UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI PETRONIO JOSUÉ DOMINGOS DA SILVA Ó PAÍ Ó: EM BUSCA DE UMA ROTA DISCURSIVA Uma produção orientada para a Transmediação SÃO PAULO 2010 PETRONIO JOSUÉ DOMINGOS DA SILVA Ó PAÍ Ó: EM BUSCA DE UMA ROTA DISCURSIVA Uma produção orientada para a Transmediação Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob orientação da Profa. Dra. Sheila Schvarzman. SÃO PAULO 2010 S582p Silva, Petrônio Josué Domingos da Ó pai ó: em busca de uma rota discursiva – uma produção orientada para a transmediação / Petrônio Josué Domingos da Silva. – 2010. 108f.: il.; 30 cm. Orientador: Sheila Schvarzman. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2010. Bibliografia: f.90-92. 1. Comunicação. 2. Seriados de Televisão. 3. Pelourinho. 4. Televisão - Seriado. 5. Transmediação. I. Título CDD 302.2 PETRONIO JOSUÉ DOMINGOS DA SILVA Ó PAÍ Ó: EM BUSCA DE UMA ROTA DISCURSIVA Uma produção orientada para a Transmediação Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob orientação da Profa. Dra. Sheila Schvarzman. Aprovado em 08/04/2010 ________________________________ Profa. Dra. Sheila Schvarzman ________________________________ Prof. Dr. Gino Giacomini Filho ________________________________ Prof. Dr. Gelson Santana Penha DEDICATÓRIA Aos professores do Mestrado em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi que souberam como me mostrar o caminho; À meus pais, minha família que com paciência e amor estiveram do meu lado, me apoiando e incentivando; Aos amigos e todos aqueles que fizerem parte deste sonho, a tanto acalentado. AGRADECIMENTOS A Deus, pois reconheço suas mãos em minha vida, por toda minha existência; A meus pais, pelo dom da vida, por acreditarem que eu poderia; A minha esposa Rosangela e minhas filhas Rachel, Ana Beatriz e Lívia, a quem eu amo e que dão significado a minha vida; Em especial, meu agradecimento e minha admiração a minha orientadora, professora Dra. Sheila Schvarzman; pela competência, empenho, e carinho com que me conduziu durante esta pesquisa, a quem terei uma eterna dívida de gratidão; A todos os docentes do Mestrado em Comunicação, em especial agradeço aos meus queridos professores, Rogério Ferraraz, Maria Ignês Carlos Magno, Vicente Gosciola, Gelson Santana, Gino Giacomini pessoas com quem compartilhei dois dos melhores anos de minha vida;. À coordenadora do curso, professora Dra. Bernadette Lyra, que com seriedade, e respeito soube conduzir este curso com excelência; Aos colegas de classe e todos aqueles que passaram pela minha vida ou ainda estão e que de alguma forma deixaram sua contribuição. SUMÁRIO RESUMO......................................................................................................................i ABSTRACT..................................................................................................................ii INTRODUÇÃO...........................................................................................................01 1. CAPÍTULO 1 – Ó PAÍ, Ó .- DA PEÇA AO FILME 1.1 Contexto Histórico.....................................................................................05 1.1.2 A peça.........................................................................................09 1.1.3 Olodum..e o Bando de Teatro.....................................................15 1.1.4 Experimentando novos atores: o amálgama dos intérpretes.......19 1.2 - Ó Pai, Ó: o filme.....................................................................................29 1.2.1 O que é o filme? ..........................................................................27 1.2.2 O processo de transmutação.......................................................42 1.2.3 Um filme não pensado para a TV?...............................................53 2. CAPÍTULO 2 – Ó PAÍ, Ó .- O SERIADO 2.1 – O Seriado................................................................................................56 2.2 - As minisséries e os Seriados.................................................................60 2.3 – A idéia da migração pela coprodução....................................................68 2.4 – Guel Arraes e os processos de transmediação......................................71 2.5– Desdobramentos de uma transposição: uma narrativa transmidiática ..74 2.5.1 – Ó PAÍ Ó como uma narrativa transmidiática............................79 2.5.2 – Receptividade...........................................................................81 2.6 – Qual a importância de Ó Pai Ó?.............................................................83 CONCLUSÃO............................................................................................................88 REFERÊNCIAS..........................................................................................................90 ANEXOS 1.................................................................................................................93 INTRODUÇÃO Em outubro de 2008, a Rede Globo levou ao ar o seriado1 Ó Pai, Ó, baseado no filme homônimo que provinha das telas do cinema para a televisão. Em seus três momentos – a peça2, o filme e a série – Ó Pai, Ó aborda de um modo geral, a realidade interna dos cortiços do Pelourinho, que até os anos 80 era estigmatizado como zona de prostituição e marginalidade. Além do problema da moradia, as produções abordavam o trágico tema do extermínio de menores, denunciando a exclusão social, a prostituição, o antagonismo religioso, e acima de tudo a expulsão dos moradores do Pelourinho. Além de mostrar a realidade vivida dentro dos cortiços no Pelourinho, mostra também a própria descaracterização e sucateamento da cultura afro-descendente que ali cresceu e floresceu, e que busca uma identidade. Realizado fora do eixo Rio - São Paulo, Ó Paí, Ó,(o filme e o seriado) exploram as ruas do Pelourinho, mostrando uma Bahia que transpira com personagens apimentados bem ao gosto do baiano, e que exala alegria em todos os momentos. Ó Pai, Ó, escrito em 1992, quando ocorreram reformas urbanísticas com vistas à remodelação do Pelourinho como um incremento ao turismo, o que por conseqüência ocasionaria a remoção ou expulsão de seus habitantes, sobretudo pobres e majoritariamente negros. A peça, que teve sua primeira montagem em 92, quase como um manifesto político contra essas ações oficiais, terminara por contribuir para que essas mudanças levassem em conta nichos culturais importantes como o grupo Olodum, por exemplo, envolvido diretamente com a peça 1 A primeira temporada do seriado Ó Pai Ó, ocorreu entre 31/10/2008 até 05/12/2008, sendo que sua segunda temporada ocorre um ano depois, em novembro de 2009. 2 Texto esgotado, Cf.: www.teatrovilavelha.com.br/espbando.html, acessado em 15/11/2009. e que não foi expulso do Pelourinho por exemplo. Dado o sucesso da peça, e a consolidação do próprio Olodum e das manifestações africanas ligadas ao Pelourinho, o enredo da peça transforma-se no ano de 2007 em um filme com boa repercussão na Bahia. Aproveitando-se de todos os eventos, aproveitando-se do carisma de Salvador e o Pelourinho, do grupo Olodum e de uma série de atores vindos da Bahia, começavam a se consolidar também na região Sudeste. Ó Paí Ó transforma-se em mais uma série brasileira, e que mais tarde seria escolhido entre cinco outros programas brasileiros3 que representariam o Brasil na categoria comédia indicados a receber o Emmy Internacional, que é o Oscar da TV americana a produções feitas fora dos Estados Unidos. A série, composta de seis episódios autônomos, levados ao ar todas as sextas-feiras, um ano depois, já está na sua segunda temporada. Analisar essas diferentes migrações de formatos e de conteúdo, centrando nossa atenção no seriado televisivo é o nosso objetivo nesse trabalho. Para tanto procuraremos abrir o trabalho explicando o contexto histórico. A obra revela uma nova Bahia sem os coronéis e as baianas fogosas, tão característicos das obras de Jorge Amado. Contemporânea e ativa, esta nova Bahia ainda carrega os mesmos entraves