1 A REALIDADE SOCIAL DOS TRABALHADORES DO CORTE DE CANA E O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL Mirlaine Morais Da Silva RESUMO O presente trabalho tem o intuito de propor uma análise do trabalho rural, principalmente aquele que se origina da cultura canavieira, e de como o profissional do Serviço Social pode interagir proporcionando novas perspectivas de atuação profissional nesse setor da agroindústria. Este campo requer uma visão da totalidade para que se possa ter um posicionamento crítico acerca das formas administrativas de controle do capital e de exploração de força de trabalho migrante e barata para movimentar a economia rural local. Promove-se, assim, a mediação, propondo articulações entre políticas e lutas sociais que estrategicamente darão legitimidade na forma de reivindicação e de gestão sobre o assunto. Para o trabalho profissional do Serviço Social e para o Assistente Social torna-se relevante este trabalho no sentido da disponibilização de um novo material de pesquisa, já que, como este é um campo pouco explorado, o presente estudo pode contribuir para a formação acadêmica e profissional do Assistente Social, possibilitando uma maior compreensão e conhecimento específico da realidade social e das contradições estruturais geradas pelo capitalismo no campo. Esse trabalho caracteriza-se pela natureza exploratória, utilizando-se a Revisão de Literatura como procedimento de coleta de dados. As reflexões em torno das contradições entre capital e trabalho, exploração, mais valia e lucro oportuniza o crescimento de estratégias para o combate e enfrentamento das desigualdades sociais e da condição de opressão do trabalhador rural em relação ao agronegócio, auxiliando a classe trabalhadora e seus movimentos sociais com informações necessárias para a luta contra as injustiças sociais e pela ampliação da sua cidadania e dignidade por meio de políticas públicas. O reconhecimento dos direitos dos trabalhadores rurais se situa em um espaço de colisão de interesses opostos, causados pelo conflito capital e trabalho. Envolvem lutas por redistribuição de terras e o duelo por poder dos grandes latifundiários contra os pequenos produtores que se tornaram assalariados. As reivindicações dos trabalhadores buscam estratégias de enfrentamento das diversas expressões da questão social que marcam a vida no campo e a luta pela reconquista da terra perdida, desde o início da colonização do Brasil. Nesse contexto, o Serviço Social se insere como profissão extremamente necessária, voltada à defesa e medição destes interesses e dos direitos humanos e a consolidação das leis trabalhistas. Este trabalho propôs uma discussão sobre o trabalho rural e o capital, já que há uma nova configuração para as várias formas de exploração, exclusão social e novas 2 propostas de ampliação da cidadania dos migrantes trabalhadores rurais. Além disso, permitiu a reflexão do assistente sobre a sua maneira de agir com o empregador e o empregado, percebendo o jogo de forças políticas que atravessam a vida social do trabalhador rural no Brasil. Sendo esta pesquisa baseado materialismo dialético, utilizando como metodologia a pesquisa exploratória e a revisão de literatura. Palavras-chave: Estado capitalista brasileiro. Questão agrária. Trabalhadores rurais. Canade-açúcar. Condomínio rural. Serviço Social. 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho visa verificar e conhecer a realidade social daqueles que trabalham no corte da cana-de-açúcar, empregados por condomínios rurais, suscitando reflexões acerca das suas demandas em relação ao trabalho, moradia, relações familiares e comunitárias, acesso a serviços e políticas públicas, dentre outras. O trabalho rural abrange os serviços braçais e a lida com as inovações tecnológicas que vem sendo introduzidas no meio agrário. O que de fato ocorre é que não se pode, entretanto, abrir mão da mão de obra humana, que é bastante empregada para produção de certos gêneros alimentícios e monoculturas. Dessa forma, surgem novas necessidades básicas de consumo, conforme o desenvolvimento intelectual e material do homem, que traz consigo as várias formas de agir e pensar dos sujeitos, as mudanças de comportamento diante da divisão da sociedade e suas riquezas. Assim, no capitalismo, há interesses antagônicos entre as duas principais classes – burguesia e o proletariado. O trabalhador torna-se alienado, visto que prevalece o valor dos produtos criados pela força de trabalho do homem desvalorizando a humanidade. Em consequência ocorre a concentração das propriedades rurais, fazendo com que haja exploração e expropriação do trabalho humano. Desde a antiguidade o trabalho rural faz parte da economia e das relações sociais. A produção de cana de açúcar, por exemplo, no Brasil, gera centenas de empregos diretos e indiretos. Nos lugares em que ocorre essa monocultura são oferecidas oportunidades de emprego, incentivando a migração de trabalhadores que buscam melhores condições de vida para si e suas famílias. 3 Atualmente uma das formas utilizadas para empregar os cortadores de cana-deaçúcar são os condomínios rurais. Essa atividade é um meio de que se utilizam os empresários do agronegócio para que possam contar com mais mão-de-obra, por um custo menor, em períodos curtos de tempo. O que justifica esse empreendimento é a alegação de que a contratação permanente e direta de trabalhadores tem maior custo tributário e que o setor da agricultura está em um processo dinâmico e, diante disso, para que se alcancem novos padrões de qualidade, sendo que há períodos de safra e entressafra durante todo o ano, é preciso que seja adotada uma modalidade mais versátil de contratação de trabalhadores. Os condomínios são mais presentes nos casos dos pequenos produtores, que se unem formando grupos agrícolas e que passam a prestar serviços às usinas de cana-deaçúcar ou para o próprio condomínio. Esta forma de contratação poder ocasionar, entretanto, situações em que o trabalhador não permanece por muito tempo no grupo rural, desvincula-se e perde seus benefícios trabalhistas, tendo que migrar para outra região para que possa procurar outros condomínios rurais para se instalar e conseguir meios para sobreviver. Isso ocorre porque tal tipo de contratação é caracterizado por trabalhos temporários de curta duração, já que são para períodos de safra ou até quando o empregador achar necessário. É, pois, uma estratégia do capital para reduzir o valor investido na força de trabalho rural, ampliar a sua exploração e aumentar o lucro do empregador rural sobre a produção final. (BARRETO, 2009). Assim, o presente trabalho tem como objetivo geral analisar a precarização do valor da força de trabalho do cortador de cana-de-açúcar empregado por condomínios. Para amadurecer tal discussão tem como objetivos específicos levantar a história de formação da estrutura fundiária