Depois que te conheci 2 Márcia A. Canivello Depois que te conheci 1ª Edição 2013 3 Diretora de projeto editorial: Márcia A. Canivello Preparação e Revisão: Márcia A. Canivello Arte / Capa: Márcia A. Canivello – Bruna Canivello Fotografia: Márcia Freitas Pellegrini www. http://marcia-fotografia.wix.com/mfp Título original: Depois que te conheci 1. Ficção – Literatura Nacional Copyright © Márcia A. Canivello, 2013 Todos os direitos reservados. Proibidos, dentro dos limites estabelecidos pela lei, a reprodução total ou parcial desta obra, o armazenamento ou transmissão por meios eletrônicos ou mecânicos, fotografias ou qualquer outra forma de cessão da mesma, sem prévia autorização escrita da editora, com exceção das resenhas literárias, que podem reproduzir algumas passagens do livro, desde que citada a fonte. A cidade de Botton Hill e todos os personagens neste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. ISBN 978-85-912910-2-1 Editora Wishes Impresso no Brasil Canivello, Márcia A. Depois que te conheci / Márcia A. Canivello – Rio de Janeiro, 2013 Título original: Depois que te conheci ISBN 978-85-912910-1-4 1. Ficção – Literatura Nacional 4 AGRADECIMENTOS Ao meu bom Deus pelas graças recebidas e vitórias alcançadas. Aos meus familiares e amigos pelos votos de confiança e carinhos recebidos. A todos que acreditam que os sonhos podem se tornar realidade e que a vida tem mais sentido com a expectativa de realizar os seus desejos. 5 6 “Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem”. (Hebreus 11:1) 7 8 Livro 1 Ryan Para Ryan: Você pode ter medo daquilo que é possível, mas acredite que para Deus nada é impossível e o melhor pode estar por vir. 9 10 CAPÍTULO 1 Em Bromley, Distrito de Londres. No hospital St. Thomas, diariamente Dr. Ryan Jones visitava seus pacientes com zelo, e principalmente uma senhora chamada Malayca Dayo. A senhora estava no hospital há cerca de um ano e desde que se “hospedou” no hospital, ela recebeu poucas visitas. Apenas duas do seu advogado. A velha senhora não era casada, não tinha filhos e seus familiares eram desconhecidos. Pouco se sabia sobre a vida dela. De nacionalidade africana, ela costumava conservar alguns costumes, como por exemplo, usar seu turbante favorito de cor amarelada com detalhes coloridos para encobrir seus cabelos típicos da raça negra que já não existiam mais em sua cabeça. Para ela, era importante estar em sintonia com a sua cultura e não apenas viver naquele estado de prostração por não ter opção. Um ano antes da internação, ela fora visitar uma suposta sobrinha, mas sentiu-se mal antes de chegar ao apartamento da garota e foi levada para o hospital às pressas. Após vários exames foi constatado que ela estava com leucemia. Os médicos explicaram que a progressão da doença podia variar de meses a anos, mas devido a sua idade e a outros agravantes, a doença estava avançando rápido demais. Por determinação médica, a senhora ficou in11 ternada naquele hospital para receber os devidos cuidados médicos, já que foi comprovada a impossibilidade de retornar a sua cidade e manter-se hospitalizada em uma clínica próxima a sua residência. Por sorte, no dia que sentiu o mal-estar, estava acompanhada de seu advogado que tomou as providências para a internação. Na ocasião, a Sra. Malayca Dayo estava pretendendo visitar a única sobrinha e acompanhar de perto a rotina diária da garota rebelde. Ela disse ao advogado que tinha dúvidas quanto à conduta da sobrinha porque a índole dela modificara desde quando conheceu um rapaz esquisito, um tipo daqueles que usam a bebida e o álcool para lhe dar segurança e poder. A sobrinha da senhora resolveu sair de casa para se aventurar e foi morar com este rapaz. A Sra. Malayca precisava certificar que a sobrinha estava bem e que merecia herdar seus pequenos bens materiais, que para ela, eram de grande valia. Um armário de madeira do século XVIII e um bom pedaço de terra com uma casa modesta em Botton Hill, bairro londrino, numa área suburbana. Isso era a herança que a velha senhora teria para deixar. A Sra. Malayca tinha muitas dúvidas. Seria sensato deixar para a única sobrinha que não se importava com ela? Ou talvez fosse melhor deixar para alguma Associação de crianças carentes do bairro onde vivia? Certamente esta Associação saberia aproveitar melhor o pedaço de terra. Quanto a sobrinha, a senhora sabia que ela venderia tudo num piscar de olhos e depois “queimaria” o dinheiro com bobagens. Se a senhora tivesse a certeza que a sobrinha seria capaz de usar o dinheiro com a venda da propriedade numa causa justa, ela ficaria mais tranquila. 12 Aquela senhora estava com mais de 75 anos e sabia que seu tempo estava chegando ao fim. Sabia da gravidade de sua doença, mas não se deixava abater. Ela procurava resgatar em sua memória algumas lembranças de sua infância para amenizar a dor e a ausência dos familiares que não existiam mais. Um dos ouvintes, o seu preferido, era o Dr. Ryan Jones. Um belo rapaz de 1,80 de altura com massa muscular bem distribuída em plena forma física. Seus olhos castanhos amendoados eram capazes de sorrir por si só e a pele morena clara combinava perfeitamente com o jaleco branco e comprido que usava habitualmente. Um rapaz muito bonito, porém mais belo ainda era o seu coração bondoso. Ryan Jones escolhera a profissão por decisão própria e por determinação. Ele diplomou-se em Clínica Médica aos 25 anos de idade e logo em seguida começou sua especialização em Cardiologia com devoção. Atualmente com 28 anos ainda não concluiu sua especialização, mas é considerado no hospital onde trabalha como “um homem de talento e de futuro”. Ryan é auto-exigente. Seu perfeccionismo e dedicação são atributos de admiração pelo Dr. Braun, o diretor do hospital, que garante que o futuro de Ryan é promissor