Unidade Curricular: HISTÓRIA DA CULTURA PORTUGUESA
Ano: 1º / Semestre: 1º
Horas de contacto: 45
Créditos: 5
Horas de trabalho individual:
Total de horas: 140
Docente: José Luís Braga
05-11-2015
História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
1
Programa Sucinto (1)
1.
Fundamentos da cultura portuguesa – a visão etnológica
de Jorge Dias.
2.
A cultura e a arte portuguesa a partir de uma perspectiva
histórica:
i.
Dos primórdios da nacionalidade ao final do
século XV (instituições escolares; arte românica
e gótica; o lirismo galego-português);
ii.
A cultura e a arte no séc. XVI (o renascimento e o
humanismo em Portugal);
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Programa Sucinto (2)
i.
A época barroca (literatura, música, arte,
ensino);
ii. A cultura das luzes; o neoclassicismo na arte;
iii. O séc. XIX: movimento romântico, as
transformações artísticas, a reforma do ensino;
iv. A cultura no século XX (1ª República, Estado
Novo, o período democrático)
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Módulo 2
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
SERRÃO, Joel e MARQUES A. H. (dir.) – Nova
História de Portugal, Vol. III e IV, Lisboa: Editorial
Presença, 1987- 1996.
MATTOSO, José – O essencial sobre a Cultura
Portuguesa (Séculos XI a XIV), Lisboa: IN-CM, 1993.
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Módulo 2 – parte 1
ENDEREÇOS NA INTERNET
www: <URL: http://www.infopedia.pt>
www: <URL: http://pt.wikipedia.org>
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (1)
• O que aqui ficará referido relativamente à cultura medieval
só é válido para um «grupo minoritário privilegiado.»
[Mattoso]
• Os conceitos de espírito medieval ou de Cristandade
encontram substrato em documentos, textos e elementos
produzidos por uma minoria, pertencente ao clero.
• Os representantes mais destacados daquela ordem,
principalmente nos sécs. XIII viajavam amiúde e utilizavam
a mesma língua em diferentes nações - o latim.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (2)
• E baseavam-se nos mesmos textos: a Bíblia, as obras
de Santo Agostinho (354-430) e de S. Gregório Magno
(c. 540-604), posteriormente os compêndios da
escolástica, Aristóteles, as compilações canónicas, bem
como o Decretum de Graciano e o Código Justiniano.
• A despeito desta aparente homogeneidade, existe uma
enorme disparidade entre o que se passa na Catalunha
e na Galiza, no Lácio (região de Itália) e na Borgonha
(região de França), no País de Gales e na Normandia
(região de França).
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (3)
• Contudo, estes documentos e testemunhos emanados
pelos clérigos não poderão caracterizar as crenças e
a mentalidade dos cavaleiros e dos camponeses
dessas regiões. A visão do mundo de uns e outros
difere em matérias fundamentais.
• Por outro lado, ao longo do intervalo de mil anos que
separa o séc. VI do séc. XV, a cultura durante a Idade
Média sofre amplas e profundas modificações, pelo
que se torna complexo estabelecer definições que
sejam aplicáveis a este período extenso.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (4)
• Conceitos difusos como «pensamento simbólico, crença
generalizada na intervenção do sobrenatural no mundo físico
e humano, respeito habitual pelas ordens e hierarquias
estabelecidas», são insuficientes para definir a visão do
mundo que percorre toda a Idade Média. [Mattoso]
• Esta definição não será ajustável a toda a Europa
Ocidental e à globalidade dos estratos sociais.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (5)
• O mesmo é válido para o território português. O
nosso país, apesar da sua exiguidade, também é
profundamente diverso a nível geográfico, estratificado
socialmente e tão atreito a mutações através dos
tempos como qualquer outra região europeia.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (6)
• De facto, a geografia portuguesa determina, à
partida, distinções da maior relevância.
• Distinguem-se duas grandes regiões: o Sul
mediterrânico e o Norte. Este divide-se em duas
zonas, a atlântica e a interior.
• Este contraste também é evidente no âmbito da
cultura.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (7)
• «De facto, é quase um lugar-comum dizer-se que o Norte
de Portugal é a área por excelência da cultura cristã,
clerical, guerreira e rural; o Sul, da cultura árabe ou
moçárabe (i.e. cristãos da península submetidos aos
muçulmanos antes da Reconquista) e urbana.» [Mattoso]
• Estes sistemas isolados fizeram parte de um processo de
aculturação, no qual se confrontaram e influenciaram
mutuamente. Este fenómeno contribuiu para que certos
elementos fossem obliterados e outros conservados,
reflectindo-se ou não na estrutura social.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (8)
• No Norte existem diferenças de vulto entre o litoral e
o interior, sendo a primeira zona mais civilizada do
que a segunda.
• O Norte atlântico é habitado por comunidades que
beneficiam de vias de comunicação terrestres e
marítimas que atraem o êxodo de povos oriundos das
mais diversas proveniências.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (9)
• No interior encontramos comunidades em isolamento
voltadas sobre si mesmas, conservadoras, frustes,
que tiram o seu sustento da pastorícia e da guerra,
que fornecem constantemente contingentes humanos
às primeiras, mas recebem pouca gente externa a si.
• «Por isso, preservam numerosos vestígios de
arcaísmos culturais e sociais.» [Mattoso]. Ainda que
coetâneas, as comunidades do interior vivenciavam
estados mais primitivos de desenvolvimento do
que as suas congéneres do litoral.
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Mapas (actuais) de Portugal
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (10)
• Contudo, segundo José Mattoso, elas podem ser
tomadas em conjunto, uma vez que lhes é comum um
elemento da maior relevância: o carácter rural do
seu modo de vida.
• Mesmo os centros mais evoluídos do litoral norte
fundamentam a sua visão do mundo «numa profunda
dependência da natureza, a que a sua inserção no
meio campesino os convida.» [Mattoso]
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (11)
• Ao invés, no Centro e no Sul do País as diferenças
entre a cidade e o campo encontram-se bem
vincadas. Contudo, no Sul, as diferenças entre litoral e
interior são mais ténues que no norte pela ausência
de regiões montanhosas.
