao caso da CVRD, a Alumar é responsável por
significativo fluxo mensal de rendimentos, pelo menos para os padrões locais, na
economia de São Luiz. O projeto criou 4.100 empregos diretos, estimando-se em 1.220 os
indiretos, tendo ainda articulações a montante via absorção de bauxita do rio Trombetas,
de cal do Ceará, de soda cáustica de Alagoas, da energia elétrica de Tucuruí, além dos
serviços de manutenção refletidos nos empregos indiretos. As articulações pelo uso do
alumínio são reduzidas, já que são exportados 95% do produto (Lima & Katz, 1993).
O complexo agroindustrial de Petrolina-Juazeiro surgiu nos anos 70, com base na
implantação de grandes projetos de irrigação. Também neste caso, a presença do Estado
foi fundamental, uma vez que montou a maior parte da infra-estrutura de captação e
distribuição de água. Constatou-se o cultivo cada vez maior de produtos de elevado valor
comercial, destinados tanto à venda in natura para o mercados de maior poder aquisitivo,
externo inclusive, quanto ao processamento local em plantas industriais. Ao mesmo
tempo deu-se a implantação de grandes projetos de médias empresas nacionais e,
mesmo, internacionais. Nessa época, instalaram-se na área diversas plantas industriais
de ramos variados: processamento de alimentos, bens de capital, embalagens,
equipamentos para irrigação, materiais de construção, fertilizantes e rações (Lima & Katz,
1993). Enquanto eram incorporados à agricultura cerca de 56 mil hectares, o setor
industrial gerava cerca de 24 mil empregos (Galvão, 1990).
As áreas de moderna agricultura de grãos se estendem dos cerrados do oeste baiano ao
sul do Maranhão e do Piauí.
A expansão da economia do oeste da Bahia está associada à introdução e à rápida
expansão da soja, implantada na área por agricultores do Sul do país, após avanços
tecnológicos que viabilizaram o cultivo do produto nos cerrados. Tiveram importante papel
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os subsídios governamentais (Galvão, 1990) e os investimentos públicos em infraestrutura.
Com a soja, implanta-se na região todo um conjunto de atividades e práticas ligadas à
agricultura moderna. Entre 1980/81 e 1985/86, a área plantada com soja expandiu-se
143 vezes e a produção em 848 vezes, enquanto crescia também a produção de arroz. No
início da atual década (safra de 1991/92) foram produzidas 800 mil toneladas de grãos
no oeste da Bahia, especialmente soja (460 mil toneladas), milho, arroz e feijão. Para o
processamento da significativa produção de soja, foram instaladas no município de
Barreiras duas plantas industriais.
Nos anos mais recentes a produção de grãos vem crescendo bastante (em 1992,
produziu-se no Piauí e em Tocantins cerca de um milhão de toneladas). A produção
também se estende para o sul do Maranhão.
Essas áreas não conhecem crise ou recessão. Nelas despontam atividades como
avicultura, suinocultura, frigorificação de carnes. Começam a se desenvolver também
atividades de produção de insumos (fertilizantes, calcário) e de equipamentos próprios
para a agricultura.
O pólo de fruticultura do Vale Açu (RN) cresceu comandado por grandes empresas (com
destaque para a Maísa), que se especializam na exportação.
Pelo exposto, pode-se inferir que as mencionadas áreas são pontos de intenso dinamismo
econômico implantados no território nordestino. As potencialidades agrícolas e minerais
reveladas na região com grande evidência, constituem um Nordeste que não existia há
poucas décadas.
Áreas tradicionais
Ao mesmo tempo em que diversos subespaços do Nordeste desenvolvem atividades
modernas, em outras áreas a resistência à mudança permanece sendo a marca principal
do ambiente socio-econômico: as zonas cacaueiras, canavieiras e o sertão semi-árido são
as principais e históricas áreas com tal característica. Quando ocorre, a modernização é
restrita, seletiva, o que ajuda a manter um padrão dominantemente tradicional. As zonas
canavieiras expandiram-se muito nos anos 70, impulsionadas pelo Proálcool. Mas o
crescimento se fez com base na incorporação de terras (a área cultivada rapidamente
duplica), mais do que na elevação dos padrões de produtividade. Nos anos 90, com a
crise financeira do Estado (velho protetor da ineficiência) e a intensificação da
concorrência, diversas usinas são paralisadas. Uma nova vaga de centralização de
capitais promete deixar vivas apenas as menos resistentes à mudança.
No caso do semi-árido, a crise do algodão (com a presença do bicudo e as alterações na
demanda, no padrão tecnológico e empresarial da indústria têxtil modernizada na região
e, mais recentemente, as políticas associadas ao Plano Real) contribuiu para tornar ainda
mais difícil e frágil a sobrevivência do imenso contingente populacional que habita os
espaços dominados pelo complexo pecuária-agricultura de sequeiro. No arranjo
organizacional local, o algodão era a principal (embora reduzida) fonte de renda dos
pequenos produtores e trabalhadores rurais desses espaços nordestinos. Na ausência do
produto, esses pequenos produtores são obrigados a levar ao mercado o reduzido
excedente da agricultura alimentar tradicional de sequeiro (milho, feijão e mandioca), uma
vez que a pecuária sempre foi atividade privativa dos grandes proprietários locais.
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Não é sem razão que nos momentos de irregularidade de chuvas ocorridos nos anos
recentes, as tradicionais frentes de emergência (como são chamados os programas
assistenciais do governo) alistam enorme número de agricultores (2,1 milhões de pessoas
em 1993). Nessas áreas, nos anos de chuva regular, os pequenos produtores, rendeiros e
parceiros produzem, mas não conseguem acumular: descapitalizados ao final de cada
ciclo produtivo, são incapazes de dispor de reservas para enfrentar um ano seco. Nesse
quadro, portanto, não houve mudanças significativas, e as que aconteceram, em geral,
tiveram impactos negativos, como o desaparecimento da cultura do algodão. Em algumas
sub-regiões (como no sertão pernambucano) a maconha tem avançado bastante, gerando
renda ilegal mas capaz de compensar o desaparecimento da renda do algodão. De
positivo, cita-se a extensão da ação previdenciária, cobrindo parte da população idosa e
assegurando renda (mínima, mas permanente) a muitas famílias sertanejas. Hoje, com
freqüência, os velhos sustentam os jovens nessa parte do Nordeste.
Na região cacaueira, a resistência à mudança convive na fase mais recente com
importante queda nos preços internacionais do cacau, aprofundando a crise na subregião. Crise ainda sem solução nos anos 90.
Nas áreas em que predominam a rigidez das velhas estruturas econômico-sociais e o
domínio político das oligarquias tradicionais da região, há importantes traços comuns.
Primeiro, cabe destacar que são áreas de ocupação antiga, nas quais as velhas estruturas
foram criando sucessivos mecanismos de preservação. A questão fundiária é mais
dramática e vem se agravando. Na Zona da Mata, por exemplo, o processo de
concentração fundiária tem aumentado nos anos recentes, e o monopólio da cana sobre
as áreas cultiváveis se amplia. No semi-árido, das secas, também verifica-se o
agravamento da já elevada concentração das terras em mãos de pouquíssimos
produtores: "na seca, pequenos proprietários inviabilizados vendem suas terras a baixos
preços e os latifúndios crescem", como bem explica Andrade (1988). Simultaneamente, os
incentivos à pecuária fortaleceram e modernizaram tal atividade, que sempre foi a
principal da unidade produtiva típica do sertão e do agreste nordestino. A hegemonia
crescente da pecuária nos moldes em que foi realizada agravou a questão fundiária do
Nordeste, além de provocar outros consideráveis efeitos, como a redução da produção de
alimentos e a intensificação da emigração rural. Na lúcida afirmação do geógrafo Mário
Lacerda de Melo (1980), "o capim expulsa a policultura alimentar e o gado tange o
homem". Mesmo onde a irrigação introduziu uma agricultura moderna no semi-árido, a
modernização foi conservadora, inclusive da estrutura fundiária. A base técnica
modernizou-se, a questão fundiária agravou-se (Graziano da Silva, 1989).
Como a estratégia brasileira das últimas décadas foi concentrar a expansão da
agropecuária em áreas novas (especialmente no Centro-Oeste), no Nordeste também se
assistiu a um grande dinamismo agropecuário e agroindustrial no oeste baiano e no sul do
Maranhão e do Piauí; portanto, em áreas da antiga fronteira agrícola da região. Nos anos
60 e seguintes a proposta da reforma agrária foi abandonada na prática pelos sucessivos
governos militares e civis, apresentada ao país como desnecessária em muitos fóruns
(inclusive nos acadêmicos) com base no sucesso da ocupação de novas terras. As
oligarquias nordestinas, proprietárias das áreas de antiga ocupação e sempre bem
situadas nas estruturas de poder, continuavam a beneficiar-se dessa opção conservadora.
E, após tantos anos de dinamismo econômico, a questão fundiária permanece
praticamente intocada, apesar da miséria alarmante que domina nas áreas rurais do
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Nordeste. Segundo o Mapa da Fome feito recentemente pelo IPEA, dois terços dos
indigentes rurais do país estão no Nordeste.
Os dados confirmam que a concentração fundiária aumentou no Nordeste nas últimas
décadas. Em 1970 os estabelecimentos com menos de 100 hectares (94% do total)
ocupavam quase 30% da área; em 1985, essa participação caiu para 28%. Ao mesmo
tempo, aqueles com mais de mil hectares (0,4% do total) aumentaram sua participação na
área total, passando de 27% em 1970 para 32% em 1985. Nesse período, a área total
ampliou-se de 74 milhões de hectares para 92 milhões de hectares, de acordo com os
censos agropecuários realizados pela Fundação IBGE.
Estudo da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp destaca, para o mesmo
período, que "a desigualdade da posse da terra é maior que a da propriedade, tanto no
Nordeste como no Brasil, sendo a diferença relativa maior no Nordeste. Esse fato reforça
a hipótese de que as formas peculiares de exploração da terra no Nordeste lhe conferem
uma estrutura de posse da terra diferenciada da existente na média do Brasil, no sentido
de elevar a desigualdade da distribuição. Nesse contexto, um caso ilustrativo é o de
grandes fazendas que reúnem áreas de posse e áreas de diferentes escrituras, muitas
vezes registradas como imóveis distintos para evitar seu enquadramento como latifúndio
por dimensão" (Graziano da Silva, 1989).
Na zona semi-árida, onde se reproduz a estrutura desigual do resto do Nordeste, a
situação é agravada pela presença de latifúndios maiores: lá a área média de 1% dos
maiores estabelecimentos (1.914 hectares, em 1985) é superior ao tamanho médio
desses no resto do Nordeste (1.002 hectares). No semi-árido o acesso à terra é feito por
formas precárias (parceria, por exemplo), caracterizando maior instabilidade e registrandose maior presença de posseiros em comparação com as demais regiões nordestinas
(Graziano da Silva, 1989).
Nesses espaços resistentes a mudanças, como já mencionado, as velhas estruturas sócioeconômicas e políticas têm na base fundiária e no controle do acesso à água seus
principais pilares de sustentação e de dominação (política e econômica).
Novas articulações econômicas do Nordeste
Busca-se examinar neste tópico as articulações econômicas estabelecidas entre Nordeste,
suas sub-regiões (prioritariamente as que experimentaram maior dinamismo nas últimas
décadas), outras macrorregiões brasileiras e o resto do mundo.
Ligações econômicas do novo parque industrial
O novo parque industrial, instalado a partir dos anos 60 com o apoio dos incentivos
federais, mantém estreitas articulações econômicas com outras regiões brasileiras, mais
particularmente com o Sudeste.
Do ponto de vista da origem dos insumos que transforma no processo produtivo e dos
serviços que utiliza, há forte relação com a base econômica nordestina, da qual adquire
66% das matérias-primas e 58% dos serviços que consome. A recente especialização nos
bens intermediários reforça essa ligação. Mas o novo parque industrial desenvolveu
também importante fluxo de aquisição de serviços e insumos com o Sudeste (em especial
com São Paulo). Dos serviços que usa, 40% vêm do Sudeste (90% desses de São Paulo);
das matérias-primas que processa, 17% são produzidas no Sudeste (dois terços em São
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Paulo). Do exterior vêm apenas 10% dos insumos que aqui são transformados pela
indústria (Sudene-BNB, 1992).
No que se refere ao mercado de produtos, a relação é predominantemente extra-regional,
com destaque para a região Sudeste e, dentro dela, São Paulo.
Das vendas realizadas pela indústria incentivada, pouco mais de um terço se destina à
própria região Nordeste (36%). O destino principal é o Sudeste, que compra 44% da
produção da indústria incentivada (71% dos quais adquiridos por São Paulo). O mercado
internacional participa com apenas 10% das vendas totais desse segmento da economia
nordestina.
A predominância da produção de bens intermediários está na base dessa vocação para
fora da nova indústria: os insumos que produz são transformados, em grande parte, onde
se localiza a maior base industrial do país (o Sudeste). Tal característica é ainda mais forte
no segmento extrativo mineral, que destina ao mercado nordestino apenas 20% de sua
produção, mais uma vez exportando o excedente predominantemente para a região
Sudeste do Brasil, que comprou 53% da produção mineral da indústria instalada com os
incentivos federais nas últimas décadas.
No complexo minero-metalúrgico do Maranhão, por exemplo, a prioridade à exportação é
marca dos empreendimentos localmente instalados. Não é por acaso que o Projeto
Grande Carajás incluiu, além da implantação da estratégica ferrovia de quase 900 km de
extensão, a construção de um porto (Ponta da Madeira, na região de São Luís do
Maranhão).
Outro exemplo dessa articulação especial com o exterior é o projeto da Alumar, no
Maranhão, planejado para produzir anualmente 3 milhões de toneladas de alumina e 500
mil de alumínio, de cuja produção atual exporta cerca de 95% (Lima & Katz, 1993).
O mercado extra-regional também tendeu a ser o destino da produção de alguns
segmentos da indústria de transformação, caso de fumo (99%), borracha (88%), couros e
peles (87%), material elétrico-eletrônico e de comunicações (79%) e química (61%),
segundo pesquisa da Sudene-BNB, 1992.
Por outro lado, os equipamentos utilizados na montagem desse novo parque industrial
foram importados do Sudeste (49%), especialmente de São Paulo (80%), e do exterior
(33%). Apenas 10% dos equipamentos foram adquiridos das indústrias instaladas no
próprio Nordeste (Sudene-BNB, 1992).
Portanto, há novos fluxos comerciais (de mercadorias e serviços) que se intensificaram
nas últimas décadas e que articulam a indústria incentivada instalada no Nordeste com
outros segmentos da economia brasileira e com o exterior.
Articulações dos modernos pólos agroindustriais
Os novos pólos agrícolas também têm estabelecido importantes relações econômicas
extra-regionais, em particular com o mercado internacional. A soja do oeste baiano, e
agora do sul do Maranhão e do Piauí, destina-se em grande parte a atender à demanda
externa. Estima-se que apenas o oeste baiano, até 1995, produzia 1,7 milhão de t / ano,
devendo destinar um milhão de toneladas de derivados ao mercado internacional
(Queiroz, 1992). As produções maranhense e piauiense orientam-se basicamente para o
exterior. A sub-região nordestina que vai do oeste baiano ao sul do Piauí e Maranhão tem
experimentado um processo de ocupação comandado por agentes econômicos extra-
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regionais e recebido capitais e capitalistas predominantemente não-nordestinos,
implantando processos econômicos e construindo uma paisagem que se assemelha muito
mais à macrorregião Centro-Oeste do Brasil. Suas ligações econômicas e semelhanças
geo-socio-econômicas com asdemais sub-regiões do Nordeste são muito tênues. Até os
estrangulamentos à continuidade de seu desenvolvimento são mais parecidos com os de
Tocantins ou Mato Grosso do que com os do lado oriental nordestino: infra-estrutura de
transporte, por exemplo. Aliás, dependendo da forma como consolidar-se-á a malha de
transportes, sua vinculação futura com o Centro-Oeste poderá ser ampliada.
Da mesma forma, a produção agroindustrial, especialmente a associada à irrigação,
instalada tanto no vale do São Francisco (BA e PE) quanto no vale do Açu (RN), desenvolve
importantes articulações econômicas extra-regionais, em particular no que se refere ao
destino de sua produção.
Mudanças nas articulações comerciais
O exame da dinâmica comercial da região, particularmente as relações estabelecidas com
o mercado internacional, mostra que o Nordeste tentou acompanhar a tendência mais
geral da economia brasileira nos recentes anos de crise, instabilidade e retração da
demanda interna: ampliar suas articulações com o exterior. O Brasil mais que
quadruplicou o valor anual de suas exportações, passando de US$ 7,6 bilhões para US$
31,1 bilhões entre 1975 e 1990, segundo dados do BB/Cacex. No mesmo período, as
exportações de todas as regiões brasileiras tiveram crescimento significativo; o Nordeste
duplicou seu valor exportado.
Dentro da região, o estado do Maranhão intensificou fortemente seus laços econômicos
com o mercado externo, passando de um modesto valor exportado de US$ 5,7 milhões em
1975, para US$ 443 milhões em 1990. No mesmo período, os estados do Piauí e de
Sergipe quintuplicaram suas vendas ao mercado internacional, e os da Bahia e do Ceará
triplicaram-nas. As exceções corresponderam aos estados de Alagoas e de Pernambuco,
que exportaram em 1990 valor menor do que o de 1975 (Sudene, 1996).
Mais uma vez seguindo a tendência geral da economia brasileira, as relações comerciais
do Nordeste com o resto do mundo se dão cada vez menos pela venda dos chamados
produtos básicos e mais por oferta de produtos semimanufaturados e manufaturados.
Embora na pauta nordestina os produtos semimanufaturados (30,1%) tenham tido, em
1990, maior peso relativo que o mesmo item na pauta brasileira (16,5%), o crescimento
das relações com o exterior via venda de manufaturados no caso do Nordeste é notável:
enquanto no total das exportações do Brasil os manufaturados passavam de um terço
para pouco mais da metade (54,7%) da participação nas vendas externas entre 1975 e
1990, na pauta do Nordeste o peso relativo desses itens cresceu de 12,9% para 44,9%.
Apenas o Sudeste e o Sul, dentre as demais regiões, apresentaram maior volume na
venda de manufaturados (64,3% e 47,4%, respectivamente).
Para avaliar os fluxos comerciais inter-regionais, e portanto visualizar melhor as
tendências desse tipo de relação econômica entre o Nordeste e os demais espaços do
país, as informações são insuficientes. O comércio por vias internas (especialmente
rodovias) é predominante no Brasil, e as pesquisas disponíveis não são atualizadas. No
caso do Nordeste a Sudene estimou, para 1980, que das exportações totais do Nordeste,
um terço se destinou ao mercado internacional e dois terços a outras regiões brasileiras.
Desse total, 97% transportados por vias internas e apenas 3% por cabotagem. Das
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importações totais, apenas 18% vieram do exterior e, dos 82% originados em outras
regiões do país, 85% chegavam por vias internas (Sudene, 1985).
Os saldos comerciais do Nordeste têm-se mostrado historicamente positivos nas relações
com o exterior e altamente negativos nas trocas inter-regionais. As importações de outras
regiões (especialmente do Sudeste) eram quase cinco vezes maiores que o valor
importado do exterior em 1980, enquanto as exportações para o resto do país não
chegavam a representar duas vezes o valor das mercadorias mandadas para o mercado
internacional.
Portanto, o Nordeste surge predominantemente como região-mercado (sobretudo para o
Sudeste) quando visto no contexto nacional. E isso é tendência crescente, pois nos anos
50 as compras efetuadas de outras regiões representavam 1,2 vezes as vendas do
Nordeste para o resto do país. No período 1975-1980 tal relação havia aumentado para
2,5 vezes (Sudene, 1985).
Os dados da Sudene para 1980 já revelavam uma economia baiana fortemente orientada
para o mercado nacional: quase 70% das vendas do Nordeste para outras regiões
brasileiras tinham origem na Bahia, cuja economia representava, na época, pouco menos
de 40% do PIB regional. Todavia, essa forte tendência surgiu mais recentemente, posto
que na década anterior o estado da Bahia representava apenas 25% nas exportações
inter-regionais do país (Sudene, 1985).
Embora com percentuais bem mais modestos, o estado do Ceará demonstrava tendência
semelhante, pois sua participação nas vendas nordestinas para o resto do Brasil passava
de 3,5% em 1975 para 9% em 1980, ano em que se classificou como o segundo
exportador regional para o mercado nacional. O inverso acontecia com Pernambuco, que
perdera seu papel de intermediário atacadista. Sua participação nas exportações interregionais caiu de 30,3% para 8,4% no mesmo período (embora sua economia fosse 20%
do total nordestino).
Como as áreas dinâmicas recentemente instaladas repercutiram com maior intensidade
nos espaços maranhenses, piauienses, cearenses, baianos e sergipanos, o mais provável
é que a articulação comercial dessa parte mais ocidental do Nordeste com o Centro-Oeste
e com o Sudeste tenha se ampliado, como vinha acontecendo nos anos 70.
No que se refere ao subespaço compreendido pelos estados do Rio Grande do Norte,
Paraíba, Pernambuco e Alagoas, a menor articulação comercial com o resto do país,
surgida como tendência na década anterior, não parece ter sido revertida nos anos 80 à
luz dos dados disponíveis sobre a composição e dinamismo de suas atividades
econômicas.
Integração via movimento do capital produtivo
O movimento do capital produtivo, por sua vez, também atingiu o Nordeste ao se
intensificar no espaço do Brasil ao longo das últimas décadas. O relatório que precedeu à
criação da Sudene, analisou corretamente que um dos problemas nordestinos, nos anos
40 e 50, era a forte emigração de capital produtivo em direção ao Centro-Sul, à medida
que o dinamismo industrial daquela região abria oportunidades para rentáveis
investimentos (GTDN, 1967). A partir dos anos 60, a rápida intensificação do movimento
de oligopolização da economia brasileira e o papel de correia de repasse desempenhado
pelos incentivos federais aplicados no Nordeste – como menciona Oliveira (1981) –
atuaram no sentido de alterar a orientação desse fluxo econômico, invertendo-o.
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A crescente presença de grandes grupos empresariais no Nordeste, como também ocorre
em outras regiões, não se restringe ao setor industrial. Na construção civil (impulsionada
pelo Sistema Financeiro de Habitação – SFH e por programas de obras públicas
importantes) e nos complexos agroindustriais (ligados especialmente à produção de grãos,
frutas e pecuária) sua recente presença é marcante. Paralelamente, também na atividade
comercial o capital tem se centralizado, a oligopolização se firmado e grandes cadeias de
magazines e supermercados se fizeram presentes no Nordeste, como acontecera em
diversas regiões do país.
Cabe destacar, no entanto, que a presença do grande capital na região já era muito
seletiva, tanto espacialmente quanto nas atividades econômicas para as quais se dirigira.
Dados referentes às mil maiores empresas no país demonstram que, em 1990, Bahia
(46%), Pernambuco (18%) e Ceará (11%) concentravam a maior parte (75%) dessas
empresas. Do ponto de vista setorial, a indústria de transformação produtora de bens
intermediários, em especial a indústria química, tem destaque na atração de tal tipo de
empresas: "das 105 grandes empresas sediadas na região, cerca de 35 são empresas
industriais produtoras de bens intermediários e dessas, 23 são indústrias químicas"
(Guimarães Neto, 1993). Outros segmentos que merecem referência são as indústrias de
alimentos e as dedicadas à produção têxtil.
Aspecto relevante a ser destacado diz respeito ao controle do capital no moderno
segmento industrial instalado no Nordeste com o apoio dos incentivos federais. Dados
disponíveis em pesquisa (Sudene-BNB, 1992) demonstram que a recente expansão
industrial não é produto da ação de investidores locais. Ao contrário, a maioria das
empresas incentivadas fazia parte de grandes grupos econômicos, em sua maioria extraregionais. Além disso, a pesquisa constatou que tais grupos dirigem e controlam os
empreendimentos de maior porte da indústria incentivada, enquanto os empresários
nordestinos concentram seu controle sobre empreendimentos de menor porte. É grande o
controle do capital por grupos privados ou por sistemas de empresas estatais com sede
no Sul e no Sudeste (Guimarães Neto & Galindo, 1992).
Portanto, a articulação inter-regional via fluxo de capital produtivo ampliou, nas últimas
décadas, as relações do Nordeste com outras regiões do país e com o exterior.
Tendências nacionais atuais e o Nordeste
Como a economia do Nordeste havia aprofundado sua inserção no contexto nacional, o
entendimento das suas atuais tendências remete necessariamente à compreensão do
que se passa no país como um todo.
Num contexto mundial marcado por importantes transformações, o ambiente econômico
brasileiro sofreu grandes mudanças nos anos 90. Dentre as principais destacam-se
intensa e rápida política de abertura comercial, priorização à integração competitiva,
reformas profundas na ação do Estado e implementação de um programa de estabilização
que já dura três anos. Paralelamente, o setor privado promove, também de forma intensa
e rápida, uma reestruturação produtiva.
Nesse contexto, novas forças atuam, umas concentradoras, outras não. Dentre as que
atuam no sentido de induzir à desconcentração espacial destacam-se: a abertura
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comercial podendo favorecer focos exportadores, as mudanças tecnológicas que reduzem
custos de investimento, o crescente papel da logística nas decisões de localização dos
estabelecimentos, a importância da proximidade do cliente final para diversas atividades,
a ação ativa de governos locais oferecendo incentivos, entre outras. Enquanto isso, há
forças atuando no sentido da concentração de investimentos nas áreas mais dinâmicas e
competitivas do país. Atuam nesse sentido, em especial, os novos requisitos locacionais
da acumulação flexível, como melhor oferta de recursos humanos qualificados, maior
proximidade com centros de produção de conhecimento e tecnologia, maior e mais
eficiente dotação de infra-estrutura econômica, proximidade com os mercados
consumidores de mais alta renda.
Autores como Carlos Pacheco (1996) chamam a atenção também para os condicionantes
da reestruturação produtiva, em particular para a forma como vem se dando a inserção
internacional do Brasil, especialmente no que diz respeito às estratégias das grandes
empresas frente ao cenário da globalização da economia mundial. Tais autores constatam
que, ao contrário do que se poderia esperar, "a globalização reforça as estratégias de
especialização regional" (Oman, 1994). A nova organização dos espaços nacionais tende a
resultar por um lado, da dinâmica da produção regionalizada das grandes empresas
(atores globais) e, por outro, da resposta dos Estados nacionais para enfrentar os
impactos regionais seletivos da globalização.
Nos anos 90 tende-se a romper o padrão dominante no Brasil das últimas décadas,
quando a prioridade era dada à montagem de uma base econômica que operava
essencialmente no espaço nacional – embora fortemente penetrada por agentes
econômicos transnacionais – e lentamente desconcentrava atividades para espaços
periféricos do país. O Estado nacional desempenhava, como ocorreu no Nordeste, um
papel ativo no processo, tanto por suas políticas explicitamente regionais e de corte
setorial/nacional (mas com impactos regionais diferenciados) quanto pela ação de suas
estatais.
No presente, as decisões dominantes tendem a ser as do mercado, dadas a crise do
Estado e as novas orientações governamentais e empresariais. Embora as tendências
ainda sejam recentes, os estudos realizados têm convergido para sinalizar, no mínimo,
para a interrupção do movimento de desconcentração do desenvolvimento na direção das
regiões menos desenvolvidas.
Alguns estudiosos chegam a mencionar a reconcentração para o caso da atividade
industrial (Campolina Diniz & Crocco, 1996). Mesmo sem ir tão longe, estudo recente da
Confederação Nacional da Industria, com base em dados da Fundação Getúlio Vargas,
confirma a hipótese de que, no mínimo, se interrompeu a desconcentração e, entre 1990
e 1995, a região Sudeste não só deixa de perder posição relativa da produção nacional –
trajetória que percorrera nas duas últimas décadas – como volta a ganhar importância na
economia brasileira (passando de 60% a 63% seu peso no PIB do Brasil), o mesmo
acontecendo com os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, as duas maiores bases
econômicas do país. O Nordeste volta a perder posição (CNI, 1996), o que é confirmado
por recentes estimativas da Sudene (1996).
No caso da indústria, estudos e dados recentes permitem pressupor a tendência à
concentração do dinamismo em determinados espaços do território brasileiro. Estimativas
do PIB industrial por macrorregião, elaboradas pelo IPEA, constatam que nos anos 90 as
regiões Sudeste e Sul deixam de perder posição relativa na produção industrial nacional e
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voltam a ampliar sua presença em tal atividade no contexto do país, o mesmo
acontecendo com o estado de São Paulo, onde historicamente se concentrara a indústria
brasileira. O Nordeste, por sua vez, reduz seu peso na indústria nacional de 12% em
1990, para 8% em 1994, segundo a mesma fonte.
Também identificando forte tendência à concentração espacial do dinamismo industrial,
trabalho elaborado pelo economista Campolina Diniz (1994), da ufmg, localizou os atuais
centros urbanos dinâmicos do país em termos de crescimento industrial. Constatou que a
grande maioria deles se encontra num polígono que começa em Belo Horizonte, vai a
Uberlândia (MG), desce na direção de Maringá (PR) até Porto Alegre (RS) e retorna a Belo
Horizonte via Florianópolis (SC), Curitiba (PR), e São José dos Campos (SP). O Nordeste
abriga cerca de 15% desses centros dinâmicos, dos quais 80% estão no Sudeste-Sul.
É certo que as conseqüências espaciais de políticas importantes como a de abertura
comercial e a de integração competitiva comandada pelo mercado, aliadas a aspectos
relevantes da política de estabilização (câmbio valorizado, juros elevados e prazos curtos
de financiamento) têm impactado negativamente vários segmentos da indústria instalada
no Brasil e afetado especialmente o Sudeste (São Paulo, em particular).
É evidente também que algumas empresas de gêneros industriais mais mão-de-obra
intensivos têm buscado se relocalizar no interior do Nordeste, para competir com
concorrentes externos (principalmente com os países asiáticos), atraídas pela superoferta
de mão-de-obra e baixos salários, além da possibilidade de flexibilizar as relações de
trabalho (adotando subcontratação, por exemplo).
Tais fatos, porém, não alteram significativamente as tendências e as preferências
locacionais identificadas pelos estudos, já mencionados, de Campolina Diniz. Tendências
e preferências que beneficiam as regiões mais ricas e industrializadas do país (Sudeste e
Sul). Por sua vez, Haddad (1996) tem chamado a atenção para o reforço dado pelo
Mercosul a essa tendência de arrastar o crescimento industrial para o espaço que fica
abaixo de Belo Horizonte.
No momento em que a política governamental opta por promover rápida e intensa
abertura comercial, cabe analisar as tendências das exportações brasileiras, da
perspectiva regional. Dados disponíveis demonstram que 82% (em 1995) das exportações
do Brasil se originam nas regiões Sul-Sudeste. Esse percentual era de 68% em 1975 e
passara para 81,5% em 1990 (Campolina Diniz, 1994). O maior dinamismo no período
pós-abertura acelerada verifica-se na base exportadora da região Sul, que amplia sua
presença no total vendido pelo país ao exterior de 21,5% em 1990, para 24,5% em 1995.
Tendência oposta é verificada no Nordeste, que respondia por 17% das exportações
brasileiras em 1975, cai para 9,6% em 1990 e para 9,1% em 1995, apesar do dinamismo
de segmentos com tendências exportadoras, como a indústria de papel e celulose (BA),
química (NE-Oriental), alumínio (MA), fruticultura (vales do São Francisco e do Açu) e a
soja (Bahia, Piauí e Maranhão).
Uma reflexão particular merece o Mercosul. O comércio brasileiro com os demais países
do bloco aumentou intensamente nos últimos anos. O valor das trocas do Brasil com o
Mercosul cresceram de US$ 1,7 bilhões em 1985, US$ 3,6 bilhões em 1990, US$ 8,7
bilhões em 1993 para alcançar US$ 13,1 bilhões em 1995, incremento de 50% apenas
entre 1993 e 1995. No mesmo período, as exportações nordestinas para o Mercosul
cresceram 84% e as importações 64%, mas em valores muito pequenos: US$ 420 milhões
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de exportações e US$ 478 milhões de importações. Tal dinamismo geral está encobrindo
diferenciações, uma vez que é razoável supor:
•
deve-se promover uma articulação comercial mais intensa dos outros países do
Mercosul com o Sul-Sudeste brasileiro;
•
em termos de investimentos, deve-se favorecer investimentos cruzados e associações
de empresas instaladas no Sudeste e no Sul com os demais países do bloco. Assim, o
movimento de integração produtiva que buscava o Nordeste e o Norte nas décadas
anteriores, tende agora a se redirecionar para o Mercosul. Vale lembrar que o PIB do
Mercosul (sem o Chile e sem o Brasil) é mais que o dobro do PIB do Nordeste e do
Norte brasileiros juntos.
No que se refere às tendências do investimento no país, as informações disponíveis não
permitem mais que esboçar algumas possibilidades referentes à futura distribuição
espacial da atividade econômica no contexto brasileiro. Em relatório recentemente
elaborado para o Ipea, Guimarães Neto (1996) examina algumas informações,
notadamente o levantamento do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo sobre as
intenções de investimentos industriais da iniciativa privada, além de indicadores da ação
de alguns bancos oficiais relativos ao financiamento dos investimentos.
O exame de parte relevante dessas informações permite destacar o caráter
espacialmente seletivo dos investimentos industriais que privilegiam alguns espaços
específicos nas regiões, tornando-as extremamente heterogêneas na medida que não se
difundem. Os dados mostram claramente uma divisão de trabalho entre as regiões
brasileiras, pois importante parcela dos segmentos produtivos que definem a dinâmica da
economia nacional tende, mais uma vez, a se concentrar nas regiões onde teve início e se
consolidou a indústria moderna brasileira. Enquanto isso, os segmentos mais leves da
indústria, de menor densidade de capital, procuram as regiões de menor nível de
desenvolvimento e, seguramente, de menor custo de mão-de-obra.
Em termos macrorregionais, os dados do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo
antes referidos revelam que dos US$ 73,4 bilhões dos investimentos – que podem ser
regionalizados até o ano 2000 e cujos investidores potenciais podem ser identificados –
cerca de 64,3% deverão se concentrar no Sudeste (sendo 28,2% em São Paulo); 17,6%,
no Nordeste; 9,4%, no Sul. No caso nordestino, mais de metade dos investimentos
previstos destinam-se a um único estado: a Bahia. E isso sem mencionar a provável
instalação de uma montadora de veículos naquele estado.
Na análise da distribuição regional dos investimentos segundo os segmentos produtivos
mais importantes, Guimarães Neto destaca que há, sem dúvida, uma divisão espacial de
trabalho que induz os investimentos dos grupos metal-mecânico, automobilístico e
químico – segmentos básicos da chamada indústria pesada – para o Sudeste e,
simultaneamente, possibilita à industria de minerais não-metálicos, geralmente de padrão
de localização mais desconcentrado, e setores têxtil, calçados, produtos alimentares e
bebidas, papel e celulose, além da indústria eletro-eletrônica e material de comunicações,
por razões muito específicas (Zona Franca de Manaus), para as demais regiões.
A tendência parece ser, com base nos dados do Ministério da Indústria, Comércio e
Turismo, o avanço, no futuro imediato, da consolidação dos segmentos básicos e
estratégicos no Sudeste. De outro lado, percebe-se o fortalecimento de especializações
em outros estados que, embora fora da região industrial tradicional, conseguiram, através
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de fatores os mais diversos (recursos naturais, fortes incentivos regionais, condições de
infra-estrutura) atrair segmentos específicos que definem subáreas dinâmicas e
modernas, muitas vezes em contextos nos quais prevalecem, ainda, subáreas tradicionais
e estagnadas.
Deve-se ressaltar que a divisão do território brasileiro em macrorregiões, cada vez mais,
esconde mais que revela a realidade do país. No que se refere ao grande investimento
industrial, fica nítida uma grande seletividade espacial, notadamente quando é orientado
para as demais regiões que não o Sudeste. No Nordeste, essa escolha seletiva está
tendendo a privilegiar o estado da Bahia.
Relativamente à atuação dos bancos oficiais, as informações mais interessantes, pela
importância relativa dos recursos envolvidos, referem-se aos aprovados pelo BNDES para
investimentos nos próximos anos. Os dados do seu último relatório, que indicam a
distribuição regional dos recursos aprovados, demonstram estar havendo, a partir de
1991, crescimento gradativo dos valores investidos. De fato, as aprovações passam de
US$ 3,8 bilhões em 1991, para US$ 9,7 bilhões em 1995.
Em meio a essa tendência ascendente do total das aprovações, o Nordeste perde posição
relativa (caindo de 24% para 15% a sua participação entre 1991 e 1995), embora seu
peso no total ainda continue, na maior parte dos anos, similar ou um pouco maior que sua
participação na geração do produto interno do país (BNDES, 1996). O Sudeste, embora
registre menor percentual na participação dos recursos aprovados do que a sua
participação na economia nacional, mostra uma tendência ascendente entre 1991 e
1995, que se torna bem mais patente quando são considerados os valores absolutos dos
recursos aprovados. O mesmo ocorre no Sul, com a particularidade de que a região
registra, em todo período, percentual bem maior do que a sua contribuição na geração do
produto interno do país.
Em síntese, os indicadores sobre os investimentos privados em curso indicam grande
seletividade na escolha dos espaços nos quais se darão os investimentos no país. As
atividades mais estratégicas – e que definem a dinâmica da economia nacional – estão se
concentrando no Sudeste; os demais segmentos da indústria, de menor densidade de
capital, marcam presença em alguns estados específicos e em certos pontos de seus
territórios (os focos de competitividade). Tal tendência não parece estar sendo
compensada pelo financiamento dos bancos oficiais.
Outro ponto importante a se observar atualmente é a tendência de localização de
investimentos em infra-estrutura econômica e nos desenvolvimentos científico e
tecnológico. Isso porque, dentre os novos elementos portadores de capacidade de atração
de atividades e investimentos, especialmente no que diz respeito às atividades industriais,
vêm sendo freqüentemente apontadas a existência de mão-de-obra qualificada e a
presença de competentes centros de ensino e pesquisa científica e tecnológica.
Como bem destaca Haddad (1996), não resta dúvida de que, no conjunto do panorama
nacional, o potencial locacional de áreas do Sul-Sudeste para atrair os novos
investimentos é, em quantidade e qualidade, bem maior que o encontrado no Norte,
Nordeste e Centro-Oeste brasileiros. Tornam-se particularmente atraentes nesse novo
contexto cidades médias daquelas regiões, localizadas próximas a eixos de transportes e,
portanto, dotadas de boas condições de acessibilidade (importante em tempos de
abertura comercial e globalização intensas). Ainda segundo Haddad, a geografia industrial
dos grandes projetos de investimentos privados, anunciados no período posterior ao Plano
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Real, revelam evidências inequívocas de que tais projetos (especialmente os de
montadoras de veículos) tendem a se concentrar no Sudeste-Sul (de Belo Horizonte para
baixo), justamente nas áreas dinâmicas apontadas por Campolina Diniz.
Se, do ponto de vista das tendências de mercado, os espaços mais atraentes tendem a
estar situados em áreas concentradas no Sul-Sudeste, do ponto de vista dos restritos
investimentos patrocinados pelo governo federal era de se esperar ação efetiva no sentido
de evitar a ampliação de disparidades já gritantes no Brasil e assegurar a compatibilidade
entre inserção na globalização e integração dos diversos espaços do país. Mas os dados
parecem sinalizar para tendência a fortalecer (ao invés de contrabalançar) a concentração
de novas atividades e de novos investimentos em certos focos competitivos. Essa é uma
das orientações centrais do Programa Brasil em Ação, no qual o governo federal define os
42 projetos prioritários de investimentos para o biênio 1997-98, com recursos que
totalizam R$ 54,4 bilhões, destacando-se obras prioritárias de infra-estrutura.
Para o que interessa nesse trabalho, tomem-se os projetos de infra-estrutura que têm
capacidade de definir articulações econômicas inter-regionais ou internacionais e,
portanto, capazes de influir na organização territorial do Brasil em tempos de
globalização. Os demais são projetos importantes, mas de impacto localizado, restritos a
uma ou outra região do país (a exemplo da conclusão de Xingó, com impacto no
Nordeste). Por sua vez, de grande importância para a modelagem territorial do Brasil, fica
fora dessa análise o Programa de Desenvolvimento das Telecomunicações (Paste), por
não ter sido apresentado com o detalhe da localização regional de seus investimentos
(orçados em R$ 16 bilhões para o biênio) e o Programa de Recuperação de Rodovias,
também sem localização definida no documento oficial.
Os projetos prioritários de infra-estrutura econômica, estratégicos para a futura
organização territorial do Brasil, revelam algumas características importantes :
•
Têm uma opção prioritária clara pela integração dos espaços dinâmicos do Brasil ao
mercado externo, em especial ao Mercosul e ao restante da América do Sul,
consistente com a opção brasileira de promover a integração competitiva. Essa
orientação estratégica secundariza a integração interna;
•
Priorizam dotar de acessibilidade os focos dinâmicos do Brasil (agrícolas, agroindustriais, agropecuários ou industriais), deixando em segundo plano as áreas menos
dinâmicas, ou os tradicionais investimentos autônomos, pelos quais o Estado
patrocina infra-estruturas que potencializam dinamismo econômico futuro. Na opção
atual, o Estado segue o mercado, enquanto com os investimentos autônomos se
antecipam a ele. Na opção do Brasil em Ação, o governo busca ampliar a
competitividade de espaços já competitivos;
•
Concentram os investimentos no Sul-Sudeste, na fronteira Noroeste, e em pontos
dinâmicos do Nordeste e do Norte, seguindo os espaços que vêm concentrando maior
dinamismo nos anos recentes.
Os espaços mais dinâmicos atraem projetos federais de infra-estrutura (que ampliam sua
acessibilidade) com investimentos da ordem de R$ 5,7 bilhões, enquanto os demais ficam
com apenas R$ 195 milhões para o biênio 1997-98, ou seja, apenas 3% do total.
Outro investimento igualmente estratégico, face aos novos paradigmas tecnológico e
produtivo e às novas condições de concorrência num mercado mundial em globalização, é
o destinado a geração e difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos e a formação
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de recursos humanos qualificados. Locais bem dotados desses atributos são apontados
como atrativos para investimentos.
Cabe destacar que o dispêndio em C&T realizado no Brasil nos anos 90 continua muito
baixo (0,7% do PIB) quando comparado aos países do G7 e a alguns tigres, que
despendem entre 2 e 3% de seus PIBs para promover os desenvolvimentos científico e
tecnológico. Por outro lado, dados relativos a 1994 revelam que, no Brasil, 82% do gasto
total em C&T ainda cabem ao setor público (sendo 57% de responsabilidade do governo
federal, 17% dos governos estaduais e 8% das estatais).
Por sua vez, das 158 instituições de pesquisa cadastradas pelo CNPq, 81% eram de
natureza pública, metade delas localizadas em uma única região: o Sudeste. O Nordeste
abriga 20% das instituições cadastradas (50% das quais em dois estados: Pernambuco e
Bahia). Como se percebe, é histórica a concentração espacial dos centro produtores de
conhecimento no país (IPEA/DPRU/CGPR, Nota Técnica, 1996).
O último levantamento efetuado pelo CNPq registrava sete mil grupos de pesquisa ativos
no país no primeiro semestre de 1995, fortemente concentrados no Sudeste (69%),
especialmente em São Paulo (40,7% do total nacional). Um interessante indicador de
concentração é o que revela que em apenas cinco estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Rio
Grande do Sul, Pernambuco e Paraíba) a participação no total dos Grupos de Pesquisa do
país é maior que a participação desses estados no PIB do Brasil (IPEA/DPRU/CGPR, Nota
Técnica, 1996).
Considerando a produção desses grupos no biênio 1993-94, constata-se uma distribuição
espacial ainda mais concentrada no Sudeste considerando-se a distribuição dos grupos
de pesquisa. A região responde por 85,5% dos artigos publicados em periódicos nacionais
e estrangeiros por pesquisadores do Brasil.
A distribuição espacial dos produtos e processos tecnológicos desenvolvidos revela, mais
uma vez, forte concentração no Sudeste (com destaque para Rio de Janeiro e São Paulo).
Por sua vez, a distribuição das patentes outorgadas para produtos gerados por grupos de
pesquisa no Brasil mostra que, à exceção de PE e DF, nenhuma outra unidade da
Federação fora do Sudeste e Sul conseguiu tal intento.
Finalmente, em termos financeiros, dados fornecidos pelo CNPq para 1994 (último
disponível) revelam que a alocação regional dos investimentos em C&T confirma a União
tender a fortalecer, também nesse campo, os mais fortes ao concentrar seus
financiamentos nas bases científica e tecnológica instaladas no Sudeste brasileiro (62%
do total, contra apenas 9% no Nordeste, dos quais 1/3 só em Pernambuco).
O papel esperado do Estado é o de contrabalançar, com sua presença, a relativa ausência
de investimentos privados, e não se concentrar onde o ente privado já prefere se localizar,
onde o dinamismo conduzido pela lógica do mercado já é mais intenso, onde os novos
fatores de competitividade já são abundantes. A preocupação que deriva de tais fatores
refere-se ao destino das chamadas áreas não-competitivas. No Nordeste, muitas delas
abrigam significativo contingente de pessoas (como o grande espaço semi-árido não
passível de abrigar focos de agricultura irrigada, ou seja, 95% da área total dessa subregião nordestina).
Como ficou evidenciado pelas análises até aqui procedidas, no Brasil dos anos recentes,
já no novo contexto de abertura, predomínio da integração competitiva e estabilização,
parece se confirmar a tendência a interromper a desconcentração espacial do
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crescimento que ocorria nos anos 70 e 80, quando a análise é feita em escala
macrorregional. Essa interrupção vem sendo comandada pelo mercado e referendada
pelas políticas públicas federais de corte nacional/setorial. Em termos regionais,
sobrevivem instrumentos e políticas herdados do passado, com reduzida capacidade de
impactar as realidades regionais e contrapor-se às novas forças que tendem a se
consolidar.
A ausência de explícitas políticas regionais por parte do governo federal abriu espaço à
deflagração de uma guerra fiscal entre estados e municípios, que buscam contribuir para
consolidar alguns focos de dinamismo em suas áreas de atuação. A combinação desses
dois fatos, vai deixando grandes áreas do país à margem: são os ditos espaços nãocompetitivos.
Por sua vez, as tendências prováveis dos investimentos sugerem que, após a fase de
modesta desconcentração, poderá ocorrer no futuro imediato um processo de
concentração espacial do dinamismo econômico em algumas sub-regiões (focos
dinâmicos) do país.
A conclusão preocupante que emerge das observações e análises aqui apresentadas é a
de que, muito provavelmente, a inserção do Brasil na economia mundial globalizada tende
a ser muito diferenciada, segundo os diversos subespaços econômicos desse amplo e
heterogêneo país. Tal diferenciação tende a alimentar a ampliação de históricas e
profundas desigualdades. Certamente não se repetirão as formas pelas quais se
materializaram essas desigualdades ao longo do século XX, mas provavelmente se
observará aumento da heterogeneidade no interior das macrorregiões. Essa é uma forte
tendência pois o próprio estilo de crescimento da economia mundial é profundamente
assimétrico, como supõe Pacheco (1996), e aos atores globais interessam apenas os
espaços competitivos do Brasil. Espaços identificados a partir de seus interesses privados
e não dos interesses do Brasil.
Rumo à fragmentação?
Face ao exposto, parece evidente que as tendências recentes atuam no sentido de
aprofundar as diferenciações regionais herdadas do passado e, destacando os focos de
competitividade e de dinamismo do resto do país, fragmentar o Brasil para articulá-los à
economia global. A aguda crise do Estado e o tratamento não-prioritário concedido ao
objetivo da integração nacional, nos tempos atuais, sinalizam nessa direção.
Pelo que já é possível apreender, Furtado (1992) chegou a mencionar a construção
interrompida da nação brasileira. A inserção seletiva promovida pelas novas tendências
terão como contra-face da mesma moeda, o abandono das áreas de exclusão (ditas nãocompetitivas). Poderia estar sendo traçado, assim, o roteiro da fragmentação brasileira. E
pelo que já se observa no Nordeste, a região acompanhará a tendência geral, num espaço
em que a herança de desigualdade é muito grave.
No Brasil, a emergência de focos de um novo tipo de regionalismo, intitulado
paroquialismo mundializado por Vainer (1995), sinaliza nessa direção. São locais de
grande dinamismo recente, dotados dos novos fatores de competitividade que montam
sua articulação para fora do país e tendem a romper laços de solidariedade com o resto,
passando a praticar políticas explícitas de segregação contra emigrantes (nordestinos, na
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maioria dos casos), vindos de áreas não-competitivas. Buscam, assim, evitar manchar a
ilha de Primeiro Mundo que julgam constituir (Vainer, 1995).
O futuro parece apontar, especialmente quanto ao Nordeste, para o aprofundamento da
heterogeneidade herdada do passado recente. E tenderão a se ampliar as diferenciações
dentro das macrorregiões, cada uma delas podendo conter distintos tipos de sub-regiões,
como: sub-regiões de áreas dinâmicas, sub-regiões em processo de reestruturação, subregiões estagnadas ou sub-regiões e áreas de potencial pouco utilizado.
É importante considerar que o desenvolvimento regional recente, sobretudo na fase de
desconcentração da segunda metade dos anos 70 até a primeira dos anos 80, reforçou a
heterogeneidade de cada macrorregião, tornando mais nítidas e mesmo maior as
diferenças entre as sub-regiões de cada grande região. Também neste aspecto, o
Nordeste acompanhou e continua a acompanhar o Brasil.
A heterogeneidade crescente vai consolidando dinâmicas particulares no interior dos
diversos estados do Nordeste. Em Pernambuco e no Rio Grande do Norte, por exemplo, o
dinamismo das áreas de fruticultura (de Petrolina ou do vale do Açu) contrasta com a
passividade com que se assiste à crise das áreas do antigo complexo gado-algodão
(embora geograficamente as duas estejam próximas, nos dois estados). O dinamismo do
oeste baiano contrasta com a lentidão com que se buscam alternativas ao cacau, na parte
oriental-sul do estado. Com a ferrovia Norte-Sul e a hidrovia do São Francisco, e sem a
ferrovia Transnordestina (tal como está previsto no Brasil em Ação), a porção ocidental
dinâmica do Nordeste amplia suas chances de interação privilegiada com o Centro-Oeste
e Sudeste. E isola-se, crescentemente, o Nordeste oriental.