brasileira, enfocando na questão agrária no Estado capitalista; descrever as atuais condições de trabalho dos cortadores de cana-de-açúcar, apontando os reflexos de tal atividade na vida social dos mesmos para, somente assim entender o seu processo legal de contratação e tentar obter a identificação dos reflexos legais dessa atividade na exploração da sua força de trabalho e poder refletir sobre as possibilidades de trabalho do Serviço Social na questão agrária. Tornou-se interessante a abordagem sobre este tema devido à três experiências dessa pesquisadora: primeiro como estagiária em uma usina de cana de açúcar que provoca 4 um forte fluxo migratório para os municípios que a circunscreve; segundo, quando funcionária de um escritório que prestava serviços aos condomínios rurais no município de Pirajuba, cuja principal atividade econômica é o corte de cana; e, por fim, o fato de ter em minha família um certo vínculo com a luta pela Reforma Agrária, em que familiares fazem parte do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra. OS SENTIDOS DO TRABALHO: ONTOLOGIA, PRÁXIS E ALIENAÇÃO Sabe-se que a sociedade passou e passa por transformações históricas na sua forma de organização. O presente estudo é estruturado e sistematizado tendo como base as particularidades da organização societária capitalista contemporânea. Nesse sentido, iniciase a discussão sobre a categoria trabalho na sociedade do capital, pois, como afirma Marx (2006), para entender essa forma de sociedade é preciso conhecer a relação entre o homem e a natureza na mediação do trabalho para produção e distribuição de bens socialmente necessários à vida humana. É importante, portanto, destacar a análise de Marx (2006) sobre a sociedade capitalista que situa a mercadoria como a célula da sociedade, concretizando toda sua riqueza. A mercadoria é entendida como: [...] um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia. Não importa a maneira como a coisa satisfaz a necessidade humana, se diretamente, como meio de subsistência, objeto de consumo, ou indiretamente, como meio de produção. (MARX, 2006, p.57). Assim, para se entender essa essência da mercadoria no capitalismo, é preciso apontar a discussão marxiana sobre o duplo caráter do trabalho. O trabalho pode ter duplo sentido, trabalho concreto, aquele útil e específico na produção do valor de uso e o trabalho abstrato, trabalho humano alienado que cria o valor que a mercadoria recebe na sociedade capitalista. O trabalho concreto é aquele que pode satisfazer as necessidades humanas de várias formas, pois aponta como resultado um valor de uso que pode ser aproveitado para melhor servir as pessoas, isto é, para ser útil à existência concreta e “espiritual” do homem. 5 Além disso, o objeto ou bem produzido pelo trabalho concreto pode ser usado de diversas maneiras, já que é um bem útil para a sociedade, possuindo assim suas próprias características que determinam seu valor de uso na divisão social do trabalho no sistema capitalista. Esse processo se dá com a humanização da natureza e do próprio homem, pois este, por meio do trabalho, intervém na natureza para produzir os bens necessários à sua sobrevivência. Isso só é possível pela capacidade ontológica do homem de criar e recriar sua própria história, isto é, o homem é um ser teleológico, diferentemente dos outros animais, e, portanto, tem a capacidade de previamente projetar suas ações antes de concretizá-las, analisando inclusive as condições concretas de materialização do trabalho humano. O homem como um ser social visa o trabalho como sua maior ligação com toda a natureza, pois é com ele que as matérias naturais se transformam em instrumentos para suas necessidades, e transformam assim a realidade vivida. O homem é capaz de inovar sempre que idealiza algum objeto, suas idéias e a forma como as coloca em pratica é sua maior característica e sua maior diferença entre os outros animais, sendo a evolução da mente humana algo sem fronteiras para a ciência e para o convívio social em qualquer época que esteja à sociedade. Contudo, essa forma de trabalho útil ou trabalho concreto é subsumido na sociedade capitalista pelo trabalho abstrato, considerado aquele que objetiva a produção de mercadorias ou a criação de valor, independentemente da especificidade da sua utilidade para existência humana. Assim, entende-se por trabalho abstrato todo o trabalho exercido pelo homem nas formas e condições determinadas pela lógica da sociedade capitalista, ou seja, o que antes era útil, agora desaparece, e todas as formas de trabalho se tornam uma só, sem distinção e sem valor nenhum para a sociedade. E isso só foi possível com a redução do trabalho criativo à apenas ao dispêndio da força de trabalho em um determinado tempo socialmente necessário para produção de mercadorias. (MARX, 2006). Dessa forma, o sentido do trabalho na sociedade capitalista torna-se abstrato, pois se engendram esforços para anular a capacidade criativa do homem na sua relação com a natureza. 6 Nesse sentido, tanto homem, quanto a natureza são transformados em mercadorias primárias e essenciais à produção e reprodução do capital, o que demonstra o interesse da classe dominante em mudanças que geram acumulação de riquezas para a burguesia, sendo assim a classe proletária que possui apenas sua força de trabalho fica esperando por um “milagre”, mas é preciso combater a opressão com planejando projetos de uma sociedade revolucionária e com a união da classe trabalhadora. É também a partir do trabalho que estruturam-se as classes sociais na sociedade capitalista. Na teoria marxiana, a posição do homem no processo de produção é fator determinante para estruturação das principais classes na sociedade capitalista. Dessa forma, no sentido abstrato do trabalho, a sociedade foi organizada em duas principais classes: burguesia e proletariado, sendo que aquela detém os meios de produção, o capital e a mercadoria e esse, o trabalhador, possui apenas sua força de trabalho, cuja realização somente ocorre com sua venda, como mercadoria, à burguesia. (MARX, 2006). Mesmo que se entenda que o trabalho seja de fundamental importância para a vida em sociedade, seja ele o ponto central de toda articulação entre as duas classes sociais, burguesia e proletariado, o capital direciona todas as relações sociais de produção e reprodução social a seu favor para conter os trabalhadores que buscam consolidar seus direitos. E para se viver em sociedade, a forma mais comum e civilizada de adquirir convivência, é pelo trabalho, no entanto há uma divisão neste que provoca mais desigualdades, já que essa divisão é injusta e desigual seja em capital quanto em conhecimentos na sociedade do capital. A burguesia, com todo seu aparato político-ideológico, tenta minimizar as desigualdades sociais inerentes ao capitalismo. Pois é preciso ter em mente que a classe burguesa