• As planícies desta parte do país são muito mais
permeáveis à influência das cidades. A cultura rural
é assaz frágil e acessória da urbana, o que faz com
que quase possa ser considerada como inexistente.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (12)
• No campo, pouco povoado, habita somente um
campesinato em estrita dependência dos
possuidores de poder económico, bélico e político,
que vivem sempre na cidade.
• Ainda de acordo com Mattoso: «o que caracteriza o
Sul, no seu conjunto, é precisamente o carácter
urbano da sua cultura.»
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (13)
• É a cadeia montanhosa central (Montejunto-Estrela) que
aparta estas duas grandes zonas culturais do País. Portanto
pertence ao Sul o amplo vale do Tejo, com os seus
afluentes da margem direita (com planícies e planaltos).
• A zona montanhosa, com altitudes médias em torno dos
400 metros, está localizada a norte desta barreira que
constitui a já referida cordilheira central.
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Sistema Sintra-Montejunto-Estrela
Fonte: meteo-pt
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (14)
• No Norte, os centros mais activos culturalmente são
os mosteiros e os palácios da nobreza local.
• Os mosteiros dão seguimento à tradição legada na
era visigótica.
• Ou seja: «com instituições religiosas austeras, em que
tomam relevo as práticas penitenciais, e uma nítida
preferência por temas e processos simbólicos, pela
meditação sobre o sobrenatural, o maravilhoso e a
escatologia.» [Mattoso]
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (15)
• Estas tendências contrastam com a tradição
monástica hispano-romana, cujo mais ínclito
representante é Santo Isidoro de Sevilha (c. 570-636)
e que será prosseguida pelos monges de cultura
moçárabe depois das invasões muçulmanas.
• Estes preferem instituições religiosas mais
flexíveis. Ainda que denotem interesse por toda a
sorte de interpretações simbólicas, elegem as de
conteúdo moral.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (16)
• Acresce que cultivam a retórica, a gramática e os
conhecimentos técnicos (e. g. geografia, a
astronomia, a agrimensura, a medicina).
• Esta oposição verificou-se sobretudo em épocas mais
remotas e não exclui o contacto entre as duas
comunidades.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (17)
• De facto, muitos moçárabes emigraram para o Norte
durante as perseguições muçulmanas do séc. X , no
derradeiro período califal, e estabeleceram-se nos
mosteiros daquela região que se encontrava sob a égide
cristã ou acabaram por fundar aí as suas comunidades.
• Posteriormente, «outros se lhes seguiram, em vagas
sucessivas, na época das perseguições almorávidas e
almóadas dos sécs. XI e XII.» [Mattoso]
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (18)
• Na segunda metade do séc. XI, mormente no seu último
quartel (25 anos), os centros de cultura religiosa
deparam-se amiúde com uma nova corrente oriunda de
além-Pirinéus e difundida no nosso território
principalmente por monges francos.
• Entre eles avultam os monges de Cluny (villa no
condado de Mâcon, no actual departamento de Saône-etLoire), «cuja prática litúrgica extremamente aperfeiçoada
e esplendorosa os fazia considerar como mediadores
privilegiados do mundo sobrenatural.» [Mattoso]
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (19)
• Estes monges serão bem sucedidos já que
beneficiam do apoio que lhes concede a alta
nobreza e o rei de Leão, Afonso VI (1065-1109). O
monarca outorga-lhes chorudas somas e mosteiros
para serem reformados.
• Os nobres colocam-nos nas comunidades que se
encontram a si adstritas. Os bispos, por seu turno,
convidam-nos para as suas dioceses.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (20)
• Perfilhar a exuberante e esplendorosa liturgia
cluniacense, bem como as suas práticas disciplinares
passa a granjear prestígio aos nobres junto da corte
leonesa.
• Os mosteiros das comunidades rurais e da
aristocracia inferior não conseguem emular
semelhante liturgia.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (21)
• Concomitantemente, a pujante reforma gregoriana,
dirigida pelo papado, irá estabelecer os fundamentos
para uma maior ingerência de Roma em toda a
Cristandade.
• Os seus legados na Hispânia, secundados pelos
monges cluniacenses convencem Afonso VI (rei de
Leão e Castela) a abdicar da liturgia (i.e. serviço de
culto) hispânica ou moçárabe em favor da romana.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (22)
• Os defensores do movimento gregoriano difundem
(como vimos em História Geral da Civilização)
igualmente novas concepções:
• «acerca das relações entre o clero e o laicado (i.e.
que não diz respeito à carreira eclesiástica), o
casamento dos leigos, a organização eclesiástica, as
exigências morais do comportamento clerical. »
[Mattoso]
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (23)
• Esta alterações na liturgia, instituídas pelo Concílio de
Burgos (1080) não se deverão ter processado sem
resistências. Estas transformações decerto abalaram
os hábitos ancestrais da maioria da população, bem
como do clero inferior.
• A questão da adopção da liturgia romana e da
renúncia à liturgia hispânica vem, no entender de José
Mattoso, reacender a oposição Norte-Sul, a que
antes aduzimos.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (24)
• Por seu turno, a nobreza, ainda que tivesse uma estreita
convivência com os monges – da qual dependiam os
mosteiros, que albergavam membros de famílias da
aristocracia e a elas prestavam os serviços culturais
requeridos – possuíam valores culturais próprios.
• A sua primazia a nível social, assente sobretudo no
parentesco e nas actividades militares, determina as
linhas mestras da sua demanda cultural.
