HEMETÉRIO JOSÉ DOS SANTOS: EDUCADOR, HOMEM DE LETRAS E SUA OBRA Dep. de Educação II/UFMA Tadeu Luis Maciel Rodrigues (Curso de História/Bolsistas/GHICERER/UFMA) O objeto da história, portanto, não são, ou não são mais, as estruturas e os mecanismos que regulam, fora de qualquer controle subjetivo, as relações sociais, e sim as racionalidades e as estratégias acionadas pelas comunidades: as parentelas, as famílias e os indivíduos. [..] o olhar se desviou das regras impostas para as suas aplicações inventivas, das condutas forçadas para as ações permitidas pelos recursos próprios de cada um: seu poder social, seu poder econômico, seu acesso à informação (Chartier, 1994, p.98). INTRODUÇÃO Com a intensificação do movimento de renovação da historiografia, marco da segunda metade do século XX, diversas críticas emergiram contrária a essa visão totalizadora cuja ambição era recuperar a feição humana dos processos históricos. Dentre os retornos de renovação da escrita histórica, a biografia suscitou preocupação como um trabalho de pesquisa profícuo capaz de demonstrar as tensões existentes entre as ações humanas e as estruturas sociais, colocando o personagem e seu meio numa relação dialética e assegurando à História o caráter de um processo com sujeitos, procedendo ao que CHARTIER (1994), vai chamar de virada epistemológica em direção ao individuo. Amenizada as tensões iniciais provocado pela irrupção da biografia, aos poucos as desconfiança foram dissipadas e os estudos de trajetórias individuais passaram a ser incorporada a escrita de nova historiografia. Os historiadores desse movimento trataram logo de afirmar que o retorno do gênero biográfico representava a possibilidade de abordagem do individuo situados nos marcos permitido pela sua época e seu meio social. Pois,conforme LE GOFF (1990, p. 7-8), “a biografia histórica nova, sem reduzir as grandes personagens a uma explicação sociológica, esclarece-as pelas estruturas e estuda-as através de suas funções e papéis”. Para DEL PRIORE (2009, p.11), a escrita biográfica envolve uma narrativa de “movimentos encadeados e uma intriga codificada por fatos reais, interpretados”, sendo assim, o texto escrito por um historiador-biógrafo deve, portanto, contar a história real de uma vida, o que nos coloca inevitavelmente no cerne da problemática da narrativa ou do seu entorno. Desta feita, o desenvolvimento da biografia, nas últimas décadas, é constantemente relacionado a este movimento de retomada da função narrativa do discurso histórico, como bem assinala LE GOFF (1989) “a biografia histórica deve se fazer, ao menos em certo grau, relato, narração de uma vida, ela se articula em torno de certos acontecimentos individuais e coletivos – uma biografia não événementiellenão tem sentido” (LE GOFF, 1989, p.1).Refletindo sobre importância a biografia histórica LEVI (1996) também afirma que: [...] a biografia constitui na verdade o canal privilegiado através do qual os questionamentos e as técnicas peculiares da literatura se transmitem à historiografia. Muito já se debateu esse tema, que concerne, sobretudo, às técnicas argumentativas utilizadas pelos historiadores. Livre dos entraves documentais, a literatura comporta uma infinidade de modelos e esquemas biográficos que influenciariam amplamente os historiadores (Levi, 1996, p. 168) Há que considerar que ao se lançar no estudo bibliográfico que o enredo uma vida não é uma trajetória retilínea em direção a um fim determinado que já se manifestava desde os momentos mais remotos da infância do personagem. Pois, o elemento constituinte desta narrativa biográfica é o nome próprio, ou seja, “é o atestado visível da identidade do seu portador através dos tempos e dos espaços sociais, o fundamento da unidade das suas sucessivas manifestações e da possibilidade socialmente reconhecida de totalizar essas manifestações em registros oficiais” (BOURDIEU, 1996, p. 187). A narrativa biográfica supõe uma modalidade de escrita da História profundamente imbricada nas subjetividades, nos afetos, nos modos de ver, perceber e sentir o outro. Talvez este seja o grande desafio do trabalho biográfico: ao falar do seu personagem, o biógrafo, de certa forma, fala de si mesmo, projeta algo de suas emoções, de seus próprios valores e necessidades. (BORGES, 2009, p. 232). Tecidas essas breves considerações sobre a biografia passamos a justificar o nosso