ECCO I’ ITALIANO!: POLÍTICAS LINGUÍSTICAS EM CENÁRIO DE IMIGRAÇÃO NO SUL DO BRASIL Estela Maris Bogo Lorenzi (FURB) [email protected] RESUMO: Este artigo é um recorte de uma investigação, ainda em andamento, na linha de pesquisa Linguagem e Educação do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Regional de Blumenau - FURB, que tem como tema as políticas linguísticas em um cenário de imigração italiana. A pesquisa em processo, apoia-se teoricamente na Linguística Aplicada, no tocante aos estudos sobre a escolarização em contextos de línguas minoritárias e às políticas linguísticas. Neste artigo objetiva-se contextualizar o cenário de imigração que se constituiu, na região Sul no final do século XIX. Para melhor compreender este contexto que é objeto de estudo, uma discussão teórica a partir de uma revisão bibliográfica, trazendo fatos históricos norteará este artigo. Autores como Alvim (1999) e Berri (1988) apresentam em seus escritos a história da imigração italiana e Calvet (2007), Cavalcanti (1999; 2011), Fritzen (2007), Mass (2010) discutem aspectos da escolarização em contextos de línguas minoritárias. Desse modo, evidencia-se que desvelar um contexto de imigração a partir das relações entre as políticas linguísticas pode contribuir para a reflexão sobre as línguas no município em estudo, bem como seu papel na educação, nas manifestações culturais e na construção das identidades. PALAVRAS-CHAVE: Políticas linguísticas. Educação em contexto de imigração. Língua italiana. 1 INTRODUÇÃO Este artigo apresenta uma parte da pesquisa, ainda em andamento, realizada na linha de pesquisa Linguagem e Educação do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Regional de Blumenau - FURB, que tem como tema um estudo em torno das políticas linguísticas em um cenário de imigração italiana. A pesquisa pretende compreender que diálogos ocorrem entre as políticas linguísticas, nacionais e locais, e as propostas pedagógicas nesse cenário de imigração italiana, bem como analisar o que dizem os documentos e os agentes na elaboração das propostas pedagógicas do ensino das línguas inglesa e italiana, obrigatórias no currículo escolar municipal do município em estudo desde 2001. Para este artigo, faz-se uma contextualização, através de dados históricos, do município de Rodeio, contexto da pesquisa, desde a saída dos imigrantes italianos em direção ao Brasil até a sua instalação em Santa Catarina e no município em estudo, localizado no Vale do Itajaí. Para tanto apresenta-se uma discussão teórica a partir de uma revisão bibliográfica por meio dos escritos de Alvim (1999), que versa sobre a imigração em massa nas últimas décadas do século XIX, Berri (1988) que apresenta em seus escritos um minucioso relato histórico da colonização italiana no Vale do Itajaí para contextualizar o cenário de imigração. Esses autores escolhidos para a contextualização histórica deste cenário de imigração apresentam em seus textos um claro entendimento do porquê da vinda dos italianos ao Brasil, destacando suas inquietações, incertezas e modo de organização em relação à nova vida em um novo país. A função das políticas linguísticas e do planejamento linguístico (CALVET, 2007) neste cenário de imigração também denominado por Cavalcanti (1999; 2011) “sociolinguisticamente complexo”, é teoricamente fundamentado na Linguística Aplicada, no tocante aos estudos sobre a escolarização em contextos de línguas minoritárias. Já os escritos de Fritzen (2007) e Mass (2010) discutem aspectos de escolarização nestes cenários de minorias. Para Cavalcanti (1999), os cenários bilíngues brasileiros são vistos como cenários monolíngues, no qual os que aqui nasceram tem um discurso homogêneo de que a língua é pura e singular, desprestigiando as minorias. Na seção a seguir, apresenta-se, por meio de dados históricos, a chegada dos imigrantes italianos em nosso país. Em seguida, aborda-se como estes imigrantes se organizaram e constituíram a escola neste cenário pluri/multilíngue, até então desconhecido. Por fim, algumas considerações em torno das políticas linguísticas, que foram e são fundamentais para o desenvolvimento de localidades no que diz respeito às línguas e à sociedade, bem como à educação, às manifestações culturais e, também, com relação à constituição das identidades culturais. 