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Cavaleiro do século XIII
Fonte: wikipédia
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (25)
• A estrutura de parentesco e a união familiar presidem à
sua produção cultural «daí, as tradições que tão
vivamente cultivam acerca das vinganças familiares, que as
linhagens conservam na sua memória como identificadoras
da sua coesão e da sua capacidade agressiva.» [Mattoso]
• Ainda que os documentos que se conservam não o
demonstrem cabalmente, é provável, sustenta Mattoso,
que a nobreza cultivasse a memória da sua relação
privilegiada com o rei e da sua ascendência sobre o
campesinato, cuja protecção ela devia assegurar.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (26)
• De facto, a nobreza devia zelar pela manutenção da
paz e da justiça nos seus domínios, o que passava
por garantir o cumprimento das hierarquias
estabelecidas e proceder à redistribuição [generosa]
dos dons (i.e. donativo) em ocasiões festivas.
• Outra incumbência da nobreza era a protecção dos
monges e clérigos.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (27)
• Estes últimos, na sua qualidade de intermediários e
versados nos poderes sagrados, tinham a função de
assegurar indulgência do sobrenatural, que regula o
bom e o mau tempo, a fome e a fecundidade, a
calamidade e a bonança.
• De facto, a sociedade feudal, das 3 ordens (Clero,
Nobreza e Terceiro Estado), é composta por grupos
diferenciados em razão das suas funções.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (28)
• Existem uma tripartição funcional: os oratores, que são
os clérigos e os monges (que oram); os belatores ou
guerreiros e defensores de todo o corpo social; e os
laboratores que garantem não somente a sua subsistência
e vida material como dos demais membros da comunidade.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (29)
• Às manifestações culturais e sociais desta época
subjazem as seguintes questões:
 O empenho exigido aos laboratores para dominar a
natureza;
 A defesa contra as ameaças externas à comunidade, de
que estão encarregues os belatores;
 A intercessão pedida aos oratores junto das forças
ocultas.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (30)
• Também as representações mentais e imaginário
colectivo reflectem estas preocupações. A sua
formulação estava a cargo dos centros religiosos.
• Este sistema de representações mentais «permitia
aos homens conceberem-se a si próprios,
individualmente, e sobretudo, em grupo, e
conceberem o mundo exterior no seu duplo aspecto
visível e invisível.» [Mattoso]
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (31)
• Este sistema de representações mentais continha
directrizes que permitiam esconjurar as forças
ocultas que habitavam o mundo visível.
• Segundo Mattoso, é possível que no Norte do
território que viria a ser Portugal – pesa embora a
diferença entre os temas preferidos pelos monges e
os eleitos pelos nobres – se assistisse a uma relativa
identidade das representações mentais.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (32)
• Contudo, a partir do séc. XI, com a introdução da
cultura monástica e clerical oriunda de alémPirinéus, esta situação sofreu uma transformação.
• Esta modificações baseavam-se numa tendência
para purificar a vida religiosa, solenizar a liturgia e
adoptar novos modelos gramaticais.
• Na realidade, os monges de Cluny figuravam como
intermediários privilegiados do mundo angélico,
cuja ordenação devia ser emulada pelo mundo
terreno.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (33)
• Daqui decorria um antagonismo entre a vida
religiosa e a vida leiga.
• A reforma gregoriana conduziu a um
recrudescimento destes contrastes:
 Ao exigir a constante vigilância das autoridades
diocesanas sobre o clero paroquial, exigindo que
ele se mantivesse independente dos leigos, para
evitar a simonia (i.e. comércio de bem espiritual);
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (34)
 Reivindicando o celibato sacerdotal, advogando
assim o paradigma da separação integral do clero
relativamente aos leigos.
 Através também da instrução do clero nas letras,
da dignificação do seu comportamento moral, da
abstenção do porte de armas, do uso de vestuário
eclesiástico e tonsura (i.e. corte de cabelo ou
barbas).
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (35)
• A reforma gregoriana contribuiu assim para opor à
religião popular uma religião oficial.
• Posteriormente, ir-se-á generalizar nos meios populares
a crença de que as forças ocultas despoletadas pela
magia tinham origem no Demónio.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (36)
• O que a magia manipulava era o Demónio, com o qual
os seus praticantes faziam um pacto.
• A Igreja antes já havia procurado combater a magia
destinada a manipular as forças sagradas ocultas na
natureza.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (37)
• De facto, o clero rural, eleito pelas comunidades
rurais e que, durante os séculos VI a XI, participava
ele próprio nesses ritos ancestrais, tornou-se
antagonista da religião tradicional.
• A separação entre clero e laicado, ainda de acordo
com Mattoso, fazia parte de uma estratégia que
procurava evidenciar a oposição radical entre o
bem e o mal, entre as virtudes e os vícios.
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45
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (38)
• A Igreja visava assim racionalizar as concepções
relativas à natureza e ao sobrenatural reclamando
para si o monopólio da definição do sobrenatural e da
condução da vida moral.
• Consequentemente, a magia passa a ser perseguida
pelas autoridades religiosas e civis. Quando praticada
ocultamente e em privado, converter-se-á em
bruxaria.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (39)
• Apesar de tudo, a Igreja foi bem sucedida no seu
intento de condicionar as novos conceitos do bem e
do mal, do visível e do invisível, do tempo e da
eternidade.
• «Conseguiu-o, em primeiro lugar, à custa da
personificação antropomórfica (i.e. que tem
semelhança de forma com o homem) do bem e do
mal, atribuindo aquele aos santos e aos anjos e este
aos demónios.» [Mattoso]
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As tentações (demónios) de Santo
Antão
Fonte: wikipédia
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (40)
• Por outro lado, como vimos, a Igreja vai-se escorar nas
hierarquias angélicas para justificar a bondade da
tripartição funcional da sociedade.
• A reforma gregoriana reivindicava um lugar de
primazia para o clero, dentro da relação com as
outras duas ordens.
• Tal anelo implicava a rejeição liminar da dependência
institucional dos monges e dos párocos em relação
aos patronos dos seus mosteiros e igrejas.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (41)
• Acresce que obrigava todos os leigos, sejam eles
nobres ou vilãos (i.e. plebeus) à veneração dos
lugares sacros, à prática frequente dos sacramentos e
a sujeição às regras da moral sexual (perseguição do
incesto, casamento entre parentes próximos).
