DONA HELENA Dona Helena era bastante conhecida pelo Judiciário da pequena cidade do Oeste do Paraná. Há anos buscava a solução para o seu problema. Ao saber pelo rádio da chegada de um jovem Promotor, ela foi logo ao Fórum conversar com o antigo escrivão. Ele já conhecia o seu processo. Mas, assim que ela começou a falar, foi, imediatamente, interrompida pelo serventuário: - Dona Helena, já sei de tudo isso! Não adianta repetir! Seu caso já foi decidido, não pode mudar mais; fez coisa julgada! Sem entender direito essas palavras, a pensativa Senhora respirou fundo e resolveu procurar o Promotor recém-chegado. Naquele dia, como de costume, várias pessoas se acumulavam na apertada antessala da Promotoria e esperavam para serem atendidas pelo Ministério Público. Antes de chegar a vez de Helena, o escrivão entrou no gabinete do Promotor e lhe advertiu: - Doutor, tem uma Senhora aí fora que quer falar com o Senhor. Vou já avisando que ela é maluca, não bate bem das ideias, é doida de pedra... O Promotor, sem entender direito o que se passava, interrompeu o escrivão e perguntou: - O que ela quer? - Quer se casar! – respondeu o serventuário da justiça. - Como assim? – retrucou o Promotor. O experiente escrivão, rapidamente, abriu os autos de habilitação de casamento que trazia consigo e mostrou-lhe a sentença de indeferimento do pedido. Helena havia sido considerada civilmente incapaz. A decisão do juiz se baseava, em uma declaração, escrita a mão, quase indecifrável (porque o médico devia ter faltado às aulas de caligrafia), que dizia ser ela portadora de doença mental leve. O diligente Promotor pediu para que o escrivão deixasse os autos sobre a mesa e, despedindo-se dele, fez a Senhora entrar. Dona Helena usava um vestido florido, fora de moda, suava muito e, sem nenhuma formalidade, foi logo contando a sua história. Não havia nenhuma precisão lógica na sua narrativa. Não se sabia bem onde aquilo iria chegar. Mas, com um pouco de boa vontade, foi possível deduzir que nunca ninguém parou para lhe dar a devida atenção e que seu maior desejo era se casar com João, amor da sua vida. Enquanto a mulher, ofegante, falava sem parar, o Promotor, observou que ela usava na mão esquerda uma aliança. Na primeira pausa possível, o Promotor lhe disse que iria estudar o processo e que ela deveria voltar, ao seu gabinete, na próxima semana. Naquela tarde, preocupado em ajudar a pobre Senhora, resolveu compreender melhor a situação e solicitou a realização de um estudo social na casa de Dona Helena. Passados alguns dias, chegou na Promotoria um laudo datilografado. Nele a assistente social dizia que o casal vivia junto há quase dez anos. João trabalhava no Posto de Saúde e ganhava salário mínimo. Ela era dona de casa. Limpava, lavava, cozinhava e ajudava a cuidar dos três filhos menores do companheiro. João ficara viúvo um ano antes de conhecê-la. Em razão da sua doença, ela recebia benefício assistencial, mas a renda do casal mal dava para suprir as despesas domésticas. João se dizia feliz ao lado de Helena, auxiliava no seu tratamento e, apesar dos problemas de saúde da mulher, desejava casar-se com ela. Sem perder mais tempo, o Promotor debruçou-se sobre o computador e, convicto da injustiça, foi logo pedindo a modificação da sentença. Com os autos debaixo do braço, adentrou no gabinete da juíza que, sensibilizada com a história, avocou o processo e, imediatamente, decidiu: - A coisa julgada não poderia sobrepor-se ao amor que Helena e João sentiam um pelo outro, nem poderia ser capaz de impedir a felicidade do casal. Não se teve mais notícia de Dona Helena. Ela nunca mais foi vista naquele Fórum. A certidão de casamento havia sido juntada aos autos. A coisa julgada cedeu à realização do sonho da humilde Senhora.