interesse por Hemetério José dos Santos, um ilustre educador e homes de letras desconhecido da história de nossa Educação. Para trazer à tona a vida desse homem negro do final do século XIX e inicio do XX, seguiremos as pistas deixadas em obras suas e dos poucos ensaios que tem sobre sua vida e atuação como homem de letras nos primeiros anos da república brasileira. Sendo assim, orientado principalmente pela invisibilidade desse renomado educador negro entre os cânones da historiografia da educação, propomos narrar uma breve biografia de Heméterio José dos Santos, pautando o contexto, ou seja, o campo de sua atuação, produção e de afirmação como intelectual negro das letras e da educação. Explicitando o seu pensamento pedagógico, ressaltando que em quanto homem de letras negro travou um tenso e intenso debate com os seus pares do campo intelectuale educacionalsobre a questão racial do Brasil do seu tempo e de sua condição de intelectual numa sociedade que lhe negavareconhecimento identitário devido a seu pertencimento a um grupo de cor. Vida e Trajetória do educador e homem de cor e das letras O biografado que aqui apresentamos foi descoberto pela pesquisadora Maria Lucia Rodrigues Muller (2002), no decorrer de sua pesquisa sobre professoras negras na primeira república, e posteriormente apresentou-o num verbete na obra Dicionário de Educadores no Brasil: da colônia aos dias atuais (2002)cuja intenção foi compor um mosaico da educação no Brasil, focando tanto o processo sociocultural como o político e o econômico dos protagonistas contemplado nessa escrita da história da educação brasileira. O professor Heméterio, comprometido com a questão racial, fixou-se no Rio de Janeiro como primeiro professor negro do Colégio Militar. De formação rebuscada foi gramático, filólogo e literato que escreveuobra de poesia, contos e gramática. Segundo os esparsos registro que tem sobre sua origem, nasceu em 03 de março de 1858 em Codó, na Província do Maranhão, mas conforme consta no livro de batismo, que se encontra no Arquivo Público do Maranhão, na ocasião do seu registro (17/07/1858), o seu pai o Major Frederico dos Santos Marques Baptisei, proprietário da fazenda Sam Raymundo, quando registrou Heméterio, filho natural de sua escrava Maria, ele já tinha idade de 5 anos. Na mesma ocasião, foram registrados mais dois filhos do referido Major, Graciliano, irmão de Hemetério e Theophilo, filho natural da escrava Dominga. Quanto os seus estudos, primário e secundário, pelo que está sendo levantado, ele o fez, como parece indicar, a documentação em consulta no Collégio da Imaculada Conceição, referencia que, também, aprece nos seus escritos sobre sua memória da infância. Sobre a abertura doCollégioo Jornal a Actualidadenoticiou que: Em 1869, é anunciada a criação de um novo colégio - o Collégio da Imaculada Conceição -, na cidade de São Luis, sendo seus diretores os Padres Theodoro Antonio Pereira de Castro; Raymundo Alves de France; e Raymundo Purificação dos Santos Lemos. Internato para alunos de menor idade, seria aberto em 07 de janeiro de 1870. Neste anuncio também foi apresentado: O programa do colégio, condições de admissão dos alunos, o enxoval necessário, o Plano de Estudos tanto do 1º grau como do 2º grau, da instrução primária; o da instrução secundária; e da instrução religiosa. No que se referia às Bellas Artes desenho, música vocal e instrumental, gymnástica, etc., mediante ajustes particulares com os senhores encarregados dos alunos. O novo colégio situava-se na Quinta da Olinda, no Caminho Grande, fora do centro da cidade, e possuía água corrente, tanque para banhos, árvores frutíferas, jardim, bosque e lugar de recreação (A ACTUALIDADE n. 28, 28 de dezembro de 1869). Conforme bem expressou o anuncio no Jornal o Collégio Imaculada Conceição destinava a educação e innstrução de alunnos de menor edade, contidos a direcção de ecelesiasticos seculares. O programa desse novo collégio tinha as seguintes bases: 1-Dar infância a educação, literária sufficiente a adaptal-a a seguir os cursos superiores de instrução; 2-Desenvolvel-a segundo os preceitos mo termo da pedagogia,modelando-a pelos métodos mais avançados e seguidos; 3-Disseminar a instrução por preços reduzidos, proporcionando assim aos Pais de famílias, ainda de escassa fortuna, meios de educarem seus filhos com mais commodidade; 4-() Promptificar os alunnos em