ESTUDO DO COMPORTAMENTO POSTURAL EM SALA DE AULA: UM ENFOQUE ERGONÔMICO Priscila da Silva Aleixo1, Gisele Machado Mota2, Luiz Henrique França de Sousa3, Jairo RibeiroVarella4, Luiz Carlos de Queiroz5 1,2,3,4 UNESP/FEG/Departamento de Engenharia Mecânica, Guaratinguetá – SP FAENQUIL/Departamento de Engenharia Química, Lorena – SP, [email protected] 2 Resumo- Este trabalho teve como objetivo analisar o comportamento da postura sentada estudantil, em uma sala de aula, através de imagens digitais. Foram utilizados para a avaliação da dor, os inventários de McGill e de Wisconsin (forma reduzida), para investigação da interferência da dor no ambiente de trabalho e no humor. Para avaliação postural foi usado o fio de prumo e análise de imagens digitais. Os resultados obtidos revelaram que o mobiliário adotado pela instituição não satisfaz a necessidade dos voluntários pesquisados em termos biomecânicos causando desconforto e mudança de humor. Palavras-chave: ergonomia, comportamento postural, dor Área do Conhecimento: Ciências da Saúde Introdução Segundo [1] os hábitos posturais incorretos, adotados pelos alunos, desde o ensino fundamental, são motivos de preocupação. É fundamental lembrar que as estruturas que compõem a unidade vertebral (ligamentos e discos intervertebrais) sofrem um processo de degeneração ao longo da vida e não possuem mecanismos de regeneração [2]. Sendo assim, os comportamentos posturais biomecanicamente incorretas são fatores que potencialmente podem criar condições de prejuízos significativos ao sistema músculoesquelético nos escolares, particularmente as estruturas que compõem a coluna vertebral. A fisiologia do trabalho muscular distingue duas formas de esforço muscular: o trabalho muscular dinâmico (trabalho rítmico) e o trabalho muscular estático (trabalho postural). O trabalho estático caracteriza-se por um estado de contração prolongada da musculatura, o que geralmente implica em um trabalho de manutenção de postura. A postura é, em geral, um conceito dinâmico, não estático. O corpo, geralmente, não fica parado mais do que alguns momentos, com freqüência ele realiza alguns movimentos [3]. A permanência sentada por mais de 45 a 50 minutos sem interrupções é altamente desaconselhável [4]. O simples fato de o indivíduo passar da postura em pé para a sentada aumenta em aproximadamente 35% a pressão interna no núcleo do disco intervertebral e todas as estruturas (ligamentos, pequenas articulações e nervos) que ficam na parte posterior são esticadas, isso se o sujeito estiver sentado nas melhores condições possíveis. Caso o indivíduo sentado realize posturas incorretas por longo período, flexão anterior do tronco, falta de apoio lombar e falta de apoio do antebraço, as alterações são potencializadas, sendo que a pressão intradiscal aumenta para mais de 70% [5]. Para [6] a boa postura é o estado de equilíbrio muscular e esquelético que protege as estruturas de suporte do corpo contra lesão ou deformidade progressiva independentemente da atividade (ereta, agachada, encurvada) nas quais essas estruturas estão trabalhando ou repousando. A má postura é uma relação defeituosa entre as várias partes do corpo que produz uma maior tensão sobre as estruturas de suporte e onde ocorre um equilíbrio menos eficiente do corpo sobre sua base de suporte. O que precede todo o estudo, portanto, é uma visão postural focalizada exclusivamente em considerações aplicadas à biomecânica, à física, à anatomia e ergonomia. Pode-se dizer, que há considerações qualitativas sobre a análise da postura sentada cujo objetivo é o conhecimento do comportamento postural, o qual é capaz de assumir uma postura no espaço, uma função e equilíbrio diante à atividade específica. Na busca de uma maior apreensão a cerca da postura sentada e sua configuração, a cinética comprova que as únicas forças capazes de produzir movimentos no corpo humano são a força da gravidade e a contração muscular, onde os músculos propiciam toda a força necessária para manter a postura ereta. A física considera o corpo humano como uma massa sujeita à ação das leis da gravidade, onde a massa total do corpo é concentrada em um único ponto, o centro de gravidade, o qual é tão necessário para acelerações rotacionais e de translação