LATROCÍNIO COM PLURALIDADE DE VÍTIMAS ALESSANDRO CABRAL E SILVA COELHO - [email protected] JOSÉ CARLOS BRANCO JUNIOR - [email protected] Palavras-chave: crime único Resumo O presente artigo faz uma abordagem doutrinária e jurisprudencial sobre o crime de latrocínio com pluralidade de vítimas, cujo tema tem gerado polêmica entre os operadores do direito. Apresenta o conceito jurídico de latrocínio e a hipótese do concurso de crimes. Este trabalho mostrará que há grande divergência em nossos tribunais, na sua aplicação e tipificação. Introdução Numa sociedade desigual e globalizada, pessoas matam pessoas pelos mais diversos motivos, não causa estranheza que o ser humano venha agredindo e tirando a vida de seu semelhante para roubar, seja pelo simples objetivo de adquirir o objeto tão sonhado ou para auferir lucro. A tipificação legal é elaborada e aplicada para punir os criminosos, pois para que haja punição, é necessária uma lei penal anterior à conduta, conforme ensina o Princípio da Legalidade, previsto no art. 5º da Lei Maior. Porém, ocorrem controvérsias quanto a tipificação dos crimes de latrocínio envolvendo pluralidade de vítimas, pois se a doutrina é quase pacífica ao afirmar que se trata de crime único, o judiciário não chega a um consenso. Diante do exposto, é importante fazer uma análise profunda do latrocínio com diversas vítimas, possibilitando o esclarecimento, se trata-se de crime de duplo latrocínio (concurso material), ou de crime único onde a pluralidade de vítimas deve ser considerada apenas na aplicação da pena (art. 59 Código Penal), ou ainda se trata de concurso formal ou concurso formal impróprio. Materiais e métodos A metodologia adotada para a produção deste trabalho se baseia em pesquisa bibliográfica, feita por meio de livros, artigos, leis e jurisprudência, complementada por artigos publicados na internet. O método utilizado para a pesquisa foi o dedutivo. Resultados e Discussão Prevê o artigo 157 do Código Penal “Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido a possibilidade de resistência”: Parágrafo 3º “Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa, se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo de multa”. Insta salientar que o delito em tela está inserido no Capítulo II, do Título II – DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. Assim, apesar de ser um delito que secundariamente visa tutelar a integridade física é lógico que o preceito busca tutelar o patrimônio em sua essência. No caso do latrocínio, qualifica a conduta quando há ocorrência de morte. Vejamos o entendimento Doutrinário, quando do latrocínio resulta pluralidade de vítimas: “É mister, porém, que a violência tenha sido exercida para que se tenha para o fim de subtração ou para garantir, depois desta, a impunidade do crime ou a detenção da coisa subtraída. Ocorre latrocíno ainda que a violência atinja pessoa diversa daquela que sofre o desapossamento, há um só crime com dois sujeitos passivos”. (MIRABETE e FABRINI. Manual de Direito Penal Vol. II, 27ª ed. 2010, pág. 40). “Pode ocorrer que durante a prática do roubo, várias pessoas sejam mortas. Nesse caso, haveria crime único (latrocínio), devendo as várias mortes ser consideradas tão somente na aplicação da pena-base”. (GRECO ROGÉRIO. Código Penal Comentado, 2ª ed. 2009, pág. 393). “No caso de única subtração patrimonial e pluralidade de mortes, há único crime de latrocínio e não concurso de crimes, devendo o número delas ser considerado nos termos do art. 59 do Código Penal. Isso ocorre porque no latrocínio a morte da vítima ou de terceiro ocorre com o fim de assegurar a posse do objeto do furto ou a impunidade do crime.” (CAPEZ FERNANDO. Direito penal parte especial, 14ª ed. 2007, pág. 237). Assim, fica evidente que a Doutrina concorda que, no caso de única subtração patrimonial com pluralidade de mortes, reportando a unidade de ação delituosa, não obstante desdobrada em vários atos, há crime único, com o número de mortes atuando como agravante judicial na determinação da pena-base (art. 59 do Código Penal). Porém, a unanimidade Doutrinária não corresponde ao posicionamento das Varas Criminais de 1º Grau dos Tribunais Estaduais e Tribunais Superiores; conforme encontramos posicionamentos divergentes: O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro ao julgar a Apelação Criminal nº 0000733.05.2008.8.19.0026 decidiu: CRIME ÚNICO - O crime de latrocínio é delito patrimonial, apesar de haver ofensa a bens jurídicos diversos. Assim, não obstante haver pluralidade de vítimas e a constatação de que as ações ocorreram dentro do mesmo contexto, necessário se faz reconhecer a ocorrência de crime único, ressaltando que a finalidade do autor era subtrair a rés, e não os delitos perpetrados com o intuito de consumar o delito fim, no caso, as mortes à integridade física das vítimas. O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná ao julgar a Apelação Criminal nº 702.784-3 decidiu: CONCURSO FORMAL IMPRÓPRO - MÉRITO