Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica. Aplicações das filogenias em ecologia e conservação LÚCIA GARCEZ LOHMANN - UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS, DEPARTAMENTO DE BOTÂNICA [email protected] Ecologia constitui no estudo das interações entre os organismos e o ambiente. Estudos ecológicos geralmente não tomavam em conta fatores históricos que poderiam ser importantes nos estudos destas interações. Hoje em dia, no entanto, as filogenias se tornaram a base para quaisquer estudos nesta área. Em particular, as filogenias são críticas para o estabelecimento de homologias e homplasias. Enquanto as homologias nos dão a oportunidade para a análise de possíveis limitações evolutivas em processos ecológicos, as homoplasias nos permitem testar hipóteses sobre a diversificação de organismos com o uso do método comparado (Harvey & Page1 1991). Este método permite com que mudanças evolutivas independentes em características de interesse possam ser correlacionadas com fatores ambientais e/ou características morfológicas permitindo assim, uma melhor compreensão dos processos de diversificação dos organismos. Estudos ecológicos podem se beneficiar de filogenias em inúmeros aspectos, os quais podem ser incluídos em três categorias principais: (1) Evolução de caracteres ecológicos; (2) Diversidade; e, (3) Ecologia de comunidades. Cada um destes aspectos é explorado em detalhe abaixo. (1) Evolução de caracteres ecológicos. Filogenias fornecem a base para o estudo de transformações evolutivas em caracteres ecológicos permitindo com que nós possamos estabelecer uma direcionalidade na mudança destas características. Os estudos de Scott Armbruster (1993) com o gênero Dalechampia (Euphorbiaceae) e os estudos de Luckow e Hopkins (1995) com Parkia (Leguminosae) foram um dos primeiros a estudar a evolução dos sistemas de polinização. Estes estudos indicaram que os sistemas de polinização nestes gêneros são evolutivamente instáveis, apresentando um grande potencial para evoluírem multiplas vezes em paralelo. Além destes trabalhos, inúmeros outros estudos têm utilizado filogenias como base para entender a evolução de características ecológicas. Tais resultados tem várias implicações para biologia evolutiva e ecologia. Em particular, fornecem as informações básicas para uma melhor compreensão dos processos de diversificação dos seres vivos. (2) Diversidade. Historicamante, uma série de hipóteses foram propostas para explicar as diferentes taxas de diversificação em grupos de organismos diferentes e a alta diversidade dos organismos viventes. Entre estas hipóteses, estão: inovações-chave, coevolução, e adaptação. No entanto, tais hipóteses apenas puderam começar a ser testadas a partir da década de 80, quando filogenias para os organismos de interesse começaram a se tornar disponíveis permitinado com que metodologias fossem desenvolvidas para o teste explícito destas hipóteses. 2 Diversificações massivas em curtos períodos de tempo (radiações rápidas) já foram documentadas em vários grupos de organismos (e.g., Givnish & Sytsma 1997, Schluter 2000). Em alguns casos, acredita-se que o aparecimento de um novo caráter morfológico tenha facilitado este processo. Caracteres morfológicos novos (novidades evolutivas) que geram radiações rápidas são conhecidos como inovações-chave. Inovações-chave podem promover diversificações massivas de duas maneiras principais: (1) Permitindo com que membros de uma mesma linhagem utilizem recursos diferentes, e (2) Permitindo a ocupação de nichos diferentes. Por exemplo, as altas taxas de diversificação de certos grupos de insetos tem sido atribuída à evolução do carpelo nas angiospermas. Da mesma maneira, foi postulado que o hábito herbívoro é uma inovação-chave que teria levado à diversificação dos insetos. No entanto, é extremamente difícil demonstrar que um dado caráter é de fato responsável pela diversificação de um grupo de organismos. Para demonstrar isto com segurança, é necessário demonstrar que o caráter está presente em vários grupos de organismos que tenham diversificaram substancialmente em comparação aos seus grupos irmãos (que não apresentem a inovação-chave em questão). Desta maneria, estas hipóteses apenas puderam começar a ser testadas quando filogenias se tornaram disponíveis e métodos que utilizam comparações entre grupos irmãos de uma maneira replicada foram desenvolvidos. Por exemplo, o método de Mitter et al. (1988) permite uma comparação da diversidade de espécies entre diferentes linhagens que apresentam uma mesma inovação-chave hipotética e cujos grupos irmãos não apresentam tal inovação. Como a diversidade de um clado é determinada pela taxa da formação de espécies e pela taxa de extinção dentro do mesmo clado, estes métodos basicamente buscam determinar se a potencial inovaçãochave está afetando qualquer um destes processos. Em particular, as comparações entre grupos irmãos