pensa em suas ações antes de por em prática, sabendo os possíveis resultados, e formas de como alterá-las caso precise mudar seus planos caso a classe trabalhadora saia de seu controle. A burguesia estabelece os meios materiais para impor seus interesses e riquezas em exclusividade, para que haja concentração de bens e serviços prestados aos donos dos meios de produção. Ela também cria condições para que se possam integrar na sociedade, condições de classe, que a caracterizam como burguesa, seja em qualquer época. E a classe trabalhadora, a classe dos despossuídos de riquezas, fica subordinada ao domínio da 7 burguesia, o que faz com que suas condições de vida já estejam predeterminadas: servir e obedecer à ordem burguesa. Dessa maneira pode-se dizer que a sociedade capitalista nada mais é do que a gestora da economia que engloba os operários da classe trabalhadora, assumindo um papel de destaque em diferentes contextos da realidade social, desvalorizando o homem como ser social e coisificando-o nada mais em uma mercadoria. Para tanto, a burguesia usa de várias estratégias de manipulação para obter um controle social, fazendo com que este trabalhador apenas reproduza as ações, sem que tome consciência do que realmente esteja fazendo, que seja um ser alienado, não criticando e nem questionando nenhuma ordem imposta pela burguesia. Na sociedade burguesa, então, tudo vira uma mercadoria, até mesmo o próprio homem, havendo assim a mercantilização da sociedade. O homem vale o quanto produz para o capital por meio da exploração da sua força de trabalho. A mais-valia, que é o trabalho excedente, aquele não pago ao trabalhador e apropriado pelo burguês, que tira proveito do único meio de sobrevivência do operário, sua força de trabalho para lucrar cada dia mais. Assim o homem se torna uma coisa sem sentido algum, sem subjetividade, apenas um objeto, que sendo bem manuseado, dará ao seu patrão a riqueza desejada, isto é um ser alienado. A força de trabalho do homem é seu maior e único bem, pois é dela que irá tirar seus meios para sobreviver na sociedade capitalista, e esta é a mercadoria que o capital mais procura para conseguir suas riquezas. A força de trabalho ou capacidade do trabalho corresponde às idéias e atitudes que o corpo e a forma de pensar do homem o faz concretizar no sentido de buscar os materiais úteis às suas necessidades básicas. O trabalho deveria ser algo que faz crescer e emancipar o homem, entretanto, não é isso que se percebe. A mecanização do trabalho, automático das práticas deixa o homem alienado; o deixa escravo, e este passa a não reconhecer seu papel de ser social e sua própria identidade como ser coletivo. A força de trabalho do homem corresponde ao quanto ele produz e à qualidade com que produz um bem material. Entretanto, os baixos salários impedem que o trabalho proporcione uma vida digna a ele e sua família, já que o dinheiro que lhe é pago não equivale ao preço que seria justo por exercer tanto esforço e perder sua identidade como ser social. 8 A alienação do homem moderno está muito mais explicita devido aos valores da sociedade atual, condições político-econômicas enfrentadas e à posição social que o individuo ocupa no capitalismo. Com isso, o homem perde a inspiração, o entusiasmo de participar das relações sociais, o que acaba gerando um ser isolado, mecanizado e objetivo, sem essência de vida. A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO NO CAMPO E NA CULTURA CANAVIEIRA 2.2.1 As origens da exploração do trabalho no campo e a questão agrária A questão agrária no Brasil está intrinsecamente vinculada ao modelo de distribuição, ou melhor, de concentração de terras que foi iniciado com a colonização brasileira – o latifúndio. O início da colonização do território brasileiro se fez com a doação de grandes extensões de terras a particulares, denominadas sesmarias. Daí surgiram os latifundiários escravistas: a necessidade de exportar em grande escala e a escassez de mão de obra na colônia uniram se a existência de um rentável mercado de trafico de escravo. (SILVA, 1990, p.22-23). Na sociedade capitalista, a preservação da concentração de terras deve ser entendida como uma das formas de proteção à propriedade privada, o que consequentemente reproduz a dominação e o poder da classe dominante. Isso porque, nesse tipo de organização social, toda ação política e ideológica da burguesia está direcionada para manter intocável a propriedade privada, característica essencial para garantir a reprodução ampliada do capital. (LESSA, 2007). Há, portanto, a concentração da propriedade de terras no domínio de poucos e , em contrapartida, a grande parte das pessoas que vivem e sobrevivem do trabalho no campo não detêm qualquer meio de subsistência própria. Dessa forma, mesmo que sejam terras improdutivas, os latifundiários, representantes do capital agrário, não abrem mão dela àqueles que vivem ou ate morrem por ela. Para Minc (1985), a proposta de Reforma Agrária vincula-se à necessidade de transformação da agricultura e da sociedade brasileira e, por isso, muitos acreditam que 9 essa proposta de mudança para o desenvolvimento agrário seja inalcançável devido ao conservadorismo da classe dominante, detentora do poder econômico e político da sociedade brasileira. A questão agrária torna-se, então, uma polêmica discussão quando é debatida com a questão do avanço industrial, pois, para o processo de instituição e consolidação do modo de produção capitalista, o campo era considerado um obstáculo para o progresso urbano. A cidade ou o espaço urbano foi, portanto, um elemento fundamental para o arranque da industrialização capitalista. (FERREIRA, 1970). Assim começa a luta pela terra, pela própria sobrevivência, é um despertar de conhecimento e de consciência que estimula a inclusão de movimentos que buscam os seus direitos sociais para obter trabalho e uma vida digna, gerando resistência aos grandes empresários do campo e pressionando o Estado para a implantação e execução de políticas públicas que efetivem a reforma agrária. Somente desta maneira poderá estes trabalhadores adquirirem recursos que garantam o seu poder social e o acesso aos serviços que lhe são de direito. Entretanto, a questão agrária não foi esquecida por aqueles que da terra tiram sua vida, sua sobrevivência, mas foi deixada de lado pela burguesa. Assim, percebe-se que a questão agrária nada mais é do que uma questão política direcionada para atender aos interesses de uma classe dominante que reproduz uma relação de produção organizada de forma desigual e se apropria da renda familiar, emprego e produtividade, sem qualquer preocupação com a vida humana digna no campo, com os direitos dos trabalhadores rurais. Os representantes agrários dessa classe dominante apenas preocupam com o que e o quanto se produz. Mesmo atualmente, vemos que não se pode tratar abertamente da questão agrária devido às forças políticas e as relações de poder entre sociedade rural e Estado, pois as relações capitalistas são as que comandam todo o campo. (SILVA, 1990). Desta maneira, em se tratando do processo de industrialização e urbanização e da visão que o Estado e a sociedade capitalista concebiam o campo como um atraso, muitos trabalhadores foram expulsos de suas terras e obrigados a partir para os subempregos do nascente espaço urbano através das migrações, o que, consequentemente, produziu e reproduziu situações de misérias por várias cidades.