RECURSAL. Pleito de desconsideração do duplo latrocínio em concurso material, decisão que reconheceu o concurso formal impróprio em conformidade com o entendimento jurisprudencial pacífico. Conseqüente soma das penas de cada um dos crimes praticados. Em consonância com o entendimento do TJPR decidiu o Superior Tribunal de Justiça ao Julgar o HC 56.961/PR, Rel. LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18.12.2007, DJ 07.02.2008 p. 1): Na esteira da já consolidada jurisprudência desta Corte Superior, no caso de latrocínio (artigo 157, parágrafo 3º parte final, do Código Penal), uma única subtração patrimonial, com dois resultados morte, caracteriza concurso formal impróprio. De forma ainda mais divergente se posicionou a 1ª Vara Criminal de São José dos Pinhais, ao julgar o Processo Criminal nº 2007.0003932-8 decidiu: DO CONCURSO MATERIAL – Duplo latrocínio. Ante o reconhecimento do concurso material, conforme acima exposto, deve ser aplicada a pena cumulativamente as penas restritivas de liberdade, conforme determinação expressa prevista no mesmo artigo. Diante dos posicionamentos antagônicos apontados pelos Tribunais, faz-se necessário entender de forma simplificada o concurso de crimes. Concurso Material – Ocorre o concurso material quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. Resultando na aplicação do (artigo 69 do Código Penal). Para que haja concurso material é necessário que o autor execute duas ou mais condutas (fatos), realizando assim dois ou mais crimes. Ex: o autor entra na residência da vítima, furta e comete estupro. No concurso material as penas são cumuladas, nos termos do artigo 69 do CP. Concurso Formal Próprio – ocorre o concurso formal quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes. Resultando na aplicação do (art. 70 do Código Penal). Diferente do concurso material pela unidade da conduta. Ex: num acidente automobilístico culposo o agente mata uma pessoa e provoca lesões corporais em outra. O Código Penal brasileiro adotou a teoria objetiva, assim, o concurso formal exige; a) unidade de comportamento; b) pluralidade de crimes. A questão subjetiva deve ser apreciada na aplicação da pena (CP, art. 70, caput, 2ª parte). Na aplicação das penas, a lei determina duas regras; a) se as penas são idênticas aplica-se uma só, aumentada de um sexto até a metade. Ex, o agente culposamente em acidente de trânsito mata duas pessoas, aplica-se a pena do homicídio culposo acrescida de um sexto até a metade. b) se as penas não são idênticas, aplica-se a mais grave, aumentada de um sexto até metade. Ex, contaminado com moléstia venérea, o agente pratica um estupro, aplica-se a pena do estupro, aumentada de um sexto até a metade. Concurso Formal Impróprio - O artigo 70 do Código Penal, caput. 2ª parte, diz: “as penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos”. Ex, o agente com um só tiro, mata dolosamente duas pessoas. Ocorre unidade de conduta e autonomia de desígnios dirigidos à morte de duas pessoas, assim tendo o agente, intenção de matar duas pessoas, o Código manda cumular as penas, com base na regra do concurso material. Importante entender o que é desígnio autônomo; Damásio de Jesus: “(...) ocorre à autonomia de desígnios quando o sujeito pretende praticar não só um crime, mas vários, tendo consciência e vontade em relação a cada um deles, considerado isoladamente.” Conclusões Fazendo uma conjunção entre a definição de latrocínio e concurso de crimes é seguro concluir que o número de mortes não altera o número de delitos quando o bem subtraído é único. No caso de única subtração patrimonial com pluralidade de vítimas, reportando a unidade de ação delituosa, não obstante desdobrada em vários atos, ocorre crime único, com o número de mortes atuando como agravante judicial na determinação da pena base. Nas palavras de Mirabete “(...) como o latrocínio é um crime complexo, e como tal, uno, indecomponível nos fatos que o estruturam e integram, configura-se ilícito mesmo quando o agente mata para fugir, evitando sua captura”. Importante ressaltar, a violência deve ser exercida para o fim de subtração ou para garantir, depois desta, a impunidade do crime ou a detenção da res subtraída. O desígnio do autor dirige-se a obtenção do bem patrimonial, logo, a morte não ocorre como no crime de homicídio, no qual existe o dolo direto de matar. Concluindo, o crime de latrocínio é crime único, devendo o número de vítimas ser considerado na aplicação da pena, nos termos do art. 59 do Código Penal. Referências Mirabete, J.F e Fabrini, R.N. Dos crimes contra o patrimônio. Manual de Direito Penal II. Ed. Atlas, 2010, edição 27ª, Vol. 2, 208 – 212. Capez, F. Dos crimes contra o patrimônio. Direito Penal Parte Especial 2. Ed. Damásio de Jesus, 2007, edição 14ª, 227 – 237. Greco, R. Dos crimes contra o patrimônio. Código Penal Comentado. Ed. Impetus, 2009, edição 2ª, 383 – 400. JESUS, D. Do concurso de crimes. Direito Penal Parte Geral. Ed. Saraiva, 1994, edição 18ª, Vol. 1, 519 – 532.