na área da medicina. Mesmo sendo um rapaz novo, ele apresentava muita experiência na área, pois sua vocação era nata e não por impulsão. Naquela manhã de sexta-feira, o belo rapaz em sua visita rotineira, entrou no quarto da Sra. Malayca e a observou ajeitando lentamente seu turbante. _ Bom dia, minha querida amiga! Como está se sentindo hoje? 13 _ Ontem não me senti muito bem, mas agora bem melhor. Melhor porque o doutor está aqui. Chegue mais perto, menino! Venha cá! Quero ver de perto esses olhos... e quero saber porque eles estão brilhando tanto nessa manhã. _ Meus olhos brilham por te ver! Fico feliz ao vê-la assim tão animada. _ Ele sorriu e chegou mais perto dela, pegando em sua mão magrinha e com cuidado. Ele a acariciou. _ Eu sei disso! _ A senhora sorriu e piscou para ele e continuou: _ Mas sei que tem outra coisa que está deixando o doutor feliz. O que é?! Hum...não diga nada!!! Vou pensar e irei adivinhar! _ A senhora fechou os olhos, mas rapidamente abriu um deles e o observou. Ryan impediu a concentração da senhora: _ Desta vez será mais fácil pra você, ora! Já te contei quase tudo da minha vida! _ Ele exclamou e sorriu. Era verdade. Desde que conhecera a Sra. Malayca Dayo, sentiu por ela um carinho especial. Havia afinidade entre eles. Parecia que ela conseguia ver através dos olhos do jovem médico toda a história de sua vida e inclusive o que estava acontecendo ao seu redor. Nem mesmo a mãe do jovem médico conseguia fazer isso tão bem quanto ela. Ele tinha, às vezes, um pequeno receio ao entrar no quarto dela quando estava com algum problema, porque sabia que, de forma inexplicável, ela decifraria rapidamente o que estava lhe afligindo. Era através de uma conversa agradável e intuitiva, que ela lhe dava explicação ou sugestão para decisões futuras. A opinião dela tinha poder sobre ele, isso era fato. 14 Seria a velha senhora um anjo protetor ou uma pessoa que talvez o conhecesse de outra vida? Não! Isso não passava pela mente científica dele. Em sua concepção original, ela apenas tinha a sabedoria e a experiência de vida, e era capaz de orientá-lo na hora que ele precisava. Essa era a probabilidade mais sensata que ele preferia acreditar. Por outro lado, ele gostava de ouvir o ela lhe dizia. Ele a compreendia, a estudava e a admirava. Tinha a curiosidade em descobrir de onde vinha tanta intuição discernida em palavras sábias. De onde vinha tanta calmaria, tranquilidade e aceitação sabendo que sua vida estava na fase terminal. Dr. Ryan Jones não desistiria da vida daquela senhora. Ele lutaria para amenizar seu sofrimento. _ Hoje sua pressão está melhor, heim?! Quando o soro terminar, a enfermeira virá aqui e fará novamente a verificação, se ainda estiver assim, mandarei que ela substitua a medicação por outra. E a senhora ficará quietinha, do jeito que está. Nada de tentar se levantar para sentar. Sabe que não pode fazer esforço. Ficarei de olho na senhora! _ Sim, Sr! E eu tenho outra escolha a não ser ficar aqui nesta cama deitada o tempo todo?! A senhora falava devagar e com dificuldade. Sentia-se um pouco fraca por causa dos medicamentos, mas também sentia vontade de brincar com ele. _ E não tem mesmo! Agora, descanse e fale menos... _ Ainda posso adivinhar porque seus olhos estão brilhando?! _ Ela sorriu com meiguice. _ Quer brincar com jogo de adivinhação?! Tudo bem, mas meu tempo está curto. Hoje o hospital está agitado e não posso ficar aqui muito tempo. 15 A senhora olhou fixamente para os olhos daquele rapaz por alguns segundos, depois fechou os olhos e concentrou-se. Apertou seus lábios finos que apresentou leve tremor e disse com convicção: _ É a sua namorada. É por causa dela que está assim! A senhora disse sem entusiasmo e o encarou esperando a confirmação. Dr. Ryan a observou em silêncio. Ele queria entender o porquê daquelas palavras serem ditas sem o teor agradável que ele gostaria que tivesse. A Sra. Malayca o ouvira falar da namorada outras vezes. Ele falava com bastante carinho e amor, mas ela nunca o vira falar com paixão, dessas que ferve as veias do corpo e incendeia o coração. Ela conseguia perceber, intuitivamente, o grau do sentimento do rapaz, mas ele não era capaz disso. Ela percebia que ele se sentia seguro por ter o amor da namorada, que se sentia protegido e que ela era uma boa companhia para ele. _ O que tem ela?! _ Sei que ela aceitou o seu pedido de casamento. _ Sim! Finalmente ela aceitou. _ Disse sorrindo. _Não vou deixar que ela me enrole mais uma vez. Dessa vez não teve desculpas e marcamos um jantar hoje à noite pra marcarmos a data. _ Quero te ver feliz, menino, mas quero que respeite o tempo. Tudo tem seu tempo. Nada de precipitações... _ Ei, que conversa é essa?! _ Ele brincou com o dedo indicador dando dois toques de leve na ponta do nariz da senhora como sempre fazia para deixá-la animada. Ele continuou: _ Não fique assim! Eu continuarei a ter tempo pra você, se é isso que está lhe preocupando. 