ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANGUS - ANUÁRIO 2007/2008
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Um Estudo Cross-Cultural sobre as Preocupações dos
Consumidores no Consumo de Alimentos
Marcia Dutra de Barcellos
Professora e Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Administração da Faculdade de Administração, Contabilidade
e Economia da PUCRS (PPGAd/FACE/PUCRS)
Doutora em Agronegócios CEPAN/UFRGS
[email protected]
O
s fatores que influenciam a escolha, a compra e o consumo de determinados alimentos são muito
variados e podem compor um processo extremamente complexo.
Além das características sócio-demográficas (gênero, idade, renda, por exemplo), tradicionalmente utilizadas em pesquisa para justificar as diferenças percebidas entre indivíduos, o conhecimento, as
atitudes, as preocupações e as crenças
têm explicado grande parte das variações
no processo de compra de alimentos. Assim, o consumo de alimentos parece ser
permeado não apenas por aspectos fisiológicos (e ancestrais), mas também por
influências culturais e psicossomáticas.
Questões relativas à dieta, saúde, segurança alimentar, meio-ambiente e país
de origem dos alimentos constituem algumas das principais preocupações que
têm afetado os consumidores europeus,
de forma geral. Dados coletados em diversas pesquisas confirmam que nos últimos anos o número de consumidores
preocupados com questões ambientais
cresceu de 30 para 60% em muitos países europeus (Saba, 2001). Novas tecnologias (OGM, biotecnologia), mudanças no padrão doméstico e da população
(mais domicílios com apenas um morador, mais mulheres no mercado de trabalho, o envelhecimento da população, e a
entrada de novos membros na União Européia) também afetam o padrão de consumo de alimentos.
Estas preocupações, no entanto,
não são exclusividade dos europeus,
pois são também observadas em consumidores do mundo todo, em maior
ou menor grau. Dietas “alternativas”,
como as macrobióticas, vegetarianis-
mo e veganismo (os veganistas não
comem nenhum produto de origem
animal, nem mesmo leite, ovos ou
mel, nem usam artigos de couro), por
exemplo, são cada vez mais populares
no Reino Unido, Alemanha e Holanda,
mas também são encontradas no Brasil.
Além disso, especificamente no
consumo de carne, os consumidores
são confrontados com aspectos ligados às possíveis conseqüências, diretas e indiretas, do seu consumo. Bemestar animal, impactos da produção
no meio ambiente, o risco de contrair
doenças (zoonoses) e outros riscos ligados à saúde, tais como presença
de contaminantes, corantes, gordura
em excesso e hormônios, são alguns
exemplos que ilustram facetas deste
comportamento.
Tabela 1 - Grau de preocupação dos entrevistados em Porto Alegre, São Paulo, Austrália e Holanda com relação
a diversos fatores ligados ao consumo de alimentos
Grau de Preocupação
POA
n=202
SP
n=400
AUS
n=143
HOL
n=71
%
%
%
%
Eu me preocupo com a qualidade da carne bovina que eu compro
96.3
82.0
93.0
48.5
Eu me preocupo com a segurança alimentar da carne bovina
92.0
50.0
54.5
46.5
Eu me preocupo com a relação entre o custo e o benefício quando eu compro
carne bovina
87.3
71.8
80.0
42.0
Eu me preocupo com a proteção ao meio-ambiente
86.3
80.0
81.5
75.8
Eu me preocupo com o bem-estar dos animais na produção de carne
bovina
76.3
45.8
59.3
61.5
Eu me preocupo sobre o consumo de alimentos com Organismos
Geneticamente Modificados (OGM)
75.3
71.0
79.8
75.3
Eu me preocupo com o excesso de colesterol na minha alimentação
73.0
64.5
69.8
63.8
Eu me preocupo com a possibilidade de engordar
67.8
58.3
64.8
69.8
Fonte: dados da pesquisa.
As três maiores preocupações de cada público estão sombreadas.
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Nesse sentido, buscando-se identificar quais seriam as principais preocupações dos consumidores no consumo de alimentos, foi realizada uma
pesquisa cross-cultural com entrevistas realizadas no Brasil (Porto Alegre e
São Paulo), na Austrália e na Holanda.
