Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. -1- Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG ÍNDICE SUMÁRIO Textos Página 01 Matriz Pedagógica do I Módulo do Curso de Formação de Educadores e Educadoras em Concepção e Prática Sindical e em Metodologias 01 02 Herança de diferenciação e futuro de fragmentação fragmentação Tânia Bacelar 06 03 Ascensão e Queda do Coronelismo Voltaire Schilling 31 04 Contexto e Diversidade das agriculturas Familiares no Nordeste semisemiárido Patrick Caron e Eric Sabourin (organizadores) 40 05 Origem e papel dos sindicatos Altamiro Borges 49 06 História do movimento sindical – Cartilha da CNTE 55 07 Concepções e correntes sindicais no Brasil Amarildo Carvalho de Souza e Domingos Corcione 67 08 A historia das nossas raízes: itinerário das lutas dos trabalhadores (as) rurais no Brasil e o surgimento do sindicalismo rural Maria do Socorro Silva 83 09 Trajetória política da contag - as primeiras lutas 98 10 Participação das mulheres na luta dos trabalhadores e no movimento sindical Maria Valéria Junho Penna 111 11 A mulher e a emergência da da seca no nordeste do Brasil Izaura Rufino Fischer e Lígia Albuquerque 119 12 Muito trabalho e nenhum poder marcam as vidas das agricultoras familiares Taciana Gouveia 127 13 Margaridas nas ruas: As mulheres trabalhadoras rurais como categoria política Maria Dolores de Brito Mota 135 14 Potencial e limite das disputas políticas: pontos para reflexão Sara Pimenta e Domingos Corcione 146 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. -2- Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG 2°MÓDULO DO CURSO DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES E EDUCADORAS EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA SINDICAL E METODOLOGIA DA FORMAÇÃO. (REGIÃO NORDESTE ORDESTE) Data: 04 a 10 de novembro de 2007 Local: Hotel Beira Mar Endereço: AV. ROTARY S/N - ATALAIA VELHA, ARACAJU (SE), FONE / FAX: 79 - 21062106-8989 MATRIZ PEDAGÓGICA Objetivo Geral: • Contribuir com a formação de militantes do MSTTR, de modo que aprimorem sua capacidade multiplicadora e potencializadora da ação formativa em suas áreas de atuação. Objetivos Específicos: • • • • Socializar e aprofundar referenciais teóricos, políticos e ideológicos que fundamentam e alimentam os ideais e a luta sindical e popular. Re-avaliar e fortalecer a luta sindical, numa visão e ação sindical transformadoras, estimulando processos de mudanças de atitudes, comportamentos e práticas individuais e coletivas, coerentes com as exigências de implementação do PADRSS. Favorecer a experimentação, sistematização e apropriação de novas metodologias pedagógicas que realimentem a prática formativa do movimento sindical. Contribuir para a constituição de uma rede de formadores/as que assumam e implementem o projeto de formação do MSTTR. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. -3- Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG EIXO TEMÁTICO: HISTÓRIA, CONCEPÇÃO, ESTRUTURA E PRÁTICA SINDICAL. EIXOS PEDAGÓGICOS: PEDAGOGIA PARA UMA NOVA SOCIABILIDADE E MEMÓRIA E IDENTIDADE. Observação: utilizar a linha do tempo como principal recurso pedagógico. Dia 04 de novembro novembro de 2007 (Domingo) Período Tema e SubSub-temas. Objetivos Responsáveis Mística de acolhida Avançar no processo de integração do grupo. Articular Rede de educadores (as) de com a mística do I Módulo (elementos da natureza) Sergipe e equipe ENFOC Abertura Política do II Curso Coordenação Política da ENFOC, Regional da CONTAG, convidados Reafirmar os compromissos, princípios e objetivos da ENFOC. MANHÃ Roteiro, acordos, comissões de trabalho. Memória e Identidade – Perfil de militância Estabelecer a partir das identidades individuais, a identidade de grupos, favorecendo a percepção de construção histórica tanto das concepções presentes na sociedade, quanto os fatos significativos vivenciados individual e coletivamente. ReRe-apropriação do I Módulo Estimular uma releitura do I Módulo e a compreensão da inter-relação entre o I e II módulos (identidade, trabalho, sistemas de sociedade, Estado e politicas públicas, organização e lutas, diálogos pedagógicos) Comissões de trabalho: Organização e apoio; mística e animação; avaliação; relatoria e sistematização. Obs: agrupar por gênero; geração; raça-etnia; tempo de movimento e fatos significativos; e motivação para militância. Rede de educadores (as) TARDE Contexto e origem do sindicalismo no Brasil Brasil até o inicio da década de 30 Amarildo Carvalho – assessor Compreender a formação da classe trabalhadora no da CONTAG Brasil. NOITE Sessão de Cinema Exibição do Filme “VIDAS SECAS” 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. -4- Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Dia 05 de novembro de 2007 (Segunda Feira) Período Tema e SubSub-temas. temas. Objetivos Responsáveis MANHÃ Contexto regional até a década de 30. Compreender as relações sociais, políticas, econômicas e de lutas no Nordeste. Socorro Silva – colaboradora da ENFOC TARDE Formação da estrutura sindical oficial Organizações de de trabalhadores no campo brasileiro (das LIGAS Camponesas à ULTAB) Compreender o papel do Estado na organização sindical e nas relações capital e trabalho. Compreender o processo de organização e as principais bandeiras de luta das organizações nesse período Socorro Silva – colaboradora da ENFOC Memória da constituição e organização do MSTTR no nordeste Preparar as apresentações do Tempo Comunidade (história, lutas e organização das entidades sindicais do MSTTR) Rede de educadores (as) Dia 06 06 de novembro novembro de 2007 (Terça (Terça Feira) Período MANHÃ E TARDE Tema e SubSub-temas. Objetivos Responsáveis Diálogos pedagógicos Reapropriação dos temas trabalhados nos dias anteriores Equipe ENFOC e Comissão de sistematização Memória da constituição e organização do MSTTR no nordeste (Apresentação das federações e exposição dialogada) Favorecer uma leitura critica da historia, organização e lutas das entidades do MSTTR, explicitando: Socorro Silva – colaboradora da ENFOC As formas anteriores de organização. Concepções e correntes políticas na fundação das FETAGs. Principais demandas e bandeiras de luta. As mudanças na organização e bandeiras de luta das Federações até os dias atuais. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. -5- Comissão de Sistematização uma síntese das fará apresentações. Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG No dia 06 (noite), haverá lançamento de filme sobre migração nordestina para o corte da cana em São Paulo – Professor Beto Novaes Dia 07 de novembro de 2007 (Quarta Feira) Período Tema e SubSub-temas Objetivos Responsáveis MANHÃ Diálogos pedagógicos: Leitura critica de duas importantes e estratégicas frentes lutas Memória das lut as dos assalariados e de luta no Nordeste: pela reforma agrária de finais da Reforma Agrária década de 70 aos anos 80 Organização e Luta dos Assalariados/as. Moderação de Beto Novaes (luta dos assalariados assalariados na região) região) Comissões e equipe ENFOC TARDE Organização das centrais sindicais no Brasil e o dialogo com a CONTAG Testemunho de Francisco Urbano Filho – exex-presidente da CONTAG e José Carmo – Colaborador da FETASE Favorecer maior compreensão sobre a formação das centrais sindicais no inicio dos anos 80 e a participação da CONTAG nesse processo. Dia 08 de novembro de 2007 (Quinta Feira) Período Tema e SubSub-temas MANHÃ Livre TARDE Memória da Luta das mulheres trabalhadoras abalhadoras rurais no Nordeste. tr Objetivos Responsáveis Favorecer maior compreensão sobre a trajetória organizativa e de luta das mulheres trabalhadoras rurais nordestinas. Testemunhos: Rita – CUT/PB Vanete Almeida – REDELAC Trazer as dimensões de classe, raça e etnia. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. -6- Raimunda Celestina Mascena – CONTAG de Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Dia 09 de novembro de 2007 (Sexta Feira) Período Tema e SubSub-temas Diálogos Pedagógicos MANHÃ Objetivos Responsáveis Reapropriação dos temas trabalhados nos dias anteriores Equipe ENFOC e Comissão de Sistematização Manoel José dos Santos Presidente da CONTAG Memória da organização do MSTTR a Favorecer uma leitura critica sobre a trajetória do MSTTR de 1990 aos nossos dias. partir de 1990 TARDE Reflexão sobre a organização e pratica sindical do MSTTR Manoel José dos Santos ontem e hoje Presidente da CONTAG Organização, Estrutura e Prática Sindical Explicitar a importância do PADRSS enquanto referencia de mudanças na organização do MSTTR. Diálogos Pedagógicos: Pedagógicos: Política Nacional de Formação (PNF) do MSTTR Resgatar o histórico da formação sindical do MSTTR e refletir sobre os princípios políticos do PADRSS enquanto referenciais dessa formação. Amarildo Carvalho – assessor da CONTAG Refletir sobre princípios e estratégias da PNF do MSTTR. Dia 10 de novembro novembro de 2007 (Sábado) Período MANHÃ MANHÃ Tema e SubSub-temas Diálogos Pedagógicos: Tempo Comunidade Objetivos Responsáveis Refletir sobre o tempo comunidade na estratégia da formação; Construir passos para a realização as atividades inter módulos e GES Equipe Equipe ENFOC Encaminhamentos Reapropriação do Módulo (linha do tempo) Discutir encaminhamentos dos próximos passos; Avaliação / Encerramento Possibilitar uma reflexão avaliativa do 2º Módulo. Visualizar o 2º Módulo na sua totalidade, considerando nexos e pontes para as etapas seguintes; 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. -7- Equipe ENFOC, comissões de avaliação e de sistematização. Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Herança de diferenciação e futuro de fragmentação Tânia Bacelar de Araújo NESTE ARTIGO, observa-se o Nordeste do Brasil por sua economia, enfocando-se suas ,características principais, tendências atuais e perspectivas econômicas, analisando-se ainda sua inserção nos contextos nacional e mundial. O Nordeste aqui considerado congrega os estados que vão do Maranhão à Bahia, diferindo da classificação feita pela Sudene que inclui parte do estado de Minas Gerais (região polarizada de Montes Claros). Apresenta-se inicialmente sucinta descrição da dinâmica geral das atividades econômicas: a região será abordada em seu conjunto, utilizando-se portanto dados globais referentes, em sua grande maioria, ao total regional. Num segundo momento, a análise será feita com referência às diferenciações existentes dentro da própria região Nordeste, destacando-se os novos subespaços dinâmicos e os focos de resistência a mudanças. A heterogeneidade e a complexidade da dinâmica nordestina aparecerão, então, com maior clareza. Esforço especial será dedicado à observação das mais importantes articulações econômicas regionais e sub-regionais. O Nordeste e seus subespaços serão percebidos, assim, em suas tendências de ligações com o exterior e com as demais regiões do próprio Brasil. Serão analisados ainda os movimentos de mercadorias e de capitais focalizando-se as décadas de 60, 70 e 80. Concluir-se-á com uma reflexão sobre as tendências atuais da economia nordestina e os primeiros impactos da opção brasileira por uma inserção passiva no mercado mundial em globalização. Finalmente, especular-se-á sobre a hipótese do aprofundamento das diferenciações e desigualdades internas. Daí a questão posta no título do artigo: o rumo será o da fragmentação? Caracterização inicial Na região Nordeste (20% do território brasileiro) vivem 29% da população do país. Originam-se, aproximadamente, 14% da produção nacional total (medida pelo PIB), 12% da produção industrial e quase 21% da produção agrícola. Cabe destacar que na região residem 23,5% da população urbana do Brasil e 46% de sua população rural. O lento crescimento econômico, que durante muitas décadas caracterizou o ambiente econômico nordestino (GTDN, 1967), foi substituído pelo forte dinamismo de numerosas atividades que se desenvolveram recentemente na região, como se verá a seguir. A pobreza, porém, continua a ser uma das características mais marcantes do Nordeste, quando visto no contexto nacional. É um traço antigo que o dinamismo econômico das últimas décadas não conseguiu alterar significativamente. Levantamento recente do Instituto de Planejamento Econômico e Social – IPEA mostra que, em 1990, dos 32 milhões de brasileiros indigentes, 17,3 milhões estavam no Nordeste (55% do total nacional) e mais de 10 milhões residiam na zona rural da região. Assim, com 46% da população rural brasileira, o Nordeste tem 63% dos indigentes brasileiros que vivem nas áreas rurais. Dos indigentes urbanos do país, quase 46% estão no Nordeste (IPEA , 1993). 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. -8- Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Dinamismo econômico: uma herança recente Apesar de vista como região problema pela maior parte dos brasileiros, a economia nordestina apresentou entre 1960 e 1990 um excelente desempenho. Coordenado por Celso Furtado no final dos anos 50, o relatório do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) que fundamentou a estratégia inicial de ação da Sudene, constatava ter sido o seu fraco dinamismo nas décadas anteriores a característica mais importante da base produtiva instalada na região. Enquanto a indústria comandava o crescimento econômico no Sudeste, o velho setor primárioexportador implantado no Nordeste dava mostras de sua incapacidade para continuar impulsionando o desenvolvimento econômico regional. Uma das propostas centrais do relatório do GTDN – como ficou conhecido aquele documento – era estimular a industrialização no Nordeste como forma de superar as dificuldades geradas pela velha base agroexportadora nordestina. A partir dos anos 60, impulsionadas por incentivos fiscais – 34/18-Finor e isenção do imposto sobre a renda, principalmente –, por investimentos de empresas estatais do porte da Petrobrás (na Bahia e Rio Grande do Norte) e da Vale do Rio Doce (no Maranhão), complementados com créditos públicos (do BNDES e BNB, particularmente) e com recursos próprios de importantes empresas locais, nacionais e multinacionais, as atividades urbanas – e dentro delas, as atividades industriais – ganham crescentemente espaço no ambiente econômico do Nordeste e passam a comandar o crescimento da produção na região, rompendo a fraca dinâmica preexistente. Entre 1967 e 1989 a agropecuária reduziu sua contribuição ao PIB regional de 27,4% para 18,9% e em 1990, ano de seca, que afetou consideravelmente a produção na zona semi-árida, tal percentual caiu para 12,1%. Enquanto isso, a indústria passou de 22,6% para 29,3%, e o setor terciário cresceu de 49,9% para 58,6%, segundo dados da Sudene para o período. No início dos anos 60 a Sudene, recém-criada, concentrou esforços e recursos federais na realização de estudos e pesquisas sobre a dotação de recursos naturais do Nordeste (em particular de recursos minerais) e na ampliação da oferta de infra-estrutura econômica (sobretudo transportes e energia elétrica). Tais investimentos tiveram importante papel para o posterior dinamismo dos investimentos nas atividades privadas, tanto no setor industrial quanto no terciário. No global, nas décadas recentes, o Nordeste foi a região que apresentou a mais elevada taxa média de crescimento do PIB no país. Vários estudos recentes confirmam esse comportamento. De 1960 a 1988 a economia nordestina suplantou a taxa de crescimento média do país em cerca de 10%; e entre 1965 e 1985 o PIB gerado no Nordeste cresceu (média de 6,3% ao ano) mais que o do Japão no mesmo período (5,5% ao ano), segundo estudo realizado por Maia Gomes (1991). Usando dados que comparam o desempenho da economia brasileira no seu total com o de sua parte localizada no Nordeste, verifica-se nítida melhoria nos indicadores de participação relativa dessa região na economia do país: entre 1960 e 1990 a participação no PIB aumentou de 13,2% para 17,1% (Sudene, 1996). No total, entre 1960 e 1990, o PIB do Nordeste quase sextuplicou, passando de US$ 8,6 bilhões para US$ 50 bilhões (Araújo, 1992). 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. -9- Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Cabe salientar que quando se compara o desempenho das atividades econômicas do Nordeste com a média nacional, verifica-se que a dinâmica regional tendeu a acompanhar as oscilações cíclicas da produção total do país. Embora as taxas se diferenciem, as tendências são semelhantes. O movimento de integração econômica comandado pelo processo de acumulação de capitais do Brasil nas últimas décadas havia atingido o Nordeste e solidarizado sua dinâmica econômica às tendências gerais da economia nacional, como ressaltaram em seus estudos Oliveira (1990) e Guimarães Neto (1989). Sob tal perspectiva, e nesse novo momento, uma das teses centrais do GTDN ficou ultrapassada: não se verifica mais o fato de a economia do Nordeste ir mal, enquanto o Centro-Sul vai bem. A integração produtiva articulara a dinâmica econômica nas diversas regiões brasileiras. Naturalmente, a integração econômica não homogeneizou as estruturas produtivas das diferentes regiões do país. Permaneceram diferenciações importantes. E é justamente em função das particularidades das estruturas produtivas de cada região brasileira que o Nordeste foi menos atingido pela crise dos anos 80, crise que afetou mais fortemente o setor industrial e, dentro dele, os segmentos produtores de bens de capital e bens de consumo duráveis. Ora, tais segmentos não têm grande presença no tecido industrial do Nordeste. Assim, ao especializar-se mais na produção de bens intermediários, destinando parte importante às exportações, a indústria recentemente instalada no Nordeste resistiu melhor aos efeitos da desaceleração da economia brasileira. Paralelamente, em sua porção oeste, às margens do submédio São Francisco e no vale do Açu (RN), implantou moderna agricultura de grãos e importantes pólos de fruticultura, ambos para exportação, o que o ajuda a resistir aos efeitos da retração da demanda interna, podendo localizadamente melhor enfrentar a crise nacional. Conforme dados da Sudene (1992), também o setor de serviços tem tido desempenho bastante razoável na região, especialmente a partir da segunda metade dos anos 80, apresentando taxas de crescimento anual positivas e superiores à média do país. Nordeste: mudanças no perfil produtivo Nas últimas décadas a região promoveu mudança importante na composição de sua produção. Acompanha, também nesse ponto, as tendências gerais da economia brasileira, apesar de suas especificidades locais. As atividades agropecuárias vêm perdendo peso relativo no PIB do Brasil e também no do Nordeste, com as atividades urbanas avançando mais nos dois casos. No entanto, a indústria tornou-se relativamente mais importante no total da produção brasileira (34%, em 1990) do que no Nordeste (30%). Dessa forma, quando visto no ambiente econômico nacional, o Nordeste continua sendo relativamente mais importante como região produtora agropecuária (20% do total nacional) do que industrial (12%) ou terciária (15%), segundo dados da Sudene (1992) para o ano de 1990. Mudanças ocorreram, por exemplo, no perfil produtivo da agropecuária nordestina: a partir dos anos 70, enquanto se reduzia a área cultivada com algodão, mamona, mandioca e sisal, expandia-se a que era ocupada com cana-de-açúcar, arroz, feijão, laranja e milho. Ao mesmo tempo algumas culturas não-tradicionais na região, por seu valor de mercado relativamente alto, apresentaram peso crescente na produção regional: 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 10 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG é o caso de frutas como melão, manga, melancia, uva (nas áreas irrigadas pelo São Francisco e Açu), abacaxi (em manchas favoráveis do sertão e agreste) além de tomate, café e soja (em áreas favoráveis do São Francisco, do Agreste e do Cerrado, respectivamente). Tais produtos representavam, em 1970, apenas 3% do valor da produção agrícola do Nordeste, crescendo para 13,5% em 1989 (Congresso Nacional, 1993). Por outro lado, nos anos em que a economia brasileira consolida o mercado interno nacional e promove sua integração produtiva, o Nordeste engata na dinâmica nacional, como anteriormente ressaltado. Nessa fase, capitais privados buscam novas frentes de investimento em espaços localizados para além do centro mais industrializado do país – o Sudeste. Verifica-se a desconcentração da atividade produtiva, inclusive da atividade industrial. Esse movimento atinge também o Nordeste (Guimarães Neto, 1990; Oliveira, 1990; Fundaj, 1992). Como o movimento de desconcentração busca também utilizar recursos naturais disponíveis nas diversas regiões do país, o Nordeste comparece abrigando alguns pólos importantes de desenvolvimento agroindustrial e industrial, que serão analisados com detalhes adiante, quando se examinarem os focos de modernidade surgidos na região nas últimas décadas. No caso da indústria, coube ao Nordeste assumir novo papel no contexto da divisão inter-regional do trabalho do país. De tradicional região produtora de bens de consumo não-duráveis (têxtil e alimentar, principalmente), vai se transformando nos anos pós-60 em região industrial mais especializada em bens intermediários (Araújo, 1981), com destaque para a instalação do pólo petroquímico de Camaçari, na Bahia, e do complexo minero-metalúrgico, no Maranhão, além do pólo de fertilizantes de Sergipe, do complexo da Salgema em Alagoas, da produção de alumínio no Maranhão, dentre outros. Nesse contexto, o perfil industrial do Nordeste mudou significativamente com a perda da posição relativa da indústria de bens não-duráveis de consumo e com o crescimento relativo do segmento voltado à produção de bens-intermediários. A indústria, financiada pelos incentivos da Sudene, demonstra tal perfil: foram os segmentos produtores de insumos que receberam a maior parte dos recursos provenientes do sistema 34/18-Finor. A nova base agrícola da região também tem a vocação para ofertar produtos cujo beneficiamento se dará fora do Nordeste ou até do país, salvo em casos como o das frutas tropicais, enviadas in natura para o mercado consumidor externo; da uva, transformada em vinho também no Nordeste; ou da soja, processada por agroindústrias instaladas na região. Nos anos 70, quando o Estado brasileiro, a partir da estratégia definida no II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), realizou importante programa de investimentos públicos e com ele sustentou a dinâmica da economia nacional num contexto internacional de crise, o Nordeste também se incluiu nessa tendência quando a Petrobrás comandou, na Bahia, a implantação do pólo petroquímico de Camaçari, e a Companhia Vale do Rio Doce implementou o complexo de Carajás, com parte do projeto localizado no Maranhão. Merecem também referência os investimentos do sistema Eletrobrás. No total da formação bruta de capital fixo, contabilizada pelo IBGE/FGV, que inclui investimentos da administração pública e das empresas do governo, verifica-se a posição do Nordeste como região recebedora de recursos, passando de 13% do total nacional em 1970 para 17% em 1985 (superior à sua participação no PIB brasileiro). 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 11 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Finalmente, nos anos 80, quando a crise se aprofundou excluindo de seus efeitos negativos as atividades de intermediação financeira e os segmentos voltados para a exportação, o Nordeste tendeu a reproduzir tal padrão. Entre 1975 e 1990 o Brasil expandiu suas exportações, mais que as quadruplicando: passam de US$ 7,6 bilhões de vendas anuais para US$ 31,1 bilhões. O Nordeste também produziu mais para o exterior, duplicando seu valor exportado, que passou de US$ 1,5 bilhão, em 1975, para US$ 3 bilhões, em 1990. Dentro dele, o estado da Bahia merece referência especial não só por ter acompanhado o padrão nacional, triplicando seu valor exportado (de US$ 525 milhões para US$ 1,5 bilhão), mas por aumentar sua já predominante importância no total vendido pela região no mercado internacional: em 1975, sua economia gerava um terço das exportações nordestinas; em 1990 respondia pela metade do valor exportado pela região. No Nordeste, até mais que no Brasil, a tendência à perda de importância dos produtos básicos e ao maior crescimento dos bens manufaturados no valor exportado também se verificou nesse período. No que se refere às atividades de intermediação financeira, houve excepcional crescimento no Nordeste nas décadas recentes. Enquanto a economia brasileira desacelerava, a atividade de intermediação financeira crescia. No Nordeste também se observou a mesma tendência. Enquanto nos anos 70 e 80 a economia da região cresceu em média 7,6% ao ano, as atividades financeiras, bens imóveis e serviços às empresas, como contabiliza a Sudene (1992), expandiram-se na proporção de 10% ao ano. Como se observa do exposto, as atividades econômicas do Nordeste tendem, no geral, a acompanhar bem de perto as principais tendências da economia brasileira. Guardam, no entanto, certas especificidades importantes, algumas das quais aparecerão com destaque em outros tópicos deste trabalho. Uma das características importantes da economia do Nordeste é o relevante papel desempenhado nos anos recentes pelo setor público. É evidente que o Estado patrocinou fortemente o crescimento econômico nas diversas regiões brasileiras. No Nordeste, porém, pode-se afirmar que sua presença foi fator fundamental para explicar a intensidade e os rumos do crescimento econômico ocorrido nas últimas décadas. Direta ou indiretamente, foi o setor público quem puxou o crescimento das atividades econômicas que mais se expandiram na região nos anos 70 e 80. Segundo dados da Sudene (1992), atividades como bens imóveis e serviços às empresas; atividades financeiras; produção de energia elétrica e abastecimento de água; serviços comunitários sociais e pessoais, destacaram-se como atividades muito dinâmicas e, na maioria delas, o investimento público foi fundamental. Aliás, o setor público tem, no Nordeste, maior peso na formação bruta de capital fixo total do que na média nacional. Investindo, produzindo, incentivando, criando infra-estrutura econômica e social, o Estado se fazia presente com grande intensidade na promoção do crescimento da economia nordestina. A heterogeneidade econômica intraintra-regional Deve-se ressaltar que nunca houve um Nordeste economicamente homogêneo e que, historicamente, era possível destacar subconjuntos sócio-econômicos diferenciados, em virtude de variados processos de ocupação humana e econômica : 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 12 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG • o Nordeste que se estendia do Rio Grande do Norte até Alagoas, onde a economia açucareira e a pecuária gestavam poderosas oligarquias e incipiente burguesia industrial; • dele já se distinguia o Ceará, onde o complexo gado-algodão-agricultura de alimentos conformava uma oligarquia sertaneja que se expandia na acumulação comercial e não existia o complexo canavieiro; • o Nordeste de Sergipe e Bahia, caracterizado pela Fundação IBGE durante certo tempo como integrante da região Leste, era comandado por Salvador, cidade portuária e mercantil, onde desde cedo se desenvolveu uma burguesia banqueira. No campo, a cana, o cacau e as zonas de combinações agrícolas sertanejas eram predominantes. O oeste baiano era um vazio econômico, e mesmo demográfico, até décadas recentes; • o Nordeste do Piauí e Maranhão, mais conhecido como espaço de transição entre o Nordeste seco e a região amazônica, era chamado por alguns estudiosos de meioNorte (Melo, 1978) e até o final dos anos 50 visto como área aberta à expansão da fronteira agrícola regional (GTDN, 1967). Nas últimas décadas mudanças importantes remodelaram a realidade econômica nordestina, questionando inclusive visões tradicionalmente consagradas sobre a região. Nordeste região problema, Nordeste da seca e da miséria, Nordeste sempre ávido por verbas públicas, verdadeiro poço sem fundo em que as tradicionais políticas compensatórias de caráter assistencialista só contribuem para consolidar velhas estruturas sócio-econômicas e políticas perpetuadoras da miséria... Essas são apenas visões parciais sobre a região nos dias presentes. Revelam parte da verdade sobre a realidade econômica e social nordestina, mas não apreendem os fatos novos dos anos mais recentes. Não refletem a atual e crescente complexidade da realidade econômica regional e não permitem desvendar uma das mais marcantes características do Nordeste atual: a grande diversidade, a crescente heterogeneidade de suas estruturas econômicas. Embora traços gerais possam ser identificados, como já o fizemos, a percepção da realidade econômica nordestina exige análise mais detalhada. Nesse sentido, é mister ressaltar os novos focos de dinamismo da economia regional, que convivem atualmente com as tradicionais áreas agrícolas ou agropastoris da região. Uma análise que perceba as diferentes trajetórias econômicas dos diversos subespaços nordestinos. É o que se tentará fazer no próximo tópico do trabalho. Áreas dinâmicas de modernização intensa Como vem se tentando demonstrar ao longo deste texto, importantes movimentos da economia brasileira tiveram fortes repercussões na região Nordeste nos anos recentes. Tendências da acumulação privada reforçadas pela ação estatal, quando não comandadas pelo Estado brasileiro, fizeram surgir e se desenvolver no Nordeste diversos subespaços dotados de estruturas econômicas modernas e ativas, focos de dinamismo em grande parte responsáveis pelo desempenho relativamente positivo apresentado pelas atividades econômicas na região. Tais estruturas são tratadas na literatura especializada ora como frentes de expansão, ora como pólos dinâmicos, ora como manchas ou focos de dinamismo e até como enclaves. Dentre eles, cabe destaque para o complexo petroquímico de Camaçari, o pólo têxtil e de confecções de Fortaleza, o complexo minerometalúrgico de Carajás, no que se refere a atividades industriais, além do pólo agroindustrial de Petrolina-Juazeiro (com base na agricultura irrigada do submédio São 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 13 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Francisco), das áreas de moderna agricultura de grãos (que se estendem dos cerrados baianos atingindo, mais recentemente, o sul dos estados do Maranhão e do Piauí), do moderno pólo de fruticultura do Rio Grande do Norte (com base na agricultura irrigada do Vale do Açu), e dos diversos pólos turísticos implantados nas principais cidades litorâneas do Nordeste. Pesquisa recente realizada pelos professores Policarpo Lima e Frederico Katz, da UFPE, tentou melhor identificar essas áreas, caracterizando-as e analisando seus novos impactos e suas perspectivas de expansão (Lima & Katz, 1993). Menos por seu dinamismo e mais pelo fato de desenvolverem modernas atividades de base tecnológica, merecem referência ainda os tecnopólos de Campina Grande (PB) e do Recife (PE). O pólo petroquímico de Camaçari, como descrevem Lima e Katz (1993), constitui um dos principais pilares da crescente importância da produção de bens intermediários no Nordeste. Implementado ao longo dos anos 70, importou em investimento total de cerca de US$ 4,5 bilhões e, com o programa de ampliação previsto, chegará a US$ 6 bilhões. Esse complexo industrial foi viabilizado com a participação de capitais privados nacionais e multinacionais e com o suporte estatal (Petrobrás), contando com fontes de financiamento diversas. Quanto aos seus impactos, vale registrar que em 1990 o pólo petroquímico de Camaçari contribuiu com 13,6% da receita tributária do estado da Bahia, sendo de 32,8% o seu peso na receita do ICMS gerado pela indústria de transformação. Além disso, concorreu para alterar estruturalmente a economia baiana (aumentando o peso do setor secundário de 12%, em 1960, para quase 30% do PIB estadual em 1990), contribuindo também para a elevação das exportações do estado. Embora as repercussões esperadas fossem maiores, o pólo de Camaçari representa hoje uma possível base para a esperada verticalização da matriz industrial da petroquímica regional. O pólo têxtil e de confecções de Fortaleza, por sua vez, desponta como um dos importantes centros do setor, tanto em âmbito regional como nacional. Entre 1970 e 1985 o número de estabelecimentos têxteis do Ceará cresceu de 155 para 358, enquanto os ligados à confecção passavam de 152 para 850. Em 1991, segundo o Sindicato da Indústria de Confecções do Ceará, o pólo cearense reunia cerca de três mil empresas, gerava 60 mil empregos diretos e era responsável por 12% do ICMS do Ceará (Lima & Katz, 1993). O parque têxtil e de confecções de Fortaleza é competitivo nacionalmente e, no caso da fiação, internacionalmente, em virtude de sua atualização tecnológica. A abertura comercial pode ter implicações negativas sobre a tecelagem e as confecções, dado que nesses segmentos existe uma defasagem tecnológica a ser superada. O encadeamento do pólo cearense com a base agrícola da região é reduzido, devido à drástica diminuição na produção de algodão no Nordeste. Contudo, nos efeitos para a frente conta-se com a perspectiva da instalação de pequenas e médias malharias que se beneficiariam das fiações já existentes, o que já vem sendo estimulado por empresários ligados ao setor. No que se refere ao segmento das confecções, há espaços para um reforço do setor de tecelagem (60% dos tecidos são adquiridos fora do estado), bem como para o crescimento de unidades fornecedoras de aviamentos e linhas (cerca de 80% destes são comprados fora) (Lima & Katz, 1993). 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 14 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG O complexo minero-metalúrgico do Maranhão está associado aos desdobramentos do Programa Grande Carajás (PGC) e ao interesse do capital multinacional em diversificar suas fontes de abastecimento de matérias-primas. Para a montagem desse pólo, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) desempenhou um dos papéis principais, implantando a infra-estrutura para exploração-exportação de minério de ferro. Em função desses investimentos, impactos importantes já se notavam nos anos 80: o PIB total do estado aumentou de US$ 2 bilhões em 1980 para US$ 3 bilhões em 1987, tendo o produto da indústria ampliado sua participação no total estadual de 14,3% para 21,8%. Cortando regiões anteriormente isoladas, a Estrada de Ferro Carajás (EFC) integrou-as ao circuito da produção mercantil e contribuiu para dinamizar o pólo agrícola do sul do Maranhão, onde a produção de soja se expande. O projeto Celmar, que tem a CVRD como sócio, destina-se a produzir celulose, em Imperatriz, com investimentos de US$ 1,2 bilhão, produção estimada em 420 mil toneladas/ano, gerando diretamente 800 empregos, e mais três mil no reflorestamento, além de cerca de 3.200 empregos indiretos (Lima & Katz, 1993). Além disso, a Estrada de Ferro Carajás ajudou a dinamizar a instalação de usinas de ferrogusa e de ferroliga ao longo de sua extensão. O projeto da Alumar também tem grande peso atualmente na indústria maranhense. Trata-se de uma associação de várias empresas, que resultou em projeto de investimento da ordem de US$ 2 bilhões para a produção de três milhões de toneladas/ano de alumina e 500 mil de alumínio, gerando na fase atual um milhão de toneladas de alumina e 350 mil de alumínio. De forma semelhante ao caso da CVRD, a Alumar é responsável por significativo fluxo mensal de rendimentos, pelo menos para os padrões locais, na economia de São Luiz. O projeto criou 4.100 empregos diretos, estimando-se em 1.220 os indiretos, tendo ainda articulações a montante via absorção de bauxita do rio Trombetas, de cal do Ceará, de soda cáustica de Alagoas, da energia elétrica de Tucuruí, além dos serviços de manutenção refletidos nos empregos indiretos. As articulações pelo uso do alumínio são reduzidas, já que são exportados 95% do produto (Lima & Katz, 1993). O complexo agroindustrial de Petrolina-Juazeiro surgiu nos anos 70, com base na implantação de grandes projetos de irrigação. Também neste caso, a presença do Estado foi fundamental, uma vez que montou a maior parte da infra-estrutura de captação e distribuição de água. Constatou-se o cultivo cada vez maior de produtos de elevado valor comercial, destinados tanto à venda in natura para o mercados de maior poder aquisitivo, externo inclusive, quanto ao processamento local em plantas industriais. Ao mesmo tempo deu-se a implantação de grandes projetos de médias empresas nacionais e, mesmo, internacionais. Nessa época, instalaram-se na área diversas plantas industriais de ramos variados: processamento de alimentos, bens de capital, embalagens, equipamentos para irrigação, materiais de construção, fertilizantes e rações (Lima & Katz, 1993). Enquanto eram incorporados à agricultura cerca de 56 mil hectares, o setor industrial gerava cerca de 24 mil empregos (Galvão, 1990). As áreas de moderna agricultura de grãos se estendem dos cerrados do oeste baiano ao sul do Maranhão e do Piauí. A expansão da economia do oeste da Bahia está associada à introdução e à rápida expansão da soja, implantada na área por agricultores do Sul do país, após avanços tecnológicos que viabilizaram o cultivo do produto nos cerrados. Tiveram importante papel 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 15 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG os subsídios governamentais (Galvão, 1990) e os investimentos públicos em infraestrutura. Com a soja, implanta-se na região todo um conjunto de atividades e práticas ligadas à agricultura moderna. Entre 1980/81 e 1985/86, a área plantada com soja expandiu-se 143 vezes e a produção em 848 vezes, enquanto crescia também a produção de arroz. No início da atual década (safra de 1991/92) foram produzidas 800 mil toneladas de grãos no oeste da Bahia, especialmente soja (460 mil toneladas), milho, arroz e feijão. Para o processamento da significativa produção de soja, foram instaladas no município de Barreiras duas plantas industriais. Nos anos mais recentes a produção de grãos vem crescendo bastante (em 1992, produziu-se no Piauí e em Tocantins cerca de um milhão de toneladas). A produção também se estende para o sul do Maranhão. Essas áreas não conhecem crise ou recessão. Nelas despontam atividades como avicultura, suinocultura, frigorificação de carnes. Começam a se desenvolver também atividades de produção de insumos (fertilizantes, calcário) e de equipamentos próprios para a agricultura. O pólo de fruticultura do Vale Açu (RN) cresceu comandado por grandes empresas (com destaque para a Maísa), que se especializam na exportação. Pelo exposto, pode-se inferir que as mencionadas áreas são pontos de intenso dinamismo econômico implantados no território nordestino. As potencialidades agrícolas e minerais reveladas na região com grande evidência, constituem um Nordeste que não existia há poucas décadas. Áreas tradicionais Ao mesmo tempo em que diversos subespaços do Nordeste desenvolvem atividades modernas, em outras áreas a resistência à mudança permanece sendo a marca principal do ambiente socio-econômico: as zonas cacaueiras, canavieiras e o sertão semi-árido são as principais e históricas áreas com tal característica. Quando ocorre, a modernização é restrita, seletiva, o que ajuda a manter um padrão dominantemente tradicional. As zonas canavieiras expandiram-se muito nos anos 70, impulsionadas pelo Proálcool. Mas o crescimento se fez com base na incorporação de terras (a área cultivada rapidamente duplica), mais do que na elevação dos padrões de produtividade. Nos anos 90, com a crise financeira do Estado (velho protetor da ineficiência) e a intensificação da concorrência, diversas usinas são paralisadas. Uma nova vaga de centralização de capitais promete deixar vivas apenas as menos resistentes à mudança. No caso do semi-árido, a crise do algodão (com a presença do bicudo e as alterações na demanda, no padrão tecnológico e empresarial da indústria têxtil modernizada na região e, mais recentemente, as políticas associadas ao Plano Real) contribuiu para tornar ainda mais difícil e frágil a sobrevivência do imenso contingente populacional que habita os espaços dominados pelo complexo pecuária-agricultura de sequeiro. No arranjo organizacional local, o algodão era a principal (embora reduzida) fonte de renda dos pequenos produtores e trabalhadores rurais desses espaços nordestinos. Na ausência do produto, esses pequenos produtores são obrigados a levar ao mercado o reduzido excedente da agricultura alimentar tradicional de sequeiro (milho, feijão e mandioca), uma vez que a pecuária sempre foi atividade privativa dos grandes proprietários locais. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 16 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Não é sem razão que nos momentos de irregularidade de chuvas ocorridos nos anos recentes, as tradicionais frentes de emergência (como são chamados os programas assistenciais do governo) alistam enorme número de agricultores (2,1 milhões de pessoas em 1993). Nessas áreas, nos anos de chuva regular, os pequenos produtores, rendeiros e parceiros produzem, mas não conseguem acumular: descapitalizados ao final de cada ciclo produtivo, são incapazes de dispor de reservas para enfrentar um ano seco. Nesse quadro, portanto, não houve mudanças significativas, e as que aconteceram, em geral, tiveram impactos negativos, como o desaparecimento da cultura do algodão. Em algumas sub-regiões (como no sertão pernambucano) a maconha tem avançado bastante, gerando renda ilegal mas capaz de compensar o desaparecimento da renda do algodão. De positivo, cita-se a extensão da ação previdenciária, cobrindo parte da população idosa e assegurando renda (mínima, mas permanente) a muitas famílias sertanejas. Hoje, com freqüência, os velhos sustentam os jovens nessa parte do Nordeste. Na região cacaueira, a resistência à mudança convive na fase mais recente com importante queda nos preços internacionais do cacau, aprofundando a crise na subregião. Crise ainda sem solução nos anos 90. Nas áreas em que predominam a rigidez das velhas estruturas econômico-sociais e o domínio político das oligarquias tradicionais da região, há importantes traços comuns. Primeiro, cabe destacar que são áreas de ocupação antiga, nas quais as velhas estruturas foram criando sucessivos mecanismos de preservação. A questão fundiária é mais dramática e vem se agravando. Na Zona da Mata, por exemplo, o processo de concentração fundiária tem aumentado nos anos recentes, e o monopólio da cana sobre as áreas cultiváveis se amplia. No semi-árido, das secas, também verifica-se o agravamento da já elevada concentração das terras em mãos de pouquíssimos produtores: "na seca, pequenos proprietários inviabilizados vendem suas terras a baixos preços e os latifúndios crescem", como bem explica Andrade (1988). Simultaneamente, os incentivos à pecuária fortaleceram e modernizaram tal atividade, que sempre foi a principal da unidade produtiva típica do sertão e do agreste nordestino. A hegemonia crescente da pecuária nos moldes em que foi realizada agravou a questão fundiária do Nordeste, além de provocar outros consideráveis efeitos, como a redução da produção de alimentos e a intensificação da emigração rural. Na lúcida afirmação do geógrafo Mário Lacerda de Melo (1980), "o capim expulsa a policultura alimentar e o gado tange o homem". Mesmo onde a irrigação introduziu uma agricultura moderna no semi-árido, a modernização foi conservadora, inclusive da estrutura fundiária. A base técnica modernizou-se, a questão fundiária agravou-se (Graziano da Silva, 1989). Como a estratégia brasileira das últimas décadas foi concentrar a expansão da agropecuária em áreas novas (especialmente no Centro-Oeste), no Nordeste também se assistiu a um grande dinamismo agropecuário e agroindustrial no oeste baiano e no sul do Maranhão e do Piauí; portanto, em áreas da antiga fronteira agrícola da região. Nos anos 60 e seguintes a proposta da reforma agrária foi abandonada na prática pelos sucessivos governos militares e civis, apresentada ao país como desnecessária em muitos fóruns (inclusive nos acadêmicos) com base no sucesso da ocupação de novas terras. As oligarquias nordestinas, proprietárias das áreas de antiga ocupação e sempre bem situadas nas estruturas de poder, continuavam a beneficiar-se dessa opção conservadora. E, após tantos anos de dinamismo econômico, a questão fundiária permanece praticamente intocada, apesar da miséria alarmante que domina nas áreas rurais do 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 17 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Nordeste. Segundo o Mapa da Fome feito recentemente pelo IPEA, dois terços dos indigentes rurais do país estão no Nordeste. Os dados confirmam que a concentração fundiária aumentou no Nordeste nas últimas décadas. Em 1970 os estabelecimentos com menos de 100 hectares (94% do total) ocupavam quase 30% da área; em 1985, essa participação caiu para 28%. Ao mesmo tempo, aqueles com mais de mil hectares (0,4% do total) aumentaram sua participação na área total, passando de 27% em 1970 para 32% em 1985. Nesse período, a área total ampliou-se de 74 milhões de hectares para 92 milhões de hectares, de acordo com os censos agropecuários realizados pela Fundação IBGE. Estudo da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp destaca, para o mesmo período, que "a desigualdade da posse da terra é maior que a da propriedade, tanto no Nordeste como no Brasil, sendo a diferença relativa maior no Nordeste. Esse fato reforça a hipótese de que as formas peculiares de exploração da terra no Nordeste lhe conferem uma estrutura de posse da terra diferenciada da existente na média do Brasil, no sentido de elevar a desigualdade da distribuição. Nesse contexto, um caso ilustrativo é o de grandes fazendas que reúnem áreas de posse e áreas de diferentes escrituras, muitas vezes registradas como imóveis distintos para evitar seu enquadramento como latifúndio por dimensão" (Graziano da Silva, 1989). Na zona semi-árida, onde se reproduz a estrutura desigual do resto do Nordeste, a situação é agravada pela presença de latifúndios maiores: lá a área média de 1% dos maiores estabelecimentos (1.914 hectares, em 1985) é superior ao tamanho médio desses no resto do Nordeste (1.002 hectares). No semi-árido o acesso à terra é feito por formas precárias (parceria, por exemplo), caracterizando maior instabilidade e registrandose maior presença de posseiros em comparação com as demais regiões nordestinas (Graziano da Silva, 1989). Nesses espaços resistentes a mudanças, como já mencionado, as velhas estruturas sócioeconômicas e políticas têm na base fundiária e no controle do acesso à água seus principais pilares de sustentação e de dominação (política e econômica). Novas articulações econômicas do Nordeste Busca-se examinar neste tópico as articulações econômicas estabelecidas entre Nordeste, suas sub-regiões (prioritariamente as que experimentaram maior dinamismo nas últimas décadas), outras macrorregiões brasileiras e o resto do mundo. Ligações econômicas do novo parque industrial O novo parque industrial, instalado a partir dos anos 60 com o apoio dos incentivos federais, mantém estreitas articulações econômicas com outras regiões brasileiras, mais particularmente com o Sudeste. Do ponto de vista da origem dos insumos que transforma no processo produtivo e dos serviços que utiliza, há forte relação com a base econômica nordestina, da qual adquire 66% das matérias-primas e 58% dos serviços que consome. A recente especialização nos bens intermediários reforça essa ligação. Mas o novo parque industrial desenvolveu também importante fluxo de aquisição de serviços e insumos com o Sudeste (em especial com São Paulo). Dos serviços que usa, 40% vêm do Sudeste (90% desses de São Paulo); das matérias-primas que processa, 17% são produzidas no Sudeste (dois terços em São 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 18 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Paulo). Do exterior vêm apenas 10% dos insumos que aqui são transformados pela indústria (Sudene-BNB, 1992). No que se refere ao mercado de produtos, a relação é predominantemente extra-regional, com destaque para a região Sudeste e, dentro dela, São Paulo. Das vendas realizadas pela indústria incentivada, pouco mais de um terço se destina à própria região Nordeste (36%). O destino principal é o Sudeste, que compra 44% da produção da indústria incentivada (71% dos quais adquiridos por São Paulo). O mercado internacional participa com apenas 10% das vendas totais desse segmento da economia nordestina. A predominância da produção de bens intermediários está na base dessa vocação para fora da nova indústria: os insumos que produz são transformados, em grande parte, onde se localiza a maior base industrial do país (o Sudeste). Tal característica é ainda mais forte no segmento extrativo mineral, que destina ao mercado nordestino apenas 20% de sua produção, mais uma vez exportando o excedente predominantemente para a região Sudeste do Brasil, que comprou 53% da produção mineral da indústria instalada com os incentivos federais nas últimas décadas. No complexo minero-metalúrgico do Maranhão, por exemplo, a prioridade à exportação é marca dos empreendimentos localmente instalados. Não é por acaso que o Projeto Grande Carajás incluiu, além da implantação da estratégica ferrovia de quase 900 km de extensão, a construção de um porto (Ponta da Madeira, na região de São Luís do Maranhão). Outro exemplo dessa articulação especial com o exterior é o projeto da Alumar, no Maranhão, planejado para produzir anualmente 3 milhões de toneladas de alumina e 500 mil de alumínio, de cuja produção atual exporta cerca de 95% (Lima & Katz, 1993). O mercado extra-regional também tendeu a ser o destino da produção de alguns segmentos da indústria de transformação, caso de fumo (99%), borracha (88%), couros e peles (87%), material elétrico-eletrônico e de comunicações (79%) e química (61%), segundo pesquisa da Sudene-BNB, 1992. Por outro lado, os equipamentos utilizados na montagem desse novo parque industrial foram importados do Sudeste (49%), especialmente de São Paulo (80%), e do exterior (33%). Apenas 10% dos equipamentos foram adquiridos das indústrias instaladas no próprio Nordeste (Sudene-BNB, 1992). Portanto, há novos fluxos comerciais (de mercadorias e serviços) que se intensificaram nas últimas décadas e que articulam a indústria incentivada instalada no Nordeste com outros segmentos da economia brasileira e com o exterior. Articulações dos modernos pólos agroindustriais Os novos pólos agrícolas também têm estabelecido importantes relações econômicas extra-regionais, em particular com o mercado internacional. A soja do oeste baiano, e agora do sul do Maranhão e do Piauí, destina-se em grande parte a atender à demanda externa. Estima-se que apenas o oeste baiano, até 1995, produzia 1,7 milhão de t / ano, devendo destinar um milhão de toneladas de derivados ao mercado internacional (Queiroz, 1992). As produções maranhense e piauiense orientam-se basicamente para o exterior. A sub-região nordestina que vai do oeste baiano ao sul do Piauí e Maranhão tem experimentado um processo de ocupação comandado por agentes econômicos extra- 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 19 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG regionais e recebido capitais e capitalistas predominantemente não-nordestinos, implantando processos econômicos e construindo uma paisagem que se assemelha muito mais à macrorregião Centro-Oeste do Brasil. Suas ligações econômicas e semelhanças geo-socio-econômicas com asdemais sub-regiões do Nordeste são muito tênues. Até os estrangulamentos à continuidade de seu desenvolvimento são mais parecidos com os de Tocantins ou Mato Grosso do que com os do lado oriental nordestino: infra-estrutura de transporte, por exemplo. Aliás, dependendo da forma como consolidar-se-á a malha de transportes, sua vinculação futura com o Centro-Oeste poderá ser ampliada. Da mesma forma, a produção agroindustrial, especialmente a associada à irrigação, instalada tanto no vale do São Francisco (BA e PE) quanto no vale do Açu (RN), desenvolve importantes articulações econômicas extra-regionais, em particular no que se refere ao destino de sua produção. Mudanças nas articulações comerciais O exame da dinâmica comercial da região, particularmente as relações estabelecidas com o mercado internacional, mostra que o Nordeste tentou acompanhar a tendência mais geral da economia brasileira nos recentes anos de crise, instabilidade e retração da demanda interna: ampliar suas articulações com o exterior. O Brasil mais que quadruplicou o valor anual de suas exportações, passando de US$ 7,6 bilhões para US$ 31,1 bilhões entre 1975 e 1990, segundo dados do BB/Cacex. No mesmo período, as exportações de todas as regiões brasileiras tiveram crescimento significativo; o Nordeste duplicou seu valor exportado. Dentro da região, o estado do Maranhão intensificou fortemente seus laços econômicos com o mercado externo, passando de um modesto valor exportado de US$ 5,7 milhões em 1975, para US$ 443 milhões em 1990. No mesmo período, os estados do Piauí e de Sergipe quintuplicaram suas vendas ao mercado internacional, e os da Bahia e do Ceará triplicaram-nas. As exceções corresponderam aos estados de Alagoas e de Pernambuco, que exportaram em 1990 valor menor do que o de 1975 (Sudene, 1996). Mais uma vez seguindo a tendência geral da economia brasileira, as relações comerciais do Nordeste com o resto do mundo se dão cada vez menos pela venda dos chamados produtos básicos e mais por oferta de produtos semimanufaturados e manufaturados. Embora na pauta nordestina os produtos semimanufaturados (30,1%) tenham tido, em 1990, maior peso relativo que o mesmo item na pauta brasileira (16,5%), o crescimento das relações com o exterior via venda de manufaturados no caso do Nordeste é notável: enquanto no total das exportações do Brasil os manufaturados passavam de um terço para pouco mais da metade (54,7%) da participação nas vendas externas entre 1975 e 1990, na pauta do Nordeste o peso relativo desses itens cresceu de 12,9% para 44,9%. Apenas o Sudeste e o Sul, dentre as demais regiões, apresentaram maior volume na venda de manufaturados (64,3% e 47,4%, respectivamente). Para avaliar os fluxos comerciais inter-regionais, e portanto visualizar melhor as tendências desse tipo de relação econômica entre o Nordeste e os demais espaços do país, as informações são insuficientes. O comércio por vias internas (especialmente rodovias) é predominante no Brasil, e as pesquisas disponíveis não são atualizadas. No caso do Nordeste a Sudene estimou, para 1980, que das exportações totais do Nordeste, um terço se destinou ao mercado internacional e dois terços a outras regiões brasileiras. Desse total, 97% transportados por vias internas e apenas 3% por cabotagem. Das 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 20 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG importações totais, apenas 18% vieram do exterior e, dos 82% originados em outras regiões do país, 85% chegavam por vias internas (Sudene, 1985). Os saldos comerciais do Nordeste têm-se mostrado historicamente positivos nas relações com o exterior e altamente negativos nas trocas inter-regionais. As importações de outras regiões (especialmente do Sudeste) eram quase cinco vezes maiores que o valor importado do exterior em 1980, enquanto as exportações para o resto do país não chegavam a representar duas vezes o valor das mercadorias mandadas para o mercado internacional. Portanto, o Nordeste surge predominantemente como região-mercado (sobretudo para o Sudeste) quando visto no contexto nacional. E isso é tendência crescente, pois nos anos 50 as compras efetuadas de outras regiões representavam 1,2 vezes as vendas do Nordeste para o resto do país. No período 1975-1980 tal relação havia aumentado para 2,5 vezes (Sudene, 1985). Os dados da Sudene para 1980 já revelavam uma economia baiana fortemente orientada para o mercado nacional: quase 70% das vendas do Nordeste para outras regiões brasileiras tinham origem na Bahia, cuja economia representava, na época, pouco menos de 40% do PIB regional. Todavia, essa forte tendência surgiu mais recentemente, posto que na década anterior o estado da Bahia representava apenas 25% nas exportações inter-regionais do país (Sudene, 1985). Embora com percentuais bem mais modestos, o estado do Ceará demonstrava tendência semelhante, pois sua participação nas vendas nordestinas para o resto do Brasil passava de 3,5% em 1975 para 9% em 1980, ano em que se classificou como o segundo exportador regional para o mercado nacional. O inverso acontecia com Pernambuco, que perdera seu papel de intermediário atacadista. Sua participação nas exportações interregionais caiu de 30,3% para 8,4% no mesmo período (embora sua economia fosse 20% do total nordestino). Como as áreas dinâmicas recentemente instaladas repercutiram com maior intensidade nos espaços maranhenses, piauienses, cearenses, baianos e sergipanos, o mais provável é que a articulação comercial dessa parte mais ocidental do Nordeste com o Centro-Oeste e com o Sudeste tenha se ampliado, como vinha acontecendo nos anos 70. No que se refere ao subespaço compreendido pelos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas, a menor articulação comercial com o resto do país, surgida como tendência na década anterior, não parece ter sido revertida nos anos 80 à luz dos dados disponíveis sobre a composição e dinamismo de suas atividades econômicas. Integração via movimento do capital produtivo O movimento do capital produtivo, por sua vez, também atingiu o Nordeste ao se intensificar no espaço do Brasil ao longo das últimas décadas. O relatório que precedeu à criação da Sudene, analisou corretamente que um dos problemas nordestinos, nos anos 40 e 50, era a forte emigração de capital produtivo em direção ao Centro-Sul, à medida que o dinamismo industrial daquela região abria oportunidades para rentáveis investimentos (GTDN, 1967). A partir dos anos 60, a rápida intensificação do movimento de oligopolização da economia brasileira e o papel de correia de repasse desempenhado pelos incentivos federais aplicados no Nordeste – como menciona Oliveira (1981) – atuaram no sentido de alterar a orientação desse fluxo econômico, invertendo-o. