História da separação dos Países Baixos unidos face ao governo espanhol de Friedrich Schiller Tradução, posfácio e notas de Teresa Rodrigues Cadete Universidade Católica Editora Índice Prefácio 7 Introdução 11 PRIMEIRO LIVRO História precedente dos Países-Baixos até ao século XVI 25 SEGUNDO LIVRO O Cardeal Granvella 83 TERCEIRO LIVRO Conspiração da aristocracia 145 QUARTO LIVRO O movimento iconoclasta 187 Anexo I Processo e execução dos Condes de Egmont e de Hoorne 271 Anexo II Cerco de Antuérpia pelo Príncipe de Parma nos anos de 1584 e 1585 289 Posfácio 331 Bibliografia 353 Prefácio Quando, há alguns anos, li a História da revolução nos Países Baixos no reinado de Filipe II, na magnífica descrição de Watson1, senti-me por ela levado a um entusiasmo só raramente inspirado por acções políticas. Após uma análise mais detalhada, creio que aquilo que me levou a tal entusiasmo resultou não só do que do livro passou para mim, mas sobretudo de um rápido efeito da minha própria faculdade de representação, que deu à matéria recebida precisamente a forma sob a qual ela tanto me encantou. Foi esse efeito que desejei tornar perene, multiplicar, reforçar; foram essas empolgantes sensações que desejei divulgar e deixar que outros tomassem também parte nelas. Isso forneceu a primeira motivação para esta História e a minha plena missão é também escrevê-la. A execução deste projecto levou-me mais longe do que eu tinha pensado de início. Um conhecimento mais aproximado do meu tema permitiu-me pouco depois descobrir lacunas que eu não havia previsto, amplas passagens vazias que eu tinha de colmatar, aparentes contradições que eu tinha de suprimir, factos isolados que eu tinha de associar aos restantes. Não tanto para preencher a minha História com muitos novos acontecimentos, mas sobretudo para procurar uma chave para os que já tinha, pus-me a estudar as próprias fontes, e assim viu-se ampliado à dimensão de uma História detalhada o que de início apenas estava destinado a tornar-se num esboço geral. A presente primeira parte, que termina com a retirada da duquesa de Parma dos Países Baixos, deve ser vista apenas como a Introdução à verdadeira revolução, que só eclodiu sob a regência do seu sucessor. Pensei que devia dedicar a essa época preparatória tanto mais cuidado e rigor, quanto mais notava a falta dessas qualidades na maioria dos escribas que trataram essa época antes de mim e quanto mais me certificava de que todas as épocas seguintes nela assentam. Se portanto se achar que essa primeira parte é demasiado parca em acontecimentos importantes, demasiado detalhada em acontecimentos de irrelevância real ou aparente, demasiado perdulária em repetições e em geral demasiado lenta no progresso da acção, recorde-se pois que foi precisamente a partir desses irrelevantes inícios que eclodiu a pouco e pouco toda a revolução, que todos os grandes resultados posteriores decorreram | Prefácio 8 da soma de numerosos resultados pequenos. Uma nação como a que temos aqui diante dos nossos olhos dá os primeiros passos, sempre de forma lenta, cautelosa e incerta, mas com tanto maior celeridade os passos seguintes; foi também do mesmo modo que tracei o curso que expus desta rebelião. Quanto mais tempo tiver passado o leitor com a introdução, quanto mais se tiver familiarizado com as pessoas em acção e se tiver habituado ao palco em que elas agem, tanto mais rápidos e seguros serão os passos com que poderei então conduzi-lo ao longo dos períodos seguintes, nos quais a acumulação de material me proibirá essa lenta marcha e essa exaustividade. Não podemos queixar-nos de pobreza de fontes no que diz respeito a esta História, mas inversamente de um excesso – uma vez que deveria ser preciso ler todas para recuperar a clareza que sofre muitas vezes com a leitura de muitas. Face