Esta pesquisa fez parte de um projeto
mais amplo, que procurou explorar aspectos do comportamento de consumo de carne bovina nesses países. No
total, foram realizadas 816 entrevistas.
Assim, a tabela 1 apresenta o grau
de preocupação dos consumidores
entrevistados com relação a alguns
fatores de importância, relacionados
tanto ao consumo de carne bovina especificamente quanto em relação ao
consumo de alimentos de forma geral.
Os resultados estão expressos em percentual de concordância com a alternativa.
Os resultados demonstraram tanto diferenças quanto semelhanças significativas entre os entrevistados. A preocupação
com a qualidade da carne bovina adquirida foi o principal fator indicado pelos entrevistados em Porto Alegre, em São Paulo e na Austrália (respectivamente 96.3,
82 e 93% de concordância), indicando a
grande importância deste quesito entre diversos fatores ligados ao consumo de alimentos. Programas de qualidade assegurada de carne tendem a se beneficiar deste resultado, na medida em que satisfazem
a necessidade dos consumidores. Na Holanda, por outro lado, menos de 50% dos
entrevistados estão preocupados com este aspecto.
Em Porto Alegre, a preocupação com
segurança alimentar obteve um percentual elevado (92%), indicando que o consumidor gaúcho está atento aos possíveis
riscos envolvidos no consumo de alimentos. Na Austrália, diferentemente, este indicador apresentou o menor percentual de
concordância (54.5%) entre os respondentes. Em função do status sanitário privilegiado do país, a segurança alimentar
no consumo de carne bovina não parece
ser uma questão preocupante para o consumidor australiano. Na Holanda, apenas
46.5% dos entrevistados concordam estar
preocupados com este item, apesar dos
casos reportados de BSE (Doença da Vaca Louca) e outras doenças. Tal resultado indica que os entrevistados holandeses
estão satisfeitos com as medidas tomadas para garantir a segurança alimentar no
seu país.
Por outro lado, na Holanda, a maior
preocupação foi com a proteção ao
meio-ambiente (75.8% de concordância), resultado não surpreendente, tendo em vista o grande número de pesquisas que indicam esta como uma
das principais questões da atualidade na Europa. Além disso, na Holanda,
as características geográficas (balanço entre água e terra), demográficas
(a Holanda é um dos países com maior
densidade demográfica do mundo)
e de produção animal (alta densidade de animais estabulados, produzindo grande quantidade de dejetos, tais
como vacas de leite e suínos), de certa
forma, tornam tal preocupação justificada.
Os holandeses entrevistados também
demonstraram preocupações no consumo de OGMs (alimentos transgênicos),
sendo este o item que obteve o segundo
maior grau de concordância (75.3%). Possivelmente a produção de alimentos geneticamente modificados tem sido a forma
mais estudada de produção de alimentos,
mas de forma geral, o consumidor europeu tem se caracterizado pela sua negatividade em relação a este tópico (EUROBAROMETER, 2000).
A preocupação com a possibilidade de
engordar foi o terceiro item na avaliação
dos holandeses (69.8%) e o item de menor preocupação dos gaúchos (67.8%).
Na Austrália (64.8%) e em São Paulo
(58.3%), este também foi um dos itens
de menor preocupação para os entrevistados. Os consumidores, no entanto, deveriam se preocupar, já que 40% da população brasileira apresenta sobrepeso e
destes, 10% são considerados obesos,
principalmente na região sul e sudeste segundo dados do IBGE (2004). Da mesma
forma ocorre na Austrália. Segundo uma
pesquisa nacional (ABS, 2006) realizada
entre 2004-2005, mais de 32% dos aus-
tralianos acima de 25 anos estavam acima do peso, e destes, 16% eram obesos.
A preocupação com a relação custo/
benefício na hora da compra de carne bovina foi bastante importante para os entrevistados em Porto Alegre (87.3%), São
Paulo (71.8%) e Austrália (80%), contribuindo com resultados encontrados em
outras pesquisas (Barcellos, 2002; Buso,
2000, Souki, 2004) que apontam o preço
como um atributo significativo na hora da
compra de carne bovina. Ou seja, para os
consumidores entrevistados, a diferença
entre o que está sendo ofertado e o que
ele pagará por isso é um fator que merece
atenção. Subentende-se assim, que tanto
para um produto mais caro, de alta qualidade, quanto para um produto mais barato, menos especializado, haverá um balanço a ser feito na hora da compra. Nesse
sentido, a garantia de qualidade ao consumidor (através de selos de certificação
como o da Angus/AusMeat, por exemplo)
pode servir como base para o pagamento
de um preço premium recompensado por
um produto de qualidade superior.