2 A imigração italiana no Brasil: uma questão de necessidade e oportunidade A Itália, como outros países, estava em crise na segunda metade do século XIX. Lutas políticas que envolveram o processo de unificação no Congresso de Viena de 1814, que deveria reorganizar e devolver os territórios e a supremacia política italiana acabaram tomando rumos capitalistas, modificando o trabalho do campo e desempregando milhares de camponeses e artesãos. A crise rural envolvia uma concentração de terras férteis para poucos, dificultando o pequeno proprietário ao sustento tanto familiar como da própria propriedade. (ALVIM, 1999). De acordo com Alvim (1999, p. 385): O fenômeno emigratório na Itália não era desconhecido. O fato de ser um país de condições naturais difíceis, com áreas de montanha e colina de cultivo penoso e regiões de planície boas para a cultura mas de extensão reduzida, foi um dos motivos que transformaram a Península num país emigratório. Assim, muitas famílias italianas não conseguiam viver no seu país, pois se encontravam sem terras, sem trabalho, sem condições para viver dignamente e, ao exemplo do sucesso da imigração alemã, os italianos, de certa forma, também deixaram seu país basicamente por motivos econômicos e sociais. Nessas condições, portanto, a imigração foi estimulada pelo governo italiano, pois era uma solução para a sobrevivência das famílias e para o país voltar a ter um equilíbrio socioeconômico. No período de 1870 a 1885, cerca de 7 milhões e meio de italianos migraram rumo ao Brasil. (ALVIM, 1999). Nesse mesmo período o governo brasileiro tinha muito interesse em receber os imigrantes, pois pretendia povoar as colônias de terra virgem, tornando-as produtivas e, desfrutar economicamente de sua laboriosidade. Por este motivo, o governo brasileiro garantia a viagem para alguns estados do Brasil, muitos até o porto de Itajaí, em Santa Catarina. Além disso, fora prometido um lote, alojamentos provisórios e parte da terra desmatada para a plantação de alimentos para a sobrevivência inicial, além das sementes e os instrumentos para o plantio e o trabalho. (ALVIM, 1999). Assim, os imigrantes foram se organizando e construindo sua nova vida a custo de muito trabalho, pois tudo deveria ser pago, após a primeira colheita. “Os lotes podiam ser pagos em cinco prestações anuais, incluindo-se aí os juros do empréstimo para a formação da primeira lavoura” conforme Alvim (1999, p. 388). Deste modo os imigrantes instalaram-se nos estados de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Santa Catarina até 1870 “não passava de imensa floresta, com população concentrada praticamente no litoral” afirma Alvim (1999, p. 390). Havia por parte do governo uma necessidade de desenvolver a produtividade do planalto ao litoral, já que os alemães que antecederam os italianos, não conseguiram fazê-lo. Porém, as verbas eram escassas e por muito tempo os italianos ficaram em casas improvisadas e sem suas terras até que as estradas fossem abertas e pudessem chegar aos seus lotes e iniciar a lavoura. Berri (1988, p.20) ainda acrescenta: Enquanto se encontravam em Itajaí, repousando no barracão dos imigrantes, para se refazerem da penosa e longa viagem, não se esqueciam de visitar a igreja, onde agradeciam a Deus e aos santos de sua devoção, por tê-los conduzido sãos e salvos à nova terra escolhida. Com a demora por parte do governo para direcionar os italianos, muitos adoeceram e morreram pela precariedade de suas instalações e clima e, os que sobreviveram, sofriam hostilidades dos alemães que os consideravam imundos e apáticos. Alvim (1999, p. 391) afirma que “para completar o desconforto inicial, os italianos sofriam a hostilidade doa alemães que, instalados anteriormente, viam os recém-chegados com toda espécie de preconceito, considerando-os sujos e preguiçosos (...)” Conforme o governo deliberava, os italianos eram distribuídos ao longo das diversas picadas, abertas precariamente entre as florestas, sendo “as principais picadas, dada sua extensão e importância futura, se chamavam: Rodeio, Pomeranos, Tiroleses, Ribeirão São Paulo, Guaricanas e Aquidaban” segundo Berri (1988, p. 30). 