sociais que marcaram sua história durante décadas. A comédia substitui o romance nas diversas situações, atestando a poder do ser humano de rir da própria miséria; talvez como uma nova forma de mostrar a Bahia. Em todos os seus elementos discursivos(música, cenário, abertura, cenas, tramas), Ó Pai, Ó, parece fazer um celebração a baianidade e sua capacidade de 3 Os programas que concorreram juntamente com Ó Pai Ó foram: “Caminho das Índias”(2009) telenovela de Glória Perez, “O natal do menino imperador”(2009) de Péricles de Barros, na categoria Infantil, “ Maysa: quando fala o coração”(2009)minissérie de Manoel Carlos e “Mamonas assassinas: por toda minha vida”(2009) escrito por Maria Camargo, na categoria artes; todos produzidos pela Rede Globo de Televisão. resistência ali impostos e a preservação de suas raízes. Reúne elementos característicos da cultura baiana como as baianas do acarajé (na própria imagem do personagem Baiana), a crença no candomblé,(vivida pelo personagem Raimunda) artistas, travestis(vivido por Yolanda), grupos afros(representado por Roque e sua música), prostitutas(Psilene), malandros(nos personagens de Boca e Queixão) e crianças abandonadas(ilustrada por Cosme e Damião), numa construção de identidade local. Estes elementos que caracterizam a baianidade podem ser vistos como uma representação da vida do baiano que, em tese, difere do resto da nação. Para Roque Pinto(2001), a noção de baianidade se constitui, basicamente como a: “... representação quase caricatural de uma suposta cultura singular, espontânea, criativa, musical, etc – e vendável como um produto turístico que atende a um segmento específico de consumo.” (PINTO, 2001, p. 4). O título Ó Pai Ó, que no linguajar baiano quer dizer “ olhe para isto, olhe”, nos chama a atenção para o que está acontecendo na Bahia atual. Aquela Bahia idealizada e construída pela literatura nos diversos livros de Jorge Amado, bem como nas pinturas de Aldemir Martins e Di Cavalcanti, talvez já não exista mais; evidenciando o fato de estar passando por transformações significativas. Em seus três diferentes modos de abordagem, Ó Pai, Ó revela narrativas diferenciadas a partir do ponto de vista de Márcio Meireles autor da obra teatral, Monique Gardenberg responsável pelo filme e Guel Arraes, Jorge Furtado, Mauro Lima, Carolina Jabor, Olivia Guimarães, e o próprio Bando de Teatro Olodum nos seis episódios da série, revelando o grau de pertinência e envolvimento com a obra original, ou seja, o quanto essas produções são iguais ou diferentes da obra original. O objetivo do trabalho é investigar e analisar as formas de representação de Ó Paí, Ó ; buscando entender o trânsito da obra em diferentes suportes – cinema e televisão – como um fluxo decorrente da convergência das mídias, tendo como foco específico o seriado, onde a pesquisa evidencia que não há apenas um viés analítico no conteúdo do seriado, uma vez que outros modos de análise são possíveis. Este trabalho se propõe a estudar Ó Pai, Ó como um processo contínuo de apropriação, adaptação e migração do teatro para o cinema e do cinema para a televisão, uma vez que, segundo Henry Jenkins(2008) isto envolve tanto a forma de produzir quanto a forma de consumir os meios de comunicação. Pois “o que estamos vendo hoje é o hardware divergindo, enquanto o conteúdo converge.”(JENKINS, 2008, p. 41). Objetiva mais especificamente estudar o seriado como uma obra ficcional narrativa e sua relação com os contextos sócio-culturais e históricos bem como seu desdobramento do cinema para a televisão. O presente trabalho é uma elaboração baseada na análise da narrativa televisual e no levantamento de fontes primárias durante e depois de sua veiculação em outubro de 2009. Se isso permitiu ao pesquisador ser antes de tudo o telespectador tomado pela novidade, mostrou seus limites na área acadêmica uma vez que inexistiam outros trabalhos específicos sobre a obra, permitindo um diálogo. No que concerne a transversalidade de produções audiovisuais, ou seja, pelos diferentes canais de veiculação, foi possível encontrar bibliografia abundante. Muitas partes da pesquisa é o fruto de um trabalho de observação, pois a pesquisa aconteceu enquanto a obra ainda era exibida. Tanto o filme, quanto o seriado, proporcionaram ao pesquisador a experiência vivida por qualquer telespectador, e as impressões deixadas por ambos, ficam aqui registradas a luz do conhecimento de alguns teóricos no assunto. CAPÍTULO I Ó PAÍ, Ó - DA PEÇA AO FILME 1.1 Contexto Histórico Para compreender o trânsito das representações nas diferentes formas narrativas de Ó Pai, Ó que tem por ação inicial a expulsão dos moradores do Pelourinho o que levaria à sua descaracterização sócio-cultural e histórica, precisamos entender o que era o Pelourinho em meados 1992, quando surge a peça e como ela ganha projeção a partir da transformação urbana e social sofrida na época, não como uma conseqüência natural de emancipação, desenvolvimento e progresso do local, mas como algo que foi imposto. A peça Ó Paí, Ó, escrita e dirigida por Márcio Meireles4 (1992), e encenada pelo Bando de Teatro Olodum, conseguiu chamar atenção porque questionava o projeto de reforma e restauração do centro do Pelourinho atribuída à administração de Antonio Carlos Magalhães5. O motivo para isso é que quando tomou posse como governador do Estado da Bahia (1991), ACM havia definido em campanha política que a prioridade de sua administração seria o incremento à indústria do turismo, como um fator de expansão e crescimento da capital e do estado da Bahia. Sua proposta era a recuperação do conjunto arquitetônico tombado pela UNESCO, localizado no Pelourinho, em meados da década de 60. Tal intervenção deveria salvaguardar a trama social, evitando a expulsão dos habitantes do local e que mediante os gastos provocados pelas obras de reestruturação, restauração e manutenção, os habitantes deveriam receber alguma indenização pelo transtorno. 4 Secretário de Cultura da Bahia, diretor e gestor teatral, criador do grupo Bando de Teatro Olodum 5 Antonio Carlos Magalhães foi governador da Bahia durante os períodos de 1971 à 1974, de 1979 à 1983 e de 1991 à 1994. Em sua visitação de avaliação do potencial do Pelourinho, ficou nítido para Parent6 que um grande problema seria considerar a intervenção no Pelourinho sem considerar a população que ali vivia. Para ele, a intervenção deveria prever e contemplar a preservação dos habitantes em seus locais de origem. Apesar das recomendações de Parent e das normas internacionais para este tipo de intervenção, a administração do governo de ACM caminhava na direção contrária, pagando a cada morador a “ justa medida”(A Tarde, 28/07/1993:5) pela desocupação do local. Para a retirada de todos, buscou-se adequar o perfil de cada família à índices financeiros de forma que representassem o valor calculado de indenização de cada família; alegou-se também que aquela população era incompatível com o desenvolvimento turístico e com a revitalização local, por não terem condições de manter tal empreendimento.(FOLHA, 1994). A preservação dos monumentos históricos brasileiros começou a ser discutida nas primeiras décadas do século XX e na década de 1930, com base no conceito de função social da propriedade, foi promulgada a primeira lei nacional de proteção ao patrimônio, o Decreto-lei número 25 de 30 de novembro de 1937. Esta lei dizia que todos e qualquer imóvel existente no país, cuja conservação fosse de interesse público, quer pela vinculação com fatos memoráveis da história brasileira, quer pelo valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico ou artístico, poderiam ser integrados ao patrimônio nacional. Para isso foi criado em 1937 o Serviço do Patrimônio Artístico Nacional – SPHAN (atual IPHAN), incumbido de inventariar e registrar manifestações que representassem a cultura brasileira. 