Rumamos, agora, para aprofundar as diferenciações pré-existentes, cada um olhando
para si próprio, cada subespaço buscando suas próprias definições e montando suas
articulações. Os atores globais também farão suas escolhas. Rumamos à fragmentação?
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Ascensão e Queda do Coronelismo
Voltaire Schilling1
O coronelismo foi um sistema de poder político que vicejou na época da República Velha
(1889-1930), caracterizado pelo enorme poder concentrado em
mãos de um poderoso local, geralmente, um grande proprietário,
um dono de latifúndio, um fazendeiro ou um senhor de engenho
próspero.
Ele não só marcou a vida política e eleitoral do Brasil de então
como fez por contribuir para a formação de um clima muito
próprio, cultural, musical e literário que fez da sua figura um
participante ativo do imaginário simbólico nacional.
Não só os homens de letras procuraram reproduzir em seus
livros o que era viver sob o domínio de um coronel, como os
Barões do café,
feitos e as façanhas deles foram transmitidos, a luz de velas, de
antepassados dos
lamparinas e de lâmpadas, pela história oral do avô para o seu
coronéis
neto, fazendo com que quase todo mundo soubesse de uma
"história" ou "causo do coronel".
Identificado com o Brasil do passado, agrário, rústico e arcaico, ele ainda sobrevive em
certas comarcas e em certos estados do Nordeste brasileiro como o poderoso "mandão
local", uma espécie de velho barão feudal que, desconsiderando as razões do tempo e da
época, insiste em manter-se vivo e atuante.
As Origens Remotas do Coronelismo
O coronelismo institucional surgiu com a formação da Guarda
Nacional, criada em 1831, como resultado da deposição de
dom Pedro I, ocorrida em abril daquele ano. Inspirada na
instituição francesa, forjada pelos acontecimentos de 1789, a
"guarda burguesa" era uma milícia civil que representava o
poder armado dos proprietários que passaram a patrulhar as
ruas e estradas em substituição às forças tradicionais,
derrubadas pelos revolucionários.
Para ser integrante dela era preciso, pois ser alguém de posses,
que tivesse recursos para assumir os custos com o uniforme e
as armas necessárias (200 mil réis de renda anual nas cidades A Guarda Nacional, o
cidadão em armas
e 100 mil réis no campo).
Coronel, Sinônimo de Poder
Poder
O governo da Regência (1831-1842) colocou então os postos militares à venda, podendo
então os proprietários e seus próximos adquirir os títulos de tenente, capitão, major,
tenente-coronel e coronel da Guarda Nacional (não havia o posto de general, prerrogativa
exclusiva do Exército). Assim é que com o tempo, o coronel passou automaticamente a ser
visto pelo povo comum como um homem poderoso de quem todos os demais eram
dependentes.
1Professor de História e Mestrando na UFRGS, responsável pelo Projeto Cultural do Curso Universitário. Escreveu 8 livros (*) e
mais de 40 polígrafos, a maioria sobre História e História das Idéias Políticas.
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Configurou-se no Brasil daqueles tempos uma clara distinção social onde os
representantes dos dominantes eram identificados pelo ranço militar (coronel, major,
etc..) enquanto que os dominados pelo coronel o eram pela visível identificação genérica
de "gente", ou a zoológica "cria" (sou "cria" do coronel fulano).
Coronelismo,
Coronelismo, Caudilhismo e Caciquismo
O coronelismo na história política nacional nada mais foi do que a expressão brasileira de
um fenômeno tipicamente ibérico, o do caudilhismo ou do caciquismo. Toda a vez que na
Península Ibérica, por uma razão qualquer, o poder político central ficou abalado,
enfraquecido, deu-se a ascensão do chefe provincial ou local que adquiria expressão
militar e jurídica própria.
O caudilhismo nasceu na Espanha medieval em luta contra os mouros, quando um rei
dava a um chefe militar ou um aventureiro qualquer que o solicitava uma "carta de
partida", que o autorizava a recrutar homens e a arrecadar recursos para lutar na cruzada
contra os homens do califa muçulmano.
Foram célebres as façanhas de Cid, o campeador, que lutou e integrou Valencia ao reino
da Espanha no século XI, sendo desde então considerado como o patriarca de todos os
caudilhos que se seguiram.
A Geografia do Mandonismo Local
O caciquismo é historicamente bem mais recente. Nasceu da Constituição liberal adotada
na Espanha de 1837, que ao outorgar uma significativa parcela de poder aos municípios,
contra a posição centralista dos conservadores, promoveu a emergência do cacique.
Esta expressão de clara influência vinda da América serviu para definir a situação que um
chefete municipal passou a usufruir dentro do sistema político da monarquia espanhola
desde então (desaparecido com a implantação da Ditadura Franquista, entre 1936-1975).
Quanto à geografia desse fenômeno político, pode-se dizer que enquanto os coronéis
imperavam pelo Brasil afora, os caudilhos eram comuns na América hispânica,
especialmente na região do Rio da Prata, ficando o México como o principal centro do
poder dos caciques.
O Cenário do Coronelismo
O cenário que envolvia e promovia o coronelismo era o do mundo
rural brasileiro, dominado pelo latifúndio, o engenho, a fazenda e
a estância. Um universo próprio, interiorano, bem afastado das
grandes cidades, isolado do mundo. As comunicações eram raras
e difíceis, feitas por canoa, barco, balsa, carro de boi, charrete, ou
na sela do cavalo, puxando os arreios da mula ou do jerico. Na
verdade, o coronel, personificação mais acabada do poder privado
no Brasil, mandava num pequeno país do qual ele era um
imperador com poder de vida e morte sobre os seus (ainda que
não reconhecido juridicamente).
Delmiro Gouvea, uma
Os moradores eram-lhe inteiramente obedientes. Poucos ousando
raridade
desafiar-lhe a autoridade ou disputar-lhe o mando, a não ser que
por perto outro coronel o desafiasse. Praticamente ninguém ao
redor dele era instruído, sendo comum entre os considerados alfabetizados apenas
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saberem desenhar o nome no papel, o suficiente para que se tornassem eleitores fiéis dos
candidatos propostos pelo coronel.
Estudos posteriores sobre o coronelismo mostraram, entretanto, que ele não se
compunha apenas por proprietários de terras, havendo igualmente coronéis com outra
posição social, tais como o coronel-comerciante, o coronel-industrial (o célebre Delmiro
Gouveia, de Alagoas), o coronel-padre (como o padre Cícero no Ceará, o mais famoso líder
do catolicismo popular e ídolo dos sertanejos).
Escassez e Solidão
Materialmente o mundo dos coronéis era povoado pela escassez de tudo e pela pobreza
quase que absoluta, quando não miséria dos moradores, que explica a enorme
dependência que todos tinham dele. Ele era um pode – tudo, a quem era preciso recorrer
nas mais diversas situações, sendo, portanto compreensível que o coronel exigisse
daqueles que se qualificavam como votantes, o compromisso da fidelidade.
Na ausência quase que absoluta do Estado, era o coronel quem exercia as mais variadas
funções, sendo simultaneamente o detentor do poder político, jurídico e legislativo do
município que lhe cabia, fazendo com que sua autoridade cobrisse todos os espaços
daquela geografia da solidão que era o seu feudo.
A Estrutura do Coronelismo
Os estudiosos dividiram o coronelismo em três tipos; o tribal, o personalista e o colegiado.
O tribal parece um patriarca de um clã, cujo poder se espalha por vários municípios e
deriva dele pertencer a uma família tradicionalmente poderosa. O personalista deve tudo
ao seu carisma pessoal, a ter certos atributos que são só dele e são impossíveis de
transmitir por herança, geralmente desaparecendo com sua morte.
Por último, aqueles que são mais estáveis, e que dirigem os negócios políticos em comum
acordo com outros coronéis sem que haja grandes desavenças entre eles. As bases do
seu poder são:
a) A terra. Num país de dimensões agrárias tão vastas, a riqueza dos indivíduos era
medida pela extensão da propriedade.
Logo era fundamental para a afirmação e continuidade do poder do coronel ele possuir
significativas extensões de terra.
b) A família, ou a parentela, como prefere Maria Isaura Pereira de Queiroz, permitia ao
coronel por meio de casamentos arranjados ampliarem seu domínio, colocando gente
do seu sangue e da sua confiança em todos os escalões do poder municipal e
estadual.
c) Os agregados. A imensa quantidade de parentes distantes, compadres, afilhados e
demais protegidos do coronel, que ajudavam a estender o poder dele para fora da
família núcleo (a gente do seu próprio sangue), permitindo que sua autoridade se
espalhasse para regiões bem mais distantes do que a do seu feudo.
A Política do Coronelismo
Os republicanos de 1889 ficaram surpreendidos pelo vigor do sistema coronelístico.
Apesar de ampliarem os direitos de voto, assegurando aos alfabetizados poderem tornarse eleitores, rapidamente verificaram que a universalização do sufrágio não redundou no
enfraquecimento dos coronéis.
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Ao contrário, como os cidadãos votantes eram poucos (talvez os que soubessem ler e
escrever, um século atrás, mal atingisse os 20% da população inteira), facilmente eles
foram conduzidos pelos apaniguados dos mandões,
especialmente no interior do País, a comportarem-se com
docilidade.
O voto de cabresto foi decorrência disso. O eleitor trocava o
seu voto por um favor. Este poderia ser um bem material
(sapatos, roupas, chapéus, etc.) ou algum tipo de obséquio
(atendimento médico, remédios, verba para enterro, consulta
médica, matrícula em escola, bolsa de estudos, etc.).
Esta placidez obediente dos que tinham direito a votar fazia
com que eles fossem integrantes do curral eleitoral. Ao O padre, o militar e o coronel,
comportarem-se nas eleições tais como bois mansos, era os três poderes do Brasil
inevitável que os considerassem como gente de segunda arcaico.
classe, incapaz de reagir ao despotismo do manda-chuva.
Fraudes e Folclore
Os coronéis, enfim, fizeram o processo eleitoral republicano funcionar a favor deles,
colaborando para isso o fato do desaparecimento do poder unitário (representado pelo
imperador), em detrimento dos poderes regionais e, em seguida, dos municipais.
Para ampliar ainda mais o seu mando, tornaram-se comuns práticas ilícitas de
manipulação eleitoral.
Dentre muitas, podemos destacar o eleitor-peregrino (sujeito que votava diversas vezes)
ou o eleitor-fantasma (não davam baixa dos mortos das listas eleitorais, permitindo que
alguém votasse em nome deles, fazendo deles "defuntos cívicos" que levantavam da
tumba para irem até as juntas eleitorais), e mais toda uma série de trapaças outras que
pertencem ao riquíssimo folclore político brasileiro.
Mecanismos de Poder
Para chegar ao povo votante, o coronel ativava o cabo eleitoral, alguém prestativo do seu
meio que, em troca de favores, assumia o papel de porta-voz das inclinações eleitorais do
coronel. Em outros acasos, convocava algum líder local próximo para que também
arrebanhasse os votos para o seu candidato.
O resultado das eleições quase sempre passava pelo crivo de um seu representante no
conselho eleitoral, alguém que, em seu nome, vigiava para que o resultado final
satisfizesse os partidários do coronel. Observe-se que a não existência do voto secreto
(adotado após a Revolução de 1930), facilitava o controle sobre o eleitor, aumentando-lhe
o constrangimento.
A fraude, portanto, imperava na época da República Velha, ela era, por assim dizer, a
expressão acabada do mandonismo dos coronéis, demonstrativo da impotência e das
limitações da democracia brasileira. Se nas cidades ainda funcionavam os empolgantes
comícios, o universo político do coronel movia-se pelo cochicho, pelo conchavo e pelo
cambalacho.
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Instrumentos de Coerção: o Pistoleiro e o Jagunço
O coronelismo nunca foi um sistema pacífico. A própria natureza do
tipo de dominação que ele exercitava implicava na adoção de métodos
coercitivos, ameaçadores, quando não criminosos.
As linhas da violência dirigiam-se em dois sentidos, no horizontal
quando o coronel travava uma disputa qualquer com outro rival do seu
mesmo porte, e no vertical, quando ele desejava impingir alguma coisa
aos de baixo ou que se negavam a aceitar a sua guarda.
Para o exercício efetivo disso, ele contava com dois elementos básicos:
o pistoleiro contratado para atuar a seu serviço, geralmente um
capanga da sua confiança, ou um grupo de jagunços dedicados ao
ofício das armas que lhe serviam como uma milícia privada, vivendo à
sombra da sua autoridade.
O rebenque,
instrumento de "paz Inúmera vez como mostrou Guimarães Rosa (Grande Sertões: veredas,
social"
1956), o mataréu brasileiro foi ensangüentado pela batalhas travadas
por esses exércitos de jagunços, atraídos pela aventura, pelos favores
e pela macheza do coronel que os comandava. Porque, como assegurou o seu
personagem Riobaldo, o sertão era tão bravo que "Deus mesmo, quando vier, que venha
armado!"
O Apogeu do Coronelismo
Ao legar ao seu sucessor um mecanismo político mais estável do que aquele que herdara
o presidente Campos Salles fundou um sistema de troca de favores que, partindo do
executivo federal, espalhou-se pelo país inteiro.
De certa forma aquilo que se convencionou chamar de política dos governadores,
implementada em 1902, lembra, na sua simplicidade, o toma lá, dá cá, praticado nos
antigos reinos medievais. Naqueles tempos, os monarcas se sustentavam com o apoio
dos condes, estes dos barões, e assim sucessivamente até chegar-se ao vilão ou ao
pároco da aldeia, envolvendo todos eles num sistema mútuo de fidelidades e
compromissos.
O presidente da república exigia que os governadores lhes enviassem bancadas
concordes com a sua política. Em troca, ele sustentava as propostas regionais dos
governadores (inclusive com apoio militar se fosse preciso).
Estes por sua volta se articulavam- com os coronéis do seu estado, fazendo com que
também eles mandassem para a assembléia legislativa na capital do estado, deputados
acertados com os interesses políticos do governador.
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A Comissão de Verificação
A fim de garantir-se do cumprimento dessa política, o presidente fez com que o Congresso
por ele controlado instituísse a Comissão de Verificação de Poderes (diz-se por sugestão
do senador gaúcho Pinheiro Machado), formada por cinco parlamentares com a função de
apurar se os deputados eleitos nos estados realmente estavam comprometidos em vir dar
o seu apoio ao presidente.
Para a comissão, não havia maior significado o parlamentar ter recebido ou não os
sufrágios necessários, mas unicamente se ele estava disposto a cumprir com o acertado
entre o governador do seu estado e o presidente da república.
Isso é que explica porque o governador da Bahia, José Bezerra, ter dito, ao redor de 1920,
"ser eleito é uma coisa, ser reconhecido é outra". Frase que é uma variação daquela outra
atribuída a Pinheiro Machado, que assegurou a um oposicionista "eleito o senhor foi, o
que não vai ser é diplomado."
Um toma lá, dá cá
Um enorme mecanismo de favores e contra favores principiando nas fraldas de qualquer
município brasileiro estendia-se assim, passando antes pelo
palácio do governador, até chegar ao centro do poder no Palácio
da Guanabara do Rio de Janeiro.
Durante quase um trintênio esse sistema funcionou a contento.
Pecava-se contra a educação democrática do povo, ao viciar
completamente os resultados eleitorais, trouxe pelo menos
certa estabilidade invejável à turbulenta e instável crônica
política brasileira.
Mesmo quando ele foi sacudido pelas várias revoltas
promovidas pelo Movimento Tenentista (em 1922, 1924 e
O centralismo de Vargas
1926), ele mostrou-se hábil em sobreviver.
opôs-se ao coronelismo
A Crise do Coronelismo
A Guerra da Princesa, travada por João Pessoa, governador da Paraíba, contra um
poderoso coronel do sertão chamado José Pereira, o Zé Pereira, desde que tomara posse
em outubro de 1928, resumiu e antecipou o que iria ocorrer no Brasil a partir do sucesso
da Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas. Centralizador e autoritário, durante os
quinze anos seguintes Vargas praticou medidas para o irreversível esvaziamento do poder
dos coronéis.
O voto secreto e o voto feminino (inicialmente somente de funcionárias públicas) foram
dois dos instrumentos utilizados para isso. Valorizando o sufrágio urbano, aumentando-lhe
a presença eleitoral, ele contrapôs o poder das novas forças emergentes (operários,
funcionárias) ao dos potentados rurais.
Com a adoção dos interventores e dos intendentes, agentes do governo central enviados
para administrar os estados e os municípios foram inevitáveis o encolhimento da
autoridade local.
Portanto, foi fundamental para que o coronelismo se eclipsasse a emergência de um
executivo federal forte e cada vez mais poderoso.
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Situação que se reforçou ainda mais com a proclamação da ditadura do Estado Novo em
novembro de 1937. A industrialização, o crescimento demográfico, a imigração para as
cidades, características do Brasil pós-1945, só fizeram por acelerar ainda mais o declínio
do coronelismo.
A Revivência do Coronelismo
Com o Golpe Militar de 1964, que derrubou o governo de João Goulart, ocorreu um
estranho e contraditório fenômeno. Os militares que ascenderam ao comando do país
naquela ocasião, com o objetivo de implantar o seu Projeto do Brasil Grande (a ambição
de tornar o país uma potência de médio porte), e, ao mesmo tempo, neutralizarem a força
das massas urbanas que lhes eram hostis, trataram de aliar-se, especialmente no
Nordeste, com os remanescentes do coronelismo.
Desta forma, no Ceará, no Rio Grande do Norte, na Paraíba, em Pernambuco e na Bahia,
ao recorrerem aos casuísmos eleitorais, ajudaram e fortaleceram as velhas oligarquias.
Os generais de 1964, ao contrário dos tenentes de 1930, promoveram uma atualização
do poder dos coronéis: o neocoronelismo. Unindo uma proposta de modernização da
economia com as esdrúxulas práticas que remontavam ao Brasil arcaico, o país conheceu
entre 1969-1979 um impressionante desenvolvimento econômico, simultâneo ao quase
total fechamento político (o mais sufocante que o país conheceu desde os tempos do
Estado Novo, entre 1937-1945) (...).
O Carlismo
Antônio
Magalhães
Com a fim do regime militar, marcado pela eleição indireta de Tancredo
Neves à presidência da república em 1984, um por um os coronéis
foram sendo afastados da política, derrotados pelas urnas da
democracia recém-reconquistada. Na Bahia, porém, isso não sucedeu.
O cacique político local, o ex-prefeito e governador Antônio Carlos
Magalhães (que fizera sua carreira política aplicando todos os truques
perversos do coronelismo ao tempo em que servia como sustentáculo
civil local ao regime militar), mudou de lado. Em 1984, num lance
ousado e surpreendente, ACM rompeu com os militares e aderiu à
campanha das "diretas já", que culminou no afastamento dos generais
do poder. Talvez por ele ser um caso raro de coronelismo urbano
(grande parte da sua fortuna e dos que a ele estão ligados está
associada aos meios de comunicação e aos negócios industriais e
Carlos imobiliários), ele mostrou-se mais ágil em perceber o significado das
mudanças que se operaram naquela época. Representando a versão
mais atualizada do coronelismo, ele de imediato rearticulou-se com a
nova elite civil que substituiu os militares em Brasília.
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O Condestável da Nova República
Esta posição, esta virada do carlismo em favor da redemocratização, se bem que
oportunista, granjeou a ele enorme estima e respeito por parte considerável da população,
permitindo-lhe, em seguida à formação da Nova República, que fosse promovido às
antecâmaras do poder como o condestável, o homemforte dos sucessivos presidentes que desde então se
sucederam (nos 15 anos seguintes, ACM foi ministro das
comunicações no governo de José Sarney, eminência
parda no governo do presidente Fernando Collor de Mello
e o principal avalista do pacto do PFL-PSDB, que garantiu
por duas vezes a eleição do presidente Fernando
Henrique Cardoso). Ele sempre teve consciência de que o
seu prestígio local devia-se ao apoio escancarado que ele
dava a quem estivesse no comando executivo da União.
Desta forma, se num primeiro momento trocou a sua Pelourinho, recuperado graças ao
fidelidade por favores prestados ao Estado da Bahia (polo prestígio de ACM
petroquímico de Camaçari, verba para a recuperação do
Pelourinho, a montadora da Ford), os analistas prevêem
que o rompimento dele com as fontes das verbas federais
terminará por secar, no futuro, a influência dele junto aos seus conterrâneos.
Coronelismo e Literatura
Como não poderia deixar de ser a literatura brasileira foi pródiga
neste século em abrigar as façanhas e malvadezas dos coronéis. O
mundo rural, violento e rústico, onde eles se moviam, mereceu
copiosas descrições, e os "causos" em que eles foram
participantes ativos viraram contos ou histórias dos romancistas e
dos roteiristas das telenovelas brasileiras, quando não os próprios
coronéis tornaram-se personagens centrais da obra (como no caso
de São Bernardo de Graciliano Ramos, ou o do Coronel e o
lobisomem de José Cândido de Carvalho). Notáveis descrições do
cenário em que eles viveram e lutaram encontram-se no Os
Sertões de Euclides da Cunha, e no já citado Grande Sertões: Veredas de Guimarães
Rosa. Numa situação onde o autor assume a identidade do coronel para registrar-lhe as
impressões, encontra-se no Memórias do coronel Falcão, de Aureliano Figueiredo Pinto.
Jorge Amado, o escritor brasileiro de maior expressão internacional, abordou o
coronelismo em todas as suas facetas nos seus romances do chamado ciclo do cacau
(São Jorge de Ilhéus, Cacau, e no popularíssimo Gabriela cravo e canela).
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Bibliografia
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I.
semi--árido2
Contexto e Diversidade das agriculturas Familiares no Nordeste semi
A agricultura brasileira esteve, desde a colonização, voltada para o comércio, dedicada às
necessidades do mercado europeu. A produção agrícola alimentar era limitada (Andrade,
1967). O Nordeste, primeira região colonizada pelos portugueses, muito cedo conheceu a
prosperidade, graças a exportações de açúcar para a Europa. Foi no litoral que se
constituiu a primeira ilha do "arquipélago brasileiro" e onde o primeiro dos grandes ciclos
econômicos do Brasil se desenvolveu (Thery, 1995a; Fig. 2). Mas a concentração das
riquezas nas mãos de uma minoria e o caráter excêntrico da economia (importação de
produtos de luxo graças aos recursos advindos das culturas de exportação) frearam o
desenvolvimento da Região. A crise do mercado açucareiro no século 18 só fez reforçar
essa situação. Certamente outros mercados se abriram, outras culturas contribuíram para
um certo dinamismo econômico, porém, segundo Thery (1995a), "nenhum dos ciclos
posteriores veio, em seguida, modificar muito essa situação, se bem que dois episódios
tenham contribuído para diversificar a base econômica regional: o cultivo do algodão que
permitiu uma ocupação mais densa da zona semi-árida, e, no início do século 19, o
desenvolvimento das plantações de cacau no sul do Estado da Bahia".
Em 1850, a Lei da Terra torna impossível a obtenção de terras, a não ser por compra.
Instaura-se, então, o mercado fundiário. A lei é votada sob a pressão de grandes
proprietários cuja preocupação é limitar a ocupação ilegal de terras, prática cada vez mais
freqüente. Porém, essa lei se traduz, de fato, pelo assentamento de inúmeras famílias.
Com efeito ela regulariza a situação dos ocupantes. Permite, também, aos vaqueiros dos
fazendeiros comprarem terras, e nelas instalar-se com seus rebanhos, constituídos graças
ao sistema de remuneração usado pelos grandes proprietários3. Essa é a origem da
agricultura familiar no Nordeste semi-árido (Prado júnior, 1960; Andrade, 1986).
Entretanto, a integração econômica é limitada. No século 20, o Nordeste torna-se a região
"rejeitada" do Brasil, região de migração em direção ao sul e à Amazônia (Garcia júnior,
1990) . Como bem destaca Martine (1992), o sertão assume o papel de pulmão
demográfico do Brasil, pois é capaz de absorver ou reter contingentes significativos de
população. Cuert-Muller (1994) mostra que entre 1970 e 1985 a população trabalhando
no setor agrícola passou de 3,0 a 4,2 milhões de pessoas, e que essa mão-de-obré
constitui uma reserva utilizada ocasionalmente.
Em contrapartida, as transferências financeiras oriundas da União para o Nordeste
foram constantes no decurso dos 2 últimos séculos. Porém, estas jamais compensaram
as grandes transferências de capital e de recursos humanos do Nordeste para o Sudeste
(Oliveira, 1981; Garcia júnior, 1990).
2
IN: Camponeses do Sertão: Mutação das agriculturas familiares no Nordeste do Brasil. Patrick Caron e Eric Sabourin/org. Brasília.
EMBRAPA Informação Tecnológica, 2003
3
O vaqueiro recebe como remuneração um bezerro em cada quatro que nascem; a escolha é feita pelo proprietário.
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Fig. 2. Expansão territorial: frentes pioneiras e ciclos econômicos. Fonte: Thery, 1995a.
"Em 1936, foi delimitado um perímetro de 620 mil km2, o Polígono das Secas, definindo a
área onde a ajuda do governo federal poderia ser concedida, desafio que explica suas
ampliações sucessivas em 1946 e 1951: hoje essa área estende-se por 936.993 km2
(Thery, 1995a). O montante da ajuda da União é diretamente proporcional à extensão das
crises climáticas das secas (Molle, 1991 b). Sua distribuição, controlada pela elite local,
reforça o poder indiscutível dessa elite. Alguns evocam a indústria da fome para explicar
os lucros que daí retiram. Em 1958, depois de um período extremamente seco, foi criado
um grupo de trabalho que daria origem, no ano seguinte, à Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste - Sudene -, administração encarregada pelo governo federal
do "planejamento regional global" (Oliveira, 1981). Os intelectuais que a dirigiam, em
particular Celso Furtado, procuraram promover a industrialização, por meio de lima
política de incentivos fiscais, e modernizar o setor agrícola, facilitando a transformação
dos latifúndios4 e de pequenas um idades agrícolas camponesas em empresas rurais5.
4
5
Latifúndio: propriedade de grande porte, subexplorada, tornada produtiva por dependentes, remunerados por um
proprietário frequentemente ausente. O proprietário segue uma lógica territorial, ditada por relações do tipo paterna lista,
quanto a seus dependentes.
Empresas rurais: forma de organização reagindo essencialmente a uma lógica econômica. A rentabilidade do investimento é o
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Foi, então, considerada a possibilidade da reforma agrária. O assunto, porém, logo se
tornaria um verdadeiro tabu, após o golpe militar de 1964.
O modelo de desenvolvimento imaginado é um compromisso que alia modernização e
emprego rural por intermédio do apoio à agricultura comercial e da organização de
comunidades rurais de pequenos produtores. A implantação de infra-estruturas marca os
primórdios dessa política e mobiliza o essencial dos meios financeiros. No decurso dos
anos 60, a extensão da rede rodoviária foi triplicada, a de estradas asfaltadas foi
decuplicada (Thery, 1995a). Foi a época do milagre econômico brasileiro, e os recursos
financeiros corriam em abundância.
De modo clássico, se a implantação das infra-estruturas foi satisfatória, os índices de
desenvolvimento foram menos evidentes; surgiu, então, alguns anos mais tarde, o período
dos projetos públicos e do crédito subsidiado: Polonordeste, Sertanejo, Chapéu de Couro,
São Vicente, Projeto de Apoio ao Pequeno Produtor Rural (Papp), entre outros. Em sua
origem, esses projetos visavam reforçar a emergência de pólos de desenvolvimento, em
particular com a implantação de perímetros públicos de irrigação e, ao mesmo tempo,
resolver os problemas ligados à pobreza. No sertão, tratou-se, sobretudo, do cofinanciamento de infra-estruturas comunitárias (escolas, armazéns, poços e açudes,
postos de saúde, etc.), construídas essencialmente pela mobilização gratuita da mão-deobra local (Amman, 1985).
O êxodo rural não se estanca. A demanda de mão-de-obra no sul é grande. Nos anos 80,
com o retorno à democracia, o sentimento de crise traduz-se, em escala nacional, por
discursos recorrentes sobre a escalada da violência, a incapacidade de controlar a
hipertrofia das metrópoles com a redução do êxodo rural e de travar os fenômenos de
empobrecimento. Após o mito da modernidade, vem o tempo das dúvidas. O conjunto da
classe política e, de modo mais amplo, a sociedade tomou conhecimento das dificuldades
com as quais se depararam esses projetos. As inquietações em relação ao modelo de
desenvolvimento brasileiro, o papel do setor agrícola em geral, e aquele da agricultura
familiar em particular, são questões dirigidas à pesquisa nacional.
Inúmeras denominações são utilizadas quando se evoca a agricultura familiar: pequeno
produtor, agricultura camponesa, agricultura de subsistência, minifúndio. Essas
denominações não têm todas o mesmo sentido. O termo agricultura camponesa
qualifica somente uma parte desse universo, excluindo as pequenas empresas
familiares. Está associado à permanência de uma sociedade camponesa no sentido
usado por Mendras (1976)6. Apesar de sua conotação política ou ideológica
desfavorável, específica ao contexto brasileiro7, caracteriza, ainda, uma maioria
significativa dos produtores das comunidades do sertão. No Brasil, geralmente, o apego
ao campo na região de origem continua relativo. Os movimentos da população rural
sempre foram, e ainda são, importantes, principalmente nas frentes pioneiras e nas
regiões de êxodo. Em contrapartida, no Sertão nordestino, esse apego é real. As
migrações de agricultores do Sertão foram por muito tempo essencialmente sazonais
(colheita do café, tabaco ou cana-de-açúcar) ou temporárias. Ao final de alguns anos, o
objetivo principal. As relações de trabalho organizam-se em torno dos assalariados.
6
7
Segundo a definição de Mendras (1976), pode~se falar em agricultura camponesa onde subsiste uma sociedade
camponesa marcada por relações de proximidade e de interconhecimento, por uma autonomia relativa quanto ao
mercado e pela mediação de poderosos locais.
O temor suscitado pelos movimentos sociais de ligas camponesas junto às elites regionais do Nordeste
muito contribuiu para o golpe militar de 1964.
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agricultor voltava à sua região natal para comprar um pedaço de terra ou um rebanho,
com o pequeno capital amealhado durante o exílio. Como nos mostra Silva (1999), as
migrações definitivas constituem um fenômeno recente, surgido nas últimas décadas.
É em função desses elementos que parece pertinente definir agricultura familiar, na
falta de melhores termos, como o conjunto de formas de produção que se opõem aos
latifúndios e às empresas rurais, alvos preferenciais da política de modernização. A
agricultura familiar, assim identificada, reagrupa expressões sociais e modos de
produção muito diversificados, apresentando, entretanto, certas características comuns,
como a valorização da mão-de-obra familiar e a autonomia da gestão dos meios de
produção (Sidersky, 1989).
Agricultura familiar: uma história de resistência e adaptações
A história da agricultura familiar do Sertão se confunde muito com aquela da
evolução dos sistemas de pecuária (Caron, 1998). A agricultura sertaneja continuou por
muito tempo apenas produtora de víveres e marginal ou concentrada nas zonas mais
elevadas e úmidas do Agreste e do brejo, às margens da zona semi-árida (ver mapa 1 em
anexo). A agricultura irrigada é recente e seu potencial é limitado a 5% dos 940 mil km2
da região, correspondendo às terras aluviais dos vales ou várzeas, situadas nas falhas
geológicas (Mal/e, 1991b).
A colonização do Sertão
Os primeiros domínios fundiários do Sertão foram conquistados no século 17, nas terras
das tribos indígenas dos Tupis. Eram verdadeiros impérios, as sesmarias, concedidas
pelas capitanias _ representando a Coroa portuguesa - aos nobres, aos grandes
proprietários rurais, aos senhores da terra, chamados de coronéis ou fazendeiros. As
sesmarias eram medidas em léguas8, de cada um dos lados dos riachos, sem limites
físicos determinados. Era comum manter uma margem de uma légua, não concedida a
ninguém, entre dois domínios, para evitar misturas de gado e outros litígios (Garcez &
Sena, 1992).
A colonização foi caracterizada pela concentração, pela imprecisão dos limites territoriais,
pelo absenteísmo dos proprietários das terras e pelos fracos investimentos no setor
agrícola. Muito rapidamente, os primeiros conflitos eclodiram. Eram de natureza feudal e
colocavam as grandes famílias umas contra as outras ou contra as comunidades
indígenas (Garcez & Sena, 1992)9 A ocupação efetuou-se em diferentes datas, segundo
as regiões de Sertão. As vias naturais de acesso, as características mais ou menos hostis
do meio local, a presença de recursos hídricos, a localização estratégica de determinados
locais no cruzamento de eixos de comunicação foram critérios determinantes.
No Sertão central, pelos meados do século 17, a maioria da~ terras pertencia a duas
famílias: Guedes de Brito e Dias D' Ávila Esta última possuía, em 1710, "mais de 340
8
9
Uma légua corresponde a 6 km.
Houve igualmente litígios entre o Estado e a Igreja, quanto a concessões anteriores ieita pela colônia portuguesa
às ordens missionárias encarregadas de catequizar a comunidades indígenas. Tais litígios diziam respeito ao
direito de recolher impostos. ( Município de Juazeiro, às margens do São Francisco, opôs-se a partir de 1840 à
paróqui local. A separação entre a Igreja e o Estado, com a proclamação da República, nos iin do século 19,
agravou ainda mais a situação. No caso de luazeiro, o litígio só ioi resolvid, em 1927, pela demarcação dos
respectivos perímetros: o da paróquia e o do municípic
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léguas de terras à~ margens do Rio São Francisco e de seus afluentes" (Andrade, 1986) A
ocupação aconteceu porém, muitas vezes, em épocas mais tardias A região de Pintadas,
por exemplo, no centro do Estado da Bahia, (Fig. 3), foi explorada a partir do século 19,
enquanto as regiões: vizinhas (Mundo Novo, Baixa Grande) já haviam sido ocupadas
desde o século anterior. Pintadas situa-se numa região menos chuvosa, fora dos eixos de
comunicação e não dispunha de nenhum, fonte permanente de água.
O recuo econômico e o surgimento dos camponeses
No decurso do século 18, o crescimento do setor mineiro de Estado de Minas Gerais e a
crise no setor açucareiro acarretaram uma crise na economia nordestina e o deslocamento da
bacia pecuária para o Sul do Brasil (Furtado, 1977). Os enormes latifúndios começaram a
fracionar-se em virtude do absenteísmo dos proprietários e da crise da pecuária bovina.
Fig. 3. Localidades mencionadas na descrição do processo de colonização.
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Com a Lei da Terra, em 1850, os pequenos proprietários estabeleceram-se. Comunidades
apareceram e materializaram-se em sítios nas proximidades dos poços. Hoje seus membros são
os descendentes dos primeiros ocupantes ou dos compradores das antigas fazendas. Numerosos
vaqueiros, mestiços, escravos alforriados ou ex-condenados tomaram posse de terras situadas
entre as sesmarias ou mesmo inexploradas (Prado Júnior, 1960).
Uma economia camponesa surgiu e desenvolveu-se a partir das pequenas unidades agropecuárias,
cada vez mais numerosas. Nas zonas mais áridas, os caprinos, mais adaptados às secas e às
necessidades de consumo das famílias camponesas, eram preferidos aos bovinos. As incertezas
climáticas tornavam aleatória qualquer atividade agrícola praticada, na maioria dos casos, para
prover as necessidades de consumo. As culturas ocupavam pequenas áreas cercadas. Certos
produtos como queijo, sementes de mamona e pequenos ruminantes eram vendidos para comprar
outros produtos: pimenta-do-reino, sal, tecidos, café, entre outros.
Nas zonas mais favorecidas pelas chuvas, a pecuária era consolidada pela cultura do algodão
"Mocó" (arbustivo). O algodão estendeu-se rapidamente, a partir do século 19. Em razão da Guerra
de Secessão e do desmoronamento da produção norte-americana, a indústria inglesa investiu· no
Nordeste. O algodão sempre esteve associado à pecuária. Os meeiros produziam algodão nas
terras dos fazendeiros, cujos rebanhos valorizavam os restos de culturas. Essa evolução concerne
principalmente aos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Segundo Silva
& Lima (1982), a área de extensão do algodão jamais ultrapassou 21,6% da área total do Sertão.
As frentes pioneiras, a apropriação do espaço e a modernização agrícola
Desde o início do século 20, o crescimento demográfico traduz-se por uma pressão sobre o espaço,
em particular sobre os percursos na Caatinga. No Estado do Ceará, por exemplo, o número de
unidades agrícolas passa de 16.223 a 93.382 20 anos mais tarde, enquanto as áreas agrícolas só
aumentam em 50% (Bazin, 1993). A falta de forragem na época das secas leva grandes
proprietários a cercar suas terras a partir da década de 20, ainda mais porque os primeiros zebus
introduzidos nessa época são menos resistentes às condições climáticas do Sertão. Começa a
apropriação individual de recursos explorados, até então, coletivamente.
A difusão de plantas perenes permite aproveitar novas oportunidades de mercado. Elas exigem
menos mão-de-obra do que as culturas alimentares anuais10. O plantio de alguns hectares a
cada ano permite marcar o território e estender as áreas em "propriedade privada". É o
caso do algodão "Mocó", desde a Guerra de Secessão. É, também, o caso do sisal ou da
mamona, a partir de 1950, no Sertão central da Bahia. É, enfim, o caso da produção de
forragem a partir dos anos 30, para a palma forrageira (Opuntia sp,) e, nos anos 70, para
as gramíneas, como o capim-buffe/ (Cenchrus ci/iaris).
O arame farpado que substitui as cercas de madeira, a partir dos anos 60, permite cercar
mais rapidamente grandes áreas e demanda pouca manutenção e mão-de-obra.
A estrutura fundiária local e a presença ou ausência de grandes fazendeiros condicionam
as dinâmicas pioneiras. A presença de fazendeiros acentua a pressão sobre o espaço e
seus recursos. Eles são os primeiros que historicamente cercam os pastos, graças aos
meios financeiros dos quais dispõem ou que podem mobilizar por meio dos projetos
10
As áreas de cultura anuais continuam escassas e raramente ultrapassam 2 ou 3 hectares por unidade familiar.
De fato, a demanda de mão-de-obra é grande e é essencialmente familiar e os contratos de meeiros são quase
inexistentes (fora aqueles com os fazendeiros). As roças e as técnicas para as culturas são manuais. As cercas
necessárias à proteção devem ser de madeira; logo sua construção e manutenção representam uma obrigação
significativamente onerosa com mão-de-obra, mesmo quando as cercas são construídas na época das secas.
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públicos de desenvolvimento. Seus animais pastam, durante a estação chuvosa, em
terras não cercadas e, na estação seca, alimentam-se da produção de forragem dos
pastos cercados. A pressão sobre os recursos acarreta, então, uma generalização rápida
de cercamentos.
Conflitos eclodem freqüentemente. Em alguns provocados, pela colocação selvagem de
cercas em terras alheias. Trata-se da grilagem11, que quase sempre acaba em banho de
sangue ou na resignação do proprietário lesado. Outros têm como base novas regras
jurídicas: a lei do "pé alto" é especialmente exemplar a esse respeito. Enquanto
anteriormente a situação que prevalecia obrigava aquele que cultivava a proteger seus
campos, em 1964, em alguns municípios, como Pintadas e Ipirá, no centro da Bahia, os
pecuaristas conseguiram fazer votar um decreto municipal para a aplicação de uma lei
federal, que obrigava os criadores a controlar seus animais, impedindo-os de vaguear.
Assim, em vez de cercar suas pastagens com 7 a 10 fios de arame farpado para impedir a
entrada de pequenos ruminantes, eles podiam reduzir o investimento a 4 fios, suficientes
para os seus bovinos, mas proibindo o deslocamento dos animais dos pequenos
criadores. Tal obrigação transformou-se, freqüentemente, para aqueles que dispunham
dos meios, em apropriação: "a terra pertence àquele que a cerca". Assim, surgiram
inúmeros casos de grilagem, que foram seguidos de conflitos.
Os espaços diversificam-se. No Nordeste, eles são, hoje, geralmente divididos por cercas.
Os sistemas técnicos de produção, suportes e conseqüências dessas transformações,
evoluem. O desflorestamento e o cultivo das áreas de Caatinga12 aumentam. Assistimos à
generalização das cercas de 3 ou 4 fios de arame farpado. Os pastos de gramíneas
forrageais espalham-se consideravelmente. Eles permitem o aumento da capacidade de
pastoreio e, em certos casos, a reconversão para a produção leiteira. Essas evoluções
são acompanhadas pelo crescimento rápido do número de pequenas propriedades rurais,
os minifúndios. Na verdade, não há mais novos espaços a serem colonizados e os
patrimônios fundiários continuam a dividir-se em ritmo acelerado. Aqueles que não
conseguem se adaptar tornam-se assalariados agrícolas ou migram para o sul, industrial
e urbano, ou para as frentes pioneiras da Amazônia. O desmoronamento da cotação dos
produtos agropecuários de cultivos de sequeiro, a partir dos anos 80, provoca uma
reconversão de inúmeros produtores para a pecuária, grande consumidora de espaço.
Estas evoluções e recomposições acontecem em um contexto fundiário muito incerto. Até
os anos 80, a maioria dos pequenos ainda não possuía títulos de propriedade. Estas
imprecisões legais acarretaram conflitos jurídicos nos quais se vê o ressurgimento de
títulos de propriedade datando da monarquia. Tais imprecisões são acompanhadas por
uma ausência de delimitação física: os limites fundiários estão freqüentemente sujeitos a
conflitos. O aparato regulamentar do Estado é deficiente, prevalecendo a lei do mais
forte.
É em tal contexto que surge a irrigação, muito tardiamente, no Nordeste. Molle (1991 b)
11
Grilagem é o nome dado à apropriação fraudulenta de terras, frequentemente violenta, que se traduz pela
expulsão dos ocupantes destas terras. Grileiro (aquele que se apropria das terras) e grilagem vêm de grilo, pois
os fazendeiros que usavam essa prática colocavam os falsos títulos das propriedades em gavetas cheias de
grilos, para que ficassem amarelados.
12
O termo Caatinga é formado por duas palavras da língua Tupi que significam floresta branca, referência a seu
aspecto durante a seca. É uma formação extremamente diversificada em função do tipo de solo e nela
encontram-se árvores e arbustos freqÜentemente providos de espinhos e do tipo caducifólios, que dão à
vegetação um aspecto sombrio e cinza durante a estação das secas; apresenta também plantas suculentas
(cactáceas e euforbiáceas), bromeliáceas terrestres, coriáceas e espinhosas, bem como uma capa herbácea
constituída de espécies anuais.
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evoca vários fatores para explicar este atraso no desenvolvimento de uma sociedade
hidráulica. Segundo ele, a agricultura irrigada representa um estágio de intensificação da
atividade agrícola que não encontra, em absoluto, lugar em uma sociedade voltada para a
pecuária extensiva, desde o início da colonização. Dos fins do século 19 aos anos 70, as
políticas hídricas foram prioritariamente voltadas para o abastecimento de água, seja para
os homens ou para os animais, graças à construção de grandes barragens (ver o capítulo
Manejo da água nos sistemas de sequeiro). Molle (1991 a) lembra que a agricultura foi
desprezada, deixada nas mãos dos índios ou dos mestiços, depois nas dos peões ou dos
meeiros. As características das estruturas sócio-políticas regionais e locais que
predominaram até os anos 70 explicam, também, este atraso: a rigidez da estrutura
fundiária, desvios dos esforços empreendidos pelo governo federal, arcaismo e imobilismo
das estruturas sociais herdadas da colonização.
Um interesse renovado pela agricultura familiar brasileira
Hoje, a agricultura familiar reúne a maioria da população rural. No Brasil, ela reagrupa
cerca de 6,5 milhões de unidades de produção agropecuária, mais da metade localizada
na Região Nordeste (FAO, 1996). Sua importância é não somente social, mas também
econômica, tanto por sua presença de peso nos mercados de produtos alimentares
(milho, feijão, batata, banana, etc.) e de exportação (cacau, café, laranja, etc.) quanto
pelos recursos e empregos que ela proporciona (Veiga, 1994). Alguns números permitem
precisar essa importância social e econômica. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística -IBGE - (Censo 1985), as unidades agrícolas familiares ocupam 56% da
população agrícola ativa, o que corresponde a 15 milhões de pessoas. Elas são
responsáveis por cerca de 30% da produção agrícola nacional, por 22% do total da área
agrícola (o tamanho médio das unidades agrícolas no Nordeste é de cerca de 13 ha - FAO,
1996). Entretanto, elas são beneficiadas com apenas 15% dos financiamentos públicos.
No Nordeste, a agricultura familiar subsiste no contexto das rupturas e dos limites
ecológicos, econômicos, técnicos, sociais e políticos do modelo dominante (Tonneau et aI.,
1997). Ela ocupa, freqüentemente, os espaços geográficos e econômicos "desprezados"
pelos grandes proprietários e empresas. Engloba, entretanto, ainda uma parte
significativa da população nordestina, aproximadamente três milhões de famílias, ou seja,
cerca de 40% das unidades agrícolas de todo o Brasil (FAO, 1996). Apesar de sua
importância demográfica e econômica, ela encobre uma realidade pouco conhecida:
somente há pouco tempo passa a ser objeto de atenção por parte dos organismos de
apoio ao setor agrícola.
As instituições públicas de pesquisa e desenvolvimento implantadas nos anos 70
foram planejadas como instrumentos da política de modernização que visava promover o
modelo da revolução verde (variedades selecionadas, utilização intensa de adubos e
pesticidas, irrigação, mecanização, etc.). Elas foram globalmente eficazes e a produção
agrícola aumentou consideravelmente. A modernização foi, porém, seletiva e fonte de
marginalização social e geográfica. Os esforços de modernização da agricultura não
puderam impedir a concentração dos investimentos públicos e privados e a
marginalização da agricultura familiar, salvo por algumas situações isoladas. Desde
meados dos anos 80, essas instituições constatam que não conseguem acompanhar a
demanda da agricultura familiar no âmbito social, econômico e mesmo técnico. Elas
entram em processo de avaliação e de redefinição de suas metas (Abramovay, 1998), e
concedem uma atenção particular ao contexto econômico e às condições ecológicas da
produção (meio ambiente e qualidade dos produtos).
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A Embrapa, principal entidade brasileira de pesquisa agronômica, reconhece que a
pesquisa se mostrou ineficaz em virtude da orientação de seus trabalhos que, como nos
países desenvolvidos, visavam à concepção de modelos com alta produtividade biológica
e com grande utilização de insumos, sem levar em conta a diversidade ecológica
(Embrapa, 1994a). A exclusividade concedida às pesquisas disciplinares realizadas em
estação experimental não levava em consideração as condições de produção. Os
programas de pesquisa trataram por muito tempo de uma cultura ou de um produto em
particular, sem valorizar a diversificação da produção da unidade agrícola nem as
pesquisas econômicas e sociais sobre as "racionalidades" dos produtores e sobre os
processos de inovação. Enfim, os produtores e os agentes de desenvolvimento não
tinham vínculos com a definição e a aplicação prática dos temas e das atividades de
pesquisa.
"A modernização provocou modificações indiscutíveis das características técnicas e
econômicas da agricultura brasileira, porém não foi capaz de fazê-Io sem a exclusão de
um número significativo de pequenos produtores; este modelo de desenvolvimento,
apesar do aumento da produção global, traduziu-se por uma deteriorização dos mercados
urbano e rural do emprego, pelo aumento dos preços dos alimentos perecíveis, pela
marginalização de mais de dois terços da população rural, pela degradação do meio
ambiente, pela ocupação desordenada do território nacional." (Embrapa, 1994a). Essa
constatação leva a propor dispositivos específicos de apoio à agricultura familiar, que
seriam justificados pelas evoluções recentes do mundo agrícola e pelo contexto político.
A agricultura familiar está cada vez mais presente nos discursos. Um consenso político
real manifesta-se em torno do apoio que ela deveria receber. Os objetivos são, em geral,
criar empregos, reduzir o êxodo rural, diminuir os preços dos alimentos perecíveis,
reorganizar o espaço, manejar os recursos naturais de modo sustentável e atenuar a
miséria. Entre outras coisas, as instituições questionam-se sobre as formas que esse
apoio poderia tomar para ser eficaz e sobre as condições da implementação de um
programa de reforma agrária. Entretanto, as divergências sobre as modalidades de
implantação de um conjunto coerente de ações são importantes.
Ao Estado e às instituições faltam, principalmente, informações e dados sobre as
múltiplas realidades encobertas pelo termo genérico "agricultura familiar". As condições e
as formas de acúmulo e da reprodução da agricultura familiar e a gestão de sistemas
diversificados são, por exemplo, temas pouco explorado. A insuficiência dos
conhecimentos disponíveis deixa o caminho livre para debates antes de tudo ideológicos.
Entre a necessária redistribuição inter e intra-regional e a adaptação forçada a um
mercado competitivo, entre duas visões, uma social e outra neoliberal, o discurso
inflamado freqüentemente toma a dianteira.
Essa síntese adota um caminho diferente. Ela tem por objetivo ancorar a análise no
diferente e no complexo, quer no campo técnico, econômico ou social.
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Origem e papel dos sindicatos
Altamiro Borges13
Desde a divisão da sociedade em classes, após a superação da comuna
primitiva, a história das sociedades é marcada pela luta entre explorados e exploradores.
Isto ocorreu no sistema escravista, no modo de produção asiático, no feudalismo e ocorre
até hoje no capitalismo. É nesse último sistema econômico, entretanto, que a luta de
classes atinge a sua plenitude.
O Sindicato, objeto de nosso estudo, é um fenômeno típico desse sistema.
Ele só surge no modo de produção capitalista. A palavra surge do francês - syndic - que
significa “representante de uma determinada comunidade”. Com a queda do feudalismo
na Europa, num longo processo iniciado a partir do século 17, a sociedade se divide
claramente em duas classes. De um lado, a burguesia, dona dos meios de produção instalações, máquinas, matérias primas etc. O termo burguesia deriva de burgos, que
eram as pequenas localidades nos arredores dos feudos, onde viviam os comerciantes e
os artífices - os germes dos futuros industriais. Do outro, o proletariado, desprovido de
tudo, obrigado a vender a sua força de trabalho aos capitalistas. A expressão proletariado
vem do latim da antiga Roma e designa os cidadãos que viviam à beira da miséria e que
tinham uma prole numerosa.