breve espaço de tempo, de modo que, ultimando seus estudos preparatórios ainda com pouca edade, possam também concluir sua formação superior em poucos anos; 5-Limitar a uma sóclasse dos alunnos-internos, afim de que sobre eles se eserçam os cuidados e desvellos da direção Ressaltamos que, nessa fase da vida escolar, o Heméterio tornou-se discípulo dos padres Castro, Fonseca e Purificação e encontramos referências em sua memória que ele foi colega do ilustre personagem da educação e política maranhense, o Benedito Leite. Essas relações e outras questões sobre sua infância e juventude, em especial sua escolarização no Maranhão, tem sido o foco dessa pesquisa que está em andamento. Esse estudo pretende dar contas de algumas indagações tais como: “em que período se deu o seu estudo primário e secundário?”; “Quando se dá sua mudança para o Rio de janeiro?”; E sua formação nos estudos superiores deu-se onde?”, uma vez que, o que se sabe sobre sua biografia é a partir de sua brilhante carreira acadêmica, como professor, gramático, filólogo, no Colégio Militar e de professor Literatura na Escola Normal, ambos no Rio de Janeiro. Pois segundo registro no Arquivo Nacional, já era professor 1878, também, do Colégio de Pedro II. O que podemos deduzir é que ele migrou para o Rio de Janeiro nos primeiros anos da década de 70 do século XIX. A sua carreira acadêmica no Colégio Militar do Rio de Janeiro, inicia-se com a nomeação, em 20 de Abril de 1890, para exerce a função de professor adjunto do curso secundário, e depois de passar 8 anos na função, foi designado professor “ para ministrar aula de português do curso de adaptação” do mesmo Colégio. Posteriormente, foi nomeado professor vitalício e recebeu a patente de Major do Exército, indo servir na escola de Artilharia e Engenharia do Colégio Militar, chegando a obter a patente de Tenente-Coronel Honorário. Na Escola Normal do Distrito Federal, foi, também, professor e teve a adotado, pela escola o seu Compêndio de GrammaticaPortuguezaem substituição ao Compêndio da lavra do dr. Alfredo Gomes. Na ocasião, essa ação levaram ambos a uma calorosa discussão pela imprensa – nos Jornais Gazeta e O Paiz – sobre diversas questões de gramática e chegando as divergências, de ambos, acerca da direção e do programa do Ensino Municipal no Rio de Janeiro, conforme bem referiu MULLER (2006) no seu estudo sobre esse educador. Nesse embate, diz a autora, “havia toda sorte de demonstração de erudição, ambos discordavam sobre as posições tomadas por um e por outro” (MULLER, 2006, p.155). Foi também professor do Pedagogium, instituição que exerceu na época a função de coordenar e controlar as atividades pedagógicas do país. O Pedagogium foi criado, por Manoel Bomfim para ser um centro impulsionador e estimulador de reformas e melhorias para o ensino público. Amigo de Manoel Bonfim, desde o tempo da Escola Normal, Hemetério exerceu, a partir de 1906, o cargo de Subdiretor do Pedagogium, e ensinou, também, nesse centro inovador. Como filólogo Hemetério foi fundador da Academia Brasileira de Filologia ocupando a cadeira de número 25 do qual é patrono. Como um homem de ação e das letras Hemetério José dos Santos estava engajado e atuava nos principais centros de formação de nosso país e era corrente sua circulação, como intelectual, freqüentar as páginas dos jornais expondo suas idéias e entrando em grandes polêmicas que como resultado, lhe rendeu o adjetivo de ardoroso polemista (MULLER, 2006). O professor Heméterio era negro, o primeiro e único negro do Colégio Militar, essa sua condição de homem de cor, apesar da erudição, causava-lhe grandes entraves num espaço profissional e intelectual majoritariamente branco. Queria fazer-se ouvir, e fez como um homem de letras e como negro, lutando contra o racismo com as mesmas armas e com muita coragem, carregando na tinta da sua escrita nos jornais, nos livros e poemas para desmascarar a falsidade do racismo e do preconceito imperante no Brasil das primeiras décadas da república. O preço da sua posição foi o seu silenciamento na escrita da história da educação do Brasil. Advertimos que, o campo intelectual e de intelectuais que se formava no Brasil do final do século XIX e inicio do XX está imerso as teorias do racismo científico que aportaram aqui como teorias explicativas para o atraso ou o progresso das nações. Essas explicações tiveram sua gênese na