6 Michel Parent era consultor da UNESCO enviado ao Brasil em 1967 para consolidação do tombamento do Pelourinho. No Brasil, foi adotado o modelo francês na preservação do patrimônio cultural e antes da criação do SPHAN, existia o Museu Histórico Nacional que era responsável pela fiscalização dos monumentos e objetos históricos. Criado em 1922, ano do centenário da Independência do Brasil, destinava-se “ a guardar e expor as relíquias de nosso passado, cultuando a lembrança de nossos grandes feitos e de nossos grandes homens”7. O museu teve sua estrutura alterada em 1934, e passou a abrigar a Inspetoria dos Monumentos Nacionais que seria o embrião do SPHAN. Segundo Márcia Sant´Anna, o patrimônio histórico nacional consiste no conjunto de bens móveis e imóveis cuja conservação fosse de interesse público, quer pela sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. (SANT´ANNA, 1995, p. 83 ) No ano de 1967, a pedido do Brasil, a UNESCO, enviou seu representante Michel Parent para formular uma política para a conservação do patrimônio brasileiro. A cidade de Salvador impressionou-o de tal forma que propôs o tombamento de todo seu centro, destacando as possibilidades de exploração “ turístico cultural” afirmando que se a cidade instituísse uma política de preservação que impedisse a degradação física e social do centro histórico, este poderia vir a ser “ a principal atração urbana da América do Sul.”( SANT´ANNA, 1995, p. 148-150 ). A declaração de Antonio Carlos Magalhães de que estava disposto a colocar recursos do estado para recuperar três ou quatro quarteirões, de modo a tornar o 7 DUMANS, Adolpho. A idéia da criação do Museu Histórico Nacional. Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, v. 29, 1997. p. 29. Pelourinho um cartão postal da Bahia (A tarde, 15 de março de 1992:3), fez com que o IPAC8( Instituto do Patrimônio Artístico Cultural) divulgasse o projeto de restauração do Pelourinho fundamentado em uma metodologia na qual se preservaria a “ volumetria” (fachada) do conjunto, sem a obrigação de manter a originalidade das instalações internas, barateando assim as obras. A desocupação para início das obras, provocou a retirada de aproximadamente 350 famílias. A sua primeira etapa recuperou 104 imóveis onde habitavam 1154 pessoas. As famílias que foram retiradas de lá agora tinham duas opções que eram: receberiam uma ajuda e mudariam para outro local, ou esperariam a reforma dos imóveis e receberiam os imóveis de volta se conseguissem comprovar “ condições para arcar com os custos do aluguel.” (A TARDE, 1992, p. 3). Aos poucos o Pelourinho foi sendo modificado e ganhando uma cara nova e diferente. Surgiam lojas, restaurantes, praças, etc. e a ação do governo ganha notoriedade nos meios de comunicação e ganha aprovação da elite pela recuperação do local e o sucesso do projeto que veio a ser motivo de orgulho para muitos baianos em detrimento daqueles que foram expulsos. Milhões foram gastos e o deslocamento de 95% dos moradores que lá residiam, agora daria lugar não mais a residências, mas sim a exploração comercial e atividades de entretenimento de turistas. O Pelourinho com seus imóveis restaurados, foi inaugurado em março de 1993. O patrimônio histórico e artístico agora estava garantido. Privado de seus moradores o Pelourinho transformou-se em uma vitrine para ser apreciada pelos turistas. Durante o dia não se vê mais vida, a não ser a comercial. A noite, a boemia 8 A lei número 12 de 30 de dezembro de 1980 transformou a antiga Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia – FPACBa numa autarquia sob a denominação IPAC- Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, estando vinculada a Secretaria da Cultura tem como uma de suas atribuições o tombamento de patrimônios culturais. é policiada, “ o Pelourinho se transformou em um cenário(...), um teatro onde se representa Salvador para turistas”. (AZEVEDO, 1994, p.138). Como forma de crítica, surge então Ó Pai, Ó pensada por Márcio Meireles junto com o grupo Olodum, grupo musical atingido também pela cirurgia renovadora. Ao dar corpo e voz a essa população posta á margem, a peça coloca em cena uma série de personagens característicos daquela região. Ao fazê-lo, deu forma artística a novos atores sociais que pela ficção transformam-se em tipos que representavam a Bahia dos anos 1990. Provavelmente é mais a essa galeria de tipos e menos à salvaguarda cultural do Pelourinho em 1990 que as Séries Brasileiras da TV Globo miravam ao transformar Ó Pai Ó num seriado. Vamos aqui procurar acompanhar essas várias transformações desse acontecimento histórico, social e cultural, tendo por foco a sua transformação em série televisiva. 1.1.2 A peça No seu surgimento, a peça Ó Pai Ó( 1992), desenvolvia uma história em torno de alguns habitantes do Pelourinho. Seus personagens, advindos de outra peça como Essa é a nossa praia - que foi o primeiro espetáculo do grupo - agora voltavam aos palcos, assumindo novos tipos. No palco, a peça era ambientada em um cortiço onde se instalava uma loja, um bar e algumas famílias que conviviam no mesmo espaço. A peça discutia problemas como religiosidade, discriminação, pobreza, extermínio de menores, exploração entre outros temas. Quando surgiu no teatro, o Bando conquistou imediatamente um público tanto da classe média que não se identificava com a linguagem acadêmica da Escola de Teatro da UFBA, quanto a um público de classe baixa que não vai ao teatro, o Bando costumava ir aonde o público estava, - em escolas públicas e na periferia da cidade – e conquistou também segmentos de um público formado por aqueles que elaboram e fazem reverberar um discurso de condenação do racismo e da desigualdade racial. “ Era mais do que teatro o que propunha o “Bando…”. Para os brancos ou quase brancos estampava a conivência dos mesmos com os privilégios que o racismo lhes oferece, mesmo aqueles antiracistas. Para os negros estampava cenas, dramas e pequenos ardis anti-racistas ou conformistas que os colocavam indireta ou diretamente no palco. Os negros se viam ali cruamente muitas vezes.”9 Já na sua segunda montagem(2001-2002) o elenco da peça sofre alterações10 uma vez que alguns dos atores saíram o grupo, como é o caso do personagem Marcelo( Dedé Maurício). Sua saída fez com que desaparecesse seu personagem na trama. Outros, como a personagem Dona Maria e o Bêbado, por exemplo, foram substituídos e outros ainda foram assumidos ou absorvidos por outros atores que permaneciam na peça. Alguns destes personagens não foram criados na peça original, mas surgiram a partir de substituições e acúmulo de papeis, ou vieram de outras peças como Bai bai Pelô e Esta praia é nossa, e que juntas, com Ó Paí, Ó, compunham o que conhecemos como a Trilogia do Pelô. 9 Cf.:http://mundoafro.atarde.com.br/?p=446, acesso em 21/10/2009. Cf.: http:// www.teatrovilavelha.com.br/teatro/bando/bando.htm, acesso em 23/10/2009. 10 Na peça Essa é a nossa praia (estreada em 1991 e remontada em 2004), segundo Marcos Uzel(2003) tinha como inspiração o antagonismo religioso entre os evangélicos e os adeptos do candomblé. Este antagonismo entre religiões acompanha a maioria dos episódios do seriado Ó Pai, Ó e é um dos pilares de discussão da produção, além da descriminação racial e o negro que milita sua causa: "Em Essa é nossa praia, ganharam inspiração dramatúrgica temas como os choques culturais entre a igreja evangélica e os adeptos do candomblé; o militante negro engajado na luta contra a discriminação racial; a ideologia do embranqueci mento, (...); a importância das associações de mulheres na batalha por melhores condições de vida; a maternidade e a relação conjugal; o tráfico de drogas, a marginalidade e a prostituição; o sonho de ser artista, (...); a violência e a corrupção policial; o bate-boca cotidiano da vizinhança; e o dia-a-dia suado do gari que queria ter um salário mais digno para poder dar uma vida melhor aos seus filhos". (UZIEL, 2003, P. 55) Já na peça Bai bai Pelô(1994), Marcos Uzel definiu: "O diretor Marcio Meirelles (...) costurou a peça com elementos da tragédia clássica, como o coro, as premonições, as coincidências, os acasos, o destino social e o herói, sem abrir mão de uma certa comicidade (mais seca