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 21 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG A crescente presença de grandes grupos empresariais no Nordeste, como também ocorre em outras regiões, não se restringe ao setor industrial. Na construção civil (impulsionada pelo Sistema Financeiro de Habitação – SFH e por programas de obras públicas importantes) e nos complexos agroindustriais (ligados especialmente à produção de grãos, frutas e pecuária) sua recente presença é marcante. Paralelamente, também na atividade comercial o capital tem se centralizado, a oligopolização se firmado e grandes cadeias de magazines e supermercados se fizeram presentes no Nordeste, como acontecera em diversas regiões do país. Cabe destacar, no entanto, que a presença do grande capital na região já era muito seletiva, tanto espacialmente quanto nas atividades econômicas para as quais se dirigira. Dados referentes às mil maiores empresas no país demonstram que, em 1990, Bahia (46%), Pernambuco (18%) e Ceará (11%) concentravam a maior parte (75%) dessas empresas. Do ponto de vista setorial, a indústria de transformação produtora de bens intermediários, em especial a indústria química, tem destaque na atração de tal tipo de empresas: "das 105 grandes empresas sediadas na região, cerca de 35 são empresas industriais produtoras de bens intermediários e dessas, 23 são indústrias químicas" (Guimarães Neto, 1993). Outros segmentos que merecem referência são as indústrias de alimentos e as dedicadas à produção têxtil. Aspecto relevante a ser destacado diz respeito ao controle do capital no moderno segmento industrial instalado no Nordeste com o apoio dos incentivos federais. Dados disponíveis em pesquisa (Sudene-BNB, 1992) demonstram que a recente expansão industrial não é produto da ação de investidores locais. Ao contrário, a maioria das empresas incentivadas fazia parte de grandes grupos econômicos, em sua maioria extraregionais. Além disso, a pesquisa constatou que tais grupos dirigem e controlam os empreendimentos de maior porte da indústria incentivada, enquanto os empresários nordestinos concentram seu controle sobre empreendimentos de menor porte. É grande o controle do capital por grupos privados ou por sistemas de empresas estatais com sede no Sul e no Sudeste (Guimarães Neto & Galindo, 1992). Portanto, a articulação inter-regional via fluxo de capital produtivo ampliou, nas últimas décadas, as relações do Nordeste com outras regiões do país e com o exterior. Tendências nacionais atuais e o Nordeste Como a economia do Nordeste havia aprofundado sua inserção no contexto nacional, o entendimento das suas atuais tendências remete necessariamente à compreensão do que se passa no país como um todo. Num contexto mundial marcado por importantes transformações, o ambiente econômico brasileiro sofreu grandes mudanças nos anos 90. Dentre as principais destacam-se intensa e rápida política de abertura comercial, priorização à integração competitiva, reformas profundas na ação do Estado e implementação de um programa de estabilização que já dura três anos. Paralelamente, o setor privado promove, também de forma intensa e rápida, uma reestruturação produtiva. Nesse contexto, novas forças atuam, umas concentradoras, outras não. Dentre as que atuam no sentido de induzir à desconcentração espacial destacam-se: a abertura 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 22 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG comercial podendo favorecer focos exportadores, as mudanças tecnológicas que reduzem custos de investimento, o crescente papel da logística nas decisões de localização dos estabelecimentos, a importância da proximidade do cliente final para diversas atividades, a ação ativa de governos locais oferecendo incentivos, entre outras. Enquanto isso, há forças atuando no sentido da concentração de investimentos nas áreas mais dinâmicas e competitivas do país. Atuam nesse sentido, em especial, os novos requisitos locacionais da acumulação flexível, como melhor oferta de recursos humanos qualificados, maior proximidade com centros de produção de conhecimento e tecnologia, maior e mais eficiente dotação de infra-estrutura econômica, proximidade com os mercados consumidores de mais alta renda. Autores como Carlos Pacheco (1996) chamam a atenção também para os condicionantes da reestruturação produtiva, em particular para a forma como vem se dando a inserção internacional do Brasil, especialmente no que diz respeito às estratégias das grandes empresas frente ao cenário da globalização da economia mundial. Tais autores constatam que, ao contrário do que se poderia esperar, "a globalização reforça as estratégias de especialização regional" (Oman, 1994). A nova organização dos espaços nacionais tende a resultar por um lado, da dinâmica da produção regionalizada das grandes empresas (atores globais) e, por outro, da resposta dos Estados nacionais para enfrentar os impactos regionais seletivos da globalização. Nos anos 90 tende-se a romper o padrão dominante no Brasil das últimas décadas, quando a prioridade era dada à montagem de uma base econômica que operava essencialmente no espaço nacional – embora fortemente penetrada por agentes econômicos transnacionais – e lentamente desconcentrava atividades para espaços periféricos do país. O Estado nacional desempenhava, como ocorreu no Nordeste, um papel ativo no processo, tanto por suas políticas explicitamente regionais e de corte setorial/nacional (mas com impactos regionais diferenciados) quanto pela ação de suas estatais. No presente, as decisões dominantes tendem a ser as do mercado, dadas a crise do Estado e as novas orientações governamentais e empresariais. Embora as tendências ainda sejam recentes, os estudos realizados têm convergido para sinalizar, no mínimo, para a interrupção do movimento de desconcentração do desenvolvimento na direção das regiões menos desenvolvidas. Alguns estudiosos chegam a mencionar a reconcentração para o caso da atividade industrial (Campolina Diniz & Crocco, 1996). Mesmo sem ir tão longe, estudo recente da Confederação Nacional da Industria, com base em dados da Fundação Getúlio Vargas, confirma a hipótese de que, no mínimo, se interrompeu a desconcentração e, entre 1990 e 1995, a região Sudeste não só deixa de perder posição relativa da produção nacional – trajetória que percorrera nas duas últimas décadas – como volta a ganhar importância na economia brasileira (passando de 60% a 63% seu peso no PIB do Brasil), o mesmo acontecendo com os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, as duas maiores bases econômicas do país. O Nordeste volta a perder posição (CNI, 1996), o que é confirmado por recentes estimativas da Sudene (1996). No caso da indústria, estudos e dados recentes permitem pressupor a tendência à concentração do dinamismo em determinados espaços do território brasileiro. Estimativas do PIB industrial por macrorregião, elaboradas pelo IPEA, constatam que nos anos 90 as regiões Sudeste e Sul deixam de perder posição relativa na produção industrial nacional e 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 23 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG voltam a ampliar sua presença em tal atividade no contexto do país, o mesmo acontecendo com o estado de São Paulo, onde historicamente se concentrara a indústria brasileira. O Nordeste, por sua vez, reduz seu peso na indústria nacional de 12% em 1990, para 8% em 1994, segundo a mesma fonte. Também identificando forte tendência à concentração espacial do dinamismo industrial, trabalho elaborado pelo economista Campolina Diniz (1994), da ufmg, localizou os atuais centros urbanos dinâmicos do país em termos de crescimento industrial. Constatou que a grande maioria deles se encontra num polígono que começa em Belo Horizonte, vai a Uberlândia (MG), desce na direção de Maringá (PR) até Porto Alegre (RS) e retorna a Belo Horizonte via Florianópolis (SC), Curitiba (PR), e São José dos Campos (SP). O Nordeste abriga cerca de 15% desses centros dinâmicos, dos quais 80% estão no Sudeste-Sul. É certo que as conseqüências espaciais de políticas importantes como a de abertura comercial e a de integração competitiva comandada pelo mercado, aliadas a aspectos relevantes da política de estabilização (câmbio valorizado, juros elevados e prazos curtos de financiamento) têm impactado negativamente vários segmentos da indústria instalada no Brasil e afetado especialmente o Sudeste (São Paulo, em particular). É evidente também que algumas empresas de gêneros industriais mais mão-de-obra intensivos têm buscado se relocalizar no interior do Nordeste, para competir com concorrentes externos (principalmente com os países asiáticos), atraídas pela superoferta de mão-de-obra e baixos salários, além da possibilidade de flexibilizar as relações de trabalho (adotando subcontratação, por exemplo). Tais fatos, porém, não alteram significativamente as tendências e as preferências locacionais identificadas pelos estudos, já mencionados, de Campolina Diniz. Tendências e preferências que beneficiam as regiões mais ricas e industrializadas do país (Sudeste e Sul). Por sua vez, Haddad (1996) tem chamado a atenção para o reforço dado pelo Mercosul a essa tendência de arrastar o crescimento industrial para o espaço que fica abaixo de Belo Horizonte. No momento em que a política governamental opta por promover rápida e intensa abertura comercial, cabe analisar as tendências das exportações brasileiras, da perspectiva regional. Dados disponíveis demonstram que 82% (em 1995) das exportações do Brasil se originam nas regiões Sul-Sudeste. Esse percentual era de 68% em 1975 e passara para 81,5% em 1990 (Campolina Diniz, 1994). O maior dinamismo no período pós-abertura acelerada verifica-se na base exportadora da região Sul, que amplia sua presença no total vendido pelo país ao exterior de 21,5% em 1990, para 24,5% em 1995. Tendência oposta é verificada no Nordeste, que respondia por 17% das exportações brasileiras em 1975, cai para 9,6% em 1990 e para 9,1% em 1995, apesar do dinamismo de segmentos com tendências exportadoras, como a indústria de papel e celulose (BA), química (NE-Oriental), alumínio (MA), fruticultura (vales do São Francisco e do Açu) e a soja (Bahia, Piauí e Maranhão). Uma reflexão particular merece o Mercosul. O comércio brasileiro com os demais países do bloco aumentou intensamente nos últimos anos. O valor das trocas do Brasil com o Mercosul cresceram de US$ 1,7 bilhões em 1985, US$ 3,6 bilhões em 1990, US$ 8,7 bilhões em 1993 para alcançar US$ 13,1 bilhões em 1995, incremento de 50% apenas entre 1993 e 1995. No mesmo período, as exportações nordestinas para o Mercosul cresceram 84% e as importações 64%, mas em valores muito pequenos: US$ 420 milhões 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 24 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG de exportações e US$ 478 milhões de importações. Tal dinamismo geral está encobrindo diferenciações, uma vez que é razoável supor: • deve-se promover uma articulação comercial mais intensa dos outros países do Mercosul com o Sul-Sudeste brasileiro; • em termos de investimentos, deve-se favorecer investimentos cruzados e associações de empresas instaladas no Sudeste e no Sul com os demais países do bloco. Assim, o movimento de integração produtiva que buscava o Nordeste e o Norte nas décadas anteriores, tende agora a se redirecionar para o Mercosul. Vale lembrar que o PIB do Mercosul (sem o Chile e sem o Brasil) é mais que o dobro do PIB do Nordeste e do Norte brasileiros juntos. No que se refere às tendências do investimento no país, as informações disponíveis não permitem mais que esboçar algumas possibilidades referentes à futura distribuição espacial da atividade econômica no contexto brasileiro. Em relatório recentemente elaborado para o Ipea, Guimarães Neto (1996) examina algumas informações, notadamente o levantamento do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo sobre as intenções de investimentos industriais da iniciativa privada, além de indicadores da ação de alguns bancos oficiais relativos ao financiamento dos investimentos. O exame de parte relevante dessas informações permite destacar o caráter espacialmente seletivo dos investimentos industriais que privilegiam alguns espaços específicos nas regiões, tornando-as extremamente heterogêneas na medida que não se difundem. Os dados mostram claramente uma divisão de trabalho entre as regiões brasileiras, pois importante parcela dos segmentos produtivos que definem a dinâmica da economia nacional tende, mais uma vez, a se concentrar nas regiões onde teve início e se consolidou a indústria moderna brasileira. Enquanto isso, os segmentos mais leves da indústria, de menor densidade de capital, procuram as regiões de menor nível de desenvolvimento e, seguramente, de menor custo de mão-de-obra. Em termos macrorregionais, os dados do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo antes referidos revelam que dos US$ 73,4 bilhões dos investimentos – que podem ser regionalizados até o ano 2000 e cujos investidores potenciais podem ser identificados – cerca de 64,3% deverão se concentrar no Sudeste (sendo 28,2% em São Paulo); 17,6%, no Nordeste; 9,4%, no Sul. No caso nordestino, mais de metade dos investimentos previstos destinam-se a um único estado: a Bahia. E isso sem mencionar a provável instalação de uma montadora de veículos naquele estado. Na análise da distribuição regional dos investimentos segundo os segmentos produtivos mais importantes, Guimarães Neto destaca que há, sem dúvida, uma divisão espacial de trabalho que induz os investimentos dos grupos metal-mecânico, automobilístico e químico – segmentos básicos da chamada indústria pesada – para o Sudeste e, simultaneamente, possibilita à industria de minerais não-metálicos, geralmente de padrão de localização mais desconcentrado, e setores têxtil, calçados, produtos alimentares e bebidas, papel e celulose, além da indústria eletro-eletrônica e material de comunicações, por razões muito específicas (Zona Franca de Manaus), para as demais regiões. A tendência parece ser, com base nos dados do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, o avanço, no futuro imediato, da consolidação dos segmentos básicos e estratégicos no Sudeste. De outro lado, percebe-se o fortalecimento de especializações em outros estados que, embora fora da região industrial tradicional, conseguiram, através 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 25 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG de fatores os mais diversos (recursos naturais, fortes incentivos regionais, condições de infra-estrutura) atrair segmentos específicos que definem subáreas dinâmicas e modernas, muitas vezes em contextos nos quais prevalecem, ainda, subáreas tradicionais e estagnadas. Deve-se ressaltar que a divisão do território brasileiro em macrorregiões, cada vez mais, esconde mais que revela a realidade do país. No que se refere ao grande investimento industrial, fica nítida uma grande seletividade espacial, notadamente quando é orientado para as demais regiões que não o Sudeste. No Nordeste, essa escolha seletiva está tendendo a privilegiar o estado da Bahia. Relativamente à atuação dos bancos oficiais, as informações mais interessantes, pela importância relativa dos recursos envolvidos, referem-se aos aprovados pelo BNDES para investimentos nos próximos anos. Os dados do seu último relatório, que indicam a distribuição regional dos recursos aprovados, demonstram estar havendo, a partir de 1991, crescimento gradativo dos valores investidos. De fato, as aprovações passam de US$ 3,8 bilhões em 1991, para US$ 9,7 bilhões em 1995. Em meio a essa tendência ascendente do total das aprovações, o Nordeste perde posição relativa (caindo de 24% para 15% a sua participação entre 1991 e 1995), embora seu peso no total ainda continue, na maior parte dos anos, similar ou um pouco maior que sua participação na geração do produto interno do país (BNDES, 1996). O Sudeste, embora registre menor percentual na participação dos recursos aprovados do que a sua participação na economia nacional, mostra uma tendência ascendente entre 1991 e 1995, que se torna bem mais patente quando são considerados os valores absolutos dos recursos aprovados. O mesmo ocorre no Sul, com a particularidade de que a região registra, em todo período, percentual bem maior do que a sua contribuição na geração do produto interno do país. Em síntese, os indicadores sobre os investimentos privados em curso indicam grande seletividade na escolha dos espaços nos quais se darão os investimentos no país. As atividades mais estratégicas – e que definem a dinâmica da economia nacional – estão se concentrando no Sudeste; os demais segmentos da indústria, de menor densidade de capital, marcam presença em alguns estados específicos e em certos pontos de seus territórios (os focos de competitividade). Tal tendência não parece estar sendo compensada pelo financiamento dos bancos oficiais. Outro ponto importante a se observar atualmente é a tendência de localização de investimentos em infra-estrutura econômica e nos desenvolvimentos científico e tecnológico. Isso porque, dentre os novos elementos portadores de capacidade de atração de atividades e investimentos, especialmente no que diz respeito às atividades industriais, vêm sendo freqüentemente apontadas a existência de mão-de-obra qualificada e a presença de competentes centros de ensino e pesquisa científica e tecnológica. Como bem destaca Haddad (1996), não resta dúvida de que, no conjunto do panorama nacional, o potencial locacional de áreas do Sul-Sudeste para atrair os novos investimentos é, em quantidade e qualidade, bem maior que o encontrado no Norte, Nordeste e Centro-Oeste brasileiros. Tornam-se particularmente atraentes nesse novo contexto cidades médias daquelas regiões, localizadas próximas a eixos de transportes e, portanto, dotadas de boas condições de acessibilidade (importante em tempos de abertura comercial e globalização intensas). Ainda segundo Haddad, a geografia industrial dos grandes projetos de investimentos privados, anunciados no período posterior ao Plano 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 26 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Real, revelam evidências inequívocas de que tais projetos (especialmente os de montadoras de veículos) tendem a se concentrar no Sudeste-Sul (de Belo Horizonte para baixo), justamente nas áreas dinâmicas apontadas por Campolina Diniz. Se, do ponto de vista das tendências de mercado, os espaços mais atraentes tendem a estar situados em áreas concentradas no Sul-Sudeste, do ponto de vista dos restritos investimentos patrocinados pelo governo federal era de se esperar ação efetiva no sentido de evitar a ampliação de disparidades já gritantes no Brasil e assegurar a compatibilidade entre inserção na globalização e integração dos diversos espaços do país. Mas os dados parecem sinalizar para tendência a fortalecer (ao invés de contrabalançar) a concentração de novas atividades e de novos investimentos em certos focos competitivos. Essa é uma das orientações centrais do Programa Brasil em Ação, no qual o governo federal define os 42 projetos prioritários de investimentos para o biênio 1997-98, com recursos que totalizam R$ 54,4 bilhões, destacando-se obras prioritárias de infra-estrutura. Para o que interessa nesse trabalho, tomem-se os projetos de infra-estrutura que têm capacidade de definir articulações econômicas inter-regionais ou internacionais e, portanto, capazes de influir na organização territorial do Brasil em tempos de globalização. Os demais são projetos importantes, mas de impacto localizado, restritos a uma ou outra região do país (a exemplo da conclusão de Xingó, com impacto no Nordeste). Por sua vez, de grande importância para a modelagem territorial do Brasil, fica fora dessa análise o Programa de Desenvolvimento das Telecomunicações (Paste), por não ter sido apresentado com o detalhe da localização regional de seus investimentos (orçados em R$ 16 bilhões para o biênio) e o Programa de Recuperação de Rodovias, também sem localização definida no documento oficial. Os projetos prioritários de infra-estrutura econômica, estratégicos para a futura organização territorial do Brasil, revelam algumas características importantes : • Têm uma opção prioritária clara pela integração dos espaços dinâmicos do Brasil ao mercado externo, em especial ao Mercosul e ao restante da América do Sul, consistente com a opção brasileira de promover a integração competitiva. Essa orientação estratégica secundariza a integração interna; • Priorizam dotar de acessibilidade os focos dinâmicos do Brasil (agrícolas, agroindustriais, agropecuários ou industriais), deixando em segundo plano as áreas menos dinâmicas, ou os tradicionais investimentos autônomos, pelos quais o Estado patrocina infra-estruturas que potencializam dinamismo econômico futuro. Na opção atual, o Estado segue o mercado, enquanto com os investimentos autônomos se antecipam a ele. Na opção do Brasil em Ação, o governo busca ampliar a competitividade de espaços já competitivos; • Concentram os investimentos no Sul-Sudeste, na fronteira Noroeste, e em pontos dinâmicos do Nordeste e do Norte, seguindo os espaços que vêm concentrando maior dinamismo nos anos recentes. Os espaços mais dinâmicos atraem projetos federais de infra-estrutura (que ampliam sua acessibilidade) com investimentos da ordem de R$ 5,7 bilhões, enquanto os demais ficam com apenas R$ 195 milhões para o biênio 1997-98, ou seja, apenas 3% do total. Outro investimento igualmente estratégico, face aos novos paradigmas tecnológico e produtivo e às novas condições de concorrência num mercado mundial em globalização, é o destinado a geração e difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos e a formação 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 27 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG de recursos humanos qualificados. Locais bem dotados desses atributos são apontados como atrativos para investimentos. Cabe destacar que o dispêndio em C&T realizado no Brasil nos anos 90 continua muito baixo (0,7% do PIB) quando comparado aos países do G7 e a alguns tigres, que despendem entre 2 e 3% de seus PIBs para promover os desenvolvimentos científico e tecnológico. Por outro lado, dados relativos a 1994 revelam que, no Brasil, 82% do gasto total em C&T ainda cabem ao setor público (sendo 57% de responsabilidade do governo federal, 17% dos governos estaduais e 8% das estatais). Por sua vez, das 158 instituições de pesquisa cadastradas pelo CNPq, 81% eram de natureza pública, metade delas localizadas em uma única região: o Sudeste. O Nordeste abriga 20% das instituições cadastradas (50% das quais em dois estados: Pernambuco e Bahia). Como se percebe, é histórica a concentração espacial dos centro produtores de conhecimento no país (IPEA/DPRU/CGPR, Nota Técnica, 1996). O último levantamento efetuado pelo CNPq registrava sete mil grupos de pesquisa ativos no país no primeiro semestre de 1995, fortemente concentrados no Sudeste (69%), especialmente em São Paulo (40,7% do total nacional). Um interessante indicador de concentração é o que revela que em apenas cinco estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Paraíba) a participação no total dos Grupos de Pesquisa do país é maior que a participação desses estados no PIB do Brasil (IPEA/DPRU/CGPR, Nota Técnica, 1996). Considerando a produção desses grupos no biênio 1993-94, constata-se uma distribuição espacial ainda mais concentrada no Sudeste considerando-se a distribuição dos grupos de pesquisa. A região responde por 85,5% dos artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros por pesquisadores do Brasil. A distribuição espacial dos produtos e processos tecnológicos desenvolvidos revela, mais uma vez, forte concentração no Sudeste (com destaque para Rio de Janeiro e São Paulo). Por sua vez, a distribuição das patentes outorgadas para produtos gerados por grupos de pesquisa no Brasil mostra que, à exceção de PE e DF, nenhuma outra unidade da Federação fora do Sudeste e Sul conseguiu tal intento. Finalmente, em termos financeiros, dados fornecidos pelo CNPq para 1994 (último disponível) revelam que a alocação regional dos investimentos em C&T confirma a União tender a fortalecer, também nesse campo, os mais fortes ao concentrar seus financiamentos nas bases científica e tecnológica instaladas no Sudeste brasileiro (62% do total, contra apenas 9% no Nordeste, dos quais 1/3 só em Pernambuco). O papel esperado do Estado é o de contrabalançar, com sua presença, a relativa ausência de investimentos privados, e não se concentrar onde o ente privado já prefere se localizar, onde o dinamismo conduzido pela lógica do mercado já é mais intenso, onde os novos fatores de competitividade já são abundantes. A preocupação que deriva de tais fatores refere-se ao destino das chamadas áreas não-competitivas. No Nordeste, muitas delas abrigam significativo contingente de pessoas (como o grande espaço semi-árido não passível de abrigar focos de agricultura irrigada, ou seja, 95% da área total dessa subregião nordestina). Como ficou evidenciado pelas análises até aqui procedidas, no Brasil dos anos recentes, já no novo contexto de abertura, predomínio da integração competitiva e estabilização, parece se confirmar a tendência a interromper a desconcentração espacial do 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 28 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG crescimento que ocorria nos anos 70 e 80, quando a análise é feita em escala macrorregional. Essa interrupção vem sendo comandada pelo mercado e referendada pelas políticas públicas federais de corte nacional/setorial. Em termos regionais, sobrevivem instrumentos e políticas herdados do passado, com reduzida capacidade de impactar as realidades regionais e contrapor-se às novas forças que tendem a se consolidar. A ausência de explícitas políticas regionais por parte do governo federal abriu espaço à deflagração de uma guerra fiscal entre estados e municípios, que buscam contribuir para consolidar alguns focos de dinamismo em suas áreas de atuação. A combinação desses dois fatos, vai deixando grandes áreas do país à margem: são os ditos espaços nãocompetitivos. Por sua vez, as tendências prováveis dos investimentos sugerem que, após a fase de modesta desconcentração, poderá ocorrer no futuro imediato um processo de concentração espacial do dinamismo econômico em algumas sub-regiões (focos dinâmicos) do país. A conclusão preocupante que emerge das observações e análises aqui apresentadas é a de que, muito provavelmente, a inserção do Brasil na economia mundial globalizada tende a ser muito diferenciada, segundo os diversos subespaços econômicos desse amplo e heterogêneo país. Tal diferenciação tende a alimentar a ampliação de históricas e profundas desigualdades. Certamente não se repetirão as formas pelas quais se materializaram essas desigualdades ao longo do século XX, mas provavelmente se observará aumento da heterogeneidade no interior das macrorregiões. Essa é uma forte tendência pois o próprio estilo de crescimento da economia mundial é profundamente assimétrico, como supõe Pacheco (1996), e aos atores globais interessam apenas os espaços competitivos do Brasil. Espaços identificados a partir de seus interesses privados e não dos interesses do Brasil. Rumo à fragmentação? Face ao exposto, parece evidente que as tendências recentes atuam no sentido de aprofundar as diferenciações regionais herdadas do passado e, destacando os focos de competitividade e de dinamismo do resto do país, fragmentar o Brasil para articulá-los à economia global. A aguda crise do Estado e o tratamento não-prioritário concedido ao objetivo da integração nacional, nos tempos atuais, sinalizam nessa direção. Pelo que já é possível apreender, Furtado (1992) chegou a mencionar a construção interrompida da nação brasileira. A inserção seletiva promovida pelas novas tendências terão como contra-face da mesma moeda, o abandono das áreas de exclusão (ditas nãocompetitivas). Poderia estar sendo traçado, assim, o roteiro da fragmentação brasileira. E pelo que já se observa no Nordeste, a região acompanhará a tendência geral, num espaço em que a herança de desigualdade é muito grave. No Brasil, a emergência de focos de um novo tipo de regionalismo, intitulado paroquialismo mundializado por Vainer (1995), sinaliza nessa direção. São locais de grande dinamismo recente, dotados dos novos fatores de competitividade que montam sua articulação para fora do país e tendem a romper laços de solidariedade com o resto, passando a praticar políticas explícitas de segregação contra emigrantes (nordestinos, na 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 29 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG maioria dos casos), vindos de áreas não-competitivas. Buscam, assim, evitar manchar a ilha de Primeiro Mundo que julgam constituir (Vainer, 1995). O futuro parece apontar, especialmente quanto ao Nordeste, para o aprofundamento da heterogeneidade herdada do passado recente. E tenderão a se ampliar as diferenciações dentro das macrorregiões, cada uma delas podendo conter distintos tipos de sub-regiões, como: sub-regiões de áreas dinâmicas, sub-regiões em processo de reestruturação, subregiões estagnadas ou sub-regiões e áreas de potencial pouco utilizado. É importante considerar que o desenvolvimento regional recente, sobretudo na fase de desconcentração da segunda metade dos anos 70 até a primeira dos anos 80, reforçou a heterogeneidade de cada macrorregião, tornando mais nítidas e mesmo maior as diferenças entre as sub-regiões de cada grande região. Também neste aspecto, o Nordeste acompanhou e continua a acompanhar o Brasil. A heterogeneidade crescente vai consolidando dinâmicas particulares no interior dos diversos estados do Nordeste. Em Pernambuco e no Rio Grande do Norte, por exemplo, o dinamismo das áreas de fruticultura (de Petrolina ou do vale do Açu) contrasta com a passividade com que se assiste à crise das áreas do antigo complexo gado-algodão (embora geograficamente as duas estejam próximas, nos dois estados). O dinamismo do oeste baiano contrasta com a lentidão com que se buscam alternativas ao cacau, na parte oriental-sul do estado. Com a ferrovia Norte-Sul e a hidrovia do São Francisco, e sem a ferrovia Transnordestina (tal como está previsto no Brasil em Ação), a porção ocidental dinâmica do Nordeste amplia suas chances de interação privilegiada com o Centro-Oeste e Sudeste. E isola-se, crescentemente, o Nordeste oriental. Rumamos, agora, para aprofundar as diferenciações pré-existentes, cada um olhando para si próprio, cada subespaço buscando suas próprias definições e montando suas articulações. Os atores globais também farão suas escolhas. Rumamos à fragmentação? Referências bibliográficas AFFONSO, Rui & SILVA, Pedro Luiz Barros (orgs.). Desigualdades regionais e desenvolvimento. São Paulo, Fundap/Unesp, 1995. ANDRADE, Manoel Correia. A terra e o homem no Nordeste. São Paulo, Atlas, 1988. ARAÚJO, Tania Bacelar. A industrialização do Nordeste: intenções e resultados. Comunicação apresentada no Seminário Internacional sobre Disparidade Regional. Recife: Fórum Nordeste, 1981. __________. Nordeste, Nordestes. 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Tania Bacelar de Araújo, economista, é professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 32 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Ascensão e Queda do Coronelismo Voltaire Schilling1 O coronelismo foi um sistema de poder político que vicejou na época da República Velha (1889-1930), caracterizado pelo enorme poder concentrado em mãos de um poderoso local, geralmente, um grande proprietário, um dono de latifúndio, um fazendeiro ou um senhor de engenho próspero. Ele não só marcou a vida política e eleitoral do Brasil de então como fez por contribuir para a formação de um clima muito próprio, cultural, musical e literário que fez da sua figura um participante ativo do imaginário simbólico nacional. Não só os homens de letras procuraram reproduzir em seus livros o que era viver sob o domínio de um coronel, como os Barões do café, feitos e as façanhas deles foram transmitidos, a luz de velas, de antepassados dos lamparinas e de lâmpadas, pela história oral do avô para o seu coronéis neto, fazendo com que quase todo mundo soubesse de uma "história" ou "causo do coronel". Identificado com o Brasil do passado, agrário, rústico e arcaico, ele ainda sobrevive em certas comarcas e em certos estados do Nordeste brasileiro como o poderoso "mandão local", uma espécie de velho barão feudal que, desconsiderando as razões do tempo e da época, insiste em manter-se vivo e atuante. As Origens Remotas do Coronelismo O coronelismo institucional surgiu com a formação da Guarda Nacional, criada em 1831, como resultado da deposição de dom Pedro I, ocorrida em abril daquele ano. Inspirada na instituição francesa, forjada pelos acontecimentos de 1789, a "guarda burguesa" era uma milícia civil que representava o poder armado dos proprietários que passaram a patrulhar as ruas e estradas em substituição às forças tradicionais, derrubadas pelos revolucionários. Para ser integrante dela era preciso, pois ser alguém de posses, que tivesse recursos para assumir os custos com o uniforme e as armas necessárias (200 mil réis de renda anual nas cidades A Guarda Nacional, o cidadão em armas e 100 mil réis no campo). Coronel, Sinônimo de Poder Poder O governo da Regência (1831-1842) colocou então os postos militares à venda, podendo então os proprietários e seus próximos adquirir os títulos de tenente, capitão, major, tenente-coronel e coronel da Guarda Nacional (não havia o posto de general, prerrogativa exclusiva do Exército). Assim é que com o tempo, o coronel passou automaticamente a ser visto pelo povo comum como um homem poderoso de quem todos os demais eram dependentes. 1Professor de História e Mestrando na UFRGS, responsável pelo Projeto Cultural do Curso Universitário. Escreveu 8 livros (*) e mais de 40 polígrafos, a maioria sobre História e História das Idéias Políticas. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 33 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Configurou-se no Brasil daqueles tempos uma clara distinção social onde os representantes dos dominantes eram identificados pelo ranço militar (coronel, major, etc..) enquanto que os dominados pelo coronel o eram pela visível identificação genérica de "gente", ou a zoológica "cria" (sou "cria" do coronel fulano). Coronelismo, Coronelismo, Caudilhismo e Caciquismo O coronelismo na história política nacional nada mais foi do que a expressão brasileira de um fenômeno tipicamente ibérico, o do caudilhismo ou do caciquismo. Toda a vez que na Península Ibérica, por uma razão qualquer, o poder político central ficou abalado, enfraquecido, deu-se a ascensão do chefe provincial ou local que adquiria expressão militar e jurídica própria. O caudilhismo nasceu na Espanha medieval em luta contra os mouros, quando um rei dava a um chefe militar ou um aventureiro qualquer que o solicitava uma "carta de partida", que o autorizava a recrutar homens e a arrecadar recursos para lutar na cruzada contra os homens do califa muçulmano. Foram célebres as façanhas de Cid, o campeador, que lutou e integrou Valencia ao reino da Espanha no século XI, sendo desde então considerado como o patriarca de todos os caudilhos que se seguiram. A Geografia do Mandonismo Local O caciquismo é historicamente bem mais recente. Nasceu da Constituição liberal adotada na Espanha de 1837, que ao outorgar uma significativa parcela de poder aos municípios, contra a posição centralista dos conservadores, promoveu a emergência do cacique. Esta expressão de clara influência vinda da América serviu para definir a situação que um chefete municipal passou a usufruir dentro do sistema político da monarquia espanhola desde então (desaparecido com a implantação da Ditadura Franquista, entre 1936-1975). Quanto à geografia desse fenômeno político, pode-se dizer que enquanto os coronéis imperavam pelo Brasil afora, os caudilhos eram comuns na América hispânica, especialmente na região do Rio da Prata, ficando o México como o principal centro do poder dos caciques. O Cenário do Coronelismo O cenário que envolvia e promovia o coronelismo era o do mundo rural brasileiro, dominado pelo latifúndio, o engenho, a fazenda e a estância. Um universo próprio, interiorano, bem afastado das grandes cidades, isolado do mundo. As comunicações eram raras e difíceis, feitas por canoa, barco, balsa, carro de boi, charrete, ou na sela do cavalo, puxando os arreios da mula ou do jerico. Na verdade, o coronel, personificação mais acabada do poder privado no Brasil, mandava num pequeno país do qual ele era um imperador com poder de vida e morte sobre os seus (ainda que não reconhecido juridicamente). Delmiro Gouvea, uma Os moradores eram-lhe inteiramente obedientes. Poucos ousando raridade desafiar-lhe a autoridade ou disputar-lhe o mando, a não ser que por perto outro coronel o desafiasse. Praticamente ninguém ao redor dele era instruído, sendo comum entre os considerados alfabetizados apenas 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 34 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG saberem desenhar o nome no papel, o suficiente para que se tornassem eleitores fiéis dos candidatos propostos pelo coronel. Estudos posteriores sobre o coronelismo mostraram, entretanto, que ele não se compunha apenas por proprietários de terras, havendo igualmente coronéis com outra posição social, tais como o coronel-comerciante, o coronel-industrial (o célebre Delmiro Gouveia, de Alagoas), o coronel-padre (como o padre Cícero no Ceará, o mais famoso líder do catolicismo popular e ídolo dos sertanejos). Escassez e Solidão Materialmente o mundo dos coronéis era povoado pela escassez de tudo e pela pobreza quase que absoluta, quando não miséria dos moradores, que explica a enorme dependência que todos tinham dele. Ele era um pode – tudo, a quem era preciso recorrer nas mais diversas situações, sendo, portanto compreensível que o coronel exigisse daqueles que se qualificavam como votantes, o compromisso da fidelidade. Na ausência quase que absoluta do Estado, era o coronel quem exercia as mais variadas funções, sendo simultaneamente o detentor do poder político, jurídico e legislativo do município que lhe cabia, fazendo com que sua autoridade cobrisse todos os espaços daquela geografia da solidão que era o seu feudo. A Estrutura do Coronelismo Os estudiosos dividiram o coronelismo em três tipos; o tribal, o personalista e o colegiado. O tribal parece um patriarca de um clã, cujo poder se espalha por vários municípios e deriva dele pertencer a uma família tradicionalmente poderosa. O personalista deve tudo ao seu carisma pessoal, a ter certos atributos que são só dele e são impossíveis de transmitir por herança, geralmente desaparecendo com sua morte. Por último, aqueles que são mais estáveis, e que dirigem os negócios políticos em comum acordo com outros coronéis sem que haja grandes desavenças entre eles. As bases do seu poder são: a) A terra. Num país de dimensões agrárias tão vastas, a riqueza dos indivíduos era medida pela extensão da propriedade. Logo era fundamental para a afirmação e continuidade do poder do coronel ele possuir significativas extensões de terra. b) A família, ou a parentela, como prefere Maria Isaura Pereira de Queiroz, permitia ao coronel por meio de casamentos arranjados ampliarem seu domínio, colocando gente do seu sangue e da sua confiança em todos os escalões do poder municipal e estadual. c) Os agregados. A imensa quantidade de parentes distantes, compadres, afilhados e demais protegidos do coronel, que ajudavam a estender o poder dele para fora da família núcleo (a gente do seu próprio sangue), permitindo que sua autoridade se espalhasse para regiões bem mais distantes do que a do seu feudo. A Política do Coronelismo Os republicanos de 1889 ficaram surpreendidos pelo vigor do sistema coronelístico. Apesar de ampliarem os direitos de voto, assegurando aos alfabetizados poderem tornarse eleitores, rapidamente verificaram que a universalização do sufrágio não redundou no enfraquecimento dos coronéis. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 35 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Ao contrário, como os cidadãos votantes eram poucos (talvez os que soubessem ler e escrever, um século atrás, mal atingisse os 20% da população inteira), facilmente eles foram conduzidos pelos apaniguados dos mandões, especialmente no interior do País, a comportarem-se com docilidade. O voto de cabresto foi decorrência disso. O eleitor trocava o seu voto por um favor. Este poderia ser um bem material (sapatos, roupas, chapéus, etc.) ou algum tipo de obséquio (atendimento médico, remédios, verba para enterro, consulta médica, matrícula em escola, bolsa de estudos, etc.). Esta placidez obediente dos que tinham direito a votar fazia com que eles fossem integrantes do curral eleitoral. Ao O padre, o militar e o coronel, comportarem-se nas eleições tais como bois mansos, era os três poderes do Brasil inevitável que os considerassem como gente de segunda arcaico. classe, incapaz de reagir ao despotismo do manda-chuva. Fraudes e Folclore Os coronéis, enfim, fizeram o processo eleitoral republicano funcionar a favor deles, colaborando para isso o fato do desaparecimento do poder unitário (representado pelo imperador), em detrimento dos poderes regionais e, em seguida, dos municipais. Para ampliar ainda mais o seu mando, tornaram-se comuns práticas ilícitas de manipulação eleitoral. Dentre muitas, podemos destacar o eleitor-peregrino (sujeito que votava diversas vezes) ou o eleitor-fantasma (não davam baixa dos mortos das listas eleitorais, permitindo que alguém votasse em nome deles, fazendo deles "defuntos cívicos" que levantavam da tumba para irem até as juntas eleitorais), e mais toda uma série de trapaças outras que pertencem ao riquíssimo folclore político brasileiro. Mecanismos de Poder Para chegar ao povo votante, o coronel ativava o cabo eleitoral, alguém prestativo do seu meio que, em troca de favores, assumia o papel de porta-voz das inclinações eleitorais do coronel. Em outros acasos, convocava algum líder local próximo para que também arrebanhasse os votos para o seu candidato. O resultado das eleições quase sempre passava pelo crivo de um seu representante no conselho eleitoral, alguém que, em seu nome, vigiava para que o resultado final satisfizesse os partidários do coronel. Observe-se que a não existência do voto secreto (adotado após a Revolução de 1930), facilitava o controle sobre o eleitor, aumentando-lhe o constrangimento. A fraude, portanto, imperava na época da República Velha, ela era, por assim dizer, a expressão acabada do mandonismo dos coronéis, demonstrativo da impotência e das limitações da democracia brasileira. Se nas cidades ainda funcionavam os empolgantes comícios, o universo político do coronel movia-se pelo cochicho, pelo conchavo e pelo cambalacho. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 36 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Instrumentos de Coerção: o Pistoleiro e o Jagunço O coronelismo nunca foi um sistema pacífico. A própria natureza do tipo de dominação que ele exercitava implicava na adoção de métodos coercitivos, ameaçadores, quando não criminosos. As linhas da violência dirigiam-se em dois sentidos, no horizontal quando o coronel travava uma disputa qualquer com outro rival do seu mesmo porte, e no vertical, quando ele desejava impingir alguma coisa aos de baixo ou que se negavam a aceitar a sua guarda. Para o exercício efetivo disso, ele contava com dois elementos básicos: o pistoleiro contratado para atuar a seu serviço, geralmente um capanga da sua confiança, ou um grupo de jagunços dedicados ao ofício das armas que lhe serviam como uma milícia privada, vivendo à sombra da sua autoridade. O rebenque, instrumento de "paz Inúmera vez como mostrou Guimarães Rosa (Grande Sertões: veredas, social" 1956), o mataréu brasileiro foi ensangüentado pela batalhas travadas por esses exércitos de jagunços, atraídos pela aventura, pelos favores e pela macheza do coronel que os comandava. Porque, como assegurou o seu personagem Riobaldo, o sertão era tão bravo que "Deus mesmo, quando vier, que venha armado!" O Apogeu do Coronelismo Ao legar ao seu sucessor um mecanismo político mais estável do que aquele que herdara o presidente Campos Salles fundou um sistema de troca de favores que, partindo do executivo federal, espalhou-se pelo país inteiro. De certa forma aquilo que se convencionou chamar de política dos governadores, implementada em 1902, lembra, na sua simplicidade, o toma lá, dá cá, praticado nos antigos reinos medievais. Naqueles tempos, os monarcas se sustentavam com o apoio dos condes, estes dos barões, e assim sucessivamente até chegar-se ao vilão ou ao pároco da aldeia, envolvendo todos eles num sistema mútuo de fidelidades e compromissos. O presidente da república exigia que os governadores lhes enviassem bancadas concordes com a sua política. Em troca, ele sustentava as propostas regionais dos governadores (inclusive com apoio militar se fosse preciso). Estes por sua volta se articulavam- com os coronéis do seu estado, fazendo com que também eles mandassem para a assembléia legislativa na capital do estado, deputados acertados com os interesses políticos do governador. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 37 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG A Comissão de Verificação A fim de garantir-se do cumprimento dessa política, o presidente fez com que o Congresso por ele controlado instituísse a Comissão de Verificação de Poderes (diz-se por sugestão do senador gaúcho Pinheiro Machado), formada por cinco parlamentares com a função de apurar se os deputados eleitos nos estados realmente estavam comprometidos em vir dar o seu apoio ao presidente. Para a comissão, não havia maior significado o parlamentar ter recebido ou não os sufrágios necessários, mas unicamente se ele estava disposto a cumprir com o acertado entre o governador do seu estado e o presidente da república. Isso é que explica porque o governador da Bahia, José Bezerra, ter dito, ao redor de 1920, "ser eleito é uma coisa, ser reconhecido é outra". Frase que é uma variação daquela outra atribuída a Pinheiro Machado, que assegurou a um oposicionista "eleito o senhor foi, o que não vai ser é diplomado." Um toma lá, dá cá Um enorme mecanismo de favores e contra favores principiando nas fraldas de qualquer município brasileiro estendia-se assim, passando antes pelo palácio do governador, até chegar ao centro do poder no Palácio da Guanabara do Rio de Janeiro. Durante quase um trintênio esse sistema funcionou a contento. Pecava-se contra a educação democrática do povo, ao viciar completamente os resultados eleitorais, trouxe pelo menos certa estabilidade invejável à turbulenta e instável crônica política brasileira. Mesmo quando ele foi sacudido pelas várias revoltas promovidas pelo Movimento Tenentista (em 1922, 1924 e O centralismo de Vargas 1926), ele mostrou-se hábil em sobreviver. opôs-se ao coronelismo A Crise do Coronelismo A Guerra da Princesa, travada por João Pessoa, governador da Paraíba, contra um poderoso coronel do sertão chamado José Pereira, o Zé Pereira, desde que tomara posse em outubro de 1928, resumiu e antecipou o que iria ocorrer no Brasil a partir do sucesso da Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas. Centralizador e autoritário, durante os quinze anos seguintes Vargas praticou medidas para o irreversível esvaziamento do poder dos coronéis. O voto secreto e o voto feminino (inicialmente somente de funcionárias públicas) foram dois dos instrumentos utilizados para isso. Valorizando o sufrágio urbano, aumentando-lhe a presença eleitoral, ele contrapôs o poder das novas forças emergentes (operários, funcionárias) ao dos potentados rurais. Com a adoção dos interventores e dos intendentes, agentes do governo central enviados para administrar os estados e os municípios foram inevitáveis o encolhimento da autoridade local. Portanto, foi fundamental para que o coronelismo se eclipsasse a emergência de um executivo federal forte e cada vez mais poderoso. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 38 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Situação que se reforçou ainda mais com a proclamação da ditadura do Estado Novo em novembro de 1937. A industrialização, o crescimento demográfico, a imigração para as cidades, características do Brasil pós-1945, só fizeram por acelerar ainda mais o declínio do coronelismo. A Revivência do Coronelismo Com o Golpe Militar de 1964, que derrubou o governo de João Goulart, ocorreu um estranho e contraditório fenômeno. Os militares que ascenderam ao comando do país naquela ocasião, com o objetivo de implantar o seu Projeto do Brasil Grande (a ambição de tornar o país uma potência de médio porte), e, ao mesmo tempo, neutralizarem a força das massas urbanas que lhes eram hostis, trataram de aliar-se, especialmente no Nordeste, com os remanescentes do coronelismo. Desta forma, no Ceará, no Rio Grande do Norte, na Paraíba, em Pernambuco e na Bahia, ao recorrerem aos casuísmos eleitorais, ajudaram e fortaleceram as velhas oligarquias. Os generais de 1964, ao contrário dos tenentes de 1930, promoveram uma atualização do poder dos coronéis: o neocoronelismo. Unindo uma proposta de modernização da economia com as esdrúxulas práticas que remontavam ao Brasil arcaico, o país conheceu entre 1969-1979 um impressionante desenvolvimento econômico, simultâneo ao quase total fechamento político (o mais sufocante que o país conheceu desde os tempos do Estado Novo, entre 1937-1945) (...). O Carlismo Antônio Magalhães Com a fim do regime militar, marcado pela eleição indireta de Tancredo Neves à presidência da república em 1984, um por um os coronéis foram sendo afastados da política, derrotados pelas urnas da democracia recém-reconquistada. Na Bahia, porém, isso não sucedeu. O cacique político local, o ex-prefeito e governador Antônio Carlos Magalhães (que fizera sua carreira política aplicando todos os truques perversos do coronelismo ao tempo em que servia como sustentáculo civil local ao regime militar), mudou de lado. Em 1984, num lance ousado e surpreendente, ACM rompeu com os militares e aderiu à campanha das "diretas já", que culminou no afastamento dos generais do poder. Talvez por ele ser um caso raro de coronelismo urbano (grande parte da sua fortuna e dos que a ele estão ligados está associada aos meios de comunicação e aos negócios industriais e Carlos imobiliários), ele mostrou-se mais ágil em perceber o significado das mudanças que se operaram naquela época. Representando a versão mais atualizada do coronelismo, ele de imediato rearticulou-se com a nova elite civil que substituiu os militares em Brasília. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 39 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG O Condestável da Nova República Esta posição, esta virada do carlismo em favor da redemocratização, se bem que oportunista, granjeou a ele enorme estima e respeito por parte considerável da população, permitindo-lhe, em seguida à formação da Nova República, que fosse promovido às antecâmaras do poder como o condestável, o homemforte dos sucessivos presidentes que desde então se sucederam (nos 15 anos seguintes, ACM foi ministro das comunicações no governo de José Sarney, eminência parda no governo do presidente Fernando Collor de Mello e o principal avalista do pacto do PFL-PSDB, que garantiu por duas vezes a eleição do presidente Fernando Henrique Cardoso). Ele sempre teve consciência de que o seu prestígio local devia-se ao apoio escancarado que ele dava a quem estivesse no comando executivo da União. Desta forma, se num primeiro momento trocou a sua Pelourinho, recuperado graças ao fidelidade por favores prestados ao Estado da Bahia (polo prestígio de ACM petroquímico de Camaçari, verba para a recuperação do Pelourinho, a montadora da Ford), os analistas prevêem que o rompimento dele com as fontes das verbas federais terminará por secar, no futuro, a influência dele junto aos seus conterrâneos. Coronelismo e Literatura Como não poderia deixar de ser a literatura brasileira foi pródiga neste século em abrigar as façanhas e malvadezas dos coronéis. O mundo rural, violento e rústico, onde eles se moviam, mereceu copiosas descrições, e os "causos" em que eles foram participantes ativos viraram contos ou histórias dos romancistas e dos roteiristas das telenovelas brasileiras, quando não os próprios coronéis tornaram-se personagens centrais da obra (como no caso de São Bernardo de Graciliano Ramos, ou o do Coronel e o lobisomem de José Cândido de Carvalho). Notáveis descrições do cenário em que eles viveram e lutaram encontram-se no Os Sertões de Euclides da Cunha, e no já citado Grande Sertões: Veredas de Guimarães Rosa. Numa situação onde o autor assume a identidade do coronel para registrar-lhe as impressões, encontra-se no Memórias do coronel Falcão, de Aureliano Figueiredo Pinto. Jorge Amado, o escritor brasileiro de maior expressão internacional, abordou o coronelismo em todas as suas facetas nos seus romances do chamado ciclo do cacau (São Jorge de Ilhéus, Cacau, e no popularíssimo Gabriela cravo e canela). • • • • • Bibliografia Beiguelman, Paula - Formação política do Brasil (Pioneira,SP., 1967, 2 vols.) Bruno, Ernani Silva - História e paisagens do Brasil (Cultrix, SP.1959, 10 vols.) Carone, Edgar - A República Velha: evolução política (Difel, SP., 1971) Casalecchi, José Ênio - O partido republicano paulista : 1889-1926 (Brasiliense, SP., 1987) Eul-Soo Pang - Coronelismo e oligarquias (Civilização Brasileira, RJ., 1979) 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 40 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG • • • • • • • • Freyre, Gilberto- Sobrados e Mocambos (José Olympio, RJ, 1985, 7ª ed.) 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O Nordeste, primeira região colonizada pelos portugueses, muito cedo conheceu a prosperidade, graças a exportações de açúcar para a Europa. Foi no litoral que se constituiu a primeira ilha do "arquipélago brasileiro" e onde o primeiro dos grandes ciclos econômicos do Brasil se desenvolveu (Thery, 1995a; Fig. 2). Mas a concentração das riquezas nas mãos de uma minoria e o caráter excêntrico da economia (importação de produtos de luxo graças aos recursos advindos das culturas de exportação) frearam o desenvolvimento da Região. A crise do mercado açucareiro no século 18 só fez reforçar essa situação. Certamente outros mercados se abriram, outras culturas contribuíram para um certo dinamismo econômico, porém, segundo Thery (1995a), "nenhum dos ciclos posteriores veio, em seguida, modificar muito essa situação, se bem que dois episódios tenham contribuído para diversificar a base econômica regional: o cultivo do algodão que permitiu uma ocupação mais densa da zona semi-árida, e, no início do século 19, o desenvolvimento das plantações de cacau no sul do Estado da Bahia". Em 1850, a Lei da Terra torna impossível a obtenção de terras, a não ser por compra. Instaura-se, então, o mercado fundiário. A lei é votada sob a pressão de grandes proprietários cuja preocupação é limitar a ocupação ilegal de terras, prática cada vez mais freqüente. Porém, essa lei se traduz, de fato, pelo assentamento de inúmeras famílias. Com efeito ela regulariza a situação dos ocupantes. Permite, também, aos vaqueiros dos fazendeiros comprarem terras, e nelas instalar-se com seus rebanhos, constituídos graças ao sistema de remuneração usado pelos grandes proprietários3. Essa é a origem da agricultura familiar no Nordeste semi-árido (Prado júnior, 1960; Andrade, 1986). Entretanto, a integração econômica é limitada. No século 20, o Nordeste torna-se a região "rejeitada" do Brasil, região de migração em direção ao sul e à Amazônia (Garcia júnior, 1990) . Como bem destaca Martine (1992), o sertão assume o papel de pulmão demográfico do Brasil, pois é capaz de absorver ou reter contingentes significativos de população. Cuert-Muller (1994) mostra que entre 1970 e 1985 a população trabalhando no setor agrícola passou de 3,0 a 4,2 milhões de pessoas, e que essa mão-de-obré constitui uma reserva utilizada ocasionalmente. Em contrapartida, as transferências financeiras oriundas da União para o Nordeste foram constantes no decurso dos 2 últimos séculos. Porém, estas jamais compensaram as grandes transferências de capital e de recursos humanos do Nordeste para o Sudeste (Oliveira, 1981; Garcia júnior, 1990). 2 IN: Camponeses do Sertão: Mutação das agriculturas familiares no Nordeste do Brasil. Patrick Caron e Eric Sabourin/org. Brasília. EMBRAPA Informação Tecnológica, 2003 3 O vaqueiro recebe como remuneração um bezerro em cada quatro que nascem; a escolha é feita pelo proprietário. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 42 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Fig. 2. Expansão territorial: frentes pioneiras e ciclos econômicos. Fonte: Thery, 1995a. "Em 1936, foi delimitado um perímetro de 620 mil km2, o Polígono das Secas, definindo a área onde a ajuda do governo federal poderia ser concedida, desafio que explica suas ampliações sucessivas em 1946 e 1951: hoje essa área estende-se por 936.993 km2 (Thery, 1995a). O montante da ajuda da União é diretamente proporcional à extensão das crises climáticas das secas (Molle, 1991 b). Sua distribuição, controlada pela elite local, reforça o poder indiscutível dessa elite. Alguns evocam a indústria da fome para explicar os lucros que daí retiram. Em 1958, depois de um período extremamente seco, foi criado um grupo de trabalho que daria origem, no ano seguinte, à Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - Sudene -, administração encarregada pelo governo federal do "planejamento regional global" (Oliveira, 1981). Os intelectuais que a dirigiam, em particular Celso Furtado, procuraram promover a industrialização, por meio de lima política de incentivos fiscais, e modernizar o setor agrícola, facilitando a transformação dos latifúndios4 e de pequenas um idades agrícolas camponesas em empresas rurais5. 4 5 Latifúndio: propriedade de grande porte, subexplorada, tornada produtiva por dependentes, remunerados por um proprietário frequentemente ausente. O proprietário segue uma lógica territorial, ditada por relações do tipo paterna lista, quanto a seus dependentes. Empresas rurais: forma de organização reagindo essencialmente a uma lógica econômica. A rentabilidade do investimento é o 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 43 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Foi, então, considerada a possibilidade da reforma agrária. O assunto, porém, logo se tornaria um verdadeiro tabu, após o golpe militar de 1964. O modelo de desenvolvimento imaginado é um compromisso que alia modernização e emprego rural por intermédio do apoio à agricultura comercial e da organização de comunidades rurais de pequenos produtores. A implantação de infra-estruturas marca os primórdios dessa política e mobiliza o essencial dos meios financeiros. No decurso dos anos 60, a extensão da rede rodoviária foi triplicada, a de estradas asfaltadas foi decuplicada (Thery, 1995a). Foi a época do milagre econômico brasileiro, e os recursos financeiros corriam em abundância. De modo clássico, se a implantação das infra-estruturas foi satisfatória, os índices de desenvolvimento foram menos evidentes; surgiu, então, alguns anos mais tarde, o período dos projetos públicos e do crédito subsidiado: Polonordeste, Sertanejo, Chapéu de Couro, São Vicente, Projeto de Apoio ao Pequeno Produtor Rural (Papp), entre outros. Em sua origem, esses projetos visavam reforçar a emergência de pólos de desenvolvimento, em particular com a implantação de perímetros públicos de irrigação e, ao mesmo tempo, resolver os problemas ligados à pobreza. No sertão, tratou-se, sobretudo, do cofinanciamento de infra-estruturas comunitárias (escolas, armazéns, poços e açudes, postos de saúde, etc.), construídas essencialmente pela mobilização gratuita da mão-deobra local (Amman, 1985). O êxodo rural não se estanca. A demanda de mão-de-obra no sul é grande. Nos anos 80, com o retorno à democracia, o sentimento de crise traduz-se, em escala nacional, por discursos recorrentes sobre a escalada da violência, a incapacidade de controlar a hipertrofia das metrópoles com a redução do êxodo rural e de travar os fenômenos de empobrecimento. Após o mito da modernidade, vem o tempo das dúvidas. O conjunto da classe política e, de modo mais amplo, a sociedade tomou conhecimento das dificuldades com as quais se depararam esses projetos. As inquietações em relação ao modelo de desenvolvimento brasileiro, o papel do setor agrícola em geral, e aquele da agricultura familiar em particular, são questões dirigidas à pesquisa nacional. Inúmeras denominações são utilizadas quando se evoca a agricultura familiar: pequeno produtor, agricultura camponesa, agricultura de subsistência, minifúndio. Essas denominações não têm todas o mesmo sentido. O termo agricultura camponesa qualifica somente uma parte desse universo, excluindo as pequenas empresas familiares. Está associado à permanência de uma sociedade camponesa no sentido usado por Mendras (1976)6. Apesar de sua conotação política ou ideológica desfavorável, específica ao contexto brasileiro7, caracteriza, ainda, uma maioria significativa dos produtores das comunidades do sertão. No Brasil, geralmente, o apego ao campo na região de origem continua relativo. Os movimentos da população rural sempre foram, e ainda são, importantes, principalmente nas frentes pioneiras e nas regiões de êxodo. Em contrapartida, no Sertão nordestino, esse apego é real. As migrações de agricultores do Sertão foram por muito tempo essencialmente sazonais (colheita do café, tabaco ou cana-de-açúcar) ou temporárias. Ao final de alguns anos, o objetivo principal. As relações de trabalho organizam-se em torno dos assalariados. 6 7 Segundo a definição de Mendras (1976), pode~se falar em agricultura camponesa onde subsiste uma sociedade camponesa marcada por relações de proximidade e de interconhecimento, por uma autonomia relativa quanto ao mercado e pela mediação de poderosos locais. O temor suscitado pelos movimentos sociais de ligas camponesas junto às elites regionais do Nordeste muito contribuiu para o golpe militar de 1964. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 44 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG agricultor voltava à sua região natal para comprar um pedaço de terra ou um rebanho, com o pequeno capital amealhado durante o exílio. Como nos mostra Silva (1999), as migrações definitivas constituem um fenômeno recente, surgido nas últimas décadas. É em função desses elementos que parece pertinente definir agricultura familiar, na falta de melhores termos, como o conjunto de formas de produção que se opõem aos latifúndios e às empresas rurais, alvos preferenciais da política de modernização. A agricultura familiar, assim identificada, reagrupa expressões sociais e modos de produção muito diversificados, apresentando, entretanto, certas características comuns, como a valorização da mão-de-obra familiar e a autonomia da gestão dos meios de produção (Sidersky, 1989). Agricultura familiar: uma história de resistência e adaptações A história da agricultura familiar do Sertão se confunde muito com aquela da evolução dos sistemas de pecuária (Caron, 1998). A agricultura sertaneja continuou por muito tempo apenas produtora de víveres e marginal ou concentrada nas zonas mais elevadas e úmidas do Agreste e do brejo, às margens da zona semi-árida (ver mapa 1 em anexo). A agricultura irrigada é recente e seu potencial é limitado a 5% dos 940 mil km2 da região, correspondendo às terras aluviais dos vales ou várzeas, situadas nas falhas geológicas (Mal/e, 1991b). A colonização do Sertão Os primeiros domínios fundiários do Sertão foram conquistados no século 17, nas terras das tribos indígenas dos Tupis. Eram verdadeiros impérios, as sesmarias, concedidas pelas capitanias _ representando a Coroa portuguesa - aos nobres, aos grandes proprietários rurais, aos senhores da terra, chamados de coronéis ou fazendeiros. As sesmarias eram medidas em léguas8, de cada um dos lados dos riachos, sem limites físicos determinados. Era comum manter uma margem de uma légua, não concedida a ninguém, entre dois domínios, para evitar misturas de gado e outros litígios (Garcez & Sena, 1992). A colonização foi caracterizada pela concentração, pela imprecisão dos limites territoriais, pelo absenteísmo dos proprietários das terras e pelos fracos investimentos no setor agrícola. Muito rapidamente, os primeiros conflitos eclodiram. Eram de natureza feudal e colocavam as grandes famílias umas contra as outras ou contra as comunidades indígenas (Garcez & Sena, 1992)9 A ocupação efetuou-se em diferentes datas, segundo as regiões de Sertão. As vias naturais de acesso, as características mais ou menos hostis do meio local, a presença de recursos hídricos, a localização estratégica de determinados locais no cruzamento de eixos de comunicação foram critérios determinantes. No Sertão central, pelos meados do século 17, a maioria da~ terras pertencia a duas famílias: Guedes de Brito e Dias D' Ávila Esta última possuía, em 1710, "mais de 340 8 9 Uma légua corresponde a 6 km. Houve igualmente litígios entre o Estado e a Igreja, quanto a concessões anteriores ieita pela colônia portuguesa às ordens missionárias encarregadas de catequizar a comunidades indígenas. Tais litígios diziam respeito ao direito de recolher impostos. ( Município de Juazeiro, às margens do São Francisco, opôs-se a partir de 1840 à paróqui local. A separação entre a Igreja e o Estado, com a proclamação da República, nos iin do século 19, agravou ainda mais a situação. No caso de luazeiro, o litígio só ioi resolvid, em 1927, pela demarcação dos respectivos perímetros: o da paróquia e o do municípic 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 45 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG léguas de terras à~ margens do Rio São Francisco e de seus afluentes" (Andrade, 1986) A ocupação aconteceu porém, muitas vezes, em épocas mais tardias A região de Pintadas, por exemplo, no centro do Estado da Bahia, (Fig. 3), foi explorada a partir do século 19, enquanto as regiões: vizinhas (Mundo Novo, Baixa Grande) já haviam sido ocupadas desde o século anterior. Pintadas situa-se numa região menos chuvosa, fora dos eixos de comunicação e não dispunha de nenhum, fonte permanente de água. O recuo econômico e o surgimento dos camponeses No decurso do século 18, o crescimento do setor mineiro de Estado de Minas Gerais e a crise no setor açucareiro acarretaram uma crise na economia nordestina e o deslocamento da bacia pecuária para o Sul do Brasil (Furtado, 1977). Os enormes latifúndios começaram a fracionar-se em virtude do absenteísmo dos proprietários e da crise da pecuária bovina. Fig. 3. Localidades mencionadas na descrição do processo de colonização. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 46 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Com a Lei da Terra, em 1850, os pequenos proprietários estabeleceram-se. Comunidades apareceram e materializaram-se em sítios nas proximidades dos poços. Hoje seus membros são os descendentes dos primeiros ocupantes ou dos compradores das antigas fazendas. Numerosos vaqueiros, mestiços, escravos alforriados ou ex-condenados tomaram posse de terras situadas entre as sesmarias ou mesmo inexploradas (Prado Júnior, 1960). Uma economia camponesa surgiu e desenvolveu-se a partir das pequenas unidades agropecuárias, cada vez mais numerosas. Nas zonas mais áridas, os caprinos, mais adaptados às secas e às necessidades de consumo das famílias camponesas, eram preferidos aos bovinos. As incertezas climáticas tornavam aleatória qualquer atividade agrícola praticada, na maioria dos casos, para prover as necessidades de consumo. As culturas ocupavam pequenas áreas cercadas. Certos produtos como queijo, sementes de mamona e pequenos ruminantes eram vendidos para comprar outros produtos: pimenta-do-reino, sal, tecidos, café, entre outros. Nas zonas mais favorecidas pelas chuvas, a pecuária era consolidada pela cultura do algodão "Mocó" (arbustivo). O algodão estendeu-se rapidamente, a partir do século 19. Em razão da Guerra de Secessão e do desmoronamento da produção norte-americana, a indústria inglesa investiu· no Nordeste. O algodão sempre esteve associado à pecuária. Os meeiros produziam algodão nas terras dos fazendeiros, cujos rebanhos valorizavam os restos de culturas. Essa evolução concerne principalmente aos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Segundo Silva & Lima (1982), a área de extensão do algodão jamais ultrapassou 21,6% da área total do Sertão. As frentes pioneiras, a apropriação do espaço e a modernização agrícola Desde o início do século 20, o crescimento demográfico traduz-se por uma pressão sobre o espaço, em particular sobre os percursos na Caatinga. No Estado do Ceará, por exemplo, o número de unidades agrícolas passa de 16.223 a 93.382 20 anos mais tarde, enquanto as áreas agrícolas só aumentam em 50% (Bazin, 1993). A falta de forragem na época das secas leva grandes proprietários a cercar suas terras a partir da década de 20, ainda mais porque os primeiros zebus introduzidos nessa época são menos resistentes às condições climáticas do Sertão. Começa a apropriação individual de recursos explorados, até então, coletivamente. A difusão de plantas perenes permite aproveitar novas oportunidades de mercado. Elas exigem menos mão-de-obra do que as culturas alimentares anuais10. O plantio de alguns hectares a cada ano permite marcar o território e estender as áreas em "propriedade privada". É o caso do algodão "Mocó", desde a Guerra de Secessão. É, também, o caso do sisal ou da mamona, a partir de 1950, no Sertão central da Bahia. É, enfim, o caso da produção de forragem a partir dos anos 30, para a palma forrageira (Opuntia sp,) e, nos anos 70, para as gramíneas, como o capim-buffe/ (Cenchrus ci/iaris). O arame farpado que substitui as cercas de madeira, a partir dos anos 60, permite cercar mais rapidamente grandes áreas e demanda pouca manutenção e mão-de-obra. A estrutura fundiária local e a presença ou ausência de grandes fazendeiros condicionam as dinâmicas pioneiras. A presença de fazendeiros acentua a pressão sobre o espaço e seus recursos. Eles são os primeiros que historicamente cercam os pastos, graças aos meios financeiros dos quais dispõem ou que podem mobilizar por meio dos projetos 10 As áreas de cultura anuais continuam escassas e raramente ultrapassam 2 ou 3 hectares por unidade familiar. De fato, a demanda de mão-de-obra é grande e é essencialmente familiar e os contratos de meeiros são quase inexistentes (fora aqueles com os fazendeiros). As roças e as técnicas para as culturas são manuais. As cercas necessárias à proteção devem ser de madeira; logo sua construção e manutenção representam uma obrigação significativamente onerosa com mão-de-obra, mesmo quando as cercas são construídas na época das secas. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 47 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG públicos de desenvolvimento. Seus animais pastam, durante a estação chuvosa, em terras não cercadas e, na estação seca, alimentam-se da produção de forragem dos pastos cercados. A pressão sobre os recursos acarreta, então, uma generalização rápida de cercamentos. Conflitos eclodem freqüentemente. Em alguns provocados, pela colocação selvagem de cercas em terras alheias. Trata-se da grilagem11, que quase sempre acaba em banho de sangue ou na resignação do proprietário lesado. Outros têm como base novas regras jurídicas: a lei do "pé alto" é especialmente exemplar a esse respeito. Enquanto anteriormente a situação que prevalecia obrigava aquele que cultivava a proteger seus campos, em 1964, em alguns municípios, como Pintadas e Ipirá, no centro da Bahia, os pecuaristas conseguiram fazer votar um decreto municipal para a aplicação de uma lei federal, que obrigava os criadores a controlar seus animais, impedindo-os de vaguear. Assim, em vez de cercar suas pastagens com 7 a 10 fios de arame farpado para impedir a entrada de pequenos ruminantes, eles podiam reduzir o investimento a 4 fios, suficientes para os seus bovinos, mas proibindo o deslocamento dos animais dos pequenos criadores. Tal obrigação transformou-se, freqüentemente, para aqueles que dispunham dos meios, em apropriação: "a terra pertence àquele que a cerca". Assim, surgiram inúmeros casos de grilagem, que foram seguidos de conflitos. Os espaços diversificam-se. No Nordeste, eles são, hoje, geralmente divididos por cercas. Os sistemas técnicos de produção, suportes e conseqüências dessas transformações, evoluem. O desflorestamento e o cultivo das áreas de Caatinga12 aumentam. Assistimos à generalização das cercas de 3 ou 4 fios de arame farpado. Os pastos de gramíneas forrageais espalham-se consideravelmente. Eles permitem o aumento da capacidade de pastoreio e, em certos casos, a reconversão para a produção leiteira. Essas evoluções são acompanhadas pelo crescimento rápido do número de pequenas propriedades rurais, os minifúndios. Na verdade, não há mais novos espaços a serem colonizados e os patrimônios fundiários continuam a dividir-se em ritmo acelerado. Aqueles que não conseguem se adaptar tornam-se assalariados agrícolas ou migram para o sul, industrial e urbano, ou para as frentes pioneiras da Amazônia. O desmoronamento da cotação dos produtos agropecuários de cultivos de sequeiro, a partir dos anos 80, provoca uma reconversão de inúmeros produtores para a pecuária, grande consumidora de espaço. Estas evoluções e recomposições acontecem em um contexto fundiário muito incerto. Até os anos 80, a maioria dos pequenos ainda não possuía títulos de propriedade. Estas imprecisões legais acarretaram conflitos jurídicos nos quais se vê o ressurgimento de títulos de propriedade datando da monarquia. Tais imprecisões são acompanhadas por uma ausência de delimitação física: os limites fundiários estão freqüentemente sujeitos a conflitos. O aparato regulamentar do Estado é deficiente, prevalecendo a lei do mais forte. É em tal contexto que surge a irrigação, muito tardiamente, no Nordeste. Molle (1991 b) 11 Grilagem é o nome dado à apropriação fraudulenta de terras, frequentemente violenta, que se traduz pela expulsão dos ocupantes destas terras. Grileiro (aquele que se apropria das terras) e grilagem vêm de grilo, pois os fazendeiros que usavam essa prática colocavam os falsos títulos das propriedades em gavetas cheias de grilos, para que ficassem amarelados. 12 O termo Caatinga é formado por duas palavras da língua Tupi que significam floresta branca, referência a seu aspecto durante a seca. É uma formação extremamente diversificada em função do tipo de solo e nela encontram-se árvores e arbustos freqÜentemente providos de espinhos e do tipo caducifólios, que dão à vegetação um aspecto sombrio e cinza durante a estação das secas; apresenta também plantas suculentas (cactáceas e euforbiáceas), bromeliáceas terrestres, coriáceas e espinhosas, bem como uma capa herbácea constituída de espécies anuais. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 48 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG evoca vários fatores para explicar este atraso no desenvolvimento de uma sociedade hidráulica. Segundo ele, a agricultura irrigada representa um estágio de intensificação da atividade agrícola que não encontra, em absoluto, lugar em uma sociedade voltada para a pecuária extensiva, desde o início da colonização. Dos fins do século 19 aos anos 70, as políticas hídricas foram prioritariamente voltadas para o abastecimento de água, seja para os homens ou para os animais, graças à construção de grandes barragens (ver o capítulo Manejo da água nos sistemas de sequeiro). Molle (1991 a) lembra que a agricultura foi desprezada, deixada nas mãos dos índios ou dos mestiços, depois nas dos peões ou dos meeiros. As características das estruturas sócio-políticas regionais e locais que predominaram até os anos 70 explicam, também, este atraso: a rigidez da estrutura fundiária, desvios dos esforços empreendidos pelo governo federal, arcaismo e imobilismo das estruturas sociais herdadas da colonização. Um interesse renovado pela agricultura familiar brasileira Hoje, a agricultura familiar reúne a maioria da população rural. No Brasil, ela reagrupa cerca de 6,5 milhões de unidades de produção agropecuária, mais da metade localizada na Região Nordeste (FAO, 1996). Sua importância é não somente social, mas também econômica, tanto por sua presença de peso nos mercados de produtos alimentares (milho, feijão, batata, banana, etc.) e de exportação (cacau, café, laranja, etc.) quanto pelos recursos e empregos que ela proporciona (Veiga, 1994). Alguns números permitem precisar essa importância social e econômica. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE - (Censo 1985), as unidades agrícolas familiares ocupam 56% da população agrícola ativa, o que corresponde a 15 milhões de pessoas. Elas são responsáveis por cerca de 30% da produção agrícola nacional, por 22% do total da área agrícola (o tamanho médio das unidades agrícolas no Nordeste é de cerca de 13 ha - FAO, 1996). Entretanto, elas são beneficiadas com apenas 15% dos financiamentos públicos. No Nordeste, a agricultura familiar subsiste no contexto das rupturas e dos limites ecológicos, econômicos, técnicos, sociais e políticos do modelo dominante (Tonneau et aI., 1997). Ela ocupa, freqüentemente, os espaços geográficos e econômicos "desprezados" pelos grandes proprietários e empresas. Engloba, entretanto, ainda uma parte significativa da população nordestina, aproximadamente três milhões de famílias, ou seja, cerca de 40% das unidades agrícolas de todo o Brasil (FAO, 1996). Apesar de sua importância demográfica e econômica, ela encobre uma realidade pouco conhecida: somente há pouco tempo passa a ser objeto de atenção por parte dos organismos de apoio ao setor agrícola. As instituições públicas de pesquisa e desenvolvimento implantadas nos anos 70 foram planejadas como instrumentos da política de modernização que visava promover o modelo da revolução verde (variedades selecionadas, utilização intensa de adubos e pesticidas, irrigação, mecanização, etc.). Elas foram globalmente eficazes e a produção agrícola aumentou consideravelmente. A modernização foi, porém, seletiva e fonte de marginalização social e geográfica. Os esforços de modernização da agricultura não puderam impedir a concentração dos investimentos públicos e privados e a marginalização da agricultura familiar, salvo por algumas situações isoladas. Desde meados dos anos 80, essas instituições constatam que não conseguem acompanhar a demanda da agricultura familiar no âmbito social, econômico e mesmo técnico. Elas entram em processo de avaliação e de redefinição de suas metas (Abramovay, 1998), e concedem uma atenção particular ao contexto econômico e às condições ecológicas da produção (meio ambiente e qualidade dos produtos). 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 49 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG A Embrapa, principal entidade brasileira de pesquisa agronômica, reconhece que a pesquisa se mostrou ineficaz em virtude da orientação de seus trabalhos que, como nos países desenvolvidos, visavam à concepção de modelos com alta produtividade biológica e com grande utilização de insumos, sem levar em conta a diversidade ecológica (Embrapa, 1994a). A exclusividade concedida às pesquisas disciplinares realizadas em estação experimental não levava em consideração as condições de produção. Os programas de pesquisa trataram por muito tempo de uma cultura ou de um produto em particular, sem valorizar a diversificação da produção da unidade agrícola nem as pesquisas econômicas e sociais sobre as "racionalidades" dos produtores e sobre os processos de inovação. Enfim, os produtores e os agentes de desenvolvimento não tinham vínculos com a definição e a aplicação prática dos temas e das atividades de pesquisa. "A modernização provocou modificações indiscutíveis das características técnicas e econômicas da agricultura brasileira, porém não foi capaz de fazê-Io sem a exclusão de um número significativo de pequenos produtores; este modelo de desenvolvimento, apesar do aumento da produção global, traduziu-se por uma deteriorização dos mercados urbano e rural do emprego, pelo aumento dos preços dos alimentos perecíveis, pela marginalização de mais de dois terços da população rural, pela degradação do meio ambiente, pela ocupação desordenada do território nacional." (Embrapa, 1994a). Essa constatação leva a propor dispositivos específicos de apoio à agricultura familiar, que seriam justificados pelas evoluções recentes do mundo agrícola e pelo contexto político. A agricultura familiar está cada vez mais presente nos discursos. Um consenso político real manifesta-se em torno do apoio que ela deveria receber. Os objetivos são, em geral, criar empregos, reduzir o êxodo rural, diminuir os preços dos alimentos perecíveis, reorganizar o espaço, manejar os recursos naturais de modo sustentável e atenuar a miséria. Entre outras coisas, as instituições questionam-se sobre as formas que esse apoio poderia tomar para ser eficaz e sobre as condições da implementação de um programa de reforma agrária. Entretanto, as divergências sobre as modalidades de implantação de um conjunto coerente de ações são importantes. Ao Estado e às instituições faltam, principalmente, informações e dados sobre as múltiplas realidades encobertas pelo termo genérico "agricultura familiar". As condições e as formas de acúmulo e da reprodução da agricultura familiar e a gestão de sistemas diversificados são, por exemplo, temas pouco explorado. A insuficiência dos conhecimentos disponíveis deixa o caminho livre para debates antes de tudo ideológicos. Entre a necessária redistribuição inter e intra-regional e a adaptação forçada a um mercado competitivo, entre duas visões, uma social e outra neoliberal, o discurso inflamado freqüentemente toma a dianteira. Essa síntese adota um caminho diferente. Ela tem por objetivo ancorar a análise no diferente e no complexo, quer no campo técnico, econômico ou social. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 50 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Origem e papel dos sindicatos Altamiro Borges13 Desde a divisão da sociedade em classes, após a superação da comuna primitiva, a história das sociedades é marcada pela luta entre explorados e exploradores. Isto ocorreu no sistema escravista, no modo de produção asiático, no feudalismo e ocorre até hoje no capitalismo. É nesse último sistema econômico, entretanto, que a luta de classes atinge a sua plenitude. O Sindicato, objeto de nosso estudo, é um fenômeno típico desse sistema. Ele só surge no modo de produção capitalista. A palavra surge do francês - syndic - que significa “representante de uma determinada comunidade”. Com a queda do feudalismo na Europa, num longo processo iniciado a partir do século 17, a sociedade se divide claramente em duas classes. De um lado, a burguesia, dona dos meios de produção instalações, máquinas, matérias primas etc. O termo burguesia deriva de burgos, que eram as pequenas localidades nos arredores dos feudos, onde viviam os comerciantes e os artífices - os germes dos futuros industriais. Do outro, o proletariado, desprovido de tudo, obrigado a vender a sua força de trabalho aos capitalistas. A expressão proletariado vem do latim da antiga Roma e designa os cidadãos que viviam à beira da miséria e que tinham uma prole numerosa. Lênin, dirigente da revolução russa de 1917, sintetiza de maneira simples as características desse sistema. “Denomina-se capitalismo a organização da sociedade em que a terra, as fábricas, os instrumentos de produção etc., pertencem a um pequeno número de latifundiários e capitalistas, enquanto a massa do povo não possui nenhuma ou quase nenhuma propriedade e deve, por isso, alugar sua força de trabalho. Os latifundiários e industriais contratam os operários, obrigando-os a produzir tais ou quais artigos que eles vendem no mercado. Os patrões pagam aos operários exclusivamente o salário indispensável para que estes e suas famílias mal possam sub-existir. Tudo o que o operário produz acima dessa quantidade de produtos necessária a sua manutenção, o patrão embolsa isso: isso constitui o seu lucro. Portanto, na economia capitalista, a massa do povo trabalha para os outros, não trabalha para si, mas para os patrões, e o faz por um salário. Compreende-se que os patrões tratem de reduzir o salário, quanto menos aos operários, mais lucro lhes sobra. Em compensação, os operários tratam de receber o maior salário possível para poder sustentar sua família com uma alimentação abundante e sadia, viver numa boa casa e não se vestir como mendigos. Portanto, entre patrões e operários há uma constante luta pelo salário”. É dessa luta cotidiana, inerente ao capitalismo, que surgem as primeiras formas de organização dos trabalhadores. Elas nascem como resultado do esforço espontâneo dos operários para impedir ou atenuar a exploração. Não aparecem por inspiração de “subversivos”, como a burguesia propaga, mas sim por uma necessidade natural dos que vivem de salário. Para elevar os seus lucros, o capitalista necessita extrair o máximo de mais-valia, que é o trabalho excedente não repassado ao operário na forma de salário. 13 Jornalista 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 51 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Essa é a lógica do sistema, em que a concorrência leva os empresários a uma incessante busca por maiores lucros - com a redução dos custos operacionais e a elevação da produtividade. Por sua vez, os trabalhadores têm a necessidade de lutar pela diminuição da taxa de mais-valia, pelo aumento do seu poder aquisitivo, e por condições humanas de trabalho. Nessa luta, o operariado conta com a vantagem de se constituir em grande quantidade. Para cumprir esse papel, os sindicatos se tornam centros organizadores dos assalariados, focos de resistência à exploração capitalista. Num primeiro momento, eles vão congregar os operários das oficinas e das fábricas, os que produzem diretamente as riquezas - o setor dinâmico da sociedade capitalista. Posteriormente, com o desenvolvimento do próprio sistema, eles se generalizam, atingindo outros setores econômicos. Para Marx, “se os sindicatos são indispensáveis para a guerra de guerrilhas cotidianas entre o capital e trabalho, são também importantes como meio organizado para a abolição do sistema de trabalho assalariado”. Berço do capitalismo Os primeiros sindicatos nascem exatamente na Inglaterra - considerada o “berço do capitalismo”. Foi nesse país que se realizou a primeira revolução burguesa da história - dirigida por Cromwell, em 1640. Após muitas marchas e contramarchas, a burguesia se consolidou no poder, acumulou capital e pode realizar a primeira revolução industrial - no século 18. O capitalismo inglês vai viver a partir daí um intenso processo de desenvolvimento, com a superação do trabalho artesanal, posteriormente da produção manufatureira e, a partir da introdução de novas máquinas, com o surgimento das grandes fábricas. É nesse momento, meados do século 18, que o capitalismo encontra plenas condições para se expandir e virar o sistema predominante. O desenvolvimento do capitalismo deixará evidente a contradição desse sistema. Para extrair a mais-valia, fonte dos lucros, a burguesia inglesa imporá jornada de trabalho que atingiam até 16 horas diárias. Os salários serão os mais reduzidos e as condições de trabalho, as mais precárias. Com o objetivo de atrair mão-de-obra livre, ela promoverá os famosos “cercamentos” no campo, nos séculos 17 e 18, expulsando os servos das glebas rurais para torná-los “homens livres”, aptos ao trabalho assalariado. Nesse período, são constituídos enormes contingentes de desempregados nos centros urbanos, que Marx chamará de exército industrial de reserva, como forma de baratear o custo do trabalho através da concorrência. A introdução das novas máquinas, que representa a consolidação definitiva desse novo modo de produção, também agravará as contradições entre capital e trabalho. Através desses novos instrumentos, a burguesia golpeia os artesãos e suas corporações, que tinham grande poder de barganha. Com as máquinas, ela não necessita mais de mão de obra especializada do artesão, pode introduzir a mulher e o menor no mercado de trabalho, com salários mais aviltados e em piores condições de trabalho. Leo Huberman, no livro “História da Riqueza do Homem”, descreve esse brutal processo de rebaixamento do nível profissional. Ele cita, por exemplo, o depoimento de uma criança de 11 anos a uma comissão do parlamento inglês, em 1816: “Sempre nos batiam se adormecíamos. O Capataz costumava pegar uma corda da grossura do meu dedo polegar, dobrá-la e dar-lhe em nós. Trabalhei toda a noite, certa vez”. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 52 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Todas essas condições de exploração, próprias do novo sistema econômico, vão gerar resistências entre os explorados. Esse processo de luta passará por longas experiências. As greves e os sindicatos, por exemplo, não aparecerão num estalo de dedos. Antes, a classe operária passará por um longo processo de aprendizado até encontrar as formas mais eficientes de luta e concluir que sua união é fundamental para se contrapor ao poder do patronato. Um das principais formas de luta foi o Luddismo, também conhecido como o movimento dos quebradores de máquinas. Inexperiente, a jovem classe operária viu nas máquinas o seu principal inimigo. Afinal, aparentemente a máquina é que era responsável pelo desemprego dos trabalhadores especializados, pela inserção da mulher e do menor nas fábricas em condições degradantes etc. O termo Luddismo deriva do nome do operário têxtil Ned Ludd, que trabalhava numa pequena oficina em Nottingham, cidade próxima de Londres. Segundo pesquisas, esse operário destruiu totalmente os teares mecânicos da fábrica num sinal de revolta contra os efeitos da Revolução Industrial. Sua atitude, apesar de individual, refletia o estado de espírito dos artesões. Em pouco tempo, seu gesto foi imitado em várias cidades da Inglaterra e atingiu também a França. “Entre 1811 e 1812, os Luddistas espantaram a burguesia”, informa José Cândido Filho, autor do livro “O Movimento Operário: O Sindicato e o Partido”. O parlamento Inglês, que nunca tratara da questão operária, discutiu o assunto e aprovou, em 1812, uma lei que punia com a pena de morte os “quebradores de máquinas”. A legislação repressiva não conteve o Movimento Luddista, que quatro anos depois foi retomado com novas máquinas quebradas em Londres, Glasgow, Newcastle, Preston, Dundee e outras cidades. Segundo José Cândido, os Luddistas ingleses costumavam cantar uma música que se tornou conhecida, quando quebravam as máquinas. “De pé ficaremos todos/E com firmeza juramos/Quebrar tesouras e válvulas/E arrasar todas as máquinas”. A revolta operária repercutiu também entre a intelectualidade da época, que passou a dar maior atenção às condições de vida e de trabalho do proletariado. Dessas primeiras lutas da classe operária nasceram belos escritos e poemas, como o de Shelley, “Os homens da Inglaterra”, reproduzido no livro de Leo Huberman, “A História da Riqueza do homem”. Aos poucos, entretanto, o Luddismo começou a ser superado como forma de luta da jovem classe operária. Mas experiente, ela constatou que não era a máquina a sua inimiga, mas sim o uso que o patrão fazia dela. Que era um erro se contrapor ao desenvolvimento do próprio conhecimento humano, expresso os avanços da tecnologia. O movimento dos quebradores de máquinas também caiu no isolamento diante da sociedade, reduzindo-se a pequenos grupos de trabalhadores que destruíam máquinas e espancavam os cientistas que as inventavam. A própria burguesia que num primeiro momento aprovou a pena de morte, começou a dar sinais de assimilação dessa forma de luta. É nesse período que se generalizava o seguro de patrimônio na Inglaterra e alguns patrões inclusive são flagrados destruindo suas máquinas para adquirir outras mais modernas. Outra forma de luta que será utilizada na infância da classe operária, será o boicote - palavra que deriva do nome de um oficial inglês encarregado de administrar os negócios do conde Erne, da Irlanda, Sir Boycott era conhecido por seus métodos truculentos no tratamento com os empregados. Ele se recusava a negociar e os trabalhadores passaram a fazer o mesmo, propondo que os moradores do povoado não 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 53 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG consumissem os produtos do Conde Erne. Este teve um grande prejuízo e afastou o oficial inglês do cargo. A sabotagem também será usada nesse período como mecanismo de pressão dos trabalhadores por seus direitos. O termo tem origem francesa e significa "tamanco". Os operários franceses usavam esse tipo de calçado para danificar as máquinas, emperrando a produção. O salto na ação desse jovem proletariado vai se dar com o recurso da greve uma forma de luta mais avançada para pressionar o patronato. Segundo José Cândido, “A origem do termo, liga-se à Praça da Greve (place de grève), atualmente praça do Hotel De Ville, em Paris. Quando desempregados ou para tratarem de assuntos relativos ao trabalho, os operários costumavam reunir-se ali. Faire grève (fazer greve) significava, portanto, reunir-se na praça da greve. A greve foi o recurso de luta de maior eficácia nesse período, tanto na Inglaterra, como nos demais países em que o capitalismo foi introduzido. Esse recurso se espalhou pelo mundo, sendo encarado de diversas formas. Para alguns, defensores da manutenção do sistema capitalista, como simples mecanismo regulador do mercado de trabalho. Para outros, no caso dos Anarquistas, como um fim em si mesmo. “A greve é tudo”, dirá Bakunin - um dos principais teóricos do movimento ácrata. Já para os revolucionários, a greve será vista como uma das principais armas na luta de guerrilha entre capital e trabalho e como poderoso instrumento de elevação da consciência e do nível de organização do proletariado. O dirigente da revolução russa de 1917, Vladimir Ilitch Lênin, escreveu um texto sobre as greves. Sindicato Clandestino É nesse processo da luta que a classe operária sentirá a necessidade de se organizar. É dele que surgirão os sindicatos que na Inglaterra têm o nome de trade-unions - que significa união de ofício, de profissões. Essas jovens entidades de trabalhadores não terão as mesmas características dos sindicatos atuais - que conquistaram o reconhecimento legal, têm sedes, diretores afastados e gozam do direito de negociar com o patronato. Pelo contrário. No século 17, período de surgimento das trade-unions, elas serão clandestinas, com muita dificuldade de atuação. A burguesia verá nelas um grande perigo. Seu temor é que elas unam o grande número de trabalhadores, até aqui dispersos e vivendo em concorrência entre si pelo emprego. Há registro de associações de trabalhadores com caráter sindical desde 1699. Nesse ano em Londres, uma greve dos operários têxteis assustou o governo e a jovem burguesia - que ainda se constituía enquanto classe. É só no século 18, quando a revolução industrial tomou impulso na Inglaterra, que os sindicatos vão se generalizar para evitar seu crescimento, o parlamento inglês aprova em 1799 a combination law, a lei sobre associações que proíbe o funcionamento de sindicatos. A violência da burguesia se dará em vários terrenos. No campo legal, elas serão proibidas. A primeira lei que garantirá a livre associação dos trabalhadores só será aprovada em 1812, na câmara dos Lordes, em Londres. Além de usar o aparato policial do Estado para reprimir essas entidades, a burguesia inglesa - e posteriormente de outros países - também utilizará as milícias privadas. Os jagunços, que hoje são uma marca do campo em nosso país, já foram muito usados pelo patronato nos centros urbanos. Alguns se tornaram famosos como o bando Pinkerton, dos EUA - uma poderosa agência de pistoleiros contratada para reprimir greves e assassinar lideranças operárias. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 54 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Para se proteger dessa violência, no inicio as trade-unions agem totalmente na clandestinidade. As reuniões são secretas; não há sedes sindicais, campanhas massivas de sindicalização, nem mesmo negociação direta com o patronato. Algumas trade-unions inclusive formulam “códigos de participação”, com normas para garantir a sobrevivência da entidade. Elas fixam a triagem dos trabalhadores que devem ser convidados para as reuniões clandestinas. A entidade dos têxteis, por exemplo, prevê um período de observação de dois anos para avaliar se o trabalhador não é dedo-duro, infiltrado do patrão. Só depois ele é convidado a participar das reuniões. O seu código fala também de justiçamento dos delatores, compondo um braço armado para amedrontar os traidores em potencial. Aos poucos, no entanto, as trade-unions inglesas vão se consolidando. Elas dirigem mais greves, maiores protestos. Deixam o patronato num dilema. Já que são proibidas, o empresário não tem como negociar em momentos de greve. Isso gera grandes prejuízos, principalmente quando não há estoques e surgem encomendas de produtos. Diante desse crescimento das lutas operárias, é que o parlamento da Inglaterra irá aprovar, em 1824, a primeira lei sobre o direito de organização sindical dos trabalhadores. Essa conquista permitirá um poderoso aumento da força do sindicalismo. Em todos os ramos industriais formam-se trade-unions. Também surgem as “caixas de resistências” para apoiar financeiramente os grevistas. O outro avanço nesse período será a organização de federações que unificam várias categorias. Em 1830 é fundada a primeira entidade geral dos operários ingleses - a associação nacional para a proteção do trabalho. Ela reunirá têxteis, mecânicos, ferreiros, mineiros e outras profissões. Chegará a ter cerca de 100 mil membros e editará um periódico, A Voz do Povo. Na vanguarda do movimento operário inglês dessa época estarão os têxteis, principalmente os da concentração industrial de Lancashire. Em 1866, com o avanço da industrialização em outros países, será realizado o primeiro congresso internacional das jovens organizações de trabalhadores de vários países. Ela representará um grande salto na unidade dos assalariados, que será materializado com a fundação da associação internacional dos trabalhadores (AIT), também conhecida como a primeira internacional. Apesar de possibilitar um avanço da organização sindical, a lei de 1824 é contraditória, tendo duas características distintas. Em primeiro lugar, reflete a própria pressão organizada dos trabalhadores. Em segundo, também indica uma mudança estratégica da burguesia inglesa. Tanto que a lei foi aprovada na câmara dos Lordes, que reunia apenas a aristocracia inglesa. Com ela a burguesia procura novos métodos para controlar o movimento operário. Ela não poderia abandonar o seu projeto de dificultar a luta e a união dos trabalhadores - fundamental para sua sobrevivência enquanto classe. Como não era mais possível proibir as trade-unions, ela adota novos meios de interferir. Como a história vai demonstrar, mesmo legalizados, os sindicatos podem ser reprimidos. Neste período, muitos industriais pressionarão os operários exigindo a renúncia formal à participação das trade-unions, como forma de garantir o emprego. A força policial continuará a ser acionada, deixando um rastro de sangue em toda a trajetória do movimento sindical. A legalização também permitirá identificar as lideranças, o que pode facilitar o trabalho de cooptação e corrupção - processo muito usado até hoje pelo patronato. Além disso, é possível implantar toda uma legislação de controle dos sindicatos - como a que existiu no Brasil após o governo de Getúlio Vargas. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 55 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Ainda nesse período, fruto da experiência concreta, o proletariado também desenvolverá a luta política, superando a pressão apenas por reivindicações de caráter econômico e específico. Surge o movimento cartista na Inglaterra, que representou um salto na ação operária. O nome deriva de uma “carta”, elaborada em 1837-38, em que os trabalhadores reivindicam maiores liberdades políticas: direito de voto para todos, abolição do sistema pelo qual só podiam se candidatar os que tivessem renda, voto secreto etc. Em seu conteúdo, o cartismo já expressara a luta por liberdades democráticas e socialistas. Ele será duramente reprimido - com inúmeros cartistas, sofrendo processo criminal - de “alta traição” - e muitas condenações. Em outros países, o proletariado participará de ações políticas, sendo a mais célebre participação na Comuna de Paris. Essa foi a primeira experiência em que a classe operária alcançou o poder político. Sua duração foi curta - de fim de março a fins de maio de 1871. Num primeiro momento, a sede do novo poder se instalou na Câmara Federal dos Sindicatos franceses que também era o local de reuniões da sessão parisiense da AIT. Essa experiência, que não se alastrou e serviu de base para novos estudos dos marxistas, foi violentamente reprimida. As tropas do exército francês, que pouco antes havia sido derrotadas e tornadas prisioneiras pelos alemães, foram libertadas e colocadas a disposição do governo da França, de Thiers, por ordem e Bismarck. A burguesia superava as suas divergências para esmagar o movimento operário. A luta contra a comuna durou uma semana. Mais de 14 mil combatentes foram mortos na guerra ou foram sumariamente fuzilados; 5 mil operários foram deportados e outros 5 mil encarcerados. O próprio Karl Marx, um dos idealizadores da AIT, já havia apontado essa necessidade de ação política ao proletariado. “O fim imediato dos Sindicatos concretiza-se nas exigências do dia a dia, nos meios de resistência contra os incessantes ataques do capital”. Numa palavra, na questão do salário e da jornada de trabalho. Essa atividade não só é justificada, como necessária. Não podemos privar dela enquanto perdure o modo atual de produção. Ao contrário, é preciso generalizá-la, fundando e organizando sindicatos em todos os países. Por outro lado, os Sindicatos, sem que estejam conscientes disso, chegaram a ser o eixo da organização da classe operária. “Se os sindicatos são indispensáveis para a guerra de guerrilhas cotidianas entre o capital e o trabalho, são também importantes como meio organizado para a abolição do próprio sistema de trabalho assalariado”. Papel dos Sindicatos Nessa primeira fase de existência, o sindicalismo vai demonstrar que é um instrumento indispensável para os assalariados. Com a expansão do capitalismo, que se torna o sistema predominante a partir do século passado, os sindicatos vão se espalhar pelo mundo. Deixam de ser um fenômeno na Inglaterra. Num processo dialético, em que o capital impera, suas contradições aparecem, as lutas operárias têm início e, conseqüentemente, surgem os sindicatos. Todos os avanços sociais, mesmo que pequenos ou parciais, serão fruto dessa luta e da formação dos sindicatos. Nada será dado de mão-beijada pelo capital; nada cairá do céu. Cada nova reivindicação apresentada pelos trabalhadores representa, num primeiro momento, a redução da taxa de mais-valia do patrão. Por isso, depende de luta, de pressão organizada. A história da legislação trabalhista no mundo será a história da luta de classes, em que os sindicatos jogarão um importante papel. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 56 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG HISTÓRIA DO MOVIMENTO SINDICAL14 De 1964 aos nossos dias O golpe militar de 1964 colocou às escuras os movimentos sociais e grevistas que tiveram grande atuação no período 1959/1963. As fortes repressões não permitiram que entre 1964 e 1977 houvesse praticamente nenhuma greve ou outras formas quaisquer de manifestação. Os trabalhadores e trabalhadoras enfrentaram, desde a instauração da ditadura militar no Brasil em 1964, uma forte repressão às organizações que lutavam contra as políticas salariais que arrochavam o poder de compra e as condições de vida de toda a classe. O governo ditador procurou atacar as cúpulas dos sindicatos realizando intervenções nas organizações, desmantelando as estruturas já construídas anteriormente e impedindo qualquer tipo de articulação dos operários que intuísse a formação de um grupo opositor organizado. Mas, mesmo sobre forte pressão os trabalhadores e trabalhadoras se organizam e realizam, em 1967, a II Conferência Nacional de Dirigentes Sindicais, marcando posição contrária à política de arrocho salarial e buscando construir junto aos operários as comissões sindicais de trabalhadores e trabalhadoras. No entanto, mesmo com a manifestação contrária de alguns grupos de trabalhadores e trabalhadoras que paralisavam isoladamente algumas fábricas afrontando e contestando a política econômica do governo militar ditador, a luta sindical perdurou durante um grande período do pós-64 sem atingir plenamente os seus objetivos. O movimento dos trabalhadores e trabalhadoras organizados em sindicatos ainda conseguiu causar grandes problemas para os ditadores em 1968, sobretudo, com a greve dos trabalhadores e trabalhadoras da Belgo Mineira em Contagem-MG, e com os metalúrgicos de Osasco que, com um forte sindicato, desempenharam um papel importante na organização das ações dos trabalhadores e trabalhadoras. As ações do governo também se tornavam duras em relação a qualquer manifestação ou postura de contestação, por mais “irrelevantes” que fossem. Em 1969, o Ministro Jarbas Passarinho através de um decreto intervém em vários sindicatos, afastando os seus dirigentes que, em sua opinião, não conseguiram disciplinar as entidades com a ordem social vigente15. Essa situação de perseguição de lideranças e de intervenção nas entidades por parte do governo ditatorial continuou, mas sem eliminar totalmente o “germe” da subversão que se manteria vivo e crescente até o final dos anos 70, quando as manifestações ganham as ruas e o interior das fábricas. Por outro lado, é importante registrar o papel que a União Nacional dos Estudantes (UNE) desempenhou nesse período. A UNE, fundada em 1937, tem logicamente desempenhado um papel importante na história política nacional. Em vários 14 Cartilha de Formação CNTE. Jones Dori Goettert 15 Cf. SANTANA, 2001. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 57 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG momentos dessa história, principalmente num passado recente, firmou-se como uma entidade de força política na coordenação das mobilizações e ações dos estudantes. No período pós-60, em que o país viveu um momento político e econômico conturbado, com a manifestação constante do operariado e com a insatisfação dos trabalhadores e trabalhadoras rurais exigindo reforma agrária, a UNE procurava demarcar as suas posições ideológicas considerando, é claro, a diversidade interna dos grupos que a compunham, mas comungando com os ideais de transformação social (o que pouco tempo depois colocaria a entidade na mira dos ditadores). Apesar das suas várias tendências internas, que claramente se posicionavam contrárias ao regime ditatorial militar imposto em 1964, e mesmo sendo formada em grande parte por estudantes de classe média, um pouco distantes da dura realidade vivida pelos trabalhadores e trabalhadoras, a UNE se uniu aos demais oposicionistas à ditadura (como o PCB, PSB, PTB, FPN, Confederação Geral dos trabalhadores e trabalhadoras e as Ligas Camponesas), trilhando em conjunto o caminho da luta pela redemocratização. A posição da UNE frente ao governo continuou sendo a de desaprovação, organizando manifestações e sofrendo uma violenta repressão como resposta, que procurava remodelar e enquadrar o movimento estudantil na “nova ordem social” ditada pelos militares16. A perseguição e repressão sobre os estudantes, sindicalistas, trabalhadores e trabalhadoras e intelectuais, acentuou-se drasticamente com o Ato Institucional número 5, o AI – 5, de 1968. O AI-5 anulou o Estado de Direito no Brasil firmando um governo de direita autoritário. Suas práticas, agora, estavam institucionalizadas; práticas de repressão política contra todos aqueles que pudessem ser enquadrados ou que se caracterizassem minimamente como subversivos, como inimigos da ordem estabelecida. Uma ordem que não trouxe para a maior parte da população, e claramente para a grande parte da classe trabalhadora, nenhuma melhora em suas condições de vida17. Ao fechar o Congresso e instituir um bi-partidarismo que forjava uma falsa idéia de democracia com o MDB como “oposição” consentida à ARENA, partido do governo, a ditadura militar demonstrava ainda mais sua truculência e arbitrariedade. Já para os militantes de esquerda envolvidos em ações políticas, manifestações e organizações contrárias à ditadura, o AI - 5 instaurou a prisão arbitrária, a violência sem limites, à tortura e, em diversos casos, o assassinato. Mas, mesmo durante esse período vários sindicatos tentaram, mesmo que timidamente, orientar as bases para continuar reivindicando e se contrapondo às políticas de arrocho salarial, através da organização no “chão das fabricas” fazer frente ao processo de controle sobre o aumento de salários baseado no AI-5. As greves começaram a ressurgir no ano de 1978, quando os trabalhadores e trabalhadoras, já no máximo de sua condição de exploração e percebendo o momento 16 Cf. SANFELICE, 1986. 17 Cf. SEGAL, 2001. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 58 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG político favorável, começam a se manifestar e a exigir melhorias no salário que possibilitassem a melhoria das suas condições de vida e de trabalho. Essas manifestações aconteciam e continuaram seguindo esta lógica durante algum tempo, nos momentos de negociação de salários (a data base de cada categoria), que passou a ser o momento mais propício para o enfrentamento político, que também procurava abarcar outras questões, além das salariais. As greves passaram a ter um crescimento anual considerável, envolvendo cada vez mais categorias de trabalhadores e trabalhadoras e tendo à frente os operários das fábricas produtoras de automóveis, os metalúrgicos. Nascia o “novo sindicalismo”. A partir de 1978, constitui-se um amplo movimento social de massas, de democratização interna, de inserção no processo de luta da democracia, de confronto com os limites impostos pelo autoritarismo no Brasil ao pleno exercício da cidadania dos trabalhadores e trabalhadoras. O “novo sindicalismo” extrapolava, portanto, “o terreno de suas funções sindicais, e redefiniu-se em face do conjunto de agentes que, no Brasil, lutam pela democracia: fala-se hoje, abertamente, que os trabalhadores e trabalhadoras são a espinha dorsal do movimento democrático brasileiro”, porque sem eles qualquer “abertura” ou “liberalização” apenas reconstruiria o círculo vicioso da crise do regime autoritário18. As manifestações dos trabalhadores e trabalhadoras que se avolumam no final da década de 70, e que tem o ABC paulista como palco inicial, estão ligadas não só à resistência política contra a ditadura, mas também se contrapõem às investidas políticoeconômicas do capital que arrochavam os salários e aumentavam a exploração do trabalho. O acontecimento primeiro desse período de grande movimentação foi à greve dos trabalhadores e trabalhadoras da Saab-Scania, com início em 12 de maio de 1978. Os operários enfatizavam que a empresa não havia cumprido o acordo de readmissão de trabalhadores e trabalhadoras dispensados em protestos anteriores, em 1977. O movimento alastrou-se extrapolando o ABC e chegando a outros municípios como São Paulo e Osasco, acabando por atingir outros setores da economia, mesmo com a decisão do Tribunal Regional do Trabalho de considerar a greve ilegal. Estas manifestações continuariam crescendo durante o ano de 1979, de forma a aumentar a participação e a atuação dos trabalhadores e trabalhadoras na política nacional. Com a greve iniciada em 1978 o movimento expande-se e ganha força em outros estados brasileiros, alcançando Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Contudo, é em seu “centro nervoso”, o ABC paulista, que o movimento dos trabalhadores e trabalhadoras assume outros patamares, indo além das questões trabalhistas dos primeiros movimentos e estabelecendo a bandeira da democratização política do país19. No início de março de 1979, os trabalhadores e trabalhadoras do ABC entram em greve: são por volta de cinqüenta mil trabalhadores e trabalhadoras parados. A greve estende-se para o interior e o governo a declara ilegal; mesmo assim os trabalhadores e trabalhadoras mantêm a posição e conseguem novas adesões ao 18 MOISÉS, 1982, p. 31. 19 Cf. SANTANA, 2001. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 59 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG movimento que se espalha para o interior, e em alguns dias são mais de 170 mil trabalhadores e trabalhadoras parados. Com o passar de dias de greve o Ministério do Trabalho resolve intervir na negociação, elaborando propostas que não convencem os trabalhadores e trabalhadoras. O governo, então, declara a intervenção nos sindicatos e deflagra uma série de confrontos em praça pública entre trabalhadores e trabalhadoras e policiais. O movimento continua até o dia 27 de março quando os trabalhadores e trabalhadoras resolvem aceitar a proposta feita pelo patronato, que estabelecia o prazo de 45 dias para negociação de um piso satisfatório. A insubordinação dos sindicatos e o crescimento do movimento grevista, que continua nos anos 80 do século XX, tiveram então como grande elemento aglutinador da classe trabalhadora a questão salarial. A inflação crescente combinadas ao baixo rendimento dos salários deteriorava as condições de vida dos trabalhadores e trabalhadoras, que viam o seu poder de compra diminuído a cada mês. É nesse momento de agitação e de organização dos trabalhadores e trabalhadoras que surgem a Central Única dos trabalhadores e trabalhadoras - CUT e o Partido dos Trabalhadores e trabalhadoras - PT, sinalizando para uma nova forma de sindicalismo. O PT surge como instrumento necessário de organização e de luta dos trabalhadores e trabalhadoras na política nacional; contudo, sempre articulado a outras formas de luta organizada como os sindicatos e demais associações populares, sendo a participação dos sindicalistas o elemento fundamental para a formação e a caracterização do partido. Segundo Ozai da Silva (2000), essa afirmação pode ser feita com base na análise da formação da primeira Comissão Nacional Provisória, de 1979, que era composta por 12 dirigentes sindicais, dos 16 membros que a compunham. O contexto de formação do Partido dos Trabalhadores, no começo dos anos 80, tem como pano de fundo o crescimento dos movimentos sociais organizados no Brasil e as intensas lutas dos operários do ABC paulista, que colocavam em questão o regime de governo autoritário dos militares. O PT levanta bandeiras que extrapolavam as questões salariais e que visavam transformações políticas e sociais bastante profundas, demarcando fortemente nesse período uma tendência ideológica socialista, que se baseava de forma clara em um projeto político anticapitalista. Será, em especial, esta a tendência do PT: a busca da democracia plena exercida pela massa organizada e participativa, que tem gravado em seu manifesto de fundação as idéias básicas de um projeto que visa à construção de uma sociedade igualitária, sem explorados nem exploradores20. Já a CUT - Central Única dos Trabalhadores, criada em 1983, ainda no regime militar, aglutinava as correntes sindicais mais ativas, fazendo frente às políticas de degradação das condições de vida da classe trabalhadora, estabelecendo-se nesse período como uma importante organização política e social e fazendo frente de forte oposição ao governo Figueiredo e depois ao governo Sarney. A CUT tornou-se o inimigo número um das políticas governistas e se firmava como a Central que aglutina o maior número de entidades filiadas. A ascensão da CUT, nos anos 80, assim como o crescimento do PT, na esfera da política institucional, é impulsionada pelo momento histórico-político de grandes 20 Cf. SILVA, 2000. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 60 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG transformações, com o fim da ditadura e com a crise do Estado e da economia hiperinflacionada. Nesse período, de acordo com Alves (2000), o sindicalismo brasileiro caminha na contramão dos sindicatos no resto do mundo, inclusive em relação a alguns países na América Latina como a Argentina. Enquanto nesses países os sindicatos entravam em depressão por falta de participação e por perder poder político, no Brasil vivia-se o que se denominou a década de explosão do sindicalismo. Com uma atuação política constante, a CUT procurou na década de 1980, firmar um projeto de organização e ação dos trabalhadores e trabalhadoras, classificado como “sindicalismo defensivo”, mantendo uma postura reivindicatória e que tinha como principal instrumento de ação e pressão e a greve. Com as mudanças políticas e econômicas ocorridas até o começo dos anos 90, com a implantação do modelo econômico neoliberal, a CUT procurou estabelecer, após o seu IV Congresso realizado em São Paulo, em 1991, uma ação estratégica mais propositiva, elaborando propostas de políticas que poderiam ser discutidas em fóruns que contassem com a presença de representantes não só dos sindicalistas, mas também do governo e do empresariado. Antes de prosseguirmos, é importante destacar a criação das duas outras maiores Centrais Sindicais brasileiras: a CGT – Confederação Geral dos Trabalhadores e trabalhadoras e a FS – Força Sindical. A Confederação Geral dos Trabalhadores - CGT21, segundo informações em seu site, é uma sigla histórica, datando de 1929, quando foi criada a Confederação Geral dos Trabalhadores e trabalhadoras Brasileiros passando por mudanças, em 1945, passou a Confederação Geral dos Trabalhadores e trabalhadoras; em 1962, para Comando Geral dos Trabalhadores e trabalhadoras (esmagado pelo golpe de 1964); em 1986, para Central Geral dos Trabalhadores e trabalhadoras (início da reestruturação) e 1988, para Confederação Geral dos Trabalhadores e trabalhadoras. A CGT, hoje abrange todo território brasileiro, com filiais em 21 Estados e conta com 1.056 entidades sindicais, filiadas que representam 8.669.000 trabalhadores e trabalhadoras (dos quais 30% são sindicalizados, o que corresponde a 2.600.000 filiados), representados por: 1.017 sindicatos de base; 04 confederações nacionais e 35 federações nacionais /regionais e estaduais A Força Sindical22, segundo informações em seu site, foi criada em 1991 a partir de Congresso em São Paulo, surge a partir de críticas ao sindicalismo em curso no Brasil. De um lado, a crítica recaia sobre um sindicalismo de “radicalismo estéril”23 (crítica, em especial, à CUT) e, por outro, sobre um sindicalismo de “conformismo paralisante”. A superação dessas formas de sindicalismo seria possível na medida em que se lançasse “o movimento dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros à modernidade, para construir uma central forte, capaz de endurecer quando preciso, mas também de saber negociar, autônoma, livre, pluralista, aberta ao debate interno e com a sociedade”. A Força Sindical passou, então, a empreender esforços no sentido de pragmatizar as lutas com “conquistas reais para os trabalhadores e trabalhadoras”. O 21 Site: www.cgt.org.br 22 Site: www.forçasindical.org.br 23 A referência base das informações sobre a Força Sindical foi o site da Central. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 61 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Centro de Solidariedade ao (a) trabalhador (a), a Qualificação Profissional, o “1º de Maio pelo Emprego” em 1998, e o “1o de Maio pelo Brasil – por Emprego, Educação e Qualificação Profissional”, em 1999, assim como “a luta pela aposentadoria, pelas grandes reformas – previdenciária, agrária, do judiciário, política, fiscal e sindical e pela flexibilização das leis trabalhistas – dando-se status à negociação livre entre empregadores e empregados com o apoio dos sindicatos e das centrais”, foram resultados dessa forma de se construir e de se fazer sindicalismo. A Força Sindical se assenta sobre um discurso que acentua o moderno, a pluralidade e a democracia. Mesmo que o processo de surgimento e desenvolvimento do “novo sindicalismo” “não tenha sido suficiente para desmontar totalmente a estrutura sindical corporativa erigida desde os anos 30, tendo em vista que suas bases fundamentais – como o imposto sindical, o monopólio da representação pelo sindicato, o princípio da unicidade sindical e a estrutura confederativa – foram mantidas, ele permitiu um significativo aumento da liberdade de organização e ação sindical. Na verdade, embora a proposta pela qual os setores de ponta do sindicalismo vinham lutando ao longo de todos esses anos – de superação da estrutura sindical corporativa e de sua substituição por uma institucionalidade sindical democrática, baseada no contrato coletivo de trabalho – tivesse sido derrotada pelo empresariado e pelos setores mais conservadores do próprio movimento sindical, suas lutas deixaram marcas”24 profundas. Pode-se afirmar, nesse sentido, “que o movimento sindical brasileiro esteve na contramão da tendência histórica predominante durante a década de 1980, ao conquistar uma capacidade de intervenção política inédita na história do país, quando, em nível internacional, os sindicatos viviam um processo generalizado de enfraquecimento”25. Essa resistência dos trabalhadores e trabalhadoras ia de encontro às políticas de exploração do trabalho estabelecidas pelo capital industrial brasileiro da época, que se utilizava dos baixos salários pagos ao operariado como principal elemento da competitividade da indústria nacional. Com isso, conseguia colocar seus produtos no mercado a um preço menor que os internacionais. O aumento de salário requerido pelos trabalhadores e trabalhadoras, portanto, não era visto como um bom negócio para o capital. Apesar do crescimento e da força do movimento operário dessa época, a classe trabalhadora, sobretudo o operariado fabril dos anos 80, começava a sofrer as transformações nas relações de trabalho e de produção que sinalizavam para transformações que iriam reestruturar o processo produtivo fabril. Essa reestruturação tinha como um de seus principais aspectos a inserção de novas tecnologias que visavam à diminuição quantitativa da exploração da força de trabalho e a verticalização da exploração qualitativa, tornando-se um dos elementos mais importantes da constituição da hegemonia do capital sobre o trabalho nos anos 80 e 90 do século XX. Essa reestruturação produtiva do capital que começava a se desenhar no Brasil nos anos 80 e que já estava a pleno vapor nos países de centro da economia capitalista, vinha a reordenar a organização e a gestão da produção fabril que até então 24 LEITE, 1997, p. 17. 25 LEITE, 1997, p. 17. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 62 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG estava montada totalmente nos moldes do esquema de produção taylorista/fordista. Nesse modelo o descontentamento e a organização dos operários era crescente, colocando em risco o processo de acumulação e reprodução do capital. Para os capitalistas, esse era o começo da implantação da acumulação flexível baseada no toyotismo, organização do processo produtivo criada no Japão e exportada como modelo para os demais países capitalistas, e que ganharia força no Brasil a partir dos anos 90, com a abertura e a liberalização da economia realizada por Fernando Collor de Mello. Esse novo arranjo do capital encontra ainda uma força de trabalho organizada, que procurava fazer resistência à ação avassaladora do capital. Uma das formas de resistência foi à proposição da instalação das Comissões de Fábrica e a intervenção sindical no processo de decisão da inserção de novas tecnologias no processo produtivo, procurando minimizar os danos e os prejuízos que o operariado sofreria com esse novo modelo de produção. Mas, o ritmo de instalação das novas tecnologias foi bastante forte e agravado pela falta de condição e de tempo que os trabalhadores e trabalhadoras tinham para se contrapor a esse movimento. É que, se esse movimento seguiu um processo temporalmente mais lento nos países de primeiro mundo, possibilitando a luta dos trabalhadores e trabalhadoras concomitantemente às transformações, no Brasil as transformações aconteceram rapidamente, com a reformulação tecnológica de parques industriais em pouquíssimo tempo. Devemos lembrar que, o período de 1980 a 1990, é marcado pelo fim da ditadura militar (1985), e pela instalação de um governo civil proclamada como a retomada da democracia no Brasil. Por outro lado, a década foi também um período de inflação muito alta e de recessão econômica com aumento do desemprego, fatores que colaboraram para uma diminuição das ações reivindicatórias dos trabalhadores e trabalhadoras que se viam pressionados pelo crescente desemprego estrutural. Um dos mais importantes fatos desse momento foi, sem dúvida, o processo eleitoral que elegeria, pelo voto direto, o novo presidente do Brasil. Em 1989 tivemos o enfrentamento, no segundo turno, de duas frentes bastante diferentes. Uma que tinha como candidato Luís Inácio “Lula” da Silva, ex-líder operário e um dos fundadores do PT, que contava com o apoio de uma ampla gama de organização dos trabalhadores e trabalhadoras, sindicatos e demais organizações; do outro lado, era candidato Fernando Collor de Melo, fantoche criado pela burguesia e pelo poder político conservador e demais larápios nacionais, com amplo e irrestrito apoio da imprensa nacional (leia-se Rede Globo). O desfecho não poderia ser pior: Fernando Collor de Melo é eleito presidente com o discurso da necessidade da abertura econômica. Implanta uma política de importação de bens de consumo e de produção, dando os primeiros retoques para liberalização da economia ao iniciar o processo de privatização das empresas estatais brasileiras. Dois anos depois tem o mandato cassado por corrupção. Mas o estrago já estava feito. O processo de abertura da economia brasileira seguiu tornando-se mais agudo com os governos posteriores. É claro que os prejuízos desse processo foram transferidos para a classe trabalhadora, que mais uma vez se viu arcando com o ônus 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 63 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG necessário a ser pago para o “bom desempenho” dos indicadores da economia nacional, agora na era da mundialização dos capitais. Nesse sentido, a situação do movimento operário muda significativamente com a chegada dos anos 90. “A política econômica neoliberal inaugurada pelo governo Collor em 1990 jogou o país numa profunda crise recessiva, aumentando de maneira extremamente rápida os níveis de desemprego no país, ao mesmo tempo em que, ao abrir abruptamente a economia brasileira, forçou as empresas a acelerar seus processos de reestruturação produtiva, gerando novos desafios para os quais o movimento sindical, de maneira geral, não se encontrava preparado”26. A partir de 1994, com a eleição do Presidente, Fernando Henrique Cardoso, a política adotada foi a de continuidade da implementação das políticas neoliberais iniciadas por Fernando Collor de Melo, com o governo se empenhado em seguir amplamente a “cartilha” do Fundo Monetário Internacional, privatizando as empresas estatais, diminuindo gastos na esfera social e contribuindo na soma das transformações estruturais do processo de produção capitalista em nível mundial. Com as dificuldades políticas e econômicas conjunturais locais, tem-se um aumento da miserabilidade de grande parcela da população brasileira. Neste novo contexto de reestruturação do capital mundial, houve um número crescente de trabalhadores e trabalhadoras brasileiros vivendo o drama do desemprego, um fenômeno que afetou e afeta, sobretudo as regiões de grandes indústrias, como a automobilística. Mas, que tem reflexos, também, noutras regiões e setores do país devido à implantação de políticas econômicas que abrem o mercado brasileiro para produtos externos, diminuindo o consumo de produtos internos e desencadeando um processo gerador de mais desemprego. Conseqüentemente, mais trabalhadores e trabalhadoras buscam na informalidade formas de ocupação. A implementação pelo governo federal de um modelo político econômico centrado no neoliberalismo, tornou a relação entre capital e trabalho mais injusta no Brasil, favorecendo sobremaneira o primeiro. Montado no discurso de geração de postos de trabalho, as ações do governo FHC procurou estimular o surgimento de relações de produção, que se contrapunham às Leis Trabalhistas vigentes. Com a criação de contratos temporários que deixaram o trabalhador e a trabalhadora desprovidos de qualquer direito, impedindo que este tivesse qualquer benefício estipulado por Lei. Isso acabou barateando o custo do Trabalho para o Capital. As transformações do modo capitalista de produção têm se realizado no Brasil com mais força no âmbito da implantação de políticas de cunho neoliberal e procuraram, dentre outras ações, acabar com os “entraves” gerados pelas leis trabalhistas na relação Capital/Trabalho, garantindo às empresas maior flexibilidade no uso e desuso da força de trabalho, sem impedimento legal e reduzindo a contestação no campo institucional formal por parte dos sindicatos. As ações das instituições governamentais revelaram a face intervencionista das instâncias burocráticas do Estado, que de acordo com os princípios liberais não deveria intervir no movimento do mercado, mas o faz, desde que seja para utilizar o poder político institucional para a otimização das condições de reprodução do Capital. 26 LEITE, 1997, pp. 17-18. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 64 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Nesse período, ficou evidente uma outra contradição na forma de atuação do Estado, no trato das questões relativas ao Trabalho e à economia informal. Enquanto o discurso oficial pregava a regularização e a regulamentação dos trabalhadores e trabalhadoras e das transações econômicas informais, o discurso ideológico que sustentava as ações governamentais estava fundado no liberalismo econômico, que tem como diretriz a desregulamentação, que precariza o emprego e, conseqüentemente, reduz o poder de luta organizada da classe trabalhadora, se refletindo no esvaziamento dos sindicatos. Desta forma, tornou-se crescente o desemprego, o que colabora para a degradação das condições de trabalho daqueles que continuam formalmente empregados. Os que continuam formalmente empregados passam, neste contexto de precarização das relações de trabalho, a sofrer pressões sobre os seus salários e seus direitos trabalhistas, cuja existência passa a ser denunciada como obstáculo à expansão do emprego formal27. O fenômeno crescente do desemprego e da precarização do trabalho, longe de serem uma anormalidade pelas forças econômicas e políticas dominantes, são vistos, até pelos discursos oficiais, como conseqüências naturais da nova ordem política e econômica estabelecida para a organização e participação dos atores econômicos no mercado capitalista. Pautado em pressupostos liberais, o governo FHC sempre procurou justificar a aceitação do crescimento contínuo da precarização das relações de trabalho alimentando uma política de desregulamentação do mercado, como forma de evitar o aumento do desemprego, que de outra maneira só poderia ser conseguido com o crescimento econômico. Neste sentido, os pronunciamentos e as atitudes tomadas pelo governo, foram de estimular a informalidade e a precarização do trabalho. Esse fato pode ser constatado se analisarmos os projetos que visavam modificações nas leis que regiam os contratos de trabalho, ou que permitiam que houvesse contratos de trabalho que não atendessem aos princípios da legislação, estimulando a ampliação das condições para o aproveitamento e exploração da força de trabalho, contando muitas vezes com a participação de algumas organizações sindicais. Desta forma, fica evidente o desmonte do já insuficiente aparato institucional de proteção ao trabalhador e a trabalhadora, frente à “intempéries” do mercado e das investidas extremas de espoliação dos empregadores. Esta situação demonstra o poder de influência da classe dominante sobre os aparelhos do Estado, que se reconfiguram modificando a legislação ou mesmo desobedecendo-a, para melhor colaborar com o atual contexto organizativo do Capital. O mesmo Estado que em outros momentos procurou mostrar-se como mediador ou imparcial frente ao confronto Capital X Trabalho, corrobora sem disfarce à sua vinculação com o Capital. Assim, é no crescimento do desemprego, do trabalho informal, da desregulamentação e do desmantelamento do aparato institucional que garantia alguns direitos básicos à classe trabalhadora, que se mostra o desgaste e a fragilidade das atuais formas de organização dos trabalhadores e trabalhadoras, que são em sua maior 27 Cf. SINGER, 1998. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 65 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG parte sindicatos que organizam, representam e defendem os direitos de determinada categoria28. Combinada a terceirização ao desemprego, a precarização torna-se um elemento corrosivo da base sob a qual se assenta a legitimidade e representação dos sindicatos, que por serem reconhecidamente institucionais trabalham dentro de normas que não permitem, ou não tornam interessante, organizar os trabalhadores e trabalhadoras que estão fora do mercado de trabalho formal, seja pelo desemprego ou pela informalidade. Como instituição, os sindicatos, estão fracionados para representar as diferentes categorias, organizando, em tese, estes trabalhadores e trabalhadoras, também legalmente contratados como uma força conjunta frente ao capital. Logicamente, temos que considerar a fragmentação existente entre os sindicatos instituídos de acordo com a categoria de trabalho, pois como sabemos os sindicatos acabam por representar um fragmento da classe trabalhadora, uma categoria específica e não a todos os trabalhadores e trabalhadoras. Esta fragmentação colabora para que os problemas enfrentados por determinada categoria que cumpre sua função na divisão social do trabalho, pareça não dizer respeito a outras categorias de trabalhadores e trabalhadoras, o que tem impedido por vezes a participação conjunta de toda a classe trabalhadora em suas reivindicações. E por estar organizado política e estruturalmente desta forma fragmentada e institucionalizada, que privilegia a dimensão de categoria e profissional, é que os sindicatos perdem atualmente o seu poder de representação. Com o aumento do desemprego e da informalidade do trabalho tem uma diminuição considerável de sua base de representação, já que os desempregados e os trabalhadores e trabalhadoras precarizados, informais, estão fora da sua área de atuação legal. No aumento da informalidade e de seus efeitos sobre os sindicatos, a representatividade sindical é corroída à medida que sua pretensão de falar pelo mundo do trabalho ou ao menos de sua parcela majoritária torna-se crescentemente insustentável. A diminuição da participação dos trabalhadores e trabalhadoras nos sindicatos, pelos motivos aqui apontados, somada à insegurança no emprego gerada pela reestruturação produtiva, que tem no avanço tecnológico uma maneira de poupar quantitativamente a força de trabalho, leva, com o enfraquecimento da entidade representativa, a maior exposição de algumas categorias de trabalhadores e trabalhadoras às investidas dos capitalistas no sentido de diminuir o custo do trabalho, sobretudo no que diz respeito aos direitos trabalhistas conquistados através da luta organizada. Todo esse novo contexto, como não poderia deixar de ser, tem se refletido nas atuações dos sindicatos, ou no não-enfrentamento por parte destes das atuais condições de exploração do trabalho. As greves, em grande medida, têm deixado de ser um instrumento de luta dos trabalhadores e trabalhadoras frente ao Capital para passar a 28 Atualmente os sindicatos têm lutado muito mais para a manutenção do emprego do que por melhorias nas condições de trabalho e de salário, como acontece atualmente com os metalúrgicos do ABC. Há uma preocupação maior em reintegrar o desempregado ao mercado de trabalho, e não um projeto de organização dos trabalhadores e trabalhadoras para o enfrentamento da atual política econômica. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 66 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG realizar ações, como temos visto nos últimos anos, de manutenção de empregos e de alguns dos direitos conquistados historicamente. Necessário se faz, ainda, apresentar com maior profundidade a atuação da CUT nas décadas de 1980 e 1990, principalmente em relação às greves. O sindicalismo do Brasil nos anos 80 inovava nas suas reivindicações pela criação das comissões de fábrica e desafiava o capital, que procurava a manutenção do controle sobre o trabalho no lugar da produção, colocando em questão o controle exercido durante todo período de implantação do capitalismo industrial no Brasil. A CUT, composta nesse período pelas correntes sindicais mais ativas, teve grande expressividade no movimento operário dos anos 80, organizando as greves gerais em oposição às políticas adotadas pelo governo brasileiro. Adotava uma postura oposicionista franca e direta de maneira a construir uma estratégia sindical combativa em relação à política pró-monopolistas, pró-imperialistas e pró-latifundiária do governo. As greves gerais arquitetadas pela CUT resultaram em fortes movimentos de contestação e foram de grande importância política, enquanto forma de organização unificada dos trabalhadores e trabalhadoras. Ao todo foram quatro greves gerais nesse período. A primeira acontece em 1983, em pleno regime militar e protestava contra um decreto que modificava a política salarial, tendo a participação de dois a três milhões de trabalhadores e trabalhadoras. A segunda aconteceu em 1986, em protesto contra o Plano Cruzado II, particularmente contra o fim do congelamento de preços. A terceira greve geral comandada pela CUT realizou-se em 1987, contrapondo-se ao Plano Bresser e que tinha como motivação as modificações nas políticas salariais, mas o movimento dava também ênfase a palavras de ordem como: não ao pagamento da dívida externa, reforma agrária, semana de quarenta horas e estabilidade de emprego. A quarta greve aconteceu em 1989, protestando contra mais um plano de estabilização do governo, o Plano Verão, que modificava a política de indexação dos salários; o número de grevistas nesta greve dobrou em relação à de 1987, chegando a vinte milhões de trabalhadores e trabalhadoras29. Essa última greve também contou com a participação ativa de vários setores: os metalúrgicos e trabalhadores e trabalhadoras da indústria automobilística e química, os petroleiros, os professores da rede pública de ensino federal e estadual, entre outros. A principal característica da greve foi a de ser uma reação ofensiva da classe trabalhadora brasileira no sentido de se contrapor às investidas do capital e conquistar direitos para a classe trabalhadora, que nesse período também sofria as conseqüências das ações políticas e econômicas comandadas pelo governo, que visavam dar maior espaço e criar melhores condições para o desenvolvimento capitalista no Brasil30. É justamente no período dos anos 80, que o surto de reestruturação produtiva no Brasil sofre um novo avanço, de maneira a incorporar as novas tecnologias nos processos produtivos e implementar novas formas de gestão e controle da produção baseadas, sobretudo, nas técnicas utilizadas nas fábricas japonesas e que correspondiam melhor as vontades do capital internacional. 29 Cf. BOITO, 1999. 30 Cf. ALVES, 2000. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 67 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG A partir dos anos 90, a luta sindical, e logicamente a CUT, participam de um novo contexto histórico e social no Brasil. Com a vitória de Fernando Collor de Mello nas urnas e pelo voto popular, é eleito também um projeto neoliberal para a política econômica brasileira. Um projeto que visava criar as condições para instauração do neoliberalismo e que, mesmo com a saída vergonhosa de Collor via Impeachment, continuou a ser orquestrada pelos seus sucessores Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. A abertura da economia para o capital estrangeiro, o aumento das importações, o desmantelamento do parque industrial nacional e o crescimento da miséria e do desemprego, são produtos conhecidos e visíveis desse processo de liberalização da economia. Tais fatores, somados à reestruturação do processo produtivo com base na aplicação de novas tecnologias, tem colaborado para a precarização das relações de trabalho no Brasil e, conseqüentemente, para o enfraquecimento das formas organizativas e de luta da classe trabalhadora. As greves deste período foram muito mais na busca de manter os direitos sociais conquistados historicamente, ou na intenção de manter os empregos existentes, do que movimentos de reivindicação e de tomada de controle do processo produtivo ou de contestação ideológica. Essa crise da organização sindical brasileira acabou por colaborar para a instauração do novo modelo político e de acumulação, pois, o sindicalismo classista e unificado que havia sido obstáculo durante os anos 80, nos anos 90 desarticula-se e se torna debilitado em sua capacidade de movimentação e organização da classe trabalhadora, o que permitiu uma investida mais dura do capital sobre os trabalhadores e trabalhadoras, apoiado pelas políticas do governo nacional que estimulou e legalizou a precarização das relações de trabalho. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 68 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG CONCEPÇÕES E CORRENTES SINDICAIS NO BRASIL Amarildo Carvalho de Souza e Domingos Corcione A trajetória das concepções e correntes políticas que constituíram e constituem o movimento sindical brasileiro, no campo e na cidade, é reveladora do grau de desenvolvimento da luta de classes, aliás, mais que isso, revela o grau de independência e maturidade política da classe trabalhadora brasileira. A classe trabalhadora, no campo e na cidade, luta não apenas por melhores salários, mais também, pela superação das desigualdades sociais, econômicas, politicas, raciais, étnicas, de gênero, e de geração. Nesse sentido, as organizações sindicais e os movimentos populares, constituem-se em espaços privilegiados de enfrentamento de interesses, muitas vezes distintos. Os trabalhadores e trabalhadoras não são um todo homogêneo e monolítico, disposto a lutar de forma unânime pelas mesmas bandeiras. Existem diferentes níveis de consciência de classe, de visões de mundo e de projeto de sociedade. Inclusive, existem segmentos que muitas vezes expressam programas de “conservação, melhoria e desenvolvimento do capitalismo”. A ENFOC não se propõe a aprofundar todas as concepções e correntes politicas. Foi feita a opção de nos debruçar sobre 04 concepções e correntes, na perspectiva de uma maior compreensão da trajetória e contemporaneidade do sindicalismo no Brasil. A reflexão e aprofundamento dessas concepções e correntes, parte da identidade política do Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, construída ao longo dos seus 43 anos de existência. Esperamos que estes textos estimulem aos participantes do 1º Curso da ENFOC, a pesquisar, refletir e compreender as ‘idéias’ que promoveu a constituição e consolidação do movimento sindical brasileiro, no campo e na cidade. AS PRINCIPAIS IDÉIAS DO ANARQUISMO Anarquismo vem da palavra grega ANARQUIA, que significa “contra o governo, a autoridade e a dominação”. Quanto à Sociedade e ao Estado, os Anarquistas defendiam as seguintes idéias: O capitalismo deve ser derrubado e, como alternativa, deve ser implantado o socialismo. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 69 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG O socialismo deve ser democrático, descentralizado, formado por comunidades independentes, coordenadas a partir de centros de produção dos trabalhadores e trabalhadoras organizados em sindicatos. É preciso lutar contra o Estado (governo, parlamento, forças armadas, poder judiciário, polícia...), as eleições e a Igreja, pois são um mal e uma fonte de opressão. Os anarquistas assumiam uma posição antiparlamentarista e antipartidária. Pregavam a revolução proletária, o socialismo sem classes e sem Estado, a auto-gestão e o internacionalismo proletário. Quanto à concepção e à prática sindical, os anarquistas tinham posições bem definidas. Para eles os sindicatos: Devem ser a arma principal de luta para derrubar o capitalismo e implantar o socialismo. Deve organizar os trabalhadores e as trabalhadoras, formar sua consciência política. Devem ser organizados a partir do local de trabalho e implementar as lutas reivindicatórias, levando-as sempre mais adiante. Deve organizar somente os trabalhadores e as trabalhadoras, como classe que se opõe à classe dos patrões. Devem ser autônomos e livres, sem nenhuma interferência do Estado, sustentados exclusivamente pelos trabalhadores e trabalhadoras. Devem ser formados somente por trabalhadores e trabalhadoras conscientes, dispostos a assumir a liderança na luta pelo socialismo. Devem ser organizados em pequenos grupos de fábrica ou por ofício, possibilitando a mais completa democracia, onde todos tenham condições de participar. Devem se unir segundo os ramos de produção, em formas federativas ou em confederações: em nível local, estadual e nacional, sempre preservando a autonomia de cada organização e evitando qualquer tipo de centralização que venham a prejudicar a participação direta dos trabalhadores e trabalhadoras em todas as decisões. Devem priorizar a ação direta (mobilizações, boicotes, greves), visando organizar a greve geral, que derrubará o sistema capitalista. Promover atividades culturais, que possam favorecer a conscientização dos trabalhadores e trabalhadoras. Os anarquistas eram contrários à liberação de dirigentes sindicais. Não consideravam a aliança com a classe média. O ANARQUISMO NO MUNDO O anarquismo se iniciou na metade do século XIX, na França. Por meio de Proudhon31, Bakunin32 - que foram seus primeiros idealizadores - e de outros seguidores, 31 Precursor do anarquismo enfatizava o respeito à pequena propriedade, propondo a criação de cooperativas sem fins lucrativos voltadas para o auto-abastecimento e de bancos que concedessem empréstimos sem juros aos 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 70 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG se expandiu para a Rússia e para toda a Europa, particularmente na Itália e na Espanha, até chegar aqui no Brasil no final do século XIX, por meio de imigrantes espanhóis, italianos, portugueses, franceses e belgas. A DIFUSÃO DO ANARQUISMO NO BRASIL As idéias anarquistas, apesar de já estarem presentes em alguns segmentos da sociedade brasileira, começaram a ganharam força no Brasil nas últimas décadas do século XIX, quando varias famílias de imigrantes italianos chegaram ao sul do país, mais precisamente no Paraná e posteriormente em Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Essas famílias formaram comunidades com ideais libertários e constituíram as primeiras cooperativas, mesmo enfrentando problemas econômicos e repressão. As teorias e táticas do anarco-sindicalismo foram difundidas por meio de livros, da imprensa, dos panfletos, e das decisões dos congressos operários, seus principais veículos. O anarco-sindicalismo influenciou também o campo, atribuindo um papel político e revolucionário ao cooperativismo rural. Foram muitas as cooperativas e outras organizações de caráter cooperativo criadas pelos anarquistas, tendo como objetivo a ajuda mútua, em estreita relação com a luta e o projeto político revolucionário. A expansão do anarquismo foi rápida nas grandes cidades brasileiras, nas primeiras décadas do século XX. Suas propostas de supressão do Estado e de todas as formas de repressão encontraram receptividade entre os trabalhadores e trabalhadoras, num contexto em que o jogo político era exclusividade das oligarquias e inexistia qualquer proteção ao trabalho. AÇÃO DOS ANARQUISTAS NOS SINDICATO Em 1906 houve o 1º Congresso Operário Brasileiro, com 43 delegados, eleitos por 28 organizações operárias de todo o País. O Congresso fundou a Confederação Operária Brasileira (COB). As propostas vencedoras do Congresso e a linha predominante da COB eram da corrente dos anarquistas: A organização dos operários deve ser federativa e não centralizada. O sindicalismo deve ser de resistência e não assistencialista. O importante é a ação direta da classe operária, sem passar pela intermediação parlamentar: priorizar boicotes, greves e outras formas diretas de luta. É preciso combater as visões reformistas dos agentes do Governo e da Igreja Católica. empreendimentos produtivos e crédito gratuito aos trabalhadores. Dizia que o Estado deveria ser destruído, sendo substituído por uma "república de pequenos proprietários" organizada num sistema federativo. 32 Outro precursor do anarquismo, afirma que "A liberdade é o direito absoluto de todo homem ou mulher maiores de só procurar na própria consciência e na própria razão as sanções para seus atos, de determiná-los apenas por sua própria vontade e de, em conseqüência, serem responsáveis primeiramente perante si mesmos, depois, perante a sociedade da qual fazem parte, com a condição de que consintam livremente dela fazerem parte". 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 71 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Como se viu acima, os anarco-sindicalistas entendiam que “a ação direta deveria ser a grande bandeira do sindicalismo revolucionário". Por isso, cada ação direta - greve, boicote, sabotagem, etc. - era considerada um meio dos trabalhadores e trabalhadoras aprenderem a agir de uma maneira solidária em sua luta por melhores condições de trabalho, contra seu inimigo comum, os capitalistas. Essa conclusão partia da seguinte convicção: cada ação direta é uma batalha na qual o proletário conhece as necessidades da revolução, por meio de sua própria experiência, e se prepara para a ação final, isto é, a greve geral que “destruirá o sistema capitalista”. O anarco-sindicalismo – assim como o anarquismo em geral – considerava que nas ações diretas seria legítimo o uso de um certo tipo e grau de violência. Essa concepção e as práticas dela decorrentes se constituíam numa das características diferenciais do anarco-sindicalismo em relação a outras correntes e formas de ação do sindicalismo brasileiro. A sabotagem – por exemplo - era vista como especialmente eficaz para o proletariado, no caso em que ele não pudesse entrar em greve. A destruição de equipamentos tocaria no ponto fraco do sistema, pois as máquinas são de mais difícil substituição do que os trabalhadores e as trabalhadoras. Como principais divulgadores do ideário anarquista destacaram-se José Oiticica, Everardo Dias e Edgard Leuenroth. Os primeiros jornais anarquistas e anarco-sindicalistas tentaram se sustentar apenas com as contribuições dos militantes. Como era ainda um número reduzido e não possuíam muitos recursos econômicos, acabaram sendo poucos os jornais anarquistas que chegaram a publicar mais de cinco números. A partir de 1908 a COB publicou seu jornal nacional “A VOZ DO TRABALHADOR”. Esse jornal continuou irregularmente até 1920, com o desmantelamento da própria COB. A greve de 1917 foi comandada pelos anarquistas. A maioria de jornais da época atestou a força e organização dos anarquistas do Brasil. Isso não quer dizer que não havia outros grupos políticos que dividiam com eles a liderança do movimento operário. Depois da greve, apesar de alguns avanços em termos de legislação social, houve anos difíceis para o movimento operário, que foi obrigado a enfrentar grandes desafios. O principal foi o recrudescimento da repressão por parte do governo. Em 1921 foi aprovada a Lei de Expulsão dos Estrangeiros, que legitimava a deportação sumária de lideranças envolvidas em “distúrbios da ordem” e o fechamento de organizações operárias. Os principais alvos passaram a ser os anarquistas. A justificativa utilizada para a aprovação dessa lei repressiva era evidente: o movimento operário estava sendo controlado por lideranças estrangeiras radicais, que iludiam trabalhadores e trabalhadoras nacionais! Desde o início dos anos ’30 as principais categorias de trabalhadores e trabalhadoras do Estado de São Paulo estavam organizadas em sindicatos. Havia duas federações estaduais: A Federação Operária de São Paulo (FOSP), com o maior número de sindicatos e algumas categorias mais importantes da capital paulista, sob a influência anarco-sindicalista. A Federação Sindical Regional de São Paulo (FSRSP), dirigida pelos comunistas, (sindicatos de cidades do interior, que não contavam com bases expressivas na capital). 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 72 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Durante toda a década de 1930 os anarco-sindicalistas foram à única corrente sindical que se manteve irredutível na defesa da organização autônoma dos trabalhadores e trabalhadoras, assim como na oposição ao sindicalismo corporativista. Contudo, essa posição os levou ao isolamento político e contribuiu – no contexto das crescentes dificuldades relativas à sobrevivência dos sindicatos livres – para sua perda de influência no movimento sindical. Enquanto a força dos anarquistas foi diminuindo, foi crescendo a influência dos comunistas no movimento sindical. Mais tarde, com a implantação da Estrutura Sindical – que tinha o Estado como seu principal regulador - a corrente anarquista foi perdendo cada vez mais expressão e presença no movimento sindical, que se expandia e se consolidava no Brasil. ONDE ATUAM HOJE OS ANARQUISTAS? Apesar da reduzida presença de anarquistas no sindicalismo, suas idéias continuam vivas em vários segmentos da sociedade, inclusive entre trabalhadores e trabalhadoras, organizações sociais e sindicais, no Brasil e no mundo. Existe uma carência de informações relacionadas com o anarquismo e sua atuação na atualidade, devido à ausência de registros mais precisos. Desde os anos ‘80 foi identificado em muitas atividades de massa o movimento anarco-punk, que continua sendo ativo até hoje. Os anarquistas podem ser vistos também: Em manifestações realizadas para expressar insatisfações e protestos contra reuniões e encaminhamentos promovidos pelo grupo de países mais ricos (G 08), pela OMC e pelo BID. Em organizações sociais – de ambientalistas, de mulheres, jovens... Nesses grupos ou reuniões podem até aparecer divergências - entre os próprios anarquistas ou entre eles e as demais correntes, quanto às estratégias de luta e à maneira de atuar - mas eles têm um ponto em comum: a luta contra qualquer sistema opressor. TRAJETORIA DO SINDICALISMO “AMARELO” OU “PELEGO”. O sindicalismo “amarelo” ou “peleguismo” é um fenômeno antigo no sindicalismo brasileiro, refletindo a forte influencia de patrões e do Estado no movimento operário. É constituído por uma enorme massa de dirigentes burocratizados, para os quais o sindicato tem apenas um papel assistencialista e de intermediário legal nas relações entre o capital e o trabalho. Esse é o aspecto político e social mais profundo da questão: o “pelego” é o agente dos patrões e do Estado no movimento sindical. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 73 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Já em 1908 o jornal anarquista “A VOZ DO TRABALHADOR” órgão da Confederação Operaria Brasileira – COB definiu-os como “operários que bajulam os potentados, em prejuízo da autonomia da classe”. Em que pese a forte presença dos anarquistas e, posteriormente dos comunistas e socialistas nas direções dos sindicatos, os amarelos ou pelegos representavam à maioria dos dirigentes na época. Os grupos revolucionários os chamavam pejorativamente de "amarelos". Particularmente no Rio de Janeiro era bastante influente essa corrente política moderada, não revolucionária, interessada em obter conquistas específicas como diminuição da jornada de trabalho e aumentos salariais. Esses grupos preocupavam-se ainda em garantir o reconhecimento dos sindicatos por parte do Estado. O presidente Hermes da Fonseca, em 1912, desenvolveu a primeira ação concreta para uma intervenção governamental nas decisões das organizações de trabalhadores, pois organizou um congresso com representações sindicais, mais que teve grandes conseqüências. Em 1921 o Estado fundou o Conselho Nacional do Trabalho, visando controlar os sindicatos e torná-los órgãos de conciliação entre as classes. Foi criada também a Confederação Sindicalista Corporativista Brasileira, de tendência reformista. Os Sindicatos “amarelos” passaram a ser ainda mais favorecidos pelas vantagens concedidas pelo Estado. Principalmente os setores cujas atividades eram indispensáveis para a exportação do café, como ferroviários e portuários, tinham prontamente atendidas suas reivindicações, uma vez que sua paralisação estrangularia a economia. Já as categorias vinculadas à indústria, dado seu caráter secundário na economia agro-exportadora, eram tratadas de forma exclusivamente repressiva. Lembre-se aqui a afirmativa do Presidente Washington Luís de que “a questão social era simples caso de policia”. Mas foi durante a década de 30 que os pelegos conseguiram as condições mais favoráveis para se eternizarem nas direções sindicais. “Pelego”, deixou de significar a manta colocada entre o cavalo e a sela para amortecer os solavancos e passou a ser sinônimo de sindicalista acomodado e comprometido com os patrões e o governo. À medida que o Ministério do Trabalho intervinha nos Sindicatos, Federações e Confederações e destituía suas direções, os pelegos eram indicados para dirigi-las a partir das orientações governamentais. A criação do Imposto Sindical era o que faltava para garantir a imensa estrutura – com médicos, dentistas, escolas, dentre outras – criada naqueles sindicatos em que o pelego era sua representação maior. O chamado Estado Novo, dentre outras coisas, consolidou a seguinte concepção, “o sindicalismo brasileiro deve ser corporativo, isto é, um sindicalismo que concilie patrões e operários e não um sindicalismo revolucionário, baseado na luta entre classes inimigas, como historicamente foi feito nas décadas anteriores”. Já nos primeiros anos da década de 1940 o Estado Novo mostrava seus primeiros sinais de debilidade; consequentemente, o sindicalismo amarelo passou a ficar na defensiva. Com a extinção do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e do Tribunal de Segurança Nacional – organismos de repressão ideológica e política, existentes durante o Estado Novo –, esse segmento conservador encontrou ainda mais dificuldades. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 74 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Uma O avanço das lutas operárias foi freado com o golpe e o governo do Marechal Dutra. Dentre outras medidas, Dutra proibiu a existência do Movimento Unificado dos Trabalhadores (MUT), colocou na ilegalidade o partido comunista, decretou a intervenção e suspensão das eleições sindicais. Tudo isso facilitou que os pelegos retornassem às direções dos sindicatos mais importantes do país. A retomada das lutas politicas e sindicais no início dos anos 1960 recolocaram os pelegos na defensiva. A fundação do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), por exemplo, objetivava - dentre outras coisas - combater o ‘peleguismo’ das Confederações Nacionais, especialmente da CNTI, dominada há décadas pelo pelego Ari Campista. Durante este período, os pelegos receberam apoio financeiro da Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres – CIOSL, da Organização Regional Interamericana do Trabalho – ORIT, dentre outros organismos sindicais internacionais ligados ao governo norte-americano. Além de receberem todos esses apoios financeiros, muitos dirigentes pelegos tornaram-se interventores do Ministério do Trabalho durante o governo militar, a exemplo da CONTAG, que em 1964 teve sua presidência ocupada por um deles. O assistencialismo foi mantido e, fortalecido na grande maioria das entidades sindicais; os pelegos voltaram a ter hegemonia e domínio sobre os destinos do sindicalismo brasileiro. Apesar dessa hegemonia, durante o congresso promovido pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria – CNTI, em julho de 1978, um grupo de sindicalistas que se autodenominavam ‘autênticos’, denunciaram a direção pelega da CNTI e apresentaram uma “Carta de Princípios”, que se tornou a principal referencia para a retomada das entidades sindicais operarias. As transformações mais recentes ocorridas nos anos 1980 - anistia aos exilados políticos; fim do bipartidarismo; eleições diretas; assembléia constituinte - estimulou o sindicalismo pelego a um processo de auto-reforma, uma modernização conservadora. Esse sindicalismo foi modificando sua forma de ser, para permanecer como órgão de controle sindical e político, procurando coibir as ações autônomas e independentes dos trabalhadores e trabalhadoras. O SINDICALISMO DE RESULTADOS E FORÇA SINDICAL O sindicalismo de resultado nasceu, inicialmente, da confluência de duas atuações sindicais que vivenciaram trajetórias distintas e que, num dado momento, na segunda metade da década de 1980, abraçou o mesmo projeto. Referimo-nos à confluência da atuação de amarelos ou pelegos com a ação de líderes sindicais pragmáticos. Assim formou-se, no Brasil, uma nova direita no movimento sindical, distinta do velho ‘peleguismo’ e perfeitamente inserida na onda neoliberal, que penetrou também no movimento sindical em nosso país. Alguns dos pontos centrais do seu ideário são: Reconhecimento da vitória do capitalismo e da inevitabilidade da lógica do mercado. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 75 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Restringir a luta sindical à busca de melhorias nas condições de trabalho, não cabendo aos sindicatos extrapolarem este âmbito da luta. Atribuir o papel da ação política exclusivamente aos partidos, que devem estar totalmente desvinculados da ação sindical. Diminuir o papel do Estado, reduzindo apenas sua ação a uma linha política privatizante. Estes pontos básicos - aliados a uma estratégia que recusa o confronto e procura extrair resultados imediatos nas ações sindicais, calculadas para que não extrapolem o âmbito da negociação - conformaram uma feição neoliberal e burguesa no seio do movimento sindical brasileiro. Por isso, dizíamos, é algo muito distinto do peleguismo (sempre atrelado ao Estado e dele porta-voz) e conforma o que caracterizamos como sendo a nova direita no movimento sindical. Este é o âmbito e o campo ideológico onde o sindicalismo de resultados opera e atua. Conforme disse Luís Antônio Medeiros, em entrevista à Folha de S. Paulo (20/08/87): “Eu acho que o capitalismo venceu no Brasil... Eu quero a divisão das riquezas e a minha briga não é pela mudança do regime”. E quanto ao papel dos sindicatos: “O sindicato é um fator de mercado e deve, portanto, valorizar o preço de mãode-obra”. “Estamos procurando caminhos novos. Eu diria que todo sindicato que se preze faz parte da reprodução capitalista. Pois, qual é o objetivo do sindicato? É lutar para vender a mão-de-obra pelo preço mais alto possível. Se crio o mercado interno estou fortalecendo o nosso capitalismo”. A Força Sindical, contando com o apoio de cerca de 300 sindicatos, duas confederações e vinte federações – fundada no início de 1991 - caminha no sentido de consolidar o sindicalismo de resultado: um sindicalismo que projete “que todos (os trabalhadores) necessitam, e exigem uma central sindical que não seja ‘revolucionarista’”. Foi a Força Sindical que introduziu a prática recorrente de um 1° de maio como um circo para os trabalhadores e trabalhadoras. É a política de pão e circo. Para atrair um grande público, a Central organiza grandes manifestações, chama artistas da indústria cultural. Que fazem sucesso freqüentemente pela música de baixíssima qualidade e doam apartamentos, carros, eletrodomésticos”33. ALGUNS REFERENCIAIS TEÓRICOS DO COMUNISMO Com base no assim chamado “socialismo científico” no final do século XIX, tendo a frete Karl Marx e Friedrich Engels, os sindicatos passaram a ser vistos como instrumentos que devem contribuir para a luta revolucionária do proletariado pela tomada do poder político. Essa doutrina passou a se diferenciar tanto dos reformistas, que pregam 33 Ricardo Antunes é professor livre docente em sociologia do trabalho na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), in Jornal dos Trabalhadores Rurais SEM TERRA Ano XXIV – numero 252 – maio de 2006. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 76 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG mudanças graduais no capitalismo, como das anarquistas, que negam a luta política pelo poder. Para Marx, “os sindicatos sindicatos são indispensáveis para a guerra de guerrilha cotidiana entre o capital e o trabalho”. Seu objetivo imediato “concretiza“concretiza-se nas exigências do diadia-adia, nos meios de resistência contra os incessantes ataques do capital”. Mas a concepção Marxista vai além. Aponta outros objetivos da atividade sindical, não se limitando a uma visão economicista. Os teóricos do comunismo vêem os sindicatos, sobretudo, como centros organizadores do proletariado, que devem ser “escolas do socialismo”. Marx diz: “O capital é o poder social concentrado, enquanto o operário só dispõe da sua força de trabalho. O contrato entre capital e trabalho não pode, portanto, repousar nunca em justas condições... Do lado do operário sua única força é o número. Mas a força do número se quebra pela desunião. A divisão dos operários é produto e resultado, da inevitável concorrência entre eles próprios. Dos sindicatos nascem precisamente os impulsos espontâneos dos operários para eliminar, ou pelo menos reduzir essa concorrência, a fim de conseguir melhores condições que os coloquem ao menos em situação superior à de simples escravos”. Partindo desse princípio norteador, o marxismo condena o economicismo, as correntes que encaram os sindicatos nos estreitos marcos corporativos. Para essa concepção, a luta puramente econômica não conduz a nada, já que o capitalismo tem capacidade para assimilar as pequenas melhorias salariais - garantindo sua taxa de maisvalia. Isso não significa que o marxismo negue a luta econômica. Muito pelo contrário. Mostra apenas suas limitações e prega a transformação da luta econômica em luta política pela tomada do poder. Acompanhando a evolução do sindicalismo, principalmente o da Inglaterra, Marx vai perceber a miopia economicista e apontará qual deve ser a tarefa maior dos sindicatos no capitalismo. “Os sindicatos trabalham bem como centros de resistência contra os ataques do capital. Mas demonstram ser partes ineficazes em virtude do mal compreendido uso de sua força. Em geral, erram o caminho porque se limitam a uma guerra de guerrilhas contra os efeitos do sistema existente, em vez de trabalharem, ao mesmo tempo, para a sua transformação, usando a força organizada como alavanca para a libertação definitiva da classe operária”. Entretanto, o marxismo não adota a mesma visão dos anarquistas nessa questão. Ele aponta que a greve não deve ser vista como a única arma de luta dos trabalhadores e trabalhadoras. Para o marxismo, a greve deve ter como principal objetivo organizar os trabalhadores, acumular forças, preparando para as novas batalhas. Relaciona sempre as lutas parciais com seu objetivo final, que á a tomada do poder pelo proletariado. Por isso, uma greve por interesses imediatos, que coloquem em risco a organização dos trabalhadores e trabalhadoras, deve ser rejeitada. Outra característica da corrente marxista é a defesa da unidade dos trabalhadores, o marxismo condena as tentativas de dividir as organizações sindicais por motivos políticopartidários ou religiosos. Exatamente por isso, o marxismo vai fazer esforços no sentido da unidade dos trabalhadores. Para Lênin, “Não atuar no seio dos sindicatos reacionários significa abandonar as massas operárias insuficientemente desenvolvidas ou atrasadas à influência de líderes reacionários, dos agentes da burguesia, dos operários aristocratas ou operários aburguesados”. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 77 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Exatamente por enfatizar que o primeiro objetivo do proletariado é a conquista do poder político, a concepção marxista ressalta a supremacia do partido político sobre o sindicato. Para ela, o partido revolucionário é um estágio superior de organização. Quando fala em supremacia do partido, o marxismo não nega a importância da luta sindical, mas destaca que há diferenças entra assas duas formas de organização e que elas devem ser preservadas. Contudo, essas premissas não eliminam o risco de uma submissão do sindicato ao partido. Talvez seja também por isso que os comunistas tenham sido muitas vezes acusados de fazerem do sindicato uma mera “correia de transmissão do partido”. PARTICIPAÇÃO DOS COMUNISTAS BRASILEIROS BRASILEIROS NO MOVIMENTO SINDICAL No Brasil, o comunismo surgiu a partir da desagregação do anarquismo – e não da crise da social democracia, como em outros países – e a história dos primeiros anos desse movimento é a crônica de seu esforço para derrotar a influencia anarquista e indicar novos rumos à luta operaria e sindical. A partir de 1922, embalados pela criação do primeiro Estado socialista na Rússia, militantes brasileiros fundaram o Partido Comunista do Brasil (PCB), que se de um lado não se apresentava como uma alternativa imediata de poder causou apreensão do Estado oligárquico. Entre os fundadores estavam ex-lideranças anarquistas como Astrojildo Pereira e Otávio Brandão. Ao contrário dos anarquistas, que viam o Estado como um mal em si, os comunistas o viam como um espaço a ser ocupado e transformado. Essas concepções os levaram, seja na ilegalidade, seja nos breves momentos de vida legal, a buscarem aliados e a participar da vida parlamentar do país. Entre a fundação do Partido Comunista e seu II Congresso em 1925, a principal palavra de ordem dos comunistas foi “ir às massas”. Nesse sentido, muitos esforços foram feitos para fortalecer o movimento sindical, levando-os a se chocarem com os anarquistas e com a repressão policial. As décadas de 20 e 30 do século passado foi um período de grandes desafios para o movimento sindical brasileiro, marcado pela forte repressão ao movimento sindical independente e pela regulamentação e controle das relações de trabalho e da organização sindical pelo Estado Getulista. Em 1929 é criada a Confederação Geral dos Trabalhadores Brasileiros – CGTB (funcionando até 1936) sob controle dos comunistas que passam a exercer a hegemonia sobre o movimento sindical brasileiro. Os comunistas defenderam desde o inicio a unidade sindical; em conseqüência, surgiram as duas características marcantes da atuação comunista: o trabalho em sindicatos reacionários e pelegos e a politização da luta operaria (contra o imperialismo e contra o latifúndio). Os primeiros aos da década de 1930, foram de luta entre os sindicatos livres e o governo. As entidades operárias independentes não aceitavam os decretos sobre sindicalização. Contudo, crescia progressivamente o numero de entidades organizadas conforme a legislação e, dirigida por sindicalistas ligados ao Ministério do Trabalho ou que aceitavam sua tutela. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 78 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Com a promulgação da Constituição Federal em 1934, a influencia sindical dos comunistas cresceu, “o PCB organizou o Congresso de Unidade Sindical, com representantes de 300 sindicatos de todo o país”. No ano seguinte, “o PCB organizou a Confederação Sindical Unitária do Brasil, num congresso com 400 delegados de 11 estados”, alem de junto com outros segmentos da sociedade, constituir a Aliança Nacional Libertadora, “frente única revolucionária anti-imperialista e anti-feudal, que lutava por um governo popular e que chegou a congregar em suas fileiras amplas massas populares do país inteiro, e os mais variados atores sociais, desde o proletariado até a burguesia nacional”, perseguida pelo Governo Vargas. Em 1937, Getulio Vargas rasgou – por meio de um golpe - a Constituição e dá origem ao Estado Novo. O Partido Comunista foi praticamente dispersado, os sindicalistas comunistas foram perseguidos e afastados das direções de inúmeras entidades. Quando o Estado Novo entrou em crise, o Partido Comunista começou a se reorganizar em entidades sindicais. Uma de suas primeiras iniciativas foi à rearticulação do movimento sindical independente, em 30 de abril de 1945, funda o Movimento Unificador dos Trabalhadores – MUT, apoiado por 300 dirigentes sindicais de 13 estados. Seu manifesto pedia “a mais ampla liberdade sindical; a soberania das assembléias sindicais, sem a presença obrigatória do Ministério do Trabalho; eleição e posse dos dirigentes sindicais independente da aprovação pelo governo; autonomia administrativa para os sindicatos, etc.”. Naquela conjuntura os sindicalistas comunistas orientados pelo partido, defendiam claramente a conciliação de classes: “por intermédio das organizações sindicais a classe operaria pode ajudar o governo e os patrões a encontrar soluções práticas, rápidas e eficazes para os graves problemas econômicos de hoje”, defendia Luiz Carlos Prestes, secretário-geral do Partido Comunista. Essa orientação de fundo oportunista estava baseada na idéia de que, “com a derrota do nazismo, surgia uma nova época, de desenvolvimento pacifico, que prescindiria da revolução.”. Com o governo do Marechal Dutra, foi desencadeado outra ofensiva conservadora contra a classe trabalhadora: intervenção em mais de 400 importantes sindicatos, fechamento do Partido Comunista e da CGTB; perseguição a todos os sindicalistas independentes. Com a eleição de Vargas em 1950, os direitos individuais e coletivos retornam a normalidade, principalmente com a extinção do ‘atestado ideológico’. Durante o governo Vargas e, após o suicídio do presidente em agosto de 1954, o partido coordenou uma ampla articulação de setores nacionalistas para a formação de uma frente democrática, dando inicio à aliança do Partido Comunista com o Partido Trabalhista Brasileiro, que congregava sindicalistas getulistas. Um novo período de colaboração de classes se esboçava, “ajudando a colocar o movimento sindical em função dos interesses de determinados setores burgueses. Tal tendência refletiu-se logo no refluxo da luta pela autonomia sindical e pela destruição da estrutura sindical corporativista. O movimento sindical passou a acomodar-se”. A hegemonia desses setores dentro do partido e dentre os sindicalistas comunistas crescia ano a ano. A reação de militantes comunistas vem a ocorrer com mais força em 1962, numa Conferência Nacional Extraordinária, quando foi reorganizado o Partido Comunista do Brasil, adotando a legenda PC do B. No mesmo ano, foi criado o Comando 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 79 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Geral dos Trabalhadores – CGT, uma central que colocou em pânico as elites com a perspectiva daquilo que eles chamavam de “República Sindicalista”. A orientação cupulista para o sindicalismo continuava com forte influencia em importantes estruturas sindicais, a exemplo das Confederações: dos trabalhadores na indústria – CNTI; dos trabalhadores no comercio – CNTC; dos trabalhadores em transporte marítimos, fluviais e aéreos – CNTTMFA; dos trabalhadores em empresas de credito – CONTEC; e suas Federações Estaduais. Contudo, esta aparente força não se materializa em reação dos trabalhadores e das suas organizações, ao golpe militar que depôs João Goulart. A nova conjuntura forçou o movimento sindical combativo a recuar. As tentativas mais importantes de contrapor-se à perseguição policial e ao arrocho salarial revelaram as limitações existentes e os dilemas em que o movimento operário se debatia, a exemplo das greves de Contagem – MG e de Osasco – SP em finais da década de 1960. Essa época de recuo durou até 1977, quando o país voltou a mover-se, exigindo o fim da ditadura, anistia aos políticos perseguidos, o fim da alta do custo de vida, etc. Em 1978, ocorre a primeira grande greve operaria no ABC. A partir de 1988, os dirigentes sindicais comunistas ligados ao PC do B, passaram a se organizar na Corrente Sindical Classista. ALGUNS REFERENCIAIS DO SINDICALISMO CRISTÃO A partir da encíclica Rerum Novarum (Das coisas novas), publicada pelo Papa Leão XIII, em 15 de maio de 1891, a Igreja Católica adota oficialmente uma doutrina para a sua atuação no movimento social, principalmente no sindicalismo. Até esta data, essa instituição ainda preservava suas tradições elitistas e aristocráticas, próprias de período feudal. Durante o feudalismo, a Igreja possuía grande poder. Ela era a maior propriedade feudal da Europa, controlando cerca de 1/3 das terras agricultáveis. Exercia com exclusividade o poder religioso, sendo o poder espiritual do sistema em vigor. E era também o poder político. Os feudos, dispersos e constituindo-se como mini-Estados, dependiam da instituição religiosa para manter o controle político. A Igreja exercia esse poder, via seus tabus ideológicos, para preservar a “pureza da alma humana” e através da repressão - tão marcante no período da Inquisição. A igreja resistiu violentamente ao fim do feudalismo. Segundo o sermão mais conhecido na Europa no século XVI, “Deus fez clérigos, mas os demônios fizeram a burguesia”. O capitalismo, entretanto vigora, a Igreja perde poder, tanto econômico, como político. Posteriormente, entretanto, a própria burguesia dá espaço para a refundação da Igreja. Depende dela também para controlar o jovem proletariado. A Igreja se adapta ao novo sistema social, apesar de num primeiro momento manter suas tradições aristocráticas. Esse conservadorismo não corresponde à mentalidade emanada do novo sistema. As relações capitalistas de produção enfraquecem os preconceitos religiosos. O 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 80 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG proletariado, diferente do servo camponês, é um homem “livre”. Surgem os primeiros conflitos de classe, o luddismo, as greves, e também as novas formas de organização dos explorados - os sindicatos e as cooperativas. Parcelas da jovem classe operária se aproximam das idéias anarquistas e marxistas. A Igreja perde base social. A religiosidade popular não garante mais a sustentação da instituição católica. Daí o surgimento da Rerum Novarum, que é um marco na viagem da Igreja católica com vista aos movimentos sociais. De acordo com essa encíclica papal, existe no capitalismo “uma desigualdade natural, necessária e conveniente para o homem. Os exageros de injustiças devem ser reformados, procurando encontrar-se função social” do capital, para torná-lo um sistema “justo e eqüitativo”. Entre capital e trabalho não deve haver antagonismos, luta de classes obedecendo-se os princípios da “caridade cristã”. A Confederação Internacional dos Sindicatos Cristãos, central sindical fundada no Congresso de Haia, em 1920, chega a afirmar que “a vida econômica e social implica a colaboração de todos os filhos de um mesmo povo.” Rejeita, portanto, a violência e a luta de classes. A Rerum Novarum vai criticar tanto o socialismo como o liberalismo. O para qualifica o pensamento socialista como falso, porque prega a supressão da prioridade privada - “que é um direito natural dos homens”. Além disso, Leão XIII considera as idéias socialistas subversivas, “porque gera ódios e extingue nos homens o estímulo ao trabalho”. Para a Rerun Novarum, “o capital e o trabalho devem viver em colaboração um com outro, obedecendo aos princípios da caridade cristã”. Ela confia a sorte dos trabalhadores à ação do Estado, que deve estabelecer leis para proteção e promoção do ser humano. A encíclica propunha a criação dos sindicatos aos moldes das antigas corporações de artesãos e também estimulava a formação de associações mutualistas. Com base nessa doutrina, os militantes católicos atuaram no sindicalismo com uma concepção reformista, de conciliação de classes. Eles rejeitaram energicamente as greves e outras formas de confronto. Defenderam o papel assistencialista dos sindicatos. Para realizar as reformas graduais no capitalismo, afirmam que o terreno propício é a própria Igreja - já que ela reúne patrões e empregados, “filhos de um mesmo Deus”. O fundamental é a paz social, a harmonia entre as classes, tendo como mediadora a Igreja que dessa forma tenta readquirir o seu poder político. Outra característica fundamental do sindicalismo cristão é o anticomunismo. Muitos historiadores, inclusive católicos, afirma que a Igreja só passou a se preocupar com o movimento sindical como forma de se contrapor ao aumento da influência das idéias revolucionárias. “Ela nasceu, sobretudo para enfrentar o avanço do socialismo, particularmente a revolução social do marxismo”, explica José Cândido Filho, autor do livro “O movimento operário: o sindicato e o partido”. Miguel Gonzáles Núniz acredita que uma das causas do fraco desenvolvimento da corrente cristã é que ela não atuará nos sindicatos como organismos de luta por conquistas materiais, mas para “proteger os trabalhadores católicos contra os perigos socialistas”. Outra razão, segundo o autor, é que “o sindicalismo cristão aparece tardiamente (43 anos depois do Manifesto Comunista de Marx e Engels), quando as massas proletárias, desiludidas também no plano espiritual (desconfiança da irmandade capitalismo-poder-igreja), haviam abandonado as Igrejas, católicas ou protestantes, ou melhor, tinham sido abandonadas por estas”. Os estatutos dos Círculos Operários 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 81 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Católicos no Brasil são bem elucidativos. Um dos primeiros itens de seu objetivo era o “combate ao comunismo”. A Igreja advoga a separação dos católicos dos que professam confissões e idéias diferentes, seu temor era o contágio dos fiéis com as novas idéias. Essa tese, que leva à fragmentação da organização sindical, foi levada à prática em vários países, principalmente na Europa. SINDICALISMO CRISTÃO NO BRASIL Desde o início da atuação organizada dos católicos no sindicalismo brasileiro, tendo a frente o cardeal Sebastião Leme, a Igreja organizou os círculos operários, que atuavam por fora dos sindicatos existentes. Na Constituinte de 1934, os deputados vinculados à Igreja defenderam, juntamente com a reação, a implantação do pluralismo sindical - que inclusive é aprovado. Em pleno Estado Novo, a hierarquia católica apresenta ao ditador Getúlio Vargas a proposta de transformar os aproximadamente 400 círculos operários católicos existentes em sindicatos paralelos. E na Constituinte de 1945, mais uma vez, os deputados eleitos com o apoio do LEC (Liga Eleitoral Católica), defendem, juntamente com os parlamentares da UDN, a implantação do pluralismo sindical. Os Círculos Operários, Escolas de Lideres Operários e Movimento de Orientação Sindical, foram responsáveis pela formação de inúmeras lideranças sindicais em todo o país. Estas lideranças estiveram ao lado dos conspiradores do golpe militar de 64. Vários materiais foram publicados nesse sentido, dentre eles, um livreto muito difundido “Como combater os comunistas nos sindicatos”, da Federação dos Círculos Operários de São Paulo, escrito por Frei Celso em 1964. As mudanças que a Igreja vivia a nível internacional tiveram influencia decisiva nesse quadro. O Concilio Vaticano II já havia apontado o caminho da realização do reino de Deus neste mundo neste mundo, uma direção que seria seguida por enorme parcela do clero brasileiro que, por sua vez, influiria de forma também decisiva na modernização do clero latino-americano e na formulação da Teologia da Libertação. A Igreja do Nordeste foi pioneira nas criticas radicais contra o regime. Em 1966, com o apoio da Regional Nordeste II da CNBB, o manifesto “Nordeste, desenvolvimento sem justiça”, uma forte denúncia do regime e da situação da classe trabalhadora. O documento foi confiscado pela policia e os bispos foram proibidos de publicá-lo D. Helder Câmara, bispo de Recife, foi acusado de comunista e ameaçado de prisão. As profundas mudanças promovidas pelo CELAM (Conselho Episcopal Latino Americano) em Medellín, em 1968 (confirmadas em Puebla, em 1979), que recomendavam a opção preferencial pelos pobres, fundamentavam a atuação dos progressistas da Igreja brasileira. Um dos resultados mais visíveis das mudanças promovidas em Medellín foram as comunidades eclesiais de base – CEBs, que proliferaram nas grandes e medias cidades brasileiras a partir de finais da década de 1960, como importantes instrumentos de organização e mobilização. Calcula-se que no auge do movimento, no final da década de 1970, seu numero chegou a atingir entre 50 a 100 mil CEBs, em todo o país, envolvendo mais de 2 milhões de filiados. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 82 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Quando o movimento operário brasileiro atingiu novo patamar, na onda de greves iniciada em 1978 os militantes católicos tiveram papel destacado na reorganização do movimento sindical, no afastamento das diretorias pelegas dos sindicatos e, principalmente, na articulação do Partido dos Trabalhadores. O assassinato de Santo Dias da Silva, no ano seguinte, levou a uma maior intensificação das manifestações, ele que era dirigente da Pastoral Operaria e muito próximo de D. Paulo Evaristo Arns, tornou-se um dos mártires da luta operaria. A aproximação entre militantes da oposição sindical, de movimentos de base, e lideranças católicas, acelerou-se com as greves. Um importante encontro de lideres de pastorais operarias, de movimentos populares, de comunidades eclesiais de base, oposições sindicais, e ativistas ligados às novas diretorias sindicais “autenticas” ocorreu em João Monlevade, Minas Gerais, em fevereiro de 1980, onde foram estabelecidos “alguns princípios básicos ligados à luta pela democratização da estrutura sindical”. Em junho de 1982, essas forças politicas formaram a ANAMPOS (oficialmente, IV Encontro Nacional da Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindicais), em Goiânia. Em 1983, esse movimento culminou na fundação da Central Única dos Trabalhadores – CUT, com o apoio da imensa maioria dos militantes católicos e, militantes de outras concepções e correntes políticas. QUADROQUADRO-SÍNTESE POSIÇÕES MEIOS PROPOSTOS OBJETIVOS Luta contra as injustiças. Desenvolver a função social do capitalismo, em vista de uma sociedade fraterna e justa. Evitar o agravamento dos conflitos sociais. • Combate ao comunismo • • Sem violência. • • Colaboração entre as classes. • Formação ideológica de • lideranças sindicais 1. CRISTÃOS (católicos) • • • • 2. AMARELOS AMARELOS Sem violência. • Realização do reino de Deus Teologia da Libertação neste mundo Opção preferencial pelos pobres • Denúncia do regime e da Organização social de base (CEBs situação da classe trabalhadora e as Pastorais) • Redemocratização do país • Reorganização do movimento sindical no campo e na cidade • Colaboração de classes. • Continuidade do capitalismo. • Sindicatos e organizações • Negação da existência da luta comuns (entre patrões e de classes. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 83 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG 3. COMUNISTAS 4. ANARQUISTAS operários). • Sindicatos assistencialistas. • Sociedade harmoniosa. • O Partido é o principal instrumento de luta. • Combinação de ação legal e clandestina. • Participação parlamentar. • Greve. • Insurreição. • • • • • • • O Sindicato é o principal instrumento de luta. • Ação direta contra o Estado e os patrões. • Antiparlamentarismo. • Antipartidarismo. • Estrutura Sindical federativa. • Greve geral insurrecional. • Contra a liberação de dirigentes sindicais. • Destruição do capitalismo, • Revolução proletária. • Sociedade sem classes, sem Estado. • Auto-gestão. • Internacionalismo proletário. Destruição do capitalismo. Fortalecimento do Estado Revolução proletária. Ditadura do Proletariado. Socialismo e Comunismo. Internacionalismo proletário. BIBLIOGRAFIA • • • • • • • • • • ANTUNES, Ricardo L.C. – Jornal dos Trabalhadores Sem Terra, Ano XXIV – numero 252 – maio de 2006. ANTUNES, Ricardo L.C. - Novo Sindicalismo, Editora Brasil Urgente - 1991. 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RUI, José Carlos – Sindicalismo Cristão II, Revista Debate Sindical, nº 11 – fevereiro/março/abril – 1992. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 84 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG A HISTORIA DAS NOSSAS RAÍZES: ITINERÁRIO DAS LUTAS DOS TRABALHADORES (AS) RURAIS NO BRASIL E O SURGIMENTO DO SINDICALISMO RURAL Maria do Socorro Silva34 "Da desparecença dos tempos aprendo as tranças e tramas das novas lições." Gonzaguinha PARA INICIO DE CONVERSA Nos colocamos, nesse momento, diante do desafio de trazer ao debate questões que se inserem nas reflexões em torno do enraizamento histórico do sindicalismo rural no Brasil, ou seja, o processo no qual é gestado a dinâmica do movimento sindical dos trabalhadores(as) rurais (MSTTR), que se traduz, concretamente, num amplo imbricamento de ações. Porém, considerando os limites a que nos propomos discutir o assunto em pauta, nesse texto, restringeremos nossa análise a elencar alguns movimentos ou lutas que contribuíram para esse processo, como se constituiu a estrutura sindical oficial no Brasil. Os movimentos sociais do campo vem se constituindo ao longo da nossa história, como sujeitos coletivos, onde constroem uma identidade e organizam práticas que visam defender direitos, interesses e projetos. Esse processo se dá através de lutas de resistências, de organização, mobilização que se constroem nos locais de trabalho, na roça e na comunidade. É na teia de constituição dessas lutas que se forjam as condições para a tomada de consciência do que significa ser trabalhador(a) rural. Desde a chegada dos colonizadores portugueses que tivemos, em nosso país conflitos e rebeliões populares formados por complexa composição étnica, social e ideológica – índios, caboclos, camponeses, escravos, alfaiates, barqueiros, religiosos, seleiros, etc - com proporções e alcances distintos, ora manifestando-se como amplos movimentos de massa construindo novas formas de organização social, política e econômica, ora manifestando-se como ações específicas e localizadas ou movimentos messiânicos, de confronto com a opressão, a miséria, a dependência, a ausência de direitos, a luta pela posse da terra e por melhores condições de vida e de trabalho nas sociedades Colonial, Monárquica35 e Republicana36 A proclamação da República (1889), juntamente com a Abolição da escravidão (1888), marcam um dos momentos de maior transformação social já vivido pelo país. A chamada Primeira República, que se segue, é o período de delineamento da identidade social e política do trabalhador brasileiro. Evidentemente, havia anteriormente trabalhadores, mas não uma classe trabalhadora. Até então, quem trabalhara no Brasil foram os escravos e a sociedade imperial escravista desmerecera inteiramente o ato de 34 Pedagoga e Psicóloga. Professora da Faculdade de Educação da UnB/UFCG. Doutoranda em Educação da UFPE. 35 No período Imperial tivemos apenas o nascimento das primeiras organizações operárias. No começo do século XIX já existiam algumas associações de artesãos, mas organizadas sob a forma de irmandades religiosas. As primeiras organizações operárias, sem um caráter essencialmente religioso, foram associações voltadas para a ajuda mútua em situações de doença, acidentes no trabalho, invalidez, etc.. 36 A primeira constituição republicana foi a de 1891 - assegura o direito à associação e a reunião deixando em aberto qual seria o tipo de organização, surgiram então às primeiras organizações de socorros mútuos, caixas beneficentes, sociedades de resistência, bolsa de trabalho. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 85 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG trabalhar. No século XIX, começamos a ter uma nova configuração, primeiro com a chegada dos primeiros colonos europeus não-portugueses, para o cultivo do café, a partir de 1819, suíços, alemães, italianos, todos agricultores pobres atraídos para o Brasil por promessas de terra, que passaram a ocupar áreas ainda não utilizadas, nas regiões Sul e Sudeste, principalmente sobre a forma de parceria ou colonato, com isso tivemos uma intensificação dos conflitos por terra e pela libertação dos escravos. Juntamente com o processo de luta contra a escravidão vamos ter a afirmação das leis de locação de serviços que visam regular o trabalho assalariado, (1830, 1837), os trabalhadores não poderiam romper seus contratos a não ser que pagassem ao patrão quantia correspondente e se não o fizessem estariam sujeitos à prisão com trabalhos forçados até pagar suas dívidas. Em 1850, o império restringiu o direito de posse da terra por meio da Lei de Terras. Essa Lei significou o casamento do capital com a propriedade de Terra, pois a partir desse momento a terra foi transformada em uma mercadoria a qual somente quem já dispunha dela e de capital pudesse ser proprietários, isso impedia que os ex-escravos, brasileiros pobres, os posseiros e os imigrantes pudessem se tornar proprietários, mas sim constituísse a mão de obra assalariada necessária nos latifúndios, segundo José de Souza Martins, professor da USP: “Enquanto o trabalho era escravo, a terra era livre. Quando o trabalho ficou livre, a terra ficou escrava”. Nesse mesmo período, milhares de nordestinos, fugindo da seca e da crise econômica dos engenhos de açúcar, foram para o norte, trabalhar na extração dos produtos da floresta, principalmente a borracha e a castanha, que tiveram um grande peso na formação da atual população de agricultores familiares amazônicos. O resgate do itinerário de algumas dessas lutas que são raízes da organização do campo brasileiro, e do surgimento, do sindicalismo rural brasileiro, podem sinalizar para descobertas importantes na construção de uma sociedade mais justa, e no fortalecimento das organizações no momento atual. PRIMEIRO MOMENTO: DAS LUTAS PELA LIBERDADE AO SURGIMENTO DO SINDICALISMO RURAL “O movimento para a liberdade, deve surgir e partir dos próprios oprimidos, e a pedagogia decorrente será aquela que tem que ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade". vê-se que não é suficiente que o oprimido tenha consciência crítica da opressão, mas, que se disponha a transformar essa realidade; trata-se de um trabalho de conscientização e politização.” Paulo Freire 1.Lutas e mobilizações pela liberdade A luta dos trabalhadores (as) rurais brasileiros pela posse da terra, visando garantir melhores condições de trabalho e de vida fazem parte da história do povo brasileiro: lutas de tribos indígenas, movimentos de escravos, revoltas como da Cabanagem e Balaiada, litígios e reações de parcela das populações pobres foram uma 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 86 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG constante ao longo da nossa história. Durante todos esses períodos tivemos ações populares de intervenção na ordem social, práticas reprimidas de participação social e política do povo que colocaram em ebulição os direitos políticos e sociais, antes que a cidadania e a sociedade civil se estabelecessem entre nós, e que tiveram nos camponeses (as) sujeitos protagonistas de várias dessas lutas e mobilizações. a) Quilombos Nos quilombos refugiavam não só escravos foragidos, como também índios e pobres livres. Um dos mais importantes quilombos de nossa história foi Palmares foi construído no fim do século XVI e resistiu até o fim do século XVIII, chegou a reunir mais de 20 mil habitantes, localizava-se na Serra da Barriga entre Pernambuco e Alagoas, e era governando por um rei (sendo o mais conhecido Zumbi) e um conselho formado por chefes dos quilombos. O sistema de vida e produção organizado em Palmares pode resistir a economia patriarcal e escravocrata, com uma cultura e economia baseada na policultura, na organização coletiva da produção e na resistência e combate a escravidão. Durante sua existência foram feitas varias tentativas de destruir Palmares. Por fim, o governo de Pernambuco solicitou a ajuda do bandeirante paulista Domingos Jorge Velho, que preparou uma expedição para derrotar os fugitivos. Também ele falhou nas primeiras tentativas, mas não desistiu. Organizou um exército realmente poderoso e voltou ao ataque. Mesmo assim, a resistência dos quilombolas foi tão grande, tão valente, que a luta durou perto de três anos. Os negros tinham uma desvantagem: estavam cercados. Enquanto os atacantes podiam conseguir reforços e munições de fora, principalmente contando com o interesse do governo, os quilombolas encontravam-se sozinhos e apenas podiam contar com o que possuíam. É claro que, um dia, a munição dos sitiados tinha de se esgotar. Quando isto se deu, muitos negros fugiram para o sertão. Outros se suicidaram ou renderam-se aos atacantes. b) Missões A luta dos indígenas ao longo da nossa história apresenta raízes de uma organização camponesa, principalmente por meio das missões, os exemplos mais conhecidos são: a Confederações dos Tamoios, Guerra dos Guaranis e a Guerra dos Bárbaros. A Confederação dos Tamoios Em 1562, aliaram-se aos franceses tomaram a Baía de Guanabara. Não fora difícil aos franceses conquistar os tamoios, homens altivos, que há tempos lutavam contra portugueses, que pretendiam escravizá-los. A paz foi conseguida pelos padres José de Anchieta e Manuel da Nóbrega. Guerra dos Guaranis Em 1750, o Tratado de Madrid determinou novos limites entre os impérios coloniais de Portugal e Espanha. Na área do estuário do Prata, pelo novo acordo, a Espanha trocava os Sete Povos das Missões, na margem esquerda do rio Uruguai, pela 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 87 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Colônia do Sacramento, dos portugueses. Os governos de Madrid e Lisboa tomaram decisões sem levar em conta os interesses dos jesuítas e guaranis. Em 1752, enviaram comissões para tornar efetivas as mudanças previstas no Tratado. Os Guaranis se revoltaram e se organizaram para defender suas terras. Mas os portugueses e espanhóis se uniram contra os rebeldes. Em 1754, começou a Guerra Guaranítica, que durou dois anos. Melhor equipado, o exército europeu massacrou os guerreiros guaranis, liderados por Nicolau Ñeenguiru e Sepé Tiaraju. Obrigados a sair, alguns sobreviventes foram para as reduções da margem direita do Uruguai. A guerra não resolveu as questões de limites, pois, além dos índios, os portugueses da Colônia do Sacramento também não estavam satisfeitos com a troca de terras. Portugal e Espanha voltaram atrás, anulando o Tratado de Madrid em 1761. Com isso, os Guaranis continuaram a ocupar a área dos Sete Povos. Mas já não existia o entusiasmo de antes e as mesmas condições de resistência e luta. Guerra dos Bárbaros Essa guerra durou vinte anos, a partir de 1682, e foi empreendida pelos cariris. O cenário dessa guerra foi uma extensa área do Nordeste, particularmente nos vales do Rio Açu (atual Piranhas) e Jaguaribe. Todavia, estes bravios guerreiros, apesar das degolas, dos aprisionamentos, cativeiros e reduções em aldeamentos jesuíticos que sofreram ao longo dessa história que lhes fora imposta, resistiram por cerca de mais vinte anos sempre lutando como podiam pela posse de suas terras e na tentativa de vencer as injustas estratégias da dominação colonial. 2. Lutas messiânicas – 1888 e a década de 1930 As lutas messiânicas se caracterizam pela existência de uma liderança messiânica. Isso significa que a fé era a ligação entre ele e seus seguidores. Ë por isso que alguns autores chamam as revoltas camponesas do período de lutas messiânicas. Dentre essas podemos destacar: a) Canudos a terra prometida Os/as trabalhadores rurais e escravos peregrinavam pelo sertão, atrás do beato Antônio Conselheiro, até se estabelecerem no Arraial do Canudos. Criou-se um povoado em que o trabalho cooperado foi essencial para a preservação da comunidade. Todos tinham direito a terra e desenvolviam a agricultura para auto-consumo, envolvendo todos os membros da família. Na comunidade havia um fundo comum destinado a proteção dos velhos e aos doentes. Chegou a ter cerca de 10 mil habitantes. Entre outubro de 1896 e outubro de 1897, mais de 5 mil soldados do exercito e armamentos pesados de guerra foram envolvidos no ataque ao arraial. b) Guerra do Contestado Em 1912, o governo concedeu uma enorme extensão de terras à empresa norte-americana Brasil Railway Company, no trecho previsto para a construção da ferrovia São Paulo-Rio Grande do Sul. Ao final da construção da ferrovia, cerca de 8 mil trabalhadores ficaram desempregados e passaram a perambular pela região a procura de trabalho. Nesse momento surgiu na região de Campos Novos e Curitibanos, em Santa 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 88 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Catarina, um movimento camponês de caráter político-religioso, liderado pelo monge José Maria. Inicialmente ficaram numa área de disputa entre Paraná e Santa Catarina, por isso chamado de Contestado, que chegou a cerca de 20 mil pessoas. Em 1915, os lideres lançaram um manifesto monarquista e declararam a “guerra santa” contra os coronéis, as companhias de terras e as autoridades governamentais. O arraial foi dizimado quando o governo enviou cerca de 07 mil soldados do exercito, até mesmo aviões foram utilizados pra localizar os redutos rebeldes. c) Guerra do Caldeirão Uma luta de resistência camponesa, contra os latifundiários, que aconteceu no Ceará, na Chapada do Araripe, no período de 1926-1937, quando foram assassinadas mais de 400 pessoas. O nome Caldeirão refere-se a uma depressão no relevo, onde se encontrava água cristalina durante todo o ano. A área pertencia ao padre Cícero - famoso religioso e político da época - que a entregou ao beato Zé Lourenço e seus seguidores para trabalharem na terra. O Caldeirão ficou auto-suficiente. Sua fama crescia e já influenciava outras cidades, porque tinham uma produção diversificada: agricultura, artesanato, confecção de redes, roupas, calçados, etc. Todas as ferramentas necessárias para o trabalho eram feitas na própria comunidade. Os produtos excedentes eram vendidos em Juazeiro e no Crato. Ninguém se considerava dono de alguma coisa. Todavia, a grande concentração de camponeses naquelas terras chamou a atenção dos fazendeiros, que, temendo o aumento da organização dos trabalhadores e uma possível ocupação de suas terras, iniciaram uma guerra contra os camponeses para destruir Caldeirão. A força militar chega ao sítio e os moradores resistem à destruição, casas são incendiadas e pessoas mortas, mais não conseguem vencer a comunidade. Dias depois, retornam usando dessa vez aviões, acontece o segundo bombardeio aéreo sobre civis na história do Brasil. (o primeiro foi em 1912, Contestado), destruindo assim o povoado. 3. As lutas prépré-sindicalistas a) As colônias anarquistas A chegada dos imigrantes para trabalhar nas lavouras do café dos grandes fazendeiros vai trazer mudanças no perfil do campesinato brasileiro. Além de ser explorado com baixa remuneração (a família toda precisava trabalhar para a subsistência), o colono ainda sofria a especulação do fazendeiro, pois era obrigado a comprar o que precisava pelo dobro do preço, nos seus armazéns, desta forma estava sempre devendo ao fazendeiro. Recebiam um preço de terra onde desenvolvia uma cultura de autoconsumo, no entanto, ao chegar à época da colheita, muitos eram expulsos, sofrendo as mais variadas injustiças e perseguições. A exploração imposta faz com que se organizem ainda que de forma clandestina (já que o Ato Adicional de 1834 proibia toda e qualquer associação de ofício): surgem as primeiras associações de socorro mútuo, os mutirões, e a organização de núcleos e colônias que serão precursores do sindicalismo brasileiro. A formação de núcleos ou colônias, tais como a Colônia Cecília, Colônia Leopoldina, Colônia Nova Itália, organizadas sem propriedade individual, sem lei e sem religião, e onde começaram a funcionar as “Escolas Internacionalistas”, que depois se espalharam por outras áreas de imigração do sul do Brasil. Além disso, os anarquistas começaram a se organizar nos sindicatos, cuja ação deveria ser voltada para o desenvolvimento da consciência da classe, com repudio a 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 89 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG idéia de organizar os trabalhadores em partido político, recusa intransigente ao assistencialismo e mobilização permanente dos trabalhadores para ação direta contra os patrões. Para os libertários a educação ocuparia um papel de destaque, pois era considerado um veículo de conscientização e transformação das sociedades, sendo responsável pela formação de novas mentalidades e ideais revolucionários. Articulavam a educação entre si, em três dimensões: a educação político-sindical37, a educação escolar e as práticas culturais de massa. Em 1907, é aprovada a Lei Adolfo Gordo para expulsar lideranças sindicais estrangeiras (1907/1913- governo Hermes da Fonseca). Esse processo vai ser intensificado em 1917, quando a nível internacional, ocorria a Primeira Guerra Mundial, e os anarquistas e socialistas faziam intensa propaganda anti-militarista, além disso, a situação econômica para os trabalhadores (as) estava insuportável: carestia, desemprego, recessão, reinava fome e miséria, culminando com a Greve Geral, sendo desencadeada um processo de repressão e o uso intensivo da Lei Adolfo Gordo. b) Posseiros da Rodovia RioRio-Bahia. A valorização das terras da Região de Governador Valadores - MG devido à perspectiva da construção da rodovia Rio - Bahia em 1940, ali viviam muitos posseiros, sem perda de tempo, os supostos donos das terras começaram a aparecer de todos os lados e impuseram aos posseiros a condição de derrubar a mata para formação de pasto, eles só podiam plantar para subsistência. A partir de 1955 com a construção das rodovias, começou o processo de expulsão dos posseiros. Eles começaram então a juntar os posseiros para formar uma associação (visto que os sindicatos rurais ainda não eram reconhecidos), essa organização foi até a década de 1964, quando foram presos e torturados pela ditadura militar. c) Trombas e Formoso Em 1948, a construção da Transbrasiliana e o projeto de colonização dos governo federal valorizaram as terras da região de Uruaçu, no norte de Goiás. Trabalhadores provenientes do Maranhão e Piauí chegaram ao local liderado por Jose Porfírio e estabeleceram posses numa área de terra devoluta, que estavam sendo griladas, por um grupo de fazendeiros, um juiz e um dono de cartório da região. Eles queriam que os posseiros saíssem das terras, e eles pagariam as benfeitorias feitas, a recusa foi geral. Então os grileiros queimaram as roças e as casas dos camponeses, inclusive acarretando a morte da mulher de José Porfírio. No final da década de 1950, com a contribuição do PCB, toda a região estava organizada na Associação dos Lavradores de Trombas e Formoso, a organização foi se afirmando, até a região se tornar um município e Jose Porfírio foi eleito deputado estadual em 1962. Os posseiros ganharam muita força na região e formaram vários sindicatos, o que foi desmentalado em 1964, com o golpe militar. Depois de viver na clandestinidade, José Porfírio, foi preso em 1972, foi solto no ano seguinte e desapareceu. 37 Desde esse período a necessidade de formação sindical já se fazia presente entre as organizações, já colocavam a educação em suas diferentes dimensões sinalizando para o que chamamos hoje de formação programada (cursos, seminários, oficinas, etc), e a formação na ação que ocorre no cotidiano da organização, nas comunidades, no trabalho, mobilizações, intercâmbios, pesquisas, sistematização coletiva de experiências. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 90 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG c) Influência Influência do Partido comunista formação do Bloco Operário e Camponês (BOC) A mudança de ênfase no PCB sobre a realidade brasileira, que identifica a realidade brasileira como sendo de um capitalismo agrário semi-feudal, leva o partido a formar o Bloco Operário e Camponês (BOC) em 1927, incorporar a luta contra a política da oligarquia, buscar aliança com a Coluna Prestes e atuar na área rural brasileira. A análise da sociedade como sendo um país semi-feudal, onde a revolução seria feita por etapas: a primeira, de caráter nacional e democrático, seria anti-imperialista e anti-feudal, para isso teria que fazer alianças entre o operariado e o campesinato; a segunda, de caráter socialista. Essa tese se fundamenta na revolução leninista, pois para Lênin, a etapa primeira representada pela revolução democrático-burguesa é constituída pelo desenvolvimento do capitalismo. Embora esse processo revolucionário deva estar sob a direção política do proletariado, suas tarefas consistem em desenvolver as forças produtivas capitalistas (modernas), a fim de que possam ser eliminadas as antigas formas de produção ainda existentes nessas sociedades atrasadas. Por isso, a estratégia fundamental no operariado não pode basear-se na luta contra o capital, mas sim numa aliança com o campesinato para enfrentar o feudalismo. É esse caráter democráticoburguês que a proposta do BOC confere, a partir de 1928, à luta de classes. As divergências com relação a essa aliança, os resultados da revolução de 1930 e as definições do comunismo internacional levaram a uma re-orientação para a “obreirizaçao”, que consistia em substituir os intelectuais por operários nos cargos e instâncias partidárias e o fim do BOC. Na verdade essa aliança acabou tendo uma dimensão mais eleitoral de assegurar candidaturas que assegurassem a defesa dos interesses proletários, daí a necessidade de ampliar sua ação e se aproximar de outras organizações progressistas. Daí os acenos a setores da pequena burguesia como forma de romper o bloqueio à ação política que lhe era imposto não só pelas classes dominantes como também pela sua própria fraqueza interna. Com isso entendemos porque o BOC vai centrar sua ação nas questões sociais, sem questionar o sistema social vigente, pleiteando, reformas modernizadoras. Essa aliança retoma na ação do partido na década de 1960 com a participação na organização das Ligas Camponesas e dos sindicatos rurais. SEGUNDO MOMENTO: A IMPLANTAÇÃO DA ESTRUTURA SINDICAL NO BRASIL NO CONTEXTO DO ESTADO NOVO “Ninguém tem liberdade para ser livre, pelo contrário, luta por ela precisamente porque não a tem” (Freire, 1978). O fim da primeira guerra mundial (1914-1918), a revolução russa (1917), a quebra da bolsa de Nova York (1929), a crise do café, o movimento tenentista e a coluna Prestes marcou uma grande seqüência de manifestações de operários, artistas, militares, camponeses que começaram a reinvidicar a suspensão do pagamento da dívida externa, a reforma agrária, a elaboração de uma legislação protegendo os trabalhadores rurais e colonização em terras devolutas com base em pequenas propriedades. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 91 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG A revolução de 1930, inaugura as condições que permitiriam no decorrer dos anos seguintes, a modernização conservadora e a construção do Estado Moderno, criador de classes sociais modernas (burguesia industrial e proletariado), e o fortalecimento de uma classe média urbana, que insatisfeita com o domínio imposto pelas oligarquias agrárias. Lideradas pelo seu segmento mais radical, os “tenentes”, desencadeiam um ciclo de movimentos armados, cujo início é a revolta do Forte de Copacabana (1922), sucedendo-lhe a chamada Revolução de São Paulo, que culmina com a formação da Coluna Prestes (1924-1927). As oligarquias agrárias, ligadas á lavoura de exportação, entram enquanto classe, num persistente processo de decadência econômica, embora o sistema político continue fortemente influenciado por ela, que mostrou uma capacidade insuspeita de se manter no controle do poder político ate 1964. É importante notar que a oligarquia agrária foi capaz de diversificar seus negócios expandindo-se em atividades urbanas, e aproveitarse do capital industrial, através de associações, sem perder sem abrir mão do autoritarismo e conservadorismo, e sua vinculação com o rural, o que lhes garantia e fortalecia seus currais eleitorais. Os industriais que querem controlar o poder, o Estado, não tem força para fazê-lo sozinhos; apelam, então, para uma aliança com a classe operária e a chamada “classe média”, tendo Getúlio Vargas com seu representante, constituindo a aliança entre desiguais – populismo brasileiro- para permitir a consolidação do poder dos industriais contra o poder da oligarquia rural, essa aliança que se afirma na Região Sudeste, não consegue se estruturar no restante do Brasil. É dentro desse contexto que o Governo Vargas assina em 15 de março de 1931, o decreto conhecido como Lei de Sindicalização (decreto 19.770, de 19 de março de 1931). Até essa época todos os sindicatos eram formados por iniciativa de trabalhadores de uma profissão ou categoria e se mantinham através das contribuições de seus associados. Os sindicatos eram livres, independentes e funcionavam como organismos de luta por melhores condições de vida e salário. A lei de sindicalização definindo o sindicato como órgão de colaboração com o poder público, servindo de pára-choques entre tendências conflitivas nas relações do capital com o trabalho. Os diretores só podiam ser brasileiros natos ou com mais de 20 anos de residência, sendo obrigação do ministério do trabalho fiscalizar as assembléias e contabilidade dos sindicatos. A nova lei de sindicalização visava oficializar, ou seja, atrelar os sindicatos ao recém criado Ministério do Trabalho. Pelo projeto governamental, os sindicatos deveriam funcionar como um órgão de conciliação entre os trabalhadores e os patrões e como um órgão de caráter assistencialista. De fato, os objetivos básicos da Lei de Sindicalização eram claros: 1) transformar o sindicato, de arma autônoma dos trabalhadores, em agência colaboradora do Estado; 2) disciplinar o trabalho, considerando-o como mero fator de produção; e 3) evitar a emergência da luta de classes, utilizando o sindicato como “para-choque, entre o capital e o trabalho. O projeto sindical populista de Vargas previa a adoção de leis que, na verdade, eram conquistas ou reinvidicações dos trabalhadores ao longo de anos de luta, as chamadas leis sociais: pensões de aposentadoria, jornada de trabalho de 08 horas, proteção ao trabalho das mulheres e das crianças. A constituição corporativista de 1937 e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) consolidam a política varguista para o 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 92 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG movimento operário, com a instalação da justiça do trabalho e a criação do imposto sindical. A CLT exclui os trabalhadores rurais do direito a sindicalizar-se apesar de lhes assegurar o direito ao salário mínimo. A inexistência de uma organização no campo que aglutinasse essas bandeiras, à época, foi um dos fatores que impediram a elaboração e a implementação de uma legislação especifica para o campo. A construção da estrutura sindical oficial (e a ideologia corporativista que lhe dá suporte) não foi somente produto da repressão e do silêncio a que foram subjugados os setores mais combativos e de esquerda do movimento sindical brasileiro. Foi também resultado de uma série de medidas legais e político-ideológicas que engenhosamente articuladas, dentre as quais a educação constituiu um dos mecanismos de propaganda e de convencimento. O estimulo a sindicalização era acompanhada por uma propaganda doutrinaria que envolvia benefícios sociais advindos de um conjunto de leis trabalhistas, e a divulgação de um regime sindical especifico, o regime corporativista, principalmente por meio das práticas de formação sindical incentivadas pelo Ministério do Trabalho, nos sindicatos dirigidos por ministerialistas ou ‘amarelos’. Uma vez constituído o sindicato de acordo com a lei, exigia-se ainda, para o seu reconhecimento o envio de seus estatutos ao Ministério do Trabalho para aprovação, além da presença permanente nos sindicatos em assembléias e no controle das finanças. Portanto, significando progressivamente a implantação de um projeto totalitário de poder. No entanto, as influências das correntes comunistas e anarquistas criaram organizações paralelas como foi o caso do Pacto da União Intersindical (PUI), organizado a partir da greve de 1953, em São Paulo que chegou a aglutinar não só sindicatos mas federações de mulheres, associações de bairro, entidades estudantis. Também o Pacto de Unidade e Ação (PUA), de 1957, ou o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), de 1962, deram certa autonomia e permitiram articular melhor as lideranças e deram mais vigor as lutas dos trabalhadores (Abreu e Lima, 2005). No que se refere à defesa dos direitos trabalhistas na área rural, foram organizados sindicatos de forma localizada e isolada, além de associações mais voltadas aos interesses dos pequenos produtores, como arrendatários, parceiros, posseiros e pequenos proprietários. Embora existisse uma legislação que permitia a criação de sindicatos, somente em 1944 através do Decreto 7.038 se autoriza de forma explicita a sindicalização rural, porém esta lei não foi implementada. Assim até 1955, o Ministério do Trabalho só tinha reconhecido o sindicato rural de Campos, Rio de Janeiro (que tinha sido criado em 1938), o mais antigo do país, e em seguida: Barreiros, Rio Formoso e Serinhaém, em Pernambuco; Belmonte, Ilhéus e Itabuna, na Bahia; Tubarão em Santa Catarina. Muitas eram as dificuldades para esse tipo de organização: a legislação trabalhista era feita para os trabalhadores urbanos, não considerando a especificidade do trabalho no campo, quase não existiam juntas de conciliação e julgamento nas cidades do interior, o código civil não permitia a organização de sindicatos rurais, e os proprietários rurais agiam de forma repressiva, inclusive acionando a polícia para reprimir qualquer tentativa de organização e mobilização dos trabalhadores (as) rurais. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 93 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG TERCEIRO MOMENTO: OS CAMPONESES ORGANIZADOS COMO CLASSE Somos gente nova vivendo a união Somos povo, semente de uma nova nação, ê, ê Somos gente nova vivendo o amor Somos comunidade, povo do Senhor, ê, ê Vou convidar os meus irmãos trabalhadores Operários, lavradores, biscateiros e outros mais E juntos vamos celebrar a confiança Nesta luta na esperança de ter terra, pão e paz. Zé Vicente Após a segunda guerra mundial, houve uma aceleração do processo de penetração capitalista, no campo, com a construção de grandes obras e expansão de crédito. Nesse processo, foram duramente atingidos os foreiros, parceiros, pequenos proprietários e moradores de engenho (que tinham direito a cultivar a lavoura branca e a obrigação de prestar três dias de serviço por semana ao proprietário). Através da expulsão do morador, da supressão do direito do cultivo do sitio, do aumento dos dias de cambão. Como reação a esse processo, as organizações camponesas passaram a se contrapor, de forma articulada, contra as ações de despejo acionadas pelos usineiros e latifundiários. No período de 1954 a 1964, surgiram três grandes organizações camponesas que deram uma outra fisionomia ao debate e as lutas dos camponeses (as) no País: a) Ligas camponesas Em 1955, os donos do Engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão, impuseram o aumento do foro e tentaram expulsar os foreiros da terra, que resistiram ao processo de despejo, e começaram a participar da formação da Sociedade Agrícola dos Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco (SAPPP), fundada inicialmente com fins basicamente assistenciais, para fornecer assistência médica, jurídica, criar escolas e uma caixa funerária para seus associados, e posteriormente, se tornando um movimento de luta pela Reforma Agrária que se espalhou por vários Estados do Nordeste. “A repressão atribuiu o nome de Ligas à organização desses trabalhadores para caracterizá-los como comunistas, em alusão ao nome por estes utilizados para certas organizações populares”(Abreu e Lima, 2005). A partir das Ligas os camponeses organizados faziam um trabalho de denúncia, agitação, resistência na terra e mobilizações. As ligas utilizavam diferentes estratégias para organizar e formar os trabalhadores: conversas na feira, na missa, nos locais de trabalho, boletins, cordéis, etc. As Ligas se organizavam em “delegacias ou núcleos, por município, distritos ou fazendas. Em âmbito local, eram compostas só de camponeses; no nível estadual além das lideranças camponesas, envolvia profissionais liberais, intelectuais, estudantes, parlamentares”. (Abreu e Lima, 2005). b) União dos Lavradores e Trabalhadores Trabalhadores Agrícolas – ULTAB Mesmo na ilegalidade, o PCB manteve algum trabalho no campo, e em 1954, 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 94 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG na II Conferencia Nacional de Lavradores, foi fundada a ULTAB, com a presença de 303 representantes de 16 estados, tendo-se discutido o direito a organização dos trabalhadores rurais em associações e sindicatos, o direito de greve, a reforma agrária, previdência social, adoção de medidas de apoio a produção etc.., sendo a primeira experiência na perspectiva sindical no campo brasileiro. c) Movimento dos Agricultores Agricultores Sem Terra – MASTER Surgiu no Rio Grande do Sul em 1950, a partir da resistência de 300 famílias de posseiros, inovava com relação às formas de luta, pois executava a ocupação de terras, formando acampamentos e organizando estratégias de defesa, dentro das terras dos latifundiários, em áreas previamente escolhidas. Essas três organizações durante sua existência assumiram algumas lutas de forma unificada, como por exemplo, a greve no setor canavieiro em Pernambuco, em 1963, que obteve conquistas significativas para a categoria ou a participação em Congressos como o I Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, realizado em 1961, que embora explicitasse as divergências, marcou o reconhecimento social e político da categoria camponesa e o reconhecimento do seu potencial organizativo dentro da sociedade brasileira. A partir, o movimento camponês cresceu e as discussões sobre a questão fundiária ampliaram-se, atingindo outros setores da sociedade, inclusive a Igreja Católica, que passou a atuar na perspectiva de fortalecer a posição da Igreja entre os camponeses através da criação de sindicatos38. A década de 1960 chega com o país falando de reformas de bases. As principais eram a reforma agrária, reforma na educação e no sistema bancário. Nesse período foi criado o Estatuto do Trabalhador Rural (1963), que concedia aposentadoria por invalidez ou por velhice como resultado das lutas lideradas pelas Ligas Camponesas no Nordeste, que aliavam as lutas por direitos trabalhistas e reforma agrária e do surgimento dos sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, das federações e da CONTAG, o que já era o bastante para deixar os latifundiários muito aborrecidos com o governo. CAMPO: PO: CONTAG SURGE A PRIMEIRA ORGANIZAÇÃO SINDICAL NACIONAL NO CAM Ainda que o gesto me doa, não encolho a mão: avanço levando um ramo de sol. Mesmo enrolada de pó, dentro da noite mais fria, a vida que vai comigo é fogo: esta sempre acesa Thiago de Mello A existência das Ligas Camponesas, da ULTAB, do Master e a influência do 38 No Rio Grande do Norte, o então Bispo Dom Eugenio Sales funda em 1960 o Serviço de Orientação Rural (SAR) uma organização beneficente da Igreja destinada a fundar sindicatos. Até 1962 48 sindicatos foram fundados e 16 deles foram reconhecidos. Em Jaboatão (PE) o padre Crespo e o Padre Antonio Melo no Cabo (PE) passam a criar sindicatos com um objetivo declarado de enfraquecer o avanço das Ligas Camponesas e do PCB. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 95 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG PCB e da Ação Popular- AP39, fizeram com que a organização dos trabalhadores(as) rurais em sindicatos fosse acelerada, as bandeiras de lutas atualizadas e ampliadas e estabelecidas linhas de ação comum. Esse processo culminou na realização do 1º Congresso Nacional dos Lavradores e trabalhadores agrícolas, em 1961, em Belo Horizonte coordenado pela ULTAB, que reuniu 1.600 delegados de várias organizações. Articular nacionalmente as lutas passou a ser uma das principais preocupações, apesar das diferentes correntes de pensamento, de concepções e de formas de organização. Em 1962, já existiam 42 federações, em alguns estados mais de duas: de assalariados, de lavradores, de pescadores, de agricultores, de trabalhadores rurais, sendo que 27 eram reconhecidas oficialmente pelo Ministério, que solicitou a realização de um Congresso Nacional para criação da Confederação, o que ocorreu em 22 de dezembro de 1963, com a participação de trabalhadores rurais de 18 estados, distribuídos em 29 federações, sendo reconhecida em 31 de janeiro de 1964, pelo Decreto Presidencial 53.517. “A CONTAG torna-se a primeira entidade sindical camponesa de caráter nacional reconhecida legalmente. Ajustou em seu interior diversas concepções e correntes de pensamentos, desde os setores mais à direita, setores da Igreja, provenientes das Ligas e os comunistas”. (Revista dos 40 anos da CONTAG). A mobilização popular a favor das reformas amedrontou a classe dominante, temiam que fosse apenas o começo de uma série de transformações radicais no país. A resposta das elites veio de imediato no dia 31 de março de 1964, as tropas militares ocuparam os pontos estratégicos do país, autoritarismo, desrespeito a constituição, perseguição militar, prisão e tortura para os opositores e censura prévia nos meios de comunicação, esse foi o quadro político criado pelo regime militar para arrasar toda oposição a sua forma de governar o país. Recém criada a CONTAG, na busca pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores do campo, pela reforma agrária, sofre de imediato a violência do golpe militar sobre as lideranças de sua organização, que viu bandeiras de lutas políticas dos trabalhadores, em especial, a da reforma agrária, serem colocadas em segundo plano. Já em 1964, foi decretada a Primeira Lei de Reforma Agrária do Brasil elaborada ainda no Governo João Goulart, acabou sendo promulgada com modificações, pela ditadura militar, sendo denominada Estatuto da Terra, que por um lado definiu regras para os contratos de arrendamento e parceria, como resposta as reinvidicações do movimento sindical, e por outro incentivou o pacote da Revolução Verde, que obrigou muitos agricultores familiares a saírem do campo, com um grande aumento da miséria na área rural e nas cidades. 39 Foi formada em Belo Horizonte (MG), em 1962, a partir de grupos de operários e estudantes ligados à Igreja Católica: a Juventude Operária Católica (JOC), Juventude Universitária Católica (JUC) e a Juventude Estudantil Católica (JEC). Nos primeiros anos da década de 1960, ainda fortemente influenciada pelo ideário humanista cristão, vinculada às estruturas formadas pela Igreja junto aos movimentos populares, a AP possuía penetração entre operários, camponeses e estudantes, principalmente entre os últimos. A AP deslocou militantes para as fábricas e para o meio rural, sendo efetuadas experiências em meios populares como o ABC paulista, da Zona Canavieira em Pernambuco, da região Cacaueira da Bahia, da área de Pariconha e Água Branca em Alagoas, e do Vale do Pindaré, no Maranhão. Foi da Juventude Estudantil Católica que partiram as primeiras discussões que operaram mudanças políticas e ideológicas e sua transformação em uma organização marxista-leninista. Em março de 1971, a AP formalizou a influência do marxismo e se proclamou partido com a denominação de Ação Popular Marxista-Leninista (APML), que continuou sua ação política durante a ditadura (ACO, 1985). 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 96 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Logo na sua criação tinha sido constituída uma equipe de “educação sindical” com o objetivo de capacitar lideranças e dirigentes a fim de mantê-los informados, nas temáticas do movimento e da realidade social e política do país. A formação sindical centrava sua ação na alfabetização dos trabalhadores (as), na difusão de práticas agrícolas e cursos políticos para formar novas lideranças, que durante a ditadura tiveram que atuar de forma quase clandestina. “Após a intervenção, foi constituída uma Junta Governativa que durante um ano administrou a CONTAG. No ano seguinte, uma diretoria foi eleita para administrar a entidade durante o período de 1965 a 1968, tendo como interventor José Rotta.”