EÇA DE QUEIRÓS II Corresponência de Fradique Mendes As Cartas EÇA DE QUEIRÓS II SEGUNDA PARTE A segunda parte da obra, apresenta, sem ordem aparente, as epístolas. Existem 16 cartas publicadas pelo narrador, supostamente de um corpus mais vasto: seriam as mais significativas para falar de um grande homem. São nove as cartas para senhoras e sete para homens. Significativo é haver três destinatárias e sete destinatários. Madame Jouarre tem cinco cartas recebidas e Clara tem três cartas recebidas. Praticamente, a correspondência orbita em torno destas duas personagens. EÇA DE QUEIRÓS II SEGUNDA PARTE Madame Jouarre é tratada como "minha querida madrinha“, e Clara é objecto de um amor e adoração ao estilo romântico, por parte de fictícias; Fradique. As destinatárias são todas alguns destinatários são reais (Oliveira Martins, Guerra Junqueiro e Ramalho Ortigão). Nenhuma das cartas deixa de servir ao interesse maior de expressar uma opinião ou um gosto estético. No jogo que se estabelece entre a primeira e a segunda parte da obra, o leitor acaba por descobrir que o fingimento biográfico e o epistolar oportunizam um debate sobre os diferentes temas versados. Entre estes, com destaque, o da criação literária. EÇA DE QUEIRÓS II CARTA 01 - Londres, maio Ao Visconde de A.-T Resposta a um bilhete que pedia opinião sobre “qual o melhor alfaiate de Londres”. Fradique sugere a partir da finalidade do destinatário: quer quem apenas lhe cubra a nudez ou “deseja um alfaiate que lhe dê consideração e valor no seu mundo”. Ao final, Fradique põe-se á disposição para subsequentes conselhos. EÇA DE QUEIRÓS II CARTA 02 – Paris, dezembro A Maddame de Jouarre Fradique mostra-se interessado por uma mulher que acompanhava sua madrinha. Surge o desejo de um homem por uma mulher, desejo carnal que é sublimado em linguagem poética. A linguagem poética de Eça, porém, resvala para a Ironia. Tecem-se considerações sobre Portugal, sempre com acutilante pessimismo: "Tudo tende à ruína, num país em ruínas". EÇA DE QUEIRÓS II CARTA 03 – Paris, maio A Oliveira Martins Fradique possui uma múmia pela que também tem um estatuto social elevadíssimo. Uma múmia egípcia para os britânicos era como um sinal exterior de riqueza. Fradique disserta sobre o Antigo Egipto e comparando com os tempos modernos diz que "o homem moderno, esse, mesmo nas alturas sociais é um pobre Adão achatado entre as duas páginas de um código." EÇA DE QUEIRÓS II CARTA 04 – Paris, fevereiro A Madame S. Fradique defende o uso da língua materna.. Sustenta que "na língua verdadeiramente reside a nacionalidade - e quem for possuindo com crescente perfeição os idiomas da Europa vai gradualmente sofrendo uma desnacionalização". Aqui nesta carta acontece o que acontece muitas vezes nos textos de Eça: ficar sem saber bem o que ele realmente quer dizer, qual é a sua verdadeira posição sobre as coisas. EÇA DE QUEIRÓS CARTA 05 – Paris, maio A Guerra Junqueiro Fradique expõe as suas ideias sobre religião, comparando Cristianismo e Budismo. A carta revela um tom um pouco paternalista para com Junqueiro. Refutando os ideais poéticos de Junqueiro, dando deste uma ideia lírica, (no mau sentido da palavra lírico), do poeta. Fradique expõe e defende que as religiões são apenas constituídas por rituais, apenas pela sua expressão social exterior. EÇA DE QUEIRÓS CARTA 05 – Paris, maio Implicitamente defende que as religiões não têm conteúdo, que a sua filosofia e teologia é desimportante, mas que apenas existem como fenómeno social. "O catolicismo (ninguém mais furiosamente sabe que V.) está hoje resumido a uma certa série de observâncias materiais: e todavia não houve Religião dentro da qual a Inteligência erguesse mais vasta e alta