em relação às outras peças da trilogia), considerando que a tragédia não precisa, necessariamente, ir ao encontro do drama psicológico." (UZEL, 2003, p. 89) Foi somente na sua terceira montagem(2007) que a peça Ó Paí, Ó, toma uma dimensão que até então não havia alcançado, quando ganha uma adaptação para o cinema através da cineasta Monique Gardenberg. É interessante destacar aqui que as três peças que compõem a Trilogia do Pelô(Bai bai Pelô, Esta praia é nossa, e Ó Paí, Ó), desde a sua criação e suas remontagens até o presente momento já haviam passado por diversas alterações. Este trabalho não se atém a determinar se a obra atual é a mesma que surgiu no ano de 1992, uma vez que sofreu processos de adaptação, perdeu personagens, houve alterações de papéis, mudou-se o roteiro, etc. Mas é interessante ressaltar que, provavelmente a obra atual já não é a mesma como imaginada pelo seu autor devido às diversas mudanças. Seria possível afirma que após tantas mudanças sofridas, a obra tenha passado pelo processo de descaracterização? Pelo menos na transmutação da peça para o filme encontramos várias lacunas. A inserção ou subtração de personagens pode ser um exemplo disso. Em entrevista para o jornal A Tarde(2008), Monique descreve algumas dessas alterações: “ O personagem do Boca (Wagner Moura) não existia na peça e foi criado para o filme. Já o Roque, vivido por Lázaro Ramos, é a mistura de duas personagens que tinham na peça, a Mary Star, que era uma menina do interior que vinha para tentar fazer sucesso como cantora, mas ela era totalmente ignorante. E a graça dela estava na sua ignorância. E também o Severino, um lixeiro que gostava de Roberto Carlos. Em ambos os casos, eram personagens muito ignorantes e no caso de Roque eu dei a ele um pouco de erudição, na medida em que ele quer ser cantor e compositor.”11 Em sua temporada no Rio de Janeiro que datam de 04/12 à 21/12/2008, o Bando reapresentou algumas de suas peças de sucesso entre elas Áfricas( peça voltada para o público infanto-juvenil), Ó Pai, Ó, Cabaré da Rrrrraça e Sonho de uma noite de verão, sendo que a peça Ó Pai, Ó foi uma releitura da peça exibida em 11 Cf. entrevista de Monique Gardenberg em www.atarde.com.br/cultura/noticia.jsf?id=740786, acesso em 21/11/2009. 2000, época em que o bando completava 10 anos de atuação.12 Talvez essa mobilidade ou inconstância que surge em cada apresentação das peças, seja uma característica própria do Bando uma vez que usam de muitas improvisações nos diálogos, além do próprio bando ser responsável muitas vezes pela redação final dos episódios, no caso do seriado. Quando questionado a respeito do andamento de Ó Pai, Ó e seus próximos capítulos no formato de seriado na Rede Globo, Marcio Meireles autor e diretor da peça, disse: “ No meio de 2006 começou a conversa sobre a série. Mesmo antes de fechar contrato, começamos a trabalhar com a possibilidade, criar personagens que não estavam na peça nem no filme. E cheguei a trabalhar em um ou dois episódios no processo de improvisação, de reconstrução e de discussão. Os outros acompanhei mais de longe. Então eu conheço os roteiros e eles têm alternância, tem alguns mais dramáticos, uns mais políticos, uns mais românticos, então minha expectativa é boa. Agora a expectativa diante da regionalização das produções audiovisuais, acho que também é um esforço ligado ao Estado.”13 A peça Ó Pai, Ó é então, o grito do excluídos, daqueles que foram colocados a margem, daqueles que não foram inseridos nesta transformação ocorrida no Pelourinho, na visão de Márcio Meireles. Foi uma forma de protestar e dar essa visão, aos moradores do Pelourinho. Encenado em palco, provavelmente com uma montagem e cenários rústicos, contava com pouco espaço para mostrar ou fazer uma alusão ao verdadeiro tratado do que vem a ser a peça como registro histórico da questão do Pelourinho. Embora no palco o cenário da peça se restringisse ao cortiço, que abrigava ao mesmo tempo os moradores, a loja de seu Jerônimo e o bar de Neusão, a peça apontava para os problemas que estavam fora do cortiço: a intervenção do governo no Pelourinho, a questão do racismo, etc. 12 Cf.: http: //oglobo.globo.com/cultura/rioshow/mat/2008, acesso em 29/01/2010. 13 Idem A peça permaneceu durante um bom tempo em cartaz, mas com o tempo foi perdendo lugar para as demais peças que surgiam e que evoluíam junto com o grupo. Embora tenha surgido em 1992, o tema e a proposta continuam atuais. Foi somente na sua terceira remontagem ( 2007 ) que a peça Ó Paí, Ó, toma uma dimensão que até então não havia alcançado, quando ganha uma adaptação para o cinema através da cineasta Monique Gardenberg. Devido ao surgimento do filme e da polêmica criada em torno da obra, a peça Ó Pai, Ó também volta aos palcos com o Bando de Teatro Olodum caracterizando uma retroalimentação entre os formatos. 1.1.3 Olodum e o Bando de Teatro Descendente de grupos afros como o Ilê Aiyê, Filhos de Gandhi e outros, que eram movimentos negros que lutavam pela emancipação do negro nos diversos setores da sociedade, o Olodum surge na luta contra a discriminação, buscando assegurar os direitos civis, fomentando e estimulando a auto-estima e emancipação dos negros a nível de Bahia e Brasil. Seu objetivo era preservar, valorizar e expandir a cultura afro-brasileira tornando populares os temas da história africana vinculados a história do negro no Brasil, constituindo um passado de identidade das duas nações. O Olodum tinha, enquanto bloco, o objetivo de entreter os habitantes do Pelourinho. A partir desse movimento, a musicalidade do carnaval da Bahia ganha força com os ritmos oriundos da tradição africana, cubana e de outros ritmos, favorecendo o reconhecimento de uma identidade peculiar baiana, predominantemente negra. Posteriormente seu discurso muda e então passará a ter uma postura mais engajada em questões sócio-raciais e religiosas. Apesar de não haver predileção política, era comum presenciar os “ showmícios “ nas campanhas políticas. Criado oficialmente em 25 de abril de 1979, o Olodum, é uma Organização não Governamental (ONG) do movimento negro brasileiro, um bloco-afro do carnaval baiano, surgido num período carnavalesco como opção de lazer e entretenimento aos moradores do Pelourinho, que permitia e garantia aos mesmos uma forma organizada de diversão. A palavra Olodum é de origem yorubá e no ritual religioso do candomblé significa "Deus dos Deuses" ou "Deus maior", Olodumaré, que não representa um orixá, e sim, o Deus criador do universo e dele senhor. O Olodum prega que o negro não é necessariamente aquele que tem traços fenotípicos característicos, e sim aquele que abraça a luta pela valorização da negritude. Os sindicatos começam a partir de 1981 a dar apoio ao Olodum e são realizadas as primeira atividade relacionadas ao movimento negro na Bahia. A partir daí precisou-se rever os ideais, metas e objetivos do grupo que apesar de se dizer apartidário começava a participar de comícios políticos e após quatro anos, seus diretores já estavam aderindo a diferentes partidos políticos. Os diretores não queriam mais apenas um bloco carnavalesco e adotaram a África negra como fonte temática. No auge do sucesso o Olodum começa a lutar por mais verbas públicas e direciona-as às organizações afro-brasileiras. As mudanças se dariam também em toda a forma de expressão uma vez que não mais retratariam a África e sim a Cuba e Jamaica, sua cultura, seu povo e sua música o que viria a originar o samba-reggae que se tornou característico do Olodum. Fundado em 1990, sob a direção de Marcio Meirelles e Chica Carelli, o Bando de Teatro Olodum, ou simplesmente o Bando como é mais comumente chamado, tem seu teatro fortemente marcado pela cultura Afro-brasileira. Depois de algum tempo o Bando de Teatro Olodum se desligou do bloco-afro, se fixando no Teatro Vila Velha que passou por uma reforma devida a ocupação do Bando, sendo revitalizado em meados de 1994. Já em 1998 foi reinaugurado, tornando-se local permanente do grupo até os dias atuais. Focado nas questões do negro brasileiro em seus diversos aspectos, o Bando, desenvolve uma linguagem própria em um formato de teatro experimental negro. Ao longo desses anos de existência, a partir das improvisações de seus atores e da reflexão sobre a realidade sócio-cultural do negro no Brasil, Marcio Meirelles desenvolveu uma dramaturgia atual e voltada as questões sociais. Num primeiro momento, o Bando focou o Pelourinho retratando este bairro estigmatizado como zona de marginalidade até a sua reforma nas três peças que formam a Trilogia do Pelô. (“Essa é a Nossa Praia”, “Ó Pai Ó” e “Bai bai Pelô”). “ Damos vós a essa gente que não está em nenhum palco. E não abrimos mão do humor, que faz parte da cultura da Bahia: mesmo o povo sofrido e excluído sempre tem auto-gozação.” 