• A própria monarquia feudal e a nobreza estavam
constrangidos pelo regime de alianças matrimoniais
que a Igreja passou a supervisionar.
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50
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (42)
• Por vezes, os nobres, fazendo uso do seu poder militar,
prevaricavam: afrontando os clérigos, roubando bens
eclesiásticos, ou exigindo prestações dos camponeses
a eles sujeitos, recusando observar as decisões dos
clérigos, designadamente em matéria matrimonial.
• Como consequência, os bispos e abades não tinham
pejo «em usar o seu poder espiritual para invocarem
maldições e castigos eternos, apelando para o medo
colectivo da esterilidade, da doença e da fome.»
[Mattoso]
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51
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (43)
• No imaginário colectivo desta época a maldição e a
bênção têm a maior importância e influem deveras na
vida das populações.
• Esta propensão que, a partir do séc. XI, as três ordens
no Norte do nosso território têm para se
antagonizarem culturalmente será mitigada pelos
cultos populares.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (44)
• As romarias aos santuários e as festas, renovam a
harmonia social e efemeramente ou na aparência operam
um rombo nas fronteiras hierárquicas, nas regras
estabelecidas e «uma certa contestação dos poderes
materiais e espirituais.» [Mattoso]
• Durante as romarias cessa a árdua labuta quotidiana, erigese um reino da abastança pela troca e circulação dos dons
(i.e. dádivas). Acercam-se os guerreiros dos camponeses,
os clérigos dos mercadores, os homens e as mulheres, os
jovens e os velhos, os superiores e os inferiores.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (45)
• Nas festas dos santuários, o duro trabalho volve
préstito triunfal ou animada dança ou cântico festivo.
• «O fascínio provocado por estes encontros e trocas, por
esta autêntica fusão de todos os grupos e categorias,
pela momentânea cessação das proibições e interditos,
pressente-se ainda hoje em muitas cantigas de amigo
dos trovadores galego-portugueses.» [Mattoso]
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (46)
• A vida cultural do Sul do nosso País, revela-se
mais difícil de reconstruir.
• O que se poderia considerar original da sua civilização
e da sua cultura foi substancialmente absorvido
com o estabelecimento de cavaleiros e de clérigos
provenientes do Norte depois da reconquista cristã.
• Esta civilização, como vimos, era essencialmente
urbana.
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55
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (47)
• Nesta latitude, em termos genéricos predomina a
racionalidade sobre o intenso sentimento de
submissão às forças ocultas da natureza.
• «A divisão do trabalho confere uma dignidade maior
aos ofícios manuais e dá mais importância a uma certa
especialização técnica que inclui, por exemplo, o
fabrico de tecidos preciosos, a ourivesaria, o trabalho
do ferro e dos couros ou da cerâmica.» [Mattoso]
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
56
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (48)
• «Mas também as técnicas hortícolas, o
conhecimento de maior número de plantas e das suas
propriedades, os processos de irrigação e até o
cálculo do tempo e a orientação no espaço.»
[Mattoso]
• A título de exemplo, a orientação no Sul era
normalmente feita recorrendo aos pontos cardinais,
enquanto que no Norte os pontos de referência são os
acidentes físicos de paisagem: os montes e rios.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
57
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (49)
• Esta noção mais objectiva da natureza está também
presente na forma como se considera o mar, que não é
tanto um lugar caótico onde habitam monstros ou, para
além do horizonte remoto, um lugar paradisíaco, como
criam os celtas.
• Para os povos do Sul, o mar oferecia recursos piscícolas
infindáveis, e era passível de ser navegado por marinheiros
conhecedores do regime dos ventos e das correntes
marítimas, sendo possível alcançar metrópoles luxuosas
donde provinham mercadorias singulares.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
58
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (50)
• Por outro lado, no Sul moçárabe e muçulmano, a figura
do senhor feudal, que controla tudo e todos, está
praticamente ausente «ou então toma a aparência do
cobrador de impostos, que não foi investido por ninguém
de uma autoridade quase sobrenatural.» [Mattoso]
• No Sul vigora o individualismo e prevalece a família
reduzida, composta somente de pai, mãe e filhos e não
de uma horda incomensurável de parentes.
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História da Cultura Portuguesa
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59
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (51)
• A pressão social do grupo, que, no Norte, quase
dissolve a consciência de identidade pessoal é muito
mais frágil no Sul.
• Assim, nas cidades do Sul, o clero «como ordenador
das representações mentais tem, por isso mesmo,
muito menos relevo.» [Mattoso]
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (52)
• A sua ascendência sobre as cristãos – tolerada pelas
autoridades muçulmanas – resulta, no entender de
Mattoso, não tanto do clero possuir poderes sagrados,
mas das suas virtudes morais e do seu conhecimento
técnico da escrita, da Palavra de Deus e do Direito.
• Também a liturgia dos clérigos meridionais não se
afigura esplendorosa, nem tampouco recorre a elevados
recursos artísticos.
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História da Cultura Portuguesa
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61
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (53)
• O culto escora-se na veneração dos mártires, cujo
exemplo dá alento e ajuda os cristãos a suportar as
provações e humilhações a que eram sujeitos,
enquanto se encontravam debaixo do jugo islâmico.
• No sul manifesta-se mais cedo a lírica popular,
expressa nas carjas (i.e.uma pequena composição
poética, escrita em moçárabe, que surge no final de
uma composição mais extensa e culta, escrita em
árabe ou hebreu, a muwaxaha.)
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62
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (54)
• Temática e metricamente próximas das cantigas de
amigo galego-portuguesas, evidenciam, desse modo,
a existência de um fundo comum de lírica românica
de que derivariam ambas as formas.
• A carja, cultivada pelos poetas andaluzes entre os
séculos XI e XIII, constitui a primeira manifestação
literária documentada em língua vulgar.
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História da Cultura Portuguesa
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63
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (55)
• Mattoso explica a sua existência devido à:
 Moral sexual menos repressiva do Islão, se a
compararmos com aquela que prevalece no Norte;
 A convivência ininterrupta entre culturas e
línguas diferentes (o romance, de origem latina, o
árabe e o hebraico);
 A ausência no Sul de centros intelectuais
pujantes próprios dos cristãos.
