Licitação e Compras Governamentais Texto 03 A regulamentação dos serviços públicos e a delegação a particulares A regulamentação dos serviços públicos e a delegação a particulares A atual Carta Constitucional, promulgada e homenageada como a Constituição Cidadã, é farta em indicativos da necessidade (obrigação) da intervenção do Estado para a satisfação dos interesses públicos nela destacados. Há um grande número de direitos atribuídos ao cidadão, gerando uma relação em que figura no outro extremo o Poder Público, como titular da prestação dos serviços necessários à satisfação desses direitos, quando invocados pelo particular. Excetuando as atividades legislativa e judiciária, há pelo menos duas formas de atuação do Estado, destacadas de forma explícita na Constituição Federal. A primeira, quando elenca as atividades, serviços públicos próprios, de competência originária da União, no art. 21, incisos. X, XI, XII, XV, e XXIII, e a dos Estados-Membros, no art. 25, § 2°. Depois, quando o constituinte emprega as expressões do tipo “é direito de todos e dever do estado” (arts. 192, caput, da saúde, e 205, caput, da educação) ou então “será prestada a quem dela necessitar” (art. 203, da assistência social), sempre exsurge um serviço público de competência do Estado, por caracterizar necessidade essencial da sociedade. Acrescente-se, ao elenco, a questão relativa à Previdência Social. Importa lembrar que, para a prestação destes últimos, a Constituição permite, sob certas regras, a participação de forma supletiva da iniciativa privada. A competência da União para organizar e prestar os serviços que lhe são constitucionalmente afeitos está preconizada no art. 21 da Carta Republicana. Para os Estados-Membros, no art. 251 e para o Distrito Março/2010 Federal no art. 322, todos da Constituição da República. No âmbito municipal, a Carta Republicana, no art. 30, inc. V, diz que compete aos Municípios “organizar e prestar, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o transporte coletivo, que tem caráter essencial.” A Administração Pública pode executar os serviços públicos de forma centralizada ou descentralizada. A primeira ocorre quando o poder público presta por seus próprios órgãos, em seu nome e sob sua exclusiva responsabilidade. Em tais casos, o Estado é, ao mesmo tempo, titular e prestador do serviço; é a denominada Administração Direta. Os serviços são prestados de forma descentralizada quando o poder público transfere a sua execução por outorga ou delegação a autarquias, fundações, empresas estatais, empresas privadas ou particulares individualmente. A outorga ou delegação cumpre lembrar, não transfere a titularidade do serviço público, mas apenas a sua execução. A outorga é a transferência de um serviço público ou de utilidade pública a uma entidade criada por lei para esse fim, ao passo que a delegação ocorre quando o Estado transfere a execução de um determinado serviço ao particular, para que o execute, em seu nome e por sua conta e risco, mediante condições preestabelecidas. Deriva, nesses casos, de concessão, permissão ou autorização. canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação. 2 1 Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição. § 1º - São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição. § 2º - Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás Art. 32. O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º - Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios. 1 Licitação e Compras Governamentais Texto 03 A regulamentação dos serviços públicos e a delegação a particulares A questão a ser superada é sobre a necessidade de autorização legislativa para que o Poder Público possa delegar ao particular a execução de um serviço público. O art. 2o da Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995, que “Estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências” assim dispõe o artigo citado: o Art. 2 É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios executarem obras e serviços públicos por meio de concessão e permissão de serviço público, sem lei que lhes autorize e fixe os termos, dispensada a lei autorizativa nos casos de saneamento básico e limpeza urbana e nos já referidos na Constituição Federal, nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e Municípios, observado, em qualquer caso, os termos da Lei o n 8.987, de 1995. Cumpre lembrar que a competência para legislar sobre normas gerais de licitação, incluindo-se nesta as relativas às concessões e permissões de serviços públicos, é reservada constitucionalmente à União, devendo a legislação dos demais entes da Federação compatibilizar-se com a legislação nacional. na condição de contratos comuns, tais como os de edificação de obras, os de prestação de serviços em geral à Administração ou os de fornecimento de bens. O contrato de concessão, ao contrário, é especialíssimo porque implica “na delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado”, como conceituado no art. 2 o, II, da Lei de Concessões e Permissões dos Serviços Públicos. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade no 462-0, julgada em 21 de agosto de 1997, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional o § 1o, do art. 25 da Constituição do Estado da Bahia que também previa a autorização legislativa para a concessão dos serviços públicos. Os julgamentos do TJRS e STF não abordaram a existência e validade jurídica do art. 2o da Lei no 9.074, de 1995. A doutrina se posiciona de forma antagônica à orientação do judiciário. Celso Antônio Bandeira de Mello4 afirma que: A outorga do serviço (ou obra) em concessão depende de lei que a autorize. Não pode o Executivo, por simples decisão sua, entender de transferir a terceiros o exercício de atividade havida como peculiar do Estado. É que, se se trata de um serviço próprio dele, quem deve, em princípio, presta-lo é a Administração Pública. Para isto existe. Não obstante, cumpre destacar que recente julgamento, em ação direta de inconstitucionalidade3, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul julgou inconstitucional dispositivo de Lei Orgânica Municipal que subordina à autorização legislativa a realização de licitação para a concessão de serviços públicos municipais. Entendeu o Órgão Especial daquela Corte que tal disposição fere a harmonia e independência entre os poderes do Município e, também, por afrontar o disposto no art. 82, XXI, também da Carta Gaúcha . No acórdão, o Tribunal colocou os contratos de concessão de serviços públicos 3 o ADIn n 70027132380. Pleno. Julgado em 25-5-2009. DJ em 6-7-2009. Março/2010 Hely Lopes Meirelles5 assevera: A Lei federal 9.074, de 7.7.95, resultante de conversão da MP 890, editada no mesmo dia da Lei 8.979, de 13.12.95, veda à União, aos Estados, 4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 643. 5 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 392/393. 2 Licitação e Compras Governamentais Texto 03 A regulamentação dos serviços públicos e a delegação a particulares Março/2010 ao Distrito Federal e aos Municípios executarem obras e serviços públicos por meio de concessão ou permissão, sem lei que os autorize e fixe os respectivos termos. Ao mesmo tempo, já autoriza a concessão ou, quando couber, a permissão, de determinados serviços e obras públicas de competência da União, listados no o art. 1 (vias federais, barragens, eclusas, estações aduaneiras etc.). Isto quer dizer que o ato do Executivo o previsto no art. 5 da Lei 8.987, de1995 não substituiu a lei autorizadora da concessão; tal ato será sempre necessário, para complementação da norma legal, justificando o trespasse dos serviços ou da obra ao concessionário. Considerando a necessidade que cada ente federado regulamente os serviços públicos de sua competência de atuação, nesta lei deverá haver a previsão de que os serviços poderão ser executados diretamente ou por meio de delegação a particulares. Esta é a autorização legislativa que o art. 2o da Lei no 9.074, de 1995, se refere. A previsão não fere o princípio da harmonia e independência que deve prevalecer entre os Poderes Legislativo e Executivo e não retira do Poder Executivo a discricionariedade para determinar a forma de execução e de realizar a contratação. O Executivo não dependerá de autorização legislativa específica para cada contrato. É imprescindível a edição de uma lei regulamentar do serviço público e não de autorizativa específica para cada licitação. 3