(SILVA, 1990). Os novos trabalhadores, por não terem para onde ir e a quem recorrer, foram perdendo sua cidadania, sua dignidade, seus direitos, suas esperanças por uma vida melhor, 10 e suas vidas passaram ser comandadas pelos donos dos meios de produção, pois houve uma vasta expansão da empresa capitalista sobre toda a sociedade (meio urbano e rural), destruindo diversas propriedades de pequeno e médio porte que faziam deste trabalhador um homem digno e de posses, hoje um bóia fria sem perspectivas de vida. (SILVA, 1990). Até mesmo na forma de plantar e colher uma lavoura, com o desenvolvimento do capital na produção agrícola há transformações intensas. Sendo assim, os pequenos e médios produtores não conseguem custear os produtos utilizados, o que acarretara perdas e prejuízos na produção. Consequentemente, os que vivem em agricultura familiar se submetem à venda de sua força de trabalho para suprir suas necessidades básicas, e aos poucos as relações sociais de produção no campo vão se industrializando e homem se distancia do trabalho criativo. A agricultura familiar tem como base o trabalho entre os membros da família, que participam da gestão e do investimento. Assim, cada indivíduo contribui para a sobrevivência de todos, entretanto, nem sempre a terra, o principal instrumento de trabalho, não pertence à família, que, consequentemente, precisa procurar outras atividades como a pesca, artesanato, a pecuária para complementar a renda mensal. Nesse tipo de agricultura, a organização das atividades econômicas é administrada de acordo com os recursos ambientais, culturais, financeiro, humanos e sociais que cada família possui disponíveis para sua sobrevivência. Além do mais para que haja um bom desempenho da agricultura familiar é preciso ter apoio dos governantes, movimentos sociais e de toda a sociedade que pensa em um país mais justo. O desenvolvimento do capital no campo tem suas particularidades e a fonte de toda sua riqueza e discórdia é a terra, bem natural insubstituível, que é a verdadeira fonte de riquezas e produção industrial agrária. Logo o setor industrial vai se instalando e assumindo o controle sob a economia, resultando no aumento do capital da burguesia, fazendo assim, que o interesse pela agricultura esteja em segundo plano, e que seus trabalhadores fiquem na escuridão da pobreza.(SILVA, 1990). As configurações da exploração do trabalho no campo e as particularidades do desgaste do trabalho assalariado no canavial 11 Foi no período da colonização que se iniciou o cultivo da cana de açúcar no Brasil, uma planta que logo se adaptou ao clima e ao solo brasileiro, fazendo nascer daí, alguns anos depois, uma das principais fontes de combustível (etanol) e de alimento (açúcar), além de gerar renda para empresários e a exploração da força de trabalho dos trabalhadores rurais. O cultivo da cana-de-açúcar, dos antigos engenhos até as grandes usinas, passou por muitas mudanças do plantio a colheita dos produtos finais, observando na atualidade a industrialização da produção canavieira. É com certeza um processo de revolução industrial da agricultura e de incentivo à monocultura, à preservação do latifúndio e de reprodução e acirramento das explorações da força de trabalho. Acrescenta-se, também, que, nesse processo, verifica-se a reprodução da miséria entre um e outro canavial e as condições precárias que se encontram não só os trabalhadores, mas também suas famílias. Essa situação se agrava diante do fetiche das formas legais e jurídicas de regulamentação do trabalho, pois as ações de enfrentamento a essas condições precárias de trabalho são tratadas superficialmente sendo apenas maquiadas. Porém, a raiz da questão é muito mais grave do que se percebe nos canaviais e nos alojamentos, pois o trabalho no capital é concebido como valor de troca, mantendo-se como mercadoria enquanto serve como força de trabalho, isto é, somente enquanto conseguir cortar a cana-de-açúcar. O exaustivo esforço que os trabalhadores precisam fazer e a precariedade nas condições de trabalho, moradia, salários e principalmente de saúde, transformam-nos em “objetos” de exploração de seus patrões, que ignoram suas condições de seres humanos, sujeitos de direitos e de dignidade. Dessa forma, os serviços canavieiros são tão degradantes que são até comparados a situações análogas à escravidão. (BARRETO, 2009). O setor da atividade canavieira, uma das mais antigas plantações da economia brasileira, atualmente expandiu-se por todo território nacional expressando a contradição entre os avanços tecnológicos e a exploração do homem. Sabe-se que as desigualdades sociais são inerentes ao desenvolvimento do modo de produção capitalista e, apesar das riquezas produzidas ficarem concentradas nas mãos de poucos, os empregadores ainda precisam de trabalhadores que saibam como cortar a cana-de-açúcar, pois é uma atividade rústica e pesada que, porém exige técnica e preparo físico. 12 Os rurícolas trazem pouca bagagem, apenas o necessário para o período determinado, entretanto carregam dentro de si uma vasta experiência cultural, as mais diversas e dos mais diferentes locais do país. Fazem parte de um grupo dos trabalhadores mais explorados pela sociedade capitalista e marginalizados do cotidiano da vida social, pois aonde vão sempre serão criticados, tachados por sua baixa escolaridade, suas vestes, seu modo de falar. Enfim, são indivíduos sociais que parecem ocupar uma outra dimensão do espaço para que possam sobreviver. Mesmo com a modernização da economia canavieira, percebe-se que esse mercado de trabalho remonta traços dos períodos coloniais como o trabalho escravo e as condições subumanas a que estes trabalhadores são submetidos, tais como a informalidade nos contratos de trabalho que favorecem a supervalorização do capital, defendendo os grandes grupos empresariais e coisificando o trabalhador em uma mera mercadoria a domínio dos grandes senhores. A partir daí, o homem coisificado vale o que e o quanto produz para seu patrão e tem que sobreviver do resto que lhe é dado como se fosse um favor, tendo que ser grato pelo pouco que é lhe oferecido. Este trabalhador falido de direitos e de qualificações profissionais tem somente sua força de trabalho para vender por inteiro ao capitalista e conseguir o mínimo para sobreviver em meio a tantas