Lênin, dirigente da revolução russa de 1917, sintetiza de maneira simples as
características desse sistema. “Denomina-se capitalismo a organização da sociedade em
que a terra, as fábricas, os instrumentos de produção etc., pertencem a um pequeno
número de latifundiários e capitalistas, enquanto a massa do povo não possui nenhuma
ou quase nenhuma propriedade e deve, por isso, alugar sua força de trabalho. Os
latifundiários e industriais contratam os operários, obrigando-os a produzir tais ou quais
artigos que eles vendem no mercado. Os patrões pagam aos operários exclusivamente o
salário indispensável para que estes e suas famílias mal possam sub-existir. Tudo o que o
operário produz acima dessa quantidade de produtos necessária a sua manutenção, o
patrão embolsa isso: isso constitui o seu lucro. Portanto, na economia capitalista, a massa
do povo trabalha para os outros, não trabalha para si, mas para os patrões, e o faz por um
salário. Compreende-se que os patrões tratem de reduzir o salário, quanto menos aos
operários, mais lucro lhes sobra. Em compensação, os operários tratam de receber o
maior salário possível para poder sustentar sua família com uma alimentação abundante
e sadia, viver numa boa casa e não se vestir como mendigos. Portanto, entre patrões e
operários há uma constante luta pelo salário”.
É dessa luta cotidiana, inerente ao capitalismo, que surgem as primeiras
formas de organização dos trabalhadores. Elas nascem como resultado do esforço
espontâneo dos operários para impedir ou atenuar a exploração. Não aparecem por
inspiração de “subversivos”, como a burguesia propaga, mas sim por uma necessidade
natural dos que vivem de salário. Para elevar os seus lucros, o capitalista necessita extrair
o máximo de mais-valia, que é o trabalho excedente não repassado ao operário na forma
de salário.
13
Jornalista
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Essa é a lógica do sistema, em que a concorrência leva os empresários a
uma incessante busca por maiores lucros - com a redução dos custos operacionais e a
elevação da produtividade. Por sua vez, os trabalhadores têm a necessidade de lutar pela
diminuição da taxa de mais-valia, pelo aumento do seu poder aquisitivo, e por condições
humanas de trabalho. Nessa luta, o operariado conta com a vantagem de se constituir em
grande quantidade.
Para cumprir esse papel, os sindicatos se tornam centros organizadores dos
assalariados, focos de resistência à exploração capitalista. Num primeiro momento, eles
vão congregar os operários das oficinas e das fábricas, os que produzem diretamente as
riquezas - o setor dinâmico da sociedade capitalista. Posteriormente, com o
desenvolvimento do próprio sistema, eles se generalizam, atingindo outros setores
econômicos. Para Marx, “se os sindicatos são indispensáveis para a guerra de guerrilhas
cotidianas entre o capital e trabalho, são também importantes como meio organizado
para a abolição do sistema de trabalho assalariado”.
Berço do capitalismo
Os primeiros sindicatos nascem exatamente na Inglaterra - considerada o
“berço do capitalismo”. Foi nesse país que se realizou a primeira revolução burguesa da
história - dirigida por Cromwell, em 1640. Após muitas marchas e contramarchas, a
burguesia se consolidou no poder, acumulou capital e pode realizar a primeira revolução
industrial - no século 18. O capitalismo inglês vai viver a partir daí um intenso processo de
desenvolvimento, com a superação do trabalho artesanal, posteriormente da produção
manufatureira e, a partir da introdução de novas máquinas, com o surgimento das
grandes fábricas. É nesse momento, meados do século 18, que o capitalismo encontra
plenas condições para se expandir e virar o sistema predominante.
O desenvolvimento do capitalismo deixará evidente a contradição desse
sistema. Para extrair a mais-valia, fonte dos lucros, a burguesia inglesa imporá jornada de
trabalho que atingiam até 16 horas diárias. Os salários serão os mais reduzidos e as
condições de trabalho, as mais precárias. Com o objetivo de atrair mão-de-obra livre, ela
promoverá os famosos “cercamentos” no campo, nos séculos 17 e 18, expulsando os
servos das glebas rurais para torná-los “homens livres”, aptos ao trabalho assalariado.
Nesse período, são constituídos enormes contingentes de desempregados nos centros
urbanos, que Marx chamará de exército industrial de reserva, como forma de baratear o
custo do trabalho através da concorrência.
A introdução das novas máquinas, que representa a consolidação definitiva
desse novo modo de produção, também agravará as contradições entre capital e trabalho.
Através desses novos instrumentos, a burguesia golpeia os artesãos e suas corporações,
que tinham grande poder de barganha. Com as máquinas, ela não necessita mais de mão
de obra especializada do artesão, pode introduzir a mulher e o menor no mercado de
trabalho, com salários mais aviltados e em piores condições de trabalho. Leo Huberman,
no livro “História da Riqueza do Homem”, descreve esse brutal processo de rebaixamento
do nível profissional. Ele cita, por exemplo, o depoimento de uma criança de 11 anos a
uma comissão do parlamento inglês, em 1816: “Sempre nos batiam se adormecíamos. O
Capataz costumava pegar uma corda da grossura do meu dedo polegar, dobrá-la e dar-lhe
em nós. Trabalhei toda a noite, certa vez”.
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Todas essas condições de exploração, próprias do novo sistema econômico,
vão gerar resistências entre os explorados. Esse processo de luta passará por longas
experiências. As greves e os sindicatos, por exemplo, não aparecerão num estalo de
dedos. Antes, a classe operária passará por um longo processo de aprendizado até
encontrar as formas mais eficientes de luta e concluir que sua união é fundamental para
se contrapor ao poder do patronato. Um das principais formas de luta foi o Luddismo,
também conhecido como o movimento dos quebradores de máquinas. Inexperiente, a
jovem classe operária viu nas máquinas o seu principal inimigo. Afinal, aparentemente a
máquina é que era responsável pelo desemprego dos trabalhadores especializados, pela
inserção da mulher e do menor nas fábricas em condições degradantes etc.
O termo Luddismo deriva do nome do operário têxtil Ned Ludd, que
trabalhava numa pequena oficina em Nottingham, cidade próxima de Londres. Segundo
pesquisas, esse operário destruiu totalmente os teares mecânicos da fábrica num sinal de
revolta contra os efeitos da Revolução Industrial. Sua atitude, apesar de individual, refletia
o estado de espírito dos artesões. Em pouco tempo, seu gesto foi imitado em várias
cidades da Inglaterra e atingiu também a França. “Entre 1811 e 1812, os Luddistas
espantaram a burguesia”, informa José Cândido Filho, autor do livro “O Movimento
Operário: O Sindicato e o Partido”. O parlamento Inglês, que nunca tratara da questão
operária, discutiu o assunto e aprovou, em 1812, uma lei que punia com a pena de morte
os “quebradores de máquinas”.
A legislação repressiva não conteve o Movimento Luddista, que quatro anos
depois foi retomado com novas máquinas quebradas em Londres, Glasgow, Newcastle,
Preston, Dundee e outras cidades. Segundo José Cândido, os Luddistas ingleses
costumavam cantar uma música que se tornou conhecida, quando quebravam as
máquinas. “De pé ficaremos todos/E com firmeza juramos/Quebrar tesouras e válvulas/E
arrasar todas as máquinas”. A revolta operária repercutiu também entre a
intelectualidade da época, que passou a dar maior atenção às condições de vida e de
trabalho do proletariado. Dessas primeiras lutas da classe operária nasceram belos
escritos e poemas, como o de Shelley, “Os homens da Inglaterra”, reproduzido no livro de
Leo Huberman, “A História da Riqueza do homem”.
Aos poucos, entretanto, o Luddismo começou a ser superado como forma de
luta da jovem classe operária. Mas experiente, ela constatou que não era a máquina a
sua inimiga, mas sim o uso que o patrão fazia dela. Que era um erro se contrapor ao
desenvolvimento do próprio conhecimento humano, expresso os avanços da tecnologia. O
movimento dos quebradores de máquinas também caiu no isolamento diante da
sociedade, reduzindo-se a pequenos grupos de trabalhadores que destruíam máquinas e
espancavam os cientistas que as inventavam. A própria burguesia que num primeiro
momento aprovou a pena de morte, começou a dar sinais de assimilação dessa forma de
luta. É nesse período que se generalizava o seguro de patrimônio na Inglaterra e alguns
patrões inclusive são flagrados destruindo suas máquinas para adquirir outras mais
modernas.
Outra forma de luta que será utilizada na infância da classe operária, será o
boicote - palavra que deriva do nome de um oficial inglês encarregado de administrar os
negócios do conde Erne, da Irlanda, Sir Boycott era conhecido por seus métodos
truculentos no tratamento com os empregados. Ele se recusava a negociar e os
trabalhadores passaram a fazer o mesmo, propondo que os moradores do povoado não
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consumissem os produtos do Conde Erne. Este teve um grande prejuízo e afastou o oficial
inglês do cargo. A sabotagem também será usada nesse período como mecanismo de
pressão dos trabalhadores por seus direitos. O termo tem origem francesa e significa
"tamanco". Os operários franceses usavam esse tipo de calçado para danificar as
máquinas, emperrando a produção.
O salto na ação desse jovem proletariado vai se dar com o recurso da greve uma forma de luta mais avançada para pressionar o patronato. Segundo José Cândido, “A
origem do termo, liga-se à Praça da Greve (place de grève), atualmente praça do Hotel De
Ville, em Paris. Quando desempregados ou para tratarem de assuntos relativos ao
trabalho, os operários costumavam reunir-se ali. Faire grève (fazer greve) significava,
portanto, reunir-se na praça da greve. A greve foi o recurso de luta de maior eficácia nesse
período, tanto na Inglaterra, como nos demais países em que o capitalismo foi
introduzido. Esse recurso se espalhou pelo mundo, sendo encarado de diversas formas.
Para alguns, defensores da manutenção do sistema capitalista, como simples mecanismo
regulador do mercado de trabalho. Para outros, no caso dos Anarquistas, como um fim em
si mesmo. “A greve é tudo”, dirá Bakunin - um dos principais teóricos do movimento
ácrata.
Já para os revolucionários, a greve será vista como uma das principais
armas na luta de guerrilha entre capital e trabalho e como poderoso instrumento de
elevação da consciência e do nível de organização do proletariado. O dirigente da
revolução russa de 1917, Vladimir Ilitch Lênin, escreveu um texto sobre as greves.
Sindicato Clandestino
É nesse processo da luta que a classe operária sentirá a necessidade de se
organizar. É dele que surgirão os sindicatos que na Inglaterra têm o nome de trade-unions
- que significa união de ofício, de profissões. Essas jovens entidades de trabalhadores não
terão as mesmas características dos sindicatos atuais - que conquistaram o
reconhecimento legal, têm sedes, diretores afastados e gozam do direito de negociar com
o patronato. Pelo contrário. No século 17, período de surgimento das trade-unions, elas
serão clandestinas, com muita dificuldade de atuação. A burguesia verá nelas um grande
perigo. Seu temor é que elas unam o grande número de trabalhadores, até aqui dispersos
e vivendo em concorrência entre si pelo emprego. Há registro de associações de
trabalhadores com caráter sindical desde 1699. Nesse ano em Londres, uma greve dos
operários têxteis assustou o governo e a jovem burguesia - que ainda se constituía
enquanto classe. É só no século 18, quando a revolução industrial tomou impulso na
Inglaterra, que os sindicatos vão se generalizar para evitar seu crescimento, o parlamento
inglês aprova em 1799 a combination law, a lei sobre associações que proíbe o
funcionamento de sindicatos.
A violência da burguesia se dará em vários terrenos. No campo legal, elas
serão proibidas. A primeira lei que garantirá a livre associação dos trabalhadores só será
aprovada em 1812, na câmara dos Lordes, em Londres. Além de usar o aparato policial
do Estado para reprimir essas entidades, a burguesia inglesa - e posteriormente de outros
países - também utilizará as milícias privadas. Os jagunços, que hoje são uma marca do
campo em nosso país, já foram muito usados pelo patronato nos centros urbanos. Alguns
se tornaram famosos como o bando Pinkerton, dos EUA - uma poderosa agência de
pistoleiros contratada para reprimir greves e assassinar lideranças operárias.
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Para se proteger dessa violência, no inicio as trade-unions agem totalmente
na clandestinidade. As reuniões são secretas; não há sedes sindicais, campanhas
massivas de sindicalização, nem mesmo negociação direta com o patronato. Algumas
trade-unions inclusive formulam “códigos de participação”, com normas para garantir a
sobrevivência da entidade. Elas fixam a triagem dos trabalhadores que devem ser
convidados para as reuniões clandestinas. A entidade dos têxteis, por exemplo, prevê um
período de observação de dois anos para avaliar se o trabalhador não é dedo-duro,
infiltrado do patrão. Só depois ele é convidado a participar das reuniões. O seu código fala
também de justiçamento dos delatores, compondo um braço armado para amedrontar os
traidores em potencial.
Aos poucos, no entanto, as trade-unions inglesas vão se consolidando. Elas
dirigem mais greves, maiores protestos. Deixam o patronato num dilema. Já que são
proibidas, o empresário não tem como negociar em momentos de greve. Isso gera
grandes prejuízos, principalmente quando não há estoques e surgem encomendas de
produtos. Diante desse crescimento das lutas operárias, é que o parlamento da Inglaterra
irá aprovar, em 1824, a primeira lei sobre o direito de organização sindical dos
trabalhadores. Essa conquista permitirá um poderoso aumento da força do sindicalismo.
Em todos os ramos industriais formam-se trade-unions. Também surgem as “caixas de
resistências” para apoiar financeiramente os grevistas.
O outro avanço nesse período será a organização de federações que
unificam várias categorias. Em 1830 é fundada a primeira entidade geral dos operários
ingleses - a associação nacional para a proteção do trabalho. Ela reunirá têxteis,
mecânicos, ferreiros, mineiros e outras profissões. Chegará a ter cerca de 100 mil
membros e editará um periódico, A Voz do Povo. Na vanguarda do movimento operário
inglês dessa época estarão os têxteis, principalmente os da concentração industrial de
Lancashire. Em 1866, com o avanço da industrialização em outros países, será realizado
o primeiro congresso internacional das jovens organizações de trabalhadores de vários
países. Ela representará um grande salto na unidade dos assalariados, que será
materializado com a fundação da associação internacional dos trabalhadores (AIT),
também conhecida como a primeira internacional.
Apesar de possibilitar um avanço da organização sindical, a lei de 1824 é
contraditória, tendo duas características distintas. Em primeiro lugar, reflete a própria
pressão organizada dos trabalhadores. Em segundo, também indica uma mudança
estratégica da burguesia inglesa. Tanto que a lei foi aprovada na câmara dos Lordes, que
reunia apenas a aristocracia inglesa. Com ela a burguesia procura novos métodos para
controlar o movimento operário. Ela não poderia abandonar o seu projeto de dificultar a
luta e a união dos trabalhadores - fundamental para sua sobrevivência enquanto classe.
Como não era mais possível proibir as trade-unions, ela adota novos meios
de interferir. Como a história vai demonstrar, mesmo legalizados, os sindicatos podem ser
reprimidos. Neste período, muitos industriais pressionarão os operários exigindo a
renúncia formal à participação das trade-unions, como forma de garantir o emprego. A
força policial continuará a ser acionada, deixando um rastro de sangue em toda a
trajetória do movimento sindical. A legalização também permitirá identificar as lideranças,
o que pode facilitar o trabalho de cooptação e corrupção - processo muito usado até hoje
pelo patronato. Além disso, é possível implantar toda uma legislação de controle dos
sindicatos - como a que existiu no Brasil após o governo de Getúlio Vargas.
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Ainda nesse período, fruto da experiência concreta, o proletariado também
desenvolverá a luta política, superando a pressão apenas por reivindicações de caráter
econômico e específico. Surge o movimento cartista na Inglaterra, que representou um
salto na ação operária. O nome deriva de uma “carta”, elaborada em 1837-38, em que os
trabalhadores reivindicam maiores liberdades políticas: direito de voto para todos,
abolição do sistema pelo qual só podiam se candidatar os que tivessem renda, voto
secreto etc. Em seu conteúdo, o cartismo já expressara a luta por liberdades
democráticas e socialistas. Ele será duramente reprimido - com inúmeros cartistas,
sofrendo processo criminal - de “alta traição” - e muitas condenações.
Em outros países, o proletariado participará de ações políticas, sendo a mais
célebre participação na Comuna de Paris. Essa foi a primeira experiência em que a classe
operária alcançou o poder político. Sua duração foi curta - de fim de março a fins de maio
de 1871. Num primeiro momento, a sede do novo poder se instalou na Câmara Federal
dos Sindicatos franceses que também era o local de reuniões da sessão parisiense da
AIT. Essa experiência, que não se alastrou e serviu de base para novos estudos dos
marxistas, foi violentamente reprimida. As tropas do exército francês, que pouco antes
havia sido derrotadas e tornadas prisioneiras pelos alemães, foram libertadas e colocadas
a disposição do governo da França, de Thiers, por ordem e Bismarck. A burguesia
superava as suas divergências para esmagar o movimento operário. A luta contra a
comuna durou uma semana. Mais de 14 mil combatentes foram mortos na guerra ou
foram sumariamente fuzilados; 5 mil operários foram deportados e outros 5 mil
encarcerados.
O próprio Karl Marx, um dos idealizadores da AIT, já havia apontado essa
necessidade de ação política ao proletariado. “O fim imediato dos Sindicatos concretiza-se
nas exigências do dia a dia, nos meios de resistência contra os incessantes ataques do
capital”. Numa palavra, na questão do salário e da jornada de trabalho. Essa atividade
não só é justificada, como necessária. Não podemos privar dela enquanto perdure o modo
atual de produção. Ao contrário, é preciso generalizá-la, fundando e organizando
sindicatos em todos os países. Por outro lado, os Sindicatos, sem que estejam
conscientes disso, chegaram a ser o eixo da organização da classe operária. “Se os
sindicatos são indispensáveis para a guerra de guerrilhas cotidianas entre o capital e o
trabalho, são também importantes como meio organizado para a abolição do próprio
sistema de trabalho assalariado”.
Papel dos Sindicatos
Nessa primeira fase de existência, o sindicalismo vai demonstrar que é um
instrumento indispensável para os assalariados. Com a expansão do capitalismo, que se
torna o sistema predominante a partir do século passado, os sindicatos vão se espalhar
pelo mundo. Deixam de ser um fenômeno na Inglaterra. Num processo dialético, em que o
capital impera, suas contradições aparecem, as lutas operárias têm início e,
conseqüentemente, surgem os sindicatos. Todos os avanços sociais, mesmo que
pequenos ou parciais, serão fruto dessa luta e da formação dos sindicatos. Nada será
dado de mão-beijada pelo capital; nada cairá do céu. Cada nova reivindicação
apresentada pelos trabalhadores representa, num primeiro momento, a redução da taxa
de mais-valia do patrão. Por isso, depende de luta, de pressão organizada. A história da
legislação trabalhista no mundo será a história da luta de classes, em que os sindicatos
jogarão um importante papel.
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HISTÓRIA DO MOVIMENTO SINDICAL14
De 1964 aos nossos dias
O golpe militar de 1964 colocou às escuras os movimentos sociais e
grevistas que tiveram grande atuação no período 1959/1963. As fortes repressões não
permitiram que entre 1964 e 1977 houvesse praticamente nenhuma greve ou outras
formas quaisquer de manifestação.
Os trabalhadores e trabalhadoras enfrentaram, desde a instauração da
ditadura militar no Brasil em 1964, uma forte repressão às organizações que lutavam
contra as políticas salariais que arrochavam o poder de compra e as condições de vida de
toda a classe. O governo ditador procurou atacar as cúpulas dos sindicatos realizando
intervenções nas organizações, desmantelando as estruturas já construídas
anteriormente e impedindo qualquer tipo de articulação dos operários que intuísse a
formação de um grupo opositor organizado.
Mas, mesmo sobre forte pressão os trabalhadores e trabalhadoras se
organizam e realizam, em 1967, a II Conferência Nacional de Dirigentes Sindicais,
marcando posição contrária à política de arrocho salarial e buscando construir junto aos
operários as comissões sindicais de trabalhadores e trabalhadoras. No entanto, mesmo
com a manifestação contrária de alguns grupos de trabalhadores e trabalhadoras que
paralisavam isoladamente algumas fábricas afrontando e contestando a política
econômica do governo militar ditador, a luta sindical perdurou durante um grande período
do pós-64 sem atingir plenamente os seus objetivos.
O movimento dos trabalhadores e trabalhadoras organizados em sindicatos
ainda conseguiu causar grandes problemas para os ditadores em 1968, sobretudo, com a
greve dos trabalhadores e trabalhadoras da Belgo Mineira em Contagem-MG, e com os
metalúrgicos de Osasco que, com um forte sindicato, desempenharam um papel
importante na organização das ações dos trabalhadores e trabalhadoras.
As ações do governo também se tornavam duras em relação a qualquer
manifestação ou postura de contestação, por mais “irrelevantes” que fossem. Em 1969, o
Ministro Jarbas Passarinho através de um decreto intervém em vários sindicatos,
afastando os seus dirigentes que, em sua opinião, não conseguiram disciplinar as
entidades com a ordem social vigente15.
Essa situação de perseguição de lideranças e de intervenção nas entidades
por parte do governo ditatorial continuou, mas sem eliminar totalmente o “germe” da
subversão que se manteria vivo e crescente até o final dos anos 70, quando as
manifestações ganham as ruas e o interior das fábricas.
Por outro lado, é importante registrar o papel que a União Nacional dos
Estudantes (UNE) desempenhou nesse período. A UNE, fundada em 1937, tem
logicamente desempenhado um papel importante na história política nacional. Em vários
14
Cartilha de Formação CNTE. Jones Dori Goettert
15
Cf. SANTANA, 2001.
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momentos dessa história, principalmente num passado recente, firmou-se como uma
entidade de força política na coordenação das mobilizações e ações dos estudantes.
No período pós-60, em que o país viveu um momento político e econômico
conturbado, com a manifestação constante do operariado e com a insatisfação dos
trabalhadores e trabalhadoras rurais exigindo reforma agrária, a UNE procurava demarcar
as suas posições ideológicas considerando, é claro, a diversidade interna dos grupos que
a compunham, mas comungando com os ideais de transformação social (o que pouco
tempo depois colocaria a entidade na mira dos ditadores).
Apesar das suas várias tendências internas, que claramente se
posicionavam contrárias ao regime ditatorial militar imposto em 1964, e mesmo sendo
formada em grande parte por estudantes de classe média, um pouco distantes da dura
realidade vivida pelos trabalhadores e trabalhadoras, a UNE se uniu aos demais
oposicionistas à ditadura (como o PCB, PSB, PTB, FPN, Confederação Geral dos
trabalhadores e trabalhadoras e as Ligas Camponesas), trilhando em conjunto o caminho
da luta pela redemocratização.
A posição da UNE frente ao governo continuou sendo a de desaprovação,
organizando manifestações e sofrendo uma violenta repressão como resposta, que
procurava remodelar e enquadrar o movimento estudantil na “nova ordem social” ditada
pelos militares16.
A perseguição e repressão sobre os estudantes, sindicalistas, trabalhadores
e trabalhadoras e intelectuais, acentuou-se drasticamente com o Ato Institucional número
5, o AI – 5, de 1968.
O AI-5 anulou o Estado de Direito no Brasil firmando um governo de direita
autoritário. Suas práticas, agora, estavam institucionalizadas; práticas de repressão
política contra todos aqueles que pudessem ser enquadrados ou que se caracterizassem
minimamente como subversivos, como inimigos da ordem estabelecida. Uma ordem que
não trouxe para a maior parte da população, e claramente para a grande parte da classe
trabalhadora, nenhuma melhora em suas condições de vida17.
Ao fechar o Congresso e instituir um bi-partidarismo que forjava uma falsa
idéia de democracia com o MDB como “oposição” consentida à ARENA, partido do
governo, a ditadura militar demonstrava ainda mais sua truculência e arbitrariedade. Já
para os militantes de esquerda envolvidos em ações políticas, manifestações e
organizações contrárias à ditadura, o AI - 5 instaurou a prisão arbitrária, a violência sem
limites, à tortura e, em diversos casos, o assassinato.
Mas, mesmo durante esse período vários sindicatos tentaram, mesmo que
timidamente, orientar as bases para continuar reivindicando e se contrapondo às políticas
de arrocho salarial, através da organização no “chão das fabricas” fazer frente ao
processo de controle sobre o aumento de salários baseado no AI-5.
As greves começaram a ressurgir no ano de 1978, quando os trabalhadores
e trabalhadoras, já no máximo de sua condição de exploração e percebendo o momento
16
Cf. SANFELICE, 1986.
17
Cf. SEGAL, 2001.
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político favorável, começam a se manifestar e a exigir melhorias no salário que
possibilitassem a melhoria das suas condições de vida e de trabalho. Essas
manifestações aconteciam e continuaram seguindo esta lógica durante algum tempo, nos
momentos de negociação de salários (a data base de cada categoria), que passou a ser o
momento mais propício para o enfrentamento político, que também procurava abarcar
outras questões, além das salariais.
As greves passaram a ter um crescimento anual considerável, envolvendo
cada vez mais categorias de trabalhadores e trabalhadoras e tendo à frente os operários
das fábricas produtoras de automóveis, os metalúrgicos. Nascia o “novo sindicalismo”. A
partir de 1978, constitui-se um amplo movimento social de massas, de democratização
interna, de inserção no processo de luta da democracia, de confronto com os limites
impostos pelo autoritarismo no Brasil ao pleno exercício da cidadania dos trabalhadores e
trabalhadoras. O “novo sindicalismo” extrapolava, portanto, “o terreno de suas funções
sindicais, e redefiniu-se em face do conjunto de agentes que, no Brasil, lutam pela
democracia: fala-se hoje, abertamente, que os trabalhadores e trabalhadoras são a
espinha dorsal do movimento democrático brasileiro”, porque sem eles qualquer
“abertura” ou “liberalização” apenas reconstruiria o círculo vicioso da crise do regime
autoritário18.
As manifestações dos trabalhadores e trabalhadoras que se avolumam no
final da década de 70, e que tem o ABC paulista como palco inicial, estão ligadas não só à
resistência política contra a ditadura, mas também se contrapõem às investidas políticoeconômicas do capital que arrochavam os salários e aumentavam a exploração do
trabalho.
O acontecimento primeiro desse período de grande movimentação foi à
greve dos trabalhadores e trabalhadoras da Saab-Scania, com início em 12 de maio de
1978. Os operários enfatizavam que a empresa não havia cumprido o acordo de
readmissão de trabalhadores e trabalhadoras dispensados em protestos anteriores, em
1977. O movimento alastrou-se extrapolando o ABC e chegando a outros municípios como
São Paulo e Osasco, acabando por atingir outros setores da economia, mesmo com a
decisão do Tribunal Regional do Trabalho de considerar a greve ilegal.
Estas manifestações continuariam crescendo durante o ano de 1979, de
forma a aumentar a participação e a atuação dos trabalhadores e trabalhadoras na
política nacional. Com a greve iniciada em 1978 o movimento expande-se e ganha força
em outros estados brasileiros, alcançando Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do
Sul. Contudo, é em seu “centro nervoso”, o ABC paulista, que o movimento dos
trabalhadores e trabalhadoras assume outros patamares, indo além das questões
trabalhistas dos primeiros movimentos e estabelecendo a bandeira da democratização
política do país19.
No início de março de 1979, os trabalhadores e trabalhadoras do ABC
entram em greve: são por volta de cinqüenta mil trabalhadores e trabalhadoras parados. A
greve estende-se para o interior e o governo a declara ilegal; mesmo assim os
trabalhadores e trabalhadoras mantêm a posição e conseguem novas adesões ao
18
MOISÉS, 1982, p. 31.
19
Cf. SANTANA, 2001.
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movimento que se espalha para o interior, e em alguns dias são mais de 170 mil
trabalhadores e trabalhadoras parados. Com o passar de dias de greve o Ministério do
Trabalho resolve intervir na negociação, elaborando propostas que não convencem os
trabalhadores e trabalhadoras. O governo, então, declara a intervenção nos sindicatos e
deflagra uma série de confrontos em praça pública entre trabalhadores e trabalhadoras e
policiais. O movimento continua até o dia 27 de março quando os trabalhadores e
trabalhadoras resolvem aceitar a proposta feita pelo patronato, que estabelecia o prazo
de 45 dias para negociação de um piso satisfatório.
A insubordinação dos sindicatos e o crescimento do movimento grevista, que
continua nos anos 80 do século XX, tiveram então como grande elemento aglutinador da
classe trabalhadora a questão salarial. A inflação crescente combinadas ao baixo
rendimento dos salários deteriorava as condições de vida dos trabalhadores e
trabalhadoras, que viam o seu poder de compra diminuído a cada mês. É nesse momento
de agitação e de organização dos trabalhadores e trabalhadoras que surgem a Central
Única dos trabalhadores e trabalhadoras - CUT e o Partido dos Trabalhadores e
trabalhadoras - PT, sinalizando para uma nova forma de sindicalismo.
O PT surge como instrumento necessário de organização e de luta dos
trabalhadores e trabalhadoras na política nacional; contudo, sempre articulado a outras
formas de luta organizada como os sindicatos e demais associações populares, sendo a
participação dos sindicalistas o elemento fundamental para a formação e a
caracterização do partido. Segundo Ozai da Silva (2000), essa afirmação pode ser feita
com base na análise da formação da primeira Comissão Nacional Provisória, de 1979,
que era composta por 12 dirigentes sindicais, dos 16 membros que a compunham.
O contexto de formação do Partido dos Trabalhadores, no começo dos anos
80, tem como pano de fundo o crescimento dos movimentos sociais organizados no Brasil
e as intensas lutas dos operários do ABC paulista, que colocavam em questão o regime de
governo autoritário dos militares. O PT levanta bandeiras que extrapolavam as questões
salariais e que visavam transformações políticas e sociais bastante profundas,
demarcando fortemente nesse período uma tendência ideológica socialista, que se
baseava de forma clara em um projeto político anticapitalista.
Será, em especial, esta a tendência do PT: a busca da democracia plena
exercida pela massa organizada e participativa, que tem gravado em seu manifesto de
fundação as idéias básicas de um projeto que visa à construção de uma sociedade
igualitária, sem explorados nem exploradores20.
Já a CUT - Central Única dos Trabalhadores, criada em 1983, ainda no
regime militar, aglutinava as correntes sindicais mais ativas, fazendo frente às políticas de
degradação das condições de vida da classe trabalhadora, estabelecendo-se nesse
período como uma importante organização política e social e fazendo frente de forte
oposição ao governo Figueiredo e depois ao governo Sarney. A CUT tornou-se o inimigo
número um das políticas governistas e se firmava como a Central que aglutina o maior
número de entidades filiadas.
A ascensão da CUT, nos anos 80, assim como o crescimento do PT, na
esfera da política institucional, é impulsionada pelo momento histórico-político de grandes
20
Cf. SILVA, 2000.
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transformações, com o fim da ditadura e com a crise do Estado e da economia
hiperinflacionada. Nesse período, de acordo com Alves (2000), o sindicalismo brasileiro
caminha na contramão dos sindicatos no resto do mundo, inclusive em relação a alguns
países na América Latina como a Argentina. Enquanto nesses países os sindicatos
entravam em depressão por falta de participação e por perder poder político, no Brasil
vivia-se o que se denominou a década de explosão do sindicalismo.
Com uma atuação política constante, a CUT procurou na década de 1980,
firmar um projeto de organização e ação dos trabalhadores e trabalhadoras, classificado
como “sindicalismo defensivo”, mantendo uma postura reivindicatória e que tinha como
principal instrumento de ação e pressão e a greve. Com as mudanças políticas e
econômicas ocorridas até o começo dos anos 90, com a implantação do modelo
econômico neoliberal, a CUT procurou estabelecer, após o seu IV Congresso realizado em
São Paulo, em 1991, uma ação estratégica mais propositiva, elaborando propostas de
políticas que poderiam ser discutidas em fóruns que contassem com a presença de
representantes não só dos sindicalistas, mas também do governo e do empresariado.
Antes de prosseguirmos, é importante destacar a criação das duas outras
maiores Centrais Sindicais brasileiras: a CGT – Confederação Geral dos Trabalhadores e
trabalhadoras e a FS – Força Sindical.
A Confederação Geral dos Trabalhadores - CGT21, segundo informações em
seu site, é uma sigla histórica, datando de 1929, quando foi criada a Confederação Geral
dos Trabalhadores e trabalhadoras Brasileiros passando por mudanças, em 1945, passou
a Confederação Geral dos Trabalhadores e trabalhadoras; em 1962, para Comando Geral
dos Trabalhadores e trabalhadoras (esmagado pelo golpe de 1964); em 1986, para
Central Geral dos Trabalhadores e trabalhadoras (início da reestruturação) e 1988, para
Confederação Geral dos Trabalhadores e trabalhadoras.
A CGT, hoje abrange todo território brasileiro, com filiais em 21 Estados e
conta com 1.056 entidades sindicais, filiadas que representam 8.669.000 trabalhadores
e trabalhadoras (dos quais 30% são sindicalizados, o que corresponde a 2.600.000
filiados), representados por: 1.017 sindicatos de base; 04 confederações nacionais e 35
federações nacionais /regionais e estaduais
A Força Sindical22, segundo informações em seu site, foi criada em 1991 a
partir de Congresso em São Paulo, surge a partir de críticas ao sindicalismo em curso no
Brasil. De um lado, a crítica recaia sobre um sindicalismo de “radicalismo estéril”23
(crítica, em especial, à CUT) e, por outro, sobre um sindicalismo de “conformismo
paralisante”. A superação dessas formas de sindicalismo seria possível na medida em
que se lançasse “o movimento dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros à
modernidade, para construir uma central forte, capaz de endurecer quando preciso, mas
também de saber negociar, autônoma, livre, pluralista, aberta ao debate interno e com a
sociedade”.
A Força Sindical passou, então, a empreender esforços no sentido de
pragmatizar as lutas com “conquistas reais para os trabalhadores e trabalhadoras”. O
21
Site: www.cgt.org.br
22
Site: www.forçasindical.org.br
23
A referência base das informações sobre a Força Sindical foi o site da Central.
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Centro de Solidariedade ao (a) trabalhador (a), a Qualificação Profissional, o “1º de Maio
pelo Emprego” em 1998, e o “1o de Maio pelo Brasil – por Emprego, Educação e
Qualificação Profissional”, em 1999, assim como “a luta pela aposentadoria, pelas
grandes reformas – previdenciária, agrária, do judiciário, política, fiscal e sindical e pela
flexibilização das leis trabalhistas – dando-se status à negociação livre entre
empregadores e empregados com o apoio dos sindicatos e das centrais”, foram
resultados dessa forma de se construir e de se fazer sindicalismo. A Força Sindical se
assenta sobre um discurso que acentua o moderno, a pluralidade e a democracia.
Mesmo que o processo de surgimento e desenvolvimento do “novo
sindicalismo” “não tenha sido suficiente para desmontar totalmente a estrutura sindical
corporativa erigida desde os anos 30, tendo em vista que suas bases fundamentais –
como o imposto sindical, o monopólio da representação pelo sindicato, o princípio da
unicidade sindical e a estrutura confederativa – foram mantidas, ele permitiu um
significativo aumento da liberdade de organização e ação sindical. Na verdade, embora a
proposta pela qual os setores de ponta do sindicalismo vinham lutando ao longo de todos
esses anos – de superação da estrutura sindical corporativa e de sua substituição por
uma institucionalidade sindical democrática, baseada no contrato coletivo de trabalho –
tivesse sido derrotada pelo empresariado e pelos setores mais conservadores do próprio
movimento sindical, suas lutas deixaram marcas”24 profundas.
Pode-se afirmar, nesse sentido, “que o movimento sindical brasileiro esteve
na contramão da tendência histórica predominante durante a década de 1980, ao
conquistar uma capacidade de intervenção política inédita na história do país, quando,
em nível internacional, os sindicatos viviam um processo generalizado de
enfraquecimento”25.
Essa resistência dos trabalhadores e trabalhadoras ia de encontro às
políticas de exploração do trabalho estabelecidas pelo capital industrial brasileiro da
época, que se utilizava dos baixos salários pagos ao operariado como principal elemento
da competitividade da indústria nacional. Com isso, conseguia colocar seus produtos no
mercado a um preço menor que os internacionais. O aumento de salário requerido pelos
trabalhadores e trabalhadoras, portanto, não era visto como um bom negócio para o
capital.
Apesar do crescimento e da força do movimento operário dessa época, a
classe trabalhadora, sobretudo o operariado fabril dos anos 80, começava a sofrer as
transformações nas relações de trabalho e de produção que sinalizavam para
transformações que iriam reestruturar o processo produtivo fabril. Essa reestruturação
tinha como um de seus principais aspectos a inserção de novas tecnologias que visavam
à diminuição quantitativa da exploração da força de trabalho e a verticalização da
exploração qualitativa, tornando-se um dos elementos mais importantes da constituição
da hegemonia do capital sobre o trabalho nos anos 80 e 90 do século XX.
Essa reestruturação produtiva do capital que começava a se desenhar no
Brasil nos anos 80 e que já estava a pleno vapor nos países de centro da economia
capitalista, vinha a reordenar a organização e a gestão da produção fabril que até então
24
LEITE, 1997, p. 17.
25
LEITE, 1997, p. 17.
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estava montada totalmente nos moldes do esquema de produção taylorista/fordista.
Nesse modelo o descontentamento e a organização dos operários era crescente,
colocando em risco o processo de acumulação e reprodução do capital.
Para os capitalistas, esse era o começo da implantação da acumulação
flexível baseada no toyotismo, organização do processo produtivo criada no Japão e
exportada como modelo para os demais países capitalistas, e que ganharia força no Brasil
a partir dos anos 90, com a abertura e a liberalização da economia realizada por
Fernando Collor de Mello.
Esse novo arranjo do capital encontra ainda uma força de trabalho
organizada, que procurava fazer resistência à ação avassaladora do capital. Uma das
formas de resistência foi à proposição da instalação das Comissões de Fábrica e a
intervenção sindical no processo de decisão da inserção de novas tecnologias no
processo produtivo, procurando minimizar os danos e os prejuízos que o operariado
sofreria com esse novo modelo de produção. Mas, o ritmo de instalação das novas
tecnologias foi bastante forte e agravado pela falta de condição e de tempo que os
trabalhadores e trabalhadoras tinham para se contrapor a esse movimento. É que, se
esse movimento seguiu um processo temporalmente mais lento nos países de primeiro
mundo, possibilitando a luta dos trabalhadores e trabalhadoras concomitantemente às
transformações, no Brasil as transformações aconteceram rapidamente, com a
reformulação tecnológica de parques industriais em pouquíssimo tempo.
Devemos lembrar que, o período de 1980 a 1990, é marcado pelo fim da
ditadura militar (1985), e pela instalação de um governo civil proclamada como a
retomada da democracia no Brasil. Por outro lado, a década foi também um período de
inflação muito alta e de recessão econômica com aumento do desemprego, fatores que
colaboraram para uma diminuição das ações reivindicatórias dos trabalhadores e
trabalhadoras que se viam pressionados pelo crescente desemprego estrutural.
Um dos mais importantes fatos desse momento foi, sem dúvida, o processo
eleitoral que elegeria, pelo voto direto, o novo presidente do Brasil. Em 1989 tivemos o
enfrentamento, no segundo turno, de duas frentes bastante diferentes. Uma que tinha
como candidato Luís Inácio “Lula” da Silva, ex-líder operário e um dos fundadores do PT,
que contava com o apoio de uma ampla gama de organização dos trabalhadores e
trabalhadoras, sindicatos e demais organizações; do outro lado, era candidato Fernando
Collor de Melo, fantoche criado pela burguesia e pelo poder político conservador e demais
larápios nacionais, com amplo e irrestrito apoio da imprensa nacional (leia-se Rede
Globo).
O desfecho não poderia ser pior: Fernando Collor de Melo é eleito presidente
com o discurso da necessidade da abertura econômica. Implanta uma política de
importação de bens de consumo e de produção, dando os primeiros retoques para
liberalização da economia ao iniciar o processo de privatização das empresas estatais
brasileiras. Dois anos depois tem o mandato cassado por corrupção. Mas o estrago já
estava feito.
O processo de abertura da economia brasileira seguiu tornando-se mais
agudo com os governos posteriores. É claro que os prejuízos desse processo foram
transferidos para a classe trabalhadora, que mais uma vez se viu arcando com o ônus
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necessário a ser pago para o “bom desempenho” dos indicadores da economia nacional,
agora na era da mundialização dos capitais.
Nesse sentido, a situação do movimento operário muda significativamente
com a chegada dos anos 90. “A política econômica neoliberal inaugurada pelo governo
Collor em 1990 jogou o país numa profunda crise recessiva, aumentando de maneira
extremamente rápida os níveis de desemprego no país, ao mesmo tempo em que, ao abrir
abruptamente a economia brasileira, forçou as empresas a acelerar seus processos de
reestruturação produtiva, gerando novos desafios para os quais o movimento sindical, de
maneira geral, não se encontrava preparado”26.
A partir de 1994, com a eleição do Presidente, Fernando Henrique Cardoso,
a política adotada foi a de continuidade da implementação das políticas neoliberais
iniciadas por Fernando Collor de Melo, com o governo se empenhado em seguir
amplamente a “cartilha” do Fundo Monetário Internacional, privatizando as empresas
estatais, diminuindo gastos na esfera social e contribuindo na soma das transformações
estruturais do processo de produção capitalista em nível mundial. Com as dificuldades
políticas e econômicas conjunturais locais, tem-se um aumento da miserabilidade de
grande parcela da população brasileira.
Neste novo contexto de reestruturação do capital mundial, houve um
número crescente de trabalhadores e trabalhadoras brasileiros vivendo o drama do
desemprego, um fenômeno que afetou e afeta, sobretudo as regiões de grandes
indústrias, como a automobilística. Mas, que tem reflexos, também, noutras regiões e
setores do país devido à implantação de políticas econômicas que abrem o mercado
brasileiro para produtos externos, diminuindo o consumo de produtos internos e
desencadeando um processo gerador de mais desemprego. Conseqüentemente, mais
trabalhadores e trabalhadoras buscam na informalidade formas de ocupação.
A implementação pelo governo federal de um modelo político econômico
centrado no neoliberalismo, tornou a relação entre capital e trabalho mais injusta no
Brasil, favorecendo sobremaneira o primeiro. Montado no discurso de geração de postos
de trabalho, as ações do governo FHC procurou estimular o surgimento de relações de
produção, que se contrapunham às Leis Trabalhistas vigentes. Com a criação de contratos
temporários que deixaram o trabalhador e a trabalhadora desprovidos de qualquer direito,
impedindo que este tivesse qualquer benefício estipulado por Lei. Isso acabou barateando
o custo do Trabalho para o Capital.
As transformações do modo capitalista de produção têm se realizado no
Brasil com mais força no âmbito da implantação de políticas de cunho neoliberal e
procuraram, dentre outras ações, acabar com os “entraves” gerados pelas leis
trabalhistas na relação Capital/Trabalho, garantindo às empresas maior flexibilidade no
uso e desuso da força de trabalho, sem impedimento legal e reduzindo a contestação no
campo institucional formal por parte dos sindicatos.
As ações das instituições governamentais revelaram a face intervencionista
das instâncias burocráticas do Estado, que de acordo com os princípios liberais não
deveria intervir no movimento do mercado, mas o faz, desde que seja para utilizar o poder
político institucional para a otimização das condições de reprodução do Capital.
26
LEITE, 1997, pp. 17-18.
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Nesse período, ficou evidente uma outra contradição na forma de atuação
do Estado, no trato das questões relativas ao Trabalho e à economia informal. Enquanto o
discurso oficial pregava a regularização e a regulamentação dos trabalhadores e
trabalhadoras e das transações econômicas informais, o discurso ideológico que
sustentava as ações governamentais estava fundado no liberalismo econômico, que tem
como diretriz a desregulamentação, que precariza o emprego e, conseqüentemente, reduz
o poder de luta organizada da classe trabalhadora, se refletindo no esvaziamento dos
sindicatos.
Desta forma, tornou-se crescente o desemprego, o que colabora para a
degradação das condições de trabalho daqueles que continuam formalmente
empregados. Os que continuam formalmente empregados passam, neste contexto de
precarização das relações de trabalho, a sofrer pressões sobre os seus salários e seus
direitos trabalhistas, cuja existência passa a ser denunciada como obstáculo à expansão
do emprego formal27.
O fenômeno crescente do desemprego e da precarização do trabalho, longe
de serem uma anormalidade pelas forças econômicas e políticas dominantes, são vistos,
até pelos discursos oficiais, como conseqüências naturais da nova ordem política e
econômica estabelecida para a organização e participação dos atores econômicos no
mercado capitalista.
Pautado em pressupostos liberais, o governo FHC sempre procurou justificar
a aceitação do crescimento contínuo da precarização das relações de trabalho
alimentando uma política de desregulamentação do mercado, como forma de evitar o
aumento do desemprego, que de outra maneira só poderia ser conseguido com o
crescimento econômico. Neste sentido, os pronunciamentos e as atitudes tomadas pelo
governo, foram de estimular a informalidade e a precarização do trabalho. Esse fato pode
ser constatado se analisarmos os projetos que visavam modificações nas leis que regiam
os contratos de trabalho, ou que permitiam que houvesse contratos de trabalho que não
atendessem aos princípios da legislação, estimulando a ampliação das condições para o
aproveitamento e exploração da força de trabalho, contando muitas vezes com a
participação de algumas organizações sindicais.
Desta forma, fica evidente o desmonte do já insuficiente aparato
institucional de proteção ao trabalhador e a trabalhadora, frente à “intempéries” do
mercado e das investidas extremas de espoliação dos empregadores.
Esta situação demonstra o poder de influência da classe dominante sobre os
aparelhos do Estado, que se reconfiguram modificando a legislação ou mesmo
desobedecendo-a, para melhor colaborar com o atual contexto organizativo do Capital. O
mesmo Estado que em outros momentos procurou mostrar-se como mediador ou
imparcial frente ao confronto Capital X Trabalho, corrobora sem disfarce à sua vinculação
com o Capital.
Assim, é no crescimento do desemprego, do trabalho informal, da
desregulamentação e do desmantelamento do aparato institucional que garantia alguns
direitos básicos à classe trabalhadora, que se mostra o desgaste e a fragilidade das
atuais formas de organização dos trabalhadores e trabalhadoras, que são em sua maior
27
Cf. SINGER, 1998.
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parte sindicatos que organizam, representam e defendem os direitos de determinada
categoria28.
Combinada a terceirização ao desemprego, a precarização torna-se um
elemento corrosivo da base sob a qual se assenta a legitimidade e representação dos
sindicatos, que por serem reconhecidamente institucionais trabalham dentro de normas
que não permitem, ou não tornam interessante, organizar os trabalhadores e
trabalhadoras que estão fora do mercado de trabalho formal, seja pelo desemprego ou
pela informalidade.
Como instituição, os sindicatos, estão fracionados para representar as
diferentes categorias, organizando, em tese, estes trabalhadores e trabalhadoras,
também legalmente contratados como uma força conjunta frente ao capital. Logicamente,
temos que considerar a fragmentação existente entre os sindicatos instituídos de acordo
com a categoria de trabalho, pois como sabemos os sindicatos acabam por representar
um fragmento da classe trabalhadora, uma categoria específica e não a todos os
trabalhadores e trabalhadoras. Esta fragmentação colabora para que os problemas
enfrentados por determinada categoria que cumpre sua função na divisão social do
trabalho, pareça não dizer respeito a outras categorias de trabalhadores e trabalhadoras,
o que tem impedido por vezes a participação conjunta de toda a classe trabalhadora em
suas reivindicações.
E por estar organizado política e estruturalmente desta forma fragmentada e
institucionalizada, que privilegia a dimensão de categoria e profissional, é que os
sindicatos perdem atualmente o seu poder de representação. Com o aumento do
desemprego e da informalidade do trabalho tem uma diminuição considerável de sua
base de representação, já que os desempregados e os trabalhadores e trabalhadoras
precarizados, informais, estão fora da sua área de atuação legal. No aumento da
informalidade e de seus efeitos sobre os sindicatos, a representatividade sindical é
corroída à medida que sua pretensão de falar pelo mundo do trabalho ou ao menos de
sua parcela majoritária torna-se crescentemente insustentável.
A diminuição da participação dos trabalhadores e trabalhadoras nos
sindicatos, pelos motivos aqui apontados, somada à insegurança no emprego gerada pela
reestruturação produtiva, que tem no avanço tecnológico uma maneira de poupar
quantitativamente a força de trabalho, leva, com o enfraquecimento da entidade
representativa, a maior exposição de algumas categorias de trabalhadores e
trabalhadoras às investidas dos capitalistas no sentido de diminuir o custo do trabalho,
sobretudo no que diz respeito aos direitos trabalhistas conquistados através da luta
organizada.
Todo esse novo contexto, como não poderia deixar de ser, tem se refletido
nas atuações dos sindicatos, ou no não-enfrentamento por parte destes das atuais
condições de exploração do trabalho. As greves, em grande medida, têm deixado de ser
um instrumento de luta dos trabalhadores e trabalhadoras frente ao Capital para passar a
28
Atualmente os sindicatos têm lutado muito mais para a manutenção do emprego do que por melhorias nas
condições de trabalho e de salário, como acontece atualmente com os metalúrgicos do ABC. Há uma preocupação
maior em reintegrar o desempregado ao mercado de trabalho, e não um projeto de organização dos trabalhadores
e trabalhadoras para o enfrentamento da atual política econômica.
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realizar ações, como temos visto nos últimos anos, de manutenção de empregos e de
alguns dos direitos conquistados historicamente.
Necessário se faz, ainda, apresentar com maior profundidade a atuação da
CUT nas décadas de 1980 e 1990, principalmente em relação às greves.
O sindicalismo do Brasil nos anos 80 inovava nas suas reivindicações pela
criação das comissões de fábrica e desafiava o capital, que procurava a manutenção do
controle sobre o trabalho no lugar da produção, colocando em questão o controle exercido
durante todo período de implantação do capitalismo industrial no Brasil.
A CUT, composta nesse período pelas correntes sindicais mais ativas, teve
grande expressividade no movimento operário dos anos 80, organizando as greves gerais
em oposição às políticas adotadas pelo governo brasileiro. Adotava uma postura
oposicionista franca e direta de maneira a construir uma estratégia sindical combativa em
relação à política pró-monopolistas, pró-imperialistas e pró-latifundiária do governo.