14 Na peça O novo mundo, o grupo incursiona no universo sagrado do Candomblé. Já na peça Zumbi(1995) voltou-se para a realidade da perifieria da 14 Cf.: http://oglobo.globo.com/cultura/rioshow/mat/2008/12/04/bando-de-teatro-olodum-estreia-pai-no-teatro, acesso em 22/10/2009. metrópole, em meio às celebrações pelos 300 anos de Zumbi dos Palmares. Enquanto Xirê/Erê pra toda a vida, abordou a Chacina da Calendária, no primeiro espetáculo de dança do Bando. Cabaré da Rrrraça(1997), o maior sucesso do grupo, até então, em cartaz há 10 anos, aborda a discussão racial, numa combinação de desfile de moda com talk-show. Outra peça: Relato de uma guerra que não acabou(2002) é resultado de uma pesquisa junto a comunicade dos subúrbios sobre a greve da Polícia Militar e suas consequências. O grupo montou textos clássicos, imprimindo a sua estética, como Woyzeck de Buchner e Medeamaterial, protagonizada pela atriz Vera Holtz e com música de Heiner Goebbels, a Ópera de três mirréis e, mais tarde, a Ópera de 3 reais, duas versões do clássico de Bertold Brecht. Um tal de Dom Quixote(1998) que reinaugurou o Teatro Vila Velha e o Sonho de uma noite de Verão(1999). Em 2003 o grupo montou textos de João Augusto, fundador do Teatro Vila Velha, para o espetáculo Oxente, Cordel de novo? O Muro(2004) texto inédito da dramaturga Cacilda Povoas, fruto da oficina de dramaturgia do Royal Court Theatre. E Auto-retrato aos 40, em comemoração de 40 anos da fundação do teatro. O grupo vem participando de diversos eventos representativos das artes cênicas no Brasil e no exterior. Com o espetáculo Xirê/Erê pra toda a vida , participou do LIFT, London Internacional Festival of Theatre. Representou o Brasil na estação da Cena Lusófona,em Coimbra. Participou das comemorações da Semana de Teatro em Angola, a convite do Ministério da Cultura de Angola. Participou da Copa da Cultura(2006), evento do Ministério da Cultura, representando o Brasil na Alemanha no Festpiele in Ludwigshafen com a nova versão de Sonho de uma noite de verão. No Brasil, o gruo participou do Festival de Inverno de Belo Horizonte, do Festival de Arte Negra(MG), do Carlton Dance Festival, da Mostra Arte da África, Teatro no Centro Cultural Bando do Brasil(RJ), da Mostra Latino-Americano de Teatro de Grupo, realiada pela Cooperativa Paulista de Teatro, do Projeto de Circulação da Caixa, patrocinada pela Caixa Econômica Federal, em Brasília entre outros. O Bando de Teatro Olodum tem sido reconhecido por representar uma estética inovadora e brasileira, como comprova a escolha da peça Cabaré da Rrrraça realizada pelo Itamaraty para ser apresentado a diplomatas de 16 países africanos e o fato de ter sido selecionado pelo Projeto Cena Aberta dos Ministérios da Cultura e do Trabalho. Sob a direção da cineasta Monique Gardenberg o Bando ou parte de seus integrantes participam de Jenipapo(The Interview)no ano de 1995, e somente mais tarde, no ano de 2008 começariam a gravar as primeiras cenas de Ó Paí, Ó, o filme e depois Ó Paí, Ó, o seriado para a Rede Globo. 1.1.4 Experimentando novos atores: o amálgama dos intérpretes Durante muito tempo, nas telenovelas e minisséries, o telespectador observou que “o Brasil nunca foi um paraíso da democracia racial”(ARAUJO, 2000). Sempre relegados a papéis secundários e quase ao anonimato, os negros viam e eram vistos de forma distorcida e discriminada na teledramaturgia brasileira. Sua representação diminuta e quase imperceptível nos meios de comunicação dava a dimensão da visão estereotipada que se tinha de tais indivíduos. A contribuição do negro na formação e construção da população bem como a cultura brasileira tem sido ignorados ou retratados de modo negativo: “ Ao caracterizar o negro de modo estereotipado, a telenovela traz, para o mundo a ficção, um imaginário que permeia as relações entre brancos e negros no Brasil; revela o universo presente nessas relações, atualiza crenças e valores pautados por esse imaginário que não modernizou as relações interétnicas na nossa sociedade.” (ARAUJO, 2000:13). No seriado Ó Pai Ó o ponto forte é a atuação de atores que na sua maioria são negros, vemos um elenco onde a predominância negra é inquestionável. Entre atores como Stênio Garcia, Mateus Nachtergaele, Wagner Moura e tantos outros, destacou-se na opinião pública o Banco de Teatro Olodum. Com uma atuação considerável, o Bando conseguiu ficar no mesmo pé de igualdade com os atores já consagrados pela crítica. Provindos do teatro, o grupo experimentou sua atuação frente as câmeras no filme e depois na televisão. Sua experiência e a forma como dão realismo aos personagens surge desde o momento em que saem em campo e pesquisam sobre seus personagens, seja nas ruas estreitas do Pelourinho, nos bares, nos prostíbulos, não importa. A decisão de usar atores não-profissionais, que remete ao movimento neo-realista italiano (Roberto Rossellini fazia isso em 1945, situação visto também no cinema russo), é um grande trunfo do cinema, pois estes atores dão ao filme uma credibilidade, um censo de realidade nem sempre obtido de outra forma. André Bazin dizia que: “ Não é a ausência de atores profissionais que pode caracterizar historicamente o realismo social do cinema, tampouco a escola italiana atual, mas precisamente, porém, a negação do princípio de vedete e a utilização indiferente de atores profissionais e atores ocasionais.”( BAZIN, 1991, 238). Essa foi uma estratégia extremamente esperta, pois os mesmos atores que encenam a peça, estão também no filme. O filme fala de negro, personagens que de outra maneira nunca seriam protagonistas, estariam sempre como coadjuvantes ou talvez figuração. Pela primeira vez você tem um filme que tem isso exposto de uma forma nacional. De um elenco que migra do teatro para as telas do cinema e depois para as telas da TV, seria natural uma exposição exacerbada, uma encenação meio teatralizada com a voz muito projetada e as vezes com trejeitos e gesticulações próprios do teatro. Os atores do Bando por muitas vezes, comentavam sobre sua nova experiência de fazer filmes e de como estava sendo sua atuação diante das câmeras, que difere muito de atuar em frente ao público. No palco, quando se está atuando, é possível ter um retorno de imediato, pois o público esboça seus sentimentos de aceitação, negação, riso, tristeza, etc. Mas diante da câmera, não se tem este retorno de imediato o que dificulta a atuação. Não se pode atuar esperando um retorno imediato do público, porque o público não está lá. Comentando a esta diferença, a atriz Jamile Alves que está desde 2002 no Bando de Teatro, e faz o papel da professora no filme, comentou que “...no palco, a resposta do público é imediata. Na tevê, a gente demora a ver o resultado”; assim como Jorge Washington, membro do Bando de Teatro Olodum e intérprete de Matias, um vendedor ambulante de cafezinho que é militante das causas negras, fala das diferenças em relação ao teatro: “Monique (Gardenberg) falava muito pra gente, pedia pra diminuir a carga dramática, para ser mais econômico na interpretação, já que no teatro tudo é grandioso, no cinema, tem que fazer menos, mas, quando vê na tela, a gente entende por que ela pede.”15 15 Depoimento de Jorge Washington Cf.: www.atarde.com.br/cultura/noticia acesso em 21/10/2009 Lázaro Ramos, começou