JORNAL DA
associação
médica
Página 10 • Agosto/Setembro 2006
ESPE
Falta de especialistas e de condi
Fotos: Alessandro Carvalho
O Ministério da Saúde criou, em 1994, o
Programa Saúde da Família (PSF), com o objetivo de reorganizar a Política de Atenção Básica no Brasil e prestar acompanhamento dos
agravos à saúde dos indivíduos e famílias em
uma comunidade. Embora bem intencionado,
o programa divide opiniões. As três esferas do
governo defendem o atual modelo do PSF,
que conta com médicos generalistas e com o
projeto de integrar médicos da família e comunidade. Já a classe médica luta pela inclusão de especialistas nas equipes de atenção
básica, pelo fim da violência, por melhoria da
estrutura das unidades de saúde, por vínculo
empregatício, entre outras demandas.
Segundo o Ministério da Saúde, a atenção
básica é realizada nas unidades de saúde dos
municípios ou em domicílios visitados pelas
Equipes de Saúde da Família, que devem contar com médicos, enfermeiros, auxiliares de
enfermagem, agentes comunitários de saúde,
dentistas e auxiliares de consultório dentário.
Na prática, nem sempre as equipes são completas. A gerente de Atenção Básica à Saúde
da Secretaria de Estado da Saúde, Maria Rizoneide Negreiros de Araújo, admite que a
equipe padrão do PSF em Minas não possui
dentistas, nem auxiliares de consultório. De
acordo com a enfermeira, cada equipe atende
até quatro mil pessoas no Estado e tem por
objetivo realizar não apenas o tratamento de
doentes, mas a promoção da saúde.
O atendimento e as atividades de prevenção, no entanto, não são feitas em sua plenitude. Apesar da enorme expansão do PSF nos
últimos anos (em 1994, eram 300 equipes;
agora, são 26.000), apenas 43,6% da população brasileira são beneficiados pelo programa, segundo o Ministério da Saúde. Em
Minas Gerais, o índice sobe para 58% e, em
Belo Horizonte, a cobertura do PSF atinge
75,8% dos moradores (veja quadro). Para o secretário geral da Associação Mineira de Medicina da Família e Comunidade, Hércules de Pinho, houve um crescimento desordenado. “O
PSF está hipertrofiado. Os parâmetros estabelecidos inicialmente foram atropelados. O
agente de saúde, de líder comunitário, transfigurou-se em reles empregado. O foco foi des-
Organização Mundial de Saúde preconiza a
relação de 1 médico por 1.000 habitantes, Minas possui 1 por 613 e Belo Horizonte, 1 por
186! A concentração de profissionais nos centros urbanos fica ainda mais patente, quando
se leva em conta que 236 dos 853 municípios
mineiros (27,6%) não possuem médicos entre
seus moradores, segundo o Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais.
Considerando que existem 806 municípios atendidos pelo PSF em Minas, como
afirma a Secretaria de Estado da Saúde, podese deduzir que pelo menos 20% das equipes
contam com médicos que trabalham fora da
cidade onde residem. Num programa que se
propõe a criar vínculos de co-responsabilidade com a população, para facilitar a identificação e o acompanhamento, esse pode ser
um fator complicador.
Relações de trabalho precárias
A maioria dos médicos do PSF não tem
assegurados direitos trabalhistas mínimos,
denuncia a secretária geral do Sindicato dos
Médicos de Minas Gerais, Amélia Pessôa
locado da família para o indivíduo. Existe hoje
um emaranhado de ações individuais e coletivas, que muitas vezes sobrecarregam e descaracterizam o programa”, critica.
Infra-estrutura precária das unidades de
saúde é outro problema. Não são raros os relatos de profissionais que encontram dificuldades para realizar exames simples, como o de
glicemia, especialmente nas pequenas cidades
do interior. Segundo a Secretaria de Estado da
Saúde, os profissionais do PSF são contratados
para trabalhar 40 horas semanais. Mesmo prolongando a jornada, muitos médicos não conseguem atender à demanda e formam-se enormes filas em frente aos postos de saúde.
A origem do problema, no entanto, não é
a escassez de médicos. Dados do Conselho
Federal de Medicina revelam que Minas Gerais abriga 10% dos médicos na ativa do País.
São 31.371 profissionais, dos quais 12.788
(40,7%) vivem em Belo Horizonte. Enquanto a
A alta rotatividade dos médicos no PSF, resultado da falta de vínculo empregatício, dificulta ainda mais a criação de elo entre os profissionais e a comunidade. Grande parte dos
médicos, principalmente no interior do Estado, trabalha com contratos temporários,
atesta a secretária geral do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais, Amélia Pessôa. Segundo ela, existem até mesmo casos em que
os contratos são apenas verbais, deixando os
médicos sem qualquer garantia. Ela destaca
que, mesmo com um contrato formal, a classe
médica se depara com situações em que não
tem assegurados direitos trabalhistas mínimos,
como férias, décimo terceiro salário, licença
remunerada, aposentadoria, entre outros benefícios. “As relações de trabalho são precárias. Não existe carreira específica”, denuncia.
Outro motivo de afastamento dos médicos
do PSF é a violência. Em 2004, pesquisa do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais
apontou que, dos 131 postos de saúde de Belo
Horizonte, 38% já registraram algum tipo agressão contra médicos e funcionários. Dos entrevistados, 24% afirmaram que a falta de recursos é o
principal motivo da violência.
PSF EM NÚMEROS
Implantação do PSF
Brasil
Equipes de Saúde
da Família
Municípios com Equipes
de Saúde da Família
26.000
4.986
3.309
806
506
_
(até o 1° semestre de 2006)
Minas Gerais
78,6 milhões de pessoas
Investimento
R$ 2.679,27 milhões
(44,4% da população)
(até o 1° semestre de 2006)
Belo Horizonte
Cobertura
11,178 milhões de pessoas
O valor do repasse de verbas para o Estado
(58% da população)
depende do n° de ESF em cada região.
1,8 milhão de pessoas
Não informado.
(75,8% da população)
Fontes: Ministério da Saúde, Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais e Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte.
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