Compostos de enxofre: estudo preliminar nas fases gasosa (SO2) e
aquosa (SO42-) na cidade de São Paulo
Oyama, B. S.1, Santos, M. A.2, Pedrotti, J. J.2, Fornaro, A.1
1- Departamento de Ciências Atmosféricas, (IAG/USP), Rua do Matão, 1226, 05508-090, São Paulo,
SP. ([email protected], [email protected])
2- Departamento de Química - Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rua da Consolação, 930,
01302-907, São Paulo, SP, Brasil. ([email protected] e [email protected])
Resumo
No presente estudo avaliou-se o processo de remoção úmida de SO2, a partir de cálculos de
equilíbrio de fase (Lei de Henry) e comparou-se com sulfato medido em águas de chuva da
cidade São Paulo. Destacando-se que neste trabalho não se considerou a presença de outras
espécies químicas (p.ex., NH3/NH4+, HNO3/NO3-), sendo os cálculos aplicados somente para
dissolução de SO2 em água pura.
Abstract
The present study evaluated the wet deposition of SO2 from phase equilibrium calculations
(Henry’s Law) and the results were compared with measured of sulfate in rainwater of the São
Paulo city. Standing out that in this work did not consider the presence of other chemical
species (p.ex., NH3/NH4+, HNO3/NO3-) in the system, being the calculations applied only for
dissolution of SO2 in pure water.
Palavras-chave: poluição do ar, sulfato, dióxido de enxofre, precipitação, chuva ácida
Introdução
São Paulo é uma das quatro maiores cidades do mundo e, está cercada por problemas
ambientais, sendo um deles a deterioração da qualidade do ar. A Comissão de Saúde e
Ambiente da OMS (Organização Mundial da Saúde) tem identificado a poluição do ar urbana
como problema de saúde pública já atingindo proporções críticas. Entre os problemas de
qualidade do ar, historicamente, o fenômeno da chuva ácida foi caracterizado pela presença
dos ácidos sulfúrico e nítrico. O crescimento das populações urbanas e níveis de
industrialização levaram ao aumento da demanda de energia, causando aumento da emissão
de poluentes, sendo a combustão de óleos fósseis a principal fonte de poluentes na atmosfera
1
urbana, como: dióxido de enxofre (SO2), óxidos de nitrogênio (NO e NO2, também chamados
de NOx), monóxido de carbono (CO), material particulado em suspensão e chumbo.
Na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) o controle da poluição do ar devido ao
dióxido de enxofre iniciou-se em 1982, cuja estratégia centralizou-se na busca de
combustíveis mais limpos, em contato com a Petrobrás e pela exigência de controle junto às
indústrias. Atualmente todas as áreas da RMSP atendem ao padrão de qualidade do ar para
SO2 de 80 μg m-3, média aritmética anual (CETESB, 2005). Porém, nos últimos cinco anos as
médias anuais estacionaram em 20 μg m-3. Nos estudos de composição química de águas de
chuva em São Paulo, observou-se que o ácido sulfúrico é o composto que está sempre
presente nas amostras e tem predominância na acidez livre atmosférica. Porém, na RMSP
ainda não foram realizadas avaliações simultâneas de SO2 (gás) e o sulfato em águas de
chuva, assim os objetivos do presente estudo foram avaliar a distribuição espacial da
concentração de SO2 na região metropolitana de São Paulo, para os anos de 2000 a 2004, a
partir dos dados de algumas das estações da CETESB que monitoram o dióxido de enxofre e
analisar processo de remoção úmida de SO2, a partir de cálculos de equilíbrio de fase (Lei de
Henry) e comparação com medidas de sulfato em águas de chuva no centro de São Paulo.
Metotodologia
Os dados horários das diferentes estações de monitoramento de qualidade do ar foram
obtidos pela Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental (Cetesb, 2005). Utilizaramse dados das estações de Congonhas, Cerqueira César, Ibirapuera, Parque Dom Pedro II e
Osasco por serem algumas das estações automáticas de monitoramento da Cetesb que avaliam
SO2. Além do que estas estações localizam-se em área centralizada da Região Metropolitana
de São Paulo.
Estas estações abrangem significativamente a região em torno do ponto de amostragem de
águas de chuva. Os dados de concentração de sulfato em águas de chuva foram obtidos por
cromatografia de íons usando-se cromatógrafo Metrohm modelo 761 e detecção
condutométrica, coluna aniônica Metrosep A-Supp5 (Leal et al., 2004). Os dados de
pluviometria foram obtidos da Estação Meteorológica do IAG. Nas análises dos dados usouse o programa Microsoft Excel para cálculos e Origin na elaboração dos gráficos.