3 Igreja e escola no Vale do Itajaí: duas instituições e um propósito Muitos sacrifícios, muito labor, promessas falsas, obstáculos para sobrevivência, miséria em uma terra desconhecida, os primeiros imigrantes perceberam-se sozinhos, mas o que os mantinham firmes era a fé. (BERRI, 1988). Segundo Pe. Vicenzi, os italianos “aqui chegados, atirados à solidão da floresta virgem nos lotes onde se estabeleceram a religião surgiu como um sustentáculo, o refúgio salvífico e a fonte de energia para a luta” (PE. VICENZI apud BERRI, 1988, p. 32 ), pois quando chegavam em seus lotes eles desmatavam a floresta, trabalhavam arduamente e, ao final do dia, ainda se reuniam para rezar, mesmo muito cansados. (BERRI, 1988). De fato, conforme Berri (1988, p. 33), os agentes da imigração, que também eram católicos, “prometiam que na terra de destino eles encontrariam a igreja e o padre de braços abertos para recebê-los”, mas para sua decepção, isso não aconteceu. Em 1876 ainda não existiam igrejas nas colônias italianas da região Sul, isto é, nas picadas de Rodeio, Tiroleses, Pomeranos e, eram os padres que faziam visitas, escassas, nas terras ao longo dos distantes lotes. Os batismos e as bênçãos matrimoniais eram feitas em Blumenau. Só em 1878, uma capela, tida como central foi construída em Rodeio e era visitada por padres quatro vezes por ano e abrangia os italianos do Vale do Itajaí. (BERRI, 1988). Após, outras capelas estabeleceram-se em picadas vizinhas, como em Rio dos Cedros em 1879 e Tiroleses em 1882. Neste período Rodeio ainda era uma colônia que pertencia a Blumenau, e Dr. Blumenau1, foi uma verdadeira autoridade, pois ele era o responsável para dar continuidade ao plano colonizador junto ao Governo Imperial. Ele preocupava-se muito com a questão religiosa e escolar e incentivou a primeira escola em Blumenau, que na ocasião funcionava na igreja. A maioria dos imigrantes italianos era analfabeta e demonstravam pouco interesse e preocupação com a vida escolar de seus filhos, pois o trabalho e a igreja eram as prioridades. Contudo, apesar de evidenciarem despreocupação, Berri (1988, p. 52) expõe que “já desde cedo, junto as capelinhas, funcionava também o ensino escolar, possivelmente por interesse de alguns colonos mais letrados” e também por incentivo de padres, em especial Pe. Jacobs, alemão e primeiro vigário de Blumenau, que percebiam que o desenvolvimento das colônias também precisava do desenvolvimento intelectual. Assim, as crianças iam para as escolas de maneira muito simples e com pouca frequência devido ao acesso, ao clima e ao tempo disponível. Como fora mencionado, Dr. Blumenau sempre incentivou o ensino e a educação pública, porém, devido ao descaso das autoridades passou a incentivar as escolas religiosas e comunitárias, e afirmava que o ensino fosse tanto na língua italiana como na nacional, pois “no seu modo de pensar, não seria possível transmitir um ensino eficiente aos alunos sem o conhecimento dos dois idiomas”, Berri (1988, p.53). Os professores eram escolhidos entre as pessoas mais cultas das comunidades e como a remuneração era insuficiente, também faltavam às aulas em época de lavoura. Nas escolas aprendia-se a ler, escrever, a fazer cálculos simples e a principal matéria era a formação cristã. (BERRI, 1988). Assim, na primeira década da colonização sete escolas paroquiais italianas foram criadas por incentivo de Pe. Jacobs e, localizavam-se na sede central em Rodeio, e nos arredores deste, como em Rio dos Cedros, Aquidaban, etc. Já em 1880, mais de 21 escolas subvencionadas pelo governo, sendo três na parte territorial italiana e 18 onde predominava o alemão. 