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História da Cultura Portuguesa
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64
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (56)
• Os temas e a métrica das carjas são muito
semelhantes à poesia galaico-portuguesa, mas
revelam uma noção diferente do mundo concreto.
• As carjas «exprimem o sentimento humano por meio
da evocação de partes do corpo e do seu aspecto –
os olhos, os lábios, o pescoço.» [Mattoso]
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65
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (57)
• Ou através de comparações e alusões a objectos também
concretos como os frutos, ou ainda as observações que
demonstram atenção à cor e à forma.
• Ao invés, a lírica galaico-portuguesa tem outras
idiossincrasias: apresenta uma austeridade rústica, um
desenho esquemático, uma redução das situações aos seus
elementos essenciais, não revelando detalhes eróticos e
evoca sentimentos através de situações tipo.
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História da Cultura Portuguesa
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (58)
• Por outro lado, existiria no Sul, de acordo com
Mattoso, uma tradição eremítica, com reminiscências
dos sufitas (i.e. a corrente mística e contemplativa do
Islão) do mundo islâmico.
• No século XIV esta corrente mística espontânea
ressurge na forma de uma congregação religiosa de
origem popular, os Eremitas de S. Paulo da serra de
Ossa, que possuía muitos conventos no Alentejo,
ainda que fossem humildes.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (59)
• A cultura moçárabe, como dissemos não possuía
centros culturais estáveis e com grande
projecção, uma vez que a cultura dominante era a
árabe, com núcleos em Toledo, Córdova ou Sevilha.
• Com a reconquista cristã, sobrevieram outros
centros locais, mas já inspirados pelos modelos
oriundos do Norte.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (60)
• Existiam assim centros de aculturação (i.e.
assimilação de um grupo de uma cultura por uma
outra cultura, resultando na alteração dessa cultura e
em modificações na identidade do grupo) e não de
conservação de padrões culturais meridionais.
• Estes novos pólos culturais eram: os mosteiros
(Alcobaça e Santa Cruz de Coimbra), as catedrais
diocesanas (como Lisboa e Évora), os palácios (como
o do Rei ou de D. João Aboim)
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História da Cultura Portuguesa
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69
Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra
Fonte: wikipédia
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (61)
• De facto, os monges, clérigos e cavaleiros do Norte
levaram para as cidades da Estremadura e Alentejo a
sua visão do mundo, a sua ideologia e as suas
atitudes culturais.
• Contudo, durante este processo assimilaram vários
elementos da civilização meridional.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (62)
• Esta aculturação já havia sido ensaiada em
Coimbra havia muito tempo, durante a ocupação
leonesa (de 878 a 994), que reforçou a comunidade
cristã, sem eliminar a islâmica.
•
Posteriormente, Coimbra foi reconquistada por
Almançor em 994, e ulteriormente foi governada por
um executivo submetido à taifa (i.e. espécie de
principado muçulmano) de Badajoz, que terá sido
bastante tolerante relativamente à comunidade cristã.
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72
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (63)
• Em 1064, o antigo condado de Coimbra foi reapossado pelo
reino de Leão. O governo do moçárabe Sisnando Davides,
sob a égide de Afonso VI, pautou-se por um período de
convivência entre gente do Norte e do Sul.
• Sisnando defendeu em Coimbra a liturgia moçárabe até à
sua morte (1092). Esta cidade tornou-se assim um bastião
de resistência às inovações trazidas pelos Francos, um lugar
de pelejas e de antagonismos culturais que só cessaram
com o triunfo definitivo da liturgia romana (1115/16).
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73
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (64)
• É possível, porém, que um determinado grupo
perseverasse na observância das tradições e hábitos
locais – mesmo depois da imposição definitiva do ritual
romano – provavelmente em redor do Mosteiro de
Santa Cruz de Coimbra, fundado em 1131.
• Os cónegos regrantes (i.e. clérigos que faziam os
seus votos religiosos, viviam em comunidade e faziam
voto de pobreza) que ocuparam o mosteiro seguiram o
rito romano.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (65)
• Não obstante, muitos deles conheceram o árabe e
os livros da época hispano-romana, conservaram
obras árabes de medicina e em seu torno reuniram
uma clientela onde eram numerosos os cavaleiros de
ascendência moçárabe.
• Para Mattoso eles podem «considerar-se, portanto,
criadores de uma verdadeira síntese entre a cultura
religiosa do Norte e as tradições meridionais.»
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (66)
• Este facto é muito importante já que Santa Cruz de
Coimbra começa a ser frequentada por Afonso
Henriques, que se fixa na cidade em 1132.
• O futuro monarca surge como chefe dos cavaleiros
de Coimbra (entre os quais se acham moçárabes) e
aceita recorrer prioritariamente aos serviços culturais
dos seus cónegos.
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (67)
• Santa Cruz, passa a ser o esteio espiritual da
monarquia nascente «quer para justificar a sua
autoridade, quer para apresentar o primeiro rei de
Portugal como um inspirado por Deus na luta contra o
Islão.» [Mattoso]
• Segundo Mattoso não houve uma atitude deliberada
de apagar os vestígios da cultura meridional. A sua
assimilação deveu-se a 3 factores especiais:
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
77
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (68)
i.
À sua própria fragilidade, devido à ausência de
uma elite culta e de centros com uma efectiva
projecção cultural;
ii. Ao facto de esta cultura citadina possuir uma
reduzida identidade própria, já que se
encontrava em permanente competição com a
poderosa influência árabe e de outras correntes
cosmopolitas;
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História da Cultura Portuguesa
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (69)
iii. À imigração maciça de gente vinda do Norte,
com as suas crenças e tradições, não somente
clérigos e cavaleiros, mas também trabalhadores
rurais e gente desenraizada em maior ou menor
grau, que veio ganhar o seu sustento no Sul.