no Bando em 1995, depois do que atuou em diversas novelas como, por exemplo, Cobras e lagartos(2006), Duas caras(2007) e filmes como Jenipapo(1995) da própria diretora Monique Gardenberg, Madame Satã(2002), O homem que copiava(2003), Meu tio matou um cara(2004) e também atuou em diversas montagens do grupo, como Sonho de uma Noite de Verão, Já Fui! e Ó Paí, Ó, entre tantas outras. Apesar de não integrar oficialmente o Bando, Lázaro diz que: “Eu não assumiria como responsabilidade do Ó Paí, Ó representar a baianidade. A série representa um grupo de pessoas que vive num lugar determinado, numa situação determinada. Isso é uma novidade e é autêntico, já que veio das ruas em 1990, devido ao longo trabalho do Bando”16 Atualmente, a indústria audiovisual parece ter aberto concessões sem precedentes a diversidade racial. Com a volta do Bando(no seriado da TV), além de Tais Araújo, atriz negra como protagonista na novela das nove(Viver a Vida, 2009) e Camila Pitanga também negra na novela das seis(Cama de Gato, 2009) da Rede Globo, mostram como os negros parecem conquistar seu espaço da teledramaturgia. “ Eu queria, se possível, que todos os atores fossem baianos. (...)Então, através dessas quatro figuras (Lázaro Ramos, Wagner Moura, Stênio Garcia e Dira Paes), o bando pode conviver com pessoas habituadas a fazer cinema, a trabalhar com um tipo de interpretação mais próxima ao naturalismo do cinema do que a maneira de se exprimir do teatro, sempre com a voz muito projetada. O Bando é um grupo que trabalha com a voz muito projetada. Então teve todo um trabalho de reeducação que era pedir para os mesmos atores falarem os mesmos diálogos, mas de outra maneira.”17 16 17 Depoimento de Lázaro Ramos, conforme www.atarde.com.br/cultura/notícias, acesso em 09/12/2009. Cf. entrevista concedida por Monique Gardenberg em www.atarde.com.br/cultural/noticias, acesso em 18/10/2009. Na adaptação do teatro para o cinema, Ó Pai, Ó se agiganta e como um divisor de águas mostra de uma lado, seus admiradores e de outro seus críticos. Se antes a produção teatral era pedra, uma vez que fazia a crítica ao sistema de governo a tomada do Pelourinho, a expulsão dos moradores, agora como uma produção cinematográfica se torna vidraça, passível de toda e qualquer crítica. 1.2 Ó pai, ó: o filme A peça Ó Paí, Ó, só se tornou nacionalmente conhecida quando a cineasta Monique Gardenberg se apropriou do tema e a transforma em filme homônimo no ano de 2007. Monique Gardenberg é considerada por muitos como uma artista multimídia, com atuações na música, dança, videoclipe, teatro e cinema. Filha de mãe baiana e pai judeu polonês, Monique nasceu em Salvador-BA, em 1958, vivendo dos quatro aos 15 anos em Santos-SP, após o que voltou para Salvador. Em 1975, mudou-se para o Rio de Janeiro, formando-se em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1982, fundou, com sua irmã, Silvia Gardenberg, a Dueto Produções, na qual produziria eventos culturais, entre eles a co-produção com a Rede Globo na produção de Ó Paí Ó. Monique já produziu eventos culturais como o Free Jazz Festival, o Carlton Dance Festival, além de shows do porte de Madonna, Rolling Stones e Elton John. Com uma curta experiência no cinema, lançou Jenipapo (Drama, 96 min) em 1996, seu primeiro longa-metragem selecionado para o Sundance Film Festival e os Festivais de Toronto e Roterdã. Fez seu segundo longa chamado Benjamin(2004) com roteiro baseado no livro homônimo do compositor e escritor Chico Buarque. Depois de ter visto a peça Ó Pai Ó em cartaz (1994), Monique Gardenberg sabendo da desistência de Caetano Veloso que pretendia transformar a peça em filme, Monique decidiu se aventurar a fazê-lo: “.... eu quis fazer, mas não encontrava o caminho. Em 2005, eu fui à Bahia e voltei com muita vontade de falar da minha terra, que me emociona muito. Tomei coragem, reli a peça diversas vezes e comecei a tentar imaginar cenas. A primeira coisa que me impus foi explicar na primeira cena o que é Ó Paí, Ó. Quando consegui criar a cena, veio um estímulo imenso.”18 A diretora por vezes, confessou o seu temor de adaptar a peça para o cinema. De fato, o lançamento do filme foi cercado de muito preconceito dos críticos e da mídia em geral por conta de vários eventos com propósito de promover o filme, o que contribuiu para que a obra sofresse preconceito, o que levou a diretora a comentar: “ Não mudamos o nome, muita gente mudaria. Teve um artigo no "O Globo" (...), dizendo que o filme está fadado ao fracasso por causa do título. Nada foi concedido nesse sentido artístico, eu fiz da maneira mais legítima e fiel que eu pude fazer. Não concordo com esse pensamento, lamento e acho uma pena porque só demonstra um pensamento pequeno que eu conheço que tem na Bahia, na minha família, nos meus amigos. Enquanto as pessoas pensarem pequeno não vão sair do lugar. ”19 O marketing agressivo do filme, serviu para chamar atenção do público para o cinema nacional. Particularmente em Ó Pai Ó, o lançamento do filme era composto pela poderosa produção de Paula Lavigne20, o apoio da Globo Filmes e até um trio elétrico em pleno domingo de Carnaval em Salvador com chamada direta para o 18 19 20 Cf.: http:// www.terra.com.br/istoegente/396, acesso em 26/11/2009. Cf.: entrevista de Monique Gardenberg em.. www.atarde.com.br/cultura/noticia.jsf?id=740786, acesso em 21/11/2009. Paula Mafra Lavigne, além de atriz é uma produtora cultural tendo como trabalhos a produção de “ Lisbela e o prisisoneiro”(2003) dirigido por Guel Arraes, “Benjamin”(2003) de Monique Gardenberg, “Meu tio matou um cara”(2004) de Jorge Furtado, “2 filhos de Francisco”(2005) de Breno Silveira e “O coronel e o lobisomen”(2005) de Maurício de Farias, entre outros. jornalístico Fantástico. Reafirmando a origem de Ó Pai Ó, para aqueles que questionavam se a obra era uma obra puramente baiana, a diretora se auto afirma como diretora do cinema novo baiano: “ me orgulho em dizer que faço parte, talvez, de um movimento muito forte do novo cinema da Bahia. Mas se não me quiserem, bem”.21 tudo O filme Ó Paí, Ó, produção conjunta da Dueto Filmes e Globo Filmes, conta a história dos moradores de um cortiço no centro histórico do Pelourinho, em Salvador. Embora na peça, a trama se dê pela revolta dos moradores, cuja única arma é a crítica ao Estado representado pelo governador Antonio Carlos Magalhães; no filme, a adaptação de Monique Gardenberg deixou de lado essas disputas e focou o dia a dia dos moradores, traçando assim as aventuras e desventuras dos moradores do Pelourinho e graves problemas sociais. A concepção formal do filme se baseou em tomadas rápidas, quase frenéticas, sem espaços para devaneios e reflexões. Carregando no sotaque e atuação teatral, os personagens parecem tornar-se caricaturais, de uma Bahia idealizada. A idéia era, “... um retrato irreverente e musical de uma Bahia pop e contemporânea.”22 A esta série de eventos e ações, o que não faltou foram duras críticas ao filme: “ Parece existir em Ó Paí Ó, um filme melhor querendo sair de dentro da confusão que é o resultado final, onde moradores do Pelourinho com amores, decepções e alegrias parecem transformados a tapa em figurantes de uma campanha agressiva da Bahiatursa para vender a Salvador carnavalesca no que ela tem de mais “ típico” – “suor”, “ amor”, “ calor”, “ paixão”, “axé”, “pelô”, “Bahia”, etc. Nada disso, claro, está na tela, uma vez que Ó Paí Ó, como boa parte da cultura feita no Brasil hoje, o cinema especilamente, é uma obra sem fricção, sem tensão ou comentários que nos levem a ver o interessantíssimo Brasil 21 22 Cf.: entrevista de Monique Gardenberg em.. www.atarde.com.br/cultura/noticia.jsf?id=740786, acesso em 21/11/2009. Cf.: http: //tvglobo.opaio.globo.com/novidades, acesso em 02/02/2009. contraditório na tela. É uma coisa alegre e perdida com nada a dizer, uma ironia num filme onde tanta gente grita tanto.”23 Além da expectativa de como seria a recepção do filme em outras capitais, uma das dúvidas suscitadas era se Ó Paí, Ó, podia ser chamado e reconhecido como