Na Holanda, por outro lado, este
item obteve o menor percentual de
preocupação (46.5%) entre os demais,
e por estar abaixo de 50% na escala,
foi indicativo de que os consumidores não consideram esta uma preocupação significante. Pode-se inferir que
como existem poucas opções de produtos diferenciados nas gôndolas (a
carne bovina ofertada no varejo é usualmente similar em termos de qualidade e preço), uma avaliação mais aprofundada sobre a relação custo/benefício é mais difícil de ser realizada pelos
consumidores na Holanda. Além disso,
eventualmente para este consumidor,
a relação custo/benefício de outras
carnes (frango e suíno) pode ser superior e também influenciar na sua avaliação.
Chamou a atenção, no entanto, a reduzida preocupação com o bem-estar
dos animais na produção de carne bovina
por parte dos consumidores em São Paulo (apenas 45.8% dos entrevistados estão preocupados) e na Austrália (59.3%),
apesar da crescente discussão sobre este
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tema no mundo todo. Buscando-se inves- cisão ou desconhecimento sobre o tema.
tigar fatores que poderiam estar relaciona- Nesse caso, talvez o desconhecimento
dos a este resultado, optou-se por testar sobre as formas de produção animal posa influência da idade e escolaridade atra- sa justificar o resultado obtido.
vés de um cruzamento de dados. Os reA preocupação quanto ao excesso
sultados indicaram que Austrália a preo- de colesterol na alimentação foi mecupação com o bem-estar dos animais na diana na em todos os países, sendo reprodução de carne bovina foi diretamente lativamente mais importante na Horelacionada com a escolaridade dos con- landa.
sumidores entrevistados (quanto
mais graduados,
maior a preocupação) e inversamente relacionada com a sua idade (quanto mais
velhos, menor a
preocupação).
Em São Paulo, a
diferença de idade não foi significativa, pois independente da faixa
etária, a maioria
dos entrevistados
afirmou não estar preocupado
Gôndolas de Carne no Reino Unido – Diferenciação de Produto
com esta questão. Com relação
à escolaridade,
também não houve diferença significante.
Por fim, cabe destacar que elemenBoa parte dos entrevistados em São Pau- tos do perfil dos entrevistados (tais colo (21%), no entanto, não concordou nem mo freqüência de consumo, conhecidiscordou desta afirmativa, quer por inde- mento sobre o produto, idade, esco-
laridade e gênero) estão diretamente
relacionados com o tipo de preocupação manifestada pelos consumidores,
e merecem consideração em estudos
futuros.
Além disso, o desenvolvimento de novos produtos e principalmente a definição
de estratégias de marketing para produtos
alimentícios, principalmente os de origem
animal, devem levar em consideração todos os aspectos anteriormente citados, na
medida em que
eles representam
mais valor para
os consumidores
globais.
A história revela que pouco
a pouco os consumidores foram
adquirindo mais
poder e hoje o sucesso das cadeias
produtivas depende da orientação
no seu processo de desenvolvimento e entrega
de produtos. A orientação para o mercado
é fundamental para aqueles que quiserem
construir uma posição competitiva sustentável no futuro.
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São Paulo. 2000. Dissertação (Mestrado em Administração), Departamento de Engenharia de Produção, Universidade Federal de São Carlos, 2000.
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home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=278>.
- SABA, A. Cross-cultural differences in food choice. In: FREWER, L. J.; RISVIK, E.;
SCHIFFERSTEIN, H. N. J.; VON ALVENSLEBEN, R. (ed.), Food, people and society.
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- SOUKI, Gustavo Quiroga; ANTONIALLI, Luiz Marcelo; PEREIRA, Cláudia Aparecida. Atributos do Ponto-de-Venda e Decisão de Compra dos Consumidores: Subsídios
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Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração
(ENANPAD), 29, Curitiba, PR. Anais. Curitiba: ANPAD, 2004.
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