ISSN 1981-8874 Registros ornitológicos nos campos ruprestres da região de Diamantina, Minas Gerais, Brasil 9 771981 887003 0 0 1 4 3 Alessandro Pacheco Nunes Campos rupestres destacam-se pela elevada diversidade e endemismos de plantas e animais (Romero & Nakajima 1999, Vasconcelos 2001, Costa 2005). Do ponto de vista ornitológico é um ecossistema relativamente bem estudado (Rodrigues et al. 2005, Vasconcelos 2001, Vasconcelos et al. 2003, Vasconcelos & D'Angelo Neto 2007). Entretanto, poucas são as informações sobre a avifauna ocorrente nos campos rupestres da região de Diamantina, em Minas Gerais. Entre 1 e 17 de agosto de 2007, várias fitofisionomias do Parque Estadual Biribiri (18º11'06”S – 43º35'21”W) e do Campus da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (18º11'39”S- 43º34'11”W), município de Diamantina, Minas Gerais foram estudadas. Estas visitas foram realizadas durante a disciplina Ecologia de Campo do Programa de Pós-graduação em Ecologia da Universidade de Brasília, concentradas no período da manhã, totalizando 48 h de observação. A região está inserida na porção central da Cadeia do Espinhaço, predominando clima tropical, com duas estações bem definidas, uma chuvosa e outra seca. Figura 4. Bico-de-veludo (Schistochlamys ruficapillus). Foto: Harlen Veloso. Dentre os elementos com centro de distribuição Atlântico destacam-se L. Figura 2. Topetinho-vermelho (Lophornis magnificus). magnificus, Synallaxis ruficapilla, Philydor rufum, Lochmias nematura (Figura 5) e Tangara Foto: Luiz C. Ribenboim. cyanoventris. Figura 3. Chopim-do-brejo (Pseudoleistes guirahuro). Foto: Luiz C. Ribenboim. Figura 1. Vista parcial da paisagem no Campus da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, MG. Foto: Karen Schmidt. Nas áreas mais elevadas a temperatura varia de 18º a 19ºC. Nos 16.998,66 ha do parque, a paisagem varia desde o cerrado ralo, cerrado, campo rupestre, cerradão e floresta estacional semidecídua (IEF 2004). Os campos e cerrados rupestres predominam no Campus (Figura 1). A avifauna do Parque Estadual do Biribiri e Campus da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri é bastante diversificada, sendo avistadas 130 espécies durante a presente amostragem (Apêndice I). Foram acrescidas duas espécies à lista de aves do Parque Estadual Biribiri (IEF 2004): Lophornis magnificus (Figura 2) e Penelope superciliaris. 43 Vasconcelos & D'Angelo Neto (2007) relacionam a ocorrência de 411 espécies de aves para a região central da Cadeia do Espinhaço. Destas, apenas Pseudoleistes guirahuro, Figura 3), não foi registrada pelos autores. Ressalta-se, no entanto, que apenas parte da avifauna regional foi detectada, pois o curto período em que o levantamento foi realizado não permitiu o registro de todas as espécies ocorrentes nos locais visitados. Na avifauna regional há pelo menos cinco endemismos do Brasil (Sick 1997): Augastes scutatus, Lophornis magnificus, Formicivora iheringi, Polystictus superciliaris e Schistochlamys ruficapillus (Figura 4). Espécies como A. scutatus e P. superciliaris podem ser consideradas endêmicas da Cadeia do Espinhaço (Vasconcelos & Lombardi 2001, Hoffmann et al. 2007). Do ponto de vista biogeográfico, a avifauna nas áreas estudadas apresenta elementos de vários outros ecossistemas vizinhos como Cerrado, Mata Atlântica e Caatinga. Tais dados reforçam os padrões biogeográficos verificados por Vasconcelos (2001). Figura 5. João-porca (Lochmias nematura). Foto: Luiz C. Ribenboim. Myrmochilus strigilatus e Icterus jamacaii podem ser considerados típicos da Caatinga (Silva et al. 2003, Farias et al. 2005) e Heliactin bilophus e Neothraupis fasciata, do Cerrado (Silva 1995a, b). Espécies como Cyanocorax cristatellus (Figura 6) e Saltator atricollis não podem ser consideradas endêmicas do cerrado, como propõe Silva (1995a, b), uma vez que tais aves estão amplamente difundidas em outros ecossistemas brasileiros como o Pantanal e a região pré-amazônica (Tubelis & Tomas 2003, A.P. Nunes com. pessoais). Tyrannidae foi o grupo mais avistado na região, com 25 espécies. Entretanto, a elevada diversidade de beija-flores avistada chama a atenção. Na Cadeia do Espinhaço, várias espécies de plantas