16 _ Não estou preocupada comigo... Eu quero que me prometa uma coisa, menino. _ O seu desejo pra mim é uma ordem, diga-me! _ Que você ficará bem. Quero te ver feliz. Dr. Ryan pegou na mão da velha senhora e a beijou. Sorriu e depois a tranquilizou: _ Tenho certeza que serei feliz ao lado de Adele. Ela é a mulher da minha vida. Construiremos uma vida juntos. Ele estava feliz. Nada mais que a senhora dissesse naquele momento o faria sentir-se diferente. A alegria que Ryan sentia ao imaginar que logo estaria casado com a bela e bem sucedida jornalista da “Revista Philles”, o deixava nas nuvens. Adele Randall tinha mais idade do que Ryan. A diferença de idade entre eles era de 6 anos, mas sua aparência física não condizia com a idade. Ela parecia ter menos. Adele era de nacionalidade inglesa, mas não se encaixava no perfil físico dos ingleses. Suas características físicas eram de uma mistura latina que herdara da mãe. O corpo era curvilíneo e a silhueta muito sensual. Do pai herdara apenas a altura: 1,73. Os olhos de Adele eram redondos e amendoados. Eles estavam sempre bem maquiados e delineados. A sofisticação de suas roupas era escolhida de acordo com a moda e tudo lhe caia muito bem. As curvas sensuais bem definidas estavam quase sempre cobertas por grifes famosas e por tecidos de luxo. Afinal, era preciso honrar o status alcançado e isso ela fazia muito bem. Adele era uma mulher muito bonita e chamava atenção por onde passava. Seu charme conquistou o coração de Ryan. Eles se conheceram em uma conferência que participaram. Em 17 poucos dias estavam namorando e logo se apaixonaram. A bela moça era jornalista de uma das revistas mais conceituadas na área da medicina em seu país, cuja visão era pesquisar e explorar estudos sobre o corpo humano, as doenças e curas, o bem-estar da saúde no geral. No hospital, a frente do Dr. Ryan, a senhora Malayca olhou nos olhos do doutor e sentiu o coração apertar. Ela percebeu que nada que dissesse para ele naquele momento explicaria a sensação de preocupação que ela sentia. Não iria explicar nada a ele. O momento não era propício e nem conveniente, ela pensou. Não seria possível também por causa da chamada de urgência que o auto-falante do hospital anunciava com ênfase: Dr. Ryan, compareça com urgência na sala da UTI. A voz da locutora do hospital anunciava repetidamente o pedido. _ O dever me chama, Sra. Malayca! Volto aqui mais tarde, antes de ir embora, ok? _ Ele sorriu para ela como um homem, mas com o coração de um menino. Naquele instante a senhora o observou e viu que ele estava feliz. Ela não podia deixar que ele saísse da sala com um sentimento inverso. Ela não queria que ele ficasse preocupado com o que ela estava sentindo ou imaginando, por isso ela retribuiu o sorriso recebido e fechou os olhos. O cansado coração da senhora ainda seria capaz de suportar a sensação de tristeza que sentia naquele momento. Seu coração ficara apertado ao vê-lo fechar a porta. A dor que sentia era maior que estava acostumada a sentir por ficar tanto tempo deitada. Ela não podia fazer nada, não podia evitar sentir essa dor. Apenas teria que esperar. Espe18 rar que o tempo proporcionasse de novo a felicidade nos olhos do Dr. Ryan. Ela desejava poder ver isso novamente. ♥♥♥ Naquele fim de noite Dr. Ryan não aparecera no quarto da Sra. Malayca Dayo. Ele não tinha condições emocionais para visitá-la. Ryan não iria para casa porque não queria deixar Adele passar a noite sozinha no hospital depois de ter sofrido um acidente grave que a deixara entre a vida e a morte. O carro da jornalista era novo e recém comprado. Ele estava muito amassado, sem as portas e com todos os vidros quebrados. O lado do carona estava totalmente destruído. O acidente violento ocorrera na avenida principal no centro de Londres. Naquela manhã, um ônibus enorme ficou sem freio e desgovernou-se após ter descido uma pequena ladeira. Ele cruzou a avenida com velocidade e nela estava o carro de Adele. Naquele momento o carro de Adele atravessava a avenida em direção ao estacionamento. Ela não teve a chance de desviar. Não imaginou o que estava por vir pra poder se defender. Foi pega de surpresa. O ônibus entrou na lateral do seu carro e o empurrou com violência para o outro lado da rua. Com a força da batida, o banco do carro onde Adele estava sentada, soltou-se e ela foi jogada pra fora do carro juntamente com a porta que abriu. Seu corpo caiu com força no chão e a cabeça tombou, batendo fortemente no paralelepípedo da calçada. Por sorte, os para-médicos conseguiram chegar imediatamente após receberem a chamada. Foi um acidente trágico, quase que fatal. 19 Perto da cama do hospital, Ryan a observava de pé. Naquele momento ele não era o médico. Não era o Dr. Ryan que a avaliava, e sim o namorado que tinha lágrimas nos olhos ao ver a futura esposa deitada no leito do hospital num estado lastimável à beira da morte. As pernas de Adele estavam com fraturas expostas, os braços com curativos, enfaixados. Seus membros inferiores não pareciam os mesmos que ele estava acostumado a ver. Os ossos da face haviam se quebrado em duas partes, deixando o rosto belo daquela mulher, transfigurado. O rosto apresentava luxações e também marcas de enormes cortes. Sua cabeça que sofrera dano maior estava enrolada com gases que o sangue manchou. Por causa do impacto forte da batida, ela estava em coma, num estado profundo de dormência. Por alguns minutos Ryan a observou, mas logo o desespero o dominou. Ele não aguentava vê-la daquele jeito. Não suportava a dor que sentia. Seu coração sofria, seu corpo doía e sua mente não aceitava aquela situação. Num desespero momentâneo ele levantou e saiu da UTI. Andou desesperado pelo corredor buscando explicações para tentar entender como aquela tragédia fora acontecer. Queria alguma informação que o deixasse tranquilizado quanto ao restabelecimento da saúde da namorada. Queria ouvir notícias que diminuíssem a sua preocupação e sofrimento. Buscou informações com seus colegas de medicina, mas todas as informações que recebia diziam que ele deveria esperar. Apenas esperar. Ele recebera a mesma notícia que costumava dar aos familiares das vítimas ou doentes que ficavam na sala de espera do hospital. Agora era ele quem estava naque20 la situação. Ele teria que esperar por notícias melhores. Ryan andou sem direção. Ficou aéreo e totalmente perdido. Sem perceber parou em frente à porta do quarto da Sra. Malayca Dayo. Parou e ficou olhando pensativo para a porta, mas não entrou. Não teve coragem para entrar. Já era tarde da noite. Ele caminhou de volta para a recepção. Andou devagar porque estava se sentindo fraco. Sentia-se sozinho e