- Dispensa de Segredo Profissional nº 47/2009
1. Requerimento
A Exma. Sra. Dra. (…), Advogada alemã, detentora de certidão probatória com o nº (…),
com domicílio profissional na (…), veio pedir dispensa do dever de guardar segredo
profissional, com vista a, segundo refere, “depor como testemunha da Autora no processo
n.º (…), acção declarativa ordinária que corre termos no (…).º Juízo Cível do Tribunal
Judicial (…)”, acrescentando que se trata de “uma acção em que a Autora pede a
condenação dos Réus no pagamento de uma indemnização resultante de responsabilidade
pré-contratual”.
Refere a Requerente que “torna-se imprescindível que a Autora faça prova de determinados
factos, designadamente de que se manteve uma relação tendente à celebração do contrato
quase até ao final do ano de 2005”.
Do alegado decorre que a Requerente patrocinou a autora da acção numa negociação
tendente à venda de um imóvel àqueles que são réus na acção, tendo enviado e recebido
correspondência relativa a tal negociação.
A Requerente anexou cópia da petição inicial e respectivos documentos, da contestação, do
requerimento de intervenção provocada e do despacho saneador.
Relativamente à petição inicial, verifica-se que foi feito o protesto de junção de três
documentos (com os números 9, 11 e 12), logo que obtida a competente autorização da
Ordem dos Advogados.
Essa autorização foi pedida pela aqui Requerente, no âmbito do processo nº (…) deste
Conselho Distrital, tendo sido autorizada apenas a junção do documento nº 9, sendo de
referir que esses três documentos foram subscritos pela aqui Requerente.
Acrescenta a Requerente, se bem que em termos meramente conclusivos, que é essencial
para a defesa dos direitos e interesses da sua cliente (a referida autora) “a prova da
manutenção dessa relação pré-contratual com vista à efectiva celebração do negócio depois
de Julho de 2005”, aduzindo ainda que tal prova não resulta dos documentos juntos, nem
poderá ser feita “pelas demais testemunhas arroladas” (que indica).
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Mais diz a Requerente que, para além das partes e da advogada do ex-marido (da
autora??), apenas ela acompanhou essas relações pré-contratuais até ao fim, participando
em reuniões e visitas, tendo representado a sua cliente em todos os contactos que se
efectuaram.
2. Enquadramento
O dever de guardar segredo profissional corresponde a um princípio basilar do exercício da
advocacia.
O segredo profissional está previsto no art. 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados
(EOA), estabelecendo-se que o Advogado é obrigado a guardar segredo relativamente aos
factos cujo conhecimento lhe tenha advindo do exercício das suas funções ou da prestação
dos seus serviços.
O segredo profissional abrange ainda documentos que se relacionem com a matéria sujeita
a sigilo (art. 87º.3 do EOA).
Neste domínio, a regra é, pois, o dever de guardar segredo profissional.
Verificados, todavia, certos pressupostos, mas sempre a título excepcional, admite-se seja
concedida dispensa daquele dever.
Como é evidente, a concessão da dispensa supõe que exista mesmo o dever de guardar
segredo, isto é, só faz sentido dispensar do dever caso se trate de matéria coberta pelo
regime do segredo profissional.
3. Apreciação
No caso vertente, face ao relato da Requerente e face ao que resulta das peças processuais
e dos documentos anexos à petição inicial, não restarão dúvidas de que o conhecimento que
a Requerente terá da matéria em discussão nos autos acima identificados provém do seu
exercício profissional da advocacia.
Como tal, trata-se de matéria coberta pelo regime da obrigação de guardar segredo
profissional (art. 87º do EOA).
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Nessa conformidade, para ser deferido o pedido, há que verificar se ocorrem as
circunstâncias indicadas no nº 4 do art. 87º do EOA.
Nos termos deste preceito, a dispensa do dever de guardar segredo pode ter como
beneficiário o próprio advogado ou o seu cliente, na perspectiva da defesa da dignidade,
direitos e interesses legítimos de um ou de outro.
No caso em apreço, não há dúvida de que o objectivo da Requerente, ao depor no dito
processo, será a defesa dos direitos e interesses da sua cliente, autora na acção.
Não deixa de registar-se que a Requerente se refere àquela autora como sua cliente, isto é,
no presente e não no pretérito, podendo deduzir-se que a autora continua sendo sua
cliente.