As greves gerais arquitetadas pela CUT resultaram em fortes movimentos de
contestação e foram de grande importância política, enquanto forma de organização
unificada dos trabalhadores e trabalhadoras. Ao todo foram quatro greves gerais nesse
período. A primeira acontece em 1983, em pleno regime militar e protestava contra um
decreto que modificava a política salarial, tendo a participação de dois a três milhões de
trabalhadores e trabalhadoras. A segunda aconteceu em 1986, em protesto contra o
Plano Cruzado II, particularmente contra o fim do congelamento de preços. A terceira
greve geral comandada pela CUT realizou-se em 1987, contrapondo-se ao Plano Bresser e
que tinha como motivação as modificações nas políticas salariais, mas o movimento dava
também ênfase a palavras de ordem como: não ao pagamento da dívida externa, reforma
agrária, semana de quarenta horas e estabilidade de emprego. A quarta greve aconteceu
em 1989, protestando contra mais um plano de estabilização do governo, o Plano Verão,
que modificava a política de indexação dos salários; o número de grevistas nesta greve
dobrou em relação à de 1987, chegando a vinte milhões de trabalhadores e
trabalhadoras29.
Essa última greve também contou com a participação ativa de vários
setores: os metalúrgicos e trabalhadores e trabalhadoras da indústria automobilística e
química, os petroleiros, os professores da rede pública de ensino federal e estadual, entre
outros. A principal característica da greve foi a de ser uma reação ofensiva da classe
trabalhadora brasileira no sentido de se contrapor às investidas do capital e conquistar
direitos para a classe trabalhadora, que nesse período também sofria as conseqüências
das ações políticas e econômicas comandadas pelo governo, que visavam dar maior
espaço e criar melhores condições para o desenvolvimento capitalista no Brasil30.
É justamente no período dos anos 80, que o surto de reestruturação
produtiva no Brasil sofre um novo avanço, de maneira a incorporar as novas tecnologias
nos processos produtivos e implementar novas formas de gestão e controle da produção
baseadas, sobretudo, nas técnicas utilizadas nas fábricas japonesas e que correspondiam
melhor as vontades do capital internacional.
29
Cf. BOITO, 1999.
30
Cf. ALVES, 2000.
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A partir dos anos 90, a luta sindical, e logicamente a CUT, participam de um
novo contexto histórico e social no Brasil. Com a vitória de Fernando Collor de Mello nas
urnas e pelo voto popular, é eleito também um projeto neoliberal para a política
econômica brasileira. Um projeto que visava criar as condições para instauração do
neoliberalismo e que, mesmo com a saída vergonhosa de Collor via Impeachment,
continuou a ser orquestrada pelos seus sucessores Itamar Franco e Fernando Henrique
Cardoso.
A abertura da economia para o capital estrangeiro, o aumento das
importações, o desmantelamento do parque industrial nacional e o crescimento da
miséria e do desemprego, são produtos conhecidos e visíveis desse processo de
liberalização da economia. Tais fatores, somados à reestruturação do processo produtivo
com base na aplicação de novas tecnologias, tem colaborado para a precarização das
relações de trabalho no Brasil e, conseqüentemente, para o enfraquecimento das formas
organizativas e de luta da classe trabalhadora. As greves deste período foram muito mais
na busca de manter os direitos sociais conquistados historicamente, ou na intenção de
manter os empregos existentes, do que movimentos de reivindicação e de tomada de
controle do processo produtivo ou de contestação ideológica.
Essa crise da organização sindical brasileira acabou por colaborar para a
instauração do novo modelo político e de acumulação, pois, o sindicalismo classista e
unificado que havia sido obstáculo durante os anos 80, nos anos 90 desarticula-se e se
torna debilitado em sua capacidade de movimentação e organização da classe
trabalhadora, o que permitiu uma investida mais dura do capital sobre os trabalhadores e
trabalhadoras, apoiado pelas políticas do governo nacional que estimulou e legalizou a
precarização das relações de trabalho.
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CONCEPÇÕES E CORRENTES SINDICAIS NO BRASIL
Amarildo Carvalho de Souza e Domingos Corcione
A trajetória das concepções e correntes políticas que constituíram e constituem o
movimento sindical brasileiro, no campo e na cidade, é reveladora do grau de
desenvolvimento da luta de classes, aliás, mais que isso, revela o grau de independência
e maturidade política da classe trabalhadora brasileira.
A classe trabalhadora, no campo e na cidade, luta não apenas por melhores salários, mais
também, pela superação das desigualdades sociais, econômicas, politicas, raciais,
étnicas, de gênero, e de geração. Nesse sentido, as organizações sindicais e os
movimentos populares, constituem-se em espaços privilegiados de enfrentamento de
interesses, muitas vezes distintos.
Os trabalhadores e trabalhadoras não são um todo homogêneo e monolítico, disposto a
lutar de forma unânime pelas mesmas bandeiras. Existem diferentes níveis de
consciência de classe, de visões de mundo e de projeto de sociedade. Inclusive, existem
segmentos que muitas vezes expressam programas de “conservação, melhoria e
desenvolvimento do capitalismo”.
A ENFOC não se propõe a aprofundar todas as concepções e correntes politicas. Foi feita a
opção de nos debruçar sobre 04 concepções e correntes, na perspectiva de uma maior
compreensão da trajetória e contemporaneidade do sindicalismo no Brasil.
A reflexão e aprofundamento dessas concepções e correntes, parte da identidade política
do Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, construída ao longo
dos seus 43 anos de existência.
Esperamos que estes textos estimulem aos participantes do 1º Curso da ENFOC, a
pesquisar, refletir e compreender as ‘idéias’ que promoveu a constituição e consolidação
do movimento sindical brasileiro, no campo e na cidade.
AS PRINCIPAIS IDÉIAS DO ANARQUISMO
Anarquismo vem da palavra grega ANARQUIA, que significa “contra o governo, a
autoridade e a dominação”.
Quanto à Sociedade e ao Estado, os Anarquistas defendiam as seguintes idéias:
O capitalismo deve ser derrubado e, como alternativa, deve ser implantado
o socialismo.
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O socialismo deve ser democrático, descentralizado, formado por
comunidades independentes, coordenadas a partir de centros de produção
dos trabalhadores e trabalhadoras organizados em sindicatos.
É preciso lutar contra o Estado (governo, parlamento, forças armadas, poder
judiciário, polícia...), as eleições e a Igreja, pois são um mal e uma fonte de
opressão.
Os anarquistas assumiam uma posição antiparlamentarista e antipartidária.
Pregavam a revolução proletária, o socialismo sem classes e sem Estado, a auto-gestão e
o internacionalismo proletário.
Quanto à concepção e à prática sindical, os anarquistas tinham posições bem
definidas. Para eles os sindicatos:
Devem ser a arma principal de luta para derrubar o capitalismo e implantar
o socialismo.
Deve organizar os trabalhadores e as trabalhadoras, formar sua consciência
política.
Devem ser organizados a partir do local de trabalho e implementar as lutas
reivindicatórias, levando-as sempre mais adiante.
Deve organizar somente os trabalhadores e as trabalhadoras, como classe
que se opõe à classe dos patrões.
Devem ser autônomos e livres, sem nenhuma interferência do Estado,
sustentados exclusivamente pelos trabalhadores e trabalhadoras.
Devem ser formados somente por trabalhadores e trabalhadoras
conscientes, dispostos a assumir a liderança na luta pelo socialismo.
Devem ser organizados em pequenos grupos de fábrica ou por ofício,
possibilitando a mais completa democracia, onde todos tenham condições
de participar.
Devem se unir segundo os ramos de produção, em formas federativas ou
em confederações: em nível local, estadual e nacional, sempre preservando
a autonomia de cada organização e evitando qualquer tipo de centralização
que venham a prejudicar a participação direta dos trabalhadores e
trabalhadoras em todas as decisões.
Devem priorizar a ação direta (mobilizações, boicotes, greves), visando
organizar a greve geral, que derrubará o sistema capitalista.
Promover atividades culturais, que possam favorecer a conscientização dos
trabalhadores e trabalhadoras.
Os anarquistas eram contrários à liberação de dirigentes sindicais. Não
consideravam a aliança com a classe média.
O ANARQUISMO NO MUNDO
O anarquismo se iniciou na metade do século XIX, na França. Por meio de
Proudhon31, Bakunin32 - que foram seus primeiros idealizadores - e de outros seguidores,
31
Precursor do anarquismo enfatizava o respeito à pequena propriedade, propondo a criação de cooperativas sem
fins lucrativos voltadas para o auto-abastecimento e de bancos que concedessem empréstimos sem juros aos
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se expandiu para a Rússia e para toda a Europa, particularmente na Itália e na Espanha,
até chegar aqui no Brasil no final do século XIX, por meio de imigrantes espanhóis,
italianos, portugueses, franceses e belgas.
A DIFUSÃO DO ANARQUISMO NO BRASIL
As idéias anarquistas, apesar de já estarem presentes em alguns segmentos da
sociedade brasileira, começaram a ganharam força no Brasil nas últimas décadas do
século XIX, quando varias famílias de imigrantes italianos chegaram ao sul do país, mais
precisamente no Paraná e posteriormente em Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Essas
famílias formaram comunidades com ideais libertários e constituíram as primeiras
cooperativas, mesmo enfrentando problemas econômicos e repressão.
As teorias e táticas do anarco-sindicalismo foram difundidas por meio de livros, da
imprensa, dos panfletos, e das decisões dos congressos operários, seus principais
veículos. O anarco-sindicalismo influenciou também o campo, atribuindo um papel político
e revolucionário ao cooperativismo rural. Foram muitas as cooperativas e outras
organizações de caráter cooperativo criadas pelos anarquistas, tendo como objetivo a
ajuda mútua, em estreita relação com a luta e o projeto político revolucionário.
A expansão do anarquismo foi rápida nas grandes cidades brasileiras, nas
primeiras décadas do século XX. Suas propostas de supressão do Estado e de todas as
formas de repressão encontraram receptividade entre os trabalhadores e trabalhadoras,
num contexto em que o jogo político era exclusividade das oligarquias e inexistia qualquer
proteção ao trabalho.
AÇÃO DOS ANARQUISTAS NOS SINDICATO
Em 1906 houve o 1º Congresso Operário Brasileiro, com 43 delegados, eleitos por
28 organizações operárias de todo o País. O Congresso fundou a Confederação Operária
Brasileira (COB). As propostas vencedoras do Congresso e a linha predominante da COB
eram da corrente dos anarquistas:
A organização dos operários deve ser federativa e não centralizada.
O sindicalismo deve ser de resistência e não assistencialista.
O importante é a ação direta da classe operária, sem passar pela
intermediação parlamentar: priorizar boicotes, greves e outras formas
diretas de luta.
É preciso combater as visões reformistas dos agentes do Governo e da
Igreja Católica.
empreendimentos produtivos e crédito gratuito aos trabalhadores. Dizia que o Estado deveria ser destruído,
sendo substituído por uma "república de pequenos proprietários" organizada num sistema federativo.
32
Outro precursor do anarquismo, afirma que "A liberdade é o direito absoluto de todo homem ou mulher maiores
de só procurar na própria consciência e na própria razão as sanções para seus atos, de determiná-los apenas
por sua própria vontade e de, em conseqüência, serem responsáveis primeiramente perante si mesmos, depois,
perante a sociedade da qual fazem parte, com a condição de que consintam livremente dela fazerem parte".
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Como se viu acima, os anarco-sindicalistas entendiam que “a ação direta deveria
ser a grande bandeira do sindicalismo revolucionário". Por isso, cada ação direta - greve,
boicote, sabotagem, etc. - era considerada um meio dos trabalhadores e trabalhadoras
aprenderem a agir de uma maneira solidária em sua luta por melhores condições de
trabalho, contra seu inimigo comum, os capitalistas. Essa conclusão partia da seguinte
convicção: cada ação direta é uma batalha na qual o proletário conhece as necessidades
da revolução, por meio de sua própria experiência, e se prepara para a ação final, isto é, a
greve geral que “destruirá o sistema capitalista”. O anarco-sindicalismo – assim como o
anarquismo em geral – considerava que nas ações diretas seria legítimo o uso de um
certo tipo e grau de violência.
Essa concepção e as práticas dela decorrentes se constituíam numa das
características diferenciais do anarco-sindicalismo em relação a outras correntes e formas
de ação do sindicalismo brasileiro. A sabotagem – por exemplo - era vista como
especialmente eficaz para o proletariado, no caso em que ele não pudesse entrar em
greve. A destruição de equipamentos tocaria no ponto fraco do sistema, pois as máquinas
são de mais difícil substituição do que os trabalhadores e as trabalhadoras.
Como principais divulgadores do ideário anarquista destacaram-se José Oiticica,
Everardo Dias e Edgard Leuenroth. Os primeiros jornais anarquistas e anarco-sindicalistas
tentaram se sustentar apenas com as contribuições dos militantes. Como era ainda um
número reduzido e não possuíam muitos recursos econômicos, acabaram sendo poucos
os jornais anarquistas que chegaram a publicar mais de cinco números.
A partir de 1908 a COB publicou seu jornal nacional “A VOZ DO TRABALHADOR”.
Esse jornal continuou irregularmente até 1920, com o desmantelamento da própria COB.
A greve de 1917 foi comandada pelos anarquistas. A maioria de jornais da época
atestou a força e organização dos anarquistas do Brasil. Isso não quer dizer que não havia
outros grupos políticos que dividiam com eles a liderança do movimento operário.
Depois da greve, apesar de alguns avanços em termos de legislação social, houve
anos difíceis para o movimento operário, que foi obrigado a enfrentar grandes desafios. O
principal foi o recrudescimento da repressão por parte do governo.
Em 1921 foi aprovada a Lei de Expulsão dos Estrangeiros, que legitimava a
deportação sumária de lideranças envolvidas em “distúrbios da ordem” e o fechamento
de organizações operárias. Os principais alvos passaram a ser os anarquistas. A
justificativa utilizada para a aprovação dessa lei repressiva era evidente: o movimento
operário estava sendo controlado por lideranças estrangeiras radicais, que iludiam
trabalhadores e trabalhadoras nacionais!
Desde o início dos anos ’30 as principais categorias de trabalhadores e
trabalhadoras do Estado de São Paulo estavam organizadas em sindicatos. Havia duas
federações estaduais:
A Federação Operária de São Paulo (FOSP), com o maior número de
sindicatos e algumas categorias mais importantes da capital paulista, sob a
influência anarco-sindicalista.
A Federação Sindical Regional de São Paulo (FSRSP), dirigida pelos
comunistas, (sindicatos de cidades do interior, que não contavam com
bases expressivas na capital).
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Durante toda a década de 1930 os anarco-sindicalistas foram à única corrente
sindical que se manteve irredutível na defesa da organização autônoma dos trabalhadores
e trabalhadoras, assim como na oposição ao sindicalismo corporativista.
Contudo, essa posição os levou ao isolamento político e contribuiu – no contexto
das crescentes dificuldades relativas à sobrevivência dos sindicatos livres – para sua
perda de influência no movimento sindical. Enquanto a força dos anarquistas foi
diminuindo, foi crescendo a influência dos comunistas no movimento sindical.
Mais tarde, com a implantação da Estrutura Sindical – que tinha o Estado como
seu principal regulador - a corrente anarquista foi perdendo cada vez mais expressão e
presença no movimento sindical, que se expandia e se consolidava no Brasil.
ONDE ATUAM HOJE OS ANARQUISTAS?
Apesar da reduzida presença de anarquistas no sindicalismo, suas idéias
continuam vivas em vários segmentos da sociedade, inclusive entre trabalhadores e
trabalhadoras, organizações sociais e sindicais, no Brasil e no mundo.
Existe uma carência de informações relacionadas com o anarquismo e sua atuação
na atualidade, devido à ausência de registros mais precisos.
Desde os anos ‘80 foi identificado em muitas atividades de massa o movimento
anarco-punk, que continua sendo ativo até hoje.
Os anarquistas podem ser vistos também:
Em manifestações realizadas para expressar insatisfações e protestos
contra reuniões e encaminhamentos promovidos pelo grupo de países mais
ricos (G 08), pela OMC e pelo BID.
Em organizações sociais – de ambientalistas, de mulheres, jovens...
Nesses grupos ou reuniões podem até aparecer divergências - entre os próprios
anarquistas ou entre eles e as demais correntes, quanto às estratégias de luta e à
maneira de atuar - mas eles têm um ponto em comum: a luta contra qualquer sistema
opressor.
TRAJETORIA DO SINDICALISMO “AMARELO” OU “PELEGO”.
O sindicalismo “amarelo” ou “peleguismo” é um fenômeno antigo no sindicalismo
brasileiro, refletindo a forte influencia de patrões e do Estado no movimento operário. É
constituído por uma enorme massa de dirigentes burocratizados, para os quais o sindicato
tem apenas um papel assistencialista e de intermediário legal nas relações entre o capital
e o trabalho. Esse é o aspecto político e social mais profundo da questão: o “pelego” é o
agente dos patrões e do Estado no movimento sindical.
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Já em 1908 o jornal anarquista “A VOZ DO TRABALHADOR” órgão da Confederação
Operaria Brasileira – COB definiu-os como “operários que bajulam os potentados, em
prejuízo da autonomia da classe”. Em que pese a forte presença dos anarquistas e,
posteriormente dos comunistas e socialistas nas direções dos sindicatos, os amarelos ou
pelegos representavam à maioria dos dirigentes na época. Os grupos revolucionários os
chamavam pejorativamente de "amarelos".
Particularmente no Rio de Janeiro era bastante influente essa corrente política
moderada, não revolucionária, interessada em obter conquistas específicas como
diminuição da jornada de trabalho e aumentos salariais. Esses grupos preocupavam-se
ainda em garantir o reconhecimento dos sindicatos por parte do Estado.
O presidente Hermes da Fonseca, em 1912, desenvolveu a primeira ação concreta
para uma intervenção governamental nas decisões das organizações de trabalhadores,
pois organizou um congresso com representações sindicais, mais que teve grandes
conseqüências.
Em 1921 o Estado fundou o Conselho Nacional do Trabalho, visando controlar os
sindicatos e torná-los órgãos de conciliação entre as classes. Foi criada também a
Confederação Sindicalista Corporativista Brasileira, de tendência reformista. Os Sindicatos
“amarelos” passaram a ser ainda mais favorecidos pelas vantagens concedidas pelo
Estado. Principalmente os setores cujas atividades eram indispensáveis para a exportação
do café, como ferroviários e portuários, tinham prontamente atendidas suas
reivindicações, uma vez que sua paralisação estrangularia a economia. Já as categorias
vinculadas à indústria, dado seu caráter secundário na economia agro-exportadora, eram
tratadas de forma exclusivamente repressiva. Lembre-se aqui a afirmativa do Presidente
Washington Luís de que “a questão social era simples caso de policia”.
Mas foi durante a década de 30 que os pelegos conseguiram as condições mais
favoráveis para se eternizarem nas direções sindicais. “Pelego”, deixou de significar a
manta colocada entre o cavalo e a sela para amortecer os solavancos e passou a ser
sinônimo de sindicalista acomodado e comprometido com os patrões e o governo.
À medida que o Ministério do Trabalho intervinha nos Sindicatos, Federações e
Confederações e destituía suas direções, os pelegos eram indicados para dirigi-las a partir
das orientações governamentais. A criação do Imposto Sindical era o que faltava para
garantir a imensa estrutura – com médicos, dentistas, escolas, dentre outras – criada
naqueles sindicatos em que o pelego era sua representação maior.
O chamado Estado Novo, dentre outras coisas, consolidou a seguinte concepção,
“o sindicalismo brasileiro deve ser corporativo, isto é, um sindicalismo que concilie patrões
e operários e não um sindicalismo revolucionário, baseado na luta entre classes inimigas,
como historicamente foi feito nas décadas anteriores”.
Já nos primeiros anos da década de 1940 o Estado Novo mostrava seus primeiros
sinais de debilidade; consequentemente, o sindicalismo amarelo passou a ficar na
defensiva. Com a extinção do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e do
Tribunal de Segurança Nacional – organismos de repressão ideológica e política,
existentes durante o Estado Novo –, esse segmento conservador encontrou ainda mais
dificuldades.
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Uma O avanço das lutas operárias foi freado com o golpe e o governo do Marechal
Dutra. Dentre outras medidas, Dutra proibiu a existência do Movimento Unificado dos
Trabalhadores (MUT), colocou na ilegalidade o partido comunista, decretou a intervenção
e suspensão das eleições sindicais. Tudo isso facilitou que os pelegos retornassem às
direções dos sindicatos mais importantes do país.
A retomada das lutas politicas e sindicais no início dos anos 1960 recolocaram os
pelegos na defensiva. A fundação do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), por
exemplo, objetivava - dentre outras coisas - combater o ‘peleguismo’ das Confederações
Nacionais, especialmente da CNTI, dominada há décadas pelo pelego Ari Campista.
Durante este período, os pelegos receberam apoio financeiro da Confederação
Internacional das Organizações Sindicais Livres – CIOSL, da Organização Regional
Interamericana do Trabalho – ORIT, dentre outros organismos sindicais internacionais
ligados ao governo norte-americano.
Além de receberem todos esses apoios financeiros, muitos dirigentes pelegos
tornaram-se interventores do Ministério do Trabalho durante o governo militar, a exemplo
da CONTAG, que em 1964 teve sua presidência ocupada por um deles. O assistencialismo
foi mantido e, fortalecido na grande maioria das entidades sindicais; os pelegos voltaram
a ter hegemonia e domínio sobre os destinos do sindicalismo brasileiro.
Apesar dessa hegemonia, durante o congresso promovido pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Indústria – CNTI, em julho de 1978, um grupo de
sindicalistas que se autodenominavam ‘autênticos’, denunciaram a direção pelega da
CNTI e apresentaram uma “Carta de Princípios”, que se tornou a principal referencia para
a retomada das entidades sindicais operarias.
As transformações mais recentes ocorridas nos anos 1980 - anistia aos exilados
políticos; fim do bipartidarismo; eleições diretas; assembléia constituinte - estimulou o
sindicalismo pelego a um processo de auto-reforma, uma modernização conservadora.
Esse sindicalismo foi modificando sua forma de ser, para permanecer como órgão de
controle sindical e político, procurando coibir as ações autônomas e independentes dos
trabalhadores e trabalhadoras.
O SINDICALISMO DE RESULTADOS E FORÇA SINDICAL
O sindicalismo de resultado nasceu, inicialmente, da confluência de duas atuações
sindicais que vivenciaram trajetórias distintas e que, num dado momento, na segunda
metade da década de 1980, abraçou o mesmo projeto.
Referimo-nos à confluência da atuação de amarelos ou pelegos com a ação de
líderes sindicais pragmáticos. Assim formou-se, no Brasil, uma nova direita no movimento
sindical, distinta do velho ‘peleguismo’ e perfeitamente inserida na onda neoliberal, que
penetrou também no movimento sindical em nosso país.
Alguns dos pontos centrais do seu ideário são:
Reconhecimento da vitória do capitalismo e da inevitabilidade da lógica do
mercado.
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Restringir a luta sindical à busca de melhorias nas condições de trabalho,
não cabendo aos sindicatos extrapolarem este âmbito da luta.
Atribuir o papel da ação política exclusivamente aos partidos, que devem
estar totalmente desvinculados da ação sindical.
Diminuir o papel do Estado, reduzindo apenas sua ação a uma linha política
privatizante.
Estes pontos básicos - aliados a uma estratégia que recusa o confronto e procura
extrair resultados imediatos nas ações sindicais, calculadas para que não extrapolem o
âmbito da negociação - conformaram uma feição neoliberal e burguesa no seio do
movimento sindical brasileiro. Por isso, dizíamos, é algo muito distinto do peleguismo
(sempre atrelado ao Estado e dele porta-voz) e conforma o que caracterizamos como
sendo a nova direita no movimento sindical. Este é o âmbito e o campo ideológico onde o
sindicalismo de resultados opera e atua.
Conforme disse Luís Antônio Medeiros, em entrevista à Folha de S. Paulo
(20/08/87): “Eu acho que o capitalismo venceu no Brasil... Eu quero a divisão das
riquezas e a minha briga não é pela mudança do regime”. E quanto ao papel dos
sindicatos: “O sindicato é um fator de mercado e deve, portanto, valorizar o preço de mãode-obra”. “Estamos procurando caminhos novos. Eu diria que todo sindicato que se preze
faz parte da reprodução capitalista. Pois, qual é o objetivo do sindicato? É lutar para
vender a mão-de-obra pelo preço mais alto possível. Se crio o mercado interno estou
fortalecendo o nosso capitalismo”.
A Força Sindical, contando com o apoio de cerca de 300 sindicatos, duas
confederações e vinte federações – fundada no início de 1991 - caminha no sentido de
consolidar o sindicalismo de resultado: um sindicalismo que projete “que todos (os
trabalhadores) necessitam, e exigem uma central sindical que não seja ‘revolucionarista’”.
Foi a Força Sindical que introduziu a prática recorrente de um 1° de maio como um
circo para os trabalhadores e trabalhadoras. É a política de pão e circo. Para atrair um
grande público, a Central organiza grandes manifestações, chama artistas da indústria
cultural. Que fazem sucesso freqüentemente pela música de baixíssima qualidade e doam
apartamentos, carros, eletrodomésticos”33.
ALGUNS REFERENCIAIS TEÓRICOS DO COMUNISMO
Com base no assim chamado “socialismo científico” no final do século XIX, tendo a
frete Karl Marx e Friedrich Engels, os sindicatos passaram a ser vistos como instrumentos
que devem contribuir para a luta revolucionária do proletariado pela tomada do poder
político. Essa doutrina passou a se diferenciar tanto dos reformistas, que pregam
33
Ricardo Antunes é professor livre docente em sociologia do trabalho na Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), in Jornal dos Trabalhadores Rurais SEM TERRA Ano XXIV – numero 252 – maio de 2006.
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mudanças graduais no capitalismo, como das anarquistas, que negam a luta política pelo
poder.
Para Marx, “os sindicatos
sindicatos são indispensáveis para a guerra de guerrilha cotidiana
entre o capital e o trabalho”. Seu objetivo imediato “concretiza“concretiza-se nas exigências do diadia-adia, nos meios de resistência contra os incessantes ataques do capital”. Mas a concepção
Marxista vai além. Aponta outros objetivos da atividade sindical, não se limitando a uma
visão economicista. Os teóricos do comunismo vêem os sindicatos, sobretudo, como
centros organizadores do proletariado, que devem ser “escolas do socialismo”. Marx diz:
“O capital é o poder social concentrado, enquanto o operário só dispõe da sua força de
trabalho. O contrato entre capital e trabalho não pode, portanto, repousar nunca em justas
condições... Do lado do operário sua única força é o número. Mas a força do número se
quebra pela desunião. A divisão dos operários é produto e resultado, da inevitável
concorrência entre eles próprios. Dos sindicatos nascem precisamente os impulsos
espontâneos dos operários para eliminar, ou pelo menos reduzir essa concorrência, a fim
de conseguir melhores condições que os coloquem ao menos em situação superior à de
simples escravos”.
Partindo desse princípio norteador, o marxismo condena o economicismo, as
correntes que encaram os sindicatos nos estreitos marcos corporativos. Para essa
concepção, a luta puramente econômica não conduz a nada, já que o capitalismo tem
capacidade para assimilar as pequenas melhorias salariais - garantindo sua taxa de maisvalia. Isso não significa que o marxismo negue a luta econômica. Muito pelo contrário.
Mostra apenas suas limitações e prega a transformação da luta econômica em luta
política pela tomada do poder.
Acompanhando a evolução do sindicalismo, principalmente o da Inglaterra, Marx
vai perceber a miopia economicista e apontará qual deve ser a tarefa maior dos sindicatos
no capitalismo. “Os sindicatos trabalham bem como centros de resistência contra os
ataques do capital. Mas demonstram ser partes ineficazes em virtude do mal
compreendido uso de sua força. Em geral, erram o caminho porque se limitam a uma
guerra de guerrilhas contra os efeitos do sistema existente, em vez de trabalharem, ao
mesmo tempo, para a sua transformação, usando a força organizada como alavanca para
a libertação definitiva da classe operária”.
Entretanto, o marxismo não adota a mesma visão dos anarquistas nessa questão.
Ele aponta que a greve não deve ser vista como a única arma de luta dos trabalhadores e
trabalhadoras. Para o marxismo, a greve deve ter como principal objetivo organizar os
trabalhadores, acumular forças, preparando para as novas batalhas. Relaciona sempre as
lutas parciais com seu objetivo final, que á a tomada do poder pelo proletariado. Por isso,
uma greve por interesses imediatos, que coloquem em risco a organização dos
trabalhadores e trabalhadoras, deve ser rejeitada.
Outra característica da corrente marxista é a defesa da unidade dos trabalhadores,
o marxismo condena as tentativas de dividir as organizações sindicais por motivos políticopartidários ou religiosos. Exatamente por isso, o marxismo vai fazer esforços no sentido da
unidade dos trabalhadores. Para Lênin, “Não atuar no seio dos sindicatos reacionários
significa abandonar as massas operárias insuficientemente desenvolvidas ou atrasadas à
influência de líderes reacionários, dos agentes da burguesia, dos operários aristocratas ou
operários aburguesados”.
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Exatamente por enfatizar que o primeiro objetivo do proletariado é a conquista do
poder político, a concepção marxista ressalta a supremacia do partido político sobre o
sindicato. Para ela, o partido revolucionário é um estágio superior de organização. Quando
fala em supremacia do partido, o marxismo não nega a importância da luta sindical, mas
destaca que há diferenças entra assas duas formas de organização e que elas devem ser
preservadas. Contudo, essas premissas não eliminam o risco de uma submissão do
sindicato ao partido. Talvez seja também por isso que os comunistas tenham sido muitas
vezes acusados de fazerem do sindicato uma mera “correia de transmissão do partido”.
PARTICIPAÇÃO DOS COMUNISTAS BRASILEIROS
BRASILEIROS NO MOVIMENTO SINDICAL
No Brasil, o comunismo surgiu a partir da desagregação do anarquismo – e não da
crise da social democracia, como em outros países – e a história dos primeiros anos
desse movimento é a crônica de seu esforço para derrotar a influencia anarquista e
indicar novos rumos à luta operaria e sindical.
A partir de 1922, embalados pela criação do primeiro Estado socialista na Rússia,
militantes brasileiros fundaram o Partido Comunista do Brasil (PCB), que se de um lado
não se apresentava como uma alternativa imediata de poder causou apreensão do Estado
oligárquico. Entre os fundadores estavam ex-lideranças anarquistas como Astrojildo
Pereira e Otávio Brandão.
Ao contrário dos anarquistas, que viam o Estado como um mal em si, os
comunistas o viam como um espaço a ser ocupado e transformado. Essas concepções os
levaram, seja na ilegalidade, seja nos breves momentos de vida legal, a buscarem aliados
e a participar da vida parlamentar do país.
Entre a fundação do Partido Comunista e seu II Congresso em 1925, a principal
palavra de ordem dos comunistas foi “ir às massas”. Nesse sentido, muitos esforços
foram feitos para fortalecer o movimento sindical, levando-os a se chocarem com os
anarquistas e com a repressão policial. As décadas de 20 e 30 do século passado foi um
período de grandes desafios para o movimento sindical brasileiro, marcado pela forte
repressão ao movimento sindical independente e pela regulamentação e controle das
relações de trabalho e da organização sindical pelo Estado Getulista.
Em 1929 é criada a Confederação Geral dos Trabalhadores Brasileiros – CGTB
(funcionando até 1936) sob controle dos comunistas que passam a exercer a hegemonia
sobre o movimento sindical brasileiro. Os comunistas defenderam desde o inicio a
unidade sindical; em conseqüência, surgiram as duas características marcantes da
atuação comunista: o trabalho em sindicatos reacionários e pelegos e a politização da luta
operaria (contra o imperialismo e contra o latifúndio).
Os primeiros aos da década de 1930, foram de luta entre os sindicatos livres e o
governo. As entidades operárias independentes não aceitavam os decretos sobre
sindicalização. Contudo, crescia progressivamente o numero de entidades organizadas
conforme a legislação e, dirigida por sindicalistas ligados ao Ministério do Trabalho ou que
aceitavam sua tutela.
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Com a promulgação da Constituição Federal em 1934, a influencia sindical dos
comunistas cresceu, “o PCB organizou o Congresso de Unidade Sindical, com
representantes de 300 sindicatos de todo o país”. No ano seguinte, “o PCB organizou a
Confederação Sindical Unitária do Brasil, num congresso com 400 delegados de 11
estados”, alem de junto com outros segmentos da sociedade, constituir a Aliança Nacional
Libertadora, “frente única revolucionária anti-imperialista e anti-feudal, que lutava por um
governo popular e que chegou a congregar em suas fileiras amplas massas populares do
país inteiro, e os mais variados atores sociais, desde o proletariado até a burguesia
nacional”, perseguida pelo Governo Vargas.
Em 1937, Getulio Vargas rasgou – por meio de um golpe - a Constituição e dá
origem ao Estado Novo. O Partido Comunista foi praticamente dispersado, os sindicalistas
comunistas foram perseguidos e afastados das direções de inúmeras entidades.
Quando o Estado Novo entrou em crise, o Partido Comunista começou a se
reorganizar em entidades sindicais. Uma de suas primeiras iniciativas foi à rearticulação
do movimento sindical independente, em 30 de abril de 1945, funda o Movimento
Unificador dos Trabalhadores – MUT, apoiado por 300 dirigentes sindicais de 13 estados.
Seu manifesto pedia “a mais ampla liberdade sindical; a soberania das assembléias
sindicais, sem a presença obrigatória do Ministério do Trabalho; eleição e posse dos
dirigentes sindicais independente da aprovação pelo governo; autonomia administrativa
para os sindicatos, etc.”.
Naquela conjuntura os sindicalistas comunistas orientados pelo partido, defendiam
claramente a conciliação de classes: “por intermédio das organizações sindicais a classe
operaria pode ajudar o governo e os patrões a encontrar soluções práticas, rápidas e
eficazes para os graves problemas econômicos de hoje”, defendia Luiz Carlos Prestes,
secretário-geral do Partido Comunista. Essa orientação de fundo oportunista estava
baseada na idéia de que, “com a derrota do nazismo, surgia uma nova época, de
desenvolvimento pacifico, que prescindiria da revolução.”.
Com o governo do Marechal Dutra, foi desencadeado outra ofensiva conservadora
contra a classe trabalhadora: intervenção em mais de 400 importantes sindicatos,
fechamento do Partido Comunista e da CGTB; perseguição a todos os sindicalistas
independentes. Com a eleição de Vargas em 1950, os direitos individuais e coletivos
retornam a normalidade, principalmente com a extinção do ‘atestado ideológico’.
Durante o governo Vargas e, após o suicídio do presidente em agosto de 1954, o
partido coordenou uma ampla articulação de setores nacionalistas para a formação de
uma frente democrática, dando inicio à aliança do Partido Comunista com o Partido
Trabalhista Brasileiro, que congregava sindicalistas getulistas. Um novo período de
colaboração de classes se esboçava, “ajudando a colocar o movimento sindical em função
dos interesses de determinados setores burgueses. Tal tendência refletiu-se logo no
refluxo da luta pela autonomia sindical e pela destruição da estrutura sindical
corporativista. O movimento sindical passou a acomodar-se”.
A hegemonia desses setores dentro do partido e dentre os sindicalistas comunistas
crescia ano a ano. A reação de militantes comunistas vem a ocorrer com mais força em
1962, numa Conferência Nacional Extraordinária, quando foi reorganizado o Partido
Comunista do Brasil, adotando a legenda PC do B. No mesmo ano, foi criado o Comando
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Geral dos Trabalhadores – CGT, uma central que colocou em pânico as elites com a
perspectiva daquilo que eles chamavam de “República Sindicalista”.
A orientação cupulista para o sindicalismo continuava com forte influencia em
importantes estruturas sindicais, a exemplo das Confederações: dos trabalhadores na
indústria – CNTI; dos trabalhadores no comercio – CNTC; dos trabalhadores em transporte
marítimos, fluviais e aéreos – CNTTMFA; dos trabalhadores em empresas de credito –
CONTEC; e suas Federações Estaduais. Contudo, esta aparente força não se materializa
em reação dos trabalhadores e das suas organizações, ao golpe militar que depôs João
Goulart.
A nova conjuntura forçou o movimento sindical combativo a recuar. As tentativas
mais importantes de contrapor-se à perseguição policial e ao arrocho salarial revelaram as
limitações existentes e os dilemas em que o movimento operário se debatia, a exemplo
das greves de Contagem – MG e de Osasco – SP em finais da década de 1960.
Essa época de recuo durou até 1977, quando o país voltou a mover-se, exigindo o
fim da ditadura, anistia aos políticos perseguidos, o fim da alta do custo de vida, etc. Em
1978, ocorre a primeira grande greve operaria no ABC. A partir de 1988, os dirigentes
sindicais comunistas ligados ao PC do B, passaram a se organizar na Corrente Sindical
Classista.
ALGUNS REFERENCIAIS DO SINDICALISMO CRISTÃO
A partir da encíclica Rerum Novarum (Das coisas novas), publicada pelo Papa Leão
XIII, em 15 de maio de 1891, a Igreja Católica adota oficialmente uma doutrina para a sua
atuação no movimento social, principalmente no sindicalismo. Até esta data, essa
instituição ainda preservava suas tradições elitistas e aristocráticas, próprias de período
feudal.
Durante o feudalismo, a Igreja possuía grande poder. Ela era a maior propriedade
feudal da Europa, controlando cerca de 1/3 das terras agricultáveis. Exercia com
exclusividade o poder religioso, sendo o poder espiritual do sistema em vigor. E era
também o poder político. Os feudos, dispersos e constituindo-se como mini-Estados,
dependiam da instituição religiosa para manter o controle político. A Igreja exercia esse
poder, via seus tabus ideológicos, para preservar a “pureza da alma humana” e através da
repressão - tão marcante no período da Inquisição.
A igreja resistiu violentamente ao fim do feudalismo. Segundo o sermão mais
conhecido na Europa no século XVI, “Deus fez clérigos, mas os demônios fizeram a
burguesia”. O capitalismo, entretanto vigora, a Igreja perde poder, tanto econômico, como
político. Posteriormente, entretanto, a própria burguesia dá espaço para a refundação da
Igreja. Depende dela também para controlar o jovem proletariado. A Igreja se adapta ao
novo sistema social, apesar de num primeiro momento manter suas tradições
aristocráticas.
Esse conservadorismo não corresponde à mentalidade emanada do novo sistema.
As relações capitalistas de produção enfraquecem os preconceitos religiosos. O
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proletariado, diferente do servo camponês, é um homem “livre”. Surgem os primeiros
conflitos de classe, o luddismo, as greves, e também as novas formas de organização dos
explorados - os sindicatos e as cooperativas. Parcelas da jovem classe operária se
aproximam das idéias anarquistas e marxistas. A Igreja perde base social. A religiosidade
popular não garante mais a sustentação da instituição católica. Daí o surgimento da
Rerum Novarum, que é um marco na viagem da Igreja católica com vista aos movimentos
sociais.
De acordo com essa encíclica papal, existe no capitalismo “uma desigualdade
natural, necessária e conveniente para o homem. Os exageros de injustiças devem ser
reformados, procurando encontrar-se função social” do capital, para torná-lo um sistema
“justo e eqüitativo”. Entre capital e trabalho não deve haver antagonismos, luta de classes
obedecendo-se os princípios da “caridade cristã”. A Confederação Internacional dos
Sindicatos Cristãos, central sindical fundada no Congresso de Haia, em 1920, chega a
afirmar que “a vida econômica e social implica a colaboração de todos os filhos de um
mesmo povo.” Rejeita, portanto, a violência e a luta de classes.
A Rerum Novarum vai criticar tanto o socialismo como o liberalismo. O para
qualifica o pensamento socialista como falso, porque prega a supressão da prioridade
privada - “que é um direito natural dos homens”. Além disso, Leão XIII considera as idéias
socialistas subversivas, “porque gera ódios e extingue nos homens o estímulo ao
trabalho”. Para a Rerun Novarum, “o capital e o trabalho devem viver em colaboração um
com outro, obedecendo aos princípios da caridade cristã”. Ela confia a sorte dos
trabalhadores à ação do Estado, que deve estabelecer leis para proteção e promoção do
ser humano. A encíclica propunha a criação dos sindicatos aos moldes das antigas
corporações de artesãos e também estimulava a formação de associações mutualistas.
Com base nessa doutrina, os militantes católicos atuaram no sindicalismo com
uma concepção reformista, de conciliação de classes. Eles rejeitaram energicamente as
greves e outras formas de confronto. Defenderam o papel assistencialista dos sindicatos.
Para realizar as reformas graduais no capitalismo, afirmam que o terreno propício é a
própria Igreja - já que ela reúne patrões e empregados, “filhos de um mesmo Deus”. O
fundamental é a paz social, a harmonia entre as classes, tendo como mediadora a Igreja que dessa forma tenta readquirir o seu poder político.
Outra característica fundamental do sindicalismo cristão é o anticomunismo.
Muitos historiadores, inclusive católicos, afirma que a Igreja só passou a se preocupar
com o movimento sindical como forma de se contrapor ao aumento da influência das
idéias revolucionárias. “Ela nasceu, sobretudo para enfrentar o avanço do socialismo,
particularmente a revolução social do marxismo”, explica José Cândido Filho, autor do livro
“O movimento operário: o sindicato e o partido”.
Miguel Gonzáles Núniz acredita que uma das causas do fraco desenvolvimento da
corrente cristã é que ela não atuará nos sindicatos como organismos de luta por
conquistas materiais, mas para “proteger os trabalhadores católicos contra os perigos
socialistas”. Outra razão, segundo o autor, é que “o sindicalismo cristão aparece
tardiamente (43 anos depois do Manifesto Comunista de Marx e Engels), quando as
massas proletárias, desiludidas também no plano espiritual (desconfiança da irmandade
capitalismo-poder-igreja), haviam abandonado as Igrejas, católicas ou protestantes, ou
melhor, tinham sido abandonadas por estas”. Os estatutos dos Círculos Operários
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Católicos no Brasil são bem elucidativos. Um dos primeiros itens de seu objetivo era o
“combate ao comunismo”.
A Igreja advoga a separação dos católicos dos que professam confissões e idéias
diferentes, seu temor era o contágio dos fiéis com as novas idéias. Essa tese, que leva à
fragmentação da organização sindical, foi levada à prática em vários países,
principalmente na Europa.
SINDICALISMO CRISTÃO NO BRASIL
Desde o início da atuação organizada dos católicos no sindicalismo brasileiro,
tendo a frente o cardeal Sebastião Leme, a Igreja organizou os círculos operários, que
atuavam por fora dos sindicatos existentes. Na Constituinte de 1934, os deputados
vinculados à Igreja defenderam, juntamente com a reação, a implantação do pluralismo
sindical - que inclusive é aprovado.
Em pleno Estado Novo, a hierarquia católica apresenta ao ditador Getúlio Vargas a
proposta de transformar os aproximadamente 400 círculos operários católicos existentes
em sindicatos paralelos. E na Constituinte de 1945, mais uma vez, os deputados eleitos
com o apoio do LEC (Liga Eleitoral Católica), defendem, juntamente com os parlamentares
da UDN, a implantação do pluralismo sindical.
Os Círculos Operários, Escolas de Lideres Operários e Movimento de Orientação
Sindical, foram responsáveis pela formação de inúmeras lideranças sindicais em todo o
país. Estas lideranças estiveram ao lado dos conspiradores do golpe militar de 64. Vários
materiais foram publicados nesse sentido, dentre eles, um livreto muito difundido “Como
combater os comunistas nos sindicatos”, da Federação dos Círculos Operários de São
Paulo, escrito por Frei Celso em 1964.
As mudanças que a Igreja vivia a nível internacional tiveram influencia decisiva
nesse quadro. O Concilio Vaticano II já havia apontado o caminho da realização do reino
de Deus neste mundo neste mundo, uma direção que seria seguida por enorme parcela
do clero brasileiro que, por sua vez, influiria de forma também decisiva na modernização
do clero latino-americano e na formulação da Teologia da Libertação.
A Igreja do Nordeste foi pioneira nas criticas radicais contra o regime. Em 1966,
com o apoio da Regional Nordeste II da CNBB, o manifesto “Nordeste, desenvolvimento
sem justiça”, uma forte denúncia do regime e da situação da classe trabalhadora. O
documento foi confiscado pela policia e os bispos foram proibidos de publicá-lo D. Helder
Câmara, bispo de Recife, foi acusado de comunista e ameaçado de prisão.
As profundas mudanças promovidas pelo CELAM (Conselho Episcopal Latino
Americano) em Medellín, em 1968 (confirmadas em Puebla, em 1979), que
recomendavam a opção preferencial pelos pobres, fundamentavam a atuação dos
progressistas da Igreja brasileira. Um dos resultados mais visíveis das mudanças
promovidas em Medellín foram as comunidades eclesiais de base – CEBs, que
proliferaram nas grandes e medias cidades brasileiras a partir de finais da década de
1960, como importantes instrumentos de organização e mobilização. Calcula-se que no
auge do movimento, no final da década de 1970, seu numero chegou a atingir entre 50 a
100 mil CEBs, em todo o país, envolvendo mais de 2 milhões de filiados.
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Quando o movimento operário brasileiro atingiu novo patamar, na onda de greves
iniciada em 1978 os militantes católicos tiveram papel destacado na reorganização do
movimento sindical, no afastamento das diretorias pelegas dos sindicatos e,
principalmente, na articulação do Partido dos Trabalhadores. O assassinato de Santo Dias
da Silva, no ano seguinte, levou a uma maior intensificação das manifestações, ele que
era dirigente da Pastoral Operaria e muito próximo de D. Paulo Evaristo Arns, tornou-se um
dos mártires da luta operaria.
A aproximação entre militantes da oposição sindical, de movimentos de base, e
lideranças católicas, acelerou-se com as greves. Um importante encontro de lideres de
pastorais operarias, de movimentos populares, de comunidades eclesiais de base,
oposições sindicais, e ativistas ligados às novas diretorias sindicais “autenticas” ocorreu
em João Monlevade, Minas Gerais, em fevereiro de 1980, onde foram estabelecidos
“alguns princípios básicos ligados à luta pela democratização da estrutura sindical”.
Em junho de 1982, essas forças politicas formaram a ANAMPOS (oficialmente, IV
Encontro Nacional da Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindicais), em
Goiânia. Em 1983, esse movimento culminou na fundação da Central Única dos
Trabalhadores – CUT, com o apoio da imensa maioria dos militantes católicos e, militantes
de outras concepções e correntes políticas.
QUADROQUADRO-SÍNTESE
POSIÇÕES
MEIOS PROPOSTOS
OBJETIVOS
Luta contra as injustiças.
Desenvolver a função social do
capitalismo, em vista de uma
sociedade fraterna e justa.
Evitar o agravamento dos
conflitos sociais.
• Combate ao comunismo
•
• Sem violência.
•
• Colaboração entre as classes.
• Formação
ideológica
de
•
lideranças sindicais
1. CRISTÃOS
(católicos)
•
•
•
•
2. AMARELOS
AMARELOS
Sem violência.
• Realização do reino de Deus
Teologia da Libertação
neste mundo
Opção preferencial pelos pobres
• Denúncia do regime e da
Organização social de base (CEBs
situação da classe trabalhadora
e as Pastorais)
• Redemocratização do país
• Reorganização do movimento
sindical no campo e na cidade
• Colaboração de classes.
• Continuidade do capitalismo.
• Sindicatos
e
organizações • Negação da existência da luta
comuns
(entre
patrões
e
de classes.
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3. COMUNISTAS
4. ANARQUISTAS
operários).
• Sindicatos assistencialistas.
• Sociedade harmoniosa.
• O
Partido
é
o
principal
instrumento de luta.
• Combinação de ação legal e
clandestina.
• Participação parlamentar.
• Greve.
• Insurreição.
•
•
•
•
•
•
• O Sindicato é o principal
instrumento de luta.
• Ação direta contra o Estado e os
patrões.
• Antiparlamentarismo.
• Antipartidarismo.
• Estrutura Sindical federativa.
• Greve geral insurrecional.
• Contra a liberação de dirigentes
sindicais.
• Destruição do capitalismo,
• Revolução proletária.
• Sociedade sem classes, sem
Estado.
• Auto-gestão.
• Internacionalismo proletário.
Destruição do capitalismo.
Fortalecimento do Estado
Revolução proletária.
Ditadura do Proletariado.
Socialismo e Comunismo.
Internacionalismo proletário.
BIBLIOGRAFIA
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GIANNOTTI Antônio e NETO Sebastião - CUT Ontem e Hoje, Editora Vozes - 1991.
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A HISTORIA DAS NOSSAS RAÍZES: ITINERÁRIO DAS LUTAS DOS
TRABALHADORES (AS) RURAIS NO BRASIL E O SURGIMENTO DO SINDICALISMO RURAL
Maria do Socorro Silva34
"Da desparecença dos tempos aprendo as tranças e tramas das novas lições."
Gonzaguinha
PARA INICIO DE CONVERSA
Nos colocamos, nesse momento, diante do desafio de trazer ao debate
questões que se inserem nas reflexões em torno do enraizamento histórico do
sindicalismo rural no Brasil, ou seja, o processo no qual é gestado a dinâmica do
movimento sindical dos trabalhadores(as) rurais (MSTTR), que se traduz, concretamente,
num amplo imbricamento de ações. Porém, considerando os limites a que nos propomos
discutir o assunto em pauta, nesse texto, restringeremos nossa análise a elencar alguns
movimentos ou lutas que contribuíram para esse processo, como se constituiu a estrutura
sindical oficial no Brasil.
Os movimentos sociais do campo vem se constituindo ao longo da nossa
história, como sujeitos coletivos, onde constroem uma identidade e organizam práticas
que visam defender direitos, interesses e projetos. Esse processo se dá através de lutas
de resistências, de organização, mobilização que se constroem nos locais de trabalho, na
roça e na comunidade. É na teia de constituição dessas lutas que se forjam as condições
para a tomada de consciência do que significa ser trabalhador(a) rural.