2
Resultados e discussão
No conjunto de dados observou-se que as concentrações médias mensais de SO2 em
Congonhas foram maiores que as demais, variando entre 30,5 e 12,6 μg m-3. A estação de
Congonha representa uma região de intenso trafego (Av. Bandeirantes e Av. Washington
Luiz), principalmente de caminhões. E também, observou-se que a estação Ibirapuera teve as
mais baixas concentrações durante os anos considerados, variando entre 12,9 e 3,35 μg m-3.
Enquanto que nas estações de Osasco, Cerqueira César e Pq. Dom Pedro tiveram,
aproximadamente, os mesmos perfis de concentração. Comparando-se todas as estações, de
maneira geral, observaram-se ciclos anuais bem definidos de concentração de SO2
coincidentes com as épocas mais secas e chuvosas do ano. As concentrações mais altas de
SO2 foram observadas nos meses entre maio e setembro, considerado “período de inverno”,
caracterizado pela menor dispersão de poluentes. Observou-se relação inversa entre
pluviometria e concentração de SO2 (Figura 1) no período estudado e a mostra a variabilidade
de concentração do SO2 na estação Congonhas, ou seja as baixas concentrações de SO2
coincidiram com os períodos de chuva. Também se observou que outros fatores
meteorológicos, além da precipitação, influenciaram na remoção ou dispersão de poluentes. A
ocorrência de precipitação indica instabilidade atmosférica, ou seja, favorece a dispersão de
poluentes pelos movimentos de ar e as gotas de chuva também removem quantidades
consideráveis destes poluentes. Porém, durante o inverno, ocorrem eventos de inversão
térmica próxima à superfície, o que causa estabilidade na região, dificultando a dispersão de
poluentes. Ainda, durante o inverno, ocorrem situações de forte estabilidade, o que não
favorece a precipitação.
Descrição do equilíbrio de dissolução do SO2 - Lei de Henry
A Lei de Henry descreve a solubilidade de um gás em água. Dada uma espécie
química A, o equilíbrio entre a fase gasosa e aquosa pode ser representado por (Seinfeld e
Pandis, 1998; Hobbs, 2000):
A(g)
A(aq)
(1)
O equilíbrio entre A(g) e o A(aq) é normalmente expresso pelo chamado coeficiente da
Lei de Henry, kH:
kH = [A(aq)] / pA
(2)
3
Onde pA expressa a pressão parcial de A na fase gasosa (atm); [A(aq)] em mol L-1 é a
concentração na fase aquosa de A; portanto, unidades de kH em mol L-1 atm-1. E ainda
ressalta-se que a concentração da fase aquosa de A não depende da quantidade de água líquida
disponível ou do tamanho da gota (Hobbs, 2000, Seinfeld e Pandis, 1998). Devido aos
equilíbrios de dissociação ácida na solubilização de SO2 em fase aquosa, para cálculo das
concentrações de SO2(aq), deve-se calcular a constante efetiva de Henry (keff).
⎛
K
K K
k eff = k SO2 ⎜1 + 1+ + 1 22
⎜
H
H+
⎝
[ ] [ ]
-3
(3)
Congonhas
300
25
Pluviometria mensal (mm)
[SO2] (μg m )
30
⎞
⎟
⎟
⎠
20
200
15
10
100
5
0
0
jun/01 dez/01 jun/02 dez/02 jun/03 dez/03 jun/04 dez/04
Figura 1. Variação da concentração da concentração média mensal de SO2 na estação de
Congonhas de monitoramento de qualidade do ar entre 2001 e 2004 e comparação com a
pluviometria (*) média mensal do período (Estação Meteorológica IAG).
A variação da constante efetiva de Henry em função do valor do pH é de 7 ordens de
grandeza quando a solução varia de ácida (pH ~ 1) para neutra (pH ~8), ou seja,
possibilitando maior incorporação de SO2 na fase aquosa neutra para levemente alcalina.
Calcularam-se as concentrações de S(IV)aq (Fig. 2) para três diferentes razões de
mistura de SO2 (0,2; 2 e 20 ppb) que na média representam valores de concentração de SO2 na
atmosfera de São Paulo. As curvas mostram a variabilidade da concentração de S(IV)aq em
função do pH em condições ideais e sistema fechado. Observa-se que as concentrações de
S(IV) na fase aquosa podem atingir a faixa de mmol L-1 em meio neutro para razão de mistura
4
de SO2 em 20 ppb. Porém, considerando dados medidos em águas de chuva, os valores de pH
variaram entre 4,55 e 7,33 (conjunto de 90 amostras), sendo as concentrações de sulfato
nestas amostras 36 e 104 μmol L-1, respectivamente. Ressalta-se que no conjunto total de
amostras as concentrações de sulfato variaram entre 1,81 e 104 μmol L-1 (quadrados cheios da
Fig. 2). Lembrando que a comparação entre as concentrações de SO2(aq) calculadas a partir de
solubilização SO2(g) (Lei de Henry) e SO42- determinado em águas de chuva é possibilitada
pelo fato do SO2(aq) ser rapidamente oxidado. Ou seja, o ácido sulfúrico, ou S(VI), é um
poluente secundário originado da oxidação de S(IV), emitido diretamente para a atmosfera
como SO2.
