“Asma e doenças alérgicas no Desporto” Dr.ª Mariana Couto Durante muitos anos, a Medicina Desportiva estava em relação estreita essencialmente com a Ortopedia e a Cardiologia. O foco, porém, tem vindo a alterar-se, passando de uma visão dedicada essencialmente ao tratamento de lesões osteoarticulares e rastreio de patologias cardíacas para uma perspectiva de promoção do bem-estar e acompanhamento preventivo de várias outras condições, que, entretanto, se tem vindo a reconhecer terem elevado impacto na performance do atleta. Durante as últimas duas décadas, a questão da asma e alergia entre atletas de alta competição tem captado cada vez mais a atenção não só dos médicos, mas também do público em geral, facto que se deve a um reconhecimento da sua elevada prevalência. De facto, vários estudos têm demonstrado que atletas de alta competição e mesmo indivíduos que praticam actividade física de forma recreativa têm um risco aumentado de asma e doenças alérgicas, principalmente os que participam em desportos de alta endurance, tais como natação, ciclismo ou atletismo, e em desportos de Inverno. As doenças alérgicas que acometem os atletas são, além da asma, a rinite, a urticária induzida pelo exercício e a anafilaxia induzida pelo exercício (dependente ou não da ingestão alimentar). Nesta edição vamos focar a asma e outras patologias do foro respiratório, deixando para edições futuras a abordagem dos restantes temas. Asma induzida pelo exercício Em 2008, uma iniciativa conjunta entre a Academia Europeia de Alergia e Imunologia Clínica e a Academia Americana de Alergia, Asma e Imunologia, definiu asma induzida por exercício (AIE) como obstrução das vias aéreas inferiores e sintomas de tosse, pieira (“chiadeira, “gatinhos ao respirar”) ou dispneia (“falta de ar”) induzidas pelo exercício, em indivíduos com asma subjacente. A redução da função pulmonar (volume expiratório forçado no 1º segundo - FEV1) que apenas ocorre depois de uma prova de exercício é designada de broncoconstrição induzida pelo exercício (BIE). No que diz respeito aos atletas, este é um significativo problema de saúde porque se tem verificado um aumento na prevalência desta condição e também porque os sintomas clínicos vão agravando com a duração da actividade competitiva. De facto, existem dois grandes subtipos de asma em atletas: a asma de início precoce, desde a infância, que se associa a alergias e que dá sintomas durante o exercício; e um outro subtipo de asma que se desenvolve mais tardiamente durante a carreira desportiva e em relação estreita com esta, que se vai agravando, em que não se detecta relação com alergias, mas em que ocorre melhoria / regressão completa dos sintomas após término do exercício de alta intensidade. Apesar de não ser necessário consultar os números relativos à epidemiologia da AIE, sabe-se que é a doença crónica mais prevalente em atletas olímpicos, e que é mais frequente em alguns desportos. Nomeadamente é mais comum em atletas que participam em desportos de resistência; tem sido relatada prevalências de asma em atletas de desportos de inverno, natação, e desportos de resistência a alcançar valores de até 54,8%. Os mecanismos clássicos subjacentes à asma induzida pelo exercício (AIE) incluem as hipóteses osmótica, por desidratação das vias aéreas, e térmica, por perda de calor das vias aéreas. Devido à elevada ventilação que ocorre durante o exercício, existe inalação de ar frio e seco, que provoca a evaporação da água da superfície das vias aéreas, resultando em contração celular e libertação de mediadores inflamatórios que causam a contração do músculo liso. Mas o modelo explicativo de AIE/broncoconstrição em atletas provavelmente inclui a interação entre fatores ambientais (temperatura, humidade e qualidade do ar), relacionados com o treino, alérgenos e fatores de risco pessoais do atleta, como determinantes genéticos e neuro-imuno-endócrinos. Outras hipóteses mais recentes têm dado grande relevância ao sistema nervoso autónomo e a própria descamação do epitélio das vias aéreas. O diagnóstico de asma em atletas é na maior parte das vezes um desafio clínico, porque ao contrário de outros doentes, nesta população as queixas e os sintomas são quase ausentes ou muito frustres, sendo raras as crises graves de asma como habitualmente as conhecemos. Sintomas como tosse após o exercício podem passar facilmente despercebidos. Por outro lado, sintomas ligeiros são frequentemente desvalorizados mesmo pelo próprio atleta, que os interpreta como normais no contexto da elevada carga que é imposta ao sistema respiratório pela intensidade dos treinos. Por esse motivo, é essencial que sejam consultados Médicos especialistas no acompanhamento e tratamento de patologia respiratória e alérgica especificamente nesta classe particular de doentes. De acordo com a Comissão Médica do Comité Olímpico Internacional, recomenda-se a realização de testes objectivos de função respiratória e provas de provocação brônquica para documentar este diagnóstico. A sua realização identifica frequentemente atletas com asma que não referiam sintomas, embora vivessem com limitação da sua capacidade desportiva. Por outro lado, não será de mais referir a importância do diagnóstico diferencial com outras patologias que podem assemelhar-se a asma, ou mesmo coexistir com a asma, nomeadamente a disfunção das cordas vocais. A distinção entre doenças é fundamental, porque a terapêutica é completamente diferente. O diagnóstico precoce é então essencial porque a asma e as alergias têm forte impacto negativo na performance do desportista e o início de medicação apropriada para a asma, rinite ou vacinas para as alergias, permitem o retorno à atividade em pleno e sem limitações. Frequentemente observa-se, após instituição terapêutica, uma progressão na carreira desportiva e não raras vezes estes desportistas batem mesmo alguns recordes. Por outro lado, as directivas da Autoridade Antidopagem de Portugal (ADOP) e a Lista de substâncias proibidas mudam anualmente, pelo que é aconselhável que os desportistas de alta competição sejam acompanhados por Médicos com experiência neste campo, para que possam ser tomadas as devidas providências atempadamente para utilização de substâncias terapêuticas sem implicações negativas na carreira desportiva. Ainda do ponto de vista respiratório, além da asma, será importante referir que os atletas, comparativamente a indivíduos menos ativos, têm maior taxa de infeções das vias aéreas superiores após o stress do treino e competições. O aumento da atividade física em indivíduos não-atletas associa-se a uma diminuição do risco de infecções das vias aéreas superiores. O exercício intenso induz imunodepressão marcada, de origem multifatorial. A atividade física moderada pode melhorar a função imunológica, enquanto o exercício de alta intensidade, prolongado, prejudica temporariamente a capacidade imunológica. A relação entre exercício e infecções das vias aéreas superiores é afectada por factores pouco conhecidos, incluindo determinantes individuais de suscetibilidade genética, inflamação neurogénica imunologicamente-mediada e disfunção da barreira epitelial. Os fatores etiológicos e mecanismos envolvidos na asma em atletas deverão ser alvo de estudos futuros no sentido de permitir propor medidas pertinentes de prevenção e terapêutica. Referências bibliográficas 1. Couto M, et al. Diagnosis and Treatment of asthma in athletes. Breathe 2012;8(4)287-296 2. Couto M, Silva D, Delgado L, Moreira A. Exercício e dano das vias aéreas em atletas. Acta Med Port 2013; 26(1):56-60 3. 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