apresentam síndrome de ornitofilia (Vasconcelos & Lombardi 2001). Algumas espécies foram avistadas somente nas manchas de floresta estacional semidecídua e Atualidades Ornitológicas Nº 143 - Maio/Junho 2008 - www.ao.com.br Figura 6. Gralha-do-campo (Cyanocorax cristatellus). Foto: Luiz C. Ribenboim. cerradão, como os representantes de Thamnophilidae e Parulidae. Vasconcelos & D'Angelo Neto (2007) ressaltam que as matas semideciduais da região central da Cadeia do Espinhaço são as mais ricas em espécies, uma vez que apresentam elementos de ecossistemas como Cerrado, Mata Atlântica e Caatinga. Tais aves são ecologicamente mais exigentes e relacionadas a micro-habitats específicos. A saíra-douradinha (Tangara cyanoventris, Figura 7), foi uma das aves mais avistadas nas matas estacionais semideciduais e cerradões nas áreas amostradas. Entretanto, a maioria das aves foram avistadas em fitofisionomias abertas, tais como cerrado ralo, cerrado rupestre e áreas antropizadas, a exemplo da maria-preta-depenacho (Knipolegus lophotes, Figura 8). Aproximadamente 66% das espécies ameaçadas de extinção em Minas Gerais também ocorrem nos campos rupestres (National Geographic 2008). Três espécies estão listadas como quase ameaçadas em âmbito global segundo a IUCN (2007): Augastes scutatus, Formicivora iheringi e Polystictus superciliaris. Entretanto, nenhuma das espécies avistadas na região consta na lista nacional de animais ameaçados de extinção (MMA 2003). O Parque Estadual Biribiri apresenta várias áreas antropizadas. Tais áreas correspondem a chácaras e sítios, incorporados à área do parque depois da sua criação (IEF 2004). Queimadas, desmatamentos e descaracterização de algumas áreas naturais, bem como a existência de comunidades dentro do parque podem ser consideradas graves ameaças à conservação de sua biodiversidade. Ressalta-se também a falta de fiscalização e infraestrutura, em relação às zonas limites do parque. Desta forma, a criação e conservação de algumas áreas naturais pelos órgãos públicos não faz menor sentido quando os mesmos as tratam com descaso. Bencke et al. (2006), Rodrigues & Costa (2006) e Vasconcelos & D'Angelo Neto (2007) também relatam vários problemas relacionados à conservação em parques nacional e estaduais na Cadeia do Espinhaço. A avifauna das áreas abordadas neste estudo é bastante diversificada, apresentando vários elementos de macro-ecossistemas vizinhos, bem como espécies endêmicas e típicas de campos rupestres. Porém, ressalta-se a necessidade de ações mais efetivas que garantam a conservação da biodiversidade dos campos rupestres da região. Anexo I. Lista as aves avistadas no Parque Estadual Biribiri e Câmpus da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, Minas Gerais. A nomenclatura científica bem como a ordenação taxonômica seguem o CBRO (2007). Habitats: 1 (mata estacional semidecídua), 2 (cerradão), 3 (cerrado típico), 4 (cerrado ralo), 5 (cerrado rupestre), 6 (campo rupestre), 7 (riachos e banhados), 8 (áreas antropizadas) e 9 (campo limpo). Figura 7. Saíra-douradinha (Tangara cyanoventris). Foto: Luiz C. Ribenboim. Figura 8. Maria-preta-de-penacho (Knipolegus lophotes). Foto: Luiz C. Ribenboim. Atualidades Ornitológicas Nº 143 - Maio/Junho 2008 - www.ao.com.br AGRADECIMENTOS: Sou grato aos programas de Pós-graduação em Ecologia e Conservação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e Ecologia da Universidade de Brasília, pelo apoio logístico durante a realização do curso de campo realizado em Diamantina, Minas Gerais em 2007. À Luiz C. Ribenboim, Harlen Veloso e Karen Schmidt por cederem as fotos que ilustram este artigo. Ao CNPq pela bolsa de Pós-graduação no programa de Mestrado em Ecologia e Conservação/UFMS. Ao amigo Marcelo F. Vasconcelos pelas críticas e sugestões à primeira versão deste artigo. Referências Bibliográficas: Bencke, G.A.; Mauricio, G.N.; Develey, P.F. & Goerck, J.M. (Orgs.). Áreas importantes para a consevação das aves no Brasil: parte 1 – estados do domínio da Mata Atlântica. SAVE Brasil, São Paulo, 2006. Costa, F.N. Campos rupestres. p.139-145. In: Silva, A.P.; Pedreira, L.C.V.S.F. & Abreu, P.A.A. (Orgs.). 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