aflito. A inquietude lhe consumia. Ele resolveu voltar e entrou no quarto da senhora. Ryan iria ficar ali e esperaria com ela por notícias melhores. Sentia-se bem ao lado da velha senhora. Enquanto ela dormia, ele sentou na pequena poltrona que estava no canto da porta e a observou. Ele se lembrou da conversa que tiveram pela manhã. Lembrou das palavras ditas por ela e foi então que percebeu que a senhora demonstrou preocupação no momento de sua saída do quarto. Estaria ela premeditando que algo ruim fosse lhe acontecer? E por que estaria preocupada com a felicidade dele se naquele momento ele sentia-se feliz? Ele fez essas perguntas mentalmente, mas não obteve respostas. Ryan, ao imaginar que a senhora teria tido a intuição de que algo fosse lhe acontecer, deparou com uma sensação de angústia e essa angústia assolou seu coração deixando-o enfraquecido. Tentando resistir à sensação de ermo e ao mesmo tempo de fragilidade, ele resolveu não ficar parado a espera da sorte. Ryan procurou colocar seu raciocínio lógico em prática para encontrar rapidamente uma solução de cura ou de alívio para Adele. Ele ficou ainda mais angustiado por não achar imediatamente essa solução. Ele sabia o quanto era difícil mudar, instantaneamente, o 21 quadro de saúde de Adele, porque não dependia somente da medicina e da vontade dele. Dependia, principalmente, da vontade de Deus. Ele percebeu que estava impotente. Não podia fazer nada. Lutar somente não bastava, era preciso mais do que isso. Era preciso ter fé e acreditar que algo de bom poderia acontecer. Ter esperança na recuperação de Adele. Na verdade, bem reconhecida por ele, já estava perdendo a esperança que isso fosse acontecer. O estado de saúde de Adele era grave demais. O estado emocional de Ryan ficou abalado quando imaginou a possibilidade de perder Adele. Desesperou-se ao perceber que estava escapando de suas mãos seu sonho de amor que queria viver com ela. Ele pressentiu que tudo estava sendo destruído e aos poucos sua alegria em viver estava se perdendo num caminho sem volta. Ele abaixou a cabeça e colocou uma das mãos na nuca, esfregando-a num ato de loucura. Parou o movimento e fechou os olhos. Respirou fundo para repor as energias e para tentar se controlar. Era necessário ter muito controle para não se desesperar ainda mais. Para tentar se controlar, ele teria que não pensar na possibilidade de perder seu amor. Ele sabia que não suportaria perder Adele. ♥♥♥ Antes do acidente, naquela manhã, Adele tinha uma entrevista importante marcada com o diretor do Laboratório Colliuns. Ela teria a oportunidade de divulgar em primeira mão, o mais novo medicamento contra a doença Mal de Alzheimer, tendo como objetivo proporcionar uma eficácia maior no trata22 mento, minimizando os sintomas, protegendo o sistema nervoso e retardando o máximo possível a evolução da doença. O medicamento seria comercializado internamente no mercado farmacêutico em Londres e isso seria feito após a divulgação na Revista onde Adele trabalhava. Ela estava eufórica por coordenar a entrevista e ser a responsável pela divulgação da matéria. Adele estava bastante feliz naquela fatídica manhã. A entrevista que iria acontecer certamente lhe renderia bons frutos no campo profissional. Ela precisava repartir esta felicidade com Ryan para sentir-se completa. Para fazer comunhão entre a felicidade profissional com a afetiva, ela resolveu aceitar o pedido de casamento de Ryan. A decisão de casarse com ele havia sido adiada três vezes, não por ter dúvidas quanto ao amor que sentia por ele, mas pela sua decisão de conseguir estabilidade profissional e social, primordialmente. Naquele fim de expediente ela iria jantar num restaurante sofisticado com o namorado mais bonito que tivera até o momento. Verdadeiramente, o rapaz mais educado, cavalheiro e sincero que tivera a sorte em encontrar. Pensando em Ryan, ela entrou no banho e sorriu. A água do chuveiro que caía em seu rosto era capaz de acariciá-la delicadamente e também de lavar a sua alma. Sentia-se feliz e a alegria invadiu seu coração ao lembrar-se de Ryan e da vida conjugal que poderiam ter. O telefone que ficava perto da cabeceira da cama em sua luxuosa suíte, tocou. Enrolada na toalha, ela saiu do banheiro para atender a ligação. Por coincidência, era Ryan do outro lado linha. 23 _ Oi, querido. Tudo bem! Estou saindo do banho. Claro que não esqueci! Chegarei de volta ao apartamento por volta das 18h. _ Amor, estou ansioso por hoje a noite. Quero lhe proporcionar uma noite especial e inesquecível. _ Disse Ryan com felicidade. _ Eu tenho certeza disso. Já estou pensando na data do nosso casamento, mas só falarei a noite, está bem? _ O que você decidir pra mim, está ótimo, mas temos que programar tudo com antecedência pra eu poder remanejar a escala de plantões no hospital, ok? _ Sim, amor! Combinamos isso a noite e agora tenho que trocar de roupa. Estou ficando atrasada. É hoje aquela entrevista que te falei, lembra? Estou muito ansiosa. Adele sorriu com o telefone nas mãos e Ryan imaginou o lindo o sorriso que ela tinha. _ Hummm...posso imaginar como está vestida agora. _ Não seja bobo e nem pense em falar gracinhas agora. Não é hora para brincadeiras e não quero chegar atrasada, Ryan! _ Ok, amor. Teremos muito tempo pra brincarmos. Teremos muito tempo para viver momentos maravilhosos. Te amo, querido. _ Eu também! 