•
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Assiste-se assim a uma verdadeira síntese nas
palavras de Mattoso:
História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
79
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (70)
«Não é só a cultura moçárabe que definha com a
invasão da gente do Norte. É a dos imigrantes que se
altera ao entrarem em contacto com os novos padrões
de vida e ao deixarem o campo para habitarem na
cidade.»
• Deixam de abraçar as suas crenças acerca da
dependência da natureza e sem darem por isso
abraçam novas noções relativas ao conhecimento
objectivo, à medida, à quantidade, ao tempo e ao
espaço.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (71)
• Estes contactos não se processaram sem conflitos,
intolerância ou mesmo destruição deliberada de
edifícios, esculturas ou livros do Sul por indivíduos do
Norte.
• Segundo Mattoso, esses actos visaram sobretudo a
religião muçulmana e não tanto a civilização
meridional como um todo.
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História da Cultura Portuguesa
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (72)
• Os membros do escol do Norte não enjeitaram a
geografia ou a história da Península Ibérica escrita por
autores árabes, como evidencia a tradução da
Crónica do Mouro Rasis mandada elaborar por Pero
Anes de Portel (membro da corte de D. Dinis).
• Nem tampouco desprezaram a medicina como
demonstra a tradução e compilação de obras
medicinais e farmacológicas árabes atribuída a S. Fr.
Gil de Santarém e os conhecimentos legados por
Pedro Hispano.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
82
Papa João XXI (Pedro Hispano –
séc. XIII)
Fonte: wikipédia
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83
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (73)
• O que restou da cultura moçárabe?
i.
O culto de santos locais vindos de antes da
Reconquista, como S. Veríssimo, suas irmãs
Máxima e Júlia, em Lisboa; S. Manços em Évora,
S. Paio no Centro do País.
Possivelmente S. Iria em Santarém, ou
eventualmente santas tão populares como Santa
Comba ou Santa Quitéria;
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (74)
«Mas acima de todos S. Vicente, o patrono de
Lisboa, cuja transladação e milagres foram
escritos por um moçárabe, chantre da Sé de
Lisboa.» [Mattoso]
ii. Eventualmente a influência moçárabe terá sido
deveras decisiva no aparecimento da lírica
galego-portuguesa, ou pelo menos na exploração
literária do tema do amor.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
85
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (75)
iii. A influência ao mesmo tempo árabe e moçárabe
patente em todas as técnicas artesanais das
cidades, no conhecimento da medicina, na visão
objectiva do mundo.
Estas e outras características desta civilização
urbana e mediterrânica tiveram desenvolvimento
pleno posterior na época moderna.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (76)
• Com o papel interventivo dos nobres na Reconquista
e o reforço da acção pastoral do clero em contacto
com os centros exteriores à Península Ibérica,
intensifica-se o processo de identificação cultural
dos dois grandes grupos da classe dominante.
• «Do património cultural da nobreza passa então a
fazer parte um culto especial pela épica, que até
então não lhe pertencia exclusivamente. De facto, o
seu público principal devia ter sido, até aí, o dos
cavaleiros vilãos dos concelhos.» [Mattoso]
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (77)
 Cavaleiros-vilãos: na Idade Média, homem livre, do
povo, dotado de bens de um determinado valor
(estabelecido pelos monarcas), que prestava serviço
militar (fossado) a cavalo. Tinha diversos privilégios.
• Nas povoações raianas, constantemente assoladas por
guerras ofensivas e defensivas – e que economicamente
dependiam das excursões de pilhagem no campo inimigo
– as suas actividades militares eram objecto de estímulo
pelos jograis e cedreiros.
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IPCA - GAT: 2º ano
88
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (78)
• Estes andavam de forma itinerante contando em cada
terra as suas histórias e canções de gesta.
 Jogral: Músico que tocava em festas populares.
 Cedreiro: nome pelo que é designado, na lírica
gallego-portuguesa, o jogral que recitava obras épicas
ou narrativas, fazendo-se acompanhar por uma cedra,
(uma variante da cítara).
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
89
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (79)
• Os cavaleiros de corte, que nesta época se tornam
profissionais de guerra, almejam expedições mais
arrojadas.
• «Entusiasmam-se com as histórias de Cid (nobre
guerreiro espanhol que viveu no séc. XI), de Rolando,
dos Infantes de Lara, do Cerco de Zamora ou de
Bernal del Carpio.» [Mattoso]
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (80)
• Estes nobres pretendem emular os cruzados que se
dirigem à Terra Santa e que com eles combatem em
Lisboa, Silves ou Alcácer.
• Concebem as suas próprias réplicas às canções
castelhanas e às de tema carolíngio (relativo à época
de Carlos Magno, séc. IX), como sucede na Gesta de
Afonso Henriques.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (81)
• Em meados do séc. XII, muitos jovens sem fortuna,
por estarem arredados pelas estruturas linhagísticas
do direito de herdar, são atraídos para os exércitos
régios.
• Com a formação das cortes senhoriais, em finais do
séc. XII e a maior complexidade da corte régia, a
produção cultural nobre diversificou-se: surge a
poesia lírica e satírica, com as suas cantigas de amor,
amigo e de escárnio ou maldizer.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
92
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (82)
• A memória linhagística narra agora as proezas dos
antepassados, como mostram os livros de linhagens.
• Testemunha-se, então, um recrudescer na
actividade criativa, permanentemente reavivada
pelos contactos e a competição com cortes
estrangeiras.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (83)
• Os jovens cavaleiros sem pecúlio, em busca de
melhor fortuna, visitam amiúde aquelas cortes: a
castelhana de Fernando III, a de Afonso X e de
Sancho IV, a de Aragão e Barcelona, onde chegam
bem vivas as influências provençais (Sul de França).
• O conde de Bolonha (futuro Afonso III), que ascende
ao trono português em 1248, traz consigo as
influências da França setentrional que se
consubstanciam nos romances de cavalaria e na
matéria da Bretanha.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (84)
 Matéria da Bretanha: nome dado colectivamente
às lendas que dizem respeito às histórias célticas da
Bretanha e das Ilhas Britânicas, especialmente
centradas no Rei Artur e nos Cavaleiros da Távola
Redonda.