1 Hermann Bruno Otto Blumenau nasceu em 26 de dezembro de 1819, na Alemanha, no ducado de Braunschweig. Ao concluir seus estudos, entrou em contato com a Sociedade de Proteção aos Emigrantes Alemães do Sul do Brasil e em 1846, no Rio de Janeiro apresentou projetos de colonização ao Governo Imperial. Retornou à Alemanha (1849) para trazer os primeiros colonos. Apesar das dificuldades, em 2 de setembro de 1850, chegaram os primeiros 17 pioneiros. Dr. Blumenau foi o fundador da colônia Blumenau. Berri (1988, p.55) acrescenta: Mas tudo isso era o resultado de um grande esforço de Dr. Blumenau, do Pe. Jacobs e de algumas pessoas que viam no ensino uma necessidade imperiosa, que não devia desmerecer a atenção dos pais e serviu como início de uma campanha que deveria se intensificar, e não se apagar, em todas as comunidades de língua italiana. Apesar do valor da instrução escolar nas colônias de imigração, ela era muito precária e pouco incentivada, a falta de professores habilitados tornava o ensino deficiente e por meses as escolas fechavam até a chegada dos padres franciscanos em Rodeio no ano de 1895. A escola sobreviveu durante estes anos de adaptação dos italianos nas colônias por um propósito muito relevante: a fé. A escola e igreja eram incentivadas, pois carregavam consigo um grande propósito: o importantíssimo papel de manter as funções religiosas através da catequese aos imigrantes italianos e aos seus descendentes. Com a vinda dos padres franciscanos de Blumenau para Rodeio, Frei Lucínio Korte assumiu a paróquia, e Pe. Jacobs retornou à Alemanha. A igreja em Rodeio servia de capela, escola e residência. Logo se viu a necessidade de uma nova igreja, e os padres refletiam “como se poderia construir uma igreja e um convento, separados da escola, mas por causa da escassez de dinheiro, o planejamento estendeu-se até o ano de 1897” afirma Berri (1988, p. 80). Frei Lucínio, neste período de planejamento até a inauguração da igreja, em 4 de junho de 1899, percorreu especialmente as colônias italianas para verificar como se encontrava a situação religiosa, socioeconômica e as escolas, as quais, estas últimas encontravam-se irregulares e insatisfatórias. Decidiu então construir capelas de alvenaria no lugar das antigas de madeira, pois seriam mais espaçosas para exercer a também função de escola, até que os colonos pudessem construir ambientes escolares para o ensino. Um estatuto escolar fora elaborado por Frei Lucínio a fim de responsabilizar os pais no que diz respeito à educação escolar de seus filhos. (BERRI, 1988). Neste estatuto, segundo berri (1988, p.122) regiam normas como: a duração do curso escolástico se estenderia por quatro anos, com dois meses de férias. No ensino, além da religião, se incluía o aprendizado das matérias elementares e da língua portuguesa. A autoridade compunha-se de um inspetor e sete assistentes. Todos os membros da sociedade escolar se obrigavam a pagar a taxa anual de cinco mil réis, da qual, quatro partes se destinavam aos honorários do professor e uma parte, para as despesas extraordinárias da escola. Frei Lucínio ainda estabeleceu ao pároco, logo a si mesmo naquele momento, a coordenação e fiscalização de todas as escolas paroquiais e o ensino religioso seria uma matéria obrigatória e de maior importância na educação. Em 1901, o cônsul italiano, Sr. Gherardo Pio di Savoia, em visita à região Sul, emitiu um relatório publicado no Boletim de Negócios Estrangeiros da Itália sobre as escolas existentes nos núcleos italianos pertencentes a Blumenau. Ele relatou a atuação dos franciscanos alemães nas colônias italianas de maneira muito negativa. O relatório deixou claro a ideia de que onde atuavam os franciscanos alemães as escolas não eram subsidiadas pelo governo e que as aulas eram voltadas somente a História Sagrada e ao Catecismo e fez uma referência a língua italiana dizendo que ela não era valorizada. Berri (1988, p.124) aborda que: esses sacerdotes de fato tem a clara visão de que será feito o sentimento religioso no dia em que os nossos colonos tiverem cancelado em seu coração qualquer traço de italianidade, e consideram a língua italiana como uma barreira contra o indiferentismo religioso e o proselitismo protestante. Frei Lucínio, logo que soube de relatório enviou um protesto à Itália afirmando que o trabalho dos franciscanos alemães nas colônias italianas era árduo e sério e que as escolas, tanto alemãs quanto italianas quase não recebiam subsídios do governo e