OS JESUÍTAS NA TERRA DE VERA CRUZ
Texto: Pour une plus grande gloire de Dieu – Les missions jésuítes
(Para a maior glória de Deus – As missões jesuítas)
Autor: Philippe Lécrivain sj: Jesuíta, Historiador e Doutor em teologia.
Comentário e tradução do Professor Antonio Souza
Para o professor da FAMA, Sinvaldo N. Souza,
que acentuou há mais de trinta anos o papel
dos jesuítas na historia de Santa Cruz.
Terra de Santa Cruz. Terra de Vera Cruz. Brasil. No texto de Lécrivain, Terre de la vraie
Croix. Um outro olhar, estrangeiro, sobre as missões jesuítas: para a maior glória de
Deus, lema maior da Companhia de Jesus.
Sobre esse tema tão caro à historiografia brasileira é importante enfatizar que há uma
vasta bibliografia, inclusive os trabalhos do professor da FAMA Sinvaldo N. Souza,
trabalhos publicados, fundador do Núcleo de Pesquisa Histórica em Santa Cruz, que se
debruçou com profundidade na história local e sobre a presença dos jesuítas aqui
mesmo, em Santa Cruz, divulgando assim o monumento histórico do século XVIII da
“Ponte dos Jesuítas”, cujo dístico gravado na pedra diz, na expressão latina: flecte
genu tanto sub nomine flecte viator. Hic etiam reflectitur amnis acqua.
Mas, voltando ao livro de Lécrivain, percebe-se a grande influência dos jesuítas
também em outras diversas partes do mundo, em todos os continentes desde o século
XVI. O Brasil, levando-se em conta o papel proeminente de Portugal quando da
fundação da Companhia de Jesus (aprovada pelo papa Paulo III em 1540), teve a
terceira missão dos jesuítas, em 1549, após as missões no Congo (1547) e no Marrocos
(1548). De se notar que foi só em 1550 que a Companhia de Jesus teve sua
legitimação confirmada, com a aprovação dos seus estatutos pelo papa Júlio III, em 27
de julho de 1550. Para ilustrar este comentário, destacamos um trecho desse estatuto
da Companhia de Jesus:
“... exige-se de quem queira militar sob o estandarte da cruz nos combates de Deus e pôr-se somente
ao serviço de Nosso Senhor e da Igreja, sua Esposa, a obediência ao pontífice romano, vigário de
Cristo na terra, o voto solene de perpétua castidade, pobreza e obediência, de lembrar-se sempre que
faz parte de uma sociedade instituída principalmente com a finalidade de procurar antes de tudo a
defesa e a propaganda da fé e o progresso das almas através da doutrina cristã.” Na op. Cit., p. 130.
Enfim, pelo tipo de atuação durante o período do colonialismo europeu em todo
mundo, ávidos de riquezas, os jesuítas bateram de frente com a administração dos
interesses econômicos da época. Daí que, após inúmeros conflitos em diversas partes
do mundo, a ordem religiosa dos jesuítas foi oficialmente suprimida pelo Vaticano em
1759, sendo restaurada somente em 1814, quando o mundo e os interesses
econômicos eram outros. No Brasil, já depois do período colonial, os jesuítas
mantiveram sua importância, seu poder junto a sociedade civil e ao governo,
especialmente na formação das elites, através dos seus colégios. O uso da dialética no
ensino, a objetividade e a real separação entre o sagrado e o profano, ou o espiritual e
o laico são suas marcas ainda hoje. O conceito-chave atualmente para os jesuítas é o
de inculturação, sem nenhum confronto com a cultura que não seja cristã.
Ignácio de Loyola – 1491 – 1556
A ponte dos jesuítas em Santa Cruz
OS JESUÍTAS NA TERRA DE VERA CRUZ
(Les jésuítes sur la Terre de la vraie Croix – pp. 90 a 94)
Descoberto por acaso por Cabral em 1500, dividido em capitanias hereditárias, o Brasil
vegeta até que João III institui um governo geral na Bahia, a capital colonial, e envia
para lá Tomé de Sousa em 1549. Quatro jesuítas, dirigidos por Nóbrega, o
acompanham. Eles se estabeleceram na Bahia e depois se espalharam pelo litoral. Em
1554, Nóbrega funda uma missão em Piratininga, mais tarde será São Paulo. Participa
também ativamente da formação do Rio de Janeiro e na expulsão dos franceses,
estabelecidos sob o comando de Villegaignon desde 1556.