• «Os novos temas são agora os acontecimentos e as
intrigas de corte, o amor cortês, o prestígio social e os
sinais da hierarquia social, como o vestuário e o
dinheiro, as “estórias” de fidelidade e de traição.»
[Mattoso]
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (85)
• Os trovadores são geralmente bastardos e cavaleiros
sem fortuna, ou seja, um grupo de dependentes que a
corte apoia e a quem confia o seu entretenimento nas
horas de ócio.
• Este entretenimento, apesar de ser lúdico, não deixa
de veicular a ideologia, os valores e as inquietações
típicas da nobreza.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (86)
• No século XII, os monges beneditinos dão seguimento
ao ideal cluniacense, mas entram em declínio e acabam
por abraçar, com pouca criatividade a produção cultural
das outras ordens religiosas.
• Os cónegos regrantes, ao invés, formam a escola mais
activa e original, com as suas hagiografias (i.e ramo da
história da Igreja que trata da vida e do culto dos santos)
de S. Teotónio, Telo, S. Martinho de Sousa.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (87)
• Os primeiros cistercenses, pelo contrário, cingiramse a importar livros, ainda que em grande número,
boa parte deles, todavia, eram aqui copiados e
iluminados sobre modelos franceses.
• Os monges brancos (assim chamados devido à cor do
hábito dos cistercenses) tardam a adaptar-se à
cultura local e a denotar interesse pelo ambiente que
os rodeia.
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IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (88)
• «Só o farão, creio, já depois de avançado o séc. XIII,
então com obras originais em latim e com
traduções, revelando, nessa altura, a influência da
escolástica e do pensamento difundido pelos
Mendicantes.» [Mattoso]
• As traduções levadas a cabo pelos cistercenses
ou por eles coleccionadas multiplicaram-se no séc.
XIV, e evidenciavam, então, um enorme interesse por
temas fantásticos e da literatura moral.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (89)
• Esta intensificação da produção cultural cistercense é
concomitante com o declínio ou a especialização
dos Regrantes em história em prejuízo aparente do
interesse pela pregação.
• O meio eclesiástico torna-se assim diversificado,
ainda que manifestando um cuidado comum pelos
temas da moral, da exegese (estudo crítico dos livros
sagrados) e da mística.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (90)
• O fulcro do interesse do clero secular (i.e. que não
fez votos monásticos) é o direito canónico que norteia:




a estruturação diocesana,
a hierarquia das várias autoridades eclesiásticas,
o poder judicial no seu foro próprio,
a administração dos sacramentos e das rendas,
dos dízimos (imposto) e das primícias.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (91)
• O saber que muitos clérigos alcançam e cultivam
nesta área será posto à disposição do poder
monárquico, que desde o princípio do séc. XIII não
pára de se consolidar.
• A utilização destes conhecimentos por parte das
burocracias estatal (primeiro com Julião, Chanceler de
Afonso II, depois com Afonso III e D. Dinis) e
diocesana irá levar ao aparecimento de um
verdadeiro grupo de intelectuais.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (92)
• Este grupo é constituído pelos principais agentes da
centralização régia e da estruturação das cúrias
episcopais.
• Estes especialistas da escrita e do formalismo legal
irão exercer poder sobre a própria fisionomia cultural
do clero, no seu conjunto, o qual começa a
burocratizar-se.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (93)
• Isto leva a uma perda de sentido pastoral, mas, por
outro lado, a uma correspondente melhoria dos
conhecimentos escolares e a uma gradual abertura
ao pensamento racional.
• É deste vivo interesse no direito que surgem
canonistas célebres como Vicente Hispano, Silvestre
Godinho, João de Deus, entre outros, que procuram
ora mitigar os conflitos com o poder régio, ora apoiar a
luta dos bispos contra o monarca.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (94)
• A curiosidade pela lógica e pela mística (cultivada por
exemplo por Pedro Hispano) escasseia. «Das
abstracções filosóficas e teológicas, os
Portugueses só conhecem, geralmente, os
compêndios de escolástica.» [Mattoso]
• Os nossos académicos preferem frequentar as
escolas de Direito e de Medicina de Bolonha e de
Montpellier do que as de Filosofia e de Teologia de
Paris e de Oxford.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
105
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (95)
• As ordens mendicantes, constituem os grandes
inspiradores da fisionomia urbana da religiosidade
medieval, uma vez que habitam as cidades.
• Os Mendicantes irão retomar a tradição pastoral dos
Regrantes, embora devotando menos atenção do que
estes à orientação dos chefes políticos e –
principalmente no caso dos Franciscanos – dirigindo
a sua atenção às camadas populares.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (96)
• Assim, tornam-se pregadores por excelência. «Hesitase em considerar neste caso, como representativo da
cultura portuguesa, a figura de Santo António de
Lisboa, que embora formado em Portugal, pregou na
Itália e no Sul de França.» [Mattoso]
• Um representante da pregação mendicante
portuguesa do séc. XIII foi o dominicano Fr. Paio de
Coimbra.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Santo António de Lisboa (11911195?-1231)
Fonte: wikipédia
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (97)
• Os mendicantes, em conjunto com os meirinhos, os
corregedores, tabeliães, mordomos e outros
funcionários foram os mais destacados agentes da
ainda incipiente, mas crescente, influência da
cidade sobre o campo.
• A difusão da cultura urbana foi, nas palavras de
Mattoso, um fenómeno de aculturação pelo menos da
mesma magnitude, da que sobreveio aos contactos
entre o Norte cristão e o Sul moçárabe.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
109
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (98)
• Já falámos da diversidade entre regiões culturais e
entre grupos sociais, agora debruçar-nos-emos sobre
a disparidade diacrónica (i.e. dependente da
evolução com o tempo).
• Mattoso enumera os seguintes elementos da
distinção diacrónica:
i.