permitem com que as diferenças em diversidade possam ser relacionadas às diferenças nas taxas de especiação/extinção e não às diferenças na idade dos taxa envolvidos. Comparações que utilizam grupos irmãos de maneira replicada podem também ser utilizadas para o teste de hipóteses de coevolução. Este fenômeno se refere à mudanças evolutivas recíprocas causadas por seleção natural entre espécies que estão interagindo ecologicamente. Desta maneira, os estudos de coevolução buscam padrões concordantes de cladogênesis e evolução correlacionada entre os grupos em questão. Assim, para que tais hipóteses possam ser testadas, é fundamental que filogenias robustas para todos os organismos envolvidos nos eventos de coevolução em questão estejam disponíveis. Por exemplo, a hipótese de uma diversificação mútua entre insetos e angiospermas proposta por Ehrlich e Raven (1964) só pode começar a ser testada quando filogenias para angiospermas e insetos começaram a se tornar disponíveis. Em particular, Farrell et al. (1998) realizaram uma comparação entre a filogenia das angiospermas e dos besouros, tomando em conta as idades de divergência dos vários clados dentro de cada grupo. Os resultados deste estudo indicaram que os grandes eventos de diversificação das angiospermas de fato coincidem com os eventos de 3 diversificação dos besouros, corroborando o modelo de coevolução anteriormente proposto por Ehrlich e Raven (1964). Além de inovações-chave e coevolução, outros pesquisadores sugeriram ainda que oportunidades ecológicas podem oferecer um “espaço ecológico vazio” que pode levar a um aumento na taxa de diversificação dos organismos. Tal hipótese sugere que organismos ocupariam estes espaços ecológicos vazios e posteriormente evoluiriam características morfológicas que estariam envolvidas na diversificação destes organismos. Quando tais características aumentam o sucesso reprodutivo e a sobreviência de organismos particulares, elas são chaamdas de adaptações. Desta maneira, hipóteses de adaptação são fundamentalmente hipóteses comparadas pois implicam que a presença de um caráter em um organismo confere a ele uma vantagem que promove a sua sobrevivência ou sucesso reprodutivo em relação a organismos que não apresentam este caráter. É importante, no entanto, que as comparações envolvidas no teste de hipóteses de adaptação sejam feitas entre parentes filogenéticos próximos. Em resumo, tanto coevolução, inovações chave, como adaptações podem levar a aumentos na taxa de diversificação em clados particulares em um curto período de tempo (radiação rápida). Todos este aspectos apresentam predições específicas que podem ser testadas com base em filogenias robustas dos grupos de interesse. (3) Ecologia de comunidades. Além do interesse nas diferenças na diversidade de clados particulares, diferenças na diversidade de espécies entre regiões geográficas e entre ambientes diferentes tem também atraído a atenção de ecólogos e biólogos evolutivos. Há alguns anos atrás, a ecologia de comunidades fazia pouca referência aos fatores históricos relacionados à estrutura das comunidades porque se acreditava que respostas evolutivas rápidas à fortes interações ecológicas deveriam ter moldado a estrutura de comunidades como um todo. No entanto, esta convicção tem sido colocada em questão e os ecólogos de comunidades tem valorizado cada vez mais o papel da história na estruturação das várias comunidades. Stebbins (1974), por exemplo, sugeriu que os trópicos podem servir como um “berçario” de novas espécies, onde as espécies teriam se originado em uma taxa muito mais elevada que em qualquer outro local do mundo. Uma explicação alternativa para a alta diversidade nos trópicos é a hipótese de que esta região apresentaria uma taxa de extinção muito mais baixa que outras partes do mundo, funcionando assim como um ‘museu’ no qual espécies teriam se acumulado ao longo de grandes períodos de tempo. Filogenias que incluem um componente temporal nos permitem testar hipóteses sobre a estrutura e formação das várias comunidades. Por exemplo, um estudo sobre a filogenia de Inga (Fabaceae) sugeriu que a maior parte das 300 espécies pertencentes a este gênero se originaram nos últimos 6 milhões de anos, corroborando a hipótese do “berçario” proposta anteriormente (Richardson et al. 2001). Além das diferenças nas taxas de diversificação e extinção dos vários 4 grupos de organismos, está cada vez mais claro que uma série de outros processos evolutivos tiveram um papel importante na determinação das combinações de espécies que coexistem em um determinado local. Em particular, a taxa de colonização de uma dada área e as respostas evolutivas às interações das espécies que coexistem em uma dada região parecem ter tido um papel bastante importante na estruturação destas comunidades. Além disso, a coexistência de espécies em uma determinada área também parece depender de características morfológicas e