As Políticas Públicas de Apoio à Agricultura na UE: Que Futuro? Francisco Avillez 21 de Janeiro de 2010 A agricultura vai ser confrontada nas próximas décadas à escala planetária com um enorme desafio, que será o de conciliar: • a segurança alimentar - como produzir os produtos agrícolas necessários para assegurar até 2050, uma duplicação do volume actual de bens alimentares • a segurança ambiental – como alcançar os ganhos de produtividade e aumentar a área agrícola utilizada necessários, no contexto do combate às alterações climáticas e da valorização sustentada dos recursos naturais, da biodiversidade e das paisagens rurais 2 Para que a agricultura da UE possa contribuir para uma resolução favorável deste desafio, vai ser necessário criar condições para que se verifique: • uma produção de bens alimentares capaz de competir em mercados cada vez mais alargados e concorrenciais e baseada em práticas agrícolas respeitadoras do ambiente, da qualidade e do bem-estar animal; • uma produção de bens públicos rurais que contribua para o combate às alterações climáticas, para a manutenção e recuperação da biodiversidade e das paisagens rurais e para uma adequada gestão, quer dos solos agrícolas e florestais , quer dos recursos hídricos; • uma melhoria da qualidade de vida nas zonas rurais baseada numa consolidação e diversificação do tecido económico e social. 3 Para que a agricultura da UE possa vir a desempenhar com sucesso estes três tipos de funções vai ser indispensável contar com intervenções públicas no âmbito: • da regulação dos mercados e da estabilização dos preços e/ou dos rendimentos agrícolas; • da produção de bens públicos rurais; • dos investimentos de inovação produtiva e tecnológica, da comercialização e da promoção dos mercados e das infra-estruturas e dos serviço rurais; • da investigação, desenvolvimento e extensão. 4 Para responder a estas questões irei começar por abordar os dois seguintes aspectos: • a natureza e a relevância dos diferentes tipos de apoios públicos de que tem beneficiado nas últimas duas décadas a agricultura da UE; • as principais forças e fraquezas associadas com a PAC. 5 Destino e origem dos apoios públicos à agricultura da UE nos últimos 20 anos 1986-88 2006-08 (UE-12) (UE-27) Valor total dos apoios públicos - Milhões de euros a preços nominais 98 808 113 402 100 65 - Produtores tomados individualmente 92 90 - Produtores tomados colectivamente 8 10 - Transferências dos consumidores para os produtores2) 78 33 - Transferências dos orçamentos da UE e nacionais para os produtores 22 67 - Índice de valor a preços reais1) de 1986-88 Destino dos apoios públicos (%) Origem dos apoios públicos (%) 1) Deflaccionados pelo IPIB da UE 2) Estas transferências são consequência das medidas de intervenção nos mercados em vigor cujo custo orçamental foi em 1986-88 de 24 264 milhões de euros e em 2006-08 de 5 725 milhões de euros, ou seja, cerca de 30 e 15% das respectivas transferências de rendimento Fonte: OCDE-2009 6 Diferentes tipos de apoios públicos de âmbito colectivo aos produtores agrícolas da UE nos últimos 20 anos 1986-88 2006-08 (UE-12) (UE-27) Valor total dos apoios públicos de âmbito colectivo - Milhões de euros a preços nominais 8 272 11 403 100 77 13 18 - Ensino e formação 2 9 - Serviços de inspecção 2 6 - Infra-estruturas 14 43 - Comercialização e promoção dos mercados 19 22 - Armazenagem pública 50 1 - Índice de valor a preços reais1) de 1986-88 Composição deste tipo de apoios públicos (%) - Investigação e desenvolvimento 1) Deflaccionados pelo IPIB da UE Fonte: OCDE-2009 7 Diferentes tipos de apoios públicos de âmbito individual dos produtores agrícolas da UE nos últimos 20 anos 1986-88 2006-08 (UE-12) (UE-27) Valor total dos apoios públicos de âmbito individual - Milhões de euros a preços nominais 90 536 101 999 100 63 