que o currículo não se limitava a conteúdos religiosos. (BERRI, 1988). Em 1904, Frei Lucínio foi eleito Ministro Provincial, e o novo pároco nomeado foi Frei Nicodemos Grunddhoff. Nesta década as escolas leigas começaram a se infiltrar entre as colônias idealizadas por Ermembergo Pellizzetti, preocupando os franciscanos alemães, pois estas escolas pregavam ideias liberais e socialistas, como a elevação do espírito de italianidade, manutenção da língua e da tradição italiana, assim as escolas paroquiais poderiam vir a sofrer uma crise, o que era inadmissível, pois a educação nestas colônias até então eram as melhores do Brasil. (BERRI, 1988). Berri (1988, p.135) afirma que: Os padres franciscanos de Rodeio viviam em séria preocupação com a possível falta de ensino religioso nas escolas leigas, então sob a coordenação de Pellizzetti, tido como livre pensador e socialista. Por essa razão, através do jornal L’Amico alertavam frequentemente o povo sobre as conseqüências funestas que poderiam derivar do ensino dessas escolas, e, ao mesmo tempo, permaneciam em constante contato com os cônsules italianos, para que a direção desses estabelecimentos de ensino não ficasse nas mãos de pessoas anti-religiosas que poderiam perverter a juventude. Em 1906, o cônsul italiano Caruso Macdonald em seu relatório cita que existiam 17 escolas que pertenciam aos núcleos de colonização italiana no município de Blumenau e concluiu que o ensino nestas, era semelhante ao ensino ministrado nas escolas alemãs e que o Vale do Itajaí apresentava ótimos índices de alfabetizados. Mas, quando o Brasil declarou combate ao Império alemão, na Primeira Guerra Mundial, em 1917 todas as escolas alemãs e italianas foram fechadas. No mesmo ano um decreto determinou que as escolas que adotassem o ensino de língua portuguesa como matéria obrigatória poderiam ser reabertas, assim o português incorporou-se nos programas dos estabelecimentos escolares de Rodeio. (BERRI, 1988). Berri (1988, p. 146) descreve o decreto: Pelo decreto n.o 1.063, de 8 de novembro de 1917, eram determinadas as matérias que deveriam ser dadas em português em todas as escolas, com o respectivo número de aulas semanais, eram dados pontos do programa e eram indicados compêndios que deviam ser adotados. Podiam reabrir-se as escolas que estavam ou se colocavam dentro deste regime, cujos dispositivos não tiveram mau acolhimento por parte dos professores particulares. 4 As políticas linguísticas e a língua italiana em Rodeio: um olhar no século XIX e XX Apresentada uma breve contextualização do cenário construído no final do século XIX e início do XX da imigração italiana no Brasil, em especial em Santa Catariana, Vale do Itajaí, no município de Rodeio, percebe-se alguns eventos em relação à escola e as mudanças que ela sofreu neste período. Estas mudanças específicas referentes à língua na escola são originadas através de ações, hoje denominadas políticas linguísticas que segundo Calvet (2002, p. 145) são “um conjunto de escolhas conscientes referentes às relações entre língua(s) e vida social” e estas escolhas acontecem através de um planejamento linguístico, o qual é “a implementação prática de uma política linguística, em suma, a passagem do ato” (CALVET, 2002, p.145). O termo “escolhas conscientes” utilizado por Calvet pode ser remetido a este estudo como uma intervenção por parte de quem, naquele período, estava no poder. A política de línguas pode ser um termo recente, mas a prática não é contemporânea. O homem desde os primórdios legisla, dita regras, intervém sobre a língua de um grupo dando status a uma e não a outra. Calvet (2007, p.11) discute que: A intervenção humana na língua ou nas situações linguísticas não é novidade: sempre houve indivíduos tentando legislar, ditar o uso correto ou intervir na forma da língua. De igual modo, o poder político sempre privilegiou essa ou aquela língua, escolhendo governar o Estado numa língua ou impor à maioria a língua de uma minoria. O cenário de imigração italiano e com ele o da escolarização no Vale do Itajaí, Rodeio, aconteceu inicialmente, como já fora visto, em 1875, com a chegada dos imigrantes e