Europa como o positivismo de Comte; o evolucionismo de Spencer; o transformismo de Darwin e a etnologia de Gobineau, entre outros. Como teorias explicativas, elas moldaram a construção de um discurso explicador do Brasil, num contexto políticocultural onde a pauta principal dos debates entre os intelectuais e políticos era a possibilidade, ou não, da constituição futura da nação brasileira em termos mais democráticos e progressistas. Sendo assim, denunciá-lo, naquele momento, caracterizava ato de rebeldia e poucos foram os intelectuais queousaram a assumir essa posição do denuncismo sobre a influência dessas teorias e de sua articulação e sustentação com/do racismo a brasileira, dentre os quais destacamos os professores e intelectuais, Hemetério José dos Santos e Manoel Bonfim, o defensor da causa negra, ambos combateram e ignoraram essas idéiasracialista e determinista que contaminava a formação do campo intelectual no Brasil da primeira república. Uma das questões, com força intelectual nesse período, era a idéia de que a composição multirracial era um obstáculo para a formação da nação. A grande interrogação colocada era: poderá existir uma nação onde a população é constituída predominantemente por negros, índios e mestiços? Frente a esta interrogação estava a ideologia da teoria da desigualdade inata das raças defendidas, por exemplo, por Gobineau e Gustave Le Bom, foi adotada por uma parcela considerável dos intelectuais brasileiros. Há que ponderar que está teoria acabou tendo influência dominante no pensamento social e político do Brasil, principalmente porque supostamente ela vinha eivada de dados científicos. Neste contexto, pensadores como Oliveira Martins, Oliveira Viana e Silvio Romero viam na questão racial, principalmente na mistura de raças, o grande problema da inferioridade brasileira. O fato é que, na virada para o século XX, no Brasil, buscava-se não só a identidade nacional brasileira, mas também uma identidade específica para o campo intelectual e quem colocava em cena um contra discurso para refutar o discurso basilar da constituição da nação e do campo intelectual, colocava-se em rota de coalizão com a visão eurocêntrica. Nesse sentido, o professor Hemetério estava nessa rota de colisão. Colisão essa que levou polemizar em diversos campos, sempre em torno das questões raciais, no que tange a omissão e a prática de racismos. Considerado um homem muito polemico, o professor protagonizou calorosas discussões, na década de 90 dos anos oitocentos, nos principais jornais da época Gazeta de Noticias e o Paiz, sobre diversas questões como de gramática, sobre a direção e programa de Ensino Municipal e sobre o racismo. Nos embates nos jornais o Hemetério tinha a oportunidade de demonstrar sua erudição. Esse embates provocaram reações com ataques muito violentos, principalmente do redator dr.Ramiz Galvão jornal Gazeta de Noticias, que aproveitou as colunas desse jornal para atacar as opiniões de Hemetério, ferindo-oagressivamente. Hemetério sempre que possível respondia esses ataques através do Jornal O Paiz. Hemetério também polemizou contra o intelectual José Veríssimo – autor da obraA educação nacional – a quem acusou, através de artigos nos jornais, de opiniões racistas e, também, contra Machado de Assis a quem acusou de ter “vergonha de sua cor” e ousou, na sua condição de literato, fazer critica literária a escrita de Machado. As críticas a Machado provocou profunda reações de seus pares literatos, e acabou tornando a vida do Hemetério e o seu trânsito pelo campo intelectual ainda mais difícil, e aumentado a sua fama de polimista, como bem escreveu Luiz Edmundo (1957); “o homem é um filólogo profundo, coração de ouro, apenas um tanto discutidor. Essa mania cria-lhe algumas antipatias” (EDMUNDO, 1957, p.553). A defesa de Machado de Assis foi feita, principalmente, por seus amigos dentre eles Emilio de Menezes que usou de toda a agressividade nas suas tintas para atacar Hemétrio. Esse escritor também foi alvo das escritas ácida do professor Hemetério. Emilio de Menezes, conhecido como sucessor de Machado de Assis na Academia Brasileira de Letras. Menezes se destacou como poeta e escritor, ele tinha fama de satírico incorrigível e de um humorista desleixado. Na defesa do seu amigo Machado de Assis, responde a Hemetério dos Santos com dois sonetos de tão ofensivo que chegou até ser censurado por