1
1
-1
[S(IV)]aq (mol L )
SO2 (ppb)
0.1
20
0.1
0.01
2
0.0
1E-3
0,2
1E-
1E-4
1E-
1E-5
1E2-
1E-6
1E-7
4.0
1E-
[SO4 ] chuva
4.5
5.0
5.5
6.0
6.5
7.0
7.5
1E8.0
pH
Figura 3. As linhas mostram a variação da concentração de S(IV)aq em função do pH na fase
aquosa para três razões de mistura de SO2, valor mínimo (0,2 ppb) e máximo (20 ppb) durante
o ano de 2003. Os quadrados (■) mostram as concentrações de sulfato em função do pH
medidos em amostras de águas de chuva do centro de São Paulo durante o ano de 2003.
As diferenças no perfil de concentração entre SO2(aq) calculadas a partir de
solubilização SO2(g) (Lei de Henry) e SO42- determinado em águas de chuva em função do pH
(valor medido nas amostras de águas de chuva) podem estar relacionadas ao fato de que o
valor de pH medido já ser produto final de diversos equilíbrios ácido-base ocorridos durante
evento de precipitação e não o valor do momento da solubilização do SO2. A espécie
NH3/NH4+ é um importante interferente neste processo, considerando que nestas amostras a
5
concentração do íon amônio foi sempre mais alta que a de sulfato. Deve-se ressaltar que neste
trabalho não se considerou a presença de outras espécies químicas (p.ex., NH3/NH4+,
HNO3/NO3-) no sistema, sendo os cálculos aplicados considerando-se somente a presença do
SO2, pois a correlação entre sulfato e amônio e significativa (R=0,84) para todo conjunto,
indicando a presença desse composto em águas de chuva, fazendo diminuir a concentração de
sulfato livre.
Conclusões
Os resultados indicaram a influência da emissão direta, pois em regiões da RMSP com
maior trafego de veículos as concentrações de SO2 foram mais altas quando comparadas com
regiões de baixo trafego. A variação da concentração de dióxido de enxofre apresentou ciclos
definidos, sendo que em épocas com maior índice de precipitação (primavera-verão) foram os
períodos que apresentaram as menores concentrações de SO2, em relação às épocas
consideradas secas (outono-inverno), indicando correlação negativa entre as concentrações e o
volume de precipitação. Fato que também indicou a importância das condições atmosféricas
para a concentração de poluentes atmosféricos.
De acordo com a lei de Henry e sem levar em consideração os possíveis interferentes e
assumindo que o pH final é o mesmo na hora da solubilização do SO2, foi possível avaliar a
taxa de transferência da fase gasosa para a fase aquosa, sendo que as medidas em águas de
chuvas são feitas para o sulfato, ou seja enxofre na forma oxidada, S(VI).
Agradecimentos
Ao CNPq pela bolsa PIBIC da aluna Beatriz Oyama, FAPESP pelos financiamentos dos
projetos referentes aos processos 01/09838-0, 03/01194-1 e 03/06414-0 e Mackpesquisa.
Referências
CETESB - Relatório de Qualidade do Ar no Estado de São Paulo - 2003, Secretaria do Meio
Ambiente, Série Relatórios - ISSN 0103-4103, São Paulo, 2003 (www.cetesb.sp.gov.br).
Hobbs, P. V., Introduction to Atmospheric Chemistry, Cambridge University Press, Cambridge, 2000.
Leal, T.F.M., Fontenele, A.P.G., Pedrotti, J.J., Fornaro, A., Composição iônica majoritária de águas de
chuva na região central de São Paulo, Química Nova, 2004, 27(6), 855-861.
Sander, R., Compilation of Henry’s law constants for inorganic and organica species of potential
importance in environmental chemistry, version 3, 1999 (http://www.mpchmainz.mpg.de/~sander/res/henry.html).
Seinfeld, J.H., Pandis, S.N., Atmospheric chemistry and physics: From air pollution to climate change,
John Wiley & Sons, New York, 1998, pgs. 337 – 361.
6
Wallace, J. M., Hobbs, P. V., Atmospheric Science: an introduction survey, Academic Press,
Amsterdam, 2006, pg. 63 – 100.
7
Download

dióxido de enxofre