24 CAPÍTULO 2 Ryan passou a noite sentado na poltrona do quarto da Sra. Malayca. Antes de o sol atravessar a pequena abertura entre a janela e a parede, Ryan abriu os olhos num reflexo rápido. Assustou-se ao ver a velha senhora o observando. _ Bom dia, meu menino. Vejo que a noite foi mal dormida. A senhora falou carinhosamente com ele. Sua voz macia, porém fraca, demonstrou pesar por ver aquele rapaz com marcas fortes de cansaço no rosto. O rosto de Ryan apresentava palidez e a barba começara a aparecer demonstrando que já era hora de ser cuidada. A tristeza que o acometera, tirava-lhe a noção do tempo e o deixava sem ação. O rapaz ficou de pé. Teve a intenção de retirar-se do quarto. Não queria ouvir o que ela teria a lhe dizer. Tinha receio de ouvir o que ele já desconfiava. _ Meu menino, chegue mais perto. Vamos conversar! Ela disse com a voz mais doce que pudera falar. _ Não posso. Tenho que ver Adele. Eu...eu não tenho boas notícias, Sra. Malayca. _ Eu já sei. Também estou triste. Ai, meu menino! Venha cá! Me dê a sua mão... Ryan aproximou-se perto da cama e a senhora segurou-lhe as mãos que lhe oferecera por obediência e respeito. Ela fechou os olhos e disse: 25 _ Pense em coisas boas, pense que ela ficará bem e você... você precisa ficar bem também! Não quero ver o meu menino sofrer. Impulsivamente, ele soltou as mãos e se afastou. _ Se eu perder Adele, não sei o que farei. Só sei que não conseguirei suportar sua ausência e não terei paz. Não quero nem pensar nisso! _ Calma, menino. Você é forte. Saberá decidir pelo melhor caminho a seguir. Ryan olhou para a Sra. Malayca e a encarou pensativo. Ele caminhou até a porta do quarto e disse antes de sair: _ Eu não vou perder Adele! Farei o que for preciso para salvá-la. Ele saiu do quarto e fechou a porta devagar. Não queria continuar com a conversa com a senhora. Ryan andou pelo corredor seguindo em direção a UTI. Seus passos eram fortes e decididos. No caminho encontrou com os pais de Adele que vieram ao seu encontro. _ Ryan, não podemos ficar ao lado de Adele. Estamos aqui apreensivos e preocupados sem notícias. Precisamos fazer alguma coisa para ajudá-la. Quero notícias de minha filha, oh, Deus! A mãe de Adele, nervosa, apertava o braço de Ryan enquanto falava e as lágrimas escorriam pelo seu rosto maduro. _ Calma, Sra. Grover. Estamos fazendo de tudo para salvá-la.... _ Salvá-la??? Meu Deus, não tire a minha filha de mim, por favor! O pranto desesperado daquela senhora, mesmo não sendo de alto tom, invadiu o corredor do hospital que comoveu a todos que estavam presentes. A 26 tristeza da senhora naquele momento ficou declarada e algumas pessoas paravam o que estavam fazendo para observá-la. O pai de Adele, um senhor de estatura baixa e aparentemente mais calmo que a esposa, a abraçou, confortando-a. _ Querida... tenha fé. Nossa Adele ficará boa. Ela vai sair da UTI e logo esse tormento terá fim. Ryan olhou para casal que se abraçava e percebeu o amor e companheirismo que havia naquela relação. A afetividade que ambos sentiam um pelo outro era a base sólida de um casamento feliz e de uma família harmoniosa, resistente a qualquer tempestade. Tempestade. Essa era a palavra certa para descrever o que havia na relação afetiva entre os pais de Ryan. Há alguns anos atrás os pais de Ryan se separaram, mas não foi uma separação simples com acordo satisfatório entre ambos, muito pelo contrário, foi uma separação recheada de conflitos, oposições de interesses e impulsividades. De início o motivo principal da separação foram às inúmeras traições do pai que as justificava pelo fato da mãe ser ausente na relação conjugal. Meses depois, Ryan percebeu que outro motivo foi exposto. O pai de Ryan era um viciado em jogo e em mulheres. Ele estava acabando com as reservas financeiras da família nesse “hobby”. A mãe de Ryan quando descobriu não suportou mais esse agravante na relação. Pensando na proteção financeira do único filho e na preservação dos estudos de Ryan, ela resolveu pedir o divórcio e repartir os bens antes que ele se esgotasse por completo. A partir dessa atitude começou novos conflitos e a discórdia maior: a divisão dos bens. O ódio passou a reinar entre eles por não querer ceder em prol da paz e da 27 harmonia. A relação entre os pais de Ryan passou a ser estritamente financeira e não havia nenhum tipo de afetividade familiar, ou melhor, nenhuma relação amigável que pudesse deixar seguro o laço principal que os unia: o filho. Ryan, por sua vez, no meio desse fogo cruzado, clausurou-se nos estudos e com determinação traçou seus objetivos de vida: consolidar-se na sua profissão e construir uma verdadeira família. O jovem médico voltou a realidade e buscou forças em seu interior para tranquilizar o casal que estava a sua frente, fragilizado. _ Sr e Sra. Grover....peço-lhes que tenham um pouco de paciência. Tudo que podíamos fazer, já foi feito. Temos que aguardar a reação dela. _ Não consigo ver minha filha naquele estado. Ela parece que está... _ Senhora, não pense nisso! _ Ryan a interrompeu. Ele não suportaria ouvir aquela afirmação e buscou calma que ele mesmo desconhecia sentir naquele momento. Ele argumentou: _ Sra. e Sr. Grover, compreendam que houve um traumatismo craniano e o cérebro de Adele recebeu um impacto forte. Ele foi jogado contra as paredes do crânio, causando uma lesão difusa. Ela está em estado de coma e neste estado a pessoa perde completa ou parcialmente a consciência, não tem reações nervosas ou reage pouco, ou nada, a estímulos externos. _ Ryan, meu filho, diga-me: há quanto tempo ela pode ficar neste estado? O pai de Adele perguntou olhando fixamente nos olhos de Ryan. _ Fizemos uma avaliação do coma de Adele. O estado de coma é classificado por uma escala. A esca28 la de coma de Glasgow que constituí-se num método confiável e tem o objetivo de registrar o nível de consciência de uma pessoa. No caso de Adele, infelizmente.... Ryan engoliu a seco, não encontrava palavras para disfarçar seu nervosismo e preocupação. Naquele momento não conseguia separar o lado profissional do emocional, afinal trata-se de sua namorada, de sua futura esposa. O pai de Adele insistiu:_ Por favor, Ryan, continue. Qual é o grau do estado de coma de nossa filha?! _ Infelizmente... seu coma equivale a 3 na escada de Glasgow, que quer dizer...quer dizer coma profundo. _ E quanto tempo ela ficará assim?! _ Perguntou a mãe de Adele, aflita. Ryan não podia explicar com detalhes aos pais de Adele este tipo de coma e também não queria admitir que este grau na escala, era um estado gravíssimo com probabilidade de morte, estado vegetativo. _ Não sabemos ao certo, pode levar 24 horas ou mais. Não há uma previsão exata, o tempo é indeterminado. A mãe de Adele o abraçou com desespero: _ Oh! Ryan...por favor, por favor, salve a minha filha! Salve a minha filha!!! _ A equipe médica fará o que estiver ao alcance, Sra. Grover. Eu estarei por perto. Eu a amo muito. 