a exposições tão desiguais, relativas, frequentemente contraditórias do mesmo assunto é já difícil apoderarmo-nos da verdade que se oculta parcialmente em todas, mas que em nenhuma está inteiramente presente na sua forma pura. Neste primeiro tomo, os meus guias foram, para além de de Thou, Strada, Reyd, Grotius, Meteren, Burgundius, Meursius, Bentivoglio e de outros mais recentes, as Memórias do Conselheiro de Estado Hopperus, a vida e a correspondência do seu amigo Viglius, as Actas do processo dos Condes de Hoorne e de Egmont, a Apologia do Príncipe de Orange e poucos mais.2 Uma compilação exaustiva, empreendida de forma laboriosa e crítica e elaborada com rara justeza e fidelidade, que merece realmente uma denominação melhor, prestou-me serviços muito importantes por conter, para além de muitas peças de arquivo que nunca puderam chegar às minhas mãos, as estimáveis obras de Bor, Hooft, Brandt, le Clerc e outros, que em parte não estavam à minha disposição, e que em parte eu não podia utilizar por não dominar a língua holandesa. Trata-se da História Geral dos Países Baixos Unidos, que foi publicada na Holanda neste século. Um escrevente aliás mediano, Richard Dinoth, foi-me útil através de excertos de algumas brochuras desse tempo, que se perderam há muito. Em vão procurei a correspondência do cardeal Granvella, que teria sem dúvida lançado muita luz sobre esta época. Não pude tomar conhecimento da obra do meu exímio compatriota, Professor Spittler em Göttingen, sobre a Inquisição espanhola, recentemente publicada, a tempo de eu poder ainda tirar a tempo proveito do seu conteúdo, arguto e de extrema importância.3 História da separação dos Países Baixos unidos face ao governo espanhol | 9 O facto de não ter podido estudar inteiramente esta rica época histórica, como desejara fazê-lo, a partir de fontes primárias e documentos contemporâneos, de não ter podido recriá-la independentemente da forma sob a qual ela me foi transmitida pela parte pensante dos meus antecessores, libertando-me assim da violência que todo o escritor inteligente exerce mais ou menos sobre os seus leitores, tal facto é por mim tanto mais lamentado quanto mais me convenço da sua substância. Com isso, porém, uma obra de vários anos ter-se-ia tornado na obra de uma vida. A minha intenção com este ensaio terá sido mais do que alcançada se convencer uma parte do público leitor que se pode escrever uma História com fidelidade sem que ela se torne num desafio à paciência do leitor, e se ele conseguir que a outra parte admita que a História pode tomar algo de empréstimo a uma arte afim, sem com isso se tornar necessariamente num romance. Weimar, por ocasião da Feira de S. Miguel de 1788.4 Notas: 1 Referência a : Robert Watson, Histoire du regne de Philippe II. Roi d’Espagne, Ouvrage traduit de l’anglois, Vol. I-II, Amsterdão e Roterdão1777 (N. T.). 2 Referências (por ordem da indicação no texto) a: Jac[obi] Aug[usti] Thuani historiarum superioris seculi pars prima, Francofourti (1614); pars secunda, Francofourti 1614 [de Thou]; Famiani Straedae Romani e societate Jesu de belle Belgico decades duae ab excessu Caroli V imp. usque ad initium praefecturae Alexandri Farnesii... Moguntiae [Francofurti ad Moenum] 1651 [Strada]; Belgarum aliarumque gentium annales auctore Everardo Reidano [Reyd], Dionysio Vossio interprete. Lugduni Batavorum 1633 [Leyden]; Hugonis Grotii annales et historiae de rebus Belgicis. Amstelaedami 1658 [1657] [Grotius]; Emanuel von Meteren, Eygentliche und vollkommene historische Beschreibung des Niederländischen Kriegs I. Ambsterdam 1627 [Meteren]; Nicolai Burgundii J.C. et professoris ordinarii codicis in academia Ingolstadiensi. Historia Belgica ab anno M.D.LVIII. Ingolstadii 1629 [Burgundius]; Iohannis Meursi Gulielmus Auriacus, sive, De rebus toto Belgio