Em 1600, os jesuítas já são sessenta, apesar do assassinato de Inácio de Azevedo e de
trinta e nove companheiros pelo pirata calvinista Jacques Sourie. A Companhia de
Jesus possui então três colégios, em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Estas três
cidades são, com São Paulo, os centros de onde os jesuítas partem, para ficarem perto
dos índios. Missões exitosas no sul: de São Paulo os Padres passam em 1554 até a
extremidade do atual Estado de Santa Catarina. Doze anos mais tarde eles já estão
junto aos índios guaranis, na que será sua mais famosa missão. Da Bahia eles se
estabelecem para além do Rio São Francisco. No norte, com os padres da ordem
franciscana, sua atividade é menor. (Nota minha: no século XVI as ordens religiosas
dominantes são as dos franciscanos, dominicanos e agostinianos. Só aos poucos é que os jesuítas
tornaram-se poderosos, inclusive por causa da grande atividade desbravadora, de grandes viajantes
por locais totalmente ignorados antes.)
José de Anchieta e Manoel da Nóbrega dominam este primeiro período da missão
brasileira. O primeiro domina a língua tupi e rediz uma gramática, poesias e dramas
teatrais. O segundo é o primeiro Superior dos jesuítas nas missões do Brasil.
Manoel da Nóbrega, fundador das missões indígenas
Os padres jesuítas aplicaram na Bahia desde 1550 o método praticado pelos
dominicanos e franciscanos no México, recomendado pelo papa Júlio III a Tomé de
Souza. Este método permite uma evangelização mais profunda e uma melhor
proteção dos índios. Cada aldeia tem seu calvário (local da cruz na aldeia), sua igreja,
sua escola e seu presbitério (nesse caso a residência do padre). As construções são
vastas, a vida é ditada pela prece e o trabalho. Os jesuítas além do papel espiritual,
exercem atividade de medicina, de ensinamentos e práticas cirúrgicas (de acordo com
as técnicas da época, claro). Todos têm suas funções na aldeia. No caso das aldeias
em que os religiosos não residem, as atividades são exercidas pelos meirinhos, que são
catequistas e até em alguns casos magistrados. Nos batismos de massa os jesuítas
preferem o catecumenato (que significa uma instrução preliminar em doutrina
religiosa e moral), quando são preparados os casamentos e depois o batismo – e não o
inverso. As celebrações são majestosas e sempre prolongadas por representações
teatrais, cantos, danças e concertos.
Depois que os jesuítas aprenderam as línguas de Angola para assistir os escravos
negros que chegavam ao Brasil, as aldeias passaram a ser ameaçadas pelas razias
(ataques) dos escravagistas. Se bem que em 1595 e 1598 os reis Felipe II e depois
Felipe III interditaram a redução em escravidão pela violência. A ordenança de 1603 (o
decreto governamental da época) que pede a liberação de todos os índios escravizados
foi confirmada em 1610 e depois em 1640.
Vieira toma à frente na luta contra os escravagistas
Com a expulsão dos holandeses em 1642, Vieira quer proteger as missões implantadas
no nordeste do Brasil. Vieira, Superior da missão e fundador de cerca de cinquenta
aldeias, toma nitidamente posição em favor dos índios, esmagados ou exprimidos
entre holandeses e colonos portugueses. Por isso, ele é expulso e obrigado a se
apresentar perante a Inquisição de Lisboa. Também por causa do seu livro “Quinto
Império del Mondo”, onde ele expõe suas ideias. Vinte anos mais tarde, a descoberta
de ouro nas Minas Gerais aumenta com toda força as medidas tomadas por Lisboa a
respeito do Padre Jesuíta Antonio Vieira.
Os portugueses incursionavam sobre as possessões espanholas nas fronteiras do
Brasil, na região sul. Em busca de minerais preciosos, os bandos conduzidos pelos
paulistas (as famosas e violentas “entradas e bandeiras”) conquistaram a rica província
de Guaíra e expulsam de suas reduções os jesuítas espanhóis e seus neófitos (nesse
caso os pagãos, convertidos ao cristianismo). Os padres de Santos, São Paulo e Rio de
Janeiro protestam, invocando Roma, e obtém ganho de causa, mas não o efeito... A
situação se regulariza somente treze anos depois, com a condição de não mais
atrapalhar o mercado de escravos, inclusive de índios.
Então, os portugueses tomam aos espanhóis o Rio Grande do Sul e o Uruguai, e criam
a Colônia de Sacramento. Os jesuítas fundam as reduções dos Sete Povos das Missões.
Mas eles estão sobre uma fronteira disputada acirradamente. A explosão tem lugar
em 1750: o tratado de Madrid retraça os limites dos impérios (português e espanhol),
e é desencadeada a guerra com os índios guaranis, protegidos pelos portugueses. O
final, aqui numa citação anterior, p. 86, é bastante conhecido: “Pombal, o ministro de José
I de Portugal, inimigo obstinado da Companhia de Jesus, decreta sua supressão em 1759 em Portugal,
nas colônias da Ásia e no Brasil.”
REFERÊNCIA:
LÉCRIVAIN, Philippe. Les Missions Jesuítes – Pour une plus grande gloire de Dieu.
Gallimard, Paris, 1991.
SOUZA, Antonio. Blog IC FAMA – A Iniciação Científica da FAMA na Web. 01 de
setembro de 2013.
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