nas múltiplas articulações que suportam o peso do corpo entre a cabeça e o solo, IX Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e V Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1462 que deverá ser neutralizado para que se mantenha o equilíbrio. Contudo não existe uma só postura melhor para todos os indivíduos. Fala-se de um padrão cujo objetivo é obter um alinhamento, uma função ideal para o corpo sob as condições impostas pelo próprio estilo de vida. Busca-se analisar a melhor postura sentada como aquela que preenche todas as necessidades mecânicas do aparelho locomotor, permitindo que o indivíduo mantenha a posição ereta e sentada com esforço mínimo. O trabalho tem como objetivo analisar a postura sentada de indivíduos em sala de aula, com mobiliário oferecido aos universitários, a partir de imagens digitais e identificar por meio de questionário a região do corpo que sofre maior dor decorrente da postura adotada. A partir deste trabalho pretende-se elaborar um projeto de mobiliário adaptável, concebendo, por exemplo, um encosto e um assento adequados que proporcionem uma melhor distribuição do peso corporal para a redução do stress na coluna vertebral e um melhor posicionamento dos membros inferiores. Materiais e Métodos A seleção da amostra deste estudo foi feita aleatoriamente e composta por quatro alunos (dois do sexo masculino e dois do feminino) do curso de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica da UNESP, campus de Guaratinguetá. Neste trabalho serão reportados os dados e as análises correspondentes de um indivíduo, do sexo masculino, com 23 anos, estatura 1,86 m, peso de 795 N. Foram utilizados como materiais: - Fio de Prumo: usado para determinar se os pontos de referência da pessoa estão no mesmo alinhamento que os pontos correspondentes na postura padrão. Os pontos de referência são: levemente anterior ao maléolo lateral; levemente anterior ao eixo da articulação do joelho; levemente posterior ao eixo da articulação do quadril; metade da articulação do ombro; e meato auditivo externo. Os desvios a partir do alinhamento do prumo são descritos como leves, moderados, ou acentuados. - Trena (metálica): usada para medida da estatura do indivíduo e medidas de altura, comprimento e largura dos mobiliários (cadeira e mesa) e definição da posição da câmera digital. -Balança: previamente calibrada para medida do peso. - Câmera digital: CAMEDIA–D 395, Olympus 3.2 megapixel, usada para registrar imagens das posturas ereta em pé e sentada dos voluntários. - Mobiliário (cadeira e mesa): usado como padrão por todos os estudantes da instituição. A mesa continha 71,5 cm de altura, 42 cm de largura e 60 cm de comprimento, a cadeira continha 81,5 cm de altura total do solo até o encosto e 44,5 cm do solo até o assento, 36,5 cm de largura e 42 cm de comprimento. - Inventário para avaliação de dor de McGill, conforme [7]: que compreende 78 palavras organizadas em 4 grandes grupos e 20 subgrupos. O grupo sensorial descreve o subgrupo de 1 a 10; o grupo afetivo descreve o subgrupo de 11 a 15; o grupo avaliativo da dor descreve o subgrupo 16; e os subgrupos de 17 a 20 compreendem itens de miscelânea. - Inventário para avaliação de dor de Wisconsin, conforme [7]: usado para avaliar o impacto da dor nas atividades de vida diária, como relacionamento interpessoal de trabalho. O instrumento de Wisconsin contém uma escala numérica de intensidade, graduada de 0 a 10, onde o zero (0) significa ausência de dor e dez (10) significa a pior dor imaginável. O indivíduo foi orientado a responder os dois questionários de avaliação de dor de McGill e de Wisconsin (na forma reduzida), e não foi orientado, quanto à maneira de posicionar o corpo no mobiliário, restringindo-se apenas em não afastar o material de leitura da superfície da mesa, e comportando-se naturalmente. Em uma sessão de estudos, em sala de aula, uma seqüência de fotos digitais foi obtida sem chamar a atenção do voluntário para o momento do registro fotográfico, com o objetivo de registrar o seu comportamento postural. A sessão de estudos durou cerca de 60 min. A realização total da avaliação da postura ereta em pé, da postura sentada, e as respostas do questionário foram praticamente de 1h e 40min. Resultados