um dos editores dá época. Nesses sonetos relacionam o seu alvo a uma série de símiles como, por exemplo, nome de pássaros e termos escatológico. Diz o soneto: Neto de Ubá do príncipe africano, Não faz congadas, corta no maxixe; Hebert Spencer de ébano e de guano, É um Froebel de nanquim e de azeviche. No pedagogium de que é soberano, Diz que: - comigo a crítica se lixe; Sou o mais completo pedagogo urbano, Pestallozzi genial pintado de piche! Nagi fez da cor preta a cor reiúna Na vasta escala da ornitologia, Se águia não é, também, não é graúna. Um amador de pássaro diria: Este Hemetério é um pássaro turuna, É o vira-bosta da pedagogia. O preto não ensina só gramática, É pelo menos o que o mundo diz, Mete-se na dinâmica, na estática E em muitas coisas mais mete o nariz. Dizem que, quando ensina matemática, As lições de “mais b”, de “igual a x”, Em vez de lousa, com saber e prática, Sobre a palma da mão escreve a giz. Uma aluna dizia: - Este Hemetério Do ensino fez um verdadeiro angu, Com que empanturra todo o magistério. E é um felizardo, o príncipe zulu, Quando manda um parente ao cemitério, Tem um luto barato: fica nu. (In: SALIBA, 2002, PP, 114, 115) Em primeiro lugar, a contundência grosseira dos versos de Emilio Meneses revela o quanto foi difícil para um professor negro, apesar da sua inquestionável erudição, não era fácil inserir no campo de debate intelectual da sua época, há que relembra a citação do Luis Edmundo sobre o Hemetério, ele era “... um tanto discutidor. Essa mania criava algumas antipatias”. É mais provável que ele fosse considerado um tanto discutidor por que se recusava aceitar o preconceito e a discriminação atribuídos à cor de sua pele. Por outro lado, além de ser bastante revelador quanto ao acirramento desses embates, e de tão repugnante e racista esses sonetos, chama atenção a comparação que Menezes faz entre Heméterio e os grandes intelectuais e educadores da Europa - Hebert Spencer, Froebel e Pestallozzi – que de certa forma representa um reconhecimento de sua competência como educador, cujo problema era a sua cor, sua posição e imposição como homem e idéias negras. Todas essas polêmicas merecem um estudo mais detalhado sobre esses conhecimentos, idéias que circularam em forma de poemas, matérias jornalísticas, tomando como pretexto para apreendemos tanto a visão quanto a posição de um homem de letras de cor que, aparentemente, “parece” estar fora do lugar, muito em fusão da posição que toma diante da sua condição de cor. Hemetério teve, também, quem saiu em sua defesa, pois segundo Muller (2006), um de seu ex-aluno, Manoel Cavalcante Proença, através de um artigo publicado no Jornal das Letras, no qualprocurou explicar as críticas intransigentes de seu mestre à luz de algumas características de sua personalidade. Hemetério era exigente com os alunos, demonstrava aspereza fingida e uma extraordinária bondade, um homem de cultura bem feita, e cheio de ternura humana. Conforme Muller: Hemetério tinha grande capacidade de transformar mágoa num barulhento orgulho de ser preto, daí perder a mansuetude ao investir contra Machado de Assis com todas as pedras que achou à mão. É que Hemetério, segundo Proença, se apaixonara pelo problema dos negros. Gostava de contar que chegara ao Rio, preto, pobre, provinciano e vencera. Cogitou de associação de homens de cor, parece mesmo que o preconceito o estimulava a elevar-se, a adquirir cultura, para desmoralizar as prevenções contra os negros (...). Era respeitado porque conhecia bem a matéria de sua cátedra, (...), usou uma arma que aprendeu a bem manejar: o ‘espiolhamento gramatical’. Os que conheciam sabiam que não o fazia por estreiteza de vista, mas, sim, por ‘gramatiquice intrínseca’ (MULLER, 2002, p.157). A sua condição racial bem como a fama de polemista, discutidor tornou-lhe a vida muito mais difícil conforme já referimos. Essas grosserias e acusação eram porque se recusava a aceitar o preconceito e a discriminação atribuída à cor de sua pele. A sua maneira de luta, além de assumir sua condição racial, esgrimia um bom fundamentado discurso onde demonstrava a falácia de algumas das pressuposições racistas recorrente no Brasil de seu tempo. A sua posição fica evidente em grande parte de sua produção com homem de letras. Dos seus trabalhos destaca: a) Gramática Elementar da língua Portuguesa, extraídas dos melhores autores (1879); b) O