Competência leitora:
trocando em miúdos
O ato de ler envolve mais do que decodificar o texto; é
preciso haver conhecimento prévio, de objetivos e da
motivação para a leitura
Por Alberto Pugina
Publicado em 14/05/2015
Pensando na competência de leitura, a seguinte frase me vem à
mente: Entendi, mas não compreendi. Lembro-me de tê-la ouvido várias vezes
e até de ter feito uso dela. A frase revela-se contraditória, pois a segunda
oração parece negar exatamente o significado da anterior. Apesar disso, ela é
utilizada com certa frequência pelas pessoas.
Fico imaginando qual seria o sentido real dessa frase e por que a utilizamos a
despeito de sua contradição. Para tentar responder a essas perguntas, proponho
uma simples interpretação da frase citada.
A palavra entendi, na primeira oração da frase, remete a níveis fundamentais
de leitura, que são: a) perceber visualmente o texto; b) buscar na memória o
conhecimento da língua em que ele está escrito; e c) decodificar seus signos
linguísticos. Já a expressão não compreendi, na segunda oração, não nega em
absoluto a afirmação anterior, porém, revela que não foi possível avançar para
além desses níveis.
Conclui-se, então, que a compreensão permaneceu no nível do entendimento
do código, o que na prática é insatisfatório para atribuir sentido ao texto.
Baseados nessa interpretação, podemos deduzir que o uso de tal frase
provavelmente ocorra como uma explicação de quem não conseguiu atribuir
significado ao texto que leu.
Contato visual
O ato de ler é constituído de níveis. Um dos níveis fundamentais do ato de ler
é o contato visual com o texto — ou seja, a informação visual (IV) —,
porém, só isso é insuficiente para a leitura. Imaginemos um leitor diante de
um texto escrito em francês. Ele estabelece um contato visual com o texto,
entretanto, se não possuir o conhecimento da língua francesa, será impossível
fazer a leitura.
Conhecimento da língua
Após o contato visual com o texto, o leitor precisa buscar na mente o
conhecimento da língua em que o texto está escrito. Se ele possuir tal
conhecimento, bastará utilizá-lo para avançar ao outro nível de leitura, que é
decodificar o texto. O conhecimento da língua, que está na memória do leitor,
faz parte do conhecimento prévio ou informação não visual (InV)
Compreensão
Quem pronuncia aquela frase inicial revela apenas que decodificou o texto.
Provavelmente não houve compreensão porque faltaram ao leitor outros
conhecimentos também imprescindíveis à leitura, além do conhecimento da
língua. Estes são as informações não visuais (InV), como o conhecimento
prévio sobre o assunto de que trata o texto.
Conclusão
Diante dessas reflexões, podemos vislumbrar de que maneira a leitura ocorre:
de um lado, temos a informação visual (IV), nesse caso o próprio texto, e do
outro, a informação não visual (InV), que está no leitor. Ambas (IV e InV)
interagem na leitura.
Leitura é fruto de uma força-tarefa do texto e do leitor. Em outras palavras, de
um lado temos o texto que, por sua vez, deve possuir uma estrutura lógica,
uma coerência no conteúdo e certa organização que facilite a construção do
significado, e, do outro lado, temos o leitor, que é corresponsável pela
atribuição de sentido textual, munido de estratégias adequadas de leitura e
principalmente de InV ou conhecimento prévio, de objetivos e da motivação
para essa leitura.
Em virtude dessa força-tarefa do texto e do leitor, reforça-se a ideia de que
leitura é mesmo um processo interativo por meio do qual se estabelecem o
entendimento e a compreensão da linguagem escrita.
Portanto, a leitura competente (ou competência leitora) é um processo mais
amplo que abarca em si outros processos, entre eles, o processo de
compreensão. Assim como diz o linguista José Luiz Fiorin, compreender,
nesse caso, significa “perceber, entender, apreender o sentido de, dar a alguma
coisa um sentido claro, interpretar”. É preciso abandonar aquela noção de
compreensão como apenas decodificação.
Para saber mais:
FULGÊNCIO, Lúcia; LIBERATO, Yara. Como facilitar a leitura. São
Paulo: Contexto, 2003. R$ 21
SMITH, Frank. Compreendendo a leitura: uma análise psicolinguística da
leitura e do aprender a ler. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003. A partir de
R$ 63,90
SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. A
partir de R$ 44,90
Fonte: http://jimbozine.com.br/papo-cabeca/competencia-leitora-trocando-em-miudos/59
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