Essa dedução é reforçada pelo facto de a autora (cliente da Requerente) ser patrocinada
pela Exma. Advogada (…), que tem o mesmo domicílio profissional que a Requerente.
Tal circunstancialismo também permite deduzir que, em condições normais, quem
subscreveria a petição inicial seria a aqui Requerente, o que só não terá acontecido já com
o propósito de a Requerente ficar disponível para, mais tarde, vir a ser, como foi, arrolada
como testemunha.
Como se sabe, por definição, o papel dos Advogados é o de patrocinaram causas e não o de
serem testemunhas em juízo.
De resto, o regime do segredo profissional supõe sobremaneira que a condição do Advogado
não é o de ser testemunha acerca de matérias de que tem conhecimento apenas por força
da sua profissão.
Isto posto,
Dado que, por princípio e por regra, o segredo deve ser preservado, o seu levantamento
exige a conclusão de que a dispensa de guardar segredo é inequivocamente necessária, o
que implica um juízo de essencialidade, imprescindibilidade e exclusividade acerca do
depoimento tendente à revelação de matéria sujeito a sigilo.
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Com efeito, para ser concedida tal dispensa, é preciso que haja elementos susceptíveis de
preencher a previsão do nº 4 do art. 87º do EOA, em articulação com o prescrito nos nºs. 2
e 3 do art. 4º do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional [Regulamento nº
94/2006 OA (2ª Série), de 25/05/2006].
Acresce que, nos termos do dito nº 4 do art. 87º do EOA, o levantamento do segredo
apenas se justificará com vista à defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do
próprio Advogado ou do cliente.
Já vimos que, no caso vertente, a beneficiária do pretendido depoimento da Requerente
seria a sua cliente e autora na acção.
A questão está, pois, em saber se ocorrem motivos que justifiquem o levantamento do
sigilo profissional.
Analisado o pedido do Requerente e a documentação anexa, não se vislumbram com clareza
motivos que justifiquem o levantamento do segredo profissional.
Por um lado, embora venham indicados os nomes de quem terá sido indicado como
testemunha, foi omitida a junção do requerimento probatório, junção que se impunha face
ao citado Regulamento.
Por outro lado, a questão não está tanto em saber se as testemunhas arroladas podem ou
não contribuir para a prova de certa factualidade da causa (factualidade para cuja prova o
depoimento da Requerente supostamente contribuiria), outrossim em saber se, com
exclusão do depoimento da Requerente, essa prova poderia ou não fazer-se por outro meio.
Como se vê, a Requerente nada alega neste contexto, que é aquele que, efectivamente,
releva.
Em rigor, a Requerente nem sequer esclarece, por referência à base instrutória, a matéria
sobre que pretende depor, quando é certo que o deveria ter feito, como condição da
adequada apreciação do pedido.
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Seja como for, e ao contrário do que a Requerente afirma, a autora não tem propriamente
de provar (directamente) que as negociações se prolongaram quase até ao final de 2005,
pois isso não integra a factualidade constitutiva do direito alegado em juízo.
Basta atentar na base instrutória e confrontá-la com a petição inicial e a contestação para
ver que aquilo que “preocupa” a Requerente tem expressão no quesito 21, sendo matéria
alegada pelos réus, cuja prova (positiva) lhes incumbe.
Por isso, à falta de outras razões cuja invocação cabia à Requerente, não há motivos que o
seu depoimento se repute como “inequivocamente necessário”, já que não há indícios
firmes no sentido de que o pretendido depoimento do Requerente apresenta as
características de essencial, imprescindível e exclusivo para a defesa dos interesses da
autora da acção.
Assim sendo, não havendo razões para a afastar, deve cumprir-se a regra do dever de
guardar sigilo profissional.
4. Decisão
Por não se verificarem os respectivos pressupostos, indefere-se o pedido e não
autoriza a Sra. Dra. (…) a depor como testemunha da autora no processo que, sob
o n.º (…), corre termos no (…)º Juízo Cível do Tribunal Judicial (…).
Notifique.
Porto, 14 de Outubro de 2009
O Vogal no uso do poder delegado que lhe foi conferido pelo Exmo. Presidente do Conselho
Distrital do Porto.
Paulo Pimenta
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Sigilo Profissional n.º 47/SP/2009-P