contradições nas relações sociais de trabalho. O processo capitalista de produção supõe a existência do trabalhador inteiramente despossuído dos meios de vida necessários à sua reprodução e de sua família. Liberto, ainda, de outros laços de dependência pessoal, que não a mera dependência econômica. O trabalhador, livre proprietário de si mesmo, e portanto, de sua força de trabalho, vê-se constrangido, para sobreviver, a vender por um determinado período de tempo aos proprietários dos meios e condições de trabalho, a sua própria energia vital, sua capacidade de trabalho inscrita em sua corporalidade física e mental. A venda desta mercadoria é contrapartida necessária para a obtenção do equivalente em dinheiro à sua subsistência e educação, além da reprodução da família, fonte de oferta permanente de força de trabalho necessária à continuidade do movimento de produção capitalista. (IAMAMOTO, 2001, p.67). O trabalho é uma forma de lutar para sobreviver por melhores condições de vida e acesso aos bens e serviços essenciais a vida humana que lhe são de direito, entretanto pouco executados, já que são desrespeitados a todo momento em razão das relações de força e poder que permeiam toda a sociedade. Assim, o homem vai perdendo sua essência, 13 sua subjetividade, alienado ao mundo do trabalho, se dando por inteiro ao capitalismo e aos seus meios de exploração, que o deixam refém das várias expressões da questão social. A dominação do capitalista sobre o trabalhador é, portanto, o domínio da coisa sobre o homem, do trabalho morto sobre o trabalho vivo. E o processo de produção e reprodução do capital é o processo de produção e reprodução dessa alienação. (IAMAMOTO, 2001, p.77). O trabalhador do corte de cana precisa migrar para conseguir sobreviver, já que fica temporariamente em cada região, até o termino da safra. São trabalhadores que se encontra em processo de proletarização com o desenvolvimento e o progresso de uma pequena parte da sociedade que consegue, por meio da mais-valia, apropriar-se da riqueza socialmente produzida por grande parte da sociedade que é desprovida de riquezas. O processo de proletarização supõe, pois, um processo contraditório de transformação cultural, pois o capital, ao revolucionar o universo do trabalho, produz mudanças políticas e culturais no conjunto da vida social dos trabalhadores. Entretanto, as mudanças materiais e subjetivas transcorrem numa temporalidade que não é idêntica nem linear, verificando-se um desenvolvimento desigual entre as transformações das forças produtivas, as relações sociais e as expressões culturais dessas mesmas transformações presentes na vida dos indivíduos sociais. (IAMAMOTO, 2001, p.193). Verifica-se que com a migração estes trabalhadores vão aos poucos perdendo sua cultura de origem, buscando se adequar à cultura local da comunidade que estão por uma temporada e, cansados de tanto ir e vir sem parada, ficam mais presos a estranhos do que a sua família. Os migrantes sazonais vivem o contínuo trânsito entre tempos, relações e contradições sociais diferentes, apoiadas em específicas formas de propriedade e de alienação coexistentes e integradas na experiência de vida dos mesmos indivíduos sociais, ingressados na formação da materialidade e subjetividade de suas vidas. Forjam também o terreno cultural no qual elaboram sua pratica social – suas experiências, representações, sentimentos e lutas sociais. (IAMAMOTO, 2001, p.189). Em um ritmo de trabalho acelerado entre os canaviais, estes trabalhadores ficam diariamente expostos a céu aberto, sob sol ou chuva, frio ou calor, a longas jornadas de trabalho, ferimentos das ferramentas e a insetos peçonhentos, buscando sempre se superarem no corte de cana-de-açúcar para terem maior produtividade no salário, já que 14 ganham por produção e precisam garantir a sobrevivência. Assim, tem que produzir para seu patrão e para si próprio já que vivem disso para suprir suas necessidades. O TRABALHO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL E AS DEMANDAS ADVINDAS DA QUESTÃO AGRÁRIA E DA EXPLORAÇÃO DO TRABALHO CANAVIEIRO As demandas apresentadas ao Serviço Social dos municípios recebem estes trabalhadores, em geral, são oriundas do conflito gerado entre o capital e o trabalho, revelados na exploração da força de trabalho, no não acesso a direitos, no desemprego, na falta de moradia, alimentação, saúde, dentre outros problemas vinculados, como a exclusão social, a baixa qualidade de vida, a exploração da força de trabalho e as diversas formas de violência que sofre essa classe. Para que os profissionais do Serviço Social possam intervir na questão agrária em sua prática cotidiana e institucional, é necessário aproximar, dessa realidade, a questão social e suas varias expressões, sendo assim, possível e pertinente a construir novas estratégias de influência profissional, com outros profissionais, sem perder o conhecimento característico da profissão. Possivelmente, nestes momentos de transformações constantes, havendo movimentos antagônicos é que o Serviço Social vai intervir, apropriando-se de alguns instrumentos, entre eles a mediação.(PONTES, 1997). O Assistente Social irá agir fazendo que os deveres dos empregadores e os direitos dos trabalhadores sejam executados conforme a lei trabalhista e o contrato de trabalho. A questão agrária é, portanto, uma questão social que se torna um campo de mercado aberto para o exercício profissional do assistente social, seja na área da assessoria a movimentos sociais ou nos próprios condomínios rurais como uma equipe interdisciplinar. Para, entendermos esta questão, devemos entender que a questão agrária está entre as relações de poder econômico e político entre duas classes antagônicas com interesses opostos, por isso que a propriedade da terra no sistema capitalista mesmo passando por vários períodos históricos ainda apresenta situações de tensões que envolvem trabalhadores rurais e proprietários de terras fazendo que haja manifestações no campo por redistribuição da terra, por renda por direitos iguais. (IAMAMOTO, 2001). 