29 CAPÍTULO 3 Por dois dias Ryan praticamente não saiu do hospital. Ele dobrara o plantão e por conta disso estava exausto naquele fim do dia. Já estava anoitecendo e precisava ir para casa e descansar, mas iria passar no quarto da Sra. Malayca Dayo para lhe desejar uma boa noite como gostava de fazer antes de ir embora. _ Sra. Malayca? _ Ele chamou com tom de voz baixo e entrou devagar no quarto. Não queria assustá-la caso estivesse dormindo. A Sra. não respondeu. Ela estava deitada de lado com o corpo frontal de frente para a parede oposta a porta. Ryan insistiu com o chamado. _ Sra. Malayca? A Sra. virou-se lentamente e o olhou com cuidado. Seus olhos pequeninos queriam lhe dizer algo, mas Ryan não conseguia entender. Ele aproximou-se mais e pegou em sua mão. _ O que houve? Não está se sentindo bem? _ Estou bem. Estou preocupada com você, menino. Não sei até quanto tempo ainda estarei aqui... _ Não se preocupe comigo. Eu estarei aqui quando precisar de mim. A Sra. Malayca não podia explicar a ele o que estava por vir. Ela não tinha o direito de antecipar seu sofrimento e de interferir em sua vida. Não podia 30 impedir que a tristeza fosse lhe consumir mais do que já estava consumindo. Talvez ele até compreendesse num futuro próximo o porquê desse sofrimento, mas naquele momento para ele seria difícil suportar e ela não podia fazer nada para lhe ajudar. Ela sabia que o sofrimento era inevitável. Ryan teria que passar por todo o sofrimento que lhe estava reservado, pois seu destino estava traçado e não podia ser modificado. A senhora achava que ninguém tinha o direito de mudar uma sucessão inevitável de acontecimentos relacionada a uma possível ordem natural. Que era preciso deixar acontecer. Para a Sra. Malayca os acontecimentos surgiam na medida e no tempo certo. Eles eram necessários para o direcionamento da vida e para o amadurecimento pessoal e afetivo ou profissional. Para viver bem era preciso lutar, vencer com dignidade e coragem todos os obstáculos da vida, sem esmorecer. Cada ser é capaz de suportar aquilo que lhe é destinado e de acordo com a carga que possa carregar. Ryan teria que passar por uma provação que inicialmente ele desconhecia. _ Eu sei, menino, mas antes de minha partida quero ter a certeza que você decidirá a fazer o que é certo. Que compreenderá a vida e lutará por ela. _ Sra. Malayca?! Não consigo entender o que a Sra. esta falando ou tentando explicar... _ Ele disse sério e intrigado. _ Não precisa entender agora. Lembre-se dessas palavras quando for a hora. Agora vá... você precisa descansar. Ryan a encarou por alguns segundos e depois arfou cansado: _ A Sra. tem razão. Preciso descansar. Boa noite! Ela não respondeu apenas sorriu para ele. 31 A noite mal dormida no hospital lhe causara dores musculares e um cansaço enorme, mas Ryan precisava respirar um ar diferente do hospital e por isso ele decidiu que iria parar em algum lugar para comer e relaxar antes de ir para o seu apartamento. Ele desceu os poucos degraus da portaria de saída do hospital St. Thomas e andou em direção ao estacionamento. Ao girar a chave do carro, um modelo esportivo importado na cor preta, ele lembrou que esquecera na recepção sua agenda contendo a relação dos plantões que faria naquela semana. Ryan voltou apressadamente porque precisava sair do hospital o quanto antes, pois já estivera trabalhando muitas horas antes mesmo do acidente de Adele. Ao subir os degraus da entrada do hospital estava distraído com seus pensamentos que insistiam em lhe preocupar e não vira o rapaz que descia a escada, também distraído e preocupado. Foi inevitável o encontrão. _ Ei?! Não olha pra onde anda? _ Falou o rapaz bruscamente. _ Desculpe...estava distraído. _Disse Ryan _ Tudo bem. Eu também estava. _ O rapaz de boa aparência que aparentava ser mais novo que Ryan, olhou fixamente para o bordado que havia no bolso do jaleco branco e tirou sua dúvida. _ O Sr. é médico deste hospital? _ Sim! Sou um deles. _ Minha namorada está internada aqui e estamos todos apreensivos. Ela tem um problema no coração que é grave, na verdade, estamos desesperados.... Ufa! Ela chegou aqui há alguns dias e hoje não está nada bem...ela está desacordada e... 32 _ Calma, rapaz! A equipe deste hospital é muito boa. Somos referência em Cardiologia e logo você poderá estar com a sua namorada novamente... O rapaz aflito interveio: _ O caso dela não é tão fácil assim... _ Eu entendo, mas peço que confie e aguarde. O rapaz estava muito nervoso e sem o devido controle. Ele arfou e falou com tom de voz mais alto, caminhando para o pequeno jardim que havia na lateral da escada: _ É só isso que todos falam aqui. Só sabem falar isso??!!! Esperar! Esperar! Se ela tem que ser transferida, porque não fazem logo?! Ryan o observou enquanto se distanciava e entendeu o nervosismo e a apreensão daquele rapaz. Ele estava passando pela mesma situação que ele. Era tarde da noite, mas antes de ir para o apartamento, Ryan parou no bar de um amigo para beber algo que lhe deixasse mais “leve”. O pequeno e aconchegante bar era de um amigo de infância e Ryan costumava frequentar este bar após o expediente cansativo. Era um hábito tomar um copo de whisky e jogar conversa fora com John, o dono do bar. Constantemente, depois de um bate-papo descontraído ele caminhava sozinho para o apartamento que ficava apenas a dois quarteirões distantes daquele recinto. Naquela noite, Ryan não tivera a companhia de John que tirou a noite de folga para se refugiar em seu lar juntamente com a esposa e as duas filhas de aproximadamente 5 e 8 anos. Ryan conhecia a família de John. Ele fora o padrinho de casamento daquele enlace e adorava as filhas do casal. A amizade entre eles era verdadeira e recíproca. 