F JORNAL DO JP/24ª CRE NA SALA DE AULA POVO ALANDO SÉRIO A ciência, ultimamente, tem nos apresentado várias questões, e mal entendemos o significado de uma nova tecnologia, nos adaptamos e aceitamos suas implícitas questões moral e ética, vem outra e... Pum! Nos acerta em cheio. Foi assim com a pílula, a fertilização in vitro, a escolha do sexo do bebê e agora vem à tona essa história de célula-tronco. Parece que há uma corrida em que a ciência é soberana em sua liderança, e nós, a sociedade, corremos atrás, coração disparado e respiração ofegante. A peculiaridade desta corrida está no fato de que esta só se encerra quando ciência e sociedade se encontram na linha de chegada. E para chegar na linha final, a nossa sociedade precisa entender e discutir o significado destas novas tecnologias. O Projeto JP/ 24ª CRE na Sala de Aula entra nessa discussão, oferecendo material para que o tema seja debatido em sala de aula. Segunda-feira, 3 de outubro de 2005 Reportagem e coordenação do projeto: Patrícia Vargas Uma pergunta A polêmica das células-tronco Lei de Biossegurança permite estudos com células embrionárias No campo da cura de doenças, nenhuma notícia relacionada à biotecnologia vem gerando mais esperanças – e também mais discussões sobre ética – do que as experiências com células-tronco. Já são feitos transplantes de células-tronco adultas em seres humanos que sofrem de doenças cardíacas e reumatismo, em caráter experimental e com resultados aparentemente benéficos. Mas há uma grande polêmica cercando a questão, em relação à utilização das células-tronco embrionárias. Elas se formam num período de mais ou menos cinco dias depois da fecundação de um óvulo por um espermatozóide, que resulta na célula-ovo ou zigoto. Por causa da controvérsia em torno do assunto, as pesquisas Os médicos são a favor ou contra a utilização de células-tronco embrionárias? nessa área sofrem restrições em vários países. No Brasil, elas se tornaram possíveis somente com a aprovação da Lei de Biossegurança – a mesma que liberou os transgênicos. Pela lei, os embriões congelados há mais de cinco anos podem ser utilizados para estudos. A polêmica em torno deste tipo de célula é que a Igreja Católica e seus seguidores acreditam que a vida humana começa na fecundação. Por isso, o uso de células embrionárias, que inviabiliza o desenvolvimento do embrião, equivaleria a eliminar uma vida, mesmo que esse uso seja, em princípio, para salvar outras. Para muitos cientistas, porém, a vida só se inicia com a formação do sistema nervoso central, e no zigoto isso ainda não ocorreu. Outros argumentam que os embriões usados em pesquisas com células-tronco são embriões congelados em clínicas de fertilização, que são descartados sem se desenvolver. O que foi aprovado neste ano no Brasil, através da Lei de Biossegurança, é a pesquisa com as células-tronco existentes nos embriões, e não tratamentos que podem levar até décadas para serem colocados em prática. MARCUS TATSCH Importante Doenças tidas antes como incuráveis, como a esclerose múltipla, Mal de Parkinson, reumatismo e diabetes, entre muitas outras, podem estar com seus dias contados. Elas estão na mira de pesquisadores que estudam as célulastronco e prometem uma revolução no tratamento e na vida de pessoas que até pouco tempo atrás não tinham esperança de cura. As células-tronco já são uma realidade comprovada em tratamentos de doenças cardíacas e doenças oncohematológicas (câncer no sangue) como vários tipos de leucemia, de linfomas, mieloma múltiplo, além de aplasia de medula óssea, anemias hereditárias e alguns tumores sólidos, como neuroblastoma. Mais distante, porém em estudos, está o tratamento para deficientes físicos, mas, com a evolução das pesquisas com células-tronco daqui a anos uma pessoa que for atendida nas primeiras horas após ocorrer uma lesão na medula espinhal pode ser totalmente curada. Avanços da ciência A biotecnologia se desenvolveu com impressionante rapidez, se lembrarmos que a descoberta da estrutura do DNA foi anunciada em 1952 pelos biólogos James Watson, norte-americano, e Francis Crick, inglês. Exatamente 50 anos depois, os cientistas do projeto Genoma concluíram o mapeamento do código genético humano. Com isso foram transcritas todas as letras (os elementos mais básicos do código), mas ainda não se sabe exatamente como essa engrenagem trabalha. Quando a humanidade dominar a linguagem do DNA, terá acesso a preciosas informações sobre o funcionamento do organismo, com um impacto inestimável na medicina. LISIANDRA WEBSTER: neurologista afirma que são necessários estudos mais conclusivos PARA ENTENDER MELHOR O que são