Desde a chegada dos colonizadores portugueses que tivemos, em nosso país
conflitos e rebeliões populares formados por complexa composição étnica, social e
ideológica – índios, caboclos, camponeses, escravos, alfaiates, barqueiros, religiosos,
seleiros, etc - com proporções e alcances distintos, ora manifestando-se como amplos
movimentos de massa construindo novas formas de organização social, política e
econômica, ora manifestando-se como ações específicas e localizadas ou movimentos
messiânicos, de confronto com a opressão, a miséria, a dependência, a ausência de
direitos, a luta pela posse da terra e por melhores condições de vida e de trabalho nas
sociedades Colonial, Monárquica35 e Republicana36
A proclamação da República (1889), juntamente com a Abolição da
escravidão (1888), marcam um dos momentos de maior transformação social já vivido
pelo país. A chamada Primeira República, que se segue, é o período de delineamento da
identidade social e política do trabalhador brasileiro. Evidentemente, havia anteriormente
trabalhadores, mas não uma classe trabalhadora. Até então, quem trabalhara no Brasil
foram os escravos e a sociedade imperial escravista desmerecera inteiramente o ato de
34
Pedagoga e Psicóloga. Professora da Faculdade de Educação da UnB/UFCG. Doutoranda em Educação da
UFPE.
35
No período Imperial tivemos apenas o nascimento das primeiras organizações operárias. No começo do século
XIX já existiam algumas associações de artesãos, mas organizadas sob a forma de irmandades religiosas. As
primeiras organizações operárias, sem um caráter essencialmente religioso, foram associações voltadas para a
ajuda mútua em situações de doença, acidentes no trabalho, invalidez, etc..
36
A primeira constituição republicana foi a de 1891 - assegura o direito à associação e a reunião deixando em
aberto qual seria o tipo de organização, surgiram então às primeiras organizações de socorros mútuos, caixas
beneficentes, sociedades de resistência, bolsa de trabalho.
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trabalhar.
No século XIX, começamos a ter uma nova configuração, primeiro com a
chegada dos primeiros colonos europeus não-portugueses, para o cultivo do café, a partir
de 1819, suíços, alemães, italianos, todos agricultores pobres atraídos para o Brasil por
promessas de terra, que passaram a ocupar áreas ainda não utilizadas, nas regiões Sul e
Sudeste, principalmente sobre a forma de parceria ou colonato, com isso tivemos uma
intensificação dos conflitos por terra e pela libertação dos escravos.
Juntamente com o processo de luta contra a escravidão vamos ter a
afirmação das leis de locação de serviços que visam regular o trabalho assalariado, (1830,
1837), os trabalhadores não poderiam romper seus contratos a não ser que pagassem ao
patrão quantia correspondente e se não o fizessem estariam sujeitos à prisão com
trabalhos forçados até pagar suas dívidas.
Em 1850, o império restringiu o direito de posse da terra por meio da Lei de
Terras. Essa Lei significou o casamento do capital com a propriedade de Terra, pois a
partir desse momento a terra foi transformada em uma mercadoria a qual somente quem
já dispunha dela e de capital pudesse ser proprietários, isso impedia que os ex-escravos,
brasileiros pobres, os posseiros e os imigrantes pudessem se tornar proprietários, mas sim
constituísse a mão de obra assalariada necessária nos latifúndios, segundo José de Souza
Martins, professor da USP: “Enquanto o trabalho era escravo, a terra era livre. Quando o
trabalho ficou livre, a terra ficou escrava”.
Nesse mesmo período, milhares de nordestinos, fugindo da seca e da crise
econômica dos engenhos de açúcar, foram para o norte, trabalhar na extração dos
produtos da floresta, principalmente a borracha e a castanha, que tiveram um grande
peso na formação da atual população de agricultores familiares amazônicos.
O resgate do itinerário de algumas dessas lutas que são raízes da
organização do campo brasileiro, e do surgimento, do sindicalismo rural brasileiro, podem
sinalizar para descobertas importantes na construção de uma sociedade mais justa, e no
fortalecimento das organizações no momento atual.
PRIMEIRO MOMENTO: DAS LUTAS PELA LIBERDADE AO SURGIMENTO DO
SINDICALISMO RURAL
“O movimento para a liberdade, deve surgir e partir dos
próprios oprimidos, e a pedagogia decorrente será aquela que tem que ser
forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta
incessante de recuperação de sua humanidade". vê-se que não é suficiente
que o oprimido tenha consciência crítica da opressão, mas, que se
disponha a transformar essa realidade; trata-se de um trabalho de
conscientização e politização.”
Paulo Freire
1.Lutas e mobilizações pela liberdade
A luta dos trabalhadores (as) rurais brasileiros pela posse da terra, visando
garantir melhores condições de trabalho e de vida fazem parte da história do povo
brasileiro: lutas de tribos indígenas, movimentos de escravos, revoltas como da
Cabanagem e Balaiada, litígios e reações de parcela das populações pobres foram uma
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constante ao longo da nossa história.
Durante todos esses períodos tivemos ações populares de intervenção na
ordem social, práticas reprimidas de participação social e política do povo que colocaram
em ebulição os direitos políticos e sociais, antes que a cidadania e a sociedade civil se
estabelecessem entre nós, e que tiveram nos camponeses (as) sujeitos protagonistas de
várias dessas lutas e mobilizações.
a) Quilombos
Nos quilombos refugiavam não só escravos foragidos, como também índios e
pobres livres. Um dos mais importantes quilombos de nossa história foi Palmares foi
construído no fim do século XVI e resistiu até o fim do século XVIII, chegou a reunir mais de
20 mil habitantes, localizava-se na Serra da Barriga entre Pernambuco e Alagoas, e era
governando por um rei (sendo o mais conhecido Zumbi) e um conselho formado por chefes
dos quilombos. O sistema de vida e produção organizado em Palmares pode resistir a
economia patriarcal e escravocrata, com uma cultura e economia baseada na policultura,
na organização coletiva da produção e na resistência e combate a escravidão.
Durante sua existência foram feitas varias tentativas de destruir Palmares.
Por fim, o governo de Pernambuco solicitou a ajuda do bandeirante paulista Domingos
Jorge Velho, que preparou uma expedição para derrotar os fugitivos. Também ele falhou
nas primeiras tentativas, mas não desistiu. Organizou um exército realmente poderoso e
voltou ao ataque. Mesmo assim, a resistência dos quilombolas foi tão grande, tão valente,
que a luta durou perto de três anos.
Os negros tinham uma desvantagem: estavam cercados. Enquanto os
atacantes podiam conseguir reforços e munições de fora, principalmente contando com o
interesse do governo, os quilombolas encontravam-se sozinhos e apenas podiam contar
com o que possuíam. É claro que, um dia, a munição dos sitiados tinha de se esgotar.
Quando isto se deu, muitos negros fugiram para o sertão. Outros se suicidaram ou
renderam-se aos atacantes.
b) Missões
A luta dos indígenas ao longo da nossa história apresenta raízes de uma
organização camponesa, principalmente por meio das missões, os exemplos mais
conhecidos são: a Confederações dos Tamoios, Guerra dos Guaranis e a Guerra dos
Bárbaros.
A Confederação dos Tamoios
Em 1562, aliaram-se aos franceses tomaram a Baía de Guanabara. Não fora
difícil aos franceses conquistar os tamoios, homens altivos, que há tempos lutavam contra
portugueses, que pretendiam escravizá-los. A paz foi conseguida pelos padres José de
Anchieta e Manuel da Nóbrega.
Guerra dos Guaranis
Em 1750, o Tratado de Madrid determinou novos limites entre os impérios
coloniais de Portugal e Espanha. Na área do estuário do Prata, pelo novo acordo, a
Espanha trocava os Sete Povos das Missões, na margem esquerda do rio Uruguai, pela
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Colônia do Sacramento, dos portugueses. Os governos de Madrid e Lisboa tomaram
decisões sem levar em conta os interesses dos jesuítas e guaranis. Em 1752, enviaram
comissões para tornar efetivas as mudanças previstas no Tratado.
Os Guaranis se revoltaram e se organizaram para defender suas terras. Mas
os portugueses e espanhóis se uniram contra os rebeldes. Em 1754, começou a Guerra
Guaranítica, que durou dois anos. Melhor equipado, o exército europeu massacrou os
guerreiros guaranis, liderados por Nicolau Ñeenguiru e Sepé Tiaraju. Obrigados a sair,
alguns sobreviventes foram para as reduções da margem direita do Uruguai.
A guerra não resolveu as questões de limites, pois, além dos índios, os
portugueses da Colônia do Sacramento também não estavam satisfeitos com a troca de
terras. Portugal e Espanha voltaram atrás, anulando o Tratado de Madrid em 1761. Com
isso, os Guaranis continuaram a ocupar a área dos Sete Povos. Mas já não existia o
entusiasmo de antes e as mesmas condições de resistência e luta.
Guerra dos Bárbaros
Essa guerra durou vinte anos, a partir de 1682, e foi empreendida pelos
cariris. O cenário dessa guerra foi uma extensa área do Nordeste, particularmente nos
vales do Rio Açu (atual Piranhas) e Jaguaribe. Todavia, estes bravios guerreiros, apesar
das degolas, dos aprisionamentos, cativeiros e reduções em aldeamentos jesuíticos que
sofreram ao longo dessa história que lhes fora imposta, resistiram por cerca de mais vinte
anos sempre lutando como podiam pela posse de suas terras e na tentativa de vencer as
injustas estratégias da dominação colonial.
2. Lutas messiânicas – 1888 e a década de 1930
As lutas messiânicas se caracterizam pela existência de uma
liderança messiânica. Isso significa que a fé era a ligação entre ele e seus seguidores. Ë
por isso que alguns autores chamam as revoltas camponesas do período de lutas
messiânicas. Dentre essas podemos destacar:
a) Canudos a terra prometida
Os/as trabalhadores rurais e escravos peregrinavam pelo sertão, atrás do
beato Antônio Conselheiro, até se estabelecerem no Arraial do Canudos. Criou-se um
povoado em que o trabalho cooperado foi essencial para a preservação da comunidade.
Todos tinham direito a terra e desenvolviam a agricultura para auto-consumo, envolvendo
todos os membros da família. Na comunidade havia um fundo comum destinado a
proteção dos velhos e aos doentes. Chegou a ter cerca de 10 mil habitantes. Entre outubro
de 1896 e outubro de 1897, mais de 5 mil soldados do exercito e armamentos pesados
de guerra foram envolvidos no ataque ao arraial.
b) Guerra do Contestado
Em 1912, o governo concedeu uma enorme extensão de terras à empresa
norte-americana Brasil Railway Company, no trecho previsto para a construção da ferrovia
São Paulo-Rio Grande do Sul. Ao final da construção da ferrovia, cerca de 8 mil
trabalhadores ficaram desempregados e passaram a perambular pela região a procura de
trabalho. Nesse momento surgiu na região de Campos Novos e Curitibanos, em Santa
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Catarina, um movimento camponês de caráter político-religioso, liderado pelo monge José
Maria. Inicialmente ficaram numa área de disputa entre Paraná e Santa Catarina, por isso
chamado de Contestado, que chegou a cerca de 20 mil pessoas. Em 1915, os lideres
lançaram um manifesto monarquista e declararam a “guerra santa” contra os coronéis, as
companhias de terras e as autoridades governamentais. O arraial foi dizimado quando o
governo enviou cerca de 07 mil soldados do exercito, até mesmo aviões foram utilizados
pra localizar os redutos rebeldes.
c) Guerra do Caldeirão
Uma luta de resistência camponesa, contra os latifundiários, que aconteceu
no Ceará, na Chapada do Araripe, no período de 1926-1937, quando foram assassinadas
mais de 400 pessoas. O nome Caldeirão refere-se a uma depressão no relevo, onde se
encontrava água cristalina durante todo o ano. A área pertencia ao padre Cícero - famoso
religioso e político da época - que a entregou ao beato Zé Lourenço e seus seguidores para
trabalharem na terra. O Caldeirão ficou auto-suficiente. Sua fama crescia e já influenciava
outras cidades, porque tinham uma produção diversificada: agricultura, artesanato,
confecção de redes, roupas, calçados, etc. Todas as ferramentas necessárias para o
trabalho eram feitas na própria comunidade. Os produtos excedentes eram vendidos em
Juazeiro e no Crato. Ninguém se considerava dono de alguma coisa. Todavia, a grande
concentração de camponeses naquelas terras chamou a atenção dos fazendeiros, que,
temendo o aumento da organização dos trabalhadores e uma possível ocupação de suas
terras, iniciaram uma guerra contra os camponeses para destruir Caldeirão. A força militar
chega ao sítio e os moradores resistem à destruição, casas são incendiadas e pessoas
mortas, mais não conseguem vencer a comunidade. Dias depois, retornam usando dessa
vez aviões, acontece o segundo bombardeio aéreo sobre civis na história do Brasil. (o
primeiro foi em 1912, Contestado), destruindo assim o povoado.
3. As lutas prépré-sindicalistas
a) As colônias anarquistas
A chegada dos imigrantes para trabalhar nas lavouras do café dos grandes
fazendeiros vai trazer mudanças no perfil do campesinato brasileiro. Além de ser
explorado com baixa remuneração (a família toda precisava trabalhar para a subsistência),
o colono ainda sofria a especulação do fazendeiro, pois era obrigado a comprar o que
precisava pelo dobro do preço, nos seus armazéns, desta forma estava sempre devendo
ao fazendeiro. Recebiam um preço de terra onde desenvolvia uma cultura de autoconsumo, no entanto, ao chegar à época da colheita, muitos eram expulsos, sofrendo as
mais variadas injustiças e perseguições. A exploração imposta faz com que se organizem
ainda que de forma clandestina (já que o Ato Adicional de 1834 proibia toda e qualquer
associação de ofício): surgem as primeiras associações de socorro mútuo, os mutirões, e a
organização de núcleos e colônias que serão precursores do sindicalismo brasileiro.
A formação de núcleos ou colônias, tais como a Colônia Cecília, Colônia
Leopoldina, Colônia Nova Itália, organizadas sem propriedade individual, sem lei e sem
religião, e onde começaram a funcionar as “Escolas Internacionalistas”, que depois se
espalharam por outras áreas de imigração do sul do Brasil.
Além disso, os anarquistas começaram a se organizar nos sindicatos, cuja
ação deveria ser voltada para o desenvolvimento da consciência da classe, com repudio a
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idéia de organizar os trabalhadores em partido político, recusa intransigente ao
assistencialismo e mobilização permanente dos trabalhadores para ação direta contra os
patrões. Para os libertários a educação ocuparia um papel de destaque, pois era
considerado um veículo de conscientização e transformação das sociedades, sendo
responsável pela formação de novas mentalidades e ideais revolucionários. Articulavam a
educação entre si, em três dimensões: a educação político-sindical37, a educação escolar
e as práticas culturais de massa.
Em 1907, é aprovada a Lei Adolfo Gordo para expulsar lideranças sindicais
estrangeiras (1907/1913- governo Hermes da Fonseca). Esse processo vai ser
intensificado em 1917, quando a nível internacional, ocorria a Primeira Guerra Mundial, e
os anarquistas e socialistas faziam intensa propaganda anti-militarista, além disso, a
situação econômica para os trabalhadores (as) estava insuportável: carestia, desemprego,
recessão, reinava fome e miséria, culminando com a Greve Geral, sendo desencadeada
um processo de repressão e o uso intensivo da Lei Adolfo Gordo.
b) Posseiros da Rodovia RioRio-Bahia.
A valorização das terras da Região de Governador Valadores - MG devido à
perspectiva da construção da rodovia Rio - Bahia em 1940, ali viviam muitos posseiros,
sem perda de tempo, os supostos donos das terras começaram a aparecer de todos os
lados e impuseram aos posseiros a condição de derrubar a mata para formação de pasto,
eles só podiam plantar para subsistência. A partir de 1955 com a construção das rodovias,
começou o processo de expulsão dos posseiros. Eles começaram então a juntar os
posseiros para formar uma associação (visto que os sindicatos rurais ainda não eram
reconhecidos), essa organização foi até a década de 1964, quando foram presos e
torturados pela ditadura militar.
c) Trombas e Formoso
Em 1948, a construção da Transbrasiliana e o projeto de colonização dos
governo federal valorizaram as terras da região de Uruaçu, no norte de Goiás.
Trabalhadores provenientes do Maranhão e Piauí chegaram ao local liderado por Jose
Porfírio e estabeleceram posses numa área de terra devoluta, que estavam sendo griladas,
por um grupo de fazendeiros, um juiz e um dono de cartório da região. Eles queriam que os
posseiros saíssem das terras, e eles pagariam as benfeitorias feitas, a recusa foi geral.
Então os grileiros queimaram as roças e as casas dos camponeses, inclusive acarretando
a morte da mulher de José Porfírio. No final da década de 1950, com a contribuição do
PCB, toda a região estava organizada na Associação dos Lavradores de Trombas e
Formoso, a organização foi se afirmando, até a região se tornar um município e Jose
Porfírio foi eleito deputado estadual em 1962. Os posseiros ganharam muita força na
região e formaram vários sindicatos, o que foi desmentalado em 1964, com o golpe
militar. Depois de viver na clandestinidade, José Porfírio, foi preso em 1972, foi solto no
ano seguinte e desapareceu.
37
Desde esse período a necessidade de formação sindical já se fazia presente entre as organizações, já
colocavam a educação em suas diferentes dimensões sinalizando para o que chamamos hoje de formação
programada (cursos, seminários, oficinas, etc), e a formação na ação que ocorre no cotidiano da organização, nas
comunidades, no trabalho, mobilizações, intercâmbios, pesquisas, sistematização coletiva de experiências.
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c) Influência
Influência do Partido comunista formação do Bloco Operário e Camponês
(BOC)
A mudança de ênfase no PCB sobre a realidade brasileira, que identifica a
realidade brasileira como sendo de um capitalismo agrário semi-feudal, leva o partido a
formar o Bloco Operário e Camponês (BOC) em 1927, incorporar a luta contra a política da
oligarquia, buscar aliança com a Coluna Prestes e atuar na área rural brasileira.
A análise da sociedade como sendo um país semi-feudal, onde a revolução
seria feita por etapas: a primeira, de caráter nacional e democrático, seria anti-imperialista
e anti-feudal, para isso teria que fazer alianças entre o operariado e o campesinato; a
segunda, de caráter socialista. Essa tese se fundamenta na revolução leninista, pois para
Lênin, a etapa primeira representada pela revolução democrático-burguesa é constituída
pelo desenvolvimento do capitalismo. Embora esse processo revolucionário deva estar sob
a direção política do proletariado, suas tarefas consistem em desenvolver as forças
produtivas capitalistas (modernas), a fim de que possam ser eliminadas as antigas formas
de produção ainda existentes nessas sociedades atrasadas. Por isso, a estratégia
fundamental no operariado não pode basear-se na luta contra o capital, mas sim numa
aliança com o campesinato para enfrentar o feudalismo. É esse caráter democráticoburguês que a proposta do BOC confere, a partir de 1928, à luta de classes.
As divergências com relação a essa aliança, os resultados da revolução de
1930 e as definições do comunismo internacional levaram a uma re-orientação para a
“obreirizaçao”, que consistia em substituir os intelectuais por operários nos cargos e
instâncias partidárias e o fim do BOC.
Na verdade essa aliança acabou tendo uma dimensão mais eleitoral de
assegurar candidaturas que assegurassem a defesa dos interesses proletários, daí a
necessidade de ampliar sua ação e se aproximar de outras organizações progressistas.
Daí os acenos a setores da pequena burguesia como forma de romper o bloqueio à ação
política que lhe era imposto não só pelas classes dominantes como também pela sua
própria fraqueza interna. Com isso entendemos porque o BOC vai centrar sua ação nas
questões sociais, sem questionar o sistema social vigente, pleiteando, reformas
modernizadoras.
Essa aliança retoma na ação do partido na década de 1960 com a
participação na organização das Ligas Camponesas e dos sindicatos rurais.
SEGUNDO MOMENTO: A IMPLANTAÇÃO DA ESTRUTURA SINDICAL NO BRASIL NO
CONTEXTO DO ESTADO NOVO
“Ninguém tem liberdade para ser livre, pelo contrário, luta por ela
precisamente porque não a tem”
(Freire, 1978).
O fim da primeira guerra mundial (1914-1918), a revolução russa (1917), a
quebra da bolsa de Nova York (1929), a crise do café, o movimento tenentista e a coluna
Prestes marcou uma grande seqüência de manifestações de operários, artistas, militares,
camponeses que começaram a reinvidicar a suspensão do pagamento da dívida externa, a
reforma agrária, a elaboração de uma legislação protegendo os trabalhadores rurais e
colonização em terras devolutas com base em pequenas propriedades.
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A revolução de 1930, inaugura as condições que permitiriam no decorrer dos
anos seguintes, a modernização conservadora e a construção do Estado Moderno, criador
de classes sociais modernas (burguesia industrial e proletariado), e o fortalecimento de
uma classe média urbana, que insatisfeita com o domínio imposto pelas oligarquias
agrárias. Lideradas pelo seu segmento mais radical, os “tenentes”, desencadeiam um
ciclo de movimentos armados, cujo início é a revolta do Forte de Copacabana (1922),
sucedendo-lhe a chamada Revolução de São Paulo, que culmina com a formação da
Coluna Prestes (1924-1927).
As oligarquias agrárias, ligadas á lavoura de exportação, entram enquanto
classe, num persistente processo de decadência econômica, embora o sistema político
continue fortemente influenciado por ela, que mostrou uma capacidade insuspeita de se
manter no controle do poder político ate 1964. É importante notar que a oligarquia agrária
foi capaz de diversificar seus negócios expandindo-se em atividades urbanas, e aproveitarse do capital industrial, através de associações, sem perder sem abrir mão do
autoritarismo e conservadorismo, e sua vinculação com o rural, o que lhes garantia e
fortalecia seus currais eleitorais.
Os industriais que querem controlar o poder, o Estado, não tem força para
fazê-lo sozinhos; apelam, então, para uma aliança com a classe operária e a chamada
“classe média”, tendo Getúlio Vargas com seu representante, constituindo a aliança entre
desiguais – populismo brasileiro- para permitir a consolidação do poder dos industriais
contra o poder da oligarquia rural, essa aliança que se afirma na Região Sudeste, não
consegue se estruturar no restante do Brasil.
É dentro desse contexto que o Governo Vargas assina em 15 de março de
1931, o decreto conhecido como Lei de Sindicalização (decreto 19.770, de 19 de março
de 1931). Até essa época todos os sindicatos eram formados por iniciativa de
trabalhadores de uma profissão ou categoria e se mantinham através das contribuições de
seus associados. Os sindicatos eram livres, independentes e funcionavam como
organismos de luta por melhores condições de vida e salário.
A lei de sindicalização definindo o sindicato como órgão de colaboração com
o poder público, servindo de pára-choques entre tendências conflitivas nas relações do
capital com o trabalho. Os diretores só podiam ser brasileiros natos ou com mais de 20
anos de residência, sendo obrigação do ministério do trabalho fiscalizar as assembléias e
contabilidade dos sindicatos.
A nova lei de sindicalização visava oficializar, ou seja, atrelar os sindicatos ao
recém criado Ministério do Trabalho. Pelo projeto governamental, os sindicatos deveriam
funcionar como um órgão de conciliação entre os trabalhadores e os patrões e como um
órgão de caráter assistencialista.
De fato, os objetivos básicos da Lei de Sindicalização eram claros: 1)
transformar o sindicato, de arma autônoma dos trabalhadores, em agência colaboradora
do Estado; 2) disciplinar o trabalho, considerando-o como mero fator de produção; e 3)
evitar a emergência da luta de classes, utilizando o sindicato como “para-choque, entre o
capital e o trabalho.
O projeto sindical populista de Vargas previa a adoção de leis que, na
verdade, eram conquistas ou reinvidicações dos trabalhadores ao longo de anos de luta,
as chamadas leis sociais: pensões de aposentadoria, jornada de trabalho de 08 horas,
proteção ao trabalho das mulheres e das crianças. A constituição corporativista de 1937 e
a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) consolidam a política varguista para o
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movimento operário, com a instalação da justiça do trabalho e a criação do imposto
sindical. A CLT exclui os trabalhadores rurais do direito a sindicalizar-se apesar de lhes
assegurar o direito ao salário mínimo.
A inexistência de uma organização no campo que aglutinasse essas
bandeiras, à época, foi um dos fatores que impediram a elaboração e a implementação de
uma legislação especifica para o campo.
A construção da estrutura sindical oficial (e a ideologia corporativista que lhe
dá suporte) não foi somente produto da repressão e do silêncio a que foram subjugados os
setores mais combativos e de esquerda do movimento sindical brasileiro. Foi também
resultado de uma série de medidas legais e político-ideológicas que engenhosamente
articuladas, dentre as quais a educação constituiu um dos mecanismos de propaganda e
de convencimento.
O estimulo a sindicalização era acompanhada por uma propaganda
doutrinaria que envolvia benefícios sociais advindos de um conjunto de leis trabalhistas, e
a divulgação de um regime sindical especifico, o regime corporativista, principalmente por
meio das práticas de formação sindical incentivadas pelo Ministério do Trabalho, nos
sindicatos dirigidos por ministerialistas ou ‘amarelos’.
Uma vez constituído o sindicato de acordo com a lei, exigia-se ainda, para o
seu reconhecimento o envio de seus estatutos ao Ministério do Trabalho para aprovação,
além da presença permanente nos sindicatos em assembléias e no controle das finanças.
Portanto, significando progressivamente a implantação de um projeto totalitário de poder.
No entanto, as influências das correntes comunistas e anarquistas criaram
organizações paralelas como foi o caso do Pacto da União Intersindical (PUI), organizado a
partir da greve de 1953, em São Paulo que chegou a aglutinar não só sindicatos mas
federações de mulheres, associações de bairro, entidades estudantis. Também o Pacto de
Unidade e Ação (PUA), de 1957, ou o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), de 1962,
deram certa autonomia e permitiram articular melhor as lideranças e deram mais vigor as
lutas dos trabalhadores (Abreu e Lima, 2005).
No que se refere à defesa dos direitos trabalhistas na área rural, foram
organizados sindicatos de forma localizada e isolada, além de associações mais voltadas
aos interesses dos pequenos produtores, como arrendatários, parceiros, posseiros e
pequenos proprietários. Embora existisse uma legislação que permitia a criação de
sindicatos, somente em 1944 através do Decreto 7.038 se autoriza de forma explicita a
sindicalização rural, porém esta lei não foi implementada. Assim até 1955, o Ministério do
Trabalho só tinha reconhecido o sindicato rural de Campos, Rio de Janeiro (que tinha sido
criado em 1938), o mais antigo do país, e em seguida: Barreiros, Rio Formoso e
Serinhaém, em Pernambuco; Belmonte, Ilhéus e Itabuna, na Bahia; Tubarão em Santa
Catarina.
Muitas eram as dificuldades para esse tipo de organização: a legislação
trabalhista era feita para os trabalhadores urbanos, não considerando a especificidade do
trabalho no campo, quase não existiam juntas de conciliação e julgamento nas cidades do
interior, o código civil não permitia a organização de sindicatos rurais, e os proprietários
rurais agiam de forma repressiva, inclusive acionando a polícia para reprimir qualquer
tentativa de organização e mobilização dos trabalhadores (as) rurais.
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TERCEIRO MOMENTO: OS CAMPONESES ORGANIZADOS COMO CLASSE
Somos gente nova vivendo a união
Somos povo, semente de uma nova nação, ê, ê
Somos gente nova vivendo o amor
Somos comunidade, povo do Senhor, ê, ê
Vou convidar os meus irmãos trabalhadores
Operários, lavradores, biscateiros e outros mais
E juntos vamos celebrar a confiança
Nesta luta na esperança de ter terra, pão e paz.
Zé Vicente
Após a segunda guerra mundial, houve uma aceleração do processo de
penetração capitalista, no campo, com a construção de grandes obras e expansão de
crédito.
Nesse processo, foram duramente atingidos os foreiros, parceiros, pequenos
proprietários e moradores de engenho (que tinham direito a cultivar a lavoura branca e a
obrigação de prestar três dias de serviço por semana ao proprietário).
Através da expulsão do morador, da supressão do direito do cultivo do sitio,
do aumento dos dias de cambão. Como reação a esse processo, as organizações
camponesas passaram a se contrapor, de forma articulada, contra as ações de despejo
acionadas pelos usineiros e latifundiários.
No período de 1954 a 1964, surgiram três grandes organizações
camponesas que deram uma outra fisionomia ao debate e as lutas dos camponeses (as)
no País:
a) Ligas camponesas
Em 1955, os donos do Engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão,
impuseram o aumento do foro e tentaram expulsar os foreiros da terra, que resistiram ao
processo de despejo, e começaram a participar da formação da Sociedade Agrícola dos
Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco (SAPPP), fundada inicialmente com fins
basicamente assistenciais, para fornecer assistência médica, jurídica, criar escolas e uma
caixa funerária para seus associados, e posteriormente, se tornando um movimento de
luta pela Reforma Agrária que se espalhou por vários Estados do Nordeste. “A repressão
atribuiu o nome de Ligas à organização desses trabalhadores para caracterizá-los como
comunistas, em alusão ao nome por estes utilizados para certas organizações
populares”(Abreu e Lima, 2005).
A partir das Ligas os camponeses organizados faziam um trabalho de
denúncia, agitação, resistência na terra e mobilizações. As ligas utilizavam diferentes
estratégias para organizar e formar os trabalhadores: conversas na feira, na missa, nos
locais de trabalho, boletins, cordéis, etc.
As Ligas se organizavam em “delegacias ou núcleos, por município, distritos
ou fazendas. Em âmbito local, eram compostas só de camponeses; no nível estadual além
das lideranças camponesas, envolvia profissionais liberais, intelectuais, estudantes,
parlamentares”. (Abreu e Lima, 2005).
b) União dos Lavradores e Trabalhadores
Trabalhadores Agrícolas – ULTAB
Mesmo na ilegalidade, o PCB manteve algum trabalho no campo, e em 1954,
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na II Conferencia Nacional de Lavradores, foi fundada a ULTAB, com a presença de 303
representantes de 16 estados, tendo-se discutido o direito a organização dos
trabalhadores rurais em associações e sindicatos, o direito de greve, a reforma agrária,
previdência social, adoção de medidas de apoio a produção etc.., sendo a primeira
experiência na perspectiva sindical no campo brasileiro.
c) Movimento dos Agricultores
Agricultores Sem Terra – MASTER
Surgiu no Rio Grande do Sul em 1950, a partir da resistência de 300
famílias de posseiros, inovava com relação às formas de luta, pois executava a ocupação
de terras, formando acampamentos e organizando estratégias de defesa, dentro das
terras dos latifundiários, em áreas previamente escolhidas.
Essas três organizações durante sua existência assumiram algumas lutas de
forma unificada, como por exemplo, a greve no setor canavieiro em Pernambuco, em
1963, que obteve conquistas significativas para a categoria ou a participação em
Congressos como o I Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas,
realizado em 1961, que embora explicitasse as divergências, marcou o reconhecimento
social e político da categoria camponesa e o reconhecimento do seu potencial organizativo
dentro da sociedade brasileira.
A partir, o movimento camponês cresceu e as discussões sobre a questão
fundiária ampliaram-se, atingindo outros setores da sociedade, inclusive a Igreja Católica,
que passou a atuar na perspectiva de fortalecer a posição da Igreja entre os camponeses
através da criação de sindicatos38.
A década de 1960 chega com o país falando de reformas de bases. As
principais eram a reforma agrária, reforma na educação e no sistema bancário. Nesse
período foi criado o Estatuto do Trabalhador Rural (1963), que concedia aposentadoria por
invalidez ou por velhice como resultado das lutas lideradas pelas Ligas Camponesas no
Nordeste, que aliavam as lutas por direitos trabalhistas e reforma agrária e do surgimento
dos sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, das federações e da CONTAG, o
que já era o bastante para deixar os latifundiários muito aborrecidos com o governo.
CAMPO:
PO: CONTAG
SURGE A PRIMEIRA ORGANIZAÇÃO SINDICAL NACIONAL NO CAM
Ainda que o gesto me doa, não encolho a mão: avanço
levando um ramo de sol.
Mesmo enrolada de pó, dentro da noite mais fria,
a vida que vai comigo é fogo: esta sempre acesa
Thiago de Mello
A existência das Ligas Camponesas, da ULTAB, do Master e a influência do
38
No Rio Grande do Norte, o então Bispo Dom Eugenio Sales funda em 1960 o Serviço de Orientação Rural
(SAR) uma organização beneficente da Igreja destinada a fundar sindicatos. Até 1962 48 sindicatos foram
fundados e 16 deles foram reconhecidos. Em Jaboatão (PE) o padre Crespo e o Padre Antonio Melo no Cabo (PE)
passam a criar sindicatos com um objetivo declarado de enfraquecer o avanço das Ligas Camponesas e do PCB.
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PCB e da Ação Popular- AP39, fizeram com que a organização dos trabalhadores(as) rurais
em sindicatos fosse acelerada, as bandeiras de lutas atualizadas e ampliadas e
estabelecidas linhas de ação comum.
Esse processo culminou na realização do 1º Congresso Nacional dos
Lavradores e trabalhadores agrícolas, em 1961, em Belo Horizonte coordenado pela
ULTAB, que reuniu 1.600 delegados de várias organizações. Articular nacionalmente as
lutas passou a ser uma das principais preocupações, apesar das diferentes correntes de
pensamento, de concepções e de formas de organização.
Em 1962, já existiam 42 federações, em alguns estados mais de duas: de
assalariados, de lavradores, de pescadores, de agricultores, de trabalhadores rurais,
sendo que 27 eram reconhecidas oficialmente pelo Ministério, que solicitou a realização
de um Congresso Nacional para criação da Confederação, o que ocorreu em 22 de
dezembro de 1963, com a participação de trabalhadores rurais de 18 estados,
distribuídos em 29 federações, sendo reconhecida em 31 de janeiro de 1964, pelo
Decreto Presidencial 53.517.
“A CONTAG torna-se a primeira entidade sindical camponesa de caráter
nacional reconhecida legalmente. Ajustou em seu interior diversas concepções e correntes
de pensamentos, desde os setores mais à direita, setores da Igreja, provenientes das
Ligas e os comunistas”. (Revista dos 40 anos da CONTAG).
A mobilização popular a favor das reformas amedrontou a classe dominante,
temiam que fosse apenas o começo de uma série de transformações radicais no país. A
resposta das elites veio de imediato no dia 31 de março de 1964, as tropas militares
ocuparam os pontos estratégicos do país, autoritarismo, desrespeito a constituição,
perseguição militar, prisão e tortura para os opositores e censura prévia nos meios de
comunicação, esse foi o quadro político criado pelo regime militar para arrasar toda
oposição a sua forma de governar o país.
Recém criada a CONTAG, na busca pela melhoria das condições de vida dos
trabalhadores do campo, pela reforma agrária, sofre de imediato a violência do golpe
militar sobre as lideranças de sua organização, que viu bandeiras de lutas políticas dos
trabalhadores, em especial, a da reforma agrária, serem colocadas em segundo plano.
Já em 1964, foi decretada a Primeira Lei de Reforma Agrária do Brasil
elaborada ainda no Governo João Goulart, acabou sendo promulgada com modificações,
pela ditadura militar, sendo denominada Estatuto da Terra, que por um lado definiu regras
para os contratos de arrendamento e parceria, como resposta as reinvidicações do
movimento sindical, e por outro incentivou o pacote da Revolução Verde, que obrigou
muitos agricultores familiares a saírem do campo, com um grande aumento da miséria na
área rural e nas cidades.
39
Foi formada em Belo Horizonte (MG), em 1962, a partir de grupos de operários e estudantes ligados à Igreja
Católica: a Juventude Operária Católica (JOC), Juventude Universitária Católica (JUC) e a Juventude Estudantil
Católica (JEC). Nos primeiros anos da década de 1960, ainda fortemente influenciada pelo ideário humanista
cristão, vinculada às estruturas formadas pela Igreja junto aos movimentos populares, a AP possuía penetração
entre operários, camponeses e estudantes, principalmente entre os últimos. A AP deslocou militantes para as
fábricas e para o meio rural, sendo efetuadas experiências em meios populares como o ABC paulista, da Zona
Canavieira em Pernambuco, da região Cacaueira da Bahia, da área de Pariconha e Água Branca em Alagoas, e
do Vale do Pindaré, no Maranhão. Foi da Juventude Estudantil Católica que partiram as primeiras discussões que
operaram mudanças políticas e ideológicas e sua transformação em uma organização marxista-leninista. Em
março de 1971, a AP formalizou a influência do marxismo e se proclamou partido com a denominação de Ação
Popular Marxista-Leninista (APML), que continuou sua ação política durante a ditadura (ACO, 1985).
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Logo na sua criação tinha sido constituída uma equipe de “educação
sindical” com o objetivo de capacitar lideranças e dirigentes a fim de mantê-los
informados, nas temáticas do movimento e da realidade social e política do país. A
formação sindical centrava sua ação na alfabetização dos trabalhadores (as), na difusão
de práticas agrícolas e cursos políticos para formar novas lideranças, que durante a
ditadura tiveram que atuar de forma quase clandestina.
“Após a intervenção, foi constituída uma Junta Governativa que durante um
ano administrou a CONTAG. No ano seguinte, uma diretoria foi eleita para administrar a
entidade durante o período de 1965 a 1968, tendo como interventor José Rotta.”(Revista
40 anos da CONTAG).
A partir de 1966, trabalhadores que resistiam à ditadura buscaram retomar
o controle da entidade, e superar as dissidências alimentadas durante o período de
intervenção, buscando a organização dos sindicatos e federações. A formação se traduzia
em práticas educativas para garantir núcleos organizados nos locais de trabalho e para
fortalecer o processo de retirada dos interventores e sindicalistas pelegos, impostos nos
sindicatos e federações pela ditadura.
Os materiais de comunicação sindical foram fundamentais para garantir
minimamente uma ação articulada nacional, regional e estadual. Eram boletins, revistas e
jornais, que tinham como objetivo central a conscientização e a socialização das vitórias e
lutas do MSTTR. A criatividade marcou esse período. O cerceamento das liberdades
individuais e coletivas inibia qualquer divulgação de trabalhos que pudessem, em seu
conteúdo, ser interpretado como “ofensivo” ao governo e a “ordem pública”.(Revista 40
anos da CONTAG)
O cotidiano e o estímulo à organização dos trabalhadores (as) rurais eram
reproduzidos por meio de personagens. Também reproduziam as poesias, prosas e
cordéis, escritas pelos trabalhadores (as) rurais, dialogando com os desafios do dia-a-dia,
sem serem perturbados pela Policia ou pelo Ministério do Trabalho. Os autores das
histórias utilizavam pseudônimos, caso a repressão militar resolvesse censurar os textos,
os autores estariam protegidos.
Outro instrumento utilizado no final da década de 1960 e meados de 1970,
foi o sócio-drama. Priorizava a oralidade e a expressão corporal, para estimular uma visão
crítica daquele momento que o país vivia sem chamar a atenção do poder público (Revista
CONTAG 40 anos).
O trabalho comunitário e de pequenos grupos foi á estratégia adotada
durante muitos anos para resistir e formar novas lideranças durante a fase da ditadura.
Eram organizações quase clandestinas em grande parte fomentadas ou apoiadas pela
Igreja. Portanto, esse período nos ensinou a importância da comunidade, da formação de
base, do trabalho em grupos, da importância do ambiente cultural na formação do ser
humano, por exemplo, na Amazônia, as relações comunitárias de parentesco e de
vizinhança foram à base da organização dos “posseiros”, durante toda a década de 1970.
Os núcleos formados por famílias extensas e vizinhos, liderados pelos mais antigos,
formavam uma rede importante de relações através das quais se recrutavam os membros
das comunidades para as ações coletivas. Foi na experiência de comunidades já
existentes, na sua organização já construída e na solidariedade que novos migrantes
foram rompendo as fronteiras do latifúndio na região, e foram ficando na terra e
produzindo.
De meados da década de 60 até o final da década de 70, as lutas
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camponesas eclodiam por todo o território nacional, os conflitos fundiários triplicaram e o
governo, ainda na perspectiva de controlar a questão agrária determinou a militarização
do problema da terra. A militarização proporcionou diferentes e combinadas formas de
violência contra os trabalhadores. A violência do peão que é o jagunço da força privada,
muitas vezes com o amparo da força pública. A violência da polícia, escorada na justiça
desmoralizada, que decretou ações contra os trabalhadores, utilizando recursos dos
grileiros e grandes empresários, defendendo claramente e tão somente os interesses dos
latifundiários. No ano derradeiro do governo militar, 1985, os jagunços dos latifundiários e
a polícia assassinavam um trabalhador (a) rural a cada dois dias.
Essas diferentes ações fomentam a resistência e a luta por uma sociedade
justa e solidária até os nossos dias. As desigualdades sociais e a exclusão continuam
acirrando as contradições de nossa sociedade, portanto, a luta pela terra, pelo meio
ambiente, pela cidadania, a soberania alimentar, os valores humanistas, a participação
popular, a educação, a saúde, as relações igualitárias de gênero e etnia, vinculadas à luta
por uma sociedade economicamente justa, ecologicamente sustentável com equidade e
justiça social continuam na agenda do dia para tecer o amanhã.
Tecendo a manhã
João Cabral de Melo Neto
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele lançou e o
lance a outro; de um outro galo que apanhe o
grito que um galo antes lançou e o lance a
outro; e de outros galos que com muitos outros
galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de
galo, para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos
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TRAJETÓRIA POLÍTICA DA CONTAG - AS PRIMEIRAS LUTAS40
Na década de 50, as organizações camponesas passaram a se contrapor, de forma
articulada, contra as ações de despejo acionadas pelos usineiros (Porecatu/PR) e da luta
dos posseiros e arrendatários de Trombas e Formoso, em Goiás, onde várias lideranças se
destacaram.
Em Pernambuco, fundaram a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores, promovendo
uma das mais importantes lutas da época, no Engenho Galiléia, município de Vitória de
Santo Antão, nos limites da região Agreste com a Zona da Mata de Pernambuco. Foi
quando surgiu a primeira experiência de Ligas Camponesas e, conseqüentemente, de
resistência camponesa articulada a objetivos políticos mais definidos (...). A luta
camponesa passa a ter uma postura politizada e politizadora. No processo de organização
e luta, foram criadas outras organizações como o Movimento dos Agricultores Sem Terra –
MASTER na região sul do país. As várias formas de organizações camponesas passaram a
sentir a necessidade de uma articulação nacional que representasse os interesses e as
demandas específicas.
Em 1954, surgiu a União dos Lavradores Agrícolas do Brasil – ULTAB,
ULTAB durante a II
Conferência Nacional dos Lavradores,
Lavradores realizada em São Paulo. O primeiro presidente foi
Lyndolpho Silva, que, uma década depois, viria a ser o primeiro presidente da CONTAG.
CONTAG
Nessa conferência, foram identificadas as bandeiras prioritárias entre elas o ”estímulo à
criação de sindicatos de trabalhadores rurais”.
CONTAG – PRIMEIRA ORGANIZAÇÃO SINDICAL NACIONAL NO CAMPO
As Ligas Camponesas, O MASTER, A Ação Popular – AP (ligada aos católicos radicais) e a
União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil – ULTAB, dentre outros, fizeram
com que a organização dos trabalhadores rurais em sindicatos fosse acelerada.
As organizações de esquerda com atuação no campo buscaram atualizar e ampliar as
bandeiras de luta e estabelecer linhas de ação comuns. Neste sentido organizaram: o 1º
Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas (1961) – convocado e
coordenado pela ULTAB; em 1962 acontece o 1º Congresso de Trabalhadores na Lavoura
do Nordeste; em 1963 a ULTAB organizou a 1ª Convenção Brasileira de Sindicatos Rurais
(Natal-RN).
Em 1963 uma greve no setor canavieiro envolveu a Federação dos Lavradores, as Ligas
Camponesas e sindicatos autônomos.
Em 22 de dezembro de 1963, trabalhadores rurais de 18 estados, distribuídos em 29
federações, decidiram pela criação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura – CONTAG, reconhecida em 31 de janeiro de 1964, pelo Decreto Presidencial
53.517.
A CONTAG torna-se a primeira entidade sindical camponesa de caráter nacional
legalmente reconhecida. A CONTAG nasceu em um momento crítico da atividade política
do país, resistindo ao regime imposto pelos militares.
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Publicação – Revista Contag 40 anos
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O golpe militar de 64 foi uma contra-revolução que barrou mudanças estruturais de
democratização da sociedade brasileira. O golpe foi deflagrado contra o governo de João
Goulart. Nos primeiros dias após o golpe, uma violenta repressão atingiu setores
politicamente mais mobilizados à esquerda como, por exemplo, o Comando Geral dos
Trabalhadores (CGT), a União Nacional dos Estudantes (UNE), as Ligas Camponesas e
grupos católicos como a Juventude Universitária Católica (JUC) e a Ação Popular (AP).
Os dirigentes sindicais mais combativos foram cassados, presos, torturados e substituídos
por interventores que conduziam os sindicatos como órgãos de colaboração do Estado.
Com o golpe militar, a direção da CONTAG foi deposta e alguns dirigentes foram presos.
Milhares de pessoas foram presas e casos de tortura transformaram-se em atos comuns.
As pessoas também foram atingidas em seus direitos individuais e coletivos. O Ato
Institucional (AI) foi criado pelo governo militar – cujo objetivo era justificar os atos de
execução. Os militares justificavam sua ação afirmando que o objetivo era restaurar a
disciplina e deter a “ameaça comunista”. Com o golpe, deu-se início à implantação de um
regime político marcado pelo “autoritarismo”.
O Estatuto da Terra, elaborado durante o governo de João Goulart, foi promulgado devido
às pressões internacionais e internas, mas, com profundas modificações. Ainda assim,
marcou uma nova etapa em relação à legislação existente, permitindo, dentre outras
coisas, a intervenção do Estado no setor fundiário, mediante a desapropriação de terras
por interesse social.
O governo militar concentrou-se na modernização das relações capitalistas no campo e
nos projetos de colonização nas áreas de fronteira, preocupando-se com um projeto
agrícola afinado com sua política econômica. Colocou à margem a pequena produção e
favoreceu a ampliação ainda da concentração de terra e de renda no país. Houve um
estímulo à especulação com a terra e de concessões a grandes empresas para atuarem
no campo. A idéia aguçou o conflito em torno da propriedade, em especial nas áreas de
fronteira agrícola. A política salarial, controlada pelo governo, impedia os aumentos reais e
garantia ao patronato à crescente exploração de mão-de-obra barata. A repressão à
atuação sindical não permitia que os assalariados rurais pleiteassem seus direitos
trabalhistas.
Os pequenos e médios produtores foram incentivados a se modernizarem, adquirindo
máquinas e equipamentos mediante financiamentos que, mais tarde, não conseguiram
saldar. Essa situação, aliada à ausência de uma política diferenciada de créditos, resultou
na perda de muitas propriedades, tornando irreversível o processo de concentração
fundiária. As lideranças políticas sindicais comprometidas com a luta por direitos e
liberdade, resistiram como puderam ao regime militar e no 1º Congresso Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura – CNTR.
No 1º Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais da CONTAG, realizado em São Paulo,
estava clara a existência de dois grupos políticos, um ligado ao interventor e, outro ligado a
trabalhadores e lideranças que se mostravam comprometidos com as lutas dos
trabalhadores.
Em 1967, o Rio de Janeiro é transformado em sede da Conferência Nacional Intersindical,
congregando representantes dos trabalhadores rurais, bancários e industriários. Nessa
conferência, a defesa da reforma agrária foi unânime, contando com a presença de
sindicalistas rurais de quase todos os estados. Foi o início de uma articulação ampla,
urbana e rural, de consolidação de uma chapa para concorrer às eleições da CONTAG.
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Fruto da união operária e camponesa, por apenas um voto de diferença, a chapa
encabeçada por José Francisco da Silva impõe a derrota ao interventor e então presidente
da CONTAG, José Rotta. Empossada, a nova diretoria (1968) convocou todas as
federações para um encontro, em Petrópolis (RJ), a fim de elaborar um Plano de
Integração Nacional - PIN. A preocupação maior era criar um instrumento capaz de garantir
a unidade do MSTR diante da divisão política revelada no processo eleitoral.
O PIN elegeu a reforma agrária como uma das bandeiras de luta capaz de propiciar a
unidade do movimento, pois seria de fundamental importância não apenas para os
diretamente envolvidos nos conflitos pela terra, mas também para o pequeno produtor e o
assalariado.
O PIN previu ações específicas para cada setor. No caso dos assalariados, por exemplo,
foram incentivadas as ações coletivas, em grande número, para abarrotar as Juntas de
Conciliação e Julgamento, forçando uma tomada de posição favorável aos trabalhadores.
Essa proposta, quando levada à prática, causaria uma reação violenta do patronato e do
poder público, que ameaçavam e puniam os líderes sindicais, por promoverem reuniões
dos grupos nos Sindicatos de Trabalhadores Rurais.
A formação de líderes era essencial para o futuro do MSTR. Por meio de cursos sobre a
realidade brasileira, legislação trabalhista, agrária, agrícola, cooperativismo e de
organização sindical, iniciou um contínuo trabalho de conscientização dos trabalhadores
rurais sobre os seus direitos, qualificando-os para a luta cotidiana.
O PIN marcou a singularidade do MSTTR dentro do sindicalismo brasileiro. Enquanto as
outras confederações urbanas existentes tinham dúvidas entre resistir ou aceitar a
intervenção no movimento sindical, a CONTAG optou pelo enfrentamento ao poder
econômico e político em uma de suas principais bases: a democratização da terra e a
organização política dos trabalhadores rurais, por meio da formação de lideranças.
Durante os ‘anos duros’ do regime ditatorial militar, 1968 e 1969, os dirigentes do MSTR
aceleraram o processo de organização e politização da categoria. Lançaram o periódico “O
Trabalhador Rural”, informativo que levava as idéias e propostas da direção da CONTAG
acerca das bandeiras de lutas e da organização sindical às Federações.
Nesse período, a direção da CONTAG qualificou ainda mais a sua forma de comunicação
com a base, lançando a revista mensal “O Trabalhador Rural”, apresentando análises
sobre a conjuntura nacional e sugerindo encaminhamentos para reflexão nos estados.
Num dos primeiros números dessa revista, foi transcrita a carta ao Papa Paulo VI,
assinada por José Francisco, que reafirmava: “É, para vencer barreiras centenárias de
irracionalidades geradas pelo latifúndio, sinônimo de um poder político, econômico, social
e cultural que contrariam a função social de propriedade, é necessária uma decisão
drástica e enérgica pela reforma agrária”. Os textos reproduzidos no periódico
demonstram explicitamente o enfrentamento da CONTAG diante das políticas do governo
militar.