estrutura de conceitos teológicos e morais." EÇA DE QUEIRÓS CARTA 05 – Paris, maio “De resto, não se desconsole, amigo! Mesmo entre os simples há modos de ser religiosos, inteiramente despidos de liturgia e de exterioridades rituais.” Fradique termina a carta de modo hilariante. Trata-se da comunicação do chefe Africano com o seu deus Mulungo. Dita um recado ao escravo, corta-lhe a cabeça e lá vai a alminha a subir aos céus que dará o recado ao deus Mulungo. EÇA DE QUEIRÓS CARTA 06 – Paris, abril. A Ramalho Ortigão "Madame experimentou uma ou diferente, a carta traz um episódio desensação adultério nova e acaba com que reflexão a desenervou, a desafogou, lhe permitiu mais uma deliciosamente cínica sobre oreentrar assunto: acalmada na monotonia do seu lar, e ser útil aos seus com rediviva aplicação. E o argentino adquiriu outra inesperada e triunfal certeza de quanto era amado e feliz na sua escolha. Três ditosos ao fim desse dia de primavera e de campo. E se daqui resultar um filho (o filho que o argentino apetece) que herde as qualidades fortes e brilhantemente gaulesas de Chambray, acresce, ao contentamento individual dos três, um lucro efetivo para a sociedade. Este mundo está, portanto, superiormente organizado" (p. 151) EÇA DE QUEIRÓS II CARTA 07 – Lisboa, março A Madame de Jouarre Fradique faz um retrato deprimente da sua chegada a Lisboa por via férrea: não há transportes até ao Hotel Bragança; não há ninguém para carregar as malas; perderam-se as bagagens. Critica a qualidade da vida em Portugal. Fradique sublinha o profundo provincianismo e atraso mentecapto de Lisboa. Uma Nação não é uma ideia abstracta ou um ideal poético. Uma Nação é a maneira como as instituições funcionam, como a vida em geral funciona (ou não funciona). EÇA DE QUEIRÓS II CARTA 08 – Paris, setembro Ao Sr. E. Mollinet – Diretor da Revista de Biografia e de História Fradique aparece a elogiar uma personagem do mundo da política: Pacheco, cuja inteligência se tornou lendária sem fazer nada; personagem de pose burocrática e inútil, típica dos políticos. Pacheco passou a ser considerado um gênio depois de ter dito um cliché positivista, "O século XIX era um século de Progresso e de Luz". Vão-se avolumando boatos acerca da maravilhosa capacidade intelectual de Pacheco até que este se torna Ministro. Aparece na carta a figura do Conselheiro Acácio, personagem de O Primo Basílio. EÇA DE QUEIRÓS II CARTAS 09, 13 E 16 - Paris A Clara As cartas a Clara são típicas cartas de um apaixonado, com a linguagem do amor hiperbolizada. De alguma maneira são cartas de amor normais de um amor afogueado, platonizado, divinizado. Fradique tem uma adoração metafísica e estética por Clara. Não pretende ter um relacionamento com ela mas tão só viver o seu ato de adoração. É a Beleza, o ideal da Beleza, que Fradique ama em Clara e não a beleza de Clara. Clara é só a organização física onde o seu sentimento estético e pararreligioso se vai focar. EÇA DE QUEIRÓS II CARTAS 09, 13 E 16 - Paris Na carta 16, a última, Fradique faz uma certa apologia ao Budismo: "Eu, minha flor, sou pelo Budismo“ O livro acaba com um autêntico ato de adoração: "E é tempo que te mande, em montão, nesta linha, as saudades, os desejos e as coisas ardentes e suaves e sem nome de que meu coração está cheio, sem que se esgote por mais que plenamente as arremesse aos teus pés adoráveis, que beijo com submissão e fé". EÇA DE QUEIRÓS II CARTA 10 – Lisboa, junho A Madame de Jouarre Fradique continua a Madame Jouarre o relato da sua estada em Lisboa. As duas figuras, o Quinzinho filha de D. Paulina e o Pinho, retratam de forma cruel, a maneira como em Portugal a iniciativa individual é nula e grande parte da população só