94 46 - Apoios indirectamente ligados à produção 5 11 - Apoios desligados da produção 1 43 - Índice de valor a preços reais1) de 1986-88 Composição deste tipo de apoios públicos (%) - Apoios directamente ligados à produção 1) Deflaccionados pelo IPIB da UE Fonte: OCDE-2009 8 Diferentes tipos de apoios públicos directamente ligados à produção na UE nos últimos 20 anos 1986-88 2006-08 (UE-12) (UE-27) Valor total dos apoios directamente ligados à produção - Milhões de euros a preços nominais 85 117 46 488 100 31 91 82 9 18 - Produção vegetal 55 38 - Produção animal 45 62 - Índice de valor a preços reais1) de 1986-88 Composição deste tipo de apoios públicos (%) - Medidas de suporte de preços - Ajudas directas Âmbito da aplicação deste tipo de apoios públicos (%) 1) Deflaccionados pelo IPIB da UE Fonte: OCDE-2009 9 Diferentes tipos de apoios públicos indirectamente ligados à produção nos últimos 20 anos 1986-88 2006-08 (UE-12) (UE-27) Valor total dos apoios indirectamente ligados à produção - Milhões de euros a preços nominais 4 565 11 594 100 143 - Apoios ao investimento 59 46 - Apoios aos bens e serviços intermédios 19 38 - Apoios aos serviços às explorações 22 14 - Índice de valor a preços reais1) de 1986-88 Composição deste tipo de apoios públicos (%) 1) Deflaccionados pelo IPIB da UE Fonte: OCDE-2009 10 Diferentes tipos de apoios públicos desligados da produção nos últimos 20 anos 1986-88 2006-08 (UE-12) (UE-27) Valor total dos apoios públicos desligados da produção - Milhões de euros a preços nominais 794 43 262 - Índice de valor a preços reais1) de 1986-88 100 3 061 100 10 - Medidas agro-ambientais 0 15 - Pagamento único 0 75 Composição deste tipo de apoios públicos (%) - Indemnizações compensatórias 1) Deflaccionados pelo IPIB da UE Fonte: OCDE-2009 11 Diferentes tipos de apoios públicos de âmbito individual na UE-27 e em Portugal no triénio 2006-08 UE-27 Portugal Valor total dos apoios públicos de âmbito individual - Milhões de euros 101 999 1 448 100 1, 4 - Apoios directamente ligados à produção 46 40 - Apoios indirectamente ligados à produção 11 15 - Apoios desligados da produção 43 45 - em % Composição deste tipo de apoios públicos (%) Fonte: OCDE e EUROSTAT - 2009 12 Contribuição dos apoios públicos de âmbito individual para a formação do rendimento agrícola na UE-27 e em Portugal no triénio 2006-08 UE-27 Portugal Contribuição dos apoios públicos para a formação do 1) valor acrescentado bruto agrícola (%) - Apoios directamente ligados à produção - Apoios indirectamente ligados à produção - Apoios desligados da produção Total dos apoios públicos de âmbito individual 1) 23 18 6 6 22 20 51 44 Valor acrescentado líquido a preços base acrescido dos apoios desligados da produção e dos apoios ao investimento Fonte: OCDE e EUROSTAT - 2009 13 Contribuição dos apoios directamente ligados à produção na formação do valor acrescentado bruto agrícola na UE-27 e em Portugal no triénio 2006-08 UE-27 Portugal Contribuição dos apoios directamente ligados à produção na formação (%) - Valor acrescentado bruto vegetal a preços base 27 5 - Valor acrescentado bruto animal a preços base 49 66 - Valor acrescentado bruto agrícola a preços base 37 28 Fonte: OCDE e EUROSTAT - 2009 14 Contribuição dos apoios directamente ligados à produção na formação do valor da produção a preços base dos principais produtos agrícolas na UE-27 e em Portugal no triénio 2006-08 Níveis de contribuição Produtos vegetais e animais < 10% Trigo, batata, hortícolas, frutas, vinho, azeite, leite e ovos >10% a < 20% Milho, arroz e carne de suínos >20% a < 40% - > 40% Carne de bovinos, carne de ovinos e aves Fonte: OCDE e EUROSTAT - 2009 15 Comportamento dos preços no produtor, do volume de produção e do grau de auto-aprovisionamento dos principais produtos agrícolas na UE nos últimos 20 anos Variação