A necessidade de organizar os trabalhadores nos municípios e constituir sindicatos era
uma das grandes demandas do movimento sindical naquele momento. A revista “o
Trabalhador Rural” era um dos meios utilizados para chamar os trabalhadores para
organização sindical. Um espaço chamado “Conversa de Caboclo” que contavam estórias
sobre o cotidiano dos trabalhadores rurais, criadas pela equipe técnica da Contag e
assinadas com nomes fictícios, para chamar a atenção dos camponeses sobre a
importância da organização sindical. Em uma dessas estórias consta esse trecho: “E quem
é esse sindicato, que vai dar nosso valor? É uma sociedade composta de agricultor. Nós
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vai lá se reunir, pra acabar com a tal de meia. Que sempre nos tem trazido amarrado no nó
da peia.”
A luta essencialmente corporativa, nunca foi a marca do movimento sindical coordenado
pela CONTAG, já em 1968, preocupados com a importância da educação para o
desenvolvimento do campo, foi organizado um Encontro Nacional em Petrópolis. Reunindo
diversos representantes das Federações concluíram que: a) o diálogo deve ser a base para
a construção de uma proposta educativa para o campo; e b) o método a ser utilizado, deve
levar em conta o conhecimento da realidade, que será criticada, para daí se chegar à
escolha da ação e a própria ação, conhecimento e crítica.
Na revista “O Trabalhador Rural”, a direção da CONTAG politizou o debate sobre o papel da
organização sindical e utilizou repetidamente o lema “Sindicalismo autêntico, é
Sindicalismo livre”. Denunciou a intenção de cooptação do governo através do
assistencialismo. Demonstrou que o conceito de desenvolvimento do governo era
diferente da idéia do MSTR: “milhões de camponeses continuam morrendo de fome (...),
mas o Brasil está em franco crescimento. Sim, porque crescer é bem diferente de
desenvolver”.
Levantamento elaborado pela CONTAG, em 1971, demonstraram que a estratégia adotada
pelo MSTR foi acertada, conforme a tabela abaixo:
Levantamento numérico do movimento sindical em 22 estados, inclusive Brasília e
Guanabara, de 1960 a 1971.
Municípios
brasileiros
Inicio de 1969
3959
Final de 1971
3959
Municípios com Municípios sem Média de
sindicatos
sindicato
sindicatos
705
1045
3254
2914
sócios
por
800
1132
Fonte: Revista O Trabalhador Rural
Em março de 1971,
1971 ocorreu a Reunião do Conselho Deliberativo que escolheu a diretoria
da CONTAG para o triênio 1971/1974, tendo como presidente José Francisco/PE,
Francisco/PE esta foi
a 4ª eleição da CONTAG.
A CONTAG segue sua trajetória e realiza seu 2º Congresso Nacional dos Trabalhadores
Rurais - CNTR em 1973, que representou um marco para a organização da classe
trabalhadora rural, logo o governo militar buscou impedir a posse da diretoria eleita. Em
maio de 1977 foi empossada a direção para o triênio 1977/1980.
Em 1979 acontece o 3º Congresso Nacional
Nacional dos Trabalhadores Rurais,
Rurais dando visibilidade
nacional ao sindicalismo de trabalhadores coordenados pela CONTAG. Em abril de 1980,
foi empossada a direção para o triênio 1980/1983 e a festa de posse contou com a
presença dos exex-dirigentes Lyndolpho Silva
Silva e José Pureza da Silva, ambos fundadores da
CONTAG, de volta ao país após vários anos de exílio.
Durante o 3º Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais, em 1979, em seu discurso de
abertura, o presidente José Francisco recordou: “apesar das condições desfavoráveis para
o trabalho sindical entre o último Congresso e os dias atuais, passamos de 19 para 21
Federações, de 1.500 sindicatos para 2.275, de dois milhões e meio de associados para
mais de cinco milhões”.
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A CONTAG estava consolidada, não como um espaço desse ou daquele ‘modo de pensar o
sindicalismo’, mas de todas as correntes políticas existentes. Rompeu com a visão
imediatista da luta sindical e buscou atender às outras dimensões e necessidades do ser
humano, inclusive, apontando o conceito de desenvolvimento que se queria para o campo:
“O desenvolvimento deve vir acompanhado de transformações sociais e políticas”.
O mesmo aconteceu com o estímulo à participação, em registros internos, vê-se que
reuniões de avaliação e planejamento sempre estiveram presentes na história dessa
entidade, inclusive, com a participação da assessoria nesses momentos, demonstrando
como praticar democracia interna, mesmo em momentos difíceis e sob ameaça constante
dos militares.
No 4º CNTR em 1985 o debate sobre o modelo de reforma agrária defendido pelo MSTR
foi o ponto alto. Os delegados aprovaram a realização de eleições da CONTAG e
Federações em Congresso, com mandato de três anos. Em dezembro de 1985 aconteceu
a 1ª Eleição Congressual da história da CONTAG.
Apesar da deliberação do 4º CNTR, a eleição da Diretoria e do Conselho Fiscal da CONTAG,
gestão 1989/1992,
1989/1992 não aconteceu em congresso. As urnas foram colocadas nas sedes
das federações. A votação foi de um delegado por sindicato. A Diretoria Efetiva teve como
presidente
presidente Aloísio Carneiro/BA.
Carneiro/BA Nessa eleição foi eleita a primeira mulher, Gedalva de
Carvalho/SE, enquanto suplente da direção da entidade.
No 5º CNTR,
CNTR em novembro de 1991 a participação da base foi ampliada qualitativa e
quantitativamente. Elegeram o dirigente Francisco Urbano/RN como presidente da
CONTAG.
Em agosto de 1994 foi realizado o 1º Congresso Nacional Extraordinário dos
Trabalhadores Rurais – CNETR. Neste congresso participaram a direção executiva da
CONTAG, a direção efetiva das federações e os delegados eleitos em número
correspondente a 10% dos sindicatos filiados a cada federação. Foi assegurada a
participação das diretoras da CONTAG, como delegadas, e de duas trabalhadoras rurais
por estados.
O 6º CNTR acontece em maio de 1995 explicitando a necessidade da classe trabalhadora
rediscutir a sua prática de luta e de convivência democrática com as divergências. O 6º
CNTR foi um marco, pois a partir daí o Movimento Sindical dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais – MSTTR incorporou o conceito de agricultura
agricultura familiar às suas
formulações, dando os passos iniciais para a construção de um projeto alternativo de
desenvolvimento rural, a participação efetiva das mulheres na Diretoria da CONTAG e uma
maior abertura para os jovens e as pessoas da 3ª idade. No 6º CNTR também foi aprovada
a filiação da CONTAG à Central Única dos Trabalhadores - CUT. Em 1995 foi oficializada
estatutariamente a Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais, cuja
Coordenadora passou a integrar a Diretoria da CONTAG. A Comissão Nacional de Mulheres
Trabalhadoras Rurais – CNMTR elege a sua Coordenadora Nacional, Margarida Maria
Alves da Silva (Hilda) do STTR de Surubim/PE.
Dois anos (1997) depois foi realizada a 1ª Plenária Nacional de Mulheres Trabalhadoras
Rurais que discutiu as lutas específicas das mulheres e a sua relação com as lutas do
conjunto da categoria.
O 7º Congresso representou um marco, em 1998 mais de 1.400 delegados e delegadas
debateram e aprovaram um Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável –
PADRS. Nascia o PADRS representando um passo significativo para a articulação e
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unificação das lutas da categoria na esfera nacional e para o fortalecimento de um novo
tipo de interseção campo e cidade.
O projeto ampliou a visibilidade política das mulheres coordenadas pela CNMTR, que já
haviam conquistado a inclusão da Coordenação da Comissão Nacional no Estatuto da
CONTAG. Incluíram mais um “T” no nome do congresso, que passou a ser 7º Congresso
Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – CNTTR. Foi aprovada também a cota
de, no mínimo, 30% de mulheres em todas as instâncias do sindicalismo rural. Foi eleito
como presidente Manoel José dos Santos/PE.
Neste Congresso os trabalhadores e trabalhadoras rurais aprovaram: o Projeto Alternativo
de Desenvolvimento
Desenvolvimento Rural Sustentável - PADRS,
PADRS, tendo por princípio a realização de uma
ampla e massiva reforma agrária, expansão, valorização e fortalecimento da agricultura
em regime de economia familiar, centrado na inclusão social, no desenvolvimento social,
econômico, ecologicamente sustentável e no fim de todas as discriminações, em especial
as de gênero, de geração, raça e etnia. Para a implementação do Projeto Alternativo de
Desenvolvimento Rural Sustentável - PADRS desenvolveu-se um trabalho de formação de
lideranças em desenvolvimento local, através do Programa de Desenvolvimento Local
Sustentável – PDLS, voltado para a animação e estímulo a processos de desenvolvimento
sustentável ao nível local, possibilitando uma maior intervenção nas políticas públicas e
nos Planos Municipais.
Em outubro de 1999 foi realizado o 2º Congresso Extraordinário buscando atualizar e
potencializar o MSTTR para o desafio de implementação do PADRS. o 2º CNETTR discutiu e
deliberou especificamente sobre estrutura, organização, gestão e auto-sustentação do
MSTTR. Este processo de avaliação e discussão interna tem possibilitado continuar na
construção de um movimento sindical autônomo, combativo, ético e participativo.
Em Março de 2001 acontece o 8º CNTTR , onde o MSTTR reafirmou a estratégia
estratégia de
continuidade e o avanço no processo de implementação do PADRS, indicando a
necessidade de atuação efetiva na organização da produção e comercialização. Foi criada
a Comissão Nacional de Jovens Trabalhadoras e Trabalhadoras Rurais e a Coordenadora
da Comissão, Simone Battestin/ES foi eleita junto com a Direção Efetiva da CONTAG.
Neste congresso foi deliberada a necessidade do MSTTR participar articuladamente das
Eleições Eleitorais e de eleger representantes dos trabalhadores e trabalhadoras rurais.
Os Congressos da CONTAG garantiram o debate, a socialização e a integração nacional
das políticas do Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – MSTTR.
Ver anexo I sobre a trajetória das Eleições e Congressos Nacionais da CONTAG.
Desde então, o Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais vem
aperfeiçoando suas proposições e ações em torno da construção e implementação do
PADRS, se contrapondo aos padrões dos sucessivos modelos de desenvolvimento
implementados no Brasil. Modelos estes, que embasados na preservação do latifúndio e
na produção de monoculturas para exportação, fizeram aprofundar a exclusão social, o
desemprego, a concentração da terra e renda, sendo responsáveis, também, pela
violência no campo e pela alta degradação ambiental.41
Como também, implementando e ajustando, permanentemente, o Projeto Alternativo de
Desenvolvimento Rural Sustentável - PADRS. Sua última atualização ocorreu no 9º
Congresso Nacional da CONTAG, realizado em Brasília, no ano de 2005. Dentre os vários
41
PORTO, Cleia Anice. “Reforma Agrária e Agricultura familiar como base para o desenvolvimento rural –
Sustentabilidade e qualidade de vida, Reforma Agrária e Meio Ambiente, Instituto Socioambiental, 2003, p.107
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ajustes, ressalta-se a reflexão sobre o princípio da SOLIDARIEDADE.
SOLIDARIEDADE Durante o 9º
Congresso,
Congresso as trabalhadoras e trabalhadores rurais entenderam não ser possível se opor
ao neoliberalismo sem implementar profundas mudanças nas relações sociais
estabelecidas entre homens e mulheres, de todas as idades, raças e etnias que vivem e
trabalham no campo.
Logo, a solidariedade foi compreendida enquanto principal elemento para a construção de
relações fraternas entre a classe trabalhadora rural, na perspectiva de um mundo melhor.
Nosso projeto passou a ser denominado: Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural
Sustentável e Solidário – PADRSS.
A construção do PADRSS foi a primeira iniciativa concreta de unificar as demandas do
campo, considerando as diferenças e especificidades regionais, culturais, produtivas,
ambientais, organizativas, de gênero, geração, raça e etnia. E ainda propõe alternativas
específicas que consideram as demandas das pessoas no âmbito das suas características
produtivas, a exemplo das assalariadas e assalariados rurais, das agricultoras e
agricultores familiares, assentados, acampados, meeiros, posseiros, extrativistas, dentre
outros.
A incorporação das propostas do PADRSS no dia-a-dia do MSTTR estimulou profundas
mudanças em nossas entidades, garantindo um salto qualitativo e dinâmico às respostas
necessárias ao atendimento das demandas da base. A ampliação das frentes de lutas do
MSTTR foi uma delas. Não bastava atuar nas questões trabalhistas, previdenciárias, de
acesso à terra e crédito, sem articular essas lutas com outras políticas necessárias e
estratégicas para garantir o desenvolvimento rural sustentável que se pretende.
A ampliação das frentes de lutas acabou estimulando o MSTTR a expandir e qualificar
suas direções. Foram criadas as secretarias específicas, primeiramente na CONTAG, em
seguida nas Federações, e em muitos Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras
Rurais.
Essas mudanças apontaram para a necessidade de investir na formação política, sindical
e profissional de novas
novas lideranças sindicais e técnicas do MSTTR. Essas ações formativas
deram visibilidade a um público estratégico para as mudanças, a juventude e as mulheres
trabalhadoras rurais.
Ainda hoje, esse processo formativo busca conjugar a formação política sindical com as
demandas por melhoria das condições de trabalho, aumento da renda e dos salários,
direitos trabalhistas e previdenciários, elevação dos níveis de escolaridade, de formação e
requalificação profissional, habitação rural, saneamento básico, saúde pública e de
qualidade, educação do campo e lazer.42 Conjugadas com as demandas estruturantes do
desenvolvimento rural sustentável, como o acesso à terra, crédito, infra-estrutura social e
produtiva, condições de comercialização, tecnologias de produção adaptada à agricultura
familiar e aos ecossistemas.
A estratégia do MSTTR se orientou pelo estímulo à participação política e à gestão
democrática na comunidade, município, território ou região, levando os excluídos e
marginalizados do campo a serem protagonistas de uma outra realidade, sem perder de
vista a articulação entre o local, o regional e o territorial com o global, o rural com o
urbano, na perspectiva de uma sociedade justa, democrática, igualitária e solidária.
Tal estratégia exige uma participação efetiva nos processos políticos e eleitorais, nos
espaços de concepção e gestão de políticas públicas e, o permanente debate com a
42
Anais da 1ª Plenária Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – Novembro 2003
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sociedade sobre a concepção de espaço rural e do desenvolvimento que propomos, tendo
como um dos principais objetivos reverter o processo neoliberal e viabilizar políticas
públicas necessárias à implementação do PADRSS.
Não queremos dizer que o projeto vá resolver num passe de mágica os desafios históricos
que estão postos para trabalhadores e trabalhadoras rurais brasileiras. Mas, sem dúvida,
representa um salto qualitativo para nossa organização, mobilização, luta e ampliação das
possibilidades concretas de implementarmos e consolidarmos o PROJETO ALTERNATIVO
DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTAVEL E SOLIDÁRIO – PADRSS.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura – CONTAG, em
seus 43 anos de existência,
existência com o esforço e a participação de milhões de trabalhadores e
trabalhadoras rurais, tem contribuído, de maneira decisiva, para a construção de uma
sociedade mais justa, democrática, igualitária e solidária em nosso País.
Em sua história de luta, a CONTAG continua engajada na defesa permanente dos
interesses dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. É a maior entidade camponesa da
América Latina organizada em 27 Federações Estaduais de Trabalhadores na Agricultura e
4.100 Sindicatos de Trabalhadores Rurais. Essa organização se constitui no Movimento
Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais - MSTTR.
MSTTR É essencial que tenhamos
viva, unida e ativa essa grande estrutura de representação construída ao longo desses 43
anos, em prol do bem - estar da representatividade dos trabalhadores e trabalhadoras
rurais do nosso país.
A CONTAG foi fundada no dia 22 de dezembro de 1963 em 01 Congresso Nacional. Desde
então, foram realizados mais 08 Congressos Nacionais de Trabalhadores e Trabalhadoras
Rurais, 02 Congressos Nacionais Extraordinários de Trabalhadores e Trabalhadoras
Rurais, 01 Plenária Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, 03 Plenárias
Nacionais de Mulheres Trabalhadoras Rurais, 01 Congresso Nacional da Terceira Idade,
03 Encontros Nacionais de Juventude.
A CONTAG nestes 43 anos se engajou nas principais lutas do povo brasileiro: contra a
ditadura militar,
militar pela anistia política, pela convocação da Assembléia Nacional
Constituinte, por eleições diretas para presidente e governadores, no Movimento “Diretas
Já”, na Constituinte de 1988 e foi participante do Comitê em Defesa da Ética na Política
que levou ao “Impeachment” o presidente Fernando Collor de Mello.
Os Congressos da CONTAG adquiriram cada vez maior importância política e capacidade
no aprofundamento das questões de interesse da categoria.
A história da CONTAG é marcada também por ações de massa em defesa dos interesses
da categoria. A partir de 1995, o MSTTR passou a se mobilizar anualmente no “Grito da
Terra Brasil” - nacional, estaduais e municipais - que hoje é considerado como a “data“database” para a categoria trabalhadora rural, marcada pela mobilização, proposição,
reivindicação e negociação das políticas essenciais para o meio rural.
A Marcha das Margaridas é outra ação de massa importante no contexto do MSTTR, em
sua primeira edição mobilizou milhares de trabalhadoras rurais dos municípios, estados e
regiões, contando também com a adesão das trabalhadoras urbanas. Foi
reconhecidamente, a maior mobilização nacional de mulheres já realizada na história do
país. Os principais objetivos da Marcha, foram o fortalecimento das organizações e
comissões de mulheres nos STTRs, Pólos/Regionais, FETAGs, CONTAG, e principalmente a
inclusão e organização das mulheres trabalhadoras de base; dar visibilidade e
reconhecimento ao papel político, econômico, social e cultural das mulheres trabalhadoras
2º Módulo Regional Nordeste
Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007.
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Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG
rurais no Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – MSTTR e na
sociedade. A próxima Marcha das Margaridas acontecerá em agosto de 2007.
A CONTAG procurou se estruturar como uma entidade legítima de representação dos trabalhadores
e trabalhadoras rurais em defesa dos interesses da classe camponesa, contribuindo para a
ampliação e o fortalecimento da organização e representação sindical no meio rural: reivindicando,
mobilizando, propondo e negociando políticas agrícolas diferenciadas, direitos trabalhistas e
políticas sociais que resgatam a área rural enquanto espaço de vida, de luta, de trabalho e de
construção de conhecimentos capazes de promover as transformações necessárias para um
desenvolvimento sustentável em nosso país.
Nossa trajetória é fruto de organização, trabalho, articulação e mobilização dos Sindicatos
e Federações de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais que, em cada município e estado,
vêm, desde a fundação da CONTAG construindo o MSTTR.
ANEXO I
Trajetória das Eleições e Congressos Nacionais da CONTAG
1ª Eleição da
CONTAG
Em Congresso participativo, democrático e de construção de estratégias comuns,
as organizações que atuam no campo criam a Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura – CONTAG. O congresso contou com a participação de
29 federações, de 18 estados. Ao final, foi eleita a primeira Direção Executiva:
Lyndolpho Silva/RJ, Sebastião Lourenço de Lima/MG, e Nestor Vera/SP.
2ª Eleição da
Com o golpe militar, a direção da CONTAG foi deposta e alguns dirigentes presos.
CONTAG
Uma Junta Governativa foi indicada pelo Ministério do Trabalho e, no ano seguinte
foi eleita para o período de 1965 a 1968 a diretoria composta por: José Rotta/SP;
Euclides A. do Nascimento/PE; Joaquim B. Sobrinho/PA; João de A. Cavalcante/PA;
José Lazaro/PR; Nobor Bito/; Agostinho J. Neto/RJ; Joaquim Damasceno/RN e
Antonio J. de Faria/RJ. Para o Conselho Fiscal, foram escolhidos: Jose Felix
Neto/SE; José Palhares/RN e João Jordão da Silva/PE.
3ª Eleição da
Em 1968, as eleições contaram com duas chapas. Uma encabeçada por José
CONTAG
Rotta, que representava a influência do Ministério do Trabalho e, a outra chapa por
José Francisco, contando com o apoio de entidades sindicais urbanas e da base do
movimento sindical de trabalhadores rurais.
A eleição ocorreu na reunião do Conselho Deliberativo da CONTAG, onde apenas 11
Federações votavam. Por apenas 01 voto de diferença, a chapa encabeçada por
José Francisco saiu vitoriosa. Foram eleitos para o mandato de 1968/1971: José
Francisco/PE; José Felix Neto/SE; Joaquim A. Damasceno/RN; José Ari Griebler/RS;
Geraldo F. Miqueletti/PR; João de A. Cavalcante/PB; Agostinho José Neto/RJ; José
Benedito da Silva/AL e Otavio F. Gomes/CE. O Conselho Fiscal: Joaquim
Coutinho/RN; Tarciso G. Mendes/CE e Manoel P. da S. Filho/PB.
4ª Eleição da
Em março de 1971, ocorreu a Reunião do Conselho Deliberativo que escolheu a
CONTAG
Diretoria da CONTAG para o triênio 1971/1974, composta pelos diretores efetivos:
José Francisco/PE; Otávio F. Gomes/CE; Francisco Urbano de A. Filho/RN; Zacarias
Pedro/SC; Acácio F. dos Santos/RJ; Agenor P. Machado/SP e José Felix Neto/SE.
2º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais - CNTR, a classe trabalhadora faz valer sua vontade.
O congresso deliberou sobre: Legislação Rural, Educação, Previdência, Reforma Agrária e
Desenvolvimento Agrícola. No encerramento, o presidente da CONTAG enfatizou a necessidade de
cumprimento do Estatuto da Terra para: “estabelecer um sistema de relações entre o homem, a
propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a Justiça Social, o progresso e o bem-estar do
trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do
latifúndio”.
2º Módulo Regional Nordeste
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Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG
Trajetória das Eleições e Congressos Nacionais da CONTAG
5ª Eleição da CONTAG
Em março de 1974, o Conselho de Representantes da CONTAG elegeu a
nova diretoria para o triênio 1974/1977. A Diretoria Efetiva foi composta
por: José Francisco da Silva/PE; Octavio Adriano Klafke/RS; Paulo F.
Trindade/ES; Jonas P. de Souza/MT; Francisco Urbano A. Filho/RN; José
Felix/SE; Leocadio N. de Oliveira; Acácio F. dos Santos/RJ e José B. da
Silva/AL. O Conselho Fiscal foi composto por: Álvaro Diniz; Euclides D.
Canalle e João Tavares da Silva.
6ª Eleição da CONTAG Em maio de 1977, foi empossada a Direção para o triênio 1977/1980. A
Diretoria Efetiva era composta por: José Francisco da Silva/PE; Roberto T.
Horiguti/SP; Paulo F. Trindade; Orgenio Rott/RS; Francisco Urbano A.
Filho/RN; José Felix/SE; Henrique Gomes Vilanova/PI; Acácio F. dos
Santos/RJ e José B. da Silva/AL. O Conselho Fiscal foi composto por: Álvaro
Diniz; Euclides D. Canalle e Jonas P. de Souza.
3º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais – CNTR – “Um marco na História da classe
trabalhadora rural”.
7ª Eleição da CONTAG Em abril de 1980, foi empossada a direção para triênio 1980/1983. A
Diretoria Efetiva era composta por: José Francisco da Silva/PE; Roberto T.
Horiguti/SP; André Montalvão/MG; José B. da Silva/AL; Gelindo Zulmiro
Ferri/RS; Jonas P. de Souza/MT; Eraldo Lírio de Azevedo/RJ; Francisco
Urbano A. Filho/RN e Henrique Gomes Vilanova/PI. O Conselho Fiscal foi
composto por: Álvaro Diniz; João F. de Souza e Norberto Kortmann
8ª Eleição da CONTAG Em abril de 1983, foi empossada a direção para o triênio 1983/1986. A
Direção Efetiva era composta por: José Francisco da Silva/PE; Roberto T.
Horiguti/SP; André Montalvão/MG; Estevam N. de Almeida/BA; Gelindo
Zulmiro Ferri/RS; Jonas P. de Souza/MT; Eraldo Lírio de Azevedo/RJ;
Francisco Urbano A. Filho/RN e Osmar Araújo/PI. O Conselho Fiscal foi
composto por: Álvaro Diniz; João F. de Souza e Norberto Kortmann.
4º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais - CNTR, “Reforma Agrária para acabar com a fome e o
desemprego no campo e na cidade”. “a democratização da terra é a base para a democracia no Brasil”.
9ª Eleição da CONTAG
A Direção Efetiva era composta por: José Francisco da Silva/PE; Ezidio V.
“1ª Eleição da história da Pinheiro/RS; Divino Goulart/GO; Francisco Sales/MA; André Montalvão/MG;
CONTAG em Congresso” Jonas P. de Souza/MT; Elio Neves/SP; Eraldo Lírio de Azevedo/RJ; Francisco
Urbano A. Filho/RN; Aloísio Carneiro/BA; Pedro Ramalho/MS e José Amadeu
Araújo/CE. O Conselho Fiscal foi composto por: Henrique Gomes Vilanova;
João F. de Souza e Norberto Kortmann.
10ª Eleição da CONTAG
A Diretoria Efetiva eleita era composta por: Aloísio Carneiro/BA; José
“Eleição da CONTAG de Francisco da Silva/PE; José Amadeu Araújo/CE; Antenor Beni/PR; Erny
1989 não ocorreu em Knortst/RS; André Montalvão/MG; Norberto Kortmann/SC; Vidor Jorge
Congresso”.
Faita/SP; Francisco Sales/MA; Francisco Urbano A. Filho/RN; Pedro
Ramalho/MS e Adevair N. de Carvalho/ES. O Conselho Fiscal foi composto
por: Jonas P. de Souza; Eraldo Lírio de Azevedo e Henrique Gomes
Vilanova.Nessa eleição foi eleita a primeira mulher, a sergipana Gedalva de
Carvalho, enquanto suplente da direção da entidade. As mulheres
conquistam a Comissão Nacional Provisória da Trabalhadora Rural, que
apesar de subordinada à presidência da entidade, dava os primeiros passos
para consolidar a organização das mulheres trabalhadoras rurais.
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Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG
Trajetória das Eleições e Congressos Nacionais da CONTAG
11ª Eleição da CONTAG
5º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais – CNTR. “TERRA,
PRODUÇÃO, SALÁRIO”.
“apesar das tentativas de desarticulação das organizações sociais
promovidas pelo governo, o MSTR reuniu mais de dois mil delegados (as) de
todo o país, para rediscutir e redefinir suas lutas”.
A Direção Efetiva eleita era composta por: Francisco Urbano A. Filho/RN;
Aloísio Carneiro/BA; José Francisco da Silva/PE; Juarez L. Pereira/MG;
Tereza Silva/MG; Hilário Gottselig/SC; José Fialho/MS; Itálico Cielo/RS; José
Raimundo de Andrade/PB e Francisco Sales/MA. Conselho Fiscal: Antonio
Zarantonello; Wilson Paixão e Osmar Araújo.
1º Congresso Nacional Extraordinário dos Trabalhadores Rurais – CNETR
“... não podemos sacrificar a nossa intervenção nos processos eleitorais gerais que o país viverá,
convocando um congresso massivo em Brasília. As eleições de agora terão a responsabilidade de
construir o amanhã...”.
Constatando que o próximo congresso aconteceria na segunda quinzena de novembro, no mesmo
período em que ocorreriam as eleições gerais de 1994, o Conselho Deliberativo aprovou a realização de
um Congresso Extraordinário, em Brasília, em agosto de 1994. O Congresso Extraordinário foi
coordenado pelo Presidente em exercício, Aloísio Carneiro. Francisco Urbano estava licenciado para
concorrer a uma vaga para o Senado Federal, pelo Rio Grande do Norte
12ª Eleição da CONTAG
13ª Eleição da CONTAG
6º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais – CNTR. “Nem fome, nem
miséria. O campo é a solução”.
A direção eleita teve a seguinte composição: Diretoria Efetiva: Francisco
Urbano A. Filho/RN; Avelino Ganzer/PA; Gerônimo Brumatti/ES; Francisco
Miguel de Lucena/CE; Maria Santiago de Lima/RO; Hilário Gottselig/SC;
Norival Guadaghin/SP; Francisco Sales/MA; Alberto Ercílio Broch/RS;
Guilherme Pedro Neto/GO; Airton Luiz Faleiro/PA e Sebastião Rocha/MG.
Conselho Fiscal: Antonio Zarantonello; Divino Goulart e Almir José Feliciano.
7º Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – CNTTR.
“Rumo a um Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável”.
A partir do 7º – CNTTR, passou a ter três dirigentes na direção efetiva da
CONTAG. As novas diretoras ocuparam a Coordenação da CNMTR e as
Secretarias de Políticas Sociais e a Secretaria de Organização e Formação
Sindical.
de Fátima R. da Silva/PI e Raimunda Celestina de Mascena/CE. Conselho
Fiscal: José Roberto de Assis; Antonio Zarantonello e Maira Bottega.
2º Módulo Regional Nordeste
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Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG
Trajetória das Eleições e Congressos
Congressos Nacionais da CONTAG
2º Congresso Nacional Extraordinário dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – CNETTR
“A prioridade será a discussão na base, os trabalhadores e trabalhadoras rurais deverão determinar
qual o tipo de sindicalismo que irá representá-los no próximo milênio”.
14ª Eleição da CONTAG 8º Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – CNTTR.
“Avançar na Construção do Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural
Sustentável”.
“entre tantas deliberações, vale destacar a criação da Comissão Nacional
da Juventude Trabalhadora Rural e da estrutura cooperativista ligada ao
MSTTR, é o futuro sendo construído hoje”
Duas chapas concorreram à eleição da direção da CONTAG. Uma chapa
encabeçada por Manoel de Serra e, outra, encabeçada pelo baiano Edson
Pimenta.
A direção eleita teve a seguinte composição: Diretoria Efetiva: Manoel José
dos Santos/PE; Alberto Ercílio Broch/RS; Manoel Candido da Costa/RN;
Hilário Gottselig/SC; Maria do Ó do Nascimento/AL; Juraci Moreira
Souto/MG; José de Jesus Santana/BA; Airton Faleiro/PA; Guilherme Pedro
Neto/GO; Maria da Graça Amorim/MA; Francisco Miguel de Lucena/CE;
Maria de Fátima R. da Silva/PI; Raimunda Celestina de Mascena/CE e
Simone Battestin/ES. Conselho Fiscal: Francisco Sales, Gilson Francisco da
Silva e Maria Helena Baungarten.
15ª Eleição da CONTAG43 9º Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – CNTTR.
“Consolidando o Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável”.
A direção eleita teve a seguinte composição: Diretoria Efetiva: Manoel José
dos Santos /PE; Alberto Ercílio Broch/RS; Manoel Cândido da Costa/RN;
David Wilkerson Rodrigues/BA; Regina Rodrigues de Freitas/AC; Juraci
Moreira Souto/MG; Pedro Mário Ribeiro/MG; Antoninho Rovaris/SC; Paulo
de Tarso Caralo/ES; Alessandra da Costa Lunas/RO; Antonio Lucas
Filho/GO; Raimunda Celestina de Mascena/CE; Carmem Helena Ferreira
Foro/PA; Maria Elenice Anastácio/RN. Conselho Fiscal: Francisco Sales de
Oliveira/MA; Ademir Mueller/PR e Elizete Hintz/RS.
Suplentes: Joel José Farias/SE; Simone Battestin/ES; Antonio Soares
Guimarães/CE; Maria Lucinete Nicácia de Lima/AM; Maria José de
Carvalho/PE; Liberalino Ferreira de Lucena/PB; Wilson Hermuth
Gottens/GO; Domingos Albuquerque Paz/MA; Cláudia Pereira Farinha/DF;
Maria da Glória da Silva/MT; Maria do Ó do Nascimento Melo/AL; Josefa
Rita da Silva/BA; Manoel Carlos Dantas/RO; Paulo César Ventura
Mendonça/RJ;
Suplentes do Conselho Fiscal: Maria das Graças Darós/SC; Geraldo Teixeira
de Almeida/MS e Antonio Vitorino da Silva/AL.
43
Fonte: Ata de Posse da Diretoria e do Conselho Fiscal da Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura – CONTAG, para o quadriênio 2005/2009
2º Módulo Regional Nordeste
Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007.
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Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG
Bibliografia:
Anais do 4º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais - 1985
Anais do 5º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais – 1991
Anais do 1º Congresso Nacional Extraordinário dos Trabalhadores Rurais - 1994
Anais do 6º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais – 1995
Anais do 7º Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – 1998
Anais do 2º Congresso Nacional Extraordinário dos Trabalhadores Rurais - 1999
Anais do 8º Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – 2001
Anais da 1ª Plenária Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais –
Novembro 2003
Anais do 9º Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – 2005
Publicação – Revista Contag - 40 anos
Ata de Posse da Diretoria e Conselho Fiscal da Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura – CONTAG, para o quadriênio 2005/2009.
Manfredi, Sílvia Maria – Formação sindical no Brasil : história de uma prática
cultural / Silvia Maria Manfredi – São Paulo : Escrituras Editora, 1996.
Sindicalismo – Brasil – História 2. Sindicatos – Brasil – História I. Título
PORTO, Cleia Anice. “Reforma Agrária e Agricultura familiar como base para o
desenvolvimento rural – Sustentabilidade e qualidade de vida, Reforma Agrária e
Meio Ambiente, Instituto Socioambiental, 2003, p.107
O Golpe Militar de 64 e a Instauração do Regime Militar – CPDOC – Fundação
Getúlio Vargas – FGV.
2º Módulo Regional Nordeste
Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007.
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Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG
PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NA LUTA DOS TRABALHADORES E NO MOVIMENTO
SINDICAL
Maria Valéria Junho Penna44
Em 1872, ainda durante o Império, foi realizado o primeiro recenseamento
da população brasileira. Naquele ano, constatou-se que ela era composta, por 9.700.187
pessoas, das quais 4.694.943 eram mulheres e, dessas, 689.998 mulheres escravas.
Mais de cem anos depois, o Censo Demográfico de 1980 mostra que a população
brasileira é de 119.070.865 pessoas, das quais 59.146.099 do sexo feminino. Mas às
diferenças; é claro, não são apenas demográficas e numéricas: em 1888 extinguiu-se a
escravidão, um, ano após proclamou-se a República, o país industrializou-se alterou-se a
composição de sua população com a absorção intensa da imigração espanhola, italiana,
alemã e japonesa; formou-se um proletariado urbano rural e a classe média assumiu
claros contornos sociais e políticos.
Nos longínqüos 1872, as mulheres compunham aproximadamente 45% do
que o Censo considerava trabalhadores e, então, como agora, não se considerou as
donas de casa nesse conjunto. Das mulheres que trabalhavam oficialmente, a agricultura
empregava 25%, os serviços domésticos 33%. No entanto, se observarmos o total de
pessoas absorvidas, naquela ocasião, tanto nos· serviços, quanto na indústria,
constataremos que elas eram mulheres em sua maioria. De fato, as mulheres eram
dominantes na prestação de serviços pessoais· (81 % do total de pessoas no setor);
contudo, diferentemente de agora, eram 78% , dos trabalhadores industriais: Elas
perdiam para os homens na agricultura, que' consistia na atividade econômica mais
importante.
O que esses dados do século passado mostram é que muitas mulheres
trabalhavam, embora parte substancial, desse trabalho fosse realizada dentro da família,
como donas de casa e serviçais domésticas. Política e economicamente, a família, a
propriedade territorial e a escravidão eram eixos do mesmo fenômeno, o latifúndio, com
sua produção voltada para o mercado externo. No latifúndio, sinhás e escravas eram
partes da mesma comunhão doméstica. Às fazendeiras, embora sob o jugo masculino e
interminavelmente explorando as escravas, cabia, não obstante, desempenhar várias ocupações: supervisionava e controlava todas as atividades caseiras, como cuidar das
crianças, cozinha e costura e, ainda, a produção de sabão e velas, freqüentemente
comercializados nas vilas mais próximas. No caso das mulheres escravas, elas partilhavam, desde pequenas, com as crianças do sexo masculinas, as tarefas mais duras e
pesadas, tanto domésticas quanto na agricultura. Elas roçavam plantavam e colhiam
algumas cultivavam ainda, alimentos em pequenos pedaços de terras que vendiam e
assim, logravam comprar sua liberdade.
Na periferia da grande propriedade territorial estavam os antepassados dos
atuais bóias-frias: homens e mulheres pobres e brancos, sem propriedade, e que,
eventualmente, eram incorporados às atividades do latifúndio: Nesse grupo, disperso pelo
território brasileiro e desprovido de terras, as mulheres ficavam com o encargo dos filhos,
44
Este texto foi distribuído pela Nalú Farias da SOF, durante o Curso de Formação de Educadores/as em
Concepção Prática Sindical e Metodologia da Formação, realizado pela ENFOC/CONTAG.
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Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG
freqüentemente abandonados pelos pais, dedicando-se ao comércio ambulante de
mercadorias feitas em casa, à prestação de serviços pessoais como costura ou cozinha e,
finalmente, à prostituição. A mulher taboleira, por exemplo, teve origem nesse pequeno
comércio ambulante, onde se vendia sonhos, café torrado, flores, refrescos, cestos,
palmitos, aves, milho assado, bolo, angu, etc.
Foi também no século passado que tomou impulso a constituição de um
campo de trabalho fundamental para a jovem de classe média: o ensino primário.
Inicialmente, o ensino era uma esfera de atividades masculina, mesmo porque, até o
inicio do século XIX, um conjunto de medidas legais restringia o acesso das mulheres às
escolas e, portanto, à habilitação profissional. Apenas em 1827 surgiu a primeira
regulamentação que permitia às mulheres freqüentarem o ensino elementar, mas apenas
esse. As primeiras Escolas Normais (a da Bahia, fundada em 1835, e a de São Paulo,
fundada em 1836) destinavam-se exclusivamente a rapazes. Não podendo ser alunas,
não podiam ser professoras. Aos poucos, no entanto, as vagas foram se abrindo às
mulheres e, finalmente, em 1871, reorganizou·se o ensino de formação para o magistério,
aceitando-se a participação feminina, desde que com um currículo específico que
incluísse bordado branco, em filó, de matizes, flores de contas e aplicação, cortes de
roupas brancas e lisas.
Como se sabe, as restrições progressivas ao tráfego negreiro, a libertação de
escravos sexagenários, a Lei do Ventre livre, começaram a configurar uma crise na oferta
de mão-de-obra e a estimular o comércio interno de escravos, principalmente em direção
às regiões fluminense e paulista, para absorção nas lavouras de café. No mesmo período,
expandiu-se a cultura do algodão em São Paulo e surgiram as primeiras fábricas têxteis.
Em resumo, a expansão econômica da lavoura para exportação provocou uma crise na
lavoura para o abastecimento interno e uma demanda não suprida por mão-de-obra. A
longo prazo, promovida pelo Estado em estreita conexão com os empresários, a imigração
européia seria a solução para a questão da força de trabalho nas lavouras de exportação
e consumo interno e, ainda, para a indústria em expansão. A curto prazo, mulheres e
crianças das periferias pobres das cidades forneceram os primeiros braços para essa
indústria.
MULHERES E CRIANÇAS NA FÁBRICA
O panorama da convivência das mulheres e crianças com as fábricas foi,
desde o início, desolador: viviam nelas, trabalhando uma jornada de até dezesseis horas
diárias, dormindo e se alimentando entre máquinas; eram obrigadas, após incontáveis
horas de trabalho, a aprender corte e costura e, freqüentemente, não faziam jus a
nenhum salário. As condições de trabalho supunham, ainda, a sujeira, a insalubridade, os
espancamentos e estupros.
À medida que o século XX se avizinhava, vilas operárias foram sendo
construídas, os homens - freqüentemente imigrantes estrangeiros - passaram,
paulatinamente, a substituir as mulheres nas oficinas, os salários generalizaram-se no interior da indústria, iniciando-se o hábito de pagamento diferenciado entre os sexos, com
os homens recebendo salários maiores que as mulheres.
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Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG
Uma operária, Luzia Ferreira de Medeiros, da fábrica têxtil Bangu, no
subúrbio do Rio, contou como eram as condições de trabalho já depois da virada do
século: "Entrei para a fábrica Bangu no período da primeira guerra mundial com sete anos
de idade. Iniciava o trabalho às seis e terminava por volta das 17 horas - sem horário para
almoço de definido. Era o critério dos mestres o direito de comer e tendo ou não tempo
para almoçar, o salário era o mesmo. Isso, evidentemente, depois de passada a fase do
trabalho gratuito, que chamavam de aprendizado. Não tínhamos lugar para comer. As
refeições eram feitas entre as máquinas. A Penas uma pia imunda servia· nos de
bebedouro. Nunca recebíamos horas extras, mesmo trabalhando além do horário
estabelecido. Mestre Cláudio fechava as moças no escritório para força-la à praticar
relação sexual. Muitas moças foram prostituídas por aquele canalha. (Em Edgar
Rodrigues, Alvorada Operária.)
O fato é que as mulheres: além de estarem submetidas, como os homens
trabalhadores, a condições de trabalho corrosivas, diferentemente desses, ainda sofriam
maus tratos corporais e auferiam salários mais baixos. Dados de 1912, do Departamento
Estadual do Trabalho de São Paulo, revelam que foram visitadas, para confecção de um
relatório, fábricas que contavam com 1.943 trabalhadores brasileiros, 7.499 estrangeiros
e 862 de nacionalidade ignorada. Dos 10.304 recenseados, 6.80I eram do sexo feminino.
A jornada de trabalho iniciava-se por volta das cinco e meia da manhã e terminava treze
horas depois. O salário médio das mulheres era bastante mais baixo que o dos homens: o
salário médio masculino na fiação era de 4$500 réis e o das mulheres, 2$000 réis. Na
seção de acabamento, em média, os homens recebiam 4$900 réis e as mulheres
recebiam 3$000 réis.
O PROTESTO FEMININO
No entanto, por mais dramática que fosse a vida da mulher operária,
dividida entre seus afazeres domésticos e a longa jornada do trabalho assalariado, esse
fato não a fez abdicar da sua capacidade de reação à injustiça e da ação política. No
Brasil, no início do século, anarquistas e socialistas foram os arquitetos da questão social
- uma questão de polícia para o Estado. Assim, foi no interior desses dois movimentos que
as mulheres procuraram demarcar um território para sua luta. Porque luta houve. O jornal
A Terra Livre, de tendência anarquista, foi o veículo utilizado pelas costureiras das
confecções para articular suas demandas e organizar seus sindicatos. Dois manifestos,
assinados por Teresa Cari, Teresa Fabri e Maria Lopes, ficaram célebres. Neles, por
exemplo, podia-se ler: "Devemos demonstrar, enfim, que somos capazes de exigir o que
nas pertence; e se todas forem solidária, se todas nos acompanharem nessa luta, se nos
derem ouvidos, nós começaremos por desmascarar a cupidez dos patrões sanguinolentos". (A Terra Livre, 19.07I 906.)
Conjuntamente ao apelo em nome dos' "direitos", vinham reivindicações
mais concretas e imediatas, mas não menos importantes, exigindo melhores salários e
menor jornada. Ao mesmo tempo muitas mulheres encabeçaram alguns dos mais
importantes movimentos grevistas do período.
Em 1901 e 1903, na Álvares Penteado, paralisaram o trabalho em protesto
contra as condições de trabalho e os salários; na mesma época, na Companhia Industrial
de São Paulo, fizeram uma paralisação contra a diminuição de tarefas; em 1902, na
Anhaia, em São Paulo, entraram em greve por solidariedade a uma companheira
despedida; em 1903, na Cruzeiro, no Rio de Janeiro, pelas mesmas razões, com o
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agravante de que a operária em questão, recém-parida, fora dispensada pelo mestre que
a engravidou; em 1906 e 1907, em fábricas por todo o país, pela diminuição da jornada.
Em 1917, as mulheres pararam os trabalhos nas Fábricas Matarazzo,
Fábrica de ligas Peterson, Fábrica de tecidos Mariângela, Fábrica de cigarros Trajano; e
em 1919, em Porto Alegre, tecelãs da Cia. Têxtil Rio Grandense, Companhia de Fiação e
Tecidos Porto-Alegrense e trabalhadoras da fábrica de chapéus F. C. Kessler & Cia.,
participaram de nova greve geral por aumento de salário, além das havidas no Rio e em
São Paulo.
MULHERES ENTRAM PARA OS SINDICATOS
Embora houvesse inúmeros fatores freando a participação feminina na vida
sindical.., . de um lado, a relutância masculina em aceitá-Ias como companheiras e, de
outro, as exigências de sua dupla jornada de trabalho que não Ihes deixava tempo para a
política - ainda assim, existem numerosos registros mostrando que um esforço considerável nessa direção foi realizado: não apenas vários sindicatos femininos foram
fundados, quanto há evidências de freqüência de mulheres, inclusive discursando, em
alguns congressos operários.
,
Dos sindicatos constituídos, um dos mais importantes foi a União das
Costureiras, Chapeleiras e Classes Anexas, com sede na rua Senhor dos Passos, no Rio de
Janeiro, onde já funcionava a União dos Alfaiates da mesma cidade. Â União foi fundada
por 50 operárias e sua primeira medida foi deflagrar uma greve pela redução da jornada
de trabalho a oito horas diárias. Uma de suas inspiradoras, Elvira Boni, lembra que o
trabalho começava às 8 h da manhã, terminando às 19 h, isso "quando a dona do atelier
não prorrogava a jornada até às 20 ou 22 horas, sempre pelo mesmo salário". (Em Edgar
Rodrigues, Alvorada Operária.)
Por sua vez, em alguns Congressos Operários, sua presença foi destacada.
No 2º Congresso Operário do Rio Grande do Sul, realizado em 1920, lima operária
delegada, de nome Alzira, discursou sobre as condições do trabalho feminino, destacando
como essas eram tão árduas que impediam um companheirismo mais vigoroso como o
dos homens na vida sindical: “Quando tomamos conta que a jornada de trabalho é de 8
horas e mais, pois ainda há casas em que se trabalham 14 a 16 horas, como por exemplo
as chapeleiras, costureiras sob medida, etc., podemos ainda lembrar o estado de ânimo
em que se encontram nossas irmãs, que após tão fatigante trabalho em troca de um
mísero salário , tem necessidade de fazer seus serviços domésticos. Como já disse, a
maioria é composta por mães de famílias, necessitando sustentar os seus e ampará-los
contra as misérias da vida (...) " (Em Edgar Rodrigues, Alvorada Operária.)
De fato, embora a presença de mulheres não tenha sido usual nos
Congressos, sendo mesmo obstaculada em alguns casos, desde as primeiras reuniões de
trabalhadores formou-se um certo consenso sobre quais deveriam ser as condições de
seu trabalho extra-doméstico. Uma resolução do 3º Congresso Operário Brasileiro,
realizado entre 23 e 30 de abril de 1920, resume esse consenso: "O 3º Congresso
Operário, confirmando as resoluções do 1º Congresso quanto à situação do elemento
feminino no meio proletário, aconselha vivamente as associações obreiras a se
esforçarem para interessar diretamente as operárias na vida sindical, preocupando-se
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com a sua educação social e intelectual e para que se estabeleça no trabalho um
ambiente de respeito, repelindo as brutalidades dos patrões e encarregados de serviços
intensificando-se a campanha no sentido de que para elas seja abolido o trabalho noturno
e o seus salários sejam equiparados aos dos homens."
A demanda por uma legislação especial, de caráter protetor, embora
discutível para muitos em virtude dos embaraços que terminou por causar para a
contratação e a carreira das mulheres, acabou por prevalecer e, em 1932, foi reconhecida
pelo Estado, pelo Decreto 21.417, que tanto proibia seu trabalho noturno, quanto criava
condições mais favoráveis à gravidez e estabelecia o princípio do salário igual para
trabalho igual.
AS MULHERES COMO FORÇA DE TRABALHO
O censo demográfico de 1920 mostrava que então 1.434.000 mulheres
trabalhavam oficialmente, apresentando 15% da força de trabalho. Deste total de
mulheres trabalhadoras, 42% estavam na agricultura, 31 % na indústria (inclusive em
serviços de reparação) e 26% em serviços.
No entanto, tomando o total de pessoas trabalhando nos diversos setores da
economia, constata-se que, na agricultura as mulheres eram 9% da força de trabalho; na
indústria de transformação 36%; na prestação de serviços, 81 %. Comparando os dados
de 1872 com os de 1920, a conclusão mais importante é que, à medida que a indústria
se expandiu, diminuiu a participação das mulheres no seu interior. Outras informações
demonstram que, não obstante esse decréscimo, elas permaneceriam, desde então, em
torno da metade do proletariado têxtil e seriam majoritárias no setor de confecções.
Assim, vale a pena lembrar que durante toda a década dos vinte, e no início
dos anos 30, principalmente ma condição de tecelãs e costureiras, elas militaram no
movimento dos trabalhadores: a título de exemplo, eclodiram greves na Fábrica de
Tecidos Santa Maria, em Sorocaba, em I 922 no mesmo ano, no Rio, participaram da tentativa de uma greve geral da categoria: em 1925, bordadeiras, costureiras e
trabalhadoras de fábricas de fósforos em Niterói deram testemunho em A Classe Operária
sobre suas condições de trabalho e salários e tentaram ganhar a solidariedade masculina
para suas reivindicações; fizeram greves na Fábrica de Tecidos Irmãos Tognato, em São
Bernardo, em 1931.
PIONEIRAS DA LUTA SOCIAL
Algumas mulheres destacaram-se na vida pública e em sua participação
junto às organizações operárias. Dentre várias, cabe destacar Maria Lacerda de Moura,
Isabel Ferreira Bertolucci e Bertha Lutz.
Maria Lacerda de Moura; mineira de Manhuaçu nascida em 1877,
professora e escritora, organizou a Vila Dom Viçosa, em Barbacena, na qual 22 casas
foram construídas para favelados e, ainda, fundou a Liga Contra o Analfabetismo.