15 Essa luta desigual pela terra que existe entre as duas classes sociais: de um lado os latifundiários e o Estado e, de outro, trabalhadores rurais e pequenos produtores que ficam expostos a diversos tipos de violências físicas e psicológicas, gerando pobreza e miséria e bloqueando as oportunidades de desenvolvimento eqüitativo e justo da agricultura em âmbito nacional. Nesse contexto, a questão social e suas várias expressões são matéria prima do trabalho do assistente social, no entanto temos que fazer o campo mais um espaço de trabalho pensando em trazer oportunidades para a classe trabalhadora, e até mesmo para a própria categoria. Existe uma certa resistência do Serviço Social à questão agrária devido às raízes da historia da profissão e da maneira como foi institucionalizada e legitimada. Suas fontes de legitimação têm apoio dos grandes senhores, da igreja católica e do Estado, o conjunto que dominavam os trabalhadores antigamente, implantando suas formas de controle social. (MARTINELII, 2006). A tendência, entretanto, é que seja superado o conservadorismo e seja iniciada uma nova etapa visando a construção de novos conhecimentos, estratégias e instrumentos técnico-operativos de trabalho nessa área, que precisa sem duvida nenhuma, de apoio das lutas e conquistas da classe trabalhadora para que possa ser revertida toda a historia de domínio e fracassos diante da burguesia. Isto é, propõe-se o fortalecimento da aproximação do Serviço Social à questão agrária, o que sem duvida, conforme os princípios ético-politico da profissão, depende da aproximação do Assistente Social ás lutas e projetos da classe trabalhadora. O Serviço Social, sendo uma profissão que busca a emancipação social do homem, deve mudar sua postura em relação à questão agrária nos assentamentos rurais, nas usinas de cana de açúcar ou nos condomínios rurais, para que possa trabalhar unidos aqueles que constroem princípios como justiça social no cotidiano profissional (IAMAMOTO, 2000). O profissional do Serviço Social inserido na Questão Agrária deve tentar propor medidas cautelosas, porém assecuratórias do processo de reivindicações dos direitos e deveres de todos no campo, e contribuir para o fortalecimento dos sindicatos rurais, mobilizar e debater com os diferentes grupos existentes frente às relações sociais de trabalho que englobam diversas categorias de trabalhadores (posseiros, pequenos proprietários, assalariados, etc.) e seus vários opositores. 16 A atividade do assistente social é a de desvelar a trama das relações que perpassam e definem a questão agrária brasileira, mediando os processos de “negociações” cabíveis para ambas as partes, pois com um trabalho conjunto é possível chegar a avançar as mudanças e novas conquistas na qualidade de vida e trabalho de todos.(IAMAMOTO, 2000). É preciso respeitar a cultura dos trabalhadores para conseguir sua confiança e deixar as informações mais transparentes, uma vez que eles são os principais agentes da atividade no campo. Por isso, as usinas e os condomínios rurais devem reorganizar sua estrutura e gestão para que possam redesenhar a forma de execução de suas atividades e focar mais esforços e recursos em atividades que valorizem o trabalhador rural. O Assistente Social deverá também trabalhar em prol de que seja cumprida a legislação trabalhista, por exemplo, em articulação com os sindicatos dos trabalhadores rurais, já que ainda existe o trabalho escravo no campo, principalmente no cultivo da cana de açúcar. Assim, é preciso que se possa garantir um emprego digno a estes trabalhadores (as), pois é da terra que retiram sua renda, e a sua vida tem que ser preservada com os direitos básicos que estão definidos na Constituição Federal.(IAMAMOTO, 2001). É necessário, ainda, desvelar os impactos dos fluxos migratórios no planejamento e desenvolvimento dos recursos e serviços sociais prestados nos municípios do entorno do condomínio rural, pois a população fica completamente exposta à escassez de recursos da política de educação, saúde, habitação e assistência social, principalmente, já que se tornam insuficientes para atender a todos que precisam dela. E os condomínios e as usinas não se preocupam em garantir os direitos dos trabalhadores, apenas exploram sua força de trabalho, e eles não têm como custear seus gastos pelo pouco que ganham e sabendo que os municípios ficam com pouco recurso para prestar assistência a todos os moradores migrantes ou não. Já se sabe que a agricultura é o ponto forte do país, e que o cultivo da cana de açúcar também está a cada dia se intensificando devido ao etanol. O aumento do agronegócio brasileiro para abastecer o mercado estrangeiro e o aumento da lucratividade do sistema capitalista vêm acompanhados por modernização de técnicas e pela mecanização das lavouras em substituição do emprego da força de trabalho. Dessa maneira, o desemprego chega para aqueles que sobrevivem com o trabalho rural manual e que na maioria das vezes tem um baixo nível de escolaridade, o que aumenta suas chances de não 17 conseguir outro trabalho levando sua vida a um clico sem volta para a miséria e o abandono de direitos por parte da sociedade capitalista. (IAMAMOTO, 2001). A situação, entretanto, convive com grandes problemas burocráticos. O Assistente Social passa a ter uma série de dificuldades em relacionar o seu trabalho com o setor da agricultura. Uma das possibilidades de melhora imediata na qualidade de vida destes é a viabilizada pelos programas governamentais como o Bolsa Família, PETI e PROJOVEM, estes programas complementam a renda familiar e proporciona a inclusão social dos membros da família do trabalhador rural na sociedade capitalista, tem por objetivo fazer com exista socialização entre as pessoas que sofrem com toda a exploração do capitalismo na sociedade. Esses projetos têm como pré-requisito a inscrição no (Cadastro Único para Programas do Governo Federal) CadÚnico, somente a partir do cadastramento é possível o trabalhador ou um membro da família ser beneficiário de algum programa governamental, sendo este cadastro feito junto à Assistência Social dos municípios. Pode haver auxílio direto na renda familiar e o trabalhador poderá conseguir suprir suas necessidades básicas diárias, e temos que considerar que muitas famílias, logo depois que acaba a safra de cana de açúcar, sobrevivem apenas da renda dos programas sociais. Essas medidas, entretanto, são assistenciais e não resolvem o básico dos problemas na questão agrária (BRASIL, on-line). É possível, entretanto, através desses programas, conhecer a família do trabalhador, suas maiores necessidades e como podem ser auxiliadas. O Assistente Social acompanha as realidades familiares por meio de visitas domiciliares e relatórios atualizando sempre os dados durante o período em que se encontram no município a trabalho, pois os trabalhadores rurais geralmente representam o pilar de sustentação do núcleo familiar, provedor das despesas. Mesmo com um vasto conhecimento na lavoura, de uma vida inteira dedicada ao trabalho penoso, esses trabalhadores rurais não têm valor algum para o capital; coisificamse no valor de sua mão de obra, materializada durante o processo de aumento da riqueza dos grandes latifundiários. Os cortadores de cana-de-açúcar desconhecem os direitos que possuem, as responsabilidades do poder público e os meios adequados para buscar suas garantias frente ao Estado. O Assistente Social deve tratar o trabalhador rural como qualquer outro usuário de uma política social, buscando assegurar o mínimo necessário e suficiente para sua segurança e melhores condições de trabalho nos condomínios rurais e usinas. 