ecológicas que permitam tal co-existência. Tais características podem ser exaptações (características que evoluíram antes destas espécies terem entrado em contato), ou adaptações (características selecionadas como respostas às interações entre as várias espécies). Filogenias nos fornecem uma ferramenta única para o teste de tais hipóteses de uma maneira objetiva. Além do interesse na compreensão dos aspectos que moldaram cada comunidade, um outro aspecto que tem dispertado o interesse de ecólogos é a estrutura filogenética das comunidades. Uma pergunta feita frequentemente nesta área é: Será que a distribuição de espécies entre habitats dentro de uma mesma comunidade é aleatória com relação à filogenia? Esta é uma pergunta simples e que pode ser respondida com base em uma lista de espécies da comunidade de interesse, na distribuição das espécies amostradas, e em filogenias dos vários grupos de espécies presentes na comunidade. Webb (2000) demonstrou que espécies de árvores dentro de um plot de 0.16 hectares em florestas de Dipterocarpaceae na Indonésia eram filogeneticamente mais próximas do que esperado de uma amostragem aleatória das espécies locais. Este padrão é consistente com a hipótese de que a afinidade filogenética está correlacionada com a similaridade ecológica e com a hipótese de que a diversidade geral das espécies viventes consiste, pelo menos em parte, de grupos de espécies aparentadas em um mosaico de habitats diferentes. Estes resultados ilustram a importância das filogenias na distribuição atual das espécies e na estrutura das várias comunidades. Conservação. O objetivo principal de biologia da conservação é o de oferecer os princípios, informações e ferramentas para o estabelecimento de prioridades para a conservação da biodiversidade (Soulé 1985). Sistemática filogenética por sua vez, descreve a biodiversidade em termos da história evolutiva dos grupos fornecendo assim, uma base importante para o estabelecimento de prioridades. Quando prioridades para conservação são vistas desde um ponto de vista filogenético, as espécies não são vistas como unidades equivalentes mas sim, como linhagens evolutivas diferentes e com graus de importância variáveis para a conservação (IUCN 1980). Desta maneira, a incoorporação de filogenias em conservação envolve a priorização das áreas que incluam a maior diversidade filogenética possível. Uma série de parâmetros foram propostos para quantificar o grau de “diversidade filogenética” dos vários ecossistemas (e.g., Vane-Wright et al. 1991, Moritz 1994, Purvis 2000a, 2000b). A aplicação de tais parâmetros nos permite identificar ecossitemas com o maior número de clados possível e assim, identificar unidades evolutivas significativas para a conservação e manejo (Moritz 1994). 5 REFERÊNCIAS Armbruster, S.W. 1993. Evolution of plant pollination systems: Hypotheses and tests with the Neotropical vine Dalechampia. Evolution 47: 1480-1505. Ehrlich, P.R. & P.H. Raven. 1964. Butterflies and plants: A study in coevolution. Evolution 18: 586-608. Farrell, B.D. 1998. Inordinate fondness explained: Why are there so many beetles? Science 281: 255-559. Givnish, T.J., & K.J. Sytsma (eds.). 1997. Molecular evolution and adaptive radiation. Cambridge University Press, New York. Harvey, P.H., & M.D. Pagel. 1991. The comparative method in evolutionary biology. Oxford University Press, Oxford, UK. IUCN. 1980. World Conservation Strategy. Living resource conservation for sustainable development. IUCN, Gland, Switzerland. Luckow, M. & H.C.F. Hopkins. 1995. A cladistic analysis of Parkia (Leguminosae: Mimosoideae). Amer. J. Bot. 82: 1300-1320. Mitter, C., B. Fartell, & B. Wiegtnann. 1988. The phylogenetic study of adaptive zones: Has phytophagy promoted insect diversification? Am. Nat. 132: 107-128. Moritz, C. 1994. Defining evolutionary significant units for conservation. Trends Ecol. Evol. 9: 373-375. Purvis, A., P.-M. Agapow, J.L. Gittleman, & G.M. Mace. 2000a. Non-random extinction and the loss of evolutionary history. Science 288: 328-330. Purvis, A., J.L. Gittleman, G. Cowlishaw, & G.M. Mace. 2000b. Predicting extinction risk in declining species. Proc. R. Soc. Lond. B 267: 1947-1952. Richardson, J.E., R.T. Pennington, T.D. Pennington, & P.M. Hollingswonh. 2001. Rapid diversification of a species-rich genus in neotropical rain forest trees. Science 293: 2242-2245. Schluter, D. 2000. The ecology of adaptive radiation. Oxford University Press, Oxford, UK. Soulé, M.E. 1985. What is conservation biology? Bioscience. 35: 727-734. Stebbins, G.L. 1974. Flowering plants: Evolution above the species level. Harvard University Press, Cambridge, MA. Vane-Wright, R.I., C.J. Humphries, & P.H. Williams. 1991. What to protect in systematics and the agony of choice. Biol. Conserv. 55: 235-254. Webb, C.O. 2000. Exploring the phylogenetic structure of ecological communities: An example for rain forest trees. Am. Nat. 156: 145-155.