livro dos meninos, contos brasileiro de accordo com os processos modernos (1881); c) Gramática portugueza Segundo Grão Primário, (1913); d) Pretidão de amor, conferências literária, (1909); e) Carta aos maranhenses, (1909)1 – aqui ele expõe seu pensamento pedagógico e político, elaborando a guisa de protesto contra a contratação, pelo Governo do Maranhão, de um Inspetor da Instrução Pública para reformar e dirigir o ensino aqui no Estado. Para Hemetério o professor nomeado era totalmente despreparado para tarefa de tal magnitude, questão que vamos aprofundar em nosso estudo de pesquisa; f) Gramatica portugueza:adoptada na Escola Normal do Distrito Federal, (1885); g) Artigo intitulado “Etymologias – Preto”, (1907) – publicado no Almanaque Garnier; e o h) Fructos Cadivos – poesia, (1909). Obra que merecerá, a partir de então, uma breve análise nesta parte desse texto. A obra Fructos Cadivos Utilizando-se do recurso da auto-reflexão, o poeta busca subtrair a linguagem do seu uso cotidiano, e nesse ato de subtração da linguagem ao lugar comum, instaura em sua poesia, um ato reflexivo no qual a palavra retorna à fonte original para recuperar a linguagem, perdida, inscrevendo-se a idéia, conforme Fernando Pessoa afirmara alhure a “poesia é uma palavra cujo sabor é a essência” (apud, TELLES, 1989, p. 236). Cotejar a biografia do Hemetério José dos Santos com suas idéias tecidas em sua obra poética Fructos Cadivos almejamos, aqui, apreender e expor breves essências desse homem das letras que fez de seus escritos uma denúncias da problemática racial no Brasil do inicio da república bem com da sua luta para se afirmar enquanto homem e intelectual negro. No que tange a luta anti-racista, podemos afirmar que a vida e os escritos poéticos de Hemetério têm propagado esse discurso e aprendizado, uma vez que, a vida do biografado e seus escritos têm se revelado um pertinente caminho para entrarmos no seu mundo histórico e assim, reviver a experiência histórica e ao mesmo tempo captar seu processo de individuação. 1 O que podemos adiantarque em Carta aos maranhenses que o professor Hemtério apresenta uma proposta de formação de professores primário, em que o professor tivesse uma formação profissional e pedagógica especifica. Vislumbrava que na Escola Normal os professores dos futuros professores deveriam ser mestre experientes, capaz de incutir nos seus alunos os melhores métodos; Seu ensino deveria ser de alta qualidade de modo que servisse de exemplo aos seus alunos, futuros professores; Uma ardente condenação da servidão em que se encontrava, que segundo ele, grande parte do povo maranhense. O caminho que seguiremos é copilar alguns versos da obra poética Fructos Cadivos evidenciando o narrado e vivido desse poeta negro que fez das palavras poéticas canções de denuncia, memória e afirmação da sua condição racial. FructosCadivos é um livro de poesia publicada em 1919, pela Livraria Francisco Alves, a sua linguagem poética é composta por verso dividido em sonetos, madrigais, vilancetes, canções, baladas, rondós e elegia. A obra é dedicada ao filho Aristides que faleceu na ocasião de sua publicação. Em sua homenagem, escreve: ARISTIDES, aqui tens os antigos E os modernos sonetos que pediste... O duro fado iniquo, em golpe triste, Não quis que os visses [...] A obra pode ser dividida em duas partes, numa primeira encontra os poemas em que o autor enaltece e homenageia algumas pessoas, como por exemplo, intelectuais como Oswaldo Cruz, Padre Anchieta e José do Patrocínio, sendo que ao abolicionista Patrocínio e Osvaldo, dedica um carinho especial, como podemos perceber nos trecho do poema: OSWALDO CRUZ Divino Oswaldo Cruz! na guerra bruta Que os pequeninos seres deram forte Ao grande ser, tu foste, nessa lucta, Grande e mais firme que a serena morte [...] JOSÉ DO PATROCÍNIO [...] O grande Patrocinio que bramia Tão alto como quem se mais afoite: No peito a dôr da raça lhe gemia [...] [...] O mestre, de joelhos, canta e chora, Beijando o gesto augusto de Isabel.. Ganha tessitura das palavras poética de Hemetério negros e escravos, as pessoas de sua convivência diária a sua infância que o refere como tempos pueris, da vida difícil. Sobre a infância além de memorizar sua terra natalCodó, os poemas retrata a paixão da infância por Estelvina belas brincadeira e viagem a roça em companhia da menina: NA FONTE [...] Olha o cajazeiro aqui