18 É notável que, a cada ano, há maior evasão do campo e que as famílias vão para as cidades em busca de melhorias, mas sem nenhuma especialização dificilmente conseguem um bom emprego. Com isso, existe um aumento das famílias pobres urbanas. Profissionalmente, o Assistente Social deve superar os limites burocráticos impostos ao seu trabalho e acreditar em sua capacidade de superação, de forma a oferecer também a oportunidade de melhorar sua vida através da esperança de condições objetivas e subjetivas que não o façam desistir de sonhar, que pensam que há um futuro melhor sempre (SILVA, 1979). A luta por políticas públicas para fazer valer melhorias nas condições de vida desses trabalhadores e de suas famílias evidencia a extrema importância da mediação entre trabalhador e direitos nos programas sociais para a sobrevivência dos mesmos diante das dificuldades enfrentadas. O assistente social deve implantar e desenvolver políticas, atentando-se aos prazos para se obter respostas as mais rápidas possíveis para o usuário que necessita dos serviços, garantido a participação de todos em prol de justiça, e que todos sejam aceitos como são, se socializando em meio às diferenças que há na sociedade, porém sabendo refletir criticamente sobre a realidade dada.(IAMAMOTO, 2001). É preciso trabalhar as políticas sociais tanto no meio urbano quanto no meio rural, pois o mau atendimento de alguma das partes afeta o desenvolvimento da outra, já que vemos atualmente uma superpopulação urbana que sofreu perdas no campo e que sofre com o descaso urbano, o que gera as várias expressões da questão social, afetando toda a sociedade e principalmente as relações sociais de produção, que ficam expostas a todo tipo de exploração e decompondo o homem trabalhador, onde este fica fraco e oprimido por humilhações e ofensas. Desse modo é preciso buscar a promoção da interação homem, natureza, trabalho e sociedade para que haja no campo a tão almejada reforma agrária, confiando que é possível tornar realidade a redistribuição de terras em um país tomado pelas desigualdades sociais, tentar romper com as divisões dos grupos sociais, somente assim seremos capazes de alcançar este objetivo que perpassa por gerações na historia da luta pela terra. Pensando desta forma é que se pode chegar à frente e direcionar os trabalhadores rurais em um movimento capaz e suficiente para debater com os proprietários das grandes 19 propriedades de terra e mudar o cenário onde há o aumento do desemprego, as relações sociais de trabalho estão precárias e falta dignidade. É preciso traçar metas para se chegar ao objetivo tão esperado: a reforma agrária. Para tanto, é necessário reorganizar a sociedade de um modo geral, ampliando a visão do Estado e da sociedade do meio rural brasileiro, de como se dá e de como estão as condições de trabalho do homem do campo. Só, assim, um importante passo será dado na direção do desenvolvimento socioeconômico e das políticas sociais que constituem a democracia da sociedade brasileira no processo de produção e no qual estes trabalhadores sobrevivem, sendo dominados e dependentes dos instrumentos usados pelos capitalistas. Entretanto, o Assistente Social deve analisar e propor melhorias na estrutura social de produção destes trabalhadores, compreendendo as condições de vida, saúde, moradia, entre outros e viabilizar o acesso às políticas publicas sociais.(IAMAMOTO, 1998). A questão da reforma agrária deve fazer parte do trabalho profissional do assistente social, já que se trata de uma questão clara sobre os diferentes interesses entre duas classes sociais (burguesia e proletariado), onde ambas possuem vínculos com o capital e com o trabalho, lógico que com motivos diferentes, porem que não deixam de serem interligados, portanto não deixa de haver um envolvimento com o trabalho do Serviço Social na sociedade contemporânea. Mas para que se consiga trabalhar com estes trabalhadores rurais e com a questão agrária, é preciso que a categoria de profissionais do Serviço Social assuma que esta é uma das expressões da questão social, somente assim pode-se envolver e iniciar as transformações no campo. É preciso dar incentivo e estar mais presente nas lutas com os movimentos sociais a que estes trabalhadores pertencem; é preciso fazer desta discussão uma das questões de trabalho no cotidiano profissional. Deve-se levar a idéia para os condomínios rurais e para as usinas da importância de se envolverem na fiscalização na qualidade das condições de trabalho e de vida dos trabalhadores, não só a geração de emprego importa, mas também como está o desenvolvimento desse processo. Esta na hora das usinas e dos condomínios rurais assumirem algumas responsabilidades sob estes trabalhadores que migram sem garantias de um emprego certo e de uma moradia digna, além de outros diretos fundamentais como saúde e educação, pois são jogados nos cantos como ratos de esgoto, vivendo nas piores condições de trabalho. 20 Certamente é preciso analisar as particularidades da realidade do trabalho rural na perspectiva da ampliação da qualidade e das condições de trabalho. O Assistente Social pode consolidar novos conhecimentos para sua atuação na sociedade que é envolvida pelas contradições originadas pelas lutas das classes sociais antagônicas movidas pelo capital. Além do mais, é preciso atuar para que os próprios trabalhadores se unam, que sejam fortes para formar uma organização política e construir argumentos capazes de permitir uma redistribuição de terra justa para todos. O Assistente social deve ter compromisso com estes trabalhadores de acordo com seu projeto ético- político, além de promover discussões sobre as situações desumanas de vida e trabalho, da situação de extrema pobreza que passam estes trabalhadores rurais. Isto significa um envolvimento maior dos profissionais com as forças políticas de forma que se possa chegar a resultados concretos e determinantes desta expressão da questão social. A cidadania e a dignidade dos trabalhadores rurais não podem ser atropeladas no processo de acumulação de capital, ninguém é obrigado a se submeter à indignidade em virtude da ausência de infraestrutura trabalhista para o setor. O assistente social deve ser capaz de concretizar suas propostas e objetivos através da instrumentalidade do trabalho do Serviço Social. Ele deve ter competência para transformar as relações sociais existentes no cotidiano da burguesia e do proletariado, tendo toda sua visão critica da totalidade da realidade social que abrange trabalhadores e empregadores. Neste aspecto é necessário refletir e compreender a estrutura social, as formas de exploração, o conjunto de todas as atividades que submetem o trabalhador a constrangimentos, domínio e manipulação em beneficio do próprio patrão no processo de trabalho. Assim, é possível construir a consciência de que todos os homens são capazes de construir uma opinião própria em relação ao processo