Convidada para discursar na Federação Operária Mineira, afirmou na ocasião: "A questão
social, a questão do bem-estar para todos resume-se no seguinte: 1º) Formar um núcleo
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de resistência feminina, cujo objetivo será protestar contra a escravidão da mulher,
trabalhar para a reivindicação de seus direitos e para sua emancipação mental. 2.°)
Pregar e exigir a educação popular, a instrução obrigatória, a educação racional feminina
por todo o país. 3.°) Trabalhar para a criação de uma ou mais universidades femininas,
sob esses moldes, a fim de preparar o pequenino exército das trabalhadoras que deverão
sair para o interior em demanda de outras mulheres de boa vontade, educando-as num
sonho de Paz futura para toda a gente. 4.°) Abrir escolas do caráter e da boa vontade,
escolas que despertem a iniciativa, escolas de força moral, porquanto é a força moral que
conduz o mundo no dizer de Binet. 5.°) Promover o estudo da psicologia das forças
ancestrais, da higiene, da fisiologia, da educação e da ética, das ciências enfim, da
filosofia, das artes - para o conhecimento da humanidade e das leis evolutivas em favor
da beleza e da perfeição dos costumes. 6.°) Trabalhar pela juventude e pelo exemplo
para dar à criança, fazendo crescer na juventude a necessidade de ideal mais amplo - de
justiça e eqüidade entre os homens. 7.°) Falar, pregar e protestar contra as mentiras
convencionais, contra a hipocrisia protocolar, detestar a política. 8.°) Pregar a Paz,
abominar a guerra, ampliar o amor à Pátria, fazê-Ia atravessar as fronteiras e olhar a
Humanidade de uma só vez, abrangendo as nacionalidades como membros da família
humana".
Isabel Bertolucci celebrizou-se pelo seu "Manifesto à Mulher Paulista",
publicado em A Plebe, em 03/12/1932, por ocasião do movimento constitucionalista.
Segundo ela própria, sua origem social estava na classe dos que tudo produzem e nada
possuem. No seu manifesto procurou, ultrapassando sua condição social e dirigir-se a
todas as classes de mulheres, de forma a persuadí-Ias de sua crença pacifista e da
imoralidade das guerras.
Bertha Lutz, já em 1919, juntamente com Olga de Paiva Meira, representou
o Brasil no Conselho Feminino Internacional, da Organização Internacional do Trabalho,
em cuja Primeira Conferência foram aprovados os princípios "de salário igual, sem
distinção de sexo, para o mesmo trabalho; e a obrigação de caia Estado organizar um
serviço de inspeção, incluindo mulheres, a fim de assegurar a aplicação das leis e
regulamentos para a frr0teção dos trabalhadores". Em 1922, fundou a Federação
Brasileira Para o Progresso Feminino, em cujo estatuto se esclareciam seus objetivos:
Promover educação da mulher e elevar seu nível de instrução;
Proteger as mães e a infância;
Obter garantias legislativas e práticas para o trabalho feminino;
Auxiliar as boas iniciativas das mulheres e orienta-Ias, na escolha de urna
profissão;
Estimular o espírito de sociabilidade e de cooperação entre as mulheres e
interessá-Ias pelas questões sociais e de alcance público;
Assegurar à mulher os direitos políticos que a nossa Constituição lhe oferece
e prepará-Ia para o exercício inteligente desses direitos;
Estreitar os laços de amizade com os demais paises americanos, a fim de
garantir a manutenção perpétua da Paz e da Justiça no Hemisfério Ocidental.
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Em 1936, Bertha passou a integrar a Câmara Legislativa Federal, como
suplente da vaga deixada por outro Deputado, elaborando, na ocasião, o Estatuto da
Mulher, apresentado por ela e pela Deputada Carlota Pereira de Queiroz. O Estatuto
ampliava a licença especial na época do parto para três meses; concedia à trabalhadora o
direito de dois períodos diários para amamentação, de meia hora cada um, durante os
seis meses iniciais de vida do bebê; reduzia de 30 para 20 o número de empregadas no
local de trabalho cuja presença exigia creches. Com o golpe de 1937 e o Estado Novo,
fechado o Congresso, as reivindicações de Bertha Lutz tiveram de esperar por melhores
oportunidades, e algumas delas somente foram concedidas em 1962.
Mas outras mulheres, de extrações ideológicas e partidárias diversas,
procuraram igualmente organizar-se, participando da vida pública. Em 1934, como parte
da Aliança Nacional libertadora, fundou-se a União Feminina que, no entanto, em 1935 foi
considerada ilegal, assistindo-se à prisão de várias de suas integrantes. Por sua vez,
durante a II Guerra Mundial, organizou-se o Departamento Feminino da Liga de Defesa
Nacional, cujos objetivos, além de recolher dos nativos e roupas para os soldados, eram,
no âmbito do estritamente econômico, lutar contra os aumentos no custo de vida e, no
âmbito do político, combater o nazi-fascismo e sua influência no país.
PARTICIPAÇÃO FEMININA NO PÓSPÓS-GUERRA
Terminada a guerra, promoveu-se um encontro nacional de várias
associações femininas, com representantes de vários estratos sociais, incluindo mulheres
de classe média, operárias e faveladas. Nessa ocasião, duas delas, participando do
Primeiro Congresso Internacional de Mulheres, em Paris, ressaltaram em discurso os
males do fascismo e a necessidade de proporcionar-se instrução política às mulheres, "a
fim de possibilitar-lhes participação efetiva nos movimentos de combate à guerra e aos
regimes de força". (Idem.) Todo esse esforço acabou por resultar, em 1949, na
constituição da Federação das Mulheres do Brasil, que consistiu em forte impulso para
outros núcleos locais, freqüentemente organizados em comitês de bairros.
No final dos anos 40 e durante a década seguinte, a participação feminina
foi intensa no movimento contra a carestia: no então Distrito Federal, onde se fundou a
Associação Feminina, mais de mil mulheres se congregaram para, nas palavras de uma
estudiosa, "lutar pela solução dos problemas especificas dos bairros, pela paz, contra a
elevação do custo de vida, pelos direitos das mulheres, pela defesa e proteção da
infância". (Idem). Também vale a pena ressaltar o papel que elas cumpriram na
organização do movimento de anistia para aquelas pessoas perseguidas ou presas pelo
Estado Novo.
Embora as mulheres tenham participado de formas variadas, da dinâmica
do movimento operário no período pós Estado Novo, destaca-se seu desempenho na
greve de 1953, em São Paulo, que paralisou aproximadamente 300 mil trabalhadores e,
cuja comissão central a tecelã Mariana Galgaitez terminou por integrar. Na ocasião, várias
outras grevistas foram indiciadas em processos por sua presença em piquetes. (Ver José
Álvaro Moisés, Greve de Massas e Crise Política, Ed. Polis, São Paulo). De fato, a greve
teve como origem a luta pelo aumento do salário mínimo, congelado desde 1951 e
desvalorizado pelos constantes aumentos no custo de vida (que Celso Furtado estima
como sendo de 50% entre 1949-52). A greve de São Paulo não foi isolada e dados
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coletados por José Álvaro Moisés lhe permitiram falar em 264 paralisações no período
1951-1952, eclodidas em todo país, cujas principais motivações eram a necessidade de
aumentos nos salários, pagamento de salários atrasados, solidariedade, melhores
condições de trabalho e, em número menor, bonificação de Natal e o protesto contra a
carestia.
Os Censos Demográficos de 1940 e 1950 continuavam, então, acusando
queda da participação feminina na indústria e sua persistência na prestação de serviços
pessoais. Em 1940, o trabalho industrial das mulheres caíra para 26.4% e em 1950 para
23.9% do total de trabalhadores.
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A MULHER E A EMERGÊNCIA DA SECA NO NORDESTE DO BRASIL
Izaura Rufino Fischer 45
Lígia Albuquerque 46
O Nordeste do Brasil tem uma extensão territorial de 1.808.077 km quadrados, que
representa 18,7% do território brasileiro, e uma população de 42.470.255, ou seja, 27%
da população brasileira. Esta região, reconhecida como polígono das secas, possui 60%
de seu território em área considerada vulnerável a esse fenômeno, porém apresenta
diversidade climática (Moura, 2000), possuindo áreas úmidas e chuvosas. De acordo com
Andrade (1986), a região possui clima exteriorizado pela sua vegetação natural, que
desde a época colonial deu lugar a três tipos de zonas agrícolas, a saber: a Zona da Mata,
com clima quente e úmido, com estações bem definidas, sendo uma chuvosa e a outra
seca; a do Sertão, também quente, porém seca e vulnerável a esse fenômeno natural; e a
zona intermediária, denominada de Agreste, com trechos quase tão úmidos como a da
Mata e outros tão secos como a do Sertão. Diante de tal diversidade, surgem desde o
período colonial, sistemas complementares de exploração agrária, mas que se
contrapõem econômica e politicamente: o Nordeste da cana-de-açúcar e o Nordeste do
gado, observando-se entre um e outro, hoje, o Nordeste da pequena propriedade e da
policultura. A Zona da Mata é apontada como área dos grandes canaviais, localizando-se
aí a maior porção das usinas do Estado e sobretudo aquelas que dispõem de maior
dimensão, apesar da pobreza do solo em matéria orgânica.
Na Região Nordeste, verificam-se consideráveis desníveis sociais. Na área rural há, por um
lado, pequeno número de médios e grandes proprietários com elevado padrão de vida. Há
também apreciável número de pequenos proprietários que, dependendo da qualidade da
terra, têm padrão de vida razoável ou precário e que, intermitentemente, vendem sua
força de trabalho. A estrutura agrária é bastante concentrada, principalmente no que se
refere aos latifúndios insatisfatoriamente explorados. Apesar de não existir grande número
de latifúndios, a dimensão de terras ocupadas pelos latifundiários é grande.
A região é considerada subdesenvolvida, e sua população tem condição de vida precária,
contando com alto índice de analfabetismo.
A dimensão social e política da seca
A seca é um fenômeno natural que tem registro no Nordeste desde a colonização da zona
semi-árida da região, sendo de 1534 o primeiro relato desse desastre natural (Andrade,
1986). De acordo com Araújo (1999), ao se focalizar a dimensão natural das secas, não
se consegue vislumbrar muito mais do que a histórica repetição de cenas de fome e sede.
Embora tendo o caráter natural e acontecendo na mesma região, a seca ocorre em
diferentes conjunturas sociais, econômicas e políticas que possuem aspectos particulares
quanto à estiagem. Misturam-se a ela aspectos socioeconômicos e políticos que lhe tiram
o caráter único de desastre natural. Para efeitos deste trabalho, a seca será considerada
como fenômeno social que agrava a pobreza e afeta particularmente as condições de vida
da população, que dificilmente tem acesso às políticas sociais.
45
46
Pesquisadora da FUNDAJ
Idem
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A seca, como fenômeno social de dimensão secular, segundo Gaspari, citado por Araújo
(1999), muda a própria história das estiagens. Em 1877, a catástrofe centrou o tema na
consciência nacional; em 1915, o governo se envolve com as conseqüências do
fenômeno; em 1958, a seca leva à fundação da SUDENE; em 1998, transpôs os saques
da fome do sertanejo para a sala de jantar do Brasil.
Diversas políticas sociais têm sido implementadas no enfrentamento da seca, muitas das
quais destinadas a corrigir distorções conjunturais geradas por modelos econômicos. As
preocupações em corrigir distorção estrutural proporcionam algum quantum de equidade
social e sustentabilidade ambiental, que só recentemente começaram a fazer parte da
agenda governamental. Algumas medidas são implementadas sem resultado permanente,
pois são geradas no jogo das articulações políticas em que se considera a sociedade
como espaço que pertence aos outros. Assim, tais medidas são manuseadas e desviadas
no caminho da prática, pois os horrores da seca fortificam interesses regionais.
Os efeitos da seca não atingem igualmente a população e o território do semi-árido, fato
que favorece as desigualdades dos benefícios destinados ao socorro da população
através de uma política unificada. Considerando que o Nordeste está dividido em três
zonas de diferentes aspectos naturais e que possui infra-estrutura dominada pelas
oligarquias agrárias, o assédio aos governantes, quando da instalação das políticas
sociais dirigidas à região, é marcante. O momento da seca, para os produtores mais
abastados, pode significar mais uma oportunidade para aumentar seu poderio e estender
seus domínios com o auxílio das políticas sociais, a exemplo do crédito financiado a juros
baixos, a ser pago no longo do prazo ou a fundo perdido (FUNDAJ, 1983). Na
implementação das políticas, os mais vulneráveis são geralmente os trabalhadores sem
terra e miniproprietários rurais. No estado de Pernambuco, por exemplo,
aproximadamente 32% (Albuquerque, 1998) da população não conseguem atravessar os
momentos críticos da estiagem sem ajuda externa. Os produtores potencialmente mais
resistentes, formados por grandes proprietários ou pertencentes a famílias abastadas,
enfrentam os efeitos da seca com menor esforço e sofrimento, principalmente devido à
ajuda das políticas sociais.
No entanto, a seca, ao dar visibilidade às mazelas sociais da região, dá espaços à lógica
da contradição, que possibilita a organização da população afetada para se mobilizar e
cobrar dos governantes medidas de amparo. Nessa ocasião, homens e mulheres adotam
práticas de luta, adequadas a cada conjuntura política. Assim, enquanto os proprietários
rurais tomam atitudes que lhes proporcionam ganhos que superam suas perdas, os
trabalhadores rurais, particularmente os sem terra, redefinem sua forma de ação ao
trocarem o tradicional saque realizado em feiras públicas pelo ataque a transportadores
de alimentos administrados pelo governo, além de promoverem ocupação do principal
órgão de desenvolvimento da região, a SUDENE, para reivindicar uma política de apoio à
população atingida pela seca. A mulher exerce, de modo peculiar, pressão mais direta
sobre as estâncias estaduais e municipais que estão mais próximas.
A seca, por um lado, causa danos à população, mas também propicia benefício, como o
da informação, especialmente através do rádio e a da televisão, que, divulgam e
denunciam a situação e ação dos trabalhadores, além da profundidade da catástrofe.
Também leva à tona o nível de organização política dos mais afetados, através dos
sindicatos dos trabalhadores rurais e movimentos sociais que lhe dão visibilidade, a falta
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de infra-estrutura da região rural, a exemplo da carência de energia elétrica, a fragilidade
do nível educacional da população e a sua convivência com problemas típicos de grandes
cidades, como a insegurança, a prostituição, o consumo e o tráfico de drogas (Fischer e
Melo, 1999).
Essas mazelas sociais, que aparecem em pequenas cidades interioranas, podem ser
consideradas filhotes da globalização, que, além de invadir os mais longínquos recantos
do Nordeste, tem contribuído para redefinir hábitos, costumes e tradições que
parafraseando Hobsbawn (1997), foram secularmente inventadas.
A seca que atingiu o Nordeste do Brasil no período 1997-1999 se instala num contexto já
fragilizado pelos efeitos da globalização, que se manifesta através do desemprego, da
migração interna na região, da concorrência entre forças desiguais etc. Tais efeitos
tendem a se agravar, pois, segundo Ianni (1995), esse vasto processo histórico-social,
econômico, político e cultural continua a expandir-se. A globalização como aporte
econômico, de um modo geral e, particularmente, no Nordeste, contribuiu para a
desaceleração da indústria, do comércio e da agricultura. Tais fatores levam a aprofundar
os efeitos nefastos da seca sobre a população atingida. Além disso, a competição
desigual, própria da globalização, é duplicada com a situação de seca, pois as regiões
afetadas pela catástrofe enfrentam a concorrência com outras localidades que se
encontram em plena normalidade, fato que contribuiu para a transferência da renda das
regiões mais pobres para as mais ricas. Assim, a seca se instala num cenário em que
grande parte do pequeno produtor sem terra reside na periferia da cidade, não tem lugar
certo de trabalho quando planta, e a prioridade do proprietário da terra é pela produção
de alimento para a pecuária.
Com a seca, a pecuária torna-se mais vulnerável diante da globalização. Os produtores do
sequeiro, em função da crise climática, enfrentam a concorrência de carne e leite em
condições desfavoráveis.
Na avaliação de administradores governamentais locais entrevistados, a expectativa para
a agricultura é a de que a recuperação seja lenta. "Os governantes terão de escolher entre
subsidiar o campo ou construir a miséria na cidade".
A política social da seca
A política adotada em período de seca, chamada política de emergência, é um programa
governamental implantado para amenizar ou eliminar conflitos sociais inevitáveis que
explodem quando parte da população tem seu nível de subsistência comprometido. Essa
política tem como objetivo atender a população que se encontra em reconhecido estado
de calamidade pública, sobretudo no que se refere ao abastecimento d’água e geração de
renda. Tal política é estabelecida a partir de pressões da população que tem seu suporte
alimentar afetado.
As políticas sociais criadas em períodos de seca são geralmente transformadas em
programas de governo, tendo as verbas alocadas, em tese, de acordo com as prioridades
da população. Os programas têm sido, por vezes, direcionados a outros projetos como o
da educação, da saúde, da água, crédito etc. ou se tornam exclusivos, a exemplo da
chamada "frente produtiva," composta por obra hídrica, capacitação e alfabetização dos
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trabalhadores. A "frente produtiva" tem o objetivo de preparar a população para conviver
com a estiagem.
Na seca de 1998, aproximadamente R$ 600.000.000,00 foram destinados a atender a
população atingida pela catástrofe. Tal montante, distribuído através do órgão de
desenvolvimento do Nordeste, foi alocado em vários programas existentes, com o
propósito de beneficiar até um milhão de trabalhadores rurais (Melo, 1999). De acordo
com a autora, os beneficiados seriam contemplados com alimentos, emprego, educação,
saúde, crédito, etc. Os beneficiados com emprego deveriam estar disponíveis 27 horas
semanais, que poderiam ser usadas realizando trabalho rural ou urbano, ou dedicando-se
à capacitação ou alfabetização.
Na escolha dos contemplados, segundo a autora, foram usados critérios de seleção como:
ser trabalhador rural, ter idade entre 14 e 60 anos; na família de 1 a 5 membros, apenas
um poderia ser contemplado; de 6 a 10 pessoas, poderiam ser inscritos dois integrantes;
e, acima de 10 pessoas, era facultada a participação de três membros do grupo familiar.
O núcleo familiar com mais de 7 membros que possuísse aposentado poderia inscrever
apenas uma pessoa. Dada a peculiaridade da área, foi definido: a prioridade ao
trabalhador rural que dependesse da produção agrícola ou pecuária para o sustento da
família; a preferência aos trabalhadores cabeças de família; produtores que se
enquadrasse nos critérios da agricultura familiar PRONAF (o candidato deve ser parceiro,
proprietário ou arrendatário); utilizar força de trabalho familiar; ter renda de no mínimo
80%, gerados da exploração agropecuária; residir na propriedade ou aglomerado urbano
próximo; possuir quantidade de terra que não supere 4 módulos fiscais qualificados na
região em vigor.
As linhas norteadoras das frentes produtivas, além de contemplarem recursos hídricos,
alfabetização|capacitação e saneamento básico, incluíram outras ações, a exemplo das
frentes ecológicas e culturais (educação ambiental, conservação e recuperação do meio
ambiente e ecoturismo. As atividades culturais resumem-se a dinamizar o artesanato nos
principais centros do país).
As principais ações implementadas pela política social da seca estão assim organizadas:
•
•
•
•
•
•
Distribuição de cestas básicas contendo 19 quilos de alimentos (feijão, arroz, fubá,
farinha, açúcar, café, óleo, macarrão);
Construção, recuperação e limpeza de cisternas, tanques, barreiros, açudes,
barragens e aguadas;
Construção de residências na área rural e recuperação de prédios públicos;
Fabricação de telhas e tijolos a serem utilizados em obras ou mutirões;
Produção de brita e paralelepípedo, destinada principalmente à construção de
asfaltos;
Crédito destinado à criação de infra-estrutura no valor de R$ 450.000,00
(investimento e custeio);
Os recursos para tais ações devem ser administrados por Comissões Paritárias compostas
por membros do Estado e representantes da população afetada. Essas comissões devem
ser formadas nas esferas federal, estaduais e municipais. Os membros da Comissão
devem ser indicados pelas instituições que os representam.
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A contribuição da mulher na atenuação da fome na seca
O problema da seca não se manifesta no aspecto específico da água, mas especialmente
na escassez de alimento, caracterizada como fome endêmica, relacionada à casa e à
mulher, que não é pensada pelos idealizadores da política da emergência da seca.
A palavra fome, de acordo com Sobrinho (1982), comporta vários significados. Diz respeito
ao indivíduo e à humanidade, e é problema crucial. No passado, o termo se referia à falta
de alimento para saciar o apetite, que, no ser humano, é considerado estágio fisiológico
ligado à necessidade alimentar. No sentido moderno, fome é a falta de quaisquer dos
quarenta ou mais elementos nutritivos indispensáveis à manutenção da saúde. Essa
carência ocasiona morte prematura, embora não acarrete, necessariamente, a inanição
por falta absoluta de alimento.
Em qualquer dos significados acima levantados, a fome é uma constante nas famílias dos
pequenos agricultores do Semi-Árido nordestino, independentemente da seca. Seria uma
visão simplista atribuir a fome da família rural dessa região do Nordeste unicamente à
irregularidade pluviométrica que periodicamente desorganiza a produção. De acordo com
Castro (1980), a seca apenas agrava a situação da fome, que tem causas mais ligadas às
desigualdades sociais do que aos fenômenos climáticos.
Assim, observa-se que a fome no Semi-Árido nordestino constitui uma extensão da
pobreza, que as famílias dos pequenos produtores rurais caracterizam como
necessidades. Estas, em período de chuvas normais, se referem à comida de má
qualidade, falta de roupas e calçados, carência de assistência médica, falta de terra para
trabalhar, moradia e outros elementos do bem-estar que, como enfatiza Bobbio (1992),
são direitos do cidadão, considerados indispensáveis à sua sobrevivência.
De acordo com Fischer (1998), no período de escassez de chuvas, as chamadas
necessidades aumentam e comprometem a própria sobrevivência da família sertaneja
nordestina, especialmente no que se refere ao suprimento alimentar. Ao atingir tal
estágio, a necessidade adquire a conotação de fome, que, amenizada pela rede de
solidariedade entre os iguais, é novamente considerada pela família do produtor rural do
Sertão nordestino como necessidade básica. Esse processo de solidariedade ocorre
através da distribuição do pouco alimento que existe na comunidade ou rede de
parentesco, e aquele que dispõe de algum quantum de alimento, socorre quem nada tem
para cozinhar. Assim, é através desse arranjo que a solidariedade caricatura a fome,
dando-lhe novamente a conotação de necessidade, a qual, em sentido simbólico, pode
significar muitas coisas juntas. Dessa forma, a fome somente se caracterizaria como tal
no caso de morte por inanição, isto é, quando atinge o indivíduo na sua totalidade e
alcança o patamar classificado por Josué de Castro (1980) de epidemia de fome coletiva,
que afeta indistintamente a todos.
Na família estudada do Semi-Árido, segundo Fischer (1998), as necessidades não passam
pelo crivo do planejamento, mas, sem dúvida, obedecem a uma administração rigorosa.
Nessa administração, homens e mulheres têm papéis diferenciados, pois cabe ao
elemento feminino enfrentar a difícil tarefa de gerenciar o alimento consumido no
cotidiano, enquanto o homem tem a pesada função econômico-social de produzir e
distribuir os gêneros alimentícios.
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Na administração cotidiana do alimento, principalmente durante a seca, a mulher rural em
estudo, além de calcular a quantidade de gêneros alimentícios que deve ser consumida
diariamente na unidade familiar, muitas vezes, delimita também o alimento de cada
membro durante a refeição. Geralmente, cabe a ela distribuir "pratos feitos" entre os
familiares, para que todos sejam contemplados eqüitativamente. Nessa distribuição, os
indivíduos, principalmente a dona-de-casa, não ingerem a quantidade que seu apetite
permite, mas, diante da limitação do alimento, o que é possível. Vale, ainda, salientar que
no processo de distribuição da refeição, são estabelecidas prioridades que contemplam as
crianças e o marido. Caso os pequenos não fiquem relativamente satisfeitos, alguém, que
geralmente é a mulher, doa a refeição que lhe cabe. O marido é, sobretudo, contemplado
nessa distribuição. O fato de ter pouco alimento para servir na hora da refeição,
principalmente para as crianças e o marido, é, na opinião da mulher pesquisada, a prova
mais dura que enfrenta na seca. "Esta é uma provação que tira o sono, o sossego, o ânimo
e até a vontade de viver", avalia uma entrevistada do município de Patos. Os depoimentos
seguintes enfocam a angústia da mulher ao dividir o alimento na unidade familiar:
Fico desesperada quando a comida não dá. Quem está na cozinha é quem sente a
dor de cabeça, vendo o povo pra comer e a comida sem dar pra todo mundo. É
difícil fazer uma sopa com a metade de um pacote de macarrão para dividir com 8
pessoas. Eu afino a sopa. Afino... mas não tem jeito. Os filhos e de 13 e 15 anos,
são comedores, não se conformam com pouco. Aí dá dor de cabeça. A parte da
mulher esquenta muito. Se não usar bem com o juízo, se atrapalha. Brigo, reclamo
o tempo todo. Reclamo para o marido e para os filhos porque não vou morrer
calada. O marido pergunta: nós vamos fazer o quê? Aí, ele sai pra comprar fiado.
Quando ele consegue fico satisfeita. Só quem sabe o que tá precisando, se a
comida vai dar, o que vai faltar, é a mulher. Tem hora que olho pro velho, que tem
mais idade do que eu, e digo: tu tá mais novo do que eu. Ele sorri e diz: é, você se
aperreia muito (entrevistada do município de Patos).
É difícil repartir a comida. É preciso saber pra ninguém ficar sem nada. A criança
não quer saber de onde sai. Quer comer 3 vezes por dia. Pobre come só o que tem.
Se tem pouco, todos têm que comer pouco, se conformar com o que tem. Mesa de
pobre é desigual: tem dia que faz de conta que tem; outra vez nem isso pode fazer,
passa pela mesa (entrevistado residente no município de Ouricuri).
O homem rural do Semi-Árido pesquisado dificilmente passa por dificuldades semelhantes
às da mulher chefe de família, pois raramente assume o núcleo familiar sozinho. Seu
constrangimento resume-se ao não cumprimento de suas obrigações de provedor do lar,
tarefa que culturalmente lhe é atribuída e cobrada pela sociedade e, sobretudo, por ele
próprio.
O homem apresenta comportamento peculiar no enfrentamento da falta de comida,
principalmente no período da seca. Enquanto a mulher procura dar vazão a seus
impulsos, dividindo seu desespero com todos na família - chora e insulta o marido e
encara o problema com determinação, segurança, esperança, e consegue inclusive
levantar o ânimo dos familiares -, o homem tende a assumir calado sua fraqueza e, no
geral, fica deprimido e frágil. Esse grau de depressão aumenta na medida em que a
mulher, diante da falta de comida para servir aos filhos, cobra-lhe a obrigação de dono de
casa e, portanto, de mantenedor da família, exigência que ele tende a ler como negação
da sua condição de homem. Diante de tal cobrança, o homem, de um modo geral,
demonstra sentimento de impotência e apenas tenta se justificar dizendo que "não tenho
de onde tirar"... "não encontro pra quem trabalhar"... e devolve o problema para a mulher,
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dando-lhe mais uma tarefa: a de pensar sobre o que ele deve fazer. Este é um tipo de
situação que deixa o homem um tanto desmoralizado diante da família e com a autoestima em baixa.
A escassez de alimentos, sobretudo durante a seca, causa mal estar psicológico e social
no homem e na mulher e, sem dúvida, transtornos orgânicos na família rural, que tem sua
alimentação totalmente desequilibrada. A dona-de-casa rural da seca dificilmente sabe
distinguir proteínas de vitaminas e tampouco entende o que significam sais minerais,
porém, sabe dosar, no preparo do alimento, quantidade e qualidade na junção dos
nutrientes, de forma que se existir produção de feijão, milho, arroz, ovos, leite, carne
(mesmo que eventualmente) e algumas verduras, a família terá a alimentação
relativamente equilibrada devido à vivência da mulher rural pesquisada, tanto com a
combinação de alimentos quanto com a escassez e limitação na diversificação de
produtos alimentares. E embora aquela alimentação balanceada com proteínas e
vitaminas que, segundo Castro (1980), constituía o grosso do consumo da família
sertaneja, como queijo, manteiga, carne de boi, carneiro, cabrito, que fazia do sertanejo
"um forte", na expressão de Euclides da Cunha, já não exista, da época restaram o hábito
alimentar e a cultura de preparar o alimento, assimilada pela mulher.
Assim, mesmo desconhecendo o conteúdo de proteínas, vitaminas e sais minerais dos
produtos alimentares, a mulher utiliza seu aprendizado sobre o seu preparo, repassado
através de gerações, para improvisar arranjos nutricionais durante a seca, embora tenha a
consciência de que a refeição não está balanceada em vista da reduzida diversificação e
da quantidade dos itens disponíveis. O seguinte depoimento, que simboliza o sentimento
de praticamente todas as entrevistadas, versa sobre os arranjos alimentares improvisados
pela mulher em época de estiagem:
O alimento é fraco na seca, mas pobre come tudo. Quando a gente pega em
dinheiro, nós faz a feira. Feira assim... porque gente fraco não faz feira. Compra 10
quilos de açúcar e 10 quilos de feijão pra 15 dias. Compro o carioquinha, que
rende mais. Cozinho o feijão de manhã, e 11 horas a gente come os caroços do
feijão com "cusculho". Deixo o caldo do feijão pra noite. Aí, eu tempero aquele
caldo com uma cebola e alho e coloco um pouco de "cusculho", e assim a gente
vive. De manhã, é só café com açúcar, quando tem, porque café tá muito caro.
Hoje não tinha café em casa. Alguém deu café e açúcar a ele lá pela rua [o marido,
que estava junto, envergonhado repreende: eu comprei fiado]. Mesa de é desigual
(entrevistada residente no município de Patos).
Esses arranjos alimentares são, por vezes, improvisados com os gêneros da cesta básica
doada pelo governo através do Programa de Emergência e que, ao todo, contém 19 quilos
assim distribuídos: 5 de arroz, 5 de fubá, 2 de farinha, 1 de açúcar, 4 pacotes de
macarrão e 2 latas de óleo vegetal. A mulher poupa as iguarias recebidas, de tal forma
que duram, em média, 15 dias, se complementadas com as compras feitas com o salário
de R$ 80,00 (exceto no estado do Piauí, onde é de R$ 60,00), pago pelo governo, a título
de emergência, às famílias atingidas pela seca. Apesar da má qualidade dos alimentos da
cesta básica, conforme destacam praticamente todas as entrevistadas (o fubá é ruim, o
feijão vinha duro (foi substituído pelo fubá) e a farinha não presta), a família se mantém
num patamar mínimo de sobrevivência alimentar durante um mês. A situação torna-se
mais crítica quando aquele salário sofre atrasos, o que ocorre com freqüência,
prejudicando aquelas fragilizadas famílias, que ficam sem ter a quem recorrer para
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conseguir qualquer tipo de alimento. Os comerciantes da localidade não vendem fiado a
esses trabalhadores, devido aos freqüentes atrasos nos pagamentos da Frente de
Emergência, o que contribui para descontrolar ainda mais seu limitado orçamento
familiar. Diante de tal realidade, a fome absoluta ameaça intermitentemente o cotidiano
dos atingidos pela seca.
Considerações Finais
Como se pode observar, o Nordeste do Brasil e, particularmente, a zona do Sertão semiárido é intermitentemente atingida por secas, e, dado o seu caráter de região pobre, a
grande maioria da população tem a sua condição de vida afetada em sua estrutura. As
políticas sociais destinadas a essa região ainda não proporcionaram uma base estrutural.
suficiente para que a população conviva com as secas sem passar pelo tormento da fome,
que fragiliza o seu desenvolvimento em todos os aspectos e desmoraliza o indivíduo na
sua dignidade. Diante da impossibilidade de convivência com esse desastre natural, a
cada ocorrência de seca, a contribuição da mulher está presente, auxiliando a política
social da emergência. Sem esse auxílio, o Estado dificilmente conteria os conflitos sociais
e a dizimação da população provocada pelo referido fenômeno, pois a fome certamente
contaminaria a região, levando-a ao caos.
Bibliografia
Andrade, Manuel Correia de. A terra e o homem no Nordeste: contribuição ao estudo da questão
agrária. 5 ed. São Paulo: Atlas, 1986.
Araújo, Maria Lia Correia de. Seca: fenômeno de muitas faces. Fundaj: Recife, 1999.
Bobbio, Norberto et al. Dicionário de Política. 4 ed. Brasília: ed. Universidade de Brasília, 1992.
Castro Josué de. Geografia da fome. Rio de Janeiro: Antares, 1980.
Conselho
Conselho de desenvolvimmento de Pernambuco –Condepe. Recife: 1998.
Fischer, Izaura R. e Melo Lígia Albuquerque de. O trabalho feminino: efeitos da modernização agrícola.
Recife: Massangana, 1996
Fischer, Izaura R. (in Branco – Org.) A família rural da seca. Recife:
Recife: FUNDAJ, 1998.
Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ. Dimensão social e política da seca de 1983. Recife, 1983.
Hobsbawm Eric e Terence Ranger. A invenção das tradições. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
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Sobrinho Estevan de Lima. Fome, agricultura e política no Brasil: a chantagem alimentar. 2 ed.
Petrópolis, Vozes, 1982.
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amiliares
Muito trabalho e nenhum poder marcam as vidas das agricultoras ffamiliares
TACIANA GOUVEIA47
Nos últimos anos, a agricultura familiar vem ganhando importância como alternativa para
o desenvolvimento rural sustentável, tanto nas ações dos movimentos sociais como das
políticas públicas governamentais. No que se refere a essas
essas políticas, até o momento, a
força discursiva não foi suficiente para provocar resultados que alterem os graves padrões
de pobreza e exclusão a que estão submetidas as populações rurais – cujas causas estão
radicadas no exaustivamente reconhecido modelo
modelo de desenvolvimento hegemônico
brasileiro, que privilegia o setor latifundiário e a agricultura patronal. Este artigo pretende
analisar as relações, contradições, funcionalidades e dependência entre o modo como
está estruturada a agricultura familiar e as desigualdades de gênero, demonstrando as
conseqüências dessa dinâmica tanto na restrição da autonomia e cidadania das mulheres
como no que se refere aos riscos que o próprio modelo corre se não construir
possibilidades para o enfrentamento dessas desigualdades.
desigualdades. Tais riscos não estão
relacionados apenas aos limites para expansão ou consolidação da agricultura familiar,
mas às suas possibilidades de constituirconstituir-se em um instrumento que promova a
democracia e a justiça.
A constatação do hiato e da aparente contradição entre os discursos estatais e suas
proposições políticas não responde à totalidade do problema a ser enfrentado. Por outro
lado, no campo da sociedade civil, o discurso sobre agricultura familiar produzido nos
últimos anos por vezes a trata como um fenômeno histórico recente e altamente
idealizado, especialmente no que se refere à harmonia e à complementaridade entre as
ações humanas e a natureza, entre a produção e o consumo, entre mulheres e homens,
adultos(as), jovens e crianças, bem como o seu caráter multifuncional. Com relação a esse
aspecto, Soares considera que a “agricultura familiar provê um conjunto de bens públicos,
tangíveis e intangíveis, de elevado valor para a sociedade em geral”48, destacando sua
contribuição nos campos da segurança alimentar, sustentabilidade ambiental, função
econômica e social.
Sem negar que essas características podem ser realizadas pelo modo de produção
familiar, é fato que, entre a potencialidade e a realidade, há longo caminho a ser
percorrido que não depende apenas de mudança nas políticas públicas, mas
fundamentalmente dos processos sociais e políticos – em suas dimensões contraditórias
e conflitivas – presentes na base das análises e ações que tradicionalmente vêm
organizando e dinamizando a agricultura familiar. A mudança de foco aqui operada talvez
nos obrigue a olhar menos para as funções que exerce e mais para as estruturas que a
sustentam.
Ao estudar o processo de envelhecimento e masculinização da população rural, Camarano
e Abramovay questionam: “Até que ponto o meio rural pode ser um espaço propício na
construção da cidadania e de condições de vida capazes de promover a integração
econômica e a emancipação social das populações que aí vivem?”49. Tomando como
47 Feminista, coordenadora de educação do SOS Corpo – Gênero e Cidadania e integrante do Grupo de
Referência do Observatório da Cidadania. Agradeço a Carmen Silva e a Simone Ferreira, parceiras de trabalho
no SOS Corpo, pela colaboração neste texto.
48
SOARES, Adriano. Multifuncionalidade da agricultura familiar. In: REBRIP/ACTION AID. Comércio internacional,
segurança alimentar e agricultura familiar. Rio de Janeiro: Rebrip; Action Aid, 2001.
49
CAMARANO, Amélia; ABRAMOVAY, Ricardo. Êxodo rural, envelhecimento e masculinização no Brasil: um
panorama dos últimos 50 anos. Rio de Janeiro: Ipea, 1999. (Textos para discussão, n. 612).
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referência as relações de gênero na agricultura familiar em seu atual formato, as
possibilidades de construção de cidadania e emancipação das mulheres ainda são muito
restritas. O ethos da agricultura familiar coloca no pai todo poder para organizar não só o
empreendimento produtivo como também todo universo de relações que ali ocorrem. A
partir dele, constrói-se uma hierarquia rígida na ocupação de lugares, atribuição de
valores, oportunidades e benefícios50.
Em outras palavras, na dominação patriarcal, tal como definida por Weber, estão
presentes “a crença no caráter inquebrantável do que tem sido feito sempre de uma
determinada maneira”51 e a autoridade fundamentada na submissão e nas relações
pessoais de convivência íntima e permanente. Se o patriarcado é o sistema que cria,
justifica e legitima a opressão e exploração das mulheres, agricultura familiar, ao se
organizar a partir deste sistema, reproduz e perpetua tal exploração e opressão.
Tal diferenciação de oportunidades e poderes ocorre não apenas na agricultura familiar,
mas no próprio processo de visibilidade e valorização desse modo de produção. Como
bem analisa Buarque, “a nossa agricultura familiar é herança de uma atividade
basicamente feminina [...] instituída pelas mulheres nos espaços vazios dos grandes
latifúndios”52. E, ainda, “é interessante observar que, enquanto a agricultura familiar não
passava de um instituto marginal na economia, ela era vista como uma atividade feminina
vinculada ao doméstico; no momento exato em que ela passa a ocupar um espaço nas
grandes políticas, seus protagonistas mudam de sexo”53.
Ao mesmo tempo, não se pode negar que, ainda de modo incipiente, muitos setores
envolvidos na defesa da agricultura familiar começam a preocupar-se com essas
questões, uma vez que é concreta a “rota de saída” das mulheres, especialmente as mais
jovens, do espaço da agricultura familiar. Para além do reconhecimento verdadeiro e
legítimo das injustiças a que as mulheres estão submetidas, parece que a situação
começa a ser inquietante exatamente nos momentos e movimentos em que elas deixam
de estar, sendo a ausência o que concretiza esse (re)conhecimento.
Cabe abrir um parêntese para questionar a chamada invisibilidade das mulheres e seu
trabalho na agricultura familiar, expressão tão recorrente que já assume um estatuto de
verdade. As mulheres não são invisíveis, elas não são vistas no sentido de seu
reconhecimento como sujeitos ativos dos processos produtivos. Longe de ser um mero
jogo de palavras, atribuir aos outros a incapacidade de enxergar as mulheres muda o
sentido da compreensão da realidade e, conseqüentemente, das estratégias para a
superação das desigualdades. Não são as mulheres que se ocultam, são as relações de
dominação patriarcal que lhes atribui um lugar menor.
A operação de invisibilidade ocorre em um momento posterior ao trabalho realizado, seja
ele produtivo ou reprodutivo. Dá-se quando é negado às mulheres o direito de decidir;
quando as estatísticas e análises – produzidas pelo Estado ou pela sociedade civil – não
trabalham os dados separados por sexo; quando discursos mantêm a suposta
universalidade do masculino (“o agricultor”); quando os projetos políticos, estatais ou da
sociedade civil, não as consideram como sujeitos de direito.
50
Em pesquisa recente, Abramovay e colegas constataram que 64% dos pais informam que têm o poder sobre
todas as atividades da unidade familiar. ABRAMOVAY, Ricardo et al. Sucessão profissional e transferência
hereditária na agricultura familiar. Disponível em:<www.gipaf.cnptia.embraba.gov.br>.
51
WEBER, Max. Economia y sociedad. Buenos Aires: Fundo de Cultura Econômica, 1992. Tradução da autora.
52
BUARQUE, Cristina. Integração da perspectiva de gênero no setor da reforma agrária. Disponível em:
<www.incra.gov.br>.
53
Id., ibid., op. cit.
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Onde estão as mulheres?
De modo apressado, mas também verdadeiro, pode-se dizer que as mulheres estão em
todos os lugares e não estão em lugar nenhum. Em todos os lugares porque para além
dos dados que as ocultam, basta olhar a dinâmica cotidiana para que se constate que as
mulheres, em maior ou menor medida, realizam todas as atividades produtivas e
reprodutivas na unidade familiar. Os dados coletados em uma pesquisa54 com as
agricultoras familiares da região de Sobral, no Ceará55,9 mostram que, das 14 atividades
relacionadas com o roçado, as mulheres participam, em graus variados, de todas. Em
quatro dessas atividades, as mulheres participam na mesma proporção que os homens
(capina, plantio, replantio, colheita) e, em uma, são majoritárias (beneficiamento dos
produtos). Em apenas três atividades, a freqüência é bem mais baixa que a dos homens:
brocar, destocar e vender.
Já na criação de aves, as mulheres realizam todas as atividades que compõem o sistema,
sendo que, em 49% dos casos, somente elas são as executoras. Nas demais situações, a
participação masculina é muito baixa (em média, três atividades), ainda que não exclusiva
e, em muitos casos, realizada pelos meninos. Na criação de suínos, a divisão do trabalho
é um pouco diferente, pois os homens estão mais envolvidos na atividade. Contudo, em
apenas 50% dos casos, eles são majoritários (realizam as 11 atividades, enquanto as
mulheres participam de três a cinco); nos casos restantes, há um equilíbrio na divisão das
atividades. Na criação de caprinos/ovinos, a presença masculina é maior, mas só em um
caso é exclusiva. Das 15 atividades listadas, os homens realizam a maioria, sendo que o
trabalho feminino está presente com alta freqüência de sete a nove atividades, havendo
ainda casos em que participam de todas.
Dados semelhantes são encontrados em pesquisas que investigam contextos diferentes,
como é o caso de trabalho realizado em Paragominas, no Pará, onde Cayeres e Costa,
analisando o sistema de roça itinerante e o manejo de inovações tecnológicas,
constataram que “as mulheres têm maior contribuição individual na força de trabalho
familiar e na continuidade das atividades tradicionais. Enquanto que os homens estão
envolvidos com as novas técnicas introduzidas e nos treinamentos, a manutenção do
sistema tradicional é assegurada pela sobrecarga de trabalho das mulheres”56. Se as
mulheres executam as atividades produtivas na mesma proporção que os homens, o
mesmo não se pode dizer das atividades reprodutivas, como demonstram os dados a
seguir.
Na área de Sobral, das 25 atividades que compõem a esfera reprodutiva, apenas 20% são
realizadas com mais freqüência pelos homens (fazer feira, buscar e rachar lenha,
consertos de utensílios e reparos na casa e trocar o botijão de gás)57, enquanto 28% das
atividades têm uma freqüência maior de realização compartilhada, pois sua característica
principal é ser uma espécie de híbrido entre responsabilidades ditas femininas com
aquelas ditas masculinas. Um exemplo disso é levar pessoas doentes ao serviço de saúde
que articula a dimensão do cuidado com a saída do espaço familiar58. Assim sendo, as
54
Pesquisa realizada em 2003 pelo SOS Corpo – Gênero e Cidadania para Projeto de Desenvolvimento Local
Pnud/BNDES. As tabulações estão em fase de finalização.
55
Composta de quatro municípios: Sobral, Massapê, Santana do Acaraú e Meruoca. Essa é uma área de extrema
pobreza, onde a maior parte da produção familiar está relacionada com as atividades do roçado e a criação de
animais de pequeno porte (aves e suínos).
56
CAYERES, Guilhermina; COSTA, Rosana. Análise da mão-de-obra no sistema de produção familiar de uma
comunidade amazônica. Disponível em:<www.gipaf.cnptia.embraba.gov.br>.
57
É interessante observar que a justificativa para o predomínio masculino na troca do botijão não é o peso, mas sim o
medo de acidentes provocados pelo vazamento de gás.
58
Resultados quase idênticos foram encontrados por Puhl, Moura e Lopes em diagnóstico realizado no Vale do
Guaporé (1998). Ver PUHL, MOURA; LOPES. Etnografia sobre as relações de gênero na agricultura familiar no
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mulheres são executoras exclusivas de 52% das atividades reprodutivas, especialmente
aquelas cuja realização é diária e contínua.
Analisando os dados para além da sub-representação que parece ocorrer com o trabalho
feminino na produção agrícola, tem-se que as mulheres, especialmente na condição de
mães, são majoritariamente presentes nas quatro atividades apresentadas – o que as
torna multifuncionais para a agricultura familiar, já que, além das atividades domésticas e
agrícolas, elas ainda estudam e exercem o magistério. Além disso, é por elas e por meio
de seus trabalhos que se realiza a integração entre produção e consumo, característica
considerada fundamental na consolidação desse modo de produção.
Ainda que os dados apresentados não façam referência direta à dimensão da
pluriatividade na agricultura familiar, pode-se fazer inferências sobre quem são as
pessoas que, com mais freqüência, atuam para além do especificamente agrícola,
principalmente no contexto dos debates sobre o “novo rural” e os modos como outras
dimensões econômicas – como serviços, turismo, artesanato, gastronomia e até mesmo
um certo modo de vida – que vêm sendo reforçadas nos discursos e políticas como
alternativa eficaz para o desenvolvimento rural.
Pesquisa realizada em assentamentos de seis estados do Brasil59 confirma esses dados,
ao mesmo tempo em que revela os modos como as atividades produtivas das mulheres
são invisibilizadas e transformadas em ajuda ou parcialidade.
Não cabe aqui analisar a correção ou não de tais proposições, mas vale destacar que a
inserção em atividades não-agrícolas é profundamente marcada pelo viés de gênero60,
sendo uma prática condicionada pelos contextos sociais, econômicos e políticos. São as
mulheres – independentemente de faixa etária – e, em certa medida, os jovens que fazem
esse movimento, levando consigo a subvalorização da sua contribuição para a
sustentabilidade da agricultura familiar. Como decorrência, é necessário pensar a questão
da pluriatividade como uma das formas a partir das quais esse modo de produção é
constituído e dinamizado, sendo possível também estabelecer conexões entre os
processos migratórios femininos e o conceito de pluriatividade. Na maioria dos casos, a
ausência física das mulheres não significa que elas deixem de ser um elemento da
organização e da manutenção do estabelecimento familiar.
A tendência de diminuição da população feminina no meio rural é histórica. Vem
ocorrendo tanto na Europa (é o caso da França, onde um terço dos homens que
trabalhavam na atividade agrícola não haviam se casado até os 35 anos) como na
América Latina (onde, em 1995, havia 5 milhões de homens a mais do que mulheres)61.
No Brasil, de acordo com os dados do Censo de 200062, entre 1991 e 2000, houve queda
de 10% na população rural brasileira, sendo que, para as mulheres, essa queda foi de
11%. Em 30 anos, as mulheres passaram de 48,47% da população rural para 47%. A
razão de sexo também é um indicador importante. Se, em 1980, a razão de sexo na
população rural era de 106,56 homens para cada 100 mulheres, em 2000 passou a ser
de 109,22. A média brasileira (incluindo o urbano e o rural) na última contagem
Vale do Guaporé. In: CAMURÇA, Silvia; PACHECO, Maria Emília. (Orgs.). Programa integrado de capacitação
em gênero, desenvolvimento, democracia e políticas públicas. Quarto Caderno: Experiências Rurais. Rio de
Janeiro: Fase, 1998.
59
ABRAMOVAY, Miriam; RUA, Maria das Graças. Companheiras de luta ou coordenadoras de panelas?. Brasília:
Unesco, 2000.
60
É interessante observar que, mesmo nos estudos que tratam do tema da pluriatividade, não há uma nomeação
do sexo daqueles(as) que têm múltiplas inserções produtivas.
61
Ver CAMARANO e ABRAMOVAY, op. cit.
62
Disponível em <www.ibge.gov.br>.
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populacional, apresenta uma tendência inversa, são 96,93 mulheres para cada 100
homens.
Além disso, dados apresentados por Abramovay e Rua demonstram que o percentual de
homens solteiros nos assentamentos é muito superior ao de mulheres, confirmando a
força da estrutura familiar mais tradicional.T
T
Se, em contextos diversos do ponto de vista político e econômico encontram-se os
mesmos processos, suas causas não estão radicadas apenas no tipo de política pública
para o desenvolvimento rural nem em condições estritamente econômicas, comprovando
assim que a estrutura das relações de gênero tem um peso decisivo na dinâmica de
desenvolvimento rural.
Rotas de saída
Camarano e Abramovay63 levantam três hipóteses para explicar a maior participação
feminina nos processos migratórios: a) maior oferta de trabalho para mulheres no meio
urbano ligada à expansão do setor serviços; b) dinâmicas das relações de gênero na
família; c) relação entre processos migratórios e graus mais elevados de escolaridade. Na
perspectiva aqui assumida, estas três hipóteses possuem estatutos diferentes, ou seja, as
relações de gênero são determinantes tanto no que se refere à preferência por mulheres
nos empregos do setor serviços, como na maior escolaridade encontrada nas mulheres
rurais.
É importante levar em conta também as transformações por que passaram as mulheres
nas últimas décadas, tanto no que se refere às conquistas no plano dos direitos, em
especial as ações políticas dos movimentos de trabalhadoras rurais, como aquelas
relacionadas às dimensões socioculturais. Tais processos trazem conseqüências
importantes no modo como as mulheres, especialmente as mais jovens, interpretam a si
mesmas e à realidade, dando-lhes condições de pensar e buscar outros destinos
diferentes da submissão absoluta à lógica patriarcal. Se ainda não há condições para a
ruptura dessa lógica, é possível estabelecer rotas que a contornem e minimizem os seus
efeitos perversos e injustos.
Vale ressaltar dois processos profundamente interligados e pouco considerados. O
primeiro diz respeito à presença de uma racionalidade nas escolhas das mulheres em não
permanecer na agricultura familiar. O acesso ao mundo público, a remuneração pelo
trabalho realizado e a quebra com o tempo indistinto que marcam a ligação entre
produção e reprodução dentro da unidade familiar são fatores que transformam o
cotidiano das mulheres, dando-lhes a possibilidade de se pensarem e atuarem como
sujeitos de suas próprias vidas, de ser alguém com um lugar no mundo, como fica claro no
depoimento de uma trabalhadora da fruticultura irrigada de Petrolina, em Pernambuco:
“Fiquei uma pessoa independente. Quando meu marido diz ‘é meu’, eu também digo.
Quando ele diz ‘eu estou cansado’, eu também digo que estou”64.