células-tronco n São células que além de conseguirem se autoreplicar, são altamente versáteis, pois têm a capacidade de se diferenciar em células de praticamente qualquer tecido do corpo humano. Assim, também são chamadas pelos especialistas de coringas. pessoas que precisavam de transplante de medula óssea, como pacientes com leucemia. Este tipo de transplante acabou sendo descartado com o tratamento de células-tronco da medula óssea. n Com estas duas características, as células-tronco podem originar novos órgãos, sadios, que podem substituir órgãos lesados sem a necessidade de um transplante - que, de um lado requer o difícil doador compatível e, de outro, a aceitação do órgão por parte do organismo, dificuldades que não existem em tratamentos com injeção de células-tronco do próprio paciente. constituem a retina de nossos olhos ou os neurônios de nosso cérebro são células que já possuem uma n A razão está no fato de que as células-tronco são identidade, ou seja, são diferenciadas. Elas não células capazes de gerar qualquer outro tipo de serão outra coisa senão células de retina e célula, ou seja, são células que ainda não possuem neurônios. Já as células-tronco podem virar céluuma identidade, ou biologicamente falando, são las de retina ou neurônios, depende somente do células indiferenciadas. Por exemplo, células que tratamento que receberem no laboratório. n As células-tronco podem ser encontradas em todo o corpo, mas os cientistas trabalham com duas possibilidades: as adultas, encontradas no cordão umbilical e na medula óssea, e as embrionárias, que estão nas células do embrião. n As células-tronco já utilizadas nos tratamentos atualmente são as células-tronco adultas encontradas na medula óssea, conhecidas desde a década de 60. O início do seu uso se deu em n As células-tronco umbilicais são retiradas do sangue do cordão umbilical, rico em células-tronco. São consideradas melhores do que as adultas, já que são virgens. Os cordões umbilicais congelados que contém células-tronco prontas para serem utilizadas podem ser encontrados nos bancos, que podem ser privados ou públicos. O cordão é congelado no momento do parto, em nitrogênio líquido, a 196 graus celsius negativos. Atualmente, o material só pode ser descongelado uma vez. A esperança é que as células-tronco umbilicais sejam mais potentes que as adultas, por terem quilometragem zero e carregarem o código genético do próprio doador, não havendo riscos de rejeição no caso de injeção destas células. n Finalmente, há as células-tronco embrionárias, centro da polêmica Lei de Biossegurança aprovada no Brasil em 2005. Não há qualquer experiência, em todo o mundo, realizada com este tipo de célula-tronco em humanos. O que foi aprovado neste ano no Brasil é a pesquisa com estas células, e não tratamentos que podem levar até décadas para serem colocados em prática. Em Cachoeira do Sul, parece que nem todos os médicos já se posicionaram a respeito da utilização das célulastronco embrionárias. Nos últimos 15 dias, o JP entrou em contato, via email, com sete médicos cachoeirenses, perguntando a sua opinião a respeito do assunto. Um deles respondeu que ainda não estava “por dentro” do assunto o suficiente para responder, outros cinco nem responderam ao e-mail e apenas uma médica, a neurologista Lisiandra Zílio Prates Webster, deu sua opinião: “O uso de células tronco em neurologia está sendo avaliado em todo o mundo, inclusive no Brasil. Parece que doenças como a esclerose múltipla apresentariam benefício, visto ser essa uma doença de evolução incerta, mas que pode gerar déficit neurológico progressivo, muitas vezes, irreversível. Como é uma doença que ocorre por defeito das células que cuidam da imunidade, parece que se essas células forem substituídas por outras normais, a doença se estabilizaria. Também pode ser benéfico para doenças vasculares cerebrais (derrames, isquemias), a fim de tentar redução da morbidade (seqüelas) geradas por esse evento. Estuda-se que possa ocorrer o aparecimento de substâncias precursoras do tecido neuronal, o que levaria à regeneração da área lesada. Isso parece tornar possível, então, regeneração de lesões medulares, como os gerados por ferimentos da medula espinhal. As pesquisas ainda usam principalmente as células tronco originadas de tecidos maduros, mas já está sendo avaliado o uso de células tronco de origem embrionária. Vale lembrar que todos estudos acerca dessa questão ainda são muito recentes, mas são promissores. Contudo, é prudente aguardarmos resultados mais concretos para termos conclusões mais definitivas e não apenas hipóteses geradas por estudos experimentais”.