deseja viver sob a protecção paternal do Estado, sem complicações, sem trabalhar quase nada ou nada mesmo, sem opinião, sem levantar ondas, sem turbulência, deixando que tudo permanecesse como está. EÇA DE QUEIRÓS II CARTA 11 – Paris, junho A Mr. Bertrand B. – Engenheiro na Palestina Completamente anti-Progresso, com uma perspectiva congeladora sobre a vida dos habitantes da Palestina, endereçada a quem projetou o caminho de ferro entre Jafa e Jerusalém. Fradique tentade demonstrar o ridículo e entre o crime “Um caminho ferro é obra louvável Paris e paisagístico, antropológico e patrimonial, se levar o Bordéus. Entre Jericó e Jerusalém bastade a égua ligeira Progresso à Terra Santa. que se aluga por dois dramas, e a tenda de lona que se à tarde, entre os à beirapara duma água planta Não por a Palestina serpalmares, o local Sagrado clara, emas onde dorme tão santamente sob deve a pazser Fradique, porseser um lugar histórico e que radiante estrelasna daPalestina Síria.“ (p.é184) preservado como das tal. "Entrar penetrar numa Bíblia viva" (p. 182).. EÇA DE QUEIRÓS II CARTA 12 – Quinta de Refaldes (Minho) A Madame de Jouarre Fradique faz um retrato do país rural à sua madrinha. O retrato da vida numa quinta. “"Adescrição cozinha era mais visitada do que a igreja -- "casarão e todos A visual recorre a personificações dias os capões espeto. de Uma poeira …os pensativo e grave“alouravam - e a todo no o requinte discreta velava livraria. Onde apenas por vezes algum pormenores queatorna a descrição um ambiente cónego reumatizante e retido nas almofadas de sua cela minucioso, sempre com uma adjetivação apropriada. mandava buscar D. Quixote a farsa de D. Petronila A descrição da o quinta denotaou logo o espírito e Esparrejada, de arejada, catalogada, com rótulos e antieclesiástico Eça debem Queirós: notas traçadas pela mão erudita dos abades, só a Adega …" EÇA DE QUEIRÓS II CARTA 14 – Lisboa, junho A Madame de Jouarre Novamente, casa de hóspedes da D. Paulina: Fradique expõe sobre outra personagem que conhecera: Padre Salgueiro. Este padre encerra em si o paradigma dos padres portugueses. “...gerado na gleba, desbravado e afinado depois pelo seminário, pela frequentação das autoridades e das secretarias, por ligações de confissão e missa com fidalgas que têm capela e sobretudo por longas residências em Lisboa, nessas casas de hospedes da Baixa, infestadas de literatura e política." EÇA DE QUEIRÓS II CARTA 15 – Paris, outubro A Bento de S. Fradique revela mais uma vez um ceticismo extremado e quase injustificável; o destinatário da carta, pelo que se depreende, vai tentar fazer um jornal. Fradique sustenta que há três atitudes que matam uma sociedade, são elas a Intolerância, os Juízos Ligeiros e a Vaidade. Jornal é por definição um lugar de notícias ligeiras e de juízos apressados. EÇA DE QUEIRÓS II CARTA 15 – Paris, outubro "Para julgar em Política o fato mais complexo, largamente nos contentamos com o boato, mal escutado a uma esquina, numa manhã de vento" “Todo o jornal destila como um hábitos alambique (p. 205). " E quem nosintolerância, tem enraizado estes de destila álcool, e cada manhã a multidão seque envenena desoladora leviandade? O jornal - o jornal, oferece aos goles com esseaveneno (...) O jornal cada manhã, desde crônicacapcioso. até os anúncios, uma exerce hoje todasde asjuízos funções malignas do defuntona massa espumante ligeiros, improvisados Satanás(...) O jornal matou na do Terra véspera, à meia noite, entre o silvar gásaepaz." o fervilhar das chalaças, por excelentes rapazes que rompem pela redação, agarram um tira de papel e, sem tirar mesmo o chapéu, decidem com dois rabiscos da pena sobre todas as coisas da Terra e do Céu." (p. 206)