Os registros por imagens digitais do comportamento postural do voluntário são apresentados nas Figuras 1, 2, 3 e 4. Para avaliar as posturas nos perfis direito e esquerdo adotadas pelo indivíduo, foram analisados os pontos de referência coincidentes ou não com o fio de prumo, as imagens correspondentes são mostradas nas Figuras 1 e 2. Figura 1 – Postura ereta em pé, perfil esquerdo. IX Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e V Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1463 Figura 2 – Postura ereta em pé, perfil direito. A postura sentada e o comportamento do indivíduo em relação ao instrumento de trabalho (cadeira e mesa) são mostrados nas Figuras 3 e 4. A média da dor foi de intensidade sete (7), sendo a mesma intensidade assinalada para a dor que sentia na hora da sessão de estudo. O voluntário relatou que dificilmente faz uso de medicamento. E como prevenção realiza alongamentos, exercícios abdominais e trabalhos resistidos nos membros superiores e inferiores. Realizados de três a quatro vezes por semanas, com duração de 1h e 30min. Para descrever o quanto a dor interferia em sua atividade geral, nas últimas 24 horas. O voluntário graduou intensidade dois (2) para o humor; cinco (5) para caminhar; cinco (5) para o trabalho; dois (2) para relacionamento com outras pessoas; zero (0) para o sono; e zero (0) para apreciar a vida. Discussão Figura 3 – Postura sentada, ereta. Figura 4 – Postura sentada, inclinada. Na Tabela 1 são mostradas as respostas do voluntário referentes ao inventário de avaliação de dor de McGill. Tabela 1 – Respostas referentes ao inventário de avaliação de dor deMcGill. Sensorial Afetivo Avaliativo Miscelânea Latejante, pontada, perfurante, estraçalha, pressão, em torção, calor, formigante, dolorida e esticada Exaustiva, sufocante, castigante, cruel e enlouquecedora Insuportável Penetra, repuxa, torturante No inventário de Wisconsin, dentre as respostas de dor, o voluntário assinalou um x, sobre o diagrama do corpo humano (vista posterior), a área em que a dor era mais intensa. Sendo, interpretada pelo mesmo, a região lombar da coluna vertebral. A pior dor do voluntário descrita no questionário nas últimas 24 horas, correspondeu a uma intensidade oito (8), comparada com a dor mais fraca que sentiu nas últimas 24 horas que correspondeu a uma intensidade cinco (5). Na Figura 1, o indivíduo apresenta-se em postura de avaliação no plano coronal, do lado esquerdo, com leve desvio da cabeça em direção ao plano sagital e ligeira protrusão de ombro. A pelve encontra-se com ligeira rotação medial à esquerda, e leve inclinação anterior, resultando em anteversão pélvica e um arqueamento da coluna lombar, criando um aumento na curvatura lordótica. Como avaliação do membro inferior, da articulação do joelho esquerdo, no plano coronal. O indivíduo apresenta uma leve hiperextensão da articulação do joelho esquerdo, ocasionando uma leve rotação anti-horária do membro contra lateral do corpo. Podendo assim, observar alterações posturais do indivíduo a partir da base dos pés até a região pélvica. Na Figura 2, o indivíduo encontra-se na postura de avaliação, no plano coronal, sendo agora do lado direito. Apresentando um melhor alinhamento postural, comparado ao lado esquerdo, mesmo assim, é detectada uma leve anteriorização da cabeça e protrusão de ombro. Em relação a avaliação do membro inferior, a articulação do joelho direito, no plano coronal, encontra-se melhor posicionada, porém o membro inferior está prejudicado devido ao desnivelamento pélvico. A avaliação da postura ereta em pé, por meio, do fio de prumo, nos fornece um parâmetro sob os desvios do alinhamento da postura padrão, e a posição de equilíbrio corporal referente. Por meio, dos dados analisados e sem minimizar a importância das posições apropriadas dos pés, os quais estabelecem a base de suporte. É preciso dizer que a posição da pelve do indivíduo é a chave para o alinhamento postural. O bom alinhamento da pelve, tanto ântero-posterior quanto látero-medial são de importância vital na manutenção de um bom alinhamento geral. Contudo, sabe-se que o desequilíbrio entre os músculos que se opõem, entre si, na posição em pé, muda o alinhamento da pelve e afeta