se estende até 1910, período em que a efetiva organização dos italianos nos lotes foi sendo conquistada e por meio dos padres a educação voltada à religiosidade foi ganhando espaço, apesar de ainda não se pensar na utilização ou na obrigatoriedade da língua nacional ou de imigração. Neste período a língua utilizada tanto na igreja como na escola era a de imigração. Mas o Estado tem a responsabilidade de lidar com as questões de identidade, cultura, tradição através de um planejamento linguístico. (GUIMARÃES, 1929). Em 1911, o programa de ensino de Orestes Guimarães, professor paulista que veio a Santa Catarina com a anuência do governo de São Paulo, assessora a primeira tentativa de reformar e nacionalizar o ensino em Santa Catarina analisando medidas tomadas frente às escolas estrangeiras. Este ensaio fora entendido como uma política de nacionalização no contexto da Primeira República. Berenblum (2003, p.32) aborda que “nada há de natural na identidade nacional, ela se constrói historicamente”. A presença de professores bilíngues nas escolas para os filhos de imigrantes aprenderem a língua vernácula2 foi implantada. Assim a língua de imigração foi estimulada para que a oficial, aos poucos, fosse aprendida. Quando isso acontecera, a língua dos imigrantes era subtraída, isto é, a língua de imigração foi usada, apenas, como estratégia para que a transição acontecesse. Segundo os escritos de Maher (2007, p.70) “a função da língua minoritária no currículo é, portanto, servir apenas de elemento facilitador, de ponte, de muleta para a aprendizagem da língua dominante, a qual, tendo sido aprendida, passará a ser a língua de instrução dos demais conteúdos escolares.” Orestes Guimarães tinha como política a nacionalização lenta e por este motivo a primeira campanha de nacionalização parecia respeitar os direitos dos imigrantes, mas houve repressão e consequências como o fechamento de escolas e o desemprego de professores. (GUIMARÃES, 1929). Berenblum (2003, p.41) trata a cidadania como algo a “ser conquistada pela adoção da língua unificada, nacional, oficial. Assim a língua tornou-se um elemento essencial na construção da nacionalidade”. Uma segunda tentativa, de âmbito nacional, ocorreu durante o Estado Novo (1935 – 1945) quando Getúlio Vargas assumiu o governo brasileiro. Esta tentativa possuía caráter 2 Vernáculo, segundo Calvet (2002), é a língua materna de um indivíduo, falada sobretudo em situação de comunicação espontânea. autoritário e não valorizava a cultura dos imigrantes nem de seus descendentes, mas sim a ideia de reforçar o mito de que o Brasil devesse ser constituído por uma única língua: a portuguesa. (CRISTOFOLINO, 2002). A proposta de homogeneizar a língua passa a ser vista como uma vontade do governo de fortalecer uma identidade nacional até então ausente no país. Berenblum (2003, p.43) explica que: Cabe destacar que a identidade nacional vai-se construindo nas formas particulares com que cada nação narra a sua própria história, em cada mito de origem, na criação de seus heróis e símbolos nacionais, dos quais a língua é um dos mais representativos. Cavalcanti (1999, p.387) diz que o “mito é eficaz para apagar as minorias, isto é, as nações indígenas, as comunidades imigrantes e, por extensão, as maiorias tratadas como minorias, ou seja, as comunidades falantes de variedades desprestigiadas do português”. O mito de se ter uma língua padrão obrigatória limita qualquer manifestação cultural dos imigrantes italianos. Conforme Mass (2012, p.38) as Políticas de nacionalização visavam à unificação em uma identidade cultural, considerando seus membros como pertencentes à mesma e grande família nacional em detrimento de considerar as diferenças de seus sujeitos em termos de gênero, classe ou etnia. Como as demonstrações de tradição dos imigrantes foram proibidas e escolas monolíngues estruturadas, com o passar do tempo, as crianças, em especial, iriam substituir sua primeira língua, a de herança, pela língua majoritária oficial, até porque não encontravam na escola um suporte para a língua do seu grupo étnico. (FRITZEN, 2007). Kreutz (2000) aborda que a segunda campanha de nacionalização através de agentes da Nacionalização destruiu materiais didáticos, em especial, das escolas alemãs de maneira ríspida. Com os imigrantes italianos não foi muito diferente. Mas para os italianos a igreja era a referência e “não há indicação de que tivessem uma estrutura de apoio ao processo escolar como associação de professores, escola normal e produção de material didático”. (KREUTZ, 2000, p.168). 