uma produção baiana? “... Esse filme vai ser vítima de muito preconceito. Eu já sabia disso quando eu fiz e vou continuar enfrentando alguns preconceitos até na Bahia. Sou baiana, é o lugar que eu amo, um lugar que eu quis homenagear. O Paí, Ó é uma história feita por um grupo de teatro da Bahia, que se passa no Pelourinho, encenado por atores baianos, dirigido por uma diretora baiana e cuja equipe, se você for contar, tinha tantos baianos quanto cariocas e paulistas. Você condenar um filme ou você negar sua pátria a ele porque não usou a equipe da Bahia é um absurdo. Equipe de cinema é algo que você tem sua identificação, você trabalha com as pessoas que já tem um diálogo. Então quer dizer que se você grava em estúdio americano, como o da Universal, como o Caetano grava, não é mais baiano? Acho isso pobre, empobrece a Bahia e a nossa união. Estaremos sendo vítimas do mesmo preconceito que o filme expõe. É um preconceito ridículo, pensamento pequeno vindo de pessoas que trabalham com cinema, o que horrível. O outro aspecto disso que também é muito lamentável é um pensamento ainda meio "xiita" que a gente tem: acho que esse tipo de visão de preconceito contra a Globo e contra a produção sempre muito forte da Paula Lavigne não traz nada de bom para o cinema. No cinema, não basta você ter talento. Você precisa ter a propaganda para chegar até o público. Senão você morre na primeira ou na segunda semana como está acontecendo com a maioria dos filmes brasileiros. “24 Ainda na linha de críticas lançadas ao filme, verificou-se uma aversão ao filme por parte de muitos, principalmente dos baianos que se sentiram incomodados pela exacerbação do filme em relação aos tipos caricaturais da Bahia moderna. O discurso da baianidade do filme, para muitos, parece ter distorcido a realidade que se vive lá. A malemolência que se esperava do elenco, foi mudada por um elenco 23 Cf.: http://cf.uol.com.br/cinemascopio/criticaf.cfm?CodCritica=1402, acesso em 02/04/2009. Cf. entrevista concedida por Monique Gardenberg em.. www.atarde.com.br/cultura/noticia.jsf?id=740786, acesso em 21/11/2009. 24 hiperativo, festeiro, sensual e dado ao vício. O sentimento de aversão ao filme beira a rejeição pela forma como o filme retratou a Salvador. “Salvador... não passa disso, de uma cidade que cheira a dendê, a folia e sensualidade excrachada, quase pornográfica. Se não fosse essa a idéia geral que o senso comum faz da capital, se não é essa a idéia que orgãos de turismo vendem de Salvador no exterior....como se justifica cenas como as da série Ó Paí Ó, ambientada em um Pelourinho que só existe na ficção? (...) Alguém lembre aos roteiristas da Globo que o Pelourinho, patrimônio hitórico e cultural da humanidade pela Unesco, coalhado de casarões, igrejas e outros prédios que contam um pedaço da história do Brasil...virou território do crack, da violência, da exclusão. (...) Boa parte do que surge por lá ajuda sempre a reforçar a idéia de festa, sensualidade, negriturde no que ela é atribuída em força física e potência sexual, mas destituída do reconhecimento de humanidade.” De acordo com a crítica acima, pode-se perguntar como vender uma Bahia a não ser pelos meios ou formas já conhecidos? Uma Bahia, onde a sensualidade e a folia movimentam o povo, pois se a imagem for de violência, drogas e prostituição, quem vai querer comprar? Das diversas formas de mostrar o Pelourinho, decidiu-se mostrar um Pelourinho festivo, onde o sexo está aflorado moradores e a musicalidade na pele de seus faz parte de todas as manifestações culturais, de entretenimento ou reinvindicação. Mas apesar do Pelourinho ter sido mostrado assim, o que ocorre lá é o mesmo que ocorria antes da restauração, ou seja, continua uma zona de marginalidade, prostituição e violência, o que põe o filme Ó Paí, Ó em xeque. Talvez um total sentimento de repulsa explique esta aversão a produção do filme Ó Paí Ó. O próprio nome do filme, é um convite ao telespectador para que veja o que é, como está e o que se passa na Bahia. O filme, embora ficção, se torna um registro de uma época e de um local. E aqui, especificamente, o filme não está preocupado com a estética da beleza, mas sim a dar voz ao povo que até então não tinha essa oportunidade. Das tantas formas de retratar o Pelourinho, esta foi uma delas. Mesmo assim o povo vem aos meios de comunicação e expõe seu inconformismo com Ó Paí, Ó, pois para alguns, ao tratar da Bahia, a obra fez uma leitura errada do local: Ó Paí Ó, me envergonha como baiana. A baianidade do borogodó me envergonha. As ruas sujas e mal cheirosas de Salvador me envergonham. Fruto do descaso de sucessivos governos e tanto faz se é direita ou esquerda, todos são igualmente indiferentes e inoperantes, com excessão da maquiagem estratégica aqui e alí. A ditadura do axé, que transforma todo e qualquer ritmo que nasça na cidade, em periférico(pagode) ou alternativo, me envergonha. Lamento que das músicas de Caymmi e dos romances de Jorge Amado tenham sido extraídas, anuladas, deturpadas, pela competente propaganda oficial, toda humanidade, toda a miséria, toda a alegria, mas todas as lágrimas, toda a complexidade de relações sobrevivem, ou se modificam, a partir das antigas sociedade pautadas na mistura entre a casa grande e a senzala...É visão eurocêntrica, visão de quem se julga superior e que desmerece através da piadinha pronta, que reduz ao corpo e ao sexo todo um povo. Apesar de saber que é empreendimento utópico, lanço aqui o meu manifesto a favor de uma Salvador que transceda Ó Paí Ó.”25 25 Crítica feita a Ó Pai, Ó, conforme www.mardehistorias.wordpress.com/por-uma-salvador-para-alem-de-o-pai-o, acesso em 22/11/2009. 1.2.1 O que é o filme? O filme mostra os moradores de um cortiço localizado no centro histórico do Pelourinho, e sua preparação para comemorar o último dia do carnaval quando são pegos de surpresa por uma notícia inesperada. Dona Joana(Luciana Souza), que é dona do cortiço e que nunca recebe os pagamentos do aluguel em dia, decide punílos, cortando o fornecimento de água do prédio. A falta d'água faz com que o aspirante a cantor Roque (Lázaro Ramos); o motorista de táxi Reginaldo (Érico Brás) e sua esposa Maria (Valdinéia Soriano); o travesti Yolanda (Lyu Arisson), amante de Reginaldo; a jogadora de búzios Raimunda (Cássia Vale); a homossexual dona do bar Neuzão (Tânia Tôko) e sua sensual sobrinha Rosa (Emanuelle Araújo); Carmen (Auristela Sá), que realiza abortos clandestinos e ao mesmo tempo mantém um pequeno orfanato em seu apartamento; Psilene (Dira Paes), irmã de Carmen que está fazendo uma visita após um período na Europa; e a Baiana (Rejane Maia), de quem todos são fregueses; se confrontem e se solidarizem diante do problema. Mas fala ainda de outras questões. Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, Monique Gardenberg afirma: “... o filme é uma comédia com fundo sério, mostra o Carnaval visto por baixo, e toca em pontos nevrálgicos do país, sem perder o humor ( FOLHA, 30/03/2007)”. No filme, existe total cumplicidade entre os moradores do cortiço. Esta cumplicidade advém muitas vezes da intromissão de querer saber o que acontece com a vida dos demais moradores, que se revela ou que se vê através das frestas nas finas paredes e através do assoalho do cortiço, que descortinam a vida alheia. Até mesmo o falatório alto e despudorado, dentro do cortiço se torna um convite aos outros moradores para opinarem sobre determinado problema. Todos compartilham dos mesmos problemas, principalmente aqueles que dizem respeito ao cortiço, como é o caso da antipatia e aversão pela síndica do prédio, Dona Joana. No início do filme, durante os créditos iniciais, ouve-se ao fundo uma voz off de uma estação de rádio, narrando que aquele seria o último dia do carnaval. A mesma voz do rádio é intercalada por barulhos de batidas de martelo na madeira. Quando aparece a primeira imagem, vemos que quem está ouvindo o rádio é Roque(Lázaro Ramos), aspirante a cantor que dentro de sua oficina concerta carros de comerciantes ambulantes. Ao ouvir a musica “É