de valorização do capital e da utilização mão de obra humana. E para que isso aconteça, porem, deve-se implantar projetos tanto na administração dos condomínios rurais e usinas, quanto no próprio campo, e trabalhar numa perspectiva de mudanças com as famílias que migram à procura de trabalho por diversas partes do país. 5 CONSIDERAÇÕES 21 Sabe-se que a luta pela redistribuição de terras e melhores condições de trabalho no Brasil atravessa gerações, principalmente quando caracterizada pela luta das relações de força entre Estado, burguesia e trabalhadores rurais. O latifúndio e as condições materiais retidas pelos donos dos meios de produção fazem com que grande parte da sociedade fique excluída do direito de viver e trabalhar com mais qualidade, já que é da terra que tiram o seu sustento. Um grande obstáculo encontrado no processo de lutas pela redistribuição de terras para se chegar à reforma agrária, diz respeito às políticas efetivadas pelo Estado, que age em beneficio da elite agrária e despreza o fato das origens das desigualdades sociais. O processo de redistribuição de terras trata também da efetivação dos direitos básicos, valorizando a condição de que todo trabalhador tem direito a terra para sua sobrevivência para conseguir instalar sua família na sociedade com mais dignidade, pois se trata de um processo de apoio ao crescimento econômico, político, social e cultural do país, para que se construa uma identidade nova aqueles perderam o significado de viver. Os condomínios rurais tentam formalizar o trabalho do corte de cana, porém deixam a desejar na questão das condições de serviço, já que o trabalho temporário faz com que os empregados fiquem desgastados devidos a migração, com as jornadas exaustivas de corte, com a falta de implementação de direitos sociais básicos. Assim, o surgimento dos Condomínios Rurais vem com o propósito de formalizar a contratação de trabalhadores rurais, são grupos formados por produtores/fornecedores de cana de açúcar para as usinas que se unem afim de dividirem as despesas de contratação, portanto o lucro também é dividido. No entanto, ainda deixam a desejar nas condições de trabalho que não tem uma boa qualidade, pois o trabalho nos canaviais já é bem desgastante e sem os devidos cuidados torna-se um trabalho torturante, ainda mais para os trabalhadores que migram em busca de condições dignas de sobrevivência. Os conflitos entre empregado e empregador tendem a aumentar, tendo em vista as contradições existentes quando se trata de materiais ou riquezas para a produção de mercadorias e de trabalho, levando em consideração a grande concentração de propriedades privadas que existem no Brasil. De um lado ficam os trabalhadores desprovidos de riquezas e de outro os latifundiários com todo o seu poder econômico e político, mantendo-os reféns em busca de melhores condições de vida. 22 É preciso a união dos trabalhadores rurais para fazer movimentos sociais em busca da efetivação da política de reforma agrária, com o propósito de redistribuir a terra e, com isso, a renda. Conseqüentemente, busca-se a ampliação dos direitos sociais e da qualidade de condições de trabalho, promovendo-se a emancipação desses trabalhadores rurais, especialmente quanto à concretização de seus direitos. Apesar das constantes transformações na realidade social deve haver uma mobilização organizada pela classe trabalhadora para que os direitos fundamentais sejam, de fato, respeitados. Inserido em uma sociedade capitalista em que duas classes com interesses antagônicos atuam, o Assistente Social deve trabalhar atuando de acordo com os principio do Código de Ética da profissão e seu projeto ético-politico, para atender com seu devido compromisso com a classe trabalhadora. A atuação profissional do Assistente Social na sociedade capitalista media-se entre os interesses daqueles seus verdadeiros usuários, que são os trabalhadores rurais explorados pelos donos dos bens de produção, e os capitalistas que mantém este profissional no mercado e que lhe oportuniza o espaço e recursos de trabalho. Deve o profissional buscar a realização de uma sociedade com justiça social, que proteja os direitos sociais. Em vários setores do mercado de trabalho o Assistente Social pode se inserir como um mediador, tendo uma formação generalista, sendo assim, pode agir como mediador no processo de contratação dos cortadores de cana, já que o setor de agronegócio e a produção de cana de açúcar estão crescendo a cada dia no país, fazendo este profissional destacar suas qualidades nas relações sociais de produção. As relações sociais geradas no meio rural desperta a atenção do Assistente Social para que se obtenha a construção de novos horizontes de conhecimento profissional e a superação das precárias condições de trabalho enfrentadas pela classe trabalhadora que sofre com as explorações da burguesia são alguns dos objetivos a serem alcançados para que se possa ter qualidade nas condições de trabalhos dos mesmos. O contexto de dissonância entre o texto da Constituição Federal de 1988, e a vulnerabilidade da classe trabalhadora, que tem dificuldade no acesso aos serviços públicos e não têm os seus direitos sociais efetivamente assegurados no plano prático, contrastam com a tentativa de amenização da situação que se encontram estes trabalhadores através de políticas sociais e a criação de projetos sociais nos condomínios rurais e nas usinas e o 23 acompanhamento dos contratos de trabalho para combater ou amenizar as precárias condições de trabalho e vida que os cortadores de cana convivem. Ao Assistente Social cabe lutar por seus princípios, conhecer a realidade social e suas demandas e acompanhar as transformações sócio-históricas do homem e do trabalho profissional. É preciso tentar eliminar qualquer forma de discriminação e exclusão social. Para tanto, se faz necessário repensar sobre a redistribuição de renda, e refletir sobre as formas de forcejar a luta pela erradicação da desigualdade social, sempre tendo em mente seu compromisso com a classe trabalhadora. Conclui-se, portanto que a superação dessas inquietações oriundas das contradições entre o capital e o trabalho somente será possível através da interação e trabalho conjunto da classe trabalhadora e de outros profissionais, a fim de mudar essa realidade e defender os direitos de todos. A valorização do sujeito enquanto pessoa, de sua subjetividade e da qualidade de vida é essencial para que seja garantida a dignidade que é própria da pessoa humana. 24 REFERÊNCIAS ARANTES, M.; FERREIRA, E.; QUERINO, R. Materialismo Histórico Dialético I. In: VÁRIOS AUTORES. Homem e sociedade. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010. ARAÚJO. Massilon J. Fundamentos de Agronegócio. Revista, Ampliada e Atualizada. 2.ed. Editora Atlas S.A. São Paulo. 2009. AZEVEDO, J. R. N. 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