É essa mesma lógica que leva a um maior incentivo para que as filhas invistam na
escolarização, já que, em princípio, aumentam suas chances de conquistar postos de
trabalho mais qualificados. Ainda que seja um processo mais marcante na população
feminina rural, os jovens que investem na qualificação escolar também tendem a deixar a
unidade familiar, conforme constataram em pesquisa recente Melo e colegas65,21
63
CAMARANO e ABRAMOVAY, op. cit.
Apud BRANCO, Adélia; VAINSENCHER, Semira. Gênero e globalização no Vale do São Francisco. (Trabalho
para discussão n. 116, set. 2001). Disponível em: <www.fundaj.gov.br>.
65
MELO, Antônio et al. A educação formal e os novos mercados para a agricultura familiar. Texto apresentado no
XLI Congresso Brasileiro da Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural. Juiz de Fora, jun. 2003.
64
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ocasionando o que eles denominam “questão sucessória na agricultura: que é quando a
formação de uma nova geração de agricultores perde a naturalidade com que era vivida
até então pelas famílias e indivíduos envolvidos nos processos sucessórios”66.
Essa “perda de naturalidade” é derivada não apenas dos problemas de ordem econômica,
no sentido do baixo retorno financeiro, mas também da mesma dinâmica patriarcal que
afeta as mulheres, uma vez que sendo o poder pouco compartilhado entre as pessoas que
estão no estabelecimento familiar, os jovens também se encontram em uma posição de
submissão. Como analisam Abramovay e colegas, “o processo sucessório na agricultura
familiar está articulado em torno da figura paterna que determina o momento e a
possibilidade de passagem da responsabilidade sobre a gestão do estabelecimento para a
futura geração”67.
Além disso, é necessário considerar o problema da herança. O patrimônio geralmente não
oferece possibilidades de muitas divisões, que, caso ocorressem, terminariam por
inviabilizar sua capacidade produtiva, fazendo com que apenas um dos filhos pudesse
ocupar o lugar do pai. Se, para os filhos, essa já é uma situação difícil, para as filhas são
raríssimas as chances de serem herdeiras, não sendo, portanto, ilógico que procurem
outras opções.
Se a rota de saída das mulheres da agricultura familiar significa uma opção legítima na
busca da emancipação e da cidadania, por outro lado, não representa nem uma ruptura
nem uma solução, já que elas continuam sendo avaliadas pelos mesmos padrões e
valores que organizam a agricultura familiar, seja no trabalho assalariado, na
agroindústria, no setor de serviços público e privado ou no trabalho doméstico – para
onde migram a maioria das mulheres. Ao mesmo tempo, elas também não se desvinculam
da própria agricultura familiar, pois uma parte substancial dos rendimentos que as
mulheres auferem em trabalhos fora do espaço familiar é nele empregado, como gasto
produtivo ou reprodutivo.
Há que se considerar, ainda, que às vezes a migração para áreas urbanas não é uma
escolha das mulheres, mas uma necessidade imposta pelas dificuldades financeiras do
estabelecimento familiar. Essa situação é muito comum nos períodos de seca no semiárido nordestino, como constatou Branco68 ao afirmar que, “através da migração, as
mulheres não contribuem somente com uma ajuda monetária àqueles que deixaram para
trás, mas ajudam os demais familiares a migrarem”69. É desnecessário demonstrar que as
atividades reprodutivas não são deslocadas para os homens quando as mulheres deixam
de trabalhar diretamente na produção familiar, pois, mesmo que haja ausência física de
uma mulher, as responsabilidades que tinha serão transferidas diretamente para outra
mulher da família.
Sendo a atividade feminina, nesse contexto, historicamente marcada pela
multifuncionalidade e pluriatividade, cabe indagar se, no momento em que a segunda
característica passa a ser considerada uma alternativa viável para o desenvolvimento
rural, as mulheres deixarão de ser os sujeitos centrais da mesma, tal como ocorreu,
segundo a análise de Buarque, quando da recente valorização da agricultura familiar.
66
Id., ibid.
67
ABRAMOVAY et al., op. cit. 25 Id., ibid.
BRANCO, Adélia. Mulheres da seca: luta e visibilidade numa situação de desastre.João Pessoa: UFPB, 2000.
69
Id., ibid.
68
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Direitos pela metade
Anteriormente, foi afirmado que as mulheres estão em todos os lugares e não estão em
lugar nenhum no cotidiano da agricultura familiar. A aparente contradição se explica ao
verificarmos o que é feito das mulheres nas dimensões relativas à posse da terra, aos
rendimentos e ao poder de decisão.
Quando se analisa a titulação da propriedade da terra, fica evidente o quanto a existência
de políticas públicas ou de legislações não é suficiente para minimizar as enormes
diferenças de poder entre mulheres e homens. No Brasil, não há nenhum tipo de
obstáculo legal para que as mulheres sejam proprietárias. No entanto, 87% dos lotes dos
assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), 93% do
Banco da Terra e 92% das propriedades familiares têm homens como titulares70. Apenas
em situações em que eles não preenchem os requisitos necessários ou quando estão
ausentes é que as mulheres assumem a titularidade. Nos demais casos, são consideradas
“dependentes”.
No que se refere aos rendimentos, os dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad), divulgada em 200171, indicam que, para o universo das pessoas de 10
anos ou mais ocupadas em atividades agrícolas (não especificamente para a agricultura
familiar), as mulheres estão majoritariamente nas categorias não-remuneradas (39,25%)
e produção para consumo próprio (também 39,25%), demonstrando que quase80% das
mulheres não auferem nenhum rendimento do seu trabalho. Analisando os números
referentes à população masculina ocupada, temos que 17,71% são classificados como
não remunerados, e 8,37% estão na produção para consumo próprio, perfazendo 26,08%
de homens que não recebem rendimentos pelas atividades que realizam. Os dados por si
só indicam a magnitude da exploração a que estão submetidas as mulheres na produção
agrícola brasileira.
Trabalhando com os dados sobre rendimentos das agricultoras familiares da área de
Sobral, vê-se que 47,8% recebem menos de meio salário mínimo mensal, enquanto 13%
não auferem nenhum tipo de rendimento. Contudo, o que chama a atenção aqui é o alto
percentual de mulheres que colocaram os benefícios (bolsa-escola, vale-alimentação e
vale-gás) como sendo sua própria e única renda: 66% entre aquelas que declararam ter
algum rendimento, e 85,7% no grupo que recebe menos de meio salário mínimo. Perceber
os recursos destinados à família como sendo seus próprios recursos demonstra o quanto
as mulheres têm dificuldades de se perceber para além desse lugar e da função de
gerentes dos parcos72 rendimentos familiares destinados à reprodução cotidiana.
Ao mesmo tempo em que confirma que os(as) formuladores(as) das políticas públicas
assistenciais colocam as mulheres como responsáveis pelo recebimento desses recursos
como se isso fosse uma garantia de sua adequada aplicação, elastecendo ainda mais o
tempo das mulheres, já que, para receber tais benefícios, é necessário um deslocamento
para o município-sede, esperas nas filas dos bancos e gastos com transporte que
terminam por diminuir ainda mais o já mínimo benefício.
É prudente afirmar que as mulheres são gerentes de uma parte dos recursos familiares
porque seu poder de decisão é muito restrito, mesmo no que se refere às decisões da
70
“A terra da mulher (e do homem)”, entrevista concedida por Zoraida Garcia Frias ao jornal eletrônico da
Unicamp, em novembro de 2002. Disponível
em:<www.unicamp.br>.
71
Disponível em: <www.ibge.gov.br>.
72
Os valores dos benefícios são: vale-gás – R$ 15 (a cada 2 meses); bolsa-escola – R$ 15 por criança, com teto
de três crianças; e bolsa-alimentação – R$ 15, também com teto de três crianças.
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esfera reprodutiva, como demonstram os dados da pesquisa “Relações de gênero nos
assentamentos rurais”73. No âmbito das atividades produtivas, o poder de decisão é
majoritariamente masculino nos seis estados pesquisados (cultivos – de 92% a 66%;
vendas dos produtos agrícolas – de 91% a 74%; venda de gado – de 93% a 59%). O poder
de decisão das mulheres é maior na venda dedoces e queijos (de 58% a 41%) e na venda
de ovos e aves (80% a 46%), ainda que esse poder não seja tão hegemônico como o
masculino e se dê em esferas produtivas de menor valor monetário.
Apesar de se creditar às mulheres o domínio absoluto do espaço reprodutivo, a realidade
é mais complexa, tendo respostas menos uniformes nos estados pesquisados. No que se
refere à educação das crianças em quatro estados (Bahia, Ceará, Mato Grosso e São
Paulo), há um percentual maior de mulheres compoder de decisão (55,5%, 61,%, 41,5% e
44%). Nos demais estados (Paraná e Rio Grande do Sul), a decisão tende a ser
compartilhada pelo casal (38% e 62,5%). Contudo, o que pode parecer, à primeira vista,
bastante surpreendente é que, em nenhum dos estados pesquisados, as mulheres têm
maior poder de decisão sobre quais alimentos devem ser comprados, sendo mais
freqüente que os homens tomem essa decisão. A primeira vista porque, nos casos das
agricultoras familiares, tudo o que envolve dinheiro e saída do espaço restrito do
estabelecimento familiar não lhes pertence, não lhes é direito, já que a tradição patriarcal
que organiza esse cotidiano nega às mulheres apossibilidade de exercerem um princípio
fundamental de ser sujeito: a liberdade de ir e vir.
Sem terra, sem dinheiro, sem tempo, sem espaço, sem poder, sem liberdade, assim são
as mulheres em sua experiência cotidiana na agricultura familiar. Esses elementos não
podem ficar invisíveis quando a transformação social e política pretendida implica
necessariamente a quebra da hegemonia do modelo até então vigente para o
desenvolvimento rural, sendo antinômico que essa radicalidade também não se dirija à
dominação patriarcal que organiza a sociedade brasileira.
É preciso que os movimentos sociais, as organizações não governamentais, trabalhadoras
e trabalhadores rurais construam projetos e alternativas não apenas para os modos de
produção e consumo, mas também para o modo de organização familiar. Em síntese,
mudemos os sentidos e significados da agricultura e da família, pois só assim nossa ação
política poderá resultar numa sociedade que não seja marcada pela meia justiça, meia
liberdade e meia cidadania.
73
Pesquisa realizada por Abramovay e Rua em 2000.
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Margaridas nas ruas:
As mulheres trabalhadoras rurais como categoria política
Maria Dolores de Brito Mota
“…nem nome nós tinha, nem reconhecimento, nós era só mulher com
obrigações…” Luci Choinaski, deputada Federal/SC74
Resumo
Estudo sobre a emergência das mulheres trabalhadoras rurais no mundo público,
abordada pelo aspecto de sua construção como categoria política
política em luta por
reconhecimento e direitos. Essa construção remeteremete-se a uma produção coletiva, que
demandando
ando
articula a atuação de diferentes agentes sociais com as mulheres rurais, demand
práticas e saberes que possibilitam a formatação de uma experiência singular, pessoal e
social, pela qual essas mulheres se identificam como mulheres trabalhadoras
trabalhadoras rurais,
tornandotornando-se em condições de aparecer e falar publicamente. A existência das mulheres
mulheres
trabalhadoras rurais não decorre automaticamente
automaticamente de suas situações de vida, nem de
revela--se como resultado de
uma tomada de consciência espontânea, e a sua construção revela
conflitos,,
atuações e autorias, combinando diferentes elementos como articulação, conflitos
símbolos, estratégias, práticas, exprimindoexprimindo-se em diversas dimensões. Uma dimensão
formulam--se
institucional pela qual se formalizam suas organizações específicas, e formulam
discursos institucionais sobre elas e para elas. Uma dimensão experiencial em que ativam
mecanismos de aparecimento
aparecimento e de fala pública, envolvendo a criação de um lugar
feminino, de formas de representação/apresentação, e a construção de uma narrativa
própria. As mulheres trabalhadoras rurais, através de sua experiência política, imprimem marcas
marcas
diferenciadas no movimento sindical dos trabalhadores rurais introduzindo dimensões femininas
de vivências e simbolismos que, além de instituírem a sua entrada na política sindical, lhes
permite refazeremrefazerem-se sem medo de ser mulher.
Buscando a construção e encontrando a experiência das mulheres
trabalhadoras rurais
A existência das mulheres trabalhadoras rurais no espaço público, como categoria
específica, com identidade, discurso e imagem específica, é aqui abordada na perspectiva
da construção de sua emergência como grupo, coletivo personalizado, em luta por
reconhecimento e direitos. Construção essa resultante de um trabalho coletivo de agentes
múltiplos cujas práticas projetam e revertem figurações sociais, num fazer e fazer-se.
Esses acontecimentos reúnem práticas, ou modalidades de práticas políticas, envolvendo
as mulheres trabalhadoras rurais e outros agentes sociais, e postulam encontros com os
/as personagens e contextos situados no terreno social em que surgem as organizações
específicas de mulheres trabalhadoras rurais, consubstanciando um movimento social de
mulheres trabalhadoras rurais, como uma produção coletiva. Assim, fui em busca do
“trabalho social” de construção do objeto “preconstruído,” nas palavras de Bourdieu
(1975), e deparei-me com a questão de uma categoria social fabricada coletivamente,
numa produção de vários agentes sociais e práticas políticas intercaladas por experiências
femininas de mulheres do campo.
74
Programa Jogo Aberto, 02/10/1999-TV Bandeirantes.
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Categoria aqui é entendida no sentido referido por Bourdieu (1999,p.17) para quem “a
palavra ‘categoria’ impõe-se por vezes porque tem o mérito de designar ao mesmo tempo
uma unidade social – a categoria dos agricultores – e uma estrutura cognitiva, e de tornar
manifesto o elo que as une.” É uma forma de ser e de conhecer (esse ser), numa unidade
que sinaliza “a concordância entre as estruturas objetivas e as estruturas cognitivas, entre
a conformação do ser e as formas de conhecer” (idem,p.17).
Mas, essa concordância que permite o conhecer de uma categoria social implica também
um processo de reconhecimento pelo qual ganha visibilidade e legitimidade, expressandose por imagens, práticas, falas e espaços de modo a conquistar uma outra vida, a vita
activa, no sentido que é atribuído por Arendt (1995) significando a vida humana
empenhada em fazer algo, em agir. E o agir pressupõe aliança entre pessoas,
organização, presença de outros, vida pública onde é possível constituir-se em ser
“conscientemente existente” (idem, 1993,p.24). Esse tornar-se um Eu, diferente de
outros, nos leva ao encontro da problemática da identidade desse grupo de mulheres, e
reivindicou meu olhar sobre esse controvertido conceito nas ciências sociais, e que está
sendo colocada neste contexto como identidade construída coletiva e politicamente, como
apresentação e estratégias de um grupo social, as mulheres trabalhadoras rurais.
Os processos que permitem o estabelecimento das mulheres rurais como categoria
específica, manifestam-se como uma produção coletiva. Produção que pode ser aduzida
como uma poética, no sentido original dessa palavra, de ser uma criação. A esta produção
atribuí a idéia de “construção” no sentido de que a categoria das mulheres trabalhadores
rurais não se exprime apenas por processos estruturais, normalmente atribuídos como
determinantes de situações conseqüentes; e nem se mostra como reflexo imediato de
uma tomada consciência política espontânea.
Essa construção se distancia das idéias de determinação e de espontaneísmo, vincula-se
a mecanismos conectados com a experiência das próprias mulheres rurais junto a outros
grupos sociais que são articuladores políticos, e o próprio momento conjuntural em geral e
em particular o das mulheres da zona rural. Esse propósito me levou a aproximar-me e a
aproximar alguns autores que compreendem a realidade social como realidade
construída. Castoriadis, para quem a instituição da sociedade “que é cada vez instituição
do mundo, como mundo desta sociedade e para esta sociedade, e como organizaçãoarticulação da própria sociedade” (1995,p.415). Bourdieu que entende o mundo social
como uma “realidade que é o lugar de uma luta permanente para definir a realidade”
(1989,p.118), no interior da qual situa-se a idéia de que a emergência de um grupo em
luta se faz especialmente por meio de atos de reconhecimento (p.138). Arendt que
entende a existência social assentada no ser visto e ouvido publicamente, sendo que “na
ação e no discurso, os homens mostram quem são, revelam ativamente suas identidades
pessoais e singulares, e assim apresentam-se ao mundo humano” (1995,p.192). Destaco
Certeau (1996) com a sua busca das tessituras do real dentro do cotidiano, em montagem
de uma “ciência do ordinário.” E outros autores que transitam por entre essas idéias de
um real não apriorístico e resultado de ações projetadas ou não dos sujeitos sociais. O
que me colocou diante da questão de identificar as evidências do processo construtor das
mulheres trabalhadoras rurais como categoria política.
De uma maneira esquemática, esbocei o cenário que tornou possível o aparecimento das
“mulheres trabalhadoras rurais” como sujeito de discursos e sujeito nos (outros)
discursos, com configurações diferenciadas em grupos/facções que disputam entre si a
legitimidade, dentro e fora do próprio movimento de mulheres trabalhadoras rurais.
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Discursar é estar em posição de exercer uma fala de direito e estar presente no discurso
de outros, como no acadêmico e no de formações políticas (ONGs, sindicatos, políticos),
significa estar sendo vista, portanto em relações de re-conhecimento, e em condições de
comunicação. Neste caso, indica relacionamentos entre diversos agentes sociais e as
mulheres trabalhadoras rurais. O discurso acadêmico tem uma presença intensa na emergência social das mulheres trabalhadoras rurais corroborando com a instituição de uma
identidade desse grupo.
Segundo Scott (1999), a “identidade está amarrada a noções de experiência,” pois não é
algo que sempre esteve lá, à espera de ser representada. Tomar as mulheres
trabalhadoras rurais como categoria construída é um esforço que me levou a encontrar a
experiência historicizada pela qual puderam emergir como categoria política. Deparei-me
com essa experiência nas condições em que se designam e se exercem como tal – na
existência cotidiana de suas organizações específicas.
Os primeiros grupos de mulheres rurais que conheci, no início dos anos 1980 na Bahia,
eram conhecidas e autodenominadas como assalariadas do cacau, catadoras de café,
bóias-frias, posseiras, lavradoras, camponesas. Em 1997 deparei-me com mulheres de
todo o continente latino-americano e do Caribe, delegadas do Primeiro Encontro
Continental de Mulheres Trabalhadoras Rurais. Eram mulheres de realidades e
características diferentes, mas juntas reivindicavam uma única identidade, a de mulheres
trabalhadoras rurais. Esta condição que se apresentava como dada, de fato expressava a
conformação de um processo em curso, na medida em que um dos temas tratados no
encontro foi “ o que era ser e se sentir uma mulher trabalhadora rural.” Do Brasil estavam
diversas representações de organizações de mulheres trabalhadoras rurais que se autoreferiam como participantes do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais.
Fui em busca de entender o que possibilitou àquelas mulheres trabalhadoras rurais se
definirem, reconhecerem e serem reconhecidas como tal. Essa busca seguiu dois
caminhos:
A história do surgimento das organizações de mulheres trabalhadoras rurais;
O acompanhamento de algumas atividades políticas realizadas pelo Coletivo Estadual de Mulheres da Fetraece, e do Movimento de Mulheres Trabalhadoras
Rurais/CE (MMTR-CE); a organização da Campanha Nenhuma trabalhadora rural
sem documentos, as eleições do Coletivo Estadual, o III Congresso Estadual da
Fetraece, o 8 de Março e a Marcha das Margaridas 2001.
Na busca das origens das organizações de mulheres trabalhadoras rurais, que é recente,
as primeiras surgiram em 1982 no sertão pernambucano e no interior do sul do país, e no
acompanhamento socioetnográfico do cotidiano da militância do Coletivo Estadual de
Mulheres da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Ceará – Fetraece, e
do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR), foram se manifestando
elementos como discursos, práticas, imagens, narrativas, identidade, todos
circunstanciados por tensões, conflitos, articulações, estratégias, emoções, rituais que
realçavam um processo de fabricação, de produção coletiva, que ao longo da investigação
foi tomando a forma de uma construção – a construção sociológica das mulheres
trabalhadoras rurais como categoria política.
Uma via dupla de criação – relações entre mulheres rurais, academia, igreja,
movimento sindical e organizações não governamentais
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Na história do surgimento das organizações estudadas, o Coletivo da Fetraece e o MMTRCE, destacaram-se a presença de vários agentes sociais, como intelectuais e as
assessorias. Os estudos acadêmicos são falas legitimadas que atuam no propósito de dar
visibilidade à presença das mulheres tanto nas atividades da produção agrícola quanto
nas instâncias e manifestações políticas do movimento sindical dos trabalhadores rurais.
Esses estudos formulam questões que se situam no campo de uma teoria social crítica e
mostram o caráter político da invisibilidade das mulheres rurais nas estatísticas e na vida
social, analisando:
A subestimação do trabalho feminino pelos indicadores utilizados nas pesquisas
censitárias (mulher de produtor, MNRF, a não inclusão da produção de fundo de
quintal – criação de pequenos animais, hortas, pomar, plantas medicinais);
O caráter de ajuda ou complemento ao trabalho masculino, atribuído ao trabalho
feminino, presente não somente na zona rural mas em toda a sociedade;
A não inclusão das atividades femininas das políticas de incentivo à produção rural,
crédito, subsídio e mesmo dos programas de reforma agrária;
Evidenciam o aumento do trabalho feminino no campo e as novas posições que
este assume a partir das mudanças introduzidas pela expansão das relações capitalistas no campo que individualizaram a força de trabalho das mulheres intensificando a sua exploração.
Os estudos acadêmicos estão também presentes no cotidiano dos movimentos das
mulheres trabalhadoras rurais, como textos que subsidiam as discussões sobre suas
condições de vida e de trabalho. Além disso, existe a participação direta, física, das
pesquisadoras na condição de colaboradoras e assessoras nos eventos que estes
movimentos realizam. Assim, o discurso acadêmico sobre as mulheres trabalhadoras
rurais tem sido uma de suas condições de produção, uma maneira de fazer a sua
existência. Essa capacidade do dizer é vista por Certeau (1996) como um “saber – dizer,”
cuja narrativação das práticas é uma maneira textual de fazer. A produção acadêmica
sobre as mulheres rurais de um lado re-escreve e re-inscreve essas mulheres no mundo
social, porque como discurso competente, fala autorizada, lhe é permitido apresentar uma
outra visão do real.
No âmbito das assessorias, o encontro com a realidade das mulheres é mais direto. Seja
em nível nacional ou estadual, a história do surgimento das organizações de mulheres
trabalhadoras rurais está ligada a atuação de ONGs e pastorais. No Ceará essa matriz
articulista está nos interstícios do movimento sindical, da igreja católica e da atuação do
Centro de Estudos do Trabalho e Assessoria ao Trabalhador (Cetra) e do Centro de
Pesquisa e Assessoria (Esplar),junto aos locais onde surgiram os primeiros grupos
organizados de mulheres trabalhadoras rurais, nos anos 1980.
O primeiro grupo do MMTR-CE se formou na região de Itapipoca. Nessa área a igreja tinha
um trabalho de organização dos agricultores em torno da luta pela terra e da celebração
do Dia do Senhor, do qual só participavam homens. O Cetra também estava presente
nessa região com uma atuação voltada para a renovação do sindicalismo e a luta pela
terra. Diante de uma pequena presença das mulheres nas reuniões sindicais e da
existência de problemas entre os casais pelas ausências dos homens em decorrência de
sua participação no movimento, o Cetra e a igreja, ouvindo as queixas de homens e
mulheres iniciaram, em 1980, a organização dos Encontros de Esposas. Em torno desse
trabalho com as mulheres aproximaram-se várias integrantes dessa instituição e alguns
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profissionais liberais residentes na região. Discutia-se nesses encontros, saúde da mulher,
planejamento familiar e pobreza. Esses encontros se entenderam para Sobral e foram
sendo ampliados para mulheres solteiras.
As assessoras do Cetra foram buscar referências de trabalhos com mulheres rurais e
encontrou contatos na Paraíba e em Pernambuco, aos quais se articulou, inicialmente
para trocar experiências e ampliar sua capacidade para esse trabalho político organizativo
com mulheres rurais. Em 1986 foi criado no Ceará o Movimento de Mulheres
Trabalhadoras Rurais do Ceará, na mesma perspectiva dos que estavam sendo
construídos na Paraíba, Pernambuco, Piauí, Bahia e outros Estados nordestinos.
Paralelamente a esse processo, outro foi acontecendo, cujo resultado vai ser a criação do
Coletivo Estadual de Mulheres da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado
do Ceará (Fetraece). O Coletivo teve como território privilegiado as instâncias formais do
movimento sindical rural, como efeito da organização das mulheres e dos trabalhadores
rurais no interior da Central Única dos Trabalhadores (CUT), e na área de atuação do
Esplar. Dentro da CUT existia o Departamento Estadual de Trabalhadores Rurais, formado
por sindicalistas de esquerda que faziam oposição à diretoria pelega da Fetraece, cuja
visão de democracia envolvia a inclusão das mulheres e sua igualdade de direitos. Em
1991 esse departamento realiza o I Encontro Estadual de Mulheres Trabalhadoras Rurais
quando foi criada a Comissão de Mulheres do DETR-Ce. Esse processo se remete a uma
organização de mulheres nos sindicatos de trabalhadores rurais dos municípios de
Madalena e Canindé, que em 1990 já haviam formado uma Comissão de Mulheres.
Em 1992 o grupo de sindicalistas do DETR-CE, ganha as eleições da Fetraece, e em
fevereiro de 1993 a Comissão de Mulheres é transformada no Coletivo Estadual de
Mulheres da Fetraece.
A presença das ONGs nessa história indica a formatação de um outro discurso e práticas
articuladas com as trabalhadoras rurais demandando a sua inclusão no espaço social e
político. A atuação das ONGs na formação das organizações de mulheres trabalhadoras
rurais se dá num contexto mais amplo, de relações internacionais de cooperação entre
mulheres. No Brasil, relacionava-se ao crescimento do feminismo e de uma consciência
sobre as condições de desigualdade social, política e econômica das mulheres brasileiras.
As assessoras foram se formando como assessoras de um trabalho específico com
mulheres na medida em que os próprios movimentos de mulheres iam se constituindo.
Uma assessora confessou que aprendeu sobre a questão da mulher com o trabalho que
realizava junto às trabalhadoras rurais.
O discurso e a prática das ONGs integra-se com o discurso e a prática acadêmica no
sentido de compor um grupo produtor de um discurso institucional sobre as trabalhadoras
rurais demandando a sua inclusão no espaço público. São vozes competentes que
instauram condições para a legitimação e reconhecimento público das mulheres e que
vão também se estabelecendo para criarem um saber e uma prática junto a esse grupo,
numa constituição simultânea. É no encontro entre si que se produzem, se constroem.
Esse aspecto institucional da construção das mulheres trabalhadoras rurais compreende
também a formalização das suas próprias organizações específicas e de seu
reconhecimento legal como trabalhadoras rurais.
O Coletivo e o MMTR vinculam-se a organizações em nível nacional, como a Comissão de
Mulheres Trabalhadoras Rurais da Contag e a Articulação Nacional de Mulheres
Trabalhadoras Rurais, respectivamente.
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Essa institucionalidade também envolve toda a luta das próprias trabalhadoras rurais que
configuradas como categoria específica atuam em busca do seu reconhecimento
profissional, que se exprime, sobretudo, por meio da campanha pela documentação
Nenhuma trabalhadora rural sem documentos implementada em 1996. É preciso que o
Estado legitime a sua condição inscrevendo-as como trabalhadoras rurais nas suas
instancias burocráticas. Ter essa inscrição e aposentar-se como tal é uma grande
conquista para as mulheres trabalhadoras rurais. Essa campanha continua em curso,
sendo uma estratégia importante de mobilização e conscientização interna e externa a
esse grupo.
Em cena: construindo a existência pública
Um movimento social não acontece apenas pela existência orgânica de um grupo, mas
também por sua capacidade de poder ser visto e ouvido por todos, de aparecer
publicamente.
Aparecer é estar presente no mundo e inscrever a sua diferença diante de outros. E assim
encontramos a experiência singular das mulheres trabalhadoras rurais pela qual se fazem
e se apresentam como tais.
Essa experiência não se explica apenas pela posição estrutural de um grupo como algo
que sempre esteve lá para ser descrita mas uma experiência historicizada e neste caso
também produzida e exercida coletivamente, vivida, interpretada e narrada, feita na
medida em que faz as suas próprias agentes.
Na medida em que participam de um movimento e realizam suas manifestações públicas,
vivem experiências pessoais e coletivas que são base para sua identidade, criando formas
de representação e apresentação, instituindo um lugar feminino no território do
movimento sindical rural. Dessa maneira emergem no campo político e social brasileiro
como um grupo organizado, lutando por direitos e em busca de reconhecimento – fazemse sujeito político, rompendo com uma situação de subordinação e com a fixidez de uma
condição antes tida como destino. Por meio dessa ruptura podem ter uma existência
própria, como entende Ávila (2000) referenciando-se em Arendt (1998), significando que
anunciam seu projeto, têm ação na esfera política e tornam-se interlocutoras como parte
de conflitos, afirmando seu direito a ter direitos.
A identidade de mulher trabalhadora rural é uma autonomeação a partir de recursos que
lhes permitem que se vejam naquilo que sabem de si. Envolve sentimentos de pertença e
diferenciação, pautados em relações sociais nas quais se inserem. Segundo depoimentos
de algumas entrevistas, a primeira “descoberta” que fazem no movimento é de ser gente
e ser trabalhadora (pobre), mas com valor, a segunda é de ser mulher também com valor.
Ser mulher trabalhadora rural significa sentir-se como tal.
Nessa identidade de mulher trabalhadora rural se articula classe, gênero e lugar,
formando uma sobreposição de representações apoiadas em conjuntos diferenciados de
relações sociais, e cuja composição já supõe um conflito interno. Assim, a unidade é
sempre um elemento que está sendo restaurado, ora em nome do sexo, ora em nome da
classe. Como essa restauração não elimina, mas apenas legitima e oculta os conflitos, as
disputas, inclusive pela hegemonia não se desfazem.
Enquanto um momento marcante da construção da identidade a campanha Nenhuma
trabalhadora rural sem documentos mostrou uma disputa permanente pela hegemonia
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entre o Coletivo e o MMTR-CE e também entre as diversas entidades parceiras que
integram a sua coordenação estadual (sindicais, ONGs, religiosas, acadêmicas). As
diversidades e os conflitos são sempre recompostos em nome da unidade do movimento
e dos interesses das mulheres trabalhadoras rurais.
A experiência
experiência no contexto da construção
Construir-se como mulher trabalhadora rural envolve vivenciar uma experiência
traspassada por mecanismos que promovem objetivações e subjetivações que formata e
institui sentimentos, atitudes e símbolos próprios. Para se dizer “sou uma mulher
trabalhadora rural,” é preciso sentir-se e mostrar-se como tal. E encontramos no cotidiano
dos movimentos de mulheres uma pedagogia que lhes permite uma nova sociabilidade e
um novo sentimento de si. A formação de uma consciência de si torna–se processo
integrante da construção da identidade social e pessoal. Do que é possível perceber nos
comportamentos das trabalhadoras rurais, há uma dimensão individual da construção
identitária, em que cada uma vê a si e sente-se como uma mulher trabalhadora rural. Ao
assim se dizerem, ou nomearem-se, é fundamental que se sintam como tal. Sempre
houve mulheres trabalhando e vivendo no campo, lavradoras, camponesas, mulheres de
produtores que não se diziam –e muitas não se dizem ainda, mulheres trabalhadoras
rurais, não se reconhecem assim. Para tanto é preciso apreender-se como tal. Essa
apreensão requer condições sociohistóricas capazes de promover sentimentos e
verdades, certezas sobre si.
A construção da identidade desvela-se entre as trabalhadoras rurais como um processo
que envolve ou articula uma experiência que é subjetivada, internalizada e sentida de
modo individuado –ou individualizante –e uma outra experiência que é objetivada,
projetada nas condições sociais, históricas, políticas do grupo. Embora seja uma produção
coletiva, a identidade tem um aspecto de subjetivação e de objetivação que articula
conflitos e heterogeneidades ao tempo em que funda uma integração e similaridades.
Os modos de fazer essa identidade se assentam numa pedagogia singular que prepara os
cenários para uma sociabilidade, compondo lugares importantes para a construção de
identificações, quer em reuniões, encontros, seminários, cursos de formação, eventos ou
manifestações públicas para as e das trabalhadoras rurais.
Uma questão é se essa pedagogia faz uma política para as mulheres ou mulheres para a
política. As características dessa pedagogia se exprimem numa metodologia identificada
desde a escolha das assessoras para realizarem o trabalho com mulheres, que em geral
são mulheres que devem saber ouvir, ser simples, ter experiência em trabalho popular e
uma visão política; não podem ser donas da verdade nem autoritárias. Não existe um
trabalho com homens, mas sim um trabalho com mulheres, e é por este que se redefinem
e se reposicionam as mulheres nas relações sociais como trabalhadoras e mulheres que
têm valor – revêem a si e ao que fazem atribuindo significado e valor. Também nessa
metodologia aprendem a se comunicar, a viver para si, a repassar o vivido e aprendido
para outras companheiras, e se fazem capazes de autonomia escolhendo, decidindo e
participando.
As vivências no movimento social permitem refazer a percepção e a posição das mulheres
no mundo que as cerca e dentro delas mesmas –e vão permitir a reinterpretação de
conceitos. O que existia antes (do movimento) era o cativeiro e a opressão. Poder falar e
sair, ir a outros lugares, representa uma ruptura dessa situação.
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Há um entrelaçamento de vivências entre as assessoras e as mulheres rurais, a partir das
quais cada uma estabelece suas práticas e suas posições, construindo uma experiência
particular –apropriando-se cada qual dos segredos de suas razões, embora coabitando
alguns espaços sociais comuns. Esse trabalho com mulheres é um ativador da identidade
de mulher trabalhadora rural ao estabelecer possibilidades de formação de uma
consciência de si como sujeito capaz de autonomia. Por meio dessa metodologia
reconstroem-se permanentemente em processos de reconhecimento dos quais participam
vários grupos sociais –e nos quais se articulam a dimensão pessoal e social. Nesse
circuito incessante, tanto as mulheres rurais como as assessoras se inscrevem num
coletivo, em suas identidades respectivas. Os dois grupos vão se constituindo
simultaneamente.
Artes de apresentar
apresentar e representar
Todo esse substrato comum, não desfaz as disputas internas pela hegemonia da
categoria. As manifestações realizadas pelas mulheres trabalhadoras rurais estão
zoneadas por divergências políticas, especialmente as que demarcam as atuações da
Articulação Nacional das Mulheres Trabalhadoras Rurais – ANMTR e a Comissão de
Mulheres da Contag – reproduzidas em nível estadual entre o Coletivo da Fetraece e o
MMTR-CE, e outras que existem entre facções internas ao próprio Coletivo. A ANMTR
reivindica para si o compromisso com a inseparabilidade da luta de gênero e de classe, e
a Comissão de Mulheres enfrenta a discriminação dentro de uma organização mista para
estimular a igualdade de oportunidades em seu interior. Há uma alternância de
hegemonia nas manifestações que essas organizações realizam, mas se apresentam com
homogeneidade e unidade. A unidade da categoria é mais uma estratégia política
sofridamente construída e desejada, do que uma característica ou condição interna.
Muitas vezes aparece na fala das mulheres a expressão “ocupar espaços na estrutura
sindical” referindo-se à inserção da presença feminina nas instâncias oficiais de
representação política. Esse processo se apóia em organizações de base, que são
expressões concretas de uma inscrição institucional das mulheres se estendendo para as
instâncias mais gerais, as direções, para retornar ampliando-se nas bases. A política de
cotas que vem sendo adotada no movimento sindical de trabalhadores rurais é um
indicativo da estruturação de uma nova ordem de definição das posições de homens e
mulheres na estrutura sindical, dando conta da instituição de um lugar feminino. As
organizações específicas das mulheres na estrutura sindical e a sua presença física dão
conta da ocupação de espaço – entendido como lugares exercidos. Isso pôde ser
observado na Fetraece pelo processo de estatutização do Coletivo no III Congresso
Estadual de 1998 – quando de um órgão atrelado à Secretaria de Formação foi
transformado em cargo da diretoria executiva, inclusive com orçamento próprio.
Mas a presença das mulheres não se dá apenas fisicamente, mas simbolicamente, e o
MSTR vem se designando oficialmente desde 2000, como movimento sindical dos
trabalhadores e trabalhadoras rurais.
O movimento de mulheres trabalhadores rurais ao fazer-se representante de uma
categoria também realiza um trabalho de apresentação de modo a coincidir com as
representadas. Nas manifestações públicas que realizam, onde participam também outros
agentes articuladores, como o 8 de Março e a Marcha das Margaridas as mulheres
cuidam de sua própria aparência como: arrumação e embelezamento da aparência
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pessoal; uso de símbolos e adereços de mulheres e de trabalhadoras rurais como flores e
foices; além de mobilizarem a imprensa e apresentarem-se unificadas, como um bloco:
“Nós, mulheres trabalhadoras rurais.”
Por essas formas de apresentação constroem uma sensibilidade pública utilizando
estrategicamente alguns papéis e atributos tradicionais das mulheres – fragilidade, filhos,
sensibilidade. Margarida é o seu símbolo – uma mulher forte, que deu a vida pela luta, e
uma flor bonita e terna. Um outro aspecto dessa sensibilidade pública pode ser
encontrada em muitas histórias de luta pela terra, quando durante momentos de forte
tensão as mulheres com suas crianças tomaram a frente de confrontos para impedir
violências e agressões maiores. Transformam o desqualificado e frágil feminino em força e
eficácia política, na luta e nas ruas.
As mulheres trabalhadoras rurais a partir dessas vivências vão construindo uma narrativa
própria e temporal em que se referem a um antes do movimento, quando não falavam,
eram escravizadas, sem valor, não sabiam de nada, tinham medo e não podiam, e um
depois, em que se experimentam como gente, trabalhadora e mulher de valor que pode
falar, sair de casa, reivindicar e se experimentam sem medo de ser mulher. Nessa
narrativa sobre a história delas no movimento, a conquista da fala é o demarcador de um
novo tempo e uma possibilidade concreta pela qual podem contar a própria história. E
nesse contar se reposicionam no mundo.
No tempo que era antes não tinham voz, não eram escutadas, não tinham som, falavam
por elas, tinham medo de falar, tinham vergonha de falar, depois do movimento,
clamaram seus direitos, ouviram o próprio som, ganharam fôlego, falam mesmo sem
estarem certas, não ficam caladas quando não aceitam qualquer coisa, fazem poesias e
músicas. Os modos de falar dessas mulheres se manifestam por expressões que são
definidas como modos típicos das trabalhadoras rurais fazerem política. São modos que
articulam ritos, conflitos e comunicação. Elegi as poesias, músicas e fotos, cada qual
como falas apropriadas, cada qual com uma atribuição específica:
As poesias fazem relatos, registrando as histórias. Criam e apresentam poesias para fazer
abertura de eventos, saudações, relatórios, avaliações. Nas poesias também se referem
ao dia-a-dia de trabalho na roça, em casa, no movimento, falam do sonho da libertação,
exprimindo a utopia da união, da conquista de direitos e da felicidade.
As músicas estão presentes em todos os eventos, e animam o início, o meio e o
encerramento sempre dinamizando, aglutinando e movimentando o grupo. Com a música
as mulheres se juntam, levantam das cadeiras, batem palmas, gesticulam, riem… Quando
as discussões se tornam longas e cansativas ou tensas canta-se para quebrar o ritmo
pesado e restaurar a atenção. A música anima, celebra e incute valores e esperança. As
músicas em geral são de autoria das próprias mulheres, mas há também de compositores
e assessores. A música introduz o lúdico e por meio dela exercitam um saber – dizer. Para
Nazaré Flor, compositora e integrante do MMTR-CE, na música ela encontra a alegria e a
simpatia do público e pode expressar qualquer sentimento “de uma maneira que o cara
não tem como dizer não.”
As fotografias são recorrentes e também se revelaram como uma fala. Estão presentes na
bagagem das mulheres, nos relatórios, folders, nos ambientes dos eventos, dentro de um
contexto de utilização freqüente de mensagens visuais. A análise de um conjunto de fotos
de documentos produzidos pelos movimentos de mulheres trabalhadoras rurais mostrou a
representação da vida delas, o trabalho no campo onde estão sempre carregando coisas
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– pedra, lata de água, filhos, trouxa de roupa; no Movimento estão em movimento,
relaxadas, brincando, viajando, conversando, falando. No Movimento elas se movimentam
e se fazem presentes no mundo.
Se toda fala é sempre de uma falta é isso o que elas mais querem, seus desejos. E essas
falas são emblemas do movimento de mulheres trabalhadoras rurais, expressando o
confronto entre uma forma de vida e um tempo que se encontram em situação de
transformação.
Marcas de mulheres no sindicalismo rural
Os movimentos de mulheres trabalhadoras rurais se situam no território do sindicalismo
rural, no qual estampam sua presença de diferentes maneiras, pelas quais pode se
acessar os pontos de inclusão das mulheres nesse espaço social. Em que pese o fato de
que as lutas das mulheres ainda são vistas como sendo coisas de mulher e não do
conjunto do movimento sindical, aos poucos aparecem situações em que o movimento
como um todo as assume como ocorreu com a Marcha das Margaridas e a Mobilização
Nacional ocorrida em 8 de março.
Os nexos entre as mulheres e o movimento sindical dos trabalhadores rurais construídos
por tantos gestos, passos, artes e falas se esboçam nos seguintes aspectos:
A legitimidade do movimento sindical está apoiada na inclusão das mulheres seja para
mostrar a capacidade e o compromisso das direções políticas de responder às questões
das mulheres, seja nomeando-se como seu representante, o que tem feito a inclusão do
termo trabalhadoras nas manifestações e na própria designação como movimento de
trabalhadores e trabalhadoras rurais. A participação das mulheres então pode ser
presencial e simbólica.
A ampliação da prática de uma mística política, baseada em valores éticos de justiça/diálogo/ternura, na inclusão de todos, numa visão integrada da pessoa, e na
solidariedade. É um momento de todos e o motor do entusiasmo que alimenta o
compromisso por símbolos e participação. As mulheres não dispensam a mística em seu
cotidiano político e a consolidam como prática no campo sindical, mais que o fazem os
homens.
A política de cotas adotada legalmente pelo sindicalismo tem se mostrado um mecanismo
eficiente como estratégia de ação positiva para colocar as mulheres e suas condições de
discriminação na pauta sindical, dando condições para a visibilidade e a participação
feminina. As cotas são efetivamente assumidas pelos setores mais politizados do
sindicalismo, as lideranças, em uma perspectiva de fortalecer o conjunto do movimento;
nas bases, ao nível dos sindicatos municipais podem não ser levadas em conta.
Por fim as dinâmicas de cantar, movimentar o corpo, enfeitar o ambiente, motivar, animar,
alegrar, brincar, rir, dançar, descontrair, ter momentos de confraternização e festa,
exposição e venda de produtos artesanais exprimem um conjunto de características mais
identificadas com a subjetividade, e muitas vezes com forte emocionalidade. No I
Encontro de Mulheres Dirigentes do Sindicalismo Rural-CE, o encerramento foi com muitos
abraços e choros entre assessoras, lideranças e participantes, que diziam: “Conseguimos!
As mulheres cearenses já estão marchando.” Nunca, em 20 anos de aproximação com o
sindicalismo, vi homem chorar por realizar um encontro ou reunião política. Há aqui uma
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vinculação entre subjetividade e cidadania em que a política aparece como lugar de uma
nova sociabilidade e de uma outra experiência subjetiva.
Assim as mulheres trabalhadoras rurais emergem como categoria sujeito político
construído, e não apenas como efeito de mudanças estruturais ou conseqüência natural
de uma tomada de consciência.
Por isso talvez cantem tanto:
Pra mudar a sociedade do jeito que a gente quer
Participando sem medo de ser mulher
Essa mudança enuncia um sujeito capaz de desejos e de sonhos.
Porque a luta não é só dos companheiros
Participando sem medo de ser mulher
Ter um desejo próprio é estabelecer processos de diferenciação e elaborar uma
identidade própria.
Pisando firme sem pedir nenhum segredo
Participando sem medo de ser mulher
Conquistar a existência social permite revelar-se, mostrar-se, apresentando-se e falando
em público sem medo de ser mulher trabalhadora rural.
Referências
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______.A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999
Castoriadis, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e
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POTENCIAL E LIMITE DAS DISPUTAS POLÍTICAS:
PONTOS PARA REFLEXÃO
REFLEXÃO
Sara Pimenta e Domingos Corcione - Agosto de 2006
Dirigentes e lideranças sindicais constroem projetos políticos ou se identificam com um
entre aqueles já existentes, assumindo sua defesa no cotidiano da vida sindical.
É comum a existência de projetos diferenciados em suas origens e concepções políticoideológicas. Isso resulta em disputas pela predominância e hegemonia de um sobre o
outro.
As disputas políticas não se limitam aos antagonismos entre trabalhadores e classes
dominantes, mas têm lugar no interior do próprio Movimento Sindical e entre este e outros
movimentos e organizações populares. Em muitos casos as disputas internas se tornam
de tal forma acirradas que geram rupturas e levam à criação de novas entidades e
movimentos. Mas há disputas “menores” - não menos importantes - que caracterizam o
cotidiano do MSTTR: disputas de idéias, de espaços, de reconhecimento, de protagonismo
e liderança. Afinal, disputas permanentes de poder.
A dimensão positiva das disputas políticas
As disputas podem ser vistas como elementos que integram a dinâmica política do MSTTR,
em sua dimensão positiva e construtiva, favorecendo a qualificação dos projetos políticos
e a aquisição - pelos dirigentes e lideranças - de maior habilidade na defesa de suas
posições.
A pluralidade ideológica e de posicionamento político confere um novo dinamismo à luta
sindical e aos processos de mudança, pois pode sinalizar o surgimento e a consolidação
de novas práticas. As posições são demarcadas de modo a assegurar os interesses
relacionados com o projeto defendido, colocando em destaque pontos divergentes,
conferindo maior clareza às idéias e facilitando a comunicação.
Idéias, posições e projetos, quando em disputa, ganham maior relevância, são
apresentados e defendidos na perspectiva de fazerem adeptos e construírem sua
hegemonia.
Todo esse processo promove fortes motivações para se avançar com maior garra,
perseguindo as estratégias necessárias para vencer as posições antagônicas ou
diferenciadas e conquistar novos espaços de poder.
Práticas a serem transformadas
Apesar dos aspectos positivos acima ressaltados, é preciso reconhecer que no campo das
disputas políticas ainda persistem posturas e atitudes equivocadas, que ferem a ética e
acabam por comprometer o avanço da organização sindical e a construção de projetos de
mudança social, tais como:
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Dificuldade de reconhecer o outro como um legítimo interlocutor e de construir
um diálogo aberto, que implica, sobretudo, na escuta atenta das posições ou
correntes adversárias.
Utilização de palavras e gestos ofensivos, que acabam por incorrer em
desrespeito pessoal com quem esteja representando posições políticas
diferenciadas ou adversárias.
Dificuldade de identificar e reconhecer valores e aspectos positivos nas idéias,
posicionamentos e pessoas que estejam defendendo posições ou projetos
diferenciados. Forte tendência a distorcer o que se vê e se ouve e a evidenciar
somente aquilo que se considera equivocado, contraditório e incorreto no lado
adversário.
Tendência a forjar oportunidades para denegrir a imagem da posição adversária
e – em certos casos – humilhar e desqualificar as pessoas que a defendem.
A formação como espaço estratégico para a construção de novas práticas
As disputas, tão comuns no cotidiano sindical, acontecem também nos “espaços de
formação programada”, como Seminários, Oficinas ou Encontros de caráter formativo,
voltados para o estudo, para a reflexão mais aprofundada ou a capacitação. Nesses
espaços, mesmo entre pessoas de uma mesma corrente político-ideológica, ocorrem
debates, mais ou menos acirrados, que reproduzem posturas positivas ou equivocadas,
como aquelas anteriormente citadas.
As atividades de formação têm uma importância primordial na vida sindical. Sem formação
não há como qualificar a luta. Um curso de formação, um seminário ou uma oficina podem
contribuir muito para esclarecer idéias e projetos, avaliar a caminhada, fazer repensar e
aprimorar estratégias e métodos de trabalho. A ação formativa, portanto, tem um grande
rebatimento na ação mobilizadora e transformadora da luta sindical.
Contudo, para que esse rebatimento tenha um impacto realmente positivo, é preciso fazer
das ações e atividades formativas espaços estratégicos, reconhecendo-os em seu
potencial catalisador de novas concepções e práticas, o que demanda alguns
compromissos como os abaixo relacionados:
Respeitar a pluralidade de concepções e idéias e buscar compreendê-las de modo
a compor uma visão crítica e construtiva, frente a todas elas.
Resgatar, em primeiro lugar, a história, explicitar o significado e prever os possíveis
desdobramentos de cada concepção e prática, pautando-se pelo estudo e
pesquisa.
Refletir e aprofundar o debate, para identificar insuficiências e valores de cada
posição. Cada prática ou concepção revela fragilidades, mas também tem
contribuições a dar. Para isso se faz necessário uma postura aberta ao diferente e
o exercício da escuta sempre atenta ao que a outra posição ou corrente tem a
transmitir. Nessa perspectiva, é fundamental reconhecer as próprias limitações e
se dispor a rever posições.
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Fazer da formação um campo profícuo de debates e oportunidades de aprendizado
e aprimoramento das idéias e concepções ideológicas, primando por uma postura
ética e respeitosa para com as pessoas e grupos.
Tratar as disputas políticas como elementos constitutivos de um desafiador
processo de construção de consensos.
Na medida em que nos dispormos a construir e assumir novas posturas e práticas para as
quais os espaços de formação nos convocar, certamente estaremos dando largos passos
para transformar o cotidiano de nossas relações políticas no movimento sindical.
Portanto, não se trata de acabar com a disputa, pois – reiteramos - ela pode ser positiva e
dinamizadora da ação social transformadora. O desafio é conferir às nossas disputas uma
dimensão mais humana e humanizadora, coerente com nossos sonhos e utopias, de modo
que isso nos faça crescer em todas as dimensões: na política, nas relações interpessoais,
nas relações de gênero... Uma disputa que nos aproxime cada vez mais da nova sociedade
que queremos construir: justa, igualitária, solidária e respeitosa das diferenças, onde se
conviva – ao mesmo tempo – na unidade e na diversidade.
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