33 Ryan bebeu bastante naquela noite. Apenas um copo de whisky não foi suficiente para acalmar seus nervos e afogar sua nostalgia. Ele já estava tonto quando resolveu pedir a conta e sair do bar. Foi para o apartamento andando como sempre, porém sem os devidos reflexos. Seus pensamentos falavam mais alto que a consciência, ele perdia o controle do raciocínio. Ryan caminhou em outra direção porque não queria ir logo para o apartamento. Precisava andar mais e caminhar lhe faria bem, assim ele pensou. Ele não percebeu que andara cerca de muitos minutos e que havia se distanciado bastante do caminho do apartamento. Mesmo sabendo da distância que se encontrava, ele continuou andando e foi em direção ao parque florestal. O parque era grande e originalmente fora um cemitério de terreno pantanoso. No parque não havia um lago ou estátuas e fontes, consistia inteiramente em prados arborizados, alamedas e muitos bancos de concreto. A noite estava fresca e no céu escuro de Bromley havia pontos iluminados e brilhantes dignos de serem descritos pelas mãos de um poeta, transformando esta visão em uma poesia. Ryan sentiu-se cansado e resolveu sentar em um banco próximo a uma árvore frondosa. Ele inspirou o ar com força, com vontade de inspirar todo o ar que fosse possível. Sua respiração estava ofegante e ele sentiu o coração sufocado por uma angústia que lhe tirava a paz. Buscando encontrar a tranquilidade para o seu espírito ele abriu os braços e os apoiou em cima do encosto do banco de concreto. Deitou a cabeça para trás e fechou os olhos. Só ficou assim por poucos segundos porque sentiu um vento rápido e rasteiro parecendo um assopro ao lado de sua cabeça, perto do ouvido. Com o 34 susto que levara, ele levantou a cabeça e olhou ao seu redor. O parque estava deserto, não havia ninguém e nem mesmo os pássaros negros que costumavam sobrevoar o parque à noite. O que se ouvia era o som do vento que uivava quando passava entre as árvores. Ryan sabia que não estava sóbrio e por isso não se importou com o acontecido. Não estava em condições de distinguir o que realmente sentira naquele momento. Ele decidiu continuar sentado e na mesma posição. Novamente ele teve a mesma sensação anterior. Mas desta vez o vento foi mais forte, porém deu-lhe a sensação de maciez. Ryan acomodou-se melhor no banco e depois levou as mãos para a cabeça. Ele a sentira rodar. A sensação de receber um sopro forte minutos antes não lhe causou espanto porque não estava em condições normais de distinguir nada. Com a cabeça ainda apoiada sobre as mãos, ele abriu devagar os olhos e olhou em direção ao lado esquerdo do seu corpo. Ele sentiu que algo estava perto de si. Sua visão não estava boa, estava tendo dificuldade em visualizar. Fechou os olhos e tornou a abrir. Piscou duas vezes para limpar a visão que naquele momento estava embaçada. Mesmo com pouca visão ele percebeu um vulto branco que imediatamente desapareceu ao perceber que tinha sido notado. Ryan ficou de pé e enfrentou o que não conseguia ver, mas que sabia que algo estava ali rondando por perto. _ Quem é você?! _ Ele perguntou. Ninguém respondeu. O silêncio reinou. Não havia nada no parque, apenas o silêncio da noite, a beleza das árvores e das folhas caídas no chão que bailavam distraidamente sem rumo na pequena passagem para 35 pedestres. Ryan olhou para os lados com desconfiança, e não viu nada. Ele continuou em pé e esperou imóvel. Qualquer movimento que viesse a ocorrer, ele estaria atento. Foi então que de repente, ele viu mais uma vez um vulto branco a correr de uma árvore para outra a se esconder. _ Quem é você?! O que você quer? O vulto ficou escondido atrás de uma enorme árvore do parque. Ele não se moveu, parecia assustado. Estava com medo. Ryan observou que um tecido branco voava para fora da árvore e ele tentou se aproximar desta árvore. O vulto correu para a árvore mais próxima e escondeu-se novamente atrás dela. Neste jogo de escondeesconde, Ryan percebeu através do tecido branco que o vulto era de uma mulher. Não uma mulher adulta e sim uma em formação. Talvez fosse uma garota ainda, ele desconfiou. O vestido de voial branco e comprido que ela usava cobria com perfeição quase toda a sua silhueta, por isso Ryan teve dificuldade ao observar com detalhes a composição da imagem da mulher. Só conseguia identificar que se tratava ser uma pessoa do sexo oposto devido às curvas bem definidas e femininas. Com certeza, era uma garota. A garota correu para a árvore que estava um pouco mais distante e ele pode perceber de longe que ela tinha cabelos longos e escuros, porém seu rosto era ainda indefinido por causa da falta de claridade do parque e a névoa branca que a rodeava. Ele se aproximou devagar e ela continuou escondida atrás da árvore. Num momento rápido, Ryan observou que a garota de pele clara estava descalça e havia uma marca de nascença em um dos pés. Era 36 uma mancha de cor mais escura que a pele, porém delicada e de pequeno tamanho. Provavelmente um sinal hereditário, ele imaginou. Ryan ficou parado, não queria assustá-la ainda mais. Ele encostou-se numa árvore próxima a dela e ficou escondido também. Houve um silêncio e Ryan percebeu um sussurro. Ele