IX Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e V Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1464 adversamente a postura ereta das partes do corpo do membro superior e inferior. Na Figura 3, o indivíduo encontra-se na posição sentada, sob um aspecto desfavorável na distribuição da força de reação presente, do corpo em relação ao solo e ao mobiliário. Pode-se ainda, observar a maior atividade dos músculos eretores da espinha para manutenção do equilíbrio do mesmo. A postura assumida pelo indivíduo encontra-se prejudicada pela não utilização do encosto, proporcionando maior tensão dos músculos posteriores da coluna vertebral, maior pressão nos membros inferiores, no segmento da coxa, das articulações do joelho, além da desvantagem do retorno venoso. Esta posição é fisiológica e anatomicamente incorreta, pois a manutenção desta postura por um período longo de tempo trás sobrecargas aos ossos da pelve, provocando problemas posturais e exigindo muito trabalho estático da musculatura [3]. Na inclinação anterior da pelve, mais de 25% do peso do corpo é transmitido para o chão por meio dos pés [8]. Na Figura 4, o indivíduo encontra-se na posição sentada, de maneira desleixada, apresentando uma inclinação posterior da pelve, ou seja, uma retroversão, induzido pelo próprio projeto da cadeira. Os membros inferiores encontram-se em leve abdução e rotação externa de quadril, extensão dos joelhos, flexão plantar e inversão dos pés. O encosto do mobiliário induz os segmentos corporais do indivíduo a assumir posições que acabam sendo, mais prejudiciais, do que na ausência do mesmo. Segundo [9] esta é uma posição com apóio ísquio-sacral, a pelve encontrase em retroversão, a cifose torácica aumentada e a cabeça anteriorizada. A postura agora assumida pelo indivíduo está comprometida não só pela má manutenção do equilíbrio do mesmo, como pela má adaptação do indivíduo ao mobiliário, visto que nesta posição, o transtorno osteoneuromuscular é maior. Caso o indivíduo estivesse sentado na posição ideal, com suporte, ou um encosto de cadeira levemente inclinado para trás, a carga sobre as vértebras lombares seria menor. Tanto a pressão intradiscal quanto a atividade muscular no tronco estariam diminuídas. Em relação ao inventário de dor de McGill foi possível mensurar as diferentes qualidades de dor: a sensorial indicou as propriedades de tempo, espaço, pressão e temperatura; o afetivo descreveu tensão, medo e expressões neurovegetativas que compõem a experiência dolorosa; e a avaliativa que foi a avaliação global da experiência dolorosa. Segundo [7] cada subgrupo é composto por um grupo de palavras qualitativamente similares, mas com nuances que as tornam diferentes em termos de intensidade. A partir dos descritos escolhidos pelo doente podese chegar aos índices qualitativos da dor. Pelo inventário de dor de Wisconsin foi detectada a área de dor mais intensa do voluntário, que foi empregada na região lombar cuja intensidade interferia mais na sua habilidade de trabalho. Conclusão A partir das avaliações das posturas observadas e registradas. Conclui-se que o mobiliário adotado pela instituição, não satisfaz a necessidade do voluntário, em termos de conforto biomecânico. O que foi verificado, também, para os demais voluntários avaliados. Observou-se que as posturas assumidas na posição sentada, mesmo que inadequadas, não foram mantidas pelo voluntário por longo período de tempo. O indivíduo deslocava-se de sua posição anterior para outra posição, buscando uma melhor postura, tentando equilibrar o corpo, relaxar músculos e articulações que estavam sob esforços na postura anterior. A má postura da coluna vertebral e dos membros inferiores do indivíduo, revela a necessidade de conceber um encosto adequado que proporcione uma melhor distribuição do peso corporal. Um suporte apropriado ajudaria na redução do stress da coluna vertebral e melhor posicionamento dos membros inferiores. Embora existam, no Brasil, as Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde no Trabalho. As dimensões dos mobiliários escolares, de acordo com características antropométricas, não são cumpridas e os alunos continuam, sendo, expostos aos ambientes escolares inadequados. 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