5 Considerações finais Para compreender o cenário de imigração italiana que se formou no Sul do Brasil, em Santa Catarina, no município de Rodeio, no final de século XIX e início do século XX, procurou-se neste artigo discutir através de dados históricos a trajetória destes imigrantes bem como identificar neste contexto possíveis políticas linguísticas desenvolvidas para, segundo o modelo de Simon, diagnosticar, conceber soluções, escolher uma delas e avaliar a solução tomada quando um problema em torno da língua acontecesse (SIMON apud CALVET, 2007, p. 22). Assim, quando um problema linguístico é apresentado em uma comunidade, uma junção de decisões políticas através de um planejamento linguístico é aprovado e uma execução, que envolve poder, é tomada para atender as necessidades de melhoria através da intervenção amenizando situações plurilíngues problemáticas. Espera-se que este estudo possa contribuir para desvelar este contexto de imigração e, que uma reflexão sobre a língua italiana em relação à escola no Sul do país, em especial no Vale do Itajaí, possa ser feita, bem como conceber seu papel na educação, nas manifestações culturais e na construção de identidades. Referências bibliográficas ALVIM, Z. M. F. O Brasil Italiano (1880 – 1920) In: FAUSTO, B. (Org.). Fazer a América. São Paulo: USP, 1999. BERENBLUM, A. A invenção da palavra oficial: identidade, língua nacional e escola em tempos de globalização. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. BERRI, Aléssio. A igreja na colonização Italiana no Médio Vale do Itajaí. Blumenau: Fundação casa Dr. Blumenau, 1988. CALVET, L. J. Sociolonguística: uma introdução crítica. Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2002. CAVALCANTI, M. C. Estudos sobre educação bilíngüe e escolarização em contextos de minorias lingüísticas no Brasil. D.E.L.T.A - Documentação de Estudo em Linguística Teórica e Aplicada, São Paulo, 15, número especial, p. 385-418, 1999 CRISTOFOLINO, Nilton José. Nacionalização do Ensino: estratégia para a construção da nacionalidade e sua contextualização em Joinville. Florianópolis, 2002. p.109. [Dissertação – Mestrado em História – UFSC]. FRITZEN, M. P. “Ich kann mein Name mit letra junta und letra solta schreiben”: bilinguismo e letramento em uma escola rural localizada em zona de imigração alemã no Sul do Brasil. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas: UNICAMP, 2007. 298f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada). Instituto de Estudos da Linguagem,Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007. GUIMARÃES, Orestes. Nacionalização do Ensino Primário: um parecer do professor Orestes Guimarães, Inspetor Federal das Escolas Subvencionadas pela União, no Estado de Santa Catarina. Blumenau: Typografia Carl Wahle, 1929. p.22. KREUTZ, L. . Escolas comunitárias de imigrantes no Brasil: instâncias de coordenação e estruturas de apoio. Revista Brasileira de Educação, 2000, Set/Out/Nov/Dez , Nº 15. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n15/n15a10.pdf>. Acesso em: 10 de set. 2012. MAAS, S. Rais Aus, Die Polatzai Komm!: Os sentidos da língua alemã no ensino em Pomerode-SC. FURB, 2010. Disponível em: <http://proxy.furb.br/tede/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=70> . Acesso em 2 de set. 2012. MAHER, T., M. Do casulo ao movimento: a suspensão das certezas na educação bilíngüe e intercultural. In: CAVALCANTI, M.; BORTONI-RICARDO, S. M. (orgs.) Transculturalidade, linguagem e educação. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2007. P. 6794. PEREIRA, Nane. O Cuidador da História de Blumenau. Disponível em: <http://adalbertoday.blogspot.com.br/2008/05/dr-hermann-bruno-otto-blumenau.html>. Acesso em 2 de set. 2012.