pode ouvir a respiração ofegante da garota e entender que ela estava muito assustada. Num instante derradeiro, a garota correu para trás de outra árvore. Ela parecia estar cansada e disse com voz fraca e distante: _ Por favor, fique onde está! _ Tudo bem! Ficarei aqui parado. Não precisa ter medo. Ryan ficou parado e ela ficou atrás da árvore com medo. Ele estava muito curioso e perguntou: _ Qual é o seu nome? O que faz aqui sozinha? A garota não respondeu. Ryan ficou em silêncio e aguardou que ela se manifestasse. Ela permaneceu escondida e em silêncio. Nenhuma palavra, nenhum movimento, apenas o tecido fino que voava pra fora da árvore e o bailar dos cabelos longos sobre o ombro da garota. Quando ela permaneceu parada atrás da árvore, um claridade surgiu em volta do seu corpo. Era uma luz forte e brilhante. Ryan insistiu: _ Qual é o seu nome? Posso te ajudar? Ela não disse nada. _ Tudo bem! Se não quer falar, não diga, sendo assim não poderei ajudá-la. Ele aguardou por alguns minutos e percebendo que ela não se manifestava, ameaçou de partir deixando-a sozinha naquele parque. Ryan não deu nem dois passos quando ela falou com uma voz doce e distante, como se estivesse muito longe dali. 37 _ Não vá, por favor, não vá! _ Ela respondeu timidamente sem sair detrás da árvore. A voz doce e suave da garota chegou ao ouvido de Ryan como um som de melodia harmoniosa, porém com tom de apelo. Ele girou o corpo sem andar e respondeu: _ Então me diga o seu nome e o que faz aqui. _ Eu não sei. Eu não sei como cheguei aqui...eu... eu não sei. _ Como assim?! _ Sua testa franziu. _ Eu queria muito saber onde estou, mas não me lembro de nada...eu.. eu só sei que preciso voltar pra casa. _ E onde é a sua casa? _ Eu não sei. Oh, meu Deus, eu não sei nada! _ Como poderei te ajudar se você não sabe seu nome e nem de onde veio ou pra onde quer ir ?? Como, se eu nem posso chegar perto de você??!!! _ Por favor, me ajude! Oh, meu Deus! Não me sinto bem...eu....eu... A garota foi aos poucos desaparecendo e Ryan não teve tempo de se aproximar dela para ver seu rosto ou poder ajudá-la. Ele se aproximou da árvore, mas foi tarde demais. Ele percebeu que não havia mais ninguém ali. Não viu mais o tecido que voava atrás da árvore e nem o longo cabelo escuro que balançava com o vento. Ela desapareceu completamente. ♥♥♥ Ryan chegou ao apartamento depois de uma longa caminhada e essa caminhada fez bem para ele. Mesmo estando sob o efeito da bebida ele caminhou com os pensamentos presos a imagem da garota do parque. Ele não sabia se o que acontecera no parque 38 fora uma cena verdadeira ou uma alucinação. O álcool ainda atordoava seu cérebro naquele momento. Ryan não tinha certeza de nada, somente que vira uma garota. Para ele, parecia que tinha sido tudo muito real e a voz macia da garota não lhe saía da cabeça. Ele conseguiu chegar ao apartamento e foi direto para o banheiro. Sentia-se muito enjoado. Não tinha o costume de beber a quantidade de álcool que bebera. Antes de ligar a ducha, sua cabeça rodou forte e o refluxo amargo chegou a sua boca com pressão provocando a expulsão do líquido azedo e repugnante. Com agilidade, ele levantou a tampa do sanitário e despejou ali dentro tudo que estava lhe fazendo mal. Fez isso por duas vezes e elas foram suficientes para aliviar o mal estar que sentia. O rapaz conseguiu vagarosamente tirar a roupa e ligou a ducha com temperatura moderada. Sentou no chão do box e deixou a água cair com pressão sobre a sua cabeça e o corpo. Deixou que a água o massageasse e revigorasse seu físico e principalmente, seu ser. Após longos minutos debaixo d’água, ele se levantou e terminou o banho. Saiu do banheiro vestido em seu roupão branco e passou na mini-cozinha acoplada com a saleta de jantar para apanhar um comprimido que lhe faria bem. Ele tomou o comprimido com apenas uma golada d’água e depois olhou para a cama grande e macia que comprara por sugestão de Adele. Novamente veio a lembrança de Adele deitada naquela cama ao seu lado. Ele sentiu um leve tremor em seu corpo ao lembrar que poderia não haver mais a chance de compartilhar novamente com ela momentos maravilhosos naquela cama. Ele tentou afastar esse pensamento negativo de sua cabeça 39 enquanto vestia o short de algodão e a camiseta para dormir. O remédio começou a fazer efeito e ele passou a se sentir melhor. Deitou na cama e colocou o braço direito sobre a cabeça para organizar seus pensamentos e planejar como seria o dia seguinte no hospital, mas antes disso acontecer, o sono chegou com força e ele adormeceu. Numa determinada hora da madrugada, Ryan agitou-se. O corpo inquieto revirava de um lado para o outro na cama. Seu sono que antes era calmo e sereno transformou-se em um incômodo. Em seu subconsciente surgiam cenas confusas, objetos e lugares desconhecidos por ele. Havia também aparições de uma mulher idosa que acenava para ele com um lenço branco e em sua companhia uma bela mulher. Mesmo Ryan não visualizando o rosto da moça com perfeição, em seu sonho ele parecia que a conhecia. No sonho, Ryan sorria para ela. Tudo em volta da jovem mulher parecia brilhar e a áurea que contornava seu corpo a deixava ainda mais bela. Inconscientemente, ele associou a imagem da moça à sua namorada, Adele. Num momento repentino, a imagem da mulher e da senhora desapareceram. Ryan sentiu-se sozinho. Sentiu frio. Ele virou-se na cama, mas não acordou e o sonho continuou a vagar em sua mente. Ryan se viu perdido numa estrada asfaltada e estreita sem acostamento. Nesta estrada não passava nenhum automóvel e ele resolveu caminhar por ela. Andou sem saber para aonde estava indo. Ele aumentou os passos, tinha pressa para ver o fim da estrada. O corpo de Ryan apresentava cansaço porque caminhou por horas por aquela estrada que parecia não ter fim. 40