Como se move garboso! Olha o ninho de Japy, Com seu casal amoroso! [...] E quando nos formos gente, Faremos como o Japy, A nossa casa contente, Na moyta do bogary. Dês que de lá parti, Não soube mais de Etelvina... E deploro... que não vi Assim tão meiga menina. Em vários poemas faz referencia ao negro, a sua condição de escravos, da força e do seu papel como constructo do mundo e de suas riquezas bem de sua condição de vítima da brutalidade imposta pela condição de negro. O NEGRO [...] Da America formosa, que se engata De um pólo a outro alto pólo, gente estranha Contra ti, contra os teus, atroz campanha Move sem piedade! e a vil chibata Na segunda parte são poemas dedicados ao amor, a saudade, a beleza, a tristeza.. É notável que em alguns dos poemas o autor escreve de alguém e para alguém, porém são os sentimentos que vão ser cada vez mais constantes nessa linguagem poética, mas sem deixar a referência o orgulho de ser negro. No poema A CHEGADA apresenta um balanço de sua trajetória como homem de letras uma consciência de seu papel de mestre o quanto o estudo parecer ter sido determinante. Já diviso o alto da montanha agreste Que veio do Codó ao Corcovado... Muito trabalho fiz, que o brilho atteste De quando eu hei sofrido, eu hei pensado. Attinjo; e, nesta região celeste, Encontro já na gloria alcandorado Dos bons alumnos um escola, que veste Bendita luz do meu apostolado. Áurea coroa lhe circunda a fronte; Chego, e sou recebido na campanha Do silencio molesto e sem razão Mas eu não fico triste, e, que se conte, Me illumino da luz brilhante e estranha Que só dimana intensa do carvão. O professor Hemetério Jose dos Santos, que faleceu no Rio de Janeiro em 1939, fez da sua vida uma luta contra o preconceito e descriminação racial usando competentemente as letras no travamento desses embates, os poemas bem como o conjunto dos seus escritos tem se revelado uma boa fonte para entender as idéias de um intelectual negro da educação e de sua posição num Brasil que se forma nas primeiras décadas da República. Aqui almejamos apresentar alguns versos das tessituras poéticas desse intelectual ressaltando o engajamento delas com a vivência desse homem de cor que rejeitava subtrair o lugar do negro na formação da nação e do campo intelectual do país. O pouco que conseguimos nesse texto é apresentar as riquezas desses versos carecendo ainda de aprofundamento analítico. Principalmente, a luz do arcabouço conceitual da masculinidade. A guisa de conclusão, ressalto que ainda, no campo da educação, são poucos os estudos que procuram recuperar historicamente as trajetórias e o pensamento de professores brasileiros negros. Contudo esse é um campo de pesquisa que se apresenta múltiplas possibilidades de investigação, principalmente, considerando que na sociedade contemporânea estamos passando por um processo de transformação que afetam significativamente as relações raciais, introduzindo novos valores e afirmação identidades negras no discurso e espaço escolar. O professor Hemetério Jose dos Santos fez da sua vida uma luta contra o preconceito e descriminação racial usando competentemente as letras no travamento desses embates, os poemas bem como o conjuntos dos seus escritos tem se revelado uma boa fonte para entender as idéias e de sua posição num Brasil que se forma nas primeiras décadas da republica. Aqui almejamos apresentar as tessituras poéticas desse intelectual ressaltando o engajamento delas com a vivência desse homem de cor que rejeitava subtrair o lugar do negro na formação da nação e do campo intelectual do país. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA BORGES, Vavy Pacheco. O “eu” e o “outro” na relação biográfica: algumas reflexões. In: NAXARA, Márcia; MARSON, Izabel; BREPOHL, Marion (Org.). Figurações do outro. Uberlândia: EDUFU, 2009, p.225-238. BOSI, Alfredo de. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cultrix, 1997. BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes (Org.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1996, p.183191. DEL PRIORE, Mary. Biografia: quando o indivíduo encontra a História. Topói, v.10, n.19, p. 7-16, jun/dez 2009. GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Prefácio: a biografia como escrita da História. In: SOUZA, Adriana Barreto de. Duque de Caxias: o homem por trás do monumento. 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