tam ab eo, quam ejus tempore, gestis [...], Amstelodami 1638 [Meursius]; Della guerra di Fiandra descritta dal cardinal [Guido] Bentivoglio parte prima. In Venetia 1645 [Bentivoglio]; Recueil et Memorial des troubles des Pays bas du Roy, in: Vita Viglii ab Aytta Zuichemi Ab ipso Viglio scripta, Ejusque, nec non Joachimi Hopperi et Joannis Baptistae Tasii opera historica [...] Tomus Secindus. Pars Secunda. Hagae comitum 1743 [Hopperus]; Vita Viglii ab Aytta Zuichemi, Ab ibso Viglio scripta sive dictata juxta quod in Praefatione nostra explicuimus [...] Tomus Primus. Pars Secunda. Hagae Comitum 1743; Viglii ab Aytta Zuichemi epistolae | Prefácio 10 politicae et historiae ad Joachimum Hopperum Equitem [...] Tomus Primus. Pars Secunda. Hagae Comitum 1743. Procès criminels des comtes d’Egmont, du Prince de Horne, et autres Seigneurs flamands, Faits par le duc d’Albe, de l’ordre de Philippe II. Roi d’ Espagne. I-II, Amsterdam 1753; Apologie ou défense de tres illustre de prince Guillaume d’Orange contre le ban et edict publié par le roi d’Espagne par lequel il proscript le dit Sgr Prince presentée à messieurs les estats generauls des Païs bas, 1581, 8º; Jan Wagenaar, Allgemeine Geschichte der Vereinigten Niederlande, von den ältesten bis auf gegenwärtige Zeiten, aus den glaubwürdigsten Schriftstellern und bewährten Urkunden verfasset. Aus dem Holländischen übersetzt, I-III, Leipzig 1756-58; Richard Dinothi Normanni Constantinatis de bello civili Belgico libri VI, Basilae 1586 [Richard Dinoth]. De entre os textos compilados por Jan Wagenaar, que Schiller admitiu não ter podido consultar nos originais, contavam-se: Pieter Bor, Oorspronk, begin ende aenvang der nederlantscher Oorlogen, Utreque 1595; Pieter Cornelius Zoon Hooft, Neederlansche Histoorien, Amsterdão 1642; Geraert Brabdt, Kort Verhael van de Reformatie en van den Oorlog tegen Spanie 1657; Jean le Clerc, Histoire des provinces unies des pays-bas depuis la naissance de la république jusqu‘à la paix d'Utrecht, 3 vols, Amsterdão 1723, 1728; Pontus Heuterus, Rerum austriacarum libri XV, Antuérpia 1598; Florentius van der Haer, De initiis tumultum Belgicorum libri II, Douay 1587. De entre os autores mais recentes consultados (mas não discriminados) por Schiller, contam-se: Adam Anderson, Historische und chronologische Geschichte des Handels von den ältesten bis auf jezzige Zeiten. Aus dem Englischen übersetzt, Tl. 3, Riga 1775; Friedrich Christoph Jonathan Fischer, Geschichte des teutschen Handels. Der Schiffarth, Fischerei, Erfindungen, Künste, Gewerbe, Manufakturen, der Landwirtschaft, Polizey, Leibeigenschaft, des Zoll- Münz- und Bergwesens, des Wechselrechts, der Stadtwirthschat, und des Luxus, 2 Tle., Hannover 1785; Voltaire, Essai sur l‘histoire générale et sur les moeurs et l’esprit des nations, Paris 1756; Robert Watson, Histoire du regne de Philippe II, roi d’Espagne. Ouvrage traduit de l’anglois, 2 vols., Amsterdão e Roterdão 1777. Contam-se ainda os historiadores clássicos César, Tácito, Suetónio, as Mémoires de messire Philippe de Comines, ed. Lenglet du Fresnoy, 4 vols., Londres, Paris 1747 e L. Guicciardini, Omnium Belgii sive inferioris Germaniae regionum descriptio…, Arnheim 1616. 3 A obra de Ludwig Timoteus Spittler, que Schiller acabou por consultar para a edição de 1801, tem o seguinte título: Entwurf der Geschichte der Spanischen Inquisition, in: Sammung der Instructionen des Spanischen Inquisitions-Gerichts; gesammelt auf Befehl des Kardinals Alonso Manrique; aus dem Spanischen übersetzt von J.D. Reuß. Nebst einem Entwurf der Geschichte der Spanischen Inquisition von Frhr. Ludwig Timotheus v. Spittler. Hannover 1788. 4 A Feira de S. Miguel realizava-se na última semana de Setembro e ainda hoje se realiza por essa altura em certas regiões do sudoeste da Alemanha (N.T.).