em % do Variação em % do preço real no volume da produção produtor entre entre 1986-88 e 1986-88 e 2006-08 2006-08 Produtos Grau de autoaprovisionamento (%) 1986-1988 2006-2008 Trigo Mole -51,4 80,1 120,4 108,9 Milho -51,2 94,9 91,9 88,2 Colza -3,5 240,5 106,7 106,6 Batatas 0,4 15,2 123,2 107,3 Tomate -39,1 32,2 98,3 139,9 Leite -33,0 29,9 117,1 109,8 Carne de bovinos -38,0 2,0 106,5 99,2 Carne de ovinos -30,6 -4,3 80,8 72,8 Carne de suínos -41,5 75,9 103,9 115,5 Carne de aves -48,4 90,9 107,0 102,6 Ovos -27,6 40,5 102,0 104,4 1) Deflaccionados pelo IPIB da UE Fonte: OCDE - 2009 16 Vejamos agora quais são as principais forças e fraquezas associadas com a PAC actualmente em vigor. 17 Forças decorrentes da PAC • um sólido enquadramento político, institucional e orçamental a nível comunitário e nacional • uma grande experiência no âmbito da análise das políticas públicas de apoio à agricultura no contexto de entidades públicas e privadas • uma diversidade de instrumentos de política com uma boa aderência a diferentes realidades agrícolas regionais. 18 Fraquezas decorrentes da PAC • uma visão estratégica pouco coerente • uma política de preços e mercados sectorialmente desequilibrada e de eficácia muito reduzida • o carácter ambíguo do Regime de Pagamento Único • uma política de bens públicos muito incipiente, com uma expressão orçamental muito reduzida e baseada em medidas com uma racionalidade ambiental duvidosa • uma repartição orçamental ao arrepio de critérios objectivos de natureza económica, ambiental e social 19 Neste contexto, que orientações alternativas têm vindo a ser propostas de forma mais credível e fundamentada sobre o futuro da PAC após 2013? 20 Políticas de regulação dos mercados e de estabilização dos preço e ou rendimentos agrícolas Questões em debate: • estabilização de preços e/ou de rendimentos (combater apenas a volatilidades dos preços agrícolas mundiais ou também as variações de produtividade); • pendor mais ou menos proteccionista (combater apenas a volatilidade dos preços ou também proteger os mercados agrícolas da UE); • só estabilização de preços na “baixa” ou também na “alta”; • maior ou menor intervencionismo na estabilização de preços; • maior ou menor amplitude na estabilização dos rendimentos; • 100% de nacional financiamento comunitário ou co-financiamento 21 Políticas de regulação dos mercados e de estabilização dos preço e ou rendimentos agrícolas (cont.) Principais orientações a adoptar: • pendor não proteccionista; • sistemas de estabilização de preços e de rendimentos e de gestão de riscos e de calamidades; • menor intervencionismo possível (pagamentos contra-cíclicos, compensação de reduções no rendimento médio agrícola, seguros agrícolas, gestão coordenada de stocks públicos e privados, medidas de apoio à retoma da produção, ...); • financiamento 100% comunitário nas medidas de estabilização de preços e rendimentos e co-financiamento nos outros tipos de medidas. 22 Políticas de apoio à produção de bens públicos rurais Questões em debate: • Que tipo de bens públicos apoiar? (luta contra as alterações climáticas, biodiversidade, paisagem, melhoria da dos solos e dos recursos hídricos, coesão territorial (?), padrões alimentares(?), bem-estar animal(?) • Como financiar este tipo de apoios? (orçamento da UE e/ou dos EM) • Que tipos de apoios promover? (maior orientação em favor da produção ou prioridade à conservação dos recursos naturais e da biodiversidade) • Que papel o mercado deverá assumir no âmbito do apoio à produção de bens públicos? 