(Revista 40 anos da CONTAG). A partir de 1966, trabalhadores que resistiam à ditadura buscaram retomar o controle da entidade, e superar as dissidências alimentadas durante o período de intervenção, buscando a organização dos sindicatos e federações. A formação se traduzia em práticas educativas para garantir núcleos organizados nos locais de trabalho e para fortalecer o processo de retirada dos interventores e sindicalistas pelegos, impostos nos sindicatos e federações pela ditadura. Os materiais de comunicação sindical foram fundamentais para garantir minimamente uma ação articulada nacional, regional e estadual. Eram boletins, revistas e jornais, que tinham como objetivo central a conscientização e a socialização das vitórias e lutas do MSTTR. A criatividade marcou esse período. O cerceamento das liberdades individuais e coletivas inibia qualquer divulgação de trabalhos que pudessem, em seu conteúdo, ser interpretado como “ofensivo” ao governo e a “ordem pública”.(Revista 40 anos da CONTAG) O cotidiano e o estímulo à organização dos trabalhadores (as) rurais eram reproduzidos por meio de personagens. Também reproduziam as poesias, prosas e cordéis, escritas pelos trabalhadores (as) rurais, dialogando com os desafios do dia-a-dia, sem serem perturbados pela Policia ou pelo Ministério do Trabalho. Os autores das histórias utilizavam pseudônimos, caso a repressão militar resolvesse censurar os textos, os autores estariam protegidos. Outro instrumento utilizado no final da década de 1960 e meados de 1970, foi o sócio-drama. Priorizava a oralidade e a expressão corporal, para estimular uma visão crítica daquele momento que o país vivia sem chamar a atenção do poder público (Revista CONTAG 40 anos). O trabalho comunitário e de pequenos grupos foi á estratégia adotada durante muitos anos para resistir e formar novas lideranças durante a fase da ditadura. Eram organizações quase clandestinas em grande parte fomentadas ou apoiadas pela Igreja. Portanto, esse período nos ensinou a importância da comunidade, da formação de base, do trabalho em grupos, da importância do ambiente cultural na formação do ser humano, por exemplo, na Amazônia, as relações comunitárias de parentesco e de vizinhança foram à base da organização dos “posseiros”, durante toda a década de 1970. Os núcleos formados por famílias extensas e vizinhos, liderados pelos mais antigos, formavam uma rede importante de relações através das quais se recrutavam os membros das comunidades para as ações coletivas. Foi na experiência de comunidades já existentes, na sua organização já construída e na solidariedade que novos migrantes foram rompendo as fronteiras do latifúndio na região, e foram ficando na terra e produzindo. De meados da década de 60 até o final da década de 70, as lutas 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 97 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG camponesas eclodiam por todo o território nacional, os conflitos fundiários triplicaram e o governo, ainda na perspectiva de controlar a questão agrária determinou a militarização do problema da terra. A militarização proporcionou diferentes e combinadas formas de violência contra os trabalhadores. A violência do peão que é o jagunço da força privada, muitas vezes com o amparo da força pública. A violência da polícia, escorada na justiça desmoralizada, que decretou ações contra os trabalhadores, utilizando recursos dos grileiros e grandes empresários, defendendo claramente e tão somente os interesses dos latifundiários. No ano derradeiro do governo militar, 1985, os jagunços dos latifundiários e a polícia assassinavam um trabalhador (a) rural a cada dois dias. Essas diferentes ações fomentam a resistência e a luta por uma sociedade justa e solidária até os nossos dias. As desigualdades sociais e a exclusão continuam acirrando as contradições de nossa sociedade, portanto, a luta pela terra, pelo meio ambiente, pela cidadania, a soberania alimentar, os valores humanistas, a participação popular, a educação, a saúde, as relações igualitárias de gênero e etnia, vinculadas à luta por uma sociedade economicamente justa, ecologicamente sustentável com equidade e justiça social continuam na agenda do dia para tecer o amanhã. Tecendo a manhã João Cabral de Melo Neto Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele lançou e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito que um galo antes lançou e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACO. AÇÃO CATÓLICA OPERÁRIA. (1985) História da classe operária no Brasil: Gestação e nascimento -1500 a 1888. Rio de Janeiro: ACO. ABREU E LIMA, Maria do Socorro de. Construindo o sindicalismo rural: lutas, partidos, projetos. Recife: Editora Universitária da UFPE: Editora Oito de Março, 2005. ARROYO, Miguel. (2003). Pedagogias em Movimento – o que temos a aprender dos Movimentos Sociais? In: Currículo sem Fronteiras, v 3, n.1, pp. 28-49, Jan/Jun. Minas Gerais. CONTAG. Revista dos 40 anos. Brasília, 2004. GOHN, Maria da Glória. (1999) Educação não formal e cultura política: impactos sobre o 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 98 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG associativismo do terceiro setor. São Paulo, Cortez. (Coleção Questões da nossa época; v.71). MANFREDI, Silvia Maria. Formação Sindical no Brasil: história de uma prática cultural. São Paulo: Escrituras Editorial, 1996. MEDEIROS, Leonilde Servolo. História dos movimentos sociais no campo. Rio de Janeiro: FASE, 1989. NEVES, L.A. O comando geral dos trabalhadores (CGT) no Brasil (1961-1964). Belo Horizonte: Vega, 1981. SILVA, Maria do Socorro. Da raiz a flor: a produção pedagógica dos movimentos sociais e a Educação do Campo. NEAD/Brasília, 2006. TRONCA, Ítalo A. Revolução de 30: a dominação oculta-São Paulo:Brasiliense, 2004. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 99 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG TRAJETÓRIA POLÍTICA DA CONTAG - AS PRIMEIRAS LUTAS40 Na década de 50, as organizações camponesas passaram a se contrapor, de forma articulada, contra as ações de despejo acionadas pelos usineiros (Porecatu/PR) e da luta dos posseiros e arrendatários de Trombas e Formoso, em Goiás, onde várias lideranças se destacaram. Em Pernambuco, fundaram a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores, promovendo uma das mais importantes lutas da época, no Engenho Galiléia, município de Vitória de Santo Antão, nos limites da região Agreste com a Zona da Mata de Pernambuco. Foi quando surgiu a primeira experiência de Ligas Camponesas e, conseqüentemente, de resistência camponesa articulada a objetivos políticos mais definidos (...). A luta camponesa passa a ter uma postura politizada e politizadora. No processo de organização e luta, foram criadas outras organizações como o Movimento dos Agricultores Sem Terra – MASTER na região sul do país. As várias formas de organizações camponesas passaram a sentir a necessidade de uma articulação nacional que representasse os interesses e as demandas específicas. Em 1954, surgiu a União dos Lavradores Agrícolas do Brasil – ULTAB, ULTAB durante a II Conferência Nacional dos Lavradores, Lavradores realizada em São Paulo. O primeiro presidente foi Lyndolpho Silva, que, uma década depois, viria a ser o primeiro presidente da CONTAG. CONTAG Nessa conferência, foram identificadas as bandeiras prioritárias entre elas o ”estímulo à criação de sindicatos de trabalhadores rurais”. CONTAG – PRIMEIRA ORGANIZAÇÃO SINDICAL NACIONAL NO CAMPO As Ligas Camponesas, O MASTER, A Ação Popular – AP (ligada aos católicos radicais) e a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil – ULTAB, dentre outros, fizeram com que a organização dos trabalhadores rurais em sindicatos fosse acelerada. As organizações de esquerda com atuação no campo buscaram atualizar e ampliar as bandeiras de luta e estabelecer linhas de ação comuns. Neste sentido organizaram: o 1º Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas (1961) – convocado e coordenado pela ULTAB; em 1962 acontece o 1º Congresso de Trabalhadores na Lavoura do Nordeste; em 1963 a ULTAB organizou a 1ª Convenção Brasileira de Sindicatos Rurais (Natal-RN). Em 1963 uma greve no setor canavieiro envolveu a Federação dos Lavradores, as Ligas Camponesas e sindicatos autônomos. Em 22 de dezembro de 1963, trabalhadores rurais de 18 estados, distribuídos em 29 federações, decidiram pela criação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG, reconhecida em 31 de janeiro de 1964, pelo Decreto Presidencial 53.517. A CONTAG torna-se a primeira entidade sindical camponesa de caráter nacional legalmente reconhecida. A CONTAG nasceu em um momento crítico da atividade política do país, resistindo ao regime imposto pelos militares. 40 Publicação – Revista Contag 40 anos 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 100 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG O golpe militar de 64 foi uma contra-revolução que barrou mudanças estruturais de democratização da sociedade brasileira. O golpe foi deflagrado contra o governo de João Goulart. Nos primeiros dias após o golpe, uma violenta repressão atingiu setores politicamente mais mobilizados à esquerda como, por exemplo, o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), a União Nacional dos Estudantes (UNE), as Ligas Camponesas e grupos católicos como a Juventude Universitária Católica (JUC) e a Ação Popular (AP). Os dirigentes sindicais mais combativos foram cassados, presos, torturados e substituídos por interventores que conduziam os sindicatos como órgãos de colaboração do Estado. Com o golpe militar, a direção da CONTAG foi deposta e alguns dirigentes foram presos. Milhares de pessoas foram presas e casos de tortura transformaram-se em atos comuns. As pessoas também foram atingidas em seus direitos individuais e coletivos. O Ato Institucional (AI) foi criado pelo governo militar – cujo objetivo era justificar os atos de execução. Os militares justificavam sua ação afirmando que o objetivo era restaurar a disciplina e deter a “ameaça comunista”. Com o golpe, deu-se início à implantação de um regime político marcado pelo “autoritarismo”. O Estatuto da Terra, elaborado durante o governo de João Goulart, foi promulgado devido às pressões internacionais e internas, mas, com profundas modificações. Ainda assim, marcou uma nova etapa em relação à legislação existente, permitindo, dentre outras coisas, a intervenção do Estado no setor fundiário, mediante a desapropriação de terras por interesse social. O governo militar concentrou-se na modernização das relações capitalistas no campo e nos projetos de colonização nas áreas de fronteira, preocupando-se com um projeto agrícola afinado com sua política econômica. Colocou à margem a pequena produção e favoreceu a ampliação ainda da concentração de terra e de renda no país. Houve um estímulo à especulação com a terra e de concessões a grandes empresas para atuarem no campo. A idéia aguçou o conflito em torno da propriedade, em especial nas áreas de fronteira agrícola. A política salarial, controlada pelo governo, impedia os aumentos reais e garantia ao patronato à crescente exploração de mão-de-obra barata. A repressão à atuação sindical não permitia que os assalariados rurais pleiteassem seus direitos trabalhistas. Os pequenos e médios produtores foram incentivados a se modernizarem, adquirindo máquinas e equipamentos mediante financiamentos que, mais tarde, não conseguiram saldar. Essa situação, aliada à ausência de uma política diferenciada de créditos, resultou na perda de muitas propriedades, tornando irreversível o processo de concentração fundiária. As lideranças políticas sindicais comprometidas com a luta por direitos e liberdade, resistiram como puderam ao regime militar e no 1º Congresso Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CNTR. No 1º Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais da CONTAG, realizado em São Paulo, estava clara a existência de dois grupos políticos, um ligado ao interventor e, outro ligado a trabalhadores e lideranças que se mostravam comprometidos com as lutas dos trabalhadores. Em 1967, o Rio de Janeiro é transformado em sede da Conferência Nacional Intersindical, congregando representantes dos trabalhadores rurais, bancários e industriários. Nessa conferência, a defesa da reforma agrária foi unânime, contando com a presença de sindicalistas rurais de quase todos os estados. Foi o início de uma articulação ampla, urbana e rural, de consolidação de uma chapa para concorrer às eleições da CONTAG. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 101 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Fruto da união operária e camponesa, por apenas um voto de diferença, a chapa encabeçada por José Francisco da Silva impõe a derrota ao interventor e então presidente da CONTAG, José Rotta. Empossada, a nova diretoria (1968) convocou todas as federações para um encontro, em Petrópolis (RJ), a fim de elaborar um Plano de Integração Nacional - PIN. A preocupação maior era criar um instrumento capaz de garantir a unidade do MSTR diante da divisão política revelada no processo eleitoral. O PIN elegeu a reforma agrária como uma das bandeiras de luta capaz de propiciar a unidade do movimento, pois seria de fundamental importância não apenas para os diretamente envolvidos nos conflitos pela terra, mas também para o pequeno produtor e o assalariado. O PIN previu ações específicas para cada setor. No caso dos assalariados, por exemplo, foram incentivadas as ações coletivas, em grande número, para abarrotar as Juntas de Conciliação e Julgamento, forçando uma tomada de posição favorável aos trabalhadores. Essa proposta, quando levada à prática, causaria uma reação violenta do patronato e do poder público, que ameaçavam e puniam os líderes sindicais, por promoverem reuniões dos grupos nos Sindicatos de Trabalhadores Rurais. A formação de líderes era essencial para o futuro do MSTR. Por meio de cursos sobre a realidade brasileira, legislação trabalhista, agrária, agrícola, cooperativismo e de organização sindical, iniciou um contínuo trabalho de conscientização dos trabalhadores rurais sobre os seus direitos, qualificando-os para a luta cotidiana. O PIN marcou a singularidade do MSTTR dentro do sindicalismo brasileiro. Enquanto as outras confederações urbanas existentes tinham dúvidas entre resistir ou aceitar a intervenção no movimento sindical, a CONTAG optou pelo enfrentamento ao poder econômico e político em uma de suas principais bases: a democratização da terra e a organização política dos trabalhadores rurais, por meio da formação de lideranças. Durante os ‘anos duros’ do regime ditatorial militar, 1968 e 1969, os dirigentes do MSTR aceleraram o processo de organização e politização da categoria. Lançaram o periódico “O Trabalhador Rural”, informativo que levava as idéias e propostas da direção da CONTAG acerca das bandeiras de lutas e da organização sindical às Federações. Nesse período, a direção da CONTAG qualificou ainda mais a sua forma de comunicação com a base, lançando a revista mensal “O Trabalhador Rural”, apresentando análises sobre a conjuntura nacional e sugerindo encaminhamentos para reflexão nos estados. Num dos primeiros números dessa revista, foi transcrita a carta ao Papa Paulo VI, assinada por José Francisco, que reafirmava: “É, para vencer barreiras centenárias de irracionalidades geradas pelo latifúndio, sinônimo de um poder político, econômico, social e cultural que contrariam a função social de propriedade, é necessária uma decisão drástica e enérgica pela reforma agrária”. Os textos reproduzidos no periódico demonstram explicitamente o enfrentamento da CONTAG diante das políticas do governo militar. A necessidade de organizar os trabalhadores nos municípios e constituir sindicatos era uma das grandes demandas do movimento sindical naquele momento. A revista “o Trabalhador Rural” era um dos meios utilizados para chamar os trabalhadores para organização sindical. Um espaço chamado “Conversa de Caboclo” que contavam estórias sobre o cotidiano dos trabalhadores rurais, criadas pela equipe técnica da Contag e assinadas com nomes fictícios, para chamar a atenção dos camponeses sobre a importância da organização sindical. Em uma dessas estórias consta esse trecho: “E quem é esse sindicato, que vai dar nosso valor? É uma sociedade composta de agricultor. Nós 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 102 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG vai lá se reunir, pra acabar com a tal de meia. Que sempre nos tem trazido amarrado no nó da peia.” A luta essencialmente corporativa, nunca foi a marca do movimento sindical coordenado pela CONTAG, já em 1968, preocupados com a importância da educação para o desenvolvimento do campo, foi organizado um Encontro Nacional em Petrópolis. Reunindo diversos representantes das Federações concluíram que: a) o diálogo deve ser a base para a construção de uma proposta educativa para o campo; e b) o método a ser utilizado, deve levar em conta o conhecimento da realidade, que será criticada, para daí se chegar à escolha da ação e a própria ação, conhecimento e crítica. Na revista “O Trabalhador Rural”, a direção da CONTAG politizou o debate sobre o papel da organização sindical e utilizou repetidamente o lema “Sindicalismo autêntico, é Sindicalismo livre”. Denunciou a intenção de cooptação do governo através do assistencialismo. Demonstrou que o conceito de desenvolvimento do governo era diferente da idéia do MSTR: “milhões de camponeses continuam morrendo de fome (...), mas o Brasil está em franco crescimento. Sim, porque crescer é bem diferente de desenvolver”. Levantamento elaborado pela CONTAG, em 1971, demonstraram que a estratégia adotada pelo MSTR foi acertada, conforme a tabela abaixo: Levantamento numérico do movimento sindical em 22 estados, inclusive Brasília e Guanabara, de 1960 a 1971. Municípios brasileiros Inicio de 1969 3959 Final de 1971 3959 Municípios com Municípios sem Média de sindicatos sindicato sindicatos 705 1045 3254 2914 sócios por 800 1132 Fonte: Revista O Trabalhador Rural Em março de 1971, 1971 ocorreu a Reunião do Conselho Deliberativo que escolheu a diretoria da CONTAG para o triênio 1971/1974, tendo como presidente José Francisco/PE, Francisco/PE esta foi a 4ª eleição da CONTAG. A CONTAG segue sua trajetória e realiza seu 2º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais - CNTR em 1973, que representou um marco para a organização da classe trabalhadora rural, logo o governo militar buscou impedir a posse da diretoria eleita. Em maio de 1977 foi empossada a direção para o triênio 1977/1980. Em 1979 acontece o 3º Congresso Nacional Nacional dos Trabalhadores Rurais, Rurais dando visibilidade nacional ao sindicalismo de trabalhadores coordenados pela CONTAG. Em abril de 1980, foi empossada a direção para o triênio 1980/1983 e a festa de posse contou com a presença dos exex-dirigentes Lyndolpho Silva Silva e José Pureza da Silva, ambos fundadores da CONTAG, de volta ao país após vários anos de exílio. Durante o 3º Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais, em 1979, em seu discurso de abertura, o presidente José Francisco recordou: “apesar das condições desfavoráveis para o trabalho sindical entre o último Congresso e os dias atuais, passamos de 19 para 21 Federações, de 1.500 sindicatos para 2.275, de dois milhões e meio de associados para mais de cinco milhões”. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 103 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG A CONTAG estava consolidada, não como um espaço desse ou daquele ‘modo de pensar o sindicalismo’, mas de todas as correntes políticas existentes. Rompeu com a visão imediatista da luta sindical e buscou atender às outras dimensões e necessidades do ser humano, inclusive, apontando o conceito de desenvolvimento que se queria para o campo: “O desenvolvimento deve vir acompanhado de transformações sociais e políticas”. O mesmo aconteceu com o estímulo à participação, em registros internos, vê-se que reuniões de avaliação e planejamento sempre estiveram presentes na história dessa entidade, inclusive, com a participação da assessoria nesses momentos, demonstrando como praticar democracia interna, mesmo em momentos difíceis e sob ameaça constante dos militares. No 4º CNTR em 1985 o debate sobre o modelo de reforma agrária defendido pelo MSTR foi o ponto alto. Os delegados aprovaram a realização de eleições da CONTAG e Federações em Congresso, com mandato de três anos. Em dezembro de 1985 aconteceu a 1ª Eleição Congressual da história da CONTAG. Apesar da deliberação do 4º CNTR, a eleição da Diretoria e do Conselho Fiscal da CONTAG, gestão 1989/1992, 1989/1992 não aconteceu em congresso. As urnas foram colocadas nas sedes das federações. A votação foi de um delegado por sindicato. A Diretoria Efetiva teve como presidente presidente Aloísio Carneiro/BA. Carneiro/BA Nessa eleição foi eleita a primeira mulher, Gedalva de Carvalho/SE, enquanto suplente da direção da entidade. No 5º CNTR, CNTR em novembro de 1991 a participação da base foi ampliada qualitativa e quantitativamente. Elegeram o dirigente Francisco Urbano/RN como presidente da CONTAG. Em agosto de 1994 foi realizado o 1º Congresso Nacional Extraordinário dos Trabalhadores Rurais – CNETR. Neste congresso participaram a direção executiva da CONTAG, a direção efetiva das federações e os delegados eleitos em número correspondente a 10% dos sindicatos filiados a cada federação. Foi assegurada a participação das diretoras da CONTAG, como delegadas, e de duas trabalhadoras rurais por estados. O 6º CNTR acontece em maio de 1995 explicitando a necessidade da classe trabalhadora rediscutir a sua prática de luta e de convivência democrática com as divergências. O 6º CNTR foi um marco, pois a partir daí o Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – MSTTR incorporou o conceito de agricultura agricultura familiar às suas formulações, dando os passos iniciais para a construção de um projeto alternativo de desenvolvimento rural, a participação efetiva das mulheres na Diretoria da CONTAG e uma maior abertura para os jovens e as pessoas da 3ª idade. No 6º CNTR também foi aprovada a filiação da CONTAG à Central Única dos Trabalhadores - CUT. Em 1995 foi oficializada estatutariamente a Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais, cuja Coordenadora passou a integrar a Diretoria da CONTAG. A Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais – CNMTR elege a sua Coordenadora Nacional, Margarida Maria Alves da Silva (Hilda) do STTR de Surubim/PE. Dois anos (1997) depois foi realizada a 1ª Plenária Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais que discutiu as lutas específicas das mulheres e a sua relação com as lutas do conjunto da categoria. O 7º Congresso representou um marco, em 1998 mais de 1.400 delegados e delegadas debateram e aprovaram um Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável – PADRS. Nascia o PADRS representando um passo significativo para a articulação e 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 104 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG unificação das lutas da categoria na esfera nacional e para o fortalecimento de um novo tipo de interseção campo e cidade. O projeto ampliou a visibilidade política das mulheres coordenadas pela CNMTR, que já haviam conquistado a inclusão da Coordenação da Comissão Nacional no Estatuto da CONTAG. Incluíram mais um “T” no nome do congresso, que passou a ser 7º Congresso Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – CNTTR. Foi aprovada também a cota de, no mínimo, 30% de mulheres em todas as instâncias do sindicalismo rural. Foi eleito como presidente Manoel José dos Santos/PE. Neste Congresso os trabalhadores e trabalhadoras rurais aprovaram: o Projeto Alternativo de Desenvolvimento Desenvolvimento Rural Sustentável - PADRS, PADRS, tendo por princípio a realização de uma ampla e massiva reforma agrária, expansão, valorização e fortalecimento da agricultura em regime de economia familiar, centrado na inclusão social, no desenvolvimento social, econômico, ecologicamente sustentável e no fim de todas as discriminações, em especial as de gênero, de geração, raça e etnia. Para a implementação do Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável - PADRS desenvolveu-se um trabalho de formação de lideranças em desenvolvimento local, através do Programa de Desenvolvimento Local Sustentável – PDLS, voltado para a animação e estímulo a processos de desenvolvimento sustentável ao nível local, possibilitando uma maior intervenção nas políticas públicas e nos Planos Municipais. Em outubro de 1999 foi realizado o 2º Congresso Extraordinário buscando atualizar e potencializar o MSTTR para o desafio de implementação do PADRS. o 2º CNETTR discutiu e deliberou especificamente sobre estrutura, organização, gestão e auto-sustentação do MSTTR. Este processo de avaliação e discussão interna tem possibilitado continuar na construção de um movimento sindical autônomo, combativo, ético e participativo. Em Março de 2001 acontece o 8º CNTTR , onde o MSTTR reafirmou a estratégia estratégia de continuidade e o avanço no processo de implementação do PADRS, indicando a necessidade de atuação efetiva na organização da produção e comercialização. Foi criada a Comissão Nacional de Jovens Trabalhadoras e Trabalhadoras Rurais e a Coordenadora da Comissão, Simone Battestin/ES foi eleita junto com a Direção Efetiva da CONTAG. Neste congresso foi deliberada a necessidade do MSTTR participar articuladamente das Eleições Eleitorais e de eleger representantes dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Os Congressos da CONTAG garantiram o debate, a socialização e a integração nacional das políticas do Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – MSTTR. Ver anexo I sobre a trajetória das Eleições e Congressos Nacionais da CONTAG. Desde então, o Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais vem aperfeiçoando suas proposições e ações em torno da construção e implementação do PADRS, se contrapondo aos padrões dos sucessivos modelos de desenvolvimento implementados no Brasil. Modelos estes, que embasados na preservação do latifúndio e na produção de monoculturas para exportação, fizeram aprofundar a exclusão social, o desemprego, a concentração da terra e renda, sendo responsáveis, também, pela violência no campo e pela alta degradação ambiental.41 Como também, implementando e ajustando, permanentemente, o Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável - PADRS. Sua última atualização ocorreu no 9º Congresso Nacional da CONTAG, realizado em Brasília, no ano de 2005. Dentre os vários 41 PORTO, Cleia Anice. “Reforma Agrária e Agricultura familiar como base para o desenvolvimento rural – Sustentabilidade e qualidade de vida, Reforma Agrária e Meio Ambiente, Instituto Socioambiental, 2003, p.107 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 105 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG ajustes, ressalta-se a reflexão sobre o princípio da SOLIDARIEDADE. SOLIDARIEDADE Durante o 9º Congresso, Congresso as trabalhadoras e trabalhadores rurais entenderam não ser possível se opor ao neoliberalismo sem implementar profundas mudanças nas relações sociais estabelecidas entre homens e mulheres, de todas as idades, raças e etnias que vivem e trabalham no campo. Logo, a solidariedade foi compreendida enquanto principal elemento para a construção de relações fraternas entre a classe trabalhadora rural, na perspectiva de um mundo melhor. Nosso projeto passou a ser denominado: Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário – PADRSS. A construção do PADRSS foi a primeira iniciativa concreta de unificar as demandas do campo, considerando as diferenças e especificidades regionais, culturais, produtivas, ambientais, organizativas, de gênero, geração, raça e etnia. E ainda propõe alternativas específicas que consideram as demandas das pessoas no âmbito das suas características produtivas, a exemplo das assalariadas e assalariados rurais, das agricultoras e agricultores familiares, assentados, acampados, meeiros, posseiros, extrativistas, dentre outros. A incorporação das propostas do PADRSS no dia-a-dia do MSTTR estimulou profundas mudanças em nossas entidades, garantindo um salto qualitativo e dinâmico às respostas necessárias ao atendimento das demandas da base. A ampliação das frentes de lutas do MSTTR foi uma delas. Não bastava atuar nas questões trabalhistas, previdenciárias, de acesso à terra e crédito, sem articular essas lutas com outras políticas necessárias e estratégicas para garantir o desenvolvimento rural sustentável que se pretende. A ampliação das frentes de lutas acabou estimulando o MSTTR a expandir e qualificar suas direções. Foram criadas as secretarias específicas, primeiramente na CONTAG, em seguida nas Federações, e em muitos Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais. Essas mudanças apontaram para a necessidade de investir na formação política, sindical e profissional de novas novas lideranças sindicais e técnicas do MSTTR. Essas ações formativas deram visibilidade a um público estratégico para as mudanças, a juventude e as mulheres trabalhadoras rurais. Ainda hoje, esse processo formativo busca conjugar a formação política sindical com as demandas por melhoria das condições de trabalho, aumento da renda e dos salários, direitos trabalhistas e previdenciários, elevação dos níveis de escolaridade, de formação e requalificação profissional, habitação rural, saneamento básico, saúde pública e de qualidade, educação do campo e lazer.42 Conjugadas com as demandas estruturantes do desenvolvimento rural sustentável, como o acesso à terra, crédito, infra-estrutura social e produtiva, condições de comercialização, tecnologias de produção adaptada à agricultura familiar e aos ecossistemas. A estratégia do MSTTR se orientou pelo estímulo à participação política e à gestão democrática na comunidade, município, território ou região, levando os excluídos e marginalizados do campo a serem protagonistas de uma outra realidade, sem perder de vista a articulação entre o local, o regional e o territorial com o global, o rural com o urbano, na perspectiva de uma sociedade justa, democrática, igualitária e solidária. Tal estratégia exige uma participação efetiva nos processos políticos e eleitorais, nos espaços de concepção e gestão de políticas públicas e, o permanente debate com a 42 Anais da 1ª Plenária Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – Novembro 2003 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 106 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG sociedade sobre a concepção de espaço rural e do desenvolvimento que propomos, tendo como um dos principais objetivos reverter o processo neoliberal e viabilizar políticas públicas necessárias à implementação do PADRSS. Não queremos dizer que o projeto vá resolver num passe de mágica os desafios históricos que estão postos para trabalhadores e trabalhadoras rurais brasileiras. Mas, sem dúvida, representa um salto qualitativo para nossa organização, mobilização, luta e ampliação das possibilidades concretas de implementarmos e consolidarmos o PROJETO ALTERNATIVO DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTAVEL E SOLIDÁRIO – PADRSS. A Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura – CONTAG, em seus 43 anos de existência, existência com o esforço e a participação de milhões de trabalhadores e trabalhadoras rurais, tem contribuído, de maneira decisiva, para a construção de uma sociedade mais justa, democrática, igualitária e solidária em nosso País. Em sua história de luta, a CONTAG continua engajada na defesa permanente dos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. É a maior entidade camponesa da América Latina organizada em 27 Federações Estaduais de Trabalhadores na Agricultura e 4.100 Sindicatos de Trabalhadores Rurais. Essa organização se constitui no Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais - MSTTR. MSTTR É essencial que tenhamos viva, unida e ativa essa grande estrutura de representação construída ao longo desses 43 anos, em prol do bem - estar da representatividade dos trabalhadores e trabalhadoras rurais do nosso país. A CONTAG foi fundada no dia 22 de dezembro de 1963 em 01 Congresso Nacional. Desde então, foram realizados mais 08 Congressos Nacionais de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, 02 Congressos Nacionais Extraordinários de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, 01 Plenária Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, 03 Plenárias Nacionais de Mulheres Trabalhadoras Rurais, 01 Congresso Nacional da Terceira Idade, 03 Encontros Nacionais de Juventude. A CONTAG nestes 43 anos se engajou nas principais lutas do povo brasileiro: contra a ditadura militar, militar pela anistia política, pela convocação da Assembléia Nacional Constituinte, por eleições diretas para presidente e governadores, no Movimento “Diretas Já”, na Constituinte de 1988 e foi participante do Comitê em Defesa da Ética na Política que levou ao “Impeachment” o presidente Fernando Collor de Mello. Os Congressos da CONTAG adquiriram cada vez maior importância política e capacidade no aprofundamento das questões de interesse da categoria. A história da CONTAG é marcada também por ações de massa em defesa dos interesses da categoria. A partir de 1995, o MSTTR passou a se mobilizar anualmente no “Grito da Terra Brasil” - nacional, estaduais e municipais - que hoje é considerado como a “data“database” para a categoria trabalhadora rural, marcada pela mobilização, proposição, reivindicação e negociação das políticas essenciais para o meio rural. A Marcha das Margaridas é outra ação de massa importante no contexto do MSTTR, em sua primeira edição mobilizou milhares de trabalhadoras rurais dos municípios, estados e regiões, contando também com a adesão das trabalhadoras urbanas. Foi reconhecidamente, a maior mobilização nacional de mulheres já realizada na história do país. Os principais objetivos da Marcha, foram o fortalecimento das organizações e comissões de mulheres nos STTRs, Pólos/Regionais, FETAGs, CONTAG, e principalmente a inclusão e organização das mulheres trabalhadoras de base; dar visibilidade e reconhecimento ao papel político, econômico, social e cultural das mulheres trabalhadoras 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 107 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG rurais no Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – MSTTR e na sociedade. A próxima Marcha das Margaridas acontecerá em agosto de 2007. A CONTAG procurou se estruturar como uma entidade legítima de representação dos trabalhadores e trabalhadoras rurais em defesa dos interesses da classe camponesa, contribuindo para a ampliação e o fortalecimento da organização e representação sindical no meio rural: reivindicando, mobilizando, propondo e negociando políticas agrícolas diferenciadas, direitos trabalhistas e políticas sociais que resgatam a área rural enquanto espaço de vida, de luta, de trabalho e de construção de conhecimentos capazes de promover as transformações necessárias para um desenvolvimento sustentável em nosso país. Nossa trajetória é fruto de organização, trabalho, articulação e mobilização dos Sindicatos e Federações de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais que, em cada município e estado, vêm, desde a fundação da CONTAG construindo o MSTTR. ANEXO I Trajetória das Eleições e Congressos Nacionais da CONTAG 1ª Eleição da CONTAG Em Congresso participativo, democrático e de construção de estratégias comuns, as organizações que atuam no campo criam a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG. O congresso contou com a participação de 29 federações, de 18 estados. Ao final, foi eleita a primeira Direção Executiva: Lyndolpho Silva/RJ, Sebastião Lourenço de Lima/MG, e Nestor Vera/SP. 2ª Eleição da Com o golpe militar, a direção da CONTAG foi deposta e alguns dirigentes presos. CONTAG Uma Junta Governativa foi indicada pelo Ministério do Trabalho e, no ano seguinte foi eleita para o período de 1965 a 1968 a diretoria composta por: José Rotta/SP; Euclides A. do Nascimento/PE; Joaquim B. Sobrinho/PA; João de A. Cavalcante/PA; José Lazaro/PR; Nobor Bito/; Agostinho J. Neto/RJ; Joaquim Damasceno/RN e Antonio J. de Faria/RJ. Para o Conselho Fiscal, foram escolhidos: Jose Felix Neto/SE; José Palhares/RN e João Jordão da Silva/PE. 3ª Eleição da Em 1968, as eleições contaram com duas chapas. Uma encabeçada por José CONTAG Rotta, que representava a influência do Ministério do Trabalho e, a outra chapa por José Francisco, contando com o apoio de entidades sindicais urbanas e da base do movimento sindical de trabalhadores rurais. A eleição ocorreu na reunião do Conselho Deliberativo da CONTAG, onde apenas 11 Federações votavam. Por apenas 01 voto de diferença, a chapa encabeçada por José Francisco saiu vitoriosa. Foram eleitos para o mandato de 1968/1971: José Francisco/PE; José Felix Neto/SE; Joaquim A. Damasceno/RN; José Ari Griebler/RS; Geraldo F. Miqueletti/PR; João de A. Cavalcante/PB; Agostinho José Neto/RJ; José Benedito da Silva/AL e Otavio F. Gomes/CE. O Conselho Fiscal: Joaquim Coutinho/RN; Tarciso G. Mendes/CE e Manoel P. da S. Filho/PB. 4ª Eleição da Em março de 1971, ocorreu a Reunião do Conselho Deliberativo que escolheu a CONTAG Diretoria da CONTAG para o triênio 1971/1974, composta pelos diretores efetivos: José Francisco/PE; Otávio F. Gomes/CE; Francisco Urbano de A. Filho/RN; Zacarias Pedro/SC; Acácio F. dos Santos/RJ; Agenor P. Machado/SP e José Felix Neto/SE. 2º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais - CNTR, a classe trabalhadora faz valer sua vontade. O congresso deliberou sobre: Legislação Rural, Educação, Previdência, Reforma Agrária e Desenvolvimento Agrícola. No encerramento, o presidente da CONTAG enfatizou a necessidade de cumprimento do Estatuto da Terra para: “estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a Justiça Social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio”. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 108 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Trajetória das Eleições e Congressos Nacionais da CONTAG 5ª Eleição da CONTAG Em março de 1974, o Conselho de Representantes da CONTAG elegeu a nova diretoria para o triênio 1974/1977. A Diretoria Efetiva foi composta por: José Francisco da Silva/PE; Octavio Adriano Klafke/RS; Paulo F. Trindade/ES; Jonas P. de Souza/MT; Francisco Urbano A. Filho/RN; José Felix/SE; Leocadio N. de Oliveira; Acácio F. dos Santos/RJ e José B. da Silva/AL. O Conselho Fiscal foi composto por: Álvaro Diniz; Euclides D. Canalle e João Tavares da Silva. 6ª Eleição da CONTAG Em maio de 1977, foi empossada a Direção para o triênio 1977/1980. A Diretoria Efetiva era composta por: José Francisco da Silva/PE; Roberto T. Horiguti/SP; Paulo F. Trindade; Orgenio Rott/RS; Francisco Urbano A. Filho/RN; José Felix/SE; Henrique Gomes Vilanova/PI; Acácio F. dos Santos/RJ e José B. da Silva/AL. O Conselho Fiscal foi composto por: Álvaro Diniz; Euclides D. Canalle e Jonas P. de Souza. 3º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais – CNTR – “Um marco na História da classe trabalhadora rural”. 7ª Eleição da CONTAG Em abril de 1980, foi empossada a direção para triênio 1980/1983. A Diretoria Efetiva era composta por: José Francisco da Silva/PE; Roberto T. Horiguti/SP; André Montalvão/MG; José B. da Silva/AL; Gelindo Zulmiro Ferri/RS; Jonas P. de Souza/MT; Eraldo Lírio de Azevedo/RJ; Francisco Urbano A. Filho/RN e Henrique Gomes Vilanova/PI. O Conselho Fiscal foi composto por: Álvaro Diniz; João F. de Souza e Norberto Kortmann 8ª Eleição da CONTAG Em abril de 1983, foi empossada a direção para o triênio 1983/1986. A Direção Efetiva era composta por: José Francisco da Silva/PE; Roberto T. Horiguti/SP; André Montalvão/MG; Estevam N. de Almeida/BA; Gelindo Zulmiro Ferri/RS; Jonas P. de Souza/MT; Eraldo Lírio de Azevedo/RJ; Francisco Urbano A. Filho/RN e Osmar Araújo/PI. O Conselho Fiscal foi composto por: Álvaro Diniz; João F. de Souza e Norberto Kortmann. 4º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais - CNTR, “Reforma Agrária para acabar com a fome e o desemprego no campo e na cidade”. “a democratização da terra é a base para a democracia no Brasil”. 9ª Eleição da CONTAG A Direção Efetiva era composta por: José Francisco da Silva/PE; Ezidio V. “1ª Eleição da história da Pinheiro/RS; Divino Goulart/GO; Francisco Sales/MA; André Montalvão/MG; CONTAG em Congresso” Jonas P. de Souza/MT; Elio Neves/SP; Eraldo Lírio de Azevedo/RJ; Francisco Urbano A. Filho/RN; Aloísio Carneiro/BA; Pedro Ramalho/MS e José Amadeu Araújo/CE. O Conselho Fiscal foi composto por: Henrique Gomes Vilanova; João F. de Souza e Norberto Kortmann. 10ª Eleição da CONTAG A Diretoria Efetiva eleita era composta por: Aloísio Carneiro/BA; José “Eleição da CONTAG de Francisco da Silva/PE; José Amadeu Araújo/CE; Antenor Beni/PR; Erny 1989 não ocorreu em Knortst/RS; André Montalvão/MG; Norberto Kortmann/SC; Vidor Jorge Congresso”. Faita/SP; Francisco Sales/MA; Francisco Urbano A. Filho/RN; Pedro Ramalho/MS e Adevair N. de Carvalho/ES. O Conselho Fiscal foi composto por: Jonas P. de Souza; Eraldo Lírio de Azevedo e Henrique Gomes Vilanova.Nessa eleição foi eleita a primeira mulher, a sergipana Gedalva de Carvalho, enquanto suplente da direção da entidade. As mulheres conquistam a Comissão Nacional Provisória da Trabalhadora Rural, que apesar de subordinada à presidência da entidade, dava os primeiros passos para consolidar a organização das mulheres trabalhadoras rurais. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 109 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Trajetória das Eleições e Congressos Nacionais da CONTAG 11ª Eleição da CONTAG 5º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais – CNTR. “TERRA, PRODUÇÃO, SALÁRIO”. “apesar das tentativas de desarticulação das organizações sociais promovidas pelo governo, o MSTR reuniu mais de dois mil delegados (as) de todo o país, para rediscutir e redefinir suas lutas”. A Direção Efetiva eleita era composta por: Francisco Urbano A. Filho/RN; Aloísio Carneiro/BA; José Francisco da Silva/PE; Juarez L. Pereira/MG; Tereza Silva/MG; Hilário Gottselig/SC; José Fialho/MS; Itálico Cielo/RS; José Raimundo de Andrade/PB e Francisco Sales/MA. Conselho Fiscal: Antonio Zarantonello; Wilson Paixão e Osmar Araújo. 1º Congresso Nacional Extraordinário dos Trabalhadores Rurais – CNETR “... não podemos sacrificar a nossa intervenção nos processos eleitorais gerais que o país viverá, convocando um congresso massivo em Brasília. As eleições de agora terão a responsabilidade de construir o amanhã...”. Constatando que o próximo congresso aconteceria na segunda quinzena de novembro, no mesmo período em que ocorreriam as eleições gerais de 1994, o Conselho Deliberativo aprovou a realização de um Congresso Extraordinário, em Brasília, em agosto de 1994. O Congresso Extraordinário foi coordenado pelo Presidente em exercício, Aloísio Carneiro. Francisco Urbano estava licenciado para concorrer a uma vaga para o Senado Federal, pelo Rio Grande do Norte 12ª Eleição da CONTAG 13ª Eleição da CONTAG 6º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais – CNTR. “Nem fome, nem miséria. O campo é a solução”. A direção eleita teve a seguinte composição: Diretoria Efetiva: Francisco Urbano A. Filho/RN; Avelino Ganzer/PA; Gerônimo Brumatti/ES; Francisco Miguel de Lucena/CE; Maria Santiago de Lima/RO; Hilário Gottselig/SC; Norival Guadaghin/SP; Francisco Sales/MA; Alberto Ercílio Broch/RS; Guilherme Pedro Neto/GO; Airton Luiz Faleiro/PA e Sebastião Rocha/MG. Conselho Fiscal: Antonio Zarantonello; Divino Goulart e Almir José Feliciano. 7º Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – CNTTR. “Rumo a um Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável”. A partir do 7º – CNTTR, passou a ter três dirigentes na direção efetiva da CONTAG. As novas diretoras ocuparam a Coordenação da CNMTR e as Secretarias de Políticas Sociais e a Secretaria de Organização e Formação Sindical. de Fátima R. da Silva/PI e Raimunda Celestina de Mascena/CE. Conselho Fiscal: José Roberto de Assis; Antonio Zarantonello e Maira Bottega. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 110 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Trajetória das Eleições e Congressos Congressos Nacionais da CONTAG 2º Congresso Nacional Extraordinário dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – CNETTR “A prioridade será a discussão na base, os trabalhadores e trabalhadoras rurais deverão determinar qual o tipo de sindicalismo que irá representá-los no próximo milênio”. 14ª Eleição da CONTAG 8º Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – CNTTR. “Avançar na Construção do Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável”. “entre tantas deliberações, vale destacar a criação da Comissão Nacional da Juventude Trabalhadora Rural e da estrutura cooperativista ligada ao MSTTR, é o futuro sendo construído hoje” Duas chapas concorreram à eleição da direção da CONTAG. Uma chapa encabeçada por Manoel de Serra e, outra, encabeçada pelo baiano Edson Pimenta. A direção eleita teve a seguinte composição: Diretoria Efetiva: Manoel José dos Santos/PE; Alberto Ercílio Broch/RS; Manoel Candido da Costa/RN; Hilário Gottselig/SC; Maria do Ó do Nascimento/AL; Juraci Moreira Souto/MG; José de Jesus Santana/BA; Airton Faleiro/PA; Guilherme Pedro Neto/GO; Maria da Graça Amorim/MA; Francisco Miguel de Lucena/CE; Maria de Fátima R. da Silva/PI; Raimunda Celestina de Mascena/CE e Simone Battestin/ES. Conselho Fiscal: Francisco Sales, Gilson Francisco da Silva e Maria Helena Baungarten. 15ª Eleição da CONTAG43 9º Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – CNTTR. “Consolidando o Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável”. A direção eleita teve a seguinte composição: Diretoria Efetiva: Manoel José dos Santos /PE; Alberto Ercílio Broch/RS; Manoel Cândido da Costa/RN; David Wilkerson Rodrigues/BA; Regina Rodrigues de Freitas/AC; Juraci Moreira Souto/MG; Pedro Mário Ribeiro/MG; Antoninho Rovaris/SC; Paulo de Tarso Caralo/ES; Alessandra da Costa Lunas/RO; Antonio Lucas Filho/GO; Raimunda Celestina de Mascena/CE; Carmem Helena Ferreira Foro/PA; Maria Elenice Anastácio/RN. Conselho Fiscal: Francisco Sales de Oliveira/MA; Ademir Mueller/PR e Elizete Hintz/RS. Suplentes: Joel José Farias/SE; Simone Battestin/ES; Antonio Soares Guimarães/CE; Maria Lucinete Nicácia de Lima/AM; Maria José de Carvalho/PE; Liberalino Ferreira de Lucena/PB; Wilson Hermuth Gottens/GO; Domingos Albuquerque Paz/MA; Cláudia Pereira Farinha/DF; Maria da Glória da Silva/MT; Maria do Ó do Nascimento Melo/AL; Josefa Rita da Silva/BA; Manoel Carlos Dantas/RO; Paulo César Ventura Mendonça/RJ; Suplentes do Conselho Fiscal: Maria das Graças Darós/SC; Geraldo Teixeira de Almeida/MS e Antonio Vitorino da Silva/AL. 43 Fonte: Ata de Posse da Diretoria e do Conselho Fiscal da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG, para o quadriênio 2005/2009 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 111 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Bibliografia: Anais do 4º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais - 1985 Anais do 5º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais – 1991 Anais do 1º Congresso Nacional Extraordinário dos Trabalhadores Rurais - 1994 Anais do 6º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais – 1995 Anais do 7º Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – 1998 Anais do 2º Congresso Nacional Extraordinário dos Trabalhadores Rurais - 1999 Anais do 8º Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – 2001 Anais da 1ª Plenária Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – Novembro 2003 Anais do 9º Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – 2005 Publicação – Revista Contag - 40 anos Ata de Posse da Diretoria e Conselho Fiscal da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG, para o quadriênio 2005/2009. Manfredi, Sílvia Maria – Formação sindical no Brasil : história de uma prática cultural / Silvia Maria Manfredi – São Paulo : Escrituras Editora, 1996. Sindicalismo – Brasil – História 2. Sindicatos – Brasil – História I. Título PORTO, Cleia Anice. “Reforma Agrária e Agricultura familiar como base para o desenvolvimento rural – Sustentabilidade e qualidade de vida, Reforma Agrária e Meio Ambiente, Instituto Socioambiental, 2003, p.107 O Golpe Militar de 64 e a Instauração do Regime Militar – CPDOC – Fundação Getúlio Vargas – FGV. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 112 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NA LUTA DOS TRABALHADORES E NO MOVIMENTO SINDICAL Maria Valéria Junho Penna44 Em 1872, ainda durante o Império, foi realizado o primeiro recenseamento da população brasileira. Naquele ano, constatou-se que ela era composta, por 9.700.187 pessoas, das quais 4.694.943 eram mulheres e, dessas, 689.998 mulheres escravas. Mais de cem anos depois, o Censo Demográfico de 1980 mostra que a população brasileira é de 119.070.865 pessoas, das quais 59.146.099 do sexo feminino. Mas às diferenças; é claro, não são apenas demográficas e numéricas: em 1888 extinguiu-se a escravidão, um, ano após proclamou-se a República, o país industrializou-se alterou-se a composição de sua população com a absorção intensa da imigração espanhola, italiana, alemã e japonesa; formou-se um proletariado urbano rural e a classe média assumiu claros contornos sociais e políticos. Nos longínqüos 1872, as mulheres compunham aproximadamente 45% do que o Censo considerava trabalhadores e, então, como agora, não se considerou as donas de casa nesse conjunto. Das mulheres que trabalhavam oficialmente, a agricultura empregava 25%, os serviços domésticos 33%. No entanto, se observarmos o total de pessoas absorvidas, naquela ocasião, tanto nos· serviços, quanto na indústria, constataremos que elas eram mulheres em sua maioria. De fato, as mulheres eram dominantes na prestação de serviços pessoais· (81 % do total de pessoas no setor); contudo, diferentemente de agora, eram 78% , dos trabalhadores industriais: Elas perdiam para os homens na agricultura, que' consistia na atividade econômica mais importante. O que esses dados do século passado mostram é que muitas mulheres trabalhavam, embora parte substancial, desse trabalho fosse realizada dentro da família, como donas de casa e serviçais domésticas. Política e economicamente, a família, a propriedade territorial e a escravidão eram eixos do mesmo fenômeno, o latifúndio, com sua produção voltada para o mercado externo. No latifúndio, sinhás e escravas eram partes da mesma comunhão doméstica. Às fazendeiras, embora sob o jugo masculino e interminavelmente explorando as escravas, cabia, não obstante, desempenhar várias ocupações: supervisionava e controlava todas as atividades caseiras, como cuidar das crianças, cozinha e costura e, ainda, a produção de sabão e velas, freqüentemente comercializados nas vilas mais próximas. No caso das mulheres escravas, elas partilhavam, desde pequenas, com as crianças do sexo masculinas, as tarefas mais duras e pesadas, tanto domésticas quanto na agricultura. Elas roçavam plantavam e colhiam algumas cultivavam ainda, alimentos em pequenos pedaços de terras que vendiam e assim, logravam comprar sua liberdade. Na periferia da grande propriedade territorial estavam os antepassados dos atuais bóias-frias: homens e mulheres pobres e brancos, sem propriedade, e que, eventualmente, eram incorporados às atividades do latifúndio: Nesse grupo, disperso pelo território brasileiro e desprovido de terras, as mulheres ficavam com o encargo dos filhos, 44 Este texto foi distribuído pela Nalú Farias da SOF, durante o Curso de Formação de Educadores/as em Concepção Prática Sindical e Metodologia da Formação, realizado pela ENFOC/CONTAG. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 113 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG freqüentemente abandonados pelos pais, dedicando-se ao comércio ambulante de mercadorias feitas em casa, à prestação de serviços pessoais como costura ou cozinha e, finalmente, à prostituição. A mulher taboleira, por exemplo, teve origem nesse pequeno comércio ambulante, onde se vendia sonhos, café torrado, flores, refrescos, cestos, palmitos, aves, milho assado, bolo, angu, etc. Foi também no século passado que tomou impulso a constituição de um campo de trabalho fundamental para a jovem de classe média: o ensino primário. Inicialmente, o ensino era uma esfera de atividades masculina, mesmo porque, até o inicio do século XIX, um conjunto de medidas legais restringia o acesso das mulheres às escolas e, portanto, à habilitação profissional. Apenas em 1827 surgiu a primeira regulamentação que permitia às mulheres freqüentarem o ensino elementar, mas apenas esse. As primeiras Escolas Normais (a da Bahia, fundada em 1835, e a de São Paulo, fundada em 1836) destinavam-se exclusivamente a rapazes. Não podendo ser alunas, não podiam ser professoras. Aos poucos, no entanto, as vagas foram se abrindo às mulheres e, finalmente, em 1871, reorganizou·se o ensino de formação para o magistério, aceitando-se a participação feminina, desde que com um currículo específico que incluísse bordado branco, em filó, de matizes, flores de contas e aplicação, cortes de roupas brancas e lisas. Como se sabe, as restrições progressivas ao tráfego negreiro, a libertação de escravos sexagenários, a Lei do Ventre livre, começaram a configurar uma crise na oferta de mão-de-obra e a estimular o comércio interno de escravos, principalmente em direção às regiões fluminense e paulista, para absorção nas lavouras de café. No mesmo período, expandiu-se a cultura do algodão em São Paulo e surgiram as primeiras fábricas têxteis. Em resumo, a expansão econômica da lavoura para exportação provocou uma crise na lavoura para o abastecimento interno e uma demanda não suprida por mão-de-obra. A longo prazo, promovida pelo Estado em estreita conexão com os empresários, a imigração européia seria a solução para a questão da força de trabalho nas lavouras de exportação e consumo interno e, ainda, para a indústria em expansão. A curto prazo, mulheres e crianças das periferias pobres das cidades forneceram os primeiros braços para essa indústria. MULHERES E CRIANÇAS NA FÁBRICA O panorama da convivência das mulheres e crianças com as fábricas foi, desde o início, desolador: viviam nelas, trabalhando uma jornada de até dezesseis horas diárias, dormindo e se alimentando entre máquinas; eram obrigadas, após incontáveis horas de trabalho, a aprender corte e costura e, freqüentemente, não faziam jus a nenhum salário. As condições de trabalho supunham, ainda, a sujeira, a insalubridade, os espancamentos e estupros. À medida que o século XX se avizinhava, vilas operárias foram sendo construídas, os homens - freqüentemente imigrantes estrangeiros - passaram, paulatinamente, a substituir as mulheres nas oficinas, os salários generalizaram-se no interior da indústria, iniciando-se o hábito de pagamento diferenciado entre os sexos, com os homens recebendo salários maiores que as mulheres. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 114 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Uma operária, Luzia Ferreira de Medeiros, da fábrica têxtil Bangu, no subúrbio do Rio, contou como eram as condições de trabalho já depois da virada do século: "Entrei para a fábrica Bangu no período da primeira guerra mundial com sete anos de idade. Iniciava o trabalho às seis e terminava por volta das 17 horas - sem horário para almoço de definido. Era o critério dos mestres o direito de comer e tendo ou não tempo para almoçar, o salário era o mesmo. Isso, evidentemente, depois de passada a fase do trabalho gratuito, que chamavam de aprendizado. Não tínhamos lugar para comer. As refeições eram feitas entre as máquinas. A Penas uma pia imunda servia· nos de bebedouro. Nunca recebíamos horas extras, mesmo trabalhando além do horário estabelecido. Mestre Cláudio fechava as moças no escritório para força-la à praticar relação sexual. Muitas moças foram prostituídas por aquele canalha. (Em Edgar Rodrigues, Alvorada Operária.) O fato é que as mulheres: além de estarem submetidas, como os homens trabalhadores, a condições de trabalho corrosivas, diferentemente desses, ainda sofriam maus tratos corporais e auferiam salários mais baixos. Dados de 1912, do Departamento Estadual do Trabalho de São Paulo, revelam que foram visitadas, para confecção de um relatório, fábricas que contavam com 1.943 trabalhadores brasileiros, 7.499 estrangeiros e 862 de nacionalidade ignorada. Dos 10.304 recenseados, 6.80I eram do sexo feminino. A jornada de trabalho iniciava-se por volta das cinco e meia da manhã e terminava treze horas depois. O salário médio das mulheres era bastante mais baixo que o dos homens: o salário médio masculino na fiação era de 4$500 réis e o das mulheres, 2$000 réis. Na seção de acabamento, em média, os homens recebiam 4$900 réis e as mulheres recebiam 3$000 réis. O PROTESTO FEMININO No entanto, por mais dramática que fosse a vida da mulher operária, dividida entre seus afazeres domésticos e a longa jornada do trabalho assalariado, esse fato não a fez abdicar da sua capacidade de reação à injustiça e da ação política. No Brasil, no início do século, anarquistas e socialistas foram os arquitetos da questão social - uma questão de polícia para o Estado. Assim, foi no interior desses dois movimentos que as mulheres procuraram demarcar um território para sua luta. Porque luta houve. O jornal A Terra Livre, de tendência anarquista, foi o veículo utilizado pelas costureiras das confecções para articular suas demandas e organizar seus sindicatos. Dois manifestos, assinados por Teresa Cari, Teresa Fabri e Maria Lopes, ficaram célebres. Neles, por exemplo, podia-se ler: "Devemos demonstrar, enfim, que somos capazes de exigir o que nas pertence; e se todas forem solidária, se todas nos acompanharem nessa luta, se nos derem ouvidos, nós começaremos por desmascarar a cupidez dos patrões sanguinolentos". (A Terra Livre, 19.07I 906.) Conjuntamente ao apelo em nome dos' "direitos", vinham reivindicações mais concretas e imediatas, mas não menos importantes, exigindo melhores salários e menor jornada. Ao mesmo tempo muitas mulheres encabeçaram alguns dos mais importantes movimentos grevistas do período. Em 1901 e 1903, na Álvares Penteado, paralisaram o trabalho em protesto contra as condições de trabalho e os salários; na mesma época, na Companhia Industrial de São Paulo, fizeram uma paralisação contra a diminuição de tarefas; em 1902, na Anhaia, em São Paulo, entraram em greve por solidariedade a uma companheira despedida; em 1903, na Cruzeiro, no Rio de Janeiro, pelas mesmas razões, com o 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 115 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG agravante de que a operária em questão, recém-parida, fora dispensada pelo mestre que a engravidou; em 1906 e 1907, em fábricas por todo o país, pela diminuição da jornada. Em 1917, as mulheres pararam os trabalhos nas Fábricas Matarazzo, Fábrica de ligas Peterson, Fábrica de tecidos Mariângela, Fábrica de cigarros Trajano; e em 1919, em Porto Alegre, tecelãs da Cia. Têxtil Rio Grandense, Companhia de Fiação e Tecidos Porto-Alegrense e trabalhadoras da fábrica de chapéus F. C. Kessler & Cia., participaram de nova greve geral por aumento de salário, além das havidas no Rio e em São Paulo. MULHERES ENTRAM PARA OS SINDICATOS Embora houvesse inúmeros fatores freando a participação feminina na vida sindical.., . de um lado, a relutância masculina em aceitá-Ias como companheiras e, de outro, as exigências de sua dupla jornada de trabalho que não Ihes deixava tempo para a política - ainda assim, existem numerosos registros mostrando que um esforço considerável nessa direção foi realizado: não apenas vários sindicatos femininos foram fundados, quanto há evidências de freqüência de mulheres, inclusive discursando, em alguns congressos operários. , Dos sindicatos constituídos, um dos mais importantes foi a União das Costureiras, Chapeleiras e Classes Anexas, com sede na rua Senhor dos Passos, no Rio de Janeiro, onde já funcionava a União dos Alfaiates da mesma cidade. Â União foi fundada por 50 operárias e sua primeira medida foi deflagrar uma greve pela redução da jornada de trabalho a oito horas diárias. Uma de suas inspiradoras, Elvira Boni, lembra que o trabalho começava às 8 h da manhã, terminando às 19 h, isso "quando a dona do atelier não prorrogava a jornada até às 20 ou 22 horas, sempre pelo mesmo salário". (Em Edgar Rodrigues, Alvorada Operária.) Por sua vez, em alguns Congressos Operários, sua presença foi destacada. No 2º Congresso Operário do Rio Grande do Sul, realizado em 1920, lima operária delegada, de nome Alzira, discursou sobre as condições do trabalho feminino, destacando como essas eram tão árduas que impediam um companheirismo mais vigoroso como o dos homens na vida sindical: “Quando tomamos conta que a jornada de trabalho é de 8 horas e mais, pois ainda há casas em que se trabalham 14 a 16 horas, como por exemplo as chapeleiras, costureiras sob medida, etc., podemos ainda lembrar o estado de ânimo em que se encontram nossas irmãs, que após tão fatigante trabalho em troca de um mísero salário , tem necessidade de fazer seus serviços domésticos. Como já disse, a maioria é composta por mães de famílias, necessitando sustentar os seus e ampará-los contra as misérias da vida (...) " (Em Edgar Rodrigues, Alvorada Operária.) De fato, embora a presença de mulheres não tenha sido usual nos Congressos, sendo mesmo obstaculada em alguns casos, desde as primeiras reuniões de trabalhadores formou-se um certo consenso sobre quais deveriam ser as condições de seu trabalho extra-doméstico. Uma resolução do 3º Congresso Operário Brasileiro, realizado entre 23 e 30 de abril de 1920, resume esse consenso: "O 3º Congresso Operário, confirmando as resoluções do 1º Congresso quanto à situação do elemento feminino no meio proletário, aconselha vivamente as associações obreiras a se esforçarem para interessar diretamente as operárias na vida sindical, preocupando-se 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 116 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG com a sua educação social e intelectual e para que se estabeleça no trabalho um ambiente de respeito, repelindo as brutalidades dos patrões e encarregados de serviços intensificando-se a campanha no sentido de que para elas seja abolido o trabalho noturno e o seus salários sejam equiparados aos dos homens." A demanda por uma legislação especial, de caráter protetor, embora discutível para muitos em virtude dos embaraços que terminou por causar para a contratação e a carreira das mulheres, acabou por prevalecer e, em 1932, foi reconhecida pelo Estado, pelo Decreto 21.417, que tanto proibia seu trabalho noturno, quanto criava condições mais favoráveis à gravidez e estabelecia o princípio do salário igual para trabalho igual. AS MULHERES COMO FORÇA DE TRABALHO O censo demográfico de 1920 mostrava que então 1.434.000 mulheres trabalhavam oficialmente, apresentando 15% da força de trabalho. Deste total de mulheres trabalhadoras, 42% estavam na agricultura, 31 % na indústria (inclusive em serviços de reparação) e 26% em serviços. No entanto, tomando o total de pessoas trabalhando nos diversos setores da economia, constata-se que, na agricultura as mulheres eram 9% da força de trabalho; na indústria de transformação 36%; na prestação de serviços, 81 %. Comparando os dados de 1872 com os de 1920, a conclusão mais importante é que, à medida que a indústria se expandiu, diminuiu a participação das mulheres no seu interior. Outras informações demonstram que, não obstante esse decréscimo, elas permaneceriam, desde então, em torno da metade do proletariado têxtil e seriam majoritárias no setor de confecções. Assim, vale a pena lembrar que durante toda a década dos vinte, e no início dos anos 30, principalmente ma condição de tecelãs e costureiras, elas militaram no movimento dos trabalhadores: a título de exemplo, eclodiram greves na Fábrica de Tecidos Santa Maria, em Sorocaba, em I 922 no mesmo ano, no Rio, participaram da tentativa de uma greve geral da categoria: em 1925, bordadeiras, costureiras e trabalhadoras de fábricas de fósforos em Niterói deram testemunho em A Classe Operária sobre suas condições de trabalho e salários e tentaram ganhar a solidariedade masculina para suas reivindicações; fizeram greves na Fábrica de Tecidos Irmãos Tognato, em São Bernardo, em 1931. PIONEIRAS DA LUTA SOCIAL Algumas mulheres destacaram-se na vida pública e em sua participação junto às organizações operárias. Dentre várias, cabe destacar Maria Lacerda de Moura, Isabel Ferreira Bertolucci e Bertha Lutz. Maria Lacerda de Moura; mineira de Manhuaçu nascida em 1877, professora e escritora, organizou a Vila Dom Viçosa, em Barbacena, na qual 22 casas foram construídas para favelados e, ainda, fundou a Liga Contra o Analfabetismo. Convidada para discursar na Federação Operária Mineira, afirmou na ocasião: "A questão social, a questão do bem-estar para todos resume-se no seguinte: 1º) Formar um núcleo 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 117 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG de resistência feminina, cujo objetivo será protestar contra a escravidão da mulher, trabalhar para a reivindicação de seus direitos e para sua emancipação mental. 2.°) Pregar e exigir a educação popular, a instrução obrigatória, a educação racional feminina por todo o país. 3.°) Trabalhar para a criação de uma ou mais universidades femininas, sob esses moldes, a fim de preparar o pequenino exército das trabalhadoras que deverão sair para o interior em demanda de outras mulheres de boa vontade, educando-as num sonho de Paz futura para toda a gente. 4.°) Abrir escolas do caráter e da boa vontade, escolas que despertem a iniciativa, escolas de força moral, porquanto é a força moral que conduz o mundo no dizer de Binet. 5.°) Promover o estudo da psicologia das forças ancestrais, da higiene, da fisiologia, da educação e da ética, das ciências enfim, da filosofia, das artes - para o conhecimento da humanidade e das leis evolutivas em favor da beleza e da perfeição dos costumes. 6.°) Trabalhar pela juventude e pelo exemplo para dar à criança, fazendo crescer na juventude a necessidade de ideal mais amplo - de justiça e eqüidade entre os homens. 7.°) Falar, pregar e protestar contra as mentiras convencionais, contra a hipocrisia protocolar, detestar a política. 8.°) Pregar a Paz, abominar a guerra, ampliar o amor à Pátria, fazê-Ia atravessar as fronteiras e olhar a Humanidade de uma só vez, abrangendo as nacionalidades como membros da família humana". Isabel Bertolucci celebrizou-se pelo seu "Manifesto à Mulher Paulista", publicado em A Plebe, em 03/12/1932, por ocasião do movimento constitucionalista. Segundo ela própria, sua origem social estava na classe dos que tudo produzem e nada possuem. No seu manifesto procurou, ultrapassando sua condição social e dirigir-se a todas as classes de mulheres, de forma a persuadí-Ias de sua crença pacifista e da imoralidade das guerras. Bertha Lutz, já em 1919, juntamente com Olga de Paiva Meira, representou o Brasil no Conselho Feminino Internacional, da Organização Internacional do Trabalho, em cuja Primeira Conferência foram aprovados os princípios "de salário igual, sem distinção de sexo, para o mesmo trabalho; e a obrigação de caia Estado organizar um serviço de inspeção, incluindo mulheres, a fim de assegurar a aplicação das leis e regulamentos para a frr0teção dos trabalhadores". Em 1922, fundou a Federação Brasileira Para o Progresso Feminino, em cujo estatuto se esclareciam seus objetivos: Promover educação da mulher e elevar seu nível de instrução; Proteger as mães e a infância; Obter garantias legislativas e práticas para o trabalho feminino; Auxiliar as boas iniciativas das mulheres e orienta-Ias, na escolha de urna profissão; Estimular o espírito de sociabilidade e de cooperação entre as mulheres e interessá-Ias pelas questões sociais e de alcance público; Assegurar à mulher os direitos políticos que a nossa Constituição lhe oferece e prepará-Ia para o exercício inteligente desses direitos; Estreitar os laços de amizade com os demais paises americanos, a fim de garantir a manutenção perpétua da Paz e da Justiça no Hemisfério Ocidental. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 118 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Em 1936, Bertha passou a integrar a Câmara Legislativa Federal, como suplente da vaga deixada por outro Deputado, elaborando, na ocasião, o Estatuto da Mulher, apresentado por ela e pela Deputada Carlota Pereira de Queiroz. O Estatuto ampliava a licença especial na época do parto para três meses; concedia à trabalhadora o direito de dois períodos diários para amamentação, de meia hora cada um, durante os seis meses iniciais de vida do bebê; reduzia de 30 para 20 o número de empregadas no local de trabalho cuja presença exigia creches. Com o golpe de 1937 e o Estado Novo, fechado o Congresso, as reivindicações de Bertha Lutz tiveram de esperar por melhores oportunidades, e algumas delas somente foram concedidas em 1962. Mas outras mulheres, de extrações ideológicas e partidárias diversas, procuraram igualmente organizar-se, participando da vida pública. Em 1934, como parte da Aliança Nacional libertadora, fundou-se a União Feminina que, no entanto, em 1935 foi considerada ilegal, assistindo-se à prisão de várias de suas integrantes. Por sua vez, durante a II Guerra Mundial, organizou-se o Departamento Feminino da Liga de Defesa Nacional, cujos objetivos, além de recolher dos nativos e roupas para os soldados, eram, no âmbito do estritamente econômico, lutar contra os aumentos no custo de vida e, no âmbito do político, combater o nazi-fascismo e sua influência no país. PARTICIPAÇÃO FEMININA NO PÓSPÓS-GUERRA Terminada a guerra, promoveu-se um encontro nacional de várias associações femininas, com representantes de vários estratos sociais, incluindo mulheres de classe média, operárias e faveladas. Nessa ocasião, duas delas, participando do Primeiro Congresso Internacional de Mulheres, em Paris, ressaltaram em discurso os males do fascismo e a necessidade de proporcionar-se instrução política às mulheres, "a fim de possibilitar-lhes participação efetiva nos movimentos de combate à guerra e aos regimes de força". (Idem.) Todo esse esforço acabou por resultar, em 1949, na constituição da Federação das Mulheres do Brasil, que consistiu em forte impulso para outros núcleos locais, freqüentemente organizados em comitês de bairros. No final dos anos 40 e durante a década seguinte, a participação feminina foi intensa no movimento contra a carestia: no então Distrito Federal, onde se fundou a Associação Feminina, mais de mil mulheres se congregaram para, nas palavras de uma estudiosa, "lutar pela solução dos problemas especificas dos bairros, pela paz, contra a elevação do custo de vida, pelos direitos das mulheres, pela defesa e proteção da infância". (Idem). Também vale a pena ressaltar o papel que elas cumpriram na organização do movimento de anistia para aquelas pessoas perseguidas ou presas pelo Estado Novo. Embora as mulheres tenham participado de formas variadas, da dinâmica do movimento operário no período pós Estado Novo, destaca-se seu desempenho na greve de 1953, em São Paulo, que paralisou aproximadamente 300 mil trabalhadores e, cuja comissão central a tecelã Mariana Galgaitez terminou por integrar. Na ocasião, várias outras grevistas foram indiciadas em processos por sua presença em piquetes. (Ver José Álvaro Moisés, Greve de Massas e Crise Política, Ed. Polis, São Paulo). De fato, a greve teve como origem a luta pelo aumento do salário mínimo, congelado desde 1951 e desvalorizado pelos constantes aumentos no custo de vida (que Celso Furtado estima como sendo de 50% entre 1949-52). A greve de São Paulo não foi isolada e dados 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 119 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG coletados por José Álvaro Moisés lhe permitiram falar em 264 paralisações no período 1951-1952, eclodidas em todo país, cujas principais motivações eram a necessidade de aumentos nos salários, pagamento de salários atrasados, solidariedade, melhores condições de trabalho e, em número menor, bonificação de Natal e o protesto contra a carestia. Os Censos Demográficos de 1940 e 1950 continuavam, então, acusando queda da participação feminina na indústria e sua persistência na prestação de serviços pessoais. Em 1940, o trabalho industrial das mulheres caíra para 26.4% e em 1950 para 23.9% do total de trabalhadores. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 120 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG A MULHER E A EMERGÊNCIA DA SECA NO NORDESTE DO BRASIL Izaura Rufino Fischer 45 Lígia Albuquerque 46 O Nordeste do Brasil tem uma extensão territorial de 1.808.077 km quadrados, que representa 18,7% do território brasileiro, e uma população de 42.470.255, ou seja, 27% da população brasileira. Esta região, reconhecida como polígono das secas, possui 60% de seu território em área considerada vulnerável a esse fenômeno, porém apresenta diversidade climática (Moura, 2000), possuindo áreas úmidas e chuvosas. De acordo com Andrade (1986), a região possui clima exteriorizado pela sua vegetação natural, que desde a época colonial deu lugar a três tipos de zonas agrícolas, a saber: a Zona da Mata, com clima quente e úmido, com estações bem definidas, sendo uma chuvosa e a outra seca; a do Sertão, também quente, porém seca e vulnerável a esse fenômeno natural; e a zona intermediária, denominada de Agreste, com trechos quase tão úmidos como a da Mata e outros tão secos como a do Sertão. Diante de tal diversidade, surgem desde o período colonial, sistemas complementares de exploração agrária, mas que se contrapõem econômica e politicamente: o Nordeste da cana-de-açúcar e o Nordeste do gado, observando-se entre um e outro, hoje, o Nordeste da pequena propriedade e da policultura. A Zona da Mata é apontada como área dos grandes canaviais, localizando-se aí a maior porção das usinas do Estado e sobretudo aquelas que dispõem de maior dimensão, apesar da pobreza do solo em matéria orgânica. Na Região Nordeste, verificam-se consideráveis desníveis sociais. Na área rural há, por um lado, pequeno número de médios e grandes proprietários com elevado padrão de vida. Há também apreciável número de pequenos proprietários que, dependendo da qualidade da terra, têm padrão de vida razoável ou precário e que, intermitentemente, vendem sua força de trabalho. A estrutura agrária é bastante concentrada, principalmente no que se refere aos latifúndios insatisfatoriamente explorados. Apesar de não existir grande número de latifúndios, a dimensão de terras ocupadas pelos latifundiários é grande. A região é considerada subdesenvolvida, e sua população tem condição de vida precária, contando com alto índice de analfabetismo. A dimensão social e política da seca A seca é um fenômeno natural que tem registro no Nordeste desde a colonização da zona semi-árida da região, sendo de 1534 o primeiro relato desse desastre natural (Andrade, 1986). De acordo com Araújo (1999), ao se focalizar a dimensão natural das secas, não se consegue vislumbrar muito mais do que a histórica repetição de cenas de fome e sede. Embora tendo o caráter natural e acontecendo na mesma região, a seca ocorre em diferentes conjunturas sociais, econômicas e políticas que possuem aspectos particulares quanto à estiagem. Misturam-se a ela aspectos socioeconômicos e políticos que lhe tiram o caráter único de desastre natural. Para efeitos deste trabalho, a seca será considerada como fenômeno social que agrava a pobreza e afeta particularmente as condições de vida da população, que dificilmente tem acesso às políticas sociais. 45 46 Pesquisadora da FUNDAJ Idem 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 121 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG A seca, como fenômeno social de dimensão secular, segundo Gaspari, citado por Araújo (1999), muda a própria história das estiagens. Em 1877, a catástrofe centrou o tema na consciência nacional; em 1915, o governo se envolve com as conseqüências do fenômeno; em 1958, a seca leva à fundação da SUDENE; em 1998, transpôs os saques da fome do sertanejo para a sala de jantar do Brasil. Diversas políticas sociais têm sido implementadas no enfrentamento da seca, muitas das quais destinadas a corrigir distorções conjunturais geradas por modelos econômicos. As preocupações em corrigir distorção estrutural proporcionam algum quantum de equidade social e sustentabilidade ambiental, que só recentemente começaram a fazer parte da agenda governamental. Algumas medidas são implementadas sem resultado permanente, pois são geradas no jogo das articulações políticas em que se considera a sociedade como espaço que pertence aos outros. Assim, tais medidas são manuseadas e desviadas no caminho da prática, pois os horrores da seca fortificam interesses regionais. Os efeitos da seca não atingem igualmente a população e o território do semi-árido, fato que favorece as desigualdades dos benefícios destinados ao socorro da população através de uma política unificada. Considerando que o Nordeste está dividido em três zonas de diferentes aspectos naturais e que possui infra-estrutura dominada pelas oligarquias agrárias, o assédio aos governantes, quando da instalação das políticas sociais dirigidas à região, é marcante. O momento da seca, para os produtores mais abastados, pode significar mais uma oportunidade para aumentar seu poderio e estender seus domínios com o auxílio das políticas sociais, a exemplo do crédito financiado a juros baixos, a ser pago no longo do prazo ou a fundo perdido (FUNDAJ, 1983). Na implementação das políticas, os mais vulneráveis são geralmente os trabalhadores sem terra e miniproprietários rurais. No estado de Pernambuco, por exemplo, aproximadamente 32% (Albuquerque, 1998) da população não conseguem atravessar os momentos críticos da estiagem sem ajuda externa. Os produtores potencialmente mais resistentes, formados por grandes proprietários ou pertencentes a famílias abastadas, enfrentam os efeitos da seca com menor esforço e sofrimento, principalmente devido à ajuda das políticas sociais. No entanto, a seca, ao dar visibilidade às mazelas sociais da região, dá espaços à lógica da contradição, que possibilita a organização da população afetada para se mobilizar e cobrar dos governantes medidas de amparo. Nessa ocasião, homens e mulheres adotam práticas de luta, adequadas a cada conjuntura política. Assim, enquanto os proprietários rurais tomam atitudes que lhes proporcionam ganhos que superam suas perdas, os trabalhadores rurais, particularmente os sem terra, redefinem sua forma de ação ao trocarem o tradicional saque realizado em feiras públicas pelo ataque a transportadores de alimentos administrados pelo governo, além de promoverem ocupação do principal órgão de desenvolvimento da região, a SUDENE, para reivindicar uma política de apoio à população atingida pela seca. A mulher exerce, de modo peculiar, pressão mais direta sobre as estâncias estaduais e municipais que estão mais próximas. A seca, por um lado, causa danos à população, mas também propicia benefício, como o da informação, especialmente através do rádio e a da televisão, que, divulgam e denunciam a situação e ação dos trabalhadores, além da profundidade da catástrofe. Também leva à tona o nível de organização política dos mais afetados, através dos sindicatos dos trabalhadores rurais e movimentos sociais que lhe dão visibilidade, a falta 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 122 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG de infra-estrutura da região rural, a exemplo da carência de energia elétrica, a fragilidade do nível educacional da população e a sua convivência com problemas típicos de grandes cidades, como a insegurança, a prostituição, o consumo e o tráfico de drogas (Fischer e Melo, 1999). Essas mazelas sociais, que aparecem em pequenas cidades interioranas, podem ser consideradas filhotes da globalização, que, além de invadir os mais longínquos recantos do Nordeste, tem contribuído para redefinir hábitos, costumes e tradições que parafraseando Hobsbawn (1997), foram secularmente inventadas. A seca que atingiu o Nordeste do Brasil no período 1997-1999 se instala num contexto já fragilizado pelos efeitos da globalização, que se manifesta através do desemprego, da migração interna na região, da concorrência entre forças desiguais etc. Tais efeitos tendem a se agravar, pois, segundo Ianni (1995), esse vasto processo histórico-social, econômico, político e cultural continua a expandir-se. A globalização como aporte econômico, de um modo geral e, particularmente, no Nordeste, contribuiu para a desaceleração da indústria, do comércio e da agricultura. Tais fatores levam a aprofundar os efeitos nefastos da seca sobre a população atingida. Além disso, a competição desigual, própria da globalização, é duplicada com a situação de seca, pois as regiões afetadas pela catástrofe enfrentam a concorrência com outras localidades que se encontram em plena normalidade, fato que contribuiu para a transferência da renda das regiões mais pobres para as mais ricas. Assim, a seca se instala num cenário em que grande parte do pequeno produtor sem terra reside na periferia da cidade, não tem lugar certo de trabalho quando planta, e a prioridade do proprietário da terra é pela produção de alimento para a pecuária. Com a seca, a pecuária torna-se mais vulnerável diante da globalização. Os produtores do sequeiro, em função da crise climática, enfrentam a concorrência de carne e leite em condições desfavoráveis. Na avaliação de administradores governamentais locais entrevistados, a expectativa para a agricultura é a de que a recuperação seja lenta. "Os governantes terão de escolher entre subsidiar o campo ou construir a miséria na cidade". A política social da seca A política adotada em período de seca, chamada política de emergência, é um programa governamental implantado para amenizar ou eliminar conflitos sociais inevitáveis que explodem quando parte da população tem seu nível de subsistência comprometido. Essa política tem como objetivo atender a população que se encontra em reconhecido estado de calamidade pública, sobretudo no que se refere ao abastecimento d’água e geração de renda. Tal política é estabelecida a partir de pressões da população que tem seu suporte alimentar afetado. As políticas sociais criadas em períodos de seca são geralmente transformadas em programas de governo, tendo as verbas alocadas, em tese, de acordo com as prioridades da população. Os programas têm sido, por vezes, direcionados a outros projetos como o da educação, da saúde, da água, crédito etc. ou se tornam exclusivos, a exemplo da chamada "frente produtiva," composta por obra hídrica, capacitação e alfabetização dos 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 123 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG trabalhadores. A "frente produtiva" tem o objetivo de preparar a população para conviver com a estiagem. Na seca de 1998, aproximadamente R$ 600.000.000,00 foram destinados a atender a população atingida pela catástrofe. Tal montante, distribuído através do órgão de desenvolvimento do Nordeste, foi alocado em vários programas existentes, com o propósito de beneficiar até um milhão de trabalhadores rurais (Melo, 1999). De acordo com a autora, os beneficiados seriam contemplados com alimentos, emprego, educação, saúde, crédito, etc. Os beneficiados com emprego deveriam estar disponíveis 27 horas semanais, que poderiam ser usadas realizando trabalho rural ou urbano, ou dedicando-se à capacitação ou alfabetização. Na escolha dos contemplados, segundo a autora, foram usados critérios de seleção como: ser trabalhador rural, ter idade entre 14 e 60 anos; na família de 1 a 5 membros, apenas um poderia ser contemplado; de 6 a 10 pessoas, poderiam ser inscritos dois integrantes; e, acima de 10 pessoas, era facultada a participação de três membros do grupo familiar. O núcleo familiar com mais de 7 membros que possuísse aposentado poderia inscrever apenas uma pessoa. Dada a peculiaridade da área, foi definido: a prioridade ao trabalhador rural que dependesse da produção agrícola ou pecuária para o sustento da família; a preferência aos trabalhadores cabeças de família; produtores que se enquadrasse nos critérios da agricultura familiar PRONAF (o candidato deve ser parceiro, proprietário ou arrendatário); utilizar força de trabalho familiar; ter renda de no mínimo 80%, gerados da exploração agropecuária; residir na propriedade ou aglomerado urbano próximo; possuir quantidade de terra que não supere 4 módulos fiscais qualificados na região em vigor. As linhas norteadoras das frentes produtivas, além de contemplarem recursos hídricos, alfabetização|capacitação e saneamento básico, incluíram outras ações, a exemplo das frentes ecológicas e culturais (educação ambiental, conservação e recuperação do meio ambiente e ecoturismo. As atividades culturais resumem-se a dinamizar o artesanato nos principais centros do país). As principais ações implementadas pela política social da seca estão assim organizadas: • • • • • • Distribuição de cestas básicas contendo 19 quilos de alimentos (feijão, arroz, fubá, farinha, açúcar, café, óleo, macarrão); Construção, recuperação e limpeza de cisternas, tanques, barreiros, açudes, barragens e aguadas; Construção de residências na área rural e recuperação de prédios públicos; Fabricação de telhas e tijolos a serem utilizados em obras ou mutirões; Produção de brita e paralelepípedo, destinada principalmente à construção de asfaltos; Crédito destinado à criação de infra-estrutura no valor de R$ 450.000,00 (investimento e custeio); Os recursos para tais ações devem ser administrados por Comissões Paritárias compostas por membros do Estado e representantes da população afetada. Essas comissões devem ser formadas nas esferas federal, estaduais e municipais. Os membros da Comissão devem ser indicados pelas instituições que os representam. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 124 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG A contribuição da mulher na atenuação da fome na seca O problema da seca não se manifesta no aspecto específico da água, mas especialmente na escassez de alimento, caracterizada como fome endêmica, relacionada à casa e à mulher, que não é pensada pelos idealizadores da política da emergência da seca. A palavra fome, de acordo com Sobrinho (1982), comporta vários significados. Diz respeito ao indivíduo e à humanidade, e é problema crucial. No passado, o termo se referia à falta de alimento para saciar o apetite, que, no ser humano, é considerado estágio fisiológico ligado à necessidade alimentar. No sentido moderno, fome é a falta de quaisquer dos quarenta ou mais elementos nutritivos indispensáveis à manutenção da saúde. Essa carência ocasiona morte prematura, embora não acarrete, necessariamente, a inanição por falta absoluta de alimento. Em qualquer dos significados acima levantados, a fome é uma constante nas famílias dos pequenos agricultores do Semi-Árido nordestino, independentemente da seca. Seria uma visão simplista atribuir a fome da família rural dessa região do Nordeste unicamente à irregularidade pluviométrica que periodicamente desorganiza a produção. De acordo com Castro (1980), a seca apenas agrava a situação da fome, que tem causas mais ligadas às desigualdades sociais do que aos fenômenos climáticos. Assim, observa-se que a fome no Semi-Árido nordestino constitui uma extensão da pobreza, que as famílias dos pequenos produtores rurais caracterizam como necessidades. Estas, em período de chuvas normais, se referem à comida de má qualidade, falta de roupas e calçados, carência de assistência médica, falta de terra para trabalhar, moradia e outros elementos do bem-estar que, como enfatiza Bobbio (1992), são direitos do cidadão, considerados indispensáveis à sua sobrevivência. De acordo com Fischer (1998), no período de escassez de chuvas, as chamadas necessidades aumentam e comprometem a própria sobrevivência da família sertaneja nordestina, especialmente no que se refere ao suprimento alimentar. Ao atingir tal estágio, a necessidade adquire a conotação de fome, que, amenizada pela rede de solidariedade entre os iguais, é novamente considerada pela família do produtor rural do Sertão nordestino como necessidade básica. Esse processo de solidariedade ocorre através da distribuição do pouco alimento que existe na comunidade ou rede de parentesco, e aquele que dispõe de algum quantum de alimento, socorre quem nada tem para cozinhar. Assim, é através desse arranjo que a solidariedade caricatura a fome, dando-lhe novamente a conotação de necessidade, a qual, em sentido simbólico, pode significar muitas coisas juntas. Dessa forma, a fome somente se caracterizaria como tal no caso de morte por inanição, isto é, quando atinge o indivíduo na sua totalidade e alcança o patamar classificado por Josué de Castro (1980) de epidemia de fome coletiva, que afeta indistintamente a todos. Na família estudada do Semi-Árido, segundo Fischer (1998), as necessidades não passam pelo crivo do planejamento, mas, sem dúvida, obedecem a uma administração rigorosa. Nessa administração, homens e mulheres têm papéis diferenciados, pois cabe ao elemento feminino enfrentar a difícil tarefa de gerenciar o alimento consumido no cotidiano, enquanto o homem tem a pesada função econômico-social de produzir e distribuir os gêneros alimentícios. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 125 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Na administração cotidiana do alimento, principalmente durante a seca, a mulher rural em estudo, além de calcular a quantidade de gêneros alimentícios que deve ser consumida diariamente na unidade familiar, muitas vezes, delimita também o alimento de cada membro durante a refeição. Geralmente, cabe a ela distribuir "pratos feitos" entre os familiares, para que todos sejam contemplados eqüitativamente. Nessa distribuição, os indivíduos, principalmente a dona-de-casa, não ingerem a quantidade que seu apetite permite, mas, diante da limitação do alimento, o que é possível. Vale, ainda, salientar que no processo de distribuição da refeição, são estabelecidas prioridades que contemplam as crianças e o marido. Caso os pequenos não fiquem relativamente satisfeitos, alguém, que geralmente é a mulher, doa a refeição que lhe cabe. O marido é, sobretudo, contemplado nessa distribuição. O fato de ter pouco alimento para servir na hora da refeição, principalmente para as crianças e o marido, é, na opinião da mulher pesquisada, a prova mais dura que enfrenta na seca. "Esta é uma provação que tira o sono, o sossego, o ânimo e até a vontade de viver", avalia uma entrevistada do município de Patos. Os depoimentos seguintes enfocam a angústia da mulher ao dividir o alimento na unidade familiar: Fico desesperada quando a comida não dá. Quem está na cozinha é quem sente a dor de cabeça, vendo o povo pra comer e a comida sem dar pra todo mundo. É difícil fazer uma sopa com a metade de um pacote de macarrão para dividir com 8 pessoas. Eu afino a sopa. Afino... mas não tem jeito. Os filhos e de 13 e 15 anos, são comedores, não se conformam com pouco. Aí dá dor de cabeça. A parte da mulher esquenta muito. Se não usar bem com o juízo, se atrapalha. Brigo, reclamo o tempo todo. Reclamo para o marido e para os filhos porque não vou morrer calada. O marido pergunta: nós vamos fazer o quê? Aí, ele sai pra comprar fiado. Quando ele consegue fico satisfeita. Só quem sabe o que tá precisando, se a comida vai dar, o que vai faltar, é a mulher. Tem hora que olho pro velho, que tem mais idade do que eu, e digo: tu tá mais novo do que eu. Ele sorri e diz: é, você se aperreia muito (entrevistada do município de Patos). É difícil repartir a comida. É preciso saber pra ninguém ficar sem nada. A criança não quer saber de onde sai. Quer comer 3 vezes por dia. Pobre come só o que tem. Se tem pouco, todos têm que comer pouco, se conformar com o que tem. Mesa de pobre é desigual: tem dia que faz de conta que tem; outra vez nem isso pode fazer, passa pela mesa (entrevistado residente no município de Ouricuri). O homem rural do Semi-Árido pesquisado dificilmente passa por dificuldades semelhantes às da mulher chefe de família, pois raramente assume o núcleo familiar sozinho. Seu constrangimento resume-se ao não cumprimento de suas obrigações de provedor do lar, tarefa que culturalmente lhe é atribuída e cobrada pela sociedade e, sobretudo, por ele próprio. O homem apresenta comportamento peculiar no enfrentamento da falta de comida, principalmente no período da seca. Enquanto a mulher procura dar vazão a seus impulsos, dividindo seu desespero com todos na família - chora e insulta o marido e encara o problema com determinação, segurança, esperança, e consegue inclusive levantar o ânimo dos familiares -, o homem tende a assumir calado sua fraqueza e, no geral, fica deprimido e frágil. Esse grau de depressão aumenta na medida em que a mulher, diante da falta de comida para servir aos filhos, cobra-lhe a obrigação de dono de casa e, portanto, de mantenedor da família, exigência que ele tende a ler como negação da sua condição de homem. Diante de tal cobrança, o homem, de um modo geral, demonstra sentimento de impotência e apenas tenta se justificar dizendo que "não tenho de onde tirar"... "não encontro pra quem trabalhar"... e devolve o problema para a mulher, 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 126 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG dando-lhe mais uma tarefa: a de pensar sobre o que ele deve fazer. Este é um tipo de situação que deixa o homem um tanto desmoralizado diante da família e com a autoestima em baixa. A escassez de alimentos, sobretudo durante a seca, causa mal estar psicológico e social no homem e na mulher e, sem dúvida, transtornos orgânicos na família rural, que tem sua alimentação totalmente desequilibrada. A dona-de-casa rural da seca dificilmente sabe distinguir proteínas de vitaminas e tampouco entende o que significam sais minerais, porém, sabe dosar, no preparo do alimento, quantidade e qualidade na junção dos nutrientes, de forma que se existir produção de feijão, milho, arroz, ovos, leite, carne (mesmo que eventualmente) e algumas verduras, a família terá a alimentação relativamente equilibrada devido à vivência da mulher rural pesquisada, tanto com a combinação de alimentos quanto com a escassez e limitação na diversificação de produtos alimentares. E embora aquela alimentação balanceada com proteínas e vitaminas que, segundo Castro (1980), constituía o grosso do consumo da família sertaneja, como queijo, manteiga, carne de boi, carneiro, cabrito, que fazia do sertanejo "um forte", na expressão de Euclides da Cunha, já não exista, da época restaram o hábito alimentar e a cultura de preparar o alimento, assimilada pela mulher. Assim, mesmo desconhecendo o conteúdo de proteínas, vitaminas e sais minerais dos produtos alimentares, a mulher utiliza seu aprendizado sobre o seu preparo, repassado através de gerações, para improvisar arranjos nutricionais durante a seca, embora tenha a consciência de que a refeição não está balanceada em vista da reduzida diversificação e da quantidade dos itens disponíveis. O seguinte depoimento, que simboliza o sentimento de praticamente todas as entrevistadas, versa sobre os arranjos alimentares improvisados pela mulher em época de estiagem: O alimento é fraco na seca, mas pobre come tudo. Quando a gente pega em dinheiro, nós faz a feira. Feira assim... porque gente fraco não faz feira. Compra 10 quilos de açúcar e 10 quilos de feijão pra 15 dias. Compro o carioquinha, que rende mais. Cozinho o feijão de manhã, e 11 horas a gente come os caroços do feijão com "cusculho". Deixo o caldo do feijão pra noite. Aí, eu tempero aquele caldo com uma cebola e alho e coloco um pouco de "cusculho", e assim a gente vive. De manhã, é só café com açúcar, quando tem, porque café tá muito caro. Hoje não tinha café em casa. Alguém deu café e açúcar a ele lá pela rua [o marido, que estava junto, envergonhado repreende: eu comprei fiado]. Mesa de é desigual (entrevistada residente no município de Patos). Esses arranjos alimentares são, por vezes, improvisados com os gêneros da cesta básica doada pelo governo através do Programa de Emergência e que, ao todo, contém 19 quilos assim distribuídos: 5 de arroz, 5 de fubá, 2 de farinha, 1 de açúcar, 4 pacotes de macarrão e 2 latas de óleo vegetal. A mulher poupa as iguarias recebidas, de tal forma que duram, em média, 15 dias, se complementadas com as compras feitas com o salário de R$ 80,00 (exceto no estado do Piauí, onde é de R$ 60,00), pago pelo governo, a título de emergência, às famílias atingidas pela seca. Apesar da má qualidade dos alimentos da cesta básica, conforme destacam praticamente todas as entrevistadas (o fubá é ruim, o feijão vinha duro (foi substituído pelo fubá) e a farinha não presta), a família se mantém num patamar mínimo de sobrevivência alimentar durante um mês. A situação torna-se mais crítica quando aquele salário sofre atrasos, o que ocorre com freqüência, prejudicando aquelas fragilizadas famílias, que ficam sem ter a quem recorrer para 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 127 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG conseguir qualquer tipo de alimento. Os comerciantes da localidade não vendem fiado a esses trabalhadores, devido aos freqüentes atrasos nos pagamentos da Frente de Emergência, o que contribui para descontrolar ainda mais seu limitado orçamento familiar. Diante de tal realidade, a fome absoluta ameaça intermitentemente o cotidiano dos atingidos pela seca. Considerações Finais Como se pode observar, o Nordeste do Brasil e, particularmente, a zona do Sertão semiárido é intermitentemente atingida por secas, e, dado o seu caráter de região pobre, a grande maioria da população tem a sua condição de vida afetada em sua estrutura. As políticas sociais destinadas a essa região ainda não proporcionaram uma base estrutural. suficiente para que a população conviva com as secas sem passar pelo tormento da fome, que fragiliza o seu desenvolvimento em todos os aspectos e desmoraliza o indivíduo na sua dignidade. Diante da impossibilidade de convivência com esse desastre natural, a cada ocorrência de seca, a contribuição da mulher está presente, auxiliando a política social da emergência. Sem esse auxílio, o Estado dificilmente conteria os conflitos sociais e a dizimação da população provocada pelo referido fenômeno, pois a fome certamente contaminaria a região, levando-a ao caos. Bibliografia Andrade, Manuel Correia de. A terra e o homem no Nordeste: contribuição ao estudo da questão agrária. 5 ed. São Paulo: Atlas, 1986. Araújo, Maria Lia Correia de. Seca: fenômeno de muitas faces. Fundaj: Recife, 1999. Bobbio, Norberto et al. Dicionário de Política. 4 ed. Brasília: ed. Universidade de Brasília, 1992. Castro Josué de. Geografia da fome. Rio de Janeiro: Antares, 1980. Conselho Conselho de desenvolvimmento de Pernambuco –Condepe. Recife: 1998. Fischer, Izaura R. e Melo Lígia Albuquerque de. O trabalho feminino: efeitos da modernização agrícola. Recife: Massangana, 1996 Fischer, Izaura R. (in Branco – Org.) A família rural da seca. Recife: Recife: FUNDAJ, 1998. Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ. Dimensão social e política da seca de 1983. Recife, 1983. Hobsbawm Eric e Terence Ranger. A invenção das tradições. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. Melo, Lígia Albuquerque de. Gênero: uma questão questão no programa de emergência (in Branco Org.) Fundaj, Recife, 1998. Sobrinho Estevan de Lima. Fome, agricultura e política no Brasil: a chantagem alimentar. 2 ed. Petrópolis, Vozes, 1982. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 128 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG amiliares Muito trabalho e nenhum poder marcam as vidas das agricultoras ffamiliares TACIANA GOUVEIA47 Nos últimos anos, a agricultura familiar vem ganhando importância como alternativa para o desenvolvimento rural sustentável, tanto nas ações dos movimentos sociais como das políticas públicas governamentais. No que se refere a essas essas políticas, até o momento, a força discursiva não foi suficiente para provocar resultados que alterem os graves padrões de pobreza e exclusão a que estão submetidas as populações rurais – cujas causas estão radicadas no exaustivamente reconhecido modelo modelo de desenvolvimento hegemônico brasileiro, que privilegia o setor latifundiário e a agricultura patronal. Este artigo pretende analisar as relações, contradições, funcionalidades e dependência entre o modo como está estruturada a agricultura familiar e as desigualdades de gênero, demonstrando as conseqüências dessa dinâmica tanto na restrição da autonomia e cidadania das mulheres como no que se refere aos riscos que o próprio modelo corre se não construir possibilidades para o enfrentamento dessas desigualdades. desigualdades. Tais riscos não estão relacionados apenas aos limites para expansão ou consolidação da agricultura familiar, mas às suas possibilidades de constituirconstituir-se em um instrumento que promova a democracia e a justiça. A constatação do hiato e da aparente contradição entre os discursos estatais e suas proposições políticas não responde à totalidade do problema a ser enfrentado. Por outro lado, no campo da sociedade civil, o discurso sobre agricultura familiar produzido nos últimos anos por vezes a trata como um fenômeno histórico recente e altamente idealizado, especialmente no que se refere à harmonia e à complementaridade entre as ações humanas e a natureza, entre a produção e o consumo, entre mulheres e homens, adultos(as), jovens e crianças, bem como o seu caráter multifuncional. Com relação a esse aspecto, Soares considera que a “agricultura familiar provê um conjunto de bens públicos, tangíveis e intangíveis, de elevado valor para a sociedade em geral”48, destacando sua contribuição nos campos da segurança alimentar, sustentabilidade ambiental, função econômica e social. Sem negar que essas características podem ser realizadas pelo modo de produção familiar, é fato que, entre a potencialidade e a realidade, há longo caminho a ser percorrido que não depende apenas de mudança nas políticas públicas, mas fundamentalmente dos processos sociais e políticos – em suas dimensões contraditórias e conflitivas – presentes na base das análises e ações que tradicionalmente vêm organizando e dinamizando a agricultura familiar. A mudança de foco aqui operada talvez nos obrigue a olhar menos para as funções que exerce e mais para as estruturas que a sustentam. Ao estudar o processo de envelhecimento e masculinização da população rural, Camarano e Abramovay questionam: “Até que ponto o meio rural pode ser um espaço propício na construção da cidadania e de condições de vida capazes de promover a integração econômica e a emancipação social das populações que aí vivem?”49. Tomando como 47 Feminista, coordenadora de educação do SOS Corpo – Gênero e Cidadania e integrante do Grupo de Referência do Observatório da Cidadania. Agradeço a Carmen Silva e a Simone Ferreira, parceiras de trabalho no SOS Corpo, pela colaboração neste texto. 48 SOARES, Adriano. Multifuncionalidade da agricultura familiar. In: REBRIP/ACTION AID. Comércio internacional, segurança alimentar e agricultura familiar. Rio de Janeiro: Rebrip; Action Aid, 2001. 49 CAMARANO, Amélia; ABRAMOVAY, Ricardo. Êxodo rural, envelhecimento e masculinização no Brasil: um panorama dos últimos 50 anos. Rio de Janeiro: Ipea, 1999. (Textos para discussão, n. 612). 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 129 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG referência as relações de gênero na agricultura familiar em seu atual formato, as possibilidades de construção de cidadania e emancipação das mulheres ainda são muito restritas. O ethos da agricultura familiar coloca no pai todo poder para organizar não só o empreendimento produtivo como também todo universo de relações que ali ocorrem. A partir dele, constrói-se uma hierarquia rígida na ocupação de lugares, atribuição de valores, oportunidades e benefícios50. Em outras palavras, na dominação patriarcal, tal como definida por Weber, estão presentes “a crença no caráter inquebrantável do que tem sido feito sempre de uma determinada maneira”51 e a autoridade fundamentada na submissão e nas relações pessoais de convivência íntima e permanente. Se o patriarcado é o sistema que cria, justifica e legitima a opressão e exploração das mulheres, agricultura familiar, ao se organizar a partir deste sistema, reproduz e perpetua tal exploração e opressão. Tal diferenciação de oportunidades e poderes ocorre não apenas na agricultura familiar, mas no próprio processo de visibilidade e valorização desse modo de produção. Como bem analisa Buarque, “a nossa agricultura familiar é herança de uma atividade basicamente feminina [...] instituída pelas mulheres nos espaços vazios dos grandes latifúndios”52. E, ainda, “é interessante observar que, enquanto a agricultura familiar não passava de um instituto marginal na economia, ela era vista como uma atividade feminina vinculada ao doméstico; no momento exato em que ela passa a ocupar um espaço nas grandes políticas, seus protagonistas mudam de sexo”53. Ao mesmo tempo, não se pode negar que, ainda de modo incipiente, muitos setores envolvidos na defesa da agricultura familiar começam a preocupar-se com essas questões, uma vez que é concreta a “rota de saída” das mulheres, especialmente as mais jovens, do espaço da agricultura familiar. Para além do reconhecimento verdadeiro e legítimo das injustiças a que as mulheres estão submetidas, parece que a situação começa a ser inquietante exatamente nos momentos e movimentos em que elas deixam de estar, sendo a ausência o que concretiza esse (re)conhecimento. Cabe abrir um parêntese para questionar a chamada invisibilidade das mulheres e seu trabalho na agricultura familiar, expressão tão recorrente que já assume um estatuto de verdade. As mulheres não são invisíveis, elas não são vistas no sentido de seu reconhecimento como sujeitos ativos dos processos produtivos. Longe de ser um mero jogo de palavras, atribuir aos outros a incapacidade de enxergar as mulheres muda o sentido da compreensão da realidade e, conseqüentemente, das estratégias para a superação das desigualdades. Não são as mulheres que se ocultam, são as relações de dominação patriarcal que lhes atribui um lugar menor. A operação de invisibilidade ocorre em um momento posterior ao trabalho realizado, seja ele produtivo ou reprodutivo. Dá-se quando é negado às mulheres o direito de decidir; quando as estatísticas e análises – produzidas pelo Estado ou pela sociedade civil – não trabalham os dados separados por sexo; quando discursos mantêm a suposta universalidade do masculino (“o agricultor”); quando os projetos políticos, estatais ou da sociedade civil, não as consideram como sujeitos de direito. 50 Em pesquisa recente, Abramovay e colegas constataram que 64% dos pais informam que têm o poder sobre todas as atividades da unidade familiar. ABRAMOVAY, Ricardo et al. Sucessão profissional e transferência hereditária na agricultura familiar. Disponível em:<www.gipaf.cnptia.embraba.gov.br>. 51 WEBER, Max. Economia y sociedad. Buenos Aires: Fundo de Cultura Econômica, 1992. Tradução da autora. 52 BUARQUE, Cristina. Integração da perspectiva de gênero no setor da reforma agrária. Disponível em: <www.incra.gov.br>. 53 Id., ibid., op. cit. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 130 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Onde estão as mulheres? De modo apressado, mas também verdadeiro, pode-se dizer que as mulheres estão em todos os lugares e não estão em lugar nenhum. Em todos os lugares porque para além dos dados que as ocultam, basta olhar a dinâmica cotidiana para que se constate que as mulheres, em maior ou menor medida, realizam todas as atividades produtivas e reprodutivas na unidade familiar. Os dados coletados em uma pesquisa54 com as agricultoras familiares da região de Sobral, no Ceará55,9 mostram que, das 14 atividades relacionadas com o roçado, as mulheres participam, em graus variados, de todas. Em quatro dessas atividades, as mulheres participam na mesma proporção que os homens (capina, plantio, replantio, colheita) e, em uma, são majoritárias (beneficiamento dos produtos). Em apenas três atividades, a freqüência é bem mais baixa que a dos homens: brocar, destocar e vender. Já na criação de aves, as mulheres realizam todas as atividades que compõem o sistema, sendo que, em 49% dos casos, somente elas são as executoras. Nas demais situações, a participação masculina é muito baixa (em média, três atividades), ainda que não exclusiva e, em muitos casos, realizada pelos meninos. Na criação de suínos, a divisão do trabalho é um pouco diferente, pois os homens estão mais envolvidos na atividade. Contudo, em apenas 50% dos casos, eles são majoritários (realizam as 11 atividades, enquanto as mulheres participam de três a cinco); nos casos restantes, há um equilíbrio na divisão das atividades. Na criação de caprinos/ovinos, a presença masculina é maior, mas só em um caso é exclusiva. Das 15 atividades listadas, os homens realizam a maioria, sendo que o trabalho feminino está presente com alta freqüência de sete a nove atividades, havendo ainda casos em que participam de todas. Dados semelhantes são encontrados em pesquisas que investigam contextos diferentes, como é o caso de trabalho realizado em Paragominas, no Pará, onde Cayeres e Costa, analisando o sistema de roça itinerante e o manejo de inovações tecnológicas, constataram que “as mulheres têm maior contribuição individual na força de trabalho familiar e na continuidade das atividades tradicionais. Enquanto que os homens estão envolvidos com as novas técnicas introduzidas e nos treinamentos, a manutenção do sistema tradicional é assegurada pela sobrecarga de trabalho das mulheres”56. Se as mulheres executam as atividades produtivas na mesma proporção que os homens, o mesmo não se pode dizer das atividades reprodutivas, como demonstram os dados a seguir. Na área de Sobral, das 25 atividades que compõem a esfera reprodutiva, apenas 20% são realizadas com mais freqüência pelos homens (fazer feira, buscar e rachar lenha, consertos de utensílios e reparos na casa e trocar o botijão de gás)57, enquanto 28% das atividades têm uma freqüência maior de realização compartilhada, pois sua característica principal é ser uma espécie de híbrido entre responsabilidades ditas femininas com aquelas ditas masculinas. Um exemplo disso é levar pessoas doentes ao serviço de saúde que articula a dimensão do cuidado com a saída do espaço familiar58. Assim sendo, as 54 Pesquisa realizada em 2003 pelo SOS Corpo – Gênero e Cidadania para Projeto de Desenvolvimento Local Pnud/BNDES. As tabulações estão em fase de finalização. 55 Composta de quatro municípios: Sobral, Massapê, Santana do Acaraú e Meruoca. Essa é uma área de extrema pobreza, onde a maior parte da produção familiar está relacionada com as atividades do roçado e a criação de animais de pequeno porte (aves e suínos). 56 CAYERES, Guilhermina; COSTA, Rosana. Análise da mão-de-obra no sistema de produção familiar de uma comunidade amazônica. Disponível em:<www.gipaf.cnptia.embraba.gov.br>. 57 É interessante observar que a justificativa para o predomínio masculino na troca do botijão não é o peso, mas sim o medo de acidentes provocados pelo vazamento de gás. 58 Resultados quase idênticos foram encontrados por Puhl, Moura e Lopes em diagnóstico realizado no Vale do Guaporé (1998). Ver PUHL, MOURA; LOPES. Etnografia sobre as relações de gênero na agricultura familiar no 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 131 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG mulheres são executoras exclusivas de 52% das atividades reprodutivas, especialmente aquelas cuja realização é diária e contínua. Analisando os dados para além da sub-representação que parece ocorrer com o trabalho feminino na produção agrícola, tem-se que as mulheres, especialmente na condição de mães, são majoritariamente presentes nas quatro atividades apresentadas – o que as torna multifuncionais para a agricultura familiar, já que, além das atividades domésticas e agrícolas, elas ainda estudam e exercem o magistério. Além disso, é por elas e por meio de seus trabalhos que se realiza a integração entre produção e consumo, característica considerada fundamental na consolidação desse modo de produção. Ainda que os dados apresentados não façam referência direta à dimensão da pluriatividade na agricultura familiar, pode-se fazer inferências sobre quem são as pessoas que, com mais freqüência, atuam para além do especificamente agrícola, principalmente no contexto dos debates sobre o “novo rural” e os modos como outras dimensões econômicas – como serviços, turismo, artesanato, gastronomia e até mesmo um certo modo de vida – que vêm sendo reforçadas nos discursos e políticas como alternativa eficaz para o desenvolvimento rural. Pesquisa realizada em assentamentos de seis estados do Brasil59 confirma esses dados, ao mesmo tempo em que revela os modos como as atividades produtivas das mulheres são invisibilizadas e transformadas em ajuda ou parcialidade. Não cabe aqui analisar a correção ou não de tais proposições, mas vale destacar que a inserção em atividades não-agrícolas é profundamente marcada pelo viés de gênero60, sendo uma prática condicionada pelos contextos sociais, econômicos e políticos. São as mulheres – independentemente de faixa etária – e, em certa medida, os jovens que fazem esse movimento, levando consigo a subvalorização da sua contribuição para a sustentabilidade da agricultura familiar. Como decorrência, é necessário pensar a questão da pluriatividade como uma das formas a partir das quais esse modo de produção é constituído e dinamizado, sendo possível também estabelecer conexões entre os processos migratórios femininos e o conceito de pluriatividade. Na maioria dos casos, a ausência física das mulheres não significa que elas deixem de ser um elemento da organização e da manutenção do estabelecimento familiar. A tendência de diminuição da população feminina no meio rural é histórica. Vem ocorrendo tanto na Europa (é o caso da França, onde um terço dos homens que trabalhavam na atividade agrícola não haviam se casado até os 35 anos) como na América Latina (onde, em 1995, havia 5 milhões de homens a mais do que mulheres)61. No Brasil, de acordo com os dados do Censo de 200062, entre 1991 e 2000, houve queda de 10% na população rural brasileira, sendo que, para as mulheres, essa queda foi de 11%. Em 30 anos, as mulheres passaram de 48,47% da população rural para 47%. A razão de sexo também é um indicador importante. Se, em 1980, a razão de sexo na população rural era de 106,56 homens para cada 100 mulheres, em 2000 passou a ser de 109,22. A média brasileira (incluindo o urbano e o rural) na última contagem Vale do Guaporé. In: CAMURÇA, Silvia; PACHECO, Maria Emília. (Orgs.). Programa integrado de capacitação em gênero, desenvolvimento, democracia e políticas públicas. Quarto Caderno: Experiências Rurais. Rio de Janeiro: Fase, 1998. 59 ABRAMOVAY, Miriam; RUA, Maria das Graças. Companheiras de luta ou coordenadoras de panelas?. Brasília: Unesco, 2000. 60 É interessante observar que, mesmo nos estudos que tratam do tema da pluriatividade, não há uma nomeação do sexo daqueles(as) que têm múltiplas inserções produtivas. 61 Ver CAMARANO e ABRAMOVAY, op. cit. 62 Disponível em <www.ibge.gov.br>. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 132 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG populacional, apresenta uma tendência inversa, são 96,93 mulheres para cada 100 homens. Além disso, dados apresentados por Abramovay e Rua demonstram que o percentual de homens solteiros nos assentamentos é muito superior ao de mulheres, confirmando a força da estrutura familiar mais tradicional.T T Se, em contextos diversos do ponto de vista político e econômico encontram-se os mesmos processos, suas causas não estão radicadas apenas no tipo de política pública para o desenvolvimento rural nem em condições estritamente econômicas, comprovando assim que a estrutura das relações de gênero tem um peso decisivo na dinâmica de desenvolvimento rural. Rotas de saída Camarano e Abramovay63 levantam três hipóteses para explicar a maior participação feminina nos processos migratórios: a) maior oferta de trabalho para mulheres no meio urbano ligada à expansão do setor serviços; b) dinâmicas das relações de gênero na família; c) relação entre processos migratórios e graus mais elevados de escolaridade. Na perspectiva aqui assumida, estas três hipóteses possuem estatutos diferentes, ou seja, as relações de gênero são determinantes tanto no que se refere à preferência por mulheres nos empregos do setor serviços, como na maior escolaridade encontrada nas mulheres rurais. É importante levar em conta também as transformações por que passaram as mulheres nas últimas décadas, tanto no que se refere às conquistas no plano dos direitos, em especial as ações políticas dos movimentos de trabalhadoras rurais, como aquelas relacionadas às dimensões socioculturais. Tais processos trazem conseqüências importantes no modo como as mulheres, especialmente as mais jovens, interpretam a si mesmas e à realidade, dando-lhes condições de pensar e buscar outros destinos diferentes da submissão absoluta à lógica patriarcal. Se ainda não há condições para a ruptura dessa lógica, é possível estabelecer rotas que a contornem e minimizem os seus efeitos perversos e injustos. Vale ressaltar dois processos profundamente interligados e pouco considerados. O primeiro diz respeito à presença de uma racionalidade nas escolhas das mulheres em não permanecer na agricultura familiar. O acesso ao mundo público, a remuneração pelo trabalho realizado e a quebra com o tempo indistinto que marcam a ligação entre produção e reprodução dentro da unidade familiar são fatores que transformam o cotidiano das mulheres, dando-lhes a possibilidade de se pensarem e atuarem como sujeitos de suas próprias vidas, de ser alguém com um lugar no mundo, como fica claro no depoimento de uma trabalhadora da fruticultura irrigada de Petrolina, em Pernambuco: “Fiquei uma pessoa independente. Quando meu marido diz ‘é meu’, eu também digo. Quando ele diz ‘eu estou cansado’, eu também digo que estou”64. É essa mesma lógica que leva a um maior incentivo para que as filhas invistam na escolarização, já que, em princípio, aumentam suas chances de conquistar postos de trabalho mais qualificados. Ainda que seja um processo mais marcante na população feminina rural, os jovens que investem na qualificação escolar também tendem a deixar a unidade familiar, conforme constataram em pesquisa recente Melo e colegas65,21 63 CAMARANO e ABRAMOVAY, op. cit. Apud BRANCO, Adélia; VAINSENCHER, Semira. Gênero e globalização no Vale do São Francisco. (Trabalho para discussão n. 116, set. 2001). Disponível em: <www.fundaj.gov.br>. 65 MELO, Antônio et al. A educação formal e os novos mercados para a agricultura familiar. Texto apresentado no XLI Congresso Brasileiro da Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural. Juiz de Fora, jun. 2003. 64 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 133 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG ocasionando o que eles denominam “questão sucessória na agricultura: que é quando a formação de uma nova geração de agricultores perde a naturalidade com que era vivida até então pelas famílias e indivíduos envolvidos nos processos sucessórios”66. Essa “perda de naturalidade” é derivada não apenas dos problemas de ordem econômica, no sentido do baixo retorno financeiro, mas também da mesma dinâmica patriarcal que afeta as mulheres, uma vez que sendo o poder pouco compartilhado entre as pessoas que estão no estabelecimento familiar, os jovens também se encontram em uma posição de submissão. Como analisam Abramovay e colegas, “o processo sucessório na agricultura familiar está articulado em torno da figura paterna que determina o momento e a possibilidade de passagem da responsabilidade sobre a gestão do estabelecimento para a futura geração”67. Além disso, é necessário considerar o problema da herança. O patrimônio geralmente não oferece possibilidades de muitas divisões, que, caso ocorressem, terminariam por inviabilizar sua capacidade produtiva, fazendo com que apenas um dos filhos pudesse ocupar o lugar do pai. Se, para os filhos, essa já é uma situação difícil, para as filhas são raríssimas as chances de serem herdeiras, não sendo, portanto, ilógico que procurem outras opções. Se a rota de saída das mulheres da agricultura familiar significa uma opção legítima na busca da emancipação e da cidadania, por outro lado, não representa nem uma ruptura nem uma solução, já que elas continuam sendo avaliadas pelos mesmos padrões e valores que organizam a agricultura familiar, seja no trabalho assalariado, na agroindústria, no setor de serviços público e privado ou no trabalho doméstico – para onde migram a maioria das mulheres. Ao mesmo tempo, elas também não se desvinculam da própria agricultura familiar, pois uma parte substancial dos rendimentos que as mulheres auferem em trabalhos fora do espaço familiar é nele empregado, como gasto produtivo ou reprodutivo. Há que se considerar, ainda, que às vezes a migração para áreas urbanas não é uma escolha das mulheres, mas uma necessidade imposta pelas dificuldades financeiras do estabelecimento familiar. Essa situação é muito comum nos períodos de seca no semiárido nordestino, como constatou Branco68 ao afirmar que, “através da migração, as mulheres não contribuem somente com uma ajuda monetária àqueles que deixaram para trás, mas ajudam os demais familiares a migrarem”69. É desnecessário demonstrar que as atividades reprodutivas não são deslocadas para os homens quando as mulheres deixam de trabalhar diretamente na produção familiar, pois, mesmo que haja ausência física de uma mulher, as responsabilidades que tinha serão transferidas diretamente para outra mulher da família. Sendo a atividade feminina, nesse contexto, historicamente marcada pela multifuncionalidade e pluriatividade, cabe indagar se, no momento em que a segunda característica passa a ser considerada uma alternativa viável para o desenvolvimento rural, as mulheres deixarão de ser os sujeitos centrais da mesma, tal como ocorreu, segundo a análise de Buarque, quando da recente valorização da agricultura familiar. 66 Id., ibid. 67 ABRAMOVAY et al., op. cit. 25 Id., ibid. BRANCO, Adélia. Mulheres da seca: luta e visibilidade numa situação de desastre.João Pessoa: UFPB, 2000. 69 Id., ibid. 68 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 134 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Direitos pela metade Anteriormente, foi afirmado que as mulheres estão em todos os lugares e não estão em lugar nenhum no cotidiano da agricultura familiar. A aparente contradição se explica ao verificarmos o que é feito das mulheres nas dimensões relativas à posse da terra, aos rendimentos e ao poder de decisão. Quando se analisa a titulação da propriedade da terra, fica evidente o quanto a existência de políticas públicas ou de legislações não é suficiente para minimizar as enormes diferenças de poder entre mulheres e homens. No Brasil, não há nenhum tipo de obstáculo legal para que as mulheres sejam proprietárias. No entanto, 87% dos lotes dos assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), 93% do Banco da Terra e 92% das propriedades familiares têm homens como titulares70. Apenas em situações em que eles não preenchem os requisitos necessários ou quando estão ausentes é que as mulheres assumem a titularidade. Nos demais casos, são consideradas “dependentes”. No que se refere aos rendimentos, os dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada em 200171, indicam que, para o universo das pessoas de 10 anos ou mais ocupadas em atividades agrícolas (não especificamente para a agricultura familiar), as mulheres estão majoritariamente nas categorias não-remuneradas (39,25%) e produção para consumo próprio (também 39,25%), demonstrando que quase80% das mulheres não auferem nenhum rendimento do seu trabalho. Analisando os números referentes à população masculina ocupada, temos que 17,71% são classificados como não remunerados, e 8,37% estão na produção para consumo próprio, perfazendo 26,08% de homens que não recebem rendimentos pelas atividades que realizam. Os dados por si só indicam a magnitude da exploração a que estão submetidas as mulheres na produção agrícola brasileira. Trabalhando com os dados sobre rendimentos das agricultoras familiares da área de Sobral, vê-se que 47,8% recebem menos de meio salário mínimo mensal, enquanto 13% não auferem nenhum tipo de rendimento. Contudo, o que chama a atenção aqui é o alto percentual de mulheres que colocaram os benefícios (bolsa-escola, vale-alimentação e vale-gás) como sendo sua própria e única renda: 66% entre aquelas que declararam ter algum rendimento, e 85,7% no grupo que recebe menos de meio salário mínimo. Perceber os recursos destinados à família como sendo seus próprios recursos demonstra o quanto as mulheres têm dificuldades de se perceber para além desse lugar e da função de gerentes dos parcos72 rendimentos familiares destinados à reprodução cotidiana. Ao mesmo tempo em que confirma que os(as) formuladores(as) das políticas públicas assistenciais colocam as mulheres como responsáveis pelo recebimento desses recursos como se isso fosse uma garantia de sua adequada aplicação, elastecendo ainda mais o tempo das mulheres, já que, para receber tais benefícios, é necessário um deslocamento para o município-sede, esperas nas filas dos bancos e gastos com transporte que terminam por diminuir ainda mais o já mínimo benefício. É prudente afirmar que as mulheres são gerentes de uma parte dos recursos familiares porque seu poder de decisão é muito restrito, mesmo no que se refere às decisões da 70 “A terra da mulher (e do homem)”, entrevista concedida por Zoraida Garcia Frias ao jornal eletrônico da Unicamp, em novembro de 2002. Disponível em:<www.unicamp.br>. 71 Disponível em: <www.ibge.gov.br>. 72 Os valores dos benefícios são: vale-gás – R$ 15 (a cada 2 meses); bolsa-escola – R$ 15 por criança, com teto de três crianças; e bolsa-alimentação – R$ 15, também com teto de três crianças. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 135 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG esfera reprodutiva, como demonstram os dados da pesquisa “Relações de gênero nos assentamentos rurais”73. No âmbito das atividades produtivas, o poder de decisão é majoritariamente masculino nos seis estados pesquisados (cultivos – de 92% a 66%; vendas dos produtos agrícolas – de 91% a 74%; venda de gado – de 93% a 59%). O poder de decisão das mulheres é maior na venda dedoces e queijos (de 58% a 41%) e na venda de ovos e aves (80% a 46%), ainda que esse poder não seja tão hegemônico como o masculino e se dê em esferas produtivas de menor valor monetário. Apesar de se creditar às mulheres o domínio absoluto do espaço reprodutivo, a realidade é mais complexa, tendo respostas menos uniformes nos estados pesquisados. No que se refere à educação das crianças em quatro estados (Bahia, Ceará, Mato Grosso e São Paulo), há um percentual maior de mulheres compoder de decisão (55,5%, 61,%, 41,5% e 44%). Nos demais estados (Paraná e Rio Grande do Sul), a decisão tende a ser compartilhada pelo casal (38% e 62,5%). Contudo, o que pode parecer, à primeira vista, bastante surpreendente é que, em nenhum dos estados pesquisados, as mulheres têm maior poder de decisão sobre quais alimentos devem ser comprados, sendo mais freqüente que os homens tomem essa decisão. A primeira vista porque, nos casos das agricultoras familiares, tudo o que envolve dinheiro e saída do espaço restrito do estabelecimento familiar não lhes pertence, não lhes é direito, já que a tradição patriarcal que organiza esse cotidiano nega às mulheres apossibilidade de exercerem um princípio fundamental de ser sujeito: a liberdade de ir e vir. Sem terra, sem dinheiro, sem tempo, sem espaço, sem poder, sem liberdade, assim são as mulheres em sua experiência cotidiana na agricultura familiar. Esses elementos não podem ficar invisíveis quando a transformação social e política pretendida implica necessariamente a quebra da hegemonia do modelo até então vigente para o desenvolvimento rural, sendo antinômico que essa radicalidade também não se dirija à dominação patriarcal que organiza a sociedade brasileira. É preciso que os movimentos sociais, as organizações não governamentais, trabalhadoras e trabalhadores rurais construam projetos e alternativas não apenas para os modos de produção e consumo, mas também para o modo de organização familiar. Em síntese, mudemos os sentidos e significados da agricultura e da família, pois só assim nossa ação política poderá resultar numa sociedade que não seja marcada pela meia justiça, meia liberdade e meia cidadania. 73 Pesquisa realizada por Abramovay e Rua em 2000. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 136 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Margaridas nas ruas: As mulheres trabalhadoras rurais como categoria política Maria Dolores de Brito Mota “…nem nome nós tinha, nem reconhecimento, nós era só mulher com obrigações…” Luci Choinaski, deputada Federal/SC74 Resumo Estudo sobre a emergência das mulheres trabalhadoras rurais no mundo público, abordada pelo aspecto de sua construção como categoria política política em luta por reconhecimento e direitos. Essa construção remeteremete-se a uma produção coletiva, que demandando ando articula a atuação de diferentes agentes sociais com as mulheres rurais, demand práticas e saberes que possibilitam a formatação de uma experiência singular, pessoal e social, pela qual essas mulheres se identificam como mulheres trabalhadoras trabalhadoras rurais, tornandotornando-se em condições de aparecer e falar publicamente. A existência das mulheres mulheres trabalhadoras rurais não decorre automaticamente automaticamente de suas situações de vida, nem de revela--se como resultado de uma tomada de consciência espontânea, e a sua construção revela conflitos,, atuações e autorias, combinando diferentes elementos como articulação, conflitos símbolos, estratégias, práticas, exprimindoexprimindo-se em diversas dimensões. Uma dimensão formulam--se institucional pela qual se formalizam suas organizações específicas, e formulam discursos institucionais sobre elas e para elas. Uma dimensão experiencial em que ativam mecanismos de aparecimento aparecimento e de fala pública, envolvendo a criação de um lugar feminino, de formas de representação/apresentação, e a construção de uma narrativa própria. As mulheres trabalhadoras rurais, através de sua experiência política, imprimem marcas marcas diferenciadas no movimento sindical dos trabalhadores rurais introduzindo dimensões femininas de vivências e simbolismos que, além de instituírem a sua entrada na política sindical, lhes permite refazeremrefazerem-se sem medo de ser mulher. Buscando a construção e encontrando a experiência das mulheres trabalhadoras rurais A existência das mulheres trabalhadoras rurais no espaço público, como categoria específica, com identidade, discurso e imagem específica, é aqui abordada na perspectiva da construção de sua emergência como grupo, coletivo personalizado, em luta por reconhecimento e direitos. Construção essa resultante de um trabalho coletivo de agentes múltiplos cujas práticas projetam e revertem figurações sociais, num fazer e fazer-se. Esses acontecimentos reúnem práticas, ou modalidades de práticas políticas, envolvendo as mulheres trabalhadoras rurais e outros agentes sociais, e postulam encontros com os /as personagens e contextos situados no terreno social em que surgem as organizações específicas de mulheres trabalhadoras rurais, consubstanciando um movimento social de mulheres trabalhadoras rurais, como uma produção coletiva. Assim, fui em busca do “trabalho social” de construção do objeto “preconstruído,” nas palavras de Bourdieu (1975), e deparei-me com a questão de uma categoria social fabricada coletivamente, numa produção de vários agentes sociais e práticas políticas intercaladas por experiências femininas de mulheres do campo. 74 Programa Jogo Aberto, 02/10/1999-TV Bandeirantes. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 137 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Categoria aqui é entendida no sentido referido por Bourdieu (1999,p.17) para quem “a palavra ‘categoria’ impõe-se por vezes porque tem o mérito de designar ao mesmo tempo uma unidade social – a categoria dos agricultores – e uma estrutura cognitiva, e de tornar manifesto o elo que as une.” É uma forma de ser e de conhecer (esse ser), numa unidade que sinaliza “a concordância entre as estruturas objetivas e as estruturas cognitivas, entre a conformação do ser e as formas de conhecer” (idem,p.17). Mas, essa concordância que permite o conhecer de uma categoria social implica também um processo de reconhecimento pelo qual ganha visibilidade e legitimidade, expressandose por imagens, práticas, falas e espaços de modo a conquistar uma outra vida, a vita activa, no sentido que é atribuído por Arendt (1995) significando a vida humana empenhada em fazer algo, em agir. E o agir pressupõe aliança entre pessoas, organização, presença de outros, vida pública onde é possível constituir-se em ser “conscientemente existente” (idem, 1993,p.24). Esse tornar-se um Eu, diferente de outros, nos leva ao encontro da problemática da identidade desse grupo de mulheres, e reivindicou meu olhar sobre esse controvertido conceito nas ciências sociais, e que está sendo colocada neste contexto como identidade construída coletiva e politicamente, como apresentação e estratégias de um grupo social, as mulheres trabalhadoras rurais. Os processos que permitem o estabelecimento das mulheres rurais como categoria específica, manifestam-se como uma produção coletiva. Produção que pode ser aduzida como uma poética, no sentido original dessa palavra, de ser uma criação. A esta produção atribuí a idéia de “construção” no sentido de que a categoria das mulheres trabalhadores rurais não se exprime apenas por processos estruturais, normalmente atribuídos como determinantes de situações conseqüentes; e nem se mostra como reflexo imediato de uma tomada consciência política espontânea. Essa construção se distancia das idéias de determinação e de espontaneísmo, vincula-se a mecanismos conectados com a experiência das próprias mulheres rurais junto a outros grupos sociais que são articuladores políticos, e o próprio momento conjuntural em geral e em particular o das mulheres da zona rural. Esse propósito me levou a aproximar-me e a aproximar alguns autores que compreendem a realidade social como realidade construída. Castoriadis, para quem a instituição da sociedade “que é cada vez instituição do mundo, como mundo desta sociedade e para esta sociedade, e como organizaçãoarticulação da própria sociedade” (1995,p.415). Bourdieu que entende o mundo social como uma “realidade que é o lugar de uma luta permanente para definir a realidade” (1989,p.118), no interior da qual situa-se a idéia de que a emergência de um grupo em luta se faz especialmente por meio de atos de reconhecimento (p.138). Arendt que entende a existência social assentada no ser visto e ouvido publicamente, sendo que “na ação e no discurso, os homens mostram quem são, revelam ativamente suas identidades pessoais e singulares, e assim apresentam-se ao mundo humano” (1995,p.192). Destaco Certeau (1996) com a sua busca das tessituras do real dentro do cotidiano, em montagem de uma “ciência do ordinário.” E outros autores que transitam por entre essas idéias de um real não apriorístico e resultado de ações projetadas ou não dos sujeitos sociais. O que me colocou diante da questão de identificar as evidências do processo construtor das mulheres trabalhadoras rurais como categoria política. De uma maneira esquemática, esbocei o cenário que tornou possível o aparecimento das “mulheres trabalhadoras rurais” como sujeito de discursos e sujeito nos (outros) discursos, com configurações diferenciadas em grupos/facções que disputam entre si a legitimidade, dentro e fora do próprio movimento de mulheres trabalhadoras rurais. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 138 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Discursar é estar em posição de exercer uma fala de direito e estar presente no discurso de outros, como no acadêmico e no de formações políticas (ONGs, sindicatos, políticos), significa estar sendo vista, portanto em relações de re-conhecimento, e em condições de comunicação. Neste caso, indica relacionamentos entre diversos agentes sociais e as mulheres trabalhadoras rurais. O discurso acadêmico tem uma presença intensa na emergência social das mulheres trabalhadoras rurais corroborando com a instituição de uma identidade desse grupo. Segundo Scott (1999), a “identidade está amarrada a noções de experiência,” pois não é algo que sempre esteve lá, à espera de ser representada. Tomar as mulheres trabalhadoras rurais como categoria construída é um esforço que me levou a encontrar a experiência historicizada pela qual puderam emergir como categoria política. Deparei-me com essa experiência nas condições em que se designam e se exercem como tal – na existência cotidiana de suas organizações específicas. Os primeiros grupos de mulheres rurais que conheci, no início dos anos 1980 na Bahia, eram conhecidas e autodenominadas como assalariadas do cacau, catadoras de café, bóias-frias, posseiras, lavradoras, camponesas. Em 1997 deparei-me com mulheres de todo o continente latino-americano e do Caribe, delegadas do Primeiro Encontro Continental de Mulheres Trabalhadoras Rurais. Eram mulheres de realidades e características diferentes, mas juntas reivindicavam uma única identidade, a de mulheres trabalhadoras rurais. Esta condição que se apresentava como dada, de fato expressava a conformação de um processo em curso, na medida em que um dos temas tratados no encontro foi “ o que era ser e se sentir uma mulher trabalhadora rural.” Do Brasil estavam diversas representações de organizações de mulheres trabalhadoras rurais que se autoreferiam como participantes do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais. Fui em busca de entender o que possibilitou àquelas mulheres trabalhadoras rurais se definirem, reconhecerem e serem reconhecidas como tal. Essa busca seguiu dois caminhos: A história do surgimento das organizações de mulheres trabalhadoras rurais; O acompanhamento de algumas atividades políticas realizadas pelo Coletivo Estadual de Mulheres da Fetraece, e do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais/CE (MMTR-CE); a organização da Campanha Nenhuma trabalhadora rural sem documentos, as eleições do Coletivo Estadual, o III Congresso Estadual da Fetraece, o 8 de Março e a Marcha das Margaridas 2001. Na busca das origens das organizações de mulheres trabalhadoras rurais, que é recente, as primeiras surgiram em 1982 no sertão pernambucano e no interior do sul do país, e no acompanhamento socioetnográfico do cotidiano da militância do Coletivo Estadual de Mulheres da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Ceará – Fetraece, e do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR), foram se manifestando elementos como discursos, práticas, imagens, narrativas, identidade, todos circunstanciados por tensões, conflitos, articulações, estratégias, emoções, rituais que realçavam um processo de fabricação, de produção coletiva, que ao longo da investigação foi tomando a forma de uma construção – a construção sociológica das mulheres trabalhadoras rurais como categoria política. Uma via dupla de criação – relações entre mulheres rurais, academia, igreja, movimento sindical e organizações não governamentais 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 139 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Na história do surgimento das organizações estudadas, o Coletivo da Fetraece e o MMTRCE, destacaram-se a presença de vários agentes sociais, como intelectuais e as assessorias. Os estudos acadêmicos são falas legitimadas que atuam no propósito de dar visibilidade à presença das mulheres tanto nas atividades da produção agrícola quanto nas instâncias e manifestações políticas do movimento sindical dos trabalhadores rurais. Esses estudos formulam questões que se situam no campo de uma teoria social crítica e mostram o caráter político da invisibilidade das mulheres rurais nas estatísticas e na vida social, analisando: A subestimação do trabalho feminino pelos indicadores utilizados nas pesquisas censitárias (mulher de produtor, MNRF, a não inclusão da produção de fundo de quintal – criação de pequenos animais, hortas, pomar, plantas medicinais); O caráter de ajuda ou complemento ao trabalho masculino, atribuído ao trabalho feminino, presente não somente na zona rural mas em toda a sociedade; A não inclusão das atividades femininas das políticas de incentivo à produção rural, crédito, subsídio e mesmo dos programas de reforma agrária; Evidenciam o aumento do trabalho feminino no campo e as novas posições que este assume a partir das mudanças introduzidas pela expansão das relações capitalistas no campo que individualizaram a força de trabalho das mulheres intensificando a sua exploração. Os estudos acadêmicos estão também presentes no cotidiano dos movimentos das mulheres trabalhadoras rurais, como textos que subsidiam as discussões sobre suas condições de vida e de trabalho. Além disso, existe a participação direta, física, das pesquisadoras na condição de colaboradoras e assessoras nos eventos que estes movimentos realizam. Assim, o discurso acadêmico sobre as mulheres trabalhadoras rurais tem sido uma de suas condições de produção, uma maneira de fazer a sua existência. Essa capacidade do dizer é vista por Certeau (1996) como um “saber – dizer,” cuja narrativação das práticas é uma maneira textual de fazer. A produção acadêmica sobre as mulheres rurais de um lado re-escreve e re-inscreve essas mulheres no mundo social, porque como discurso competente, fala autorizada, lhe é permitido apresentar uma outra visão do real. No âmbito das assessorias, o encontro com a realidade das mulheres é mais direto. Seja em nível nacional ou estadual, a história do surgimento das organizações de mulheres trabalhadoras rurais está ligada a atuação de ONGs e pastorais. No Ceará essa matriz articulista está nos interstícios do movimento sindical, da igreja católica e da atuação do Centro de Estudos do Trabalho e Assessoria ao Trabalhador (Cetra) e do Centro de Pesquisa e Assessoria (Esplar),junto aos locais onde surgiram os primeiros grupos organizados de mulheres trabalhadoras rurais, nos anos 1980. O primeiro grupo do MMTR-CE se formou na região de Itapipoca. Nessa área a igreja tinha um trabalho de organização dos agricultores em torno da luta pela terra e da celebração do Dia do Senhor, do qual só participavam homens. O Cetra também estava presente nessa região com uma atuação voltada para a renovação do sindicalismo e a luta pela terra. Diante de uma pequena presença das mulheres nas reuniões sindicais e da existência de problemas entre os casais pelas ausências dos homens em decorrência de sua participação no movimento, o Cetra e a igreja, ouvindo as queixas de homens e mulheres iniciaram, em 1980, a organização dos Encontros de Esposas. Em torno desse trabalho com as mulheres aproximaram-se várias integrantes dessa instituição e alguns 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 140 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG profissionais liberais residentes na região. Discutia-se nesses encontros, saúde da mulher, planejamento familiar e pobreza. Esses encontros se entenderam para Sobral e foram sendo ampliados para mulheres solteiras. As assessoras do Cetra foram buscar referências de trabalhos com mulheres rurais e encontrou contatos na Paraíba e em Pernambuco, aos quais se articulou, inicialmente para trocar experiências e ampliar sua capacidade para esse trabalho político organizativo com mulheres rurais. Em 1986 foi criado no Ceará o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Ceará, na mesma perspectiva dos que estavam sendo construídos na Paraíba, Pernambuco, Piauí, Bahia e outros Estados nordestinos. Paralelamente a esse processo, outro foi acontecendo, cujo resultado vai ser a criação do Coletivo Estadual de Mulheres da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Ceará (Fetraece). O Coletivo teve como território privilegiado as instâncias formais do movimento sindical rural, como efeito da organização das mulheres e dos trabalhadores rurais no interior da Central Única dos Trabalhadores (CUT), e na área de atuação do Esplar. Dentro da CUT existia o Departamento Estadual de Trabalhadores Rurais, formado por sindicalistas de esquerda que faziam oposição à diretoria pelega da Fetraece, cuja visão de democracia envolvia a inclusão das mulheres e sua igualdade de direitos. Em 1991 esse departamento realiza o I Encontro Estadual de Mulheres Trabalhadoras Rurais quando foi criada a Comissão de Mulheres do DETR-Ce. Esse processo se remete a uma organização de mulheres nos sindicatos de trabalhadores rurais dos municípios de Madalena e Canindé, que em 1990 já haviam formado uma Comissão de Mulheres. Em 1992 o grupo de sindicalistas do DETR-CE, ganha as eleições da Fetraece, e em fevereiro de 1993 a Comissão de Mulheres é transformada no Coletivo Estadual de Mulheres da Fetraece. A presença das ONGs nessa história indica a formatação de um outro discurso e práticas articuladas com as trabalhadoras rurais demandando a sua inclusão no espaço social e político. A atuação das ONGs na formação das organizações de mulheres trabalhadoras rurais se dá num contexto mais amplo, de relações internacionais de cooperação entre mulheres. No Brasil, relacionava-se ao crescimento do feminismo e de uma consciência sobre as condições de desigualdade social, política e econômica das mulheres brasileiras. As assessoras foram se formando como assessoras de um trabalho específico com mulheres na medida em que os próprios movimentos de mulheres iam se constituindo. Uma assessora confessou que aprendeu sobre a questão da mulher com o trabalho que realizava junto às trabalhadoras rurais. O discurso e a prática das ONGs integra-se com o discurso e a prática acadêmica no sentido de compor um grupo produtor de um discurso institucional sobre as trabalhadoras rurais demandando a sua inclusão no espaço público. São vozes competentes que instauram condições para a legitimação e reconhecimento público das mulheres e que vão também se estabelecendo para criarem um saber e uma prática junto a esse grupo, numa constituição simultânea. É no encontro entre si que se produzem, se constroem. Esse aspecto institucional da construção das mulheres trabalhadoras rurais compreende também a formalização das suas próprias organizações específicas e de seu reconhecimento legal como trabalhadoras rurais. O Coletivo e o MMTR vinculam-se a organizações em nível nacional, como a Comissão de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Contag e a Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais, respectivamente. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 141 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Essa institucionalidade também envolve toda a luta das próprias trabalhadoras rurais que configuradas como categoria específica atuam em busca do seu reconhecimento profissional, que se exprime, sobretudo, por meio da campanha pela documentação Nenhuma trabalhadora rural sem documentos implementada em 1996. É preciso que o Estado legitime a sua condição inscrevendo-as como trabalhadoras rurais nas suas instancias burocráticas. Ter essa inscrição e aposentar-se como tal é uma grande conquista para as mulheres trabalhadoras rurais. Essa campanha continua em curso, sendo uma estratégia importante de mobilização e conscientização interna e externa a esse grupo. Em cena: construindo a existência pública Um movimento social não acontece apenas pela existência orgânica de um grupo, mas também por sua capacidade de poder ser visto e ouvido por todos, de aparecer publicamente. Aparecer é estar presente no mundo e inscrever a sua diferença diante de outros. E assim encontramos a experiência singular das mulheres trabalhadoras rurais pela qual se fazem e se apresentam como tais. Essa experiência não se explica apenas pela posição estrutural de um grupo como algo que sempre esteve lá para ser descrita mas uma experiência historicizada e neste caso também produzida e exercida coletivamente, vivida, interpretada e narrada, feita na medida em que faz as suas próprias agentes. Na medida em que participam de um movimento e realizam suas manifestações públicas, vivem experiências pessoais e coletivas que são base para sua identidade, criando formas de representação e apresentação, instituindo um lugar feminino no território do movimento sindical rural. Dessa maneira emergem no campo político e social brasileiro como um grupo organizado, lutando por direitos e em busca de reconhecimento – fazemse sujeito político, rompendo com uma situação de subordinação e com a fixidez de uma condição antes tida como destino. Por meio dessa ruptura podem ter uma existência própria, como entende Ávila (2000) referenciando-se em Arendt (1998), significando que anunciam seu projeto, têm ação na esfera política e tornam-se interlocutoras como parte de conflitos, afirmando seu direito a ter direitos. A identidade de mulher trabalhadora rural é uma autonomeação a partir de recursos que lhes permitem que se vejam naquilo que sabem de si. Envolve sentimentos de pertença e diferenciação, pautados em relações sociais nas quais se inserem. Segundo depoimentos de algumas entrevistas, a primeira “descoberta” que fazem no movimento é de ser gente e ser trabalhadora (pobre), mas com valor, a segunda é de ser mulher também com valor. Ser mulher trabalhadora rural significa sentir-se como tal. Nessa identidade de mulher trabalhadora rural se articula classe, gênero e lugar, formando uma sobreposição de representações apoiadas em conjuntos diferenciados de relações sociais, e cuja composição já supõe um conflito interno. Assim, a unidade é sempre um elemento que está sendo restaurado, ora em nome do sexo, ora em nome da classe. Como essa restauração não elimina, mas apenas legitima e oculta os conflitos, as disputas, inclusive pela hegemonia não se desfazem. Enquanto um momento marcante da construção da identidade a campanha Nenhuma trabalhadora rural sem documentos mostrou uma disputa permanente pela hegemonia 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 142 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG entre o Coletivo e o MMTR-CE e também entre as diversas entidades parceiras que integram a sua coordenação estadual (sindicais, ONGs, religiosas, acadêmicas). As diversidades e os conflitos são sempre recompostos em nome da unidade do movimento e dos interesses das mulheres trabalhadoras rurais. A experiência experiência no contexto da construção Construir-se como mulher trabalhadora rural envolve vivenciar uma experiência traspassada por mecanismos que promovem objetivações e subjetivações que formata e institui sentimentos, atitudes e símbolos próprios. Para se dizer “sou uma mulher trabalhadora rural,” é preciso sentir-se e mostrar-se como tal. E encontramos no cotidiano dos movimentos de mulheres uma pedagogia que lhes permite uma nova sociabilidade e um novo sentimento de si. A formação de uma consciência de si torna–se processo integrante da construção da identidade social e pessoal. Do que é possível perceber nos comportamentos das trabalhadoras rurais, há uma dimensão individual da construção identitária, em que cada uma vê a si e sente-se como uma mulher trabalhadora rural. Ao assim se dizerem, ou nomearem-se, é fundamental que se sintam como tal. Sempre houve mulheres trabalhando e vivendo no campo, lavradoras, camponesas, mulheres de produtores que não se diziam –e muitas não se dizem ainda, mulheres trabalhadoras rurais, não se reconhecem assim. Para tanto é preciso apreender-se como tal. Essa apreensão requer condições sociohistóricas capazes de promover sentimentos e verdades, certezas sobre si. A construção da identidade desvela-se entre as trabalhadoras rurais como um processo que envolve ou articula uma experiência que é subjetivada, internalizada e sentida de modo individuado –ou individualizante –e uma outra experiência que é objetivada, projetada nas condições sociais, históricas, políticas do grupo. Embora seja uma produção coletiva, a identidade tem um aspecto de subjetivação e de objetivação que articula conflitos e heterogeneidades ao tempo em que funda uma integração e similaridades. Os modos de fazer essa identidade se assentam numa pedagogia singular que prepara os cenários para uma sociabilidade, compondo lugares importantes para a construção de identificações, quer em reuniões, encontros, seminários, cursos de formação, eventos ou manifestações públicas para as e das trabalhadoras rurais. Uma questão é se essa pedagogia faz uma política para as mulheres ou mulheres para a política. As características dessa pedagogia se exprimem numa metodologia identificada desde a escolha das assessoras para realizarem o trabalho com mulheres, que em geral são mulheres que devem saber ouvir, ser simples, ter experiência em trabalho popular e uma visão política; não podem ser donas da verdade nem autoritárias. Não existe um trabalho com homens, mas sim um trabalho com mulheres, e é por este que se redefinem e se reposicionam as mulheres nas relações sociais como trabalhadoras e mulheres que têm valor – revêem a si e ao que fazem atribuindo significado e valor. Também nessa metodologia aprendem a se comunicar, a viver para si, a repassar o vivido e aprendido para outras companheiras, e se fazem capazes de autonomia escolhendo, decidindo e participando. As vivências no movimento social permitem refazer a percepção e a posição das mulheres no mundo que as cerca e dentro delas mesmas –e vão permitir a reinterpretação de conceitos. O que existia antes (do movimento) era o cativeiro e a opressão. Poder falar e sair, ir a outros lugares, representa uma ruptura dessa situação. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 143 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Há um entrelaçamento de vivências entre as assessoras e as mulheres rurais, a partir das quais cada uma estabelece suas práticas e suas posições, construindo uma experiência particular –apropriando-se cada qual dos segredos de suas razões, embora coabitando alguns espaços sociais comuns. Esse trabalho com mulheres é um ativador da identidade de mulher trabalhadora rural ao estabelecer possibilidades de formação de uma consciência de si como sujeito capaz de autonomia. Por meio dessa metodologia reconstroem-se permanentemente em processos de reconhecimento dos quais participam vários grupos sociais –e nos quais se articulam a dimensão pessoal e social. Nesse circuito incessante, tanto as mulheres rurais como as assessoras se inscrevem num coletivo, em suas identidades respectivas. Os dois grupos vão se constituindo simultaneamente. Artes de apresentar apresentar e representar Todo esse substrato comum, não desfaz as disputas internas pela hegemonia da categoria. As manifestações realizadas pelas mulheres trabalhadoras rurais estão zoneadas por divergências políticas, especialmente as que demarcam as atuações da Articulação Nacional das Mulheres Trabalhadoras Rurais – ANMTR e a Comissão de Mulheres da Contag – reproduzidas em nível estadual entre o Coletivo da Fetraece e o MMTR-CE, e outras que existem entre facções internas ao próprio Coletivo. A ANMTR reivindica para si o compromisso com a inseparabilidade da luta de gênero e de classe, e a Comissão de Mulheres enfrenta a discriminação dentro de uma organização mista para estimular a igualdade de oportunidades em seu interior. Há uma alternância de hegemonia nas manifestações que essas organizações realizam, mas se apresentam com homogeneidade e unidade. A unidade da categoria é mais uma estratégia política sofridamente construída e desejada, do que uma característica ou condição interna. Muitas vezes aparece na fala das mulheres a expressão “ocupar espaços na estrutura sindical” referindo-se à inserção da presença feminina nas instâncias oficiais de representação política. Esse processo se apóia em organizações de base, que são expressões concretas de uma inscrição institucional das mulheres se estendendo para as instâncias mais gerais, as direções, para retornar ampliando-se nas bases. A política de cotas que vem sendo adotada no movimento sindical de trabalhadores rurais é um indicativo da estruturação de uma nova ordem de definição das posições de homens e mulheres na estrutura sindical, dando conta da instituição de um lugar feminino. As organizações específicas das mulheres na estrutura sindical e a sua presença física dão conta da ocupação de espaço – entendido como lugares exercidos. Isso pôde ser observado na Fetraece pelo processo de estatutização do Coletivo no III Congresso Estadual de 1998 – quando de um órgão atrelado à Secretaria de Formação foi transformado em cargo da diretoria executiva, inclusive com orçamento próprio. Mas a presença das mulheres não se dá apenas fisicamente, mas simbolicamente, e o MSTR vem se designando oficialmente desde 2000, como movimento sindical dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. O movimento de mulheres trabalhadores rurais ao fazer-se representante de uma categoria também realiza um trabalho de apresentação de modo a coincidir com as representadas. Nas manifestações públicas que realizam, onde participam também outros agentes articuladores, como o 8 de Março e a Marcha das Margaridas as mulheres cuidam de sua própria aparência como: arrumação e embelezamento da aparência 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 144 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG pessoal; uso de símbolos e adereços de mulheres e de trabalhadoras rurais como flores e foices; além de mobilizarem a imprensa e apresentarem-se unificadas, como um bloco: “Nós, mulheres trabalhadoras rurais.” Por essas formas de apresentação constroem uma sensibilidade pública utilizando estrategicamente alguns papéis e atributos tradicionais das mulheres – fragilidade, filhos, sensibilidade. Margarida é o seu símbolo – uma mulher forte, que deu a vida pela luta, e uma flor bonita e terna. Um outro aspecto dessa sensibilidade pública pode ser encontrada em muitas histórias de luta pela terra, quando durante momentos de forte tensão as mulheres com suas crianças tomaram a frente de confrontos para impedir violências e agressões maiores. Transformam o desqualificado e frágil feminino em força e eficácia política, na luta e nas ruas. As mulheres trabalhadoras rurais a partir dessas vivências vão construindo uma narrativa própria e temporal em que se referem a um antes do movimento, quando não falavam, eram escravizadas, sem valor, não sabiam de nada, tinham medo e não podiam, e um depois, em que se experimentam como gente, trabalhadora e mulher de valor que pode falar, sair de casa, reivindicar e se experimentam sem medo de ser mulher. Nessa narrativa sobre a história delas no movimento, a conquista da fala é o demarcador de um novo tempo e uma possibilidade concreta pela qual podem contar a própria história. E nesse contar se reposicionam no mundo. No tempo que era antes não tinham voz, não eram escutadas, não tinham som, falavam por elas, tinham medo de falar, tinham vergonha de falar, depois do movimento, clamaram seus direitos, ouviram o próprio som, ganharam fôlego, falam mesmo sem estarem certas, não ficam caladas quando não aceitam qualquer coisa, fazem poesias e músicas. Os modos de falar dessas mulheres se manifestam por expressões que são definidas como modos típicos das trabalhadoras rurais fazerem política. São modos que articulam ritos, conflitos e comunicação. Elegi as poesias, músicas e fotos, cada qual como falas apropriadas, cada qual com uma atribuição específica: As poesias fazem relatos, registrando as histórias. Criam e apresentam poesias para fazer abertura de eventos, saudações, relatórios, avaliações. Nas poesias também se referem ao dia-a-dia de trabalho na roça, em casa, no movimento, falam do sonho da libertação, exprimindo a utopia da união, da conquista de direitos e da felicidade. As músicas estão presentes em todos os eventos, e animam o início, o meio e o encerramento sempre dinamizando, aglutinando e movimentando o grupo. Com a música as mulheres se juntam, levantam das cadeiras, batem palmas, gesticulam, riem… Quando as discussões se tornam longas e cansativas ou tensas canta-se para quebrar o ritmo pesado e restaurar a atenção. A música anima, celebra e incute valores e esperança. As músicas em geral são de autoria das próprias mulheres, mas há também de compositores e assessores. A música introduz o lúdico e por meio dela exercitam um saber – dizer. Para Nazaré Flor, compositora e integrante do MMTR-CE, na música ela encontra a alegria e a simpatia do público e pode expressar qualquer sentimento “de uma maneira que o cara não tem como dizer não.” As fotografias são recorrentes e também se revelaram como uma fala. Estão presentes na bagagem das mulheres, nos relatórios, folders, nos ambientes dos eventos, dentro de um contexto de utilização freqüente de mensagens visuais. A análise de um conjunto de fotos de documentos produzidos pelos movimentos de mulheres trabalhadoras rurais mostrou a representação da vida delas, o trabalho no campo onde estão sempre carregando coisas 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 145 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG – pedra, lata de água, filhos, trouxa de roupa; no Movimento estão em movimento, relaxadas, brincando, viajando, conversando, falando. No Movimento elas se movimentam e se fazem presentes no mundo. Se toda fala é sempre de uma falta é isso o que elas mais querem, seus desejos. E essas falas são emblemas do movimento de mulheres trabalhadoras rurais, expressando o confronto entre uma forma de vida e um tempo que se encontram em situação de transformação. Marcas de mulheres no sindicalismo rural Os movimentos de mulheres trabalhadoras rurais se situam no território do sindicalismo rural, no qual estampam sua presença de diferentes maneiras, pelas quais pode se acessar os pontos de inclusão das mulheres nesse espaço social. Em que pese o fato de que as lutas das mulheres ainda são vistas como sendo coisas de mulher e não do conjunto do movimento sindical, aos poucos aparecem situações em que o movimento como um todo as assume como ocorreu com a Marcha das Margaridas e a Mobilização Nacional ocorrida em 8 de março. Os nexos entre as mulheres e o movimento sindical dos trabalhadores rurais construídos por tantos gestos, passos, artes e falas se esboçam nos seguintes aspectos: A legitimidade do movimento sindical está apoiada na inclusão das mulheres seja para mostrar a capacidade e o compromisso das direções políticas de responder às questões das mulheres, seja nomeando-se como seu representante, o que tem feito a inclusão do termo trabalhadoras nas manifestações e na própria designação como movimento de trabalhadores e trabalhadoras rurais. A participação das mulheres então pode ser presencial e simbólica. A ampliação da prática de uma mística política, baseada em valores éticos de justiça/diálogo/ternura, na inclusão de todos, numa visão integrada da pessoa, e na solidariedade. É um momento de todos e o motor do entusiasmo que alimenta o compromisso por símbolos e participação. As mulheres não dispensam a mística em seu cotidiano político e a consolidam como prática no campo sindical, mais que o fazem os homens. A política de cotas adotada legalmente pelo sindicalismo tem se mostrado um mecanismo eficiente como estratégia de ação positiva para colocar as mulheres e suas condições de discriminação na pauta sindical, dando condições para a visibilidade e a participação feminina. As cotas são efetivamente assumidas pelos setores mais politizados do sindicalismo, as lideranças, em uma perspectiva de fortalecer o conjunto do movimento; nas bases, ao nível dos sindicatos municipais podem não ser levadas em conta. Por fim as dinâmicas de cantar, movimentar o corpo, enfeitar o ambiente, motivar, animar, alegrar, brincar, rir, dançar, descontrair, ter momentos de confraternização e festa, exposição e venda de produtos artesanais exprimem um conjunto de características mais identificadas com a subjetividade, e muitas vezes com forte emocionalidade. No I Encontro de Mulheres Dirigentes do Sindicalismo Rural-CE, o encerramento foi com muitos abraços e choros entre assessoras, lideranças e participantes, que diziam: “Conseguimos! As mulheres cearenses já estão marchando.” Nunca, em 20 anos de aproximação com o sindicalismo, vi homem chorar por realizar um encontro ou reunião política. Há aqui uma 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 146 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG vinculação entre subjetividade e cidadania em que a política aparece como lugar de uma nova sociabilidade e de uma outra experiência subjetiva. Assim as mulheres trabalhadoras rurais emergem como categoria sujeito político construído, e não apenas como efeito de mudanças estruturais ou conseqüência natural de uma tomada de consciência. Por isso talvez cantem tanto: Pra mudar a sociedade do jeito que a gente quer Participando sem medo de ser mulher Essa mudança enuncia um sujeito capaz de desejos e de sonhos. Porque a luta não é só dos companheiros Participando sem medo de ser mulher Ter um desejo próprio é estabelecer processos de diferenciação e elaborar uma identidade própria. Pisando firme sem pedir nenhum segredo Participando sem medo de ser mulher Conquistar a existência social permite revelar-se, mostrar-se, apresentando-se e falando em público sem medo de ser mulher trabalhadora rural. Referências Arendt, Hannah. A condição humana. São Paulo: Forense, 1995. Ávila, Maria Betânia. Feminismo e Sujeito Político. In: Revista Proposta. Rio de Janeiro: Fase, 2000. Março/Agosto, p.6-11. Bourdieu, Pierre et al. El oficio de sociólogo. Argentina: Siglo Veintiuno Editores, 1975. ______. “A economia das trocas lingüísticas.” In: Ortiz, Renato. Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1994. ______. O Poder simbólico. 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FortalezaCE, 2005. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 147 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG POTENCIAL E LIMITE DAS DISPUTAS POLÍTICAS: PONTOS PARA REFLEXÃO REFLEXÃO Sara Pimenta e Domingos Corcione - Agosto de 2006 Dirigentes e lideranças sindicais constroem projetos políticos ou se identificam com um entre aqueles já existentes, assumindo sua defesa no cotidiano da vida sindical. É comum a existência de projetos diferenciados em suas origens e concepções políticoideológicas. Isso resulta em disputas pela predominância e hegemonia de um sobre o outro. As disputas políticas não se limitam aos antagonismos entre trabalhadores e classes dominantes, mas têm lugar no interior do próprio Movimento Sindical e entre este e outros movimentos e organizações populares. Em muitos casos as disputas internas se tornam de tal forma acirradas que geram rupturas e levam à criação de novas entidades e movimentos. Mas há disputas “menores” - não menos importantes - que caracterizam o cotidiano do MSTTR: disputas de idéias, de espaços, de reconhecimento, de protagonismo e liderança. Afinal, disputas permanentes de poder. A dimensão positiva das disputas políticas As disputas podem ser vistas como elementos que integram a dinâmica política do MSTTR, em sua dimensão positiva e construtiva, favorecendo a qualificação dos projetos políticos e a aquisição - pelos dirigentes e lideranças - de maior habilidade na defesa de suas posições. A pluralidade ideológica e de posicionamento político confere um novo dinamismo à luta sindical e aos processos de mudança, pois pode sinalizar o surgimento e a consolidação de novas práticas. As posições são demarcadas de modo a assegurar os interesses relacionados com o projeto defendido, colocando em destaque pontos divergentes, conferindo maior clareza às idéias e facilitando a comunicação. Idéias, posições e projetos, quando em disputa, ganham maior relevância, são apresentados e defendidos na perspectiva de fazerem adeptos e construírem sua hegemonia. Todo esse processo promove fortes motivações para se avançar com maior garra, perseguindo as estratégias necessárias para vencer as posições antagônicas ou diferenciadas e conquistar novos espaços de poder. Práticas a serem transformadas Apesar dos aspectos positivos acima ressaltados, é preciso reconhecer que no campo das disputas políticas ainda persistem posturas e atitudes equivocadas, que ferem a ética e acabam por comprometer o avanço da organização sindical e a construção de projetos de mudança social, tais como: 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 148 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Dificuldade de reconhecer o outro como um legítimo interlocutor e de construir um diálogo aberto, que implica, sobretudo, na escuta atenta das posições ou correntes adversárias. Utilização de palavras e gestos ofensivos, que acabam por incorrer em desrespeito pessoal com quem esteja representando posições políticas diferenciadas ou adversárias. Dificuldade de identificar e reconhecer valores e aspectos positivos nas idéias, posicionamentos e pessoas que estejam defendendo posições ou projetos diferenciados. Forte tendência a distorcer o que se vê e se ouve e a evidenciar somente aquilo que se considera equivocado, contraditório e incorreto no lado adversário. Tendência a forjar oportunidades para denegrir a imagem da posição adversária e – em certos casos – humilhar e desqualificar as pessoas que a defendem. A formação como espaço estratégico para a construção de novas práticas As disputas, tão comuns no cotidiano sindical, acontecem também nos “espaços de formação programada”, como Seminários, Oficinas ou Encontros de caráter formativo, voltados para o estudo, para a reflexão mais aprofundada ou a capacitação. Nesses espaços, mesmo entre pessoas de uma mesma corrente político-ideológica, ocorrem debates, mais ou menos acirrados, que reproduzem posturas positivas ou equivocadas, como aquelas anteriormente citadas. As atividades de formação têm uma importância primordial na vida sindical. Sem formação não há como qualificar a luta. Um curso de formação, um seminário ou uma oficina podem contribuir muito para esclarecer idéias e projetos, avaliar a caminhada, fazer repensar e aprimorar estratégias e métodos de trabalho. A ação formativa, portanto, tem um grande rebatimento na ação mobilizadora e transformadora da luta sindical. Contudo, para que esse rebatimento tenha um impacto realmente positivo, é preciso fazer das ações e atividades formativas espaços estratégicos, reconhecendo-os em seu potencial catalisador de novas concepções e práticas, o que demanda alguns compromissos como os abaixo relacionados: Respeitar a pluralidade de concepções e idéias e buscar compreendê-las de modo a compor uma visão crítica e construtiva, frente a todas elas. Resgatar, em primeiro lugar, a história, explicitar o significado e prever os possíveis desdobramentos de cada concepção e prática, pautando-se pelo estudo e pesquisa. Refletir e aprofundar o debate, para identificar insuficiências e valores de cada posição. Cada prática ou concepção revela fragilidades, mas também tem contribuições a dar. Para isso se faz necessário uma postura aberta ao diferente e o exercício da escuta sempre atenta ao que a outra posição ou corrente tem a transmitir. Nessa perspectiva, é fundamental reconhecer as próprias limitações e se dispor a rever posições. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 149 - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Fazer da formação um campo profícuo de debates e oportunidades de aprendizado e aprimoramento das idéias e concepções ideológicas, primando por uma postura ética e respeitosa para com as pessoas e grupos. Tratar as disputas políticas como elementos constitutivos de um desafiador processo de construção de consensos. Na medida em que nos dispormos a construir e assumir novas posturas e práticas para as quais os espaços de formação nos convocar, certamente estaremos dando largos passos para transformar o cotidiano de nossas relações políticas no movimento sindical. Portanto, não se trata de acabar com a disputa, pois – reiteramos - ela pode ser positiva e dinamizadora da ação social transformadora. O desafio é conferir às nossas disputas uma dimensão mais humana e humanizadora, coerente com nossos sonhos e utopias, de modo que isso nos faça crescer em todas as dimensões: na política, nas relações interpessoais, nas relações de gênero... Uma disputa que nos aproxime cada vez mais da nova sociedade que queremos construir: justa, igualitária, solidária e respeitosa das diferenças, onde se conviva – ao mesmo tempo – na unidade e na diversidade. 2º Módulo Regional Nordeste Aracajú (SE), 04 a 10 de novembro de 2007. - 150 -