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A influência franca do final do séc. XI e do
princípio do seguinte e as mutações que trouxe à
cultura aristocrática e clerical;
História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
110
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (99)
ii. A renovação produzida pelos contactos com
árabes e moçárabes, quando as populações do
Norte, a partir de meados do séc. XII, abandonaram
o campo para viver nas cidades da Estremadura e
Alentejo;
iii. As alterações decorrentes do ampliação da corte
régia e da gradual complexificação do aparelho
político, com o seu período mais activo a partir de
meados do séc. XIII;
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
111
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (100)
iv. As múltiplas fases da guerra com o Islão e as
suas repercussões sobre a épica;
v. O reforço da burocracia diocesana e estatal
durante todo o séc. XIII;
vi. A expansão dos Mendicantes e a sua acção
pastoral nas cidades desde o princípio do séc.
XIII;
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
112
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (101)
vii. Os contactos com a escolástica;
viii. A evolução de um centro cultural como o mosteiro
de Alcobaça e de outros mosteiros
cistercenses;
ix. O definhamento da cultura moçárabe depois da
Reconquista;
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
113
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (102)
x. As inovações da poesia lírica e satírica, por
influência moçárabe ou provençal;
xi. A recepção dos romances de cavalaria vindos
da França do Norte, em meados do séc. XIII.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
114
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (103)
• Os factores demográficos vão, de acordo com
Mattoso, exercer uma influência profunda e lenta
sobre a cultura portuguesa dos sécs. XI a XIV.
• Os séculos XII e XIII constituem uma época de
grande efervescência cultural. Não podendo o
mesmo ser dito para a centúria seguinte.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
115
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (104)
• De facto, aqueles dois séculos apresentam, a nível
demográfico, uma população em expansão. Uma
pirâmide de idades em que abunda a gente jovem, o
que cria um clima favorável à inovação cultural.
• É no Norte que se concentra grande parte da
população no séc. XII, no seguinte verifica-se uma
deslocação, provavelmente significativa, de gente
que aflui principalmente ao Centro do País.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (105)
• «Altera-se, assim, o panorama populacional da
Estremadura e das cidades em geral.» [Mattoso]
• Em termos gerais, poder-se-á, provavelmente, opor o
superpovoamento do Norte no séc. XII a um
envelhecimento relativo da sua população no século
XIII, devido à emigração dos jovens para o Centro e
Sul.
• Tal se traduzirá numa transferência dos pólos
essenciais para o Centro de Portugal.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
117
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (107)
• É nos centros urbanos do Centro e do Sul do País
que se encontram, no século XIII, a maior parte dos
autores que realizaram obras relevantes nos domínios
da literatura, do direito e da medicina.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
118
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (108)
• Em contraste com o período de expansão precedente, o
século XIV apresenta características de certo
atrofiamento da criatividade literária, em especial da
poética. Verifica-se um quase desaparecimento da lírica.
• Ainda segundo Mattoso, recentemente foi aventada a
hipótese do fim da lírica ser consequência da morte da
maioria dos trovadores durante a Peste Negra de 1348.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
119
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (109)
• «Esta teria, por assim dizer, cortado o fio de uma
tradição que implicava a aprendizagem de uma técnica
rigorosa.» [Mattoso]
• Para este autor, eventualmente, os factores
demográficos actuaram antes de uma forma indirecta.
• Na realidade, a perturbação derivada das mortandades
(não só a de 1348, mas também outras, antes e depois)
cria um clima de agitação social e política.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (110)
• Como sintomas concretos desse mal-estar temos a
guerra civil de 1319-1324 entre D. Dinis e o infante D.
Afonso; as contendas que opuseram Afonso IV a D. Pedro
depois do assassinato de Inês de Castro; as revoltas contra
o rei D. Fernando; e finalmente a revolução de 1383-1385.
• Simultaneamente, uma crescente sucessão de maus anos
agrícolas a partir de 1320, a grande peste de 1348 e novos
surtos de epidemias em cadeia até ao fim do século,
agravam o clima de instabilidade e de angústia
colectiva.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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A peste bubónica na Europa
Fonte:wikipédia
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
122
Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (111)
• Mattoso advoga que a relação entre os níveis de
população e produção cultural será plausível se se
apontar como razão do atrofiamento desta não a
mortandade dos poetas, mas o ambiente dramático
que na altura se vivia.
• Na realidade, nada nesta época sombria, instila a
inspiração lírica. O tipo de criação literária próprio
deste período é, por isso mesmo, a escrita moral ou
mística.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (112)
• «O que era preciso, para os homens se defenderem
do que consideravam castigos divinos, era
cumprirem os seus deveres morais e impor “a justiça”,
mesmo com a máxima crueldade, como fez D. Pedro
em Portugal.» [Mattoso]
• Os que cultivavam a criação literária empolgavam-se,
então, com as fantásticas lutas dos heróis contra os
inimigos que incarnam o mal ou que buscam um
paraíso inatingível.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (113)
• Outros autores optam por encorajar aqueles que tudo
aguentam com resignação e acham alento na meditação da
vida terrestre e sobretudo da provação do Salvador, na Vita
Christi ou na Imitação de Cristo, nos cânticos e louvores
espirituais (e.g. mestre André Dias de Escobar).
• Alguns ainda sentem os males da Igreja, e tentam lutar
afincadamente contra todos os males e corrupções,
coleccionando heresias e esgrimindo os seus argumentos
contra os causadores de todos os erros.
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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Introdução à Cultura Medieval
Portuguesa por José Mattoso (114)
• Ou ainda procurando convencer os príncipes a serem os
zeladores implacáveis da Fé e da ordem moral, como fez
Álvaro Pais (oficial régio).
• «Para tudo isto, a prosa era mais adequada ao relato das
aventuras imaginárias e às instruções de cariz moralizante
ou aos devaneios místicos, na sempre renovada tentativa de
orientar o homem na sua luta contra os inúmeros inimigos
visíveis e invisíveis que por toda a parte o assaltavam»
• [Mattoso]
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História da Cultura Portuguesa
IPCA - GAT: 2º ano
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