23 Políticas de apoio à produção de bens públicos rurais (cont.) Opções a defender: • Apoiar a produção de todos os fundamentação científica seja rigorosa bens públicos cuja • Estabelecer critérios rigorosos de separação dos bens públicos europeus e nacionais adoptando fontes de financiamento respectivas • Adoptar um orientação mais de tipo conservacionista do que produtivista • O papel dos mercados na remuneração dos serviços prestados pela agricultura na produção de bens públicos deverá constituir um objectivo de longo prazo que não deverá condicionar a adopção, no curto prazo, de outras formas de apoios 24 Políticas de incentivo ao investimentos agrícola e rural No que diz respeito às políticas de incentivo ao investimento agrícola e rural e às políticas de investigação, desenvolvimento e extensão penso que as orientações em debate correspondem, no essencial: •à maior ou menor selectividade dos apoios a adoptar ao nível da UE e do EM; •ao enquadramento mais ou menos alargado dos apoios a nível comunitário e nacional (apenas agricultura ou um apoio sectorial mais alargado); •ao peso dos financiamento orçamentos da UE e das EM no respectivo 25 Estamos, portanto, perante dois diferentes tipos de opções que se distinguem, no essencial, quanto ao nível de protecção assegurado pelas políticas de estabilização de preços e de rendimentos e quanto ao montante de recursos financeiros disponível para as políticas de apoio à produção de bens públicos rurais e respectiva orientação. 26 Síntese dos dois diferentes tipos de opções para após 2013 Um tipo de opções mais proteccionista e mais orientado para a produção, capaz de viabilizar economicamente uma parte mais ou menos significativa do tecido produtivo agrícola da UE, mas contribuindo com uma menor disponibilidade de recursos orçamentais para apoiar a produção de bens públicos rurais e, consequentemente, uma menor expansão futura de sistemas de ocupação e uso dos solos orientados para a prestação de serviços ambientais e rurais. 27 Síntese dos dois diferentes tipos de opções para após 2013 (cont.) Um tipo de opções menos proteccionista e mais orientado para a conservação dos recursos naturais e da biodiversidade, que porá em causa a viabilidade económica de uma parte mais ou menos significativa do tecido produtivo da UE, mas que, permitindo uma maior disponibilidade de recursos orçamentais para financiar a produção de bens públicos rurais, irá promover uma maior expansão dos sistemas de ocupação e uso dos solos orientados para a prestação de serviços ambientais e rurais. 28 São, no essencial três as razões que me levam a ser defensor do tipo de opções menos proteccionista e mais orientado para a conservação dos recursos naturais e da biodiversidade: • enquanto economista agrário, sou de opinião, que este cenário tem maior racionalidade económica e maior legitimidade ambiental e social; • como cidadão europeu, entendo que é este cenário que dá mais garantias de que a agricultura da UE melhor contribuirá para que o duplo desafio da luta contra a insegurança alimentar e a insegurança ambiental seja ultrapassado com sucesso à escala planetária. • enquanto português, estou convencido que aquilo que se perde do ponto de vista do rendimento futuro dos agricultores e do meio rural português com a adopção de um cenário menos proteccionista é menos significativo do que aquilo que se ganha com uma maior aposta na produção de bens públicos rurais. 29 Para concluir, importa que se apresente a forma como, neste contexto, se poderá vir a processar a transição entre as situações actual e após 2013 das políticas públicas de apoio à agricultura. 30 A PAC antes e após 2013 31 Conclusão Se a minha leitura do que está em debate e do que poderão ser as respectivas opções alternativas está correcta, penso ser possível concluir dizendo que o que separa actualmente as propostas para a PAC após 2013 é menos significativo do que aquilo que os próprios proponentes dão a entender quando na defesa das suas posições pretendem estabelecer o maior contraste possível entre as suas teses e dos respectivos oponentes. 32 33