D´oxum”(autoria de Jerônimo), Roque começa a dançar, quando de repente entra na sua oficina Rosa(Emanuelle Araújo) que é sobrinha de Neusão. Sem ser percebida Rosa observa Roque dançar de forma solta e sensual. Roque percebe a presença da moça, automaticamente ele para de dançar e pergunta em que pode ajudar; ao que a moça tira a roupa e deixando os seios a mostra, e pede a ele que possa pintá-la para o desfile de carnaval. Neste momento Roque olha para a câmera e, dando-nos a sensação de que estamos presentes no local, exclama: Ó Pai, Ó (olhe para isso, olhe)! “ Eu comecei a esboçar um caminho quando eu escrevi a primeira cena do filme, que é quando a Emanuelle Araújo chega à oficina para pedir para ser pintada. Na verdade, eu tinha me perguntado como eu poderia explicar algo que no primeiro instante a pessoa entendesse o que é “Ó Paí, Ó”. Isso pra Bahia é muito fácil, mas para o resto do pais não é. Até hoje, as pessoas falam errado aqui, mesmo depois de assistir ao filme. Então eu queria uma cena que explicasse de cara isso. Eu achei divertida essa idéia porque imediatamente já estabelecia duas coisas: o tom da brincadeira, da safadeza que o filme ia ter, além da sensualidade do homem e da mulher negra. E traz também a música, outro elemento que eu queira que fosse forte. ”26 Os personagens de Ó Pai, Ó já vêm para as telas (cinema e televisão) com longa experiência nos palcos da Bahia, sem contar que participam na elaboração da trama. Suas improvisações nas gravações tornam as cenas mais naturais, fazendo com que os personagens pareçam estereotipados mas não inverossímeis. No decurso do filme é possível identificar alguns personagens que evocam os principais pilares de argumentação da obra, tais como a baiana, o taxista, a evangélica, o travesti, etc. Embora a obra seja um mosaico de personagens que caracterizam os moradores da região, existem alguns personagens neste mosaico que parecem saltar aos nossos olhos. São eles : a) Psilene e sua vida pregressa: a prostituição 26 Cf. entrevista concedida por Monique Gardenberg em www.atarde.com.br/cultura/noticia.jsf?id=740786, acesso em 21/11/2009. Psilene(Dirá Paes) que chega de viagem que fez ao exterior. Toda dissimulada, Psilene é ovacionada pelos moradores do Pelourinho pelo fato de ter vindo de fora, principalmente por Reginaldo que se sente atraído por ela. No primeiro momento, o telespectador percebe que ela carrega um certo segredo com ela. Sempre que questionada sobre sua vida lá fora e sobre seu marido, Psilene descreve-os com muito glamour, mas não se tem idéia do porque dela estar aqui no Brasil e se sua viagem é breve. Mas ao final do filme, pode-se entender que Psilene havia saído do Brasil como tantas outras mulheres como uma mercadoria para o mercado de prostituição de mulheres. Numa conversa entre Lúcia, que trabalhar no antiquário de seu Jerônimo, e Psilene, que acabara de chegar da Suíça, surge à pergunta, sobre o que era preciso para ir para o exterior. Lúcia fala de em seus esforços para sair do país, como curso de inglês, pelo passaporte que já havia tirado e até tinha tomado banho de folha sem sucesso, ao que Psilene responde: “... repare nega, para ir para o estrangeiro você não precisa de nada disso, não precisa nem falar inglês; e sabe por quê? Porque gringo gosta ó... de bunda, de peitão, sabe um peito com muito silicone.” Ao que baiana interrompe a conversa e pergunta a Lúcia se ela já não estava indo embora. Depois que Lúcia sai, Psilene comenta com Baiana: “... mas que menina mais despreparada hein Baiana? Sabe o que ela vai fazer no estrangeiro? Vai lavar prato para o gringo, servir de babá para os filhos do gringo, abrir as pernas pro gringo, e depois que ele comê, comê, comê, vai mandar a carcaça de volta aqui pro Brasil, isto quando manda, porque se não, ela tem que ficar lá ó, trabalhando, trabalhando, trabalhando pra ver se junta uns trocados como prostituta pra poder voltar pro seu país.” Ao que Baiana pergunta: “... e apôs me diga nega, porque tu voltou?” Neste momento há um silêncio, pois Psilene percebe que ao fazer aquela crítica acabara de se denunciar como aquelas que foram para fora e que não deram certo, talvez precisando juntar uns trocadinhos para voltar para seu país. Já no final do filme, numa conversa com dona Joana, Psilene conta mais sobre sua vida e dona Joana, muito esperta, consegue em seus comentários deixar o telespectador por dentro da vida pregressa de Psilene, quando exclama: “ ... isso é que é, a mulher vai pro estrangeiro e volta um mulambo desse.... jê taime vie mon amour!” Embora tendo sua vida destruída pela aventura no exterior, Psilene volta à sua vida pregressa no último dia de carnaval com Reginaldo com quem tem um caso e a última cena que se tem dela é quando ela se perde no meio da multidão. O personagem Psilene não faz parte do seriado. b) Dona Joana – A religião confrontada Dona Joana( Luciana Souza) é o ponto central das divergências entre os moradores do cortiço. Por ser a proprietária, vive neste mesmo cortiço com seus dois filhos Cosme e Damião e aguarda o retorno de seu marido que há mais de um ano está viajando e não se sabe quando volta. Crente fervorosa, dona Joana costuma repreender tudo que é ou está errado em nome de Jesus, principalmente aquilo que vem do candomblé, ao qual tem total aversão. Encontramos no relato de dona Joana um confronto direto dos evangélicos contra aqueles que são do candomblé, religião predominante na Bahia. Apesar dos nomes dos filhos, Cosme e Damião, serem entidades do candomblé, é possível encontrar os mesmos Cosme e Damião no catolicismo, religião predominante no país, que parece ser um contra censo. Outro fato que irrita dona Joana, e que as vezes é motivo de bate boca, é o fato de seu cortiço abrigar a mãe de santo Raimunda (Cássia Vale), a quem dona Joana chama de feiticeira. Segundo a própria mãe Raimunda, não faz macumba, mas presta consultoria espiritual. Pode-se considerar um grande contra senso ou uma grande provocação da diretora Monique Gardenberg, quando traz a questão da religiosidade vivida e a religiosidade aparente. Uma produção que descreve a Bahia onde a religião que fica mais evidente é a dos evangélicos, pois devido à personalidade forte de dona Joana sua religião se sobressai acima do candomblé. Quando a religião interfere no convívio das pessoas, estas mesmas pessoas se deixam revelar através de suas vidas, suas ações, seus Arnaldo Jabor(2007) relacionamentos. descreve que é possível perceber em Ó Pai, Ó esta abordagem imposta pelos evangélicos ao povo baiano, construindo templos milionários com o dinheiro dos pobres. Em Ó Pai, Ó é possível ver através das visitas que o pastor da igreja faz a casa de dona Joana levando o recibo da doação já preenchido, o que não configura uma ação espontânea, mas sim algo imposto. Para Jabor(2007) “... é um absurdo que em nome da Democracia não se possa impedir esses assaltos, a ignorância popular, pelo menos poderiam proibir a exibição de cultos violentos, brutais, demoníacos na televisão, isso talvez pudesse ser impedido pela democracia.” (JABOR, 2007) c) Cosme e Damião – o extermínio de menores O relato triste de Cosme(Vinícius Nascimento) e seu irmão Damião(Felipe Fernandes) é de um peso considerável no final do filme o que levou a comoção e a reflexão. Os filhos de dona Joana, Cosme e Damião poderiam ou deveriam ter outro fim, uma vez que sofriam uma marcação serrada por parte da mãe. Mas precisavam ilustrar os dois lados da moeda, que ilustra bem as vidas dos meninos que peregrinam as ruas do Pelourinho. Um desses lados é o do abandono e marginalização da infância. O outro lado é a do extermínio dos menores que cometem pequenos delitos como assaltos a estrangeiros e aos estabelecimentos comerciais e que precisam ser tirados de circulação para não espantar os turistas no Pelourinho revitalizado. O papel vivido por Stênio Garcia(seu Jerônimo), dono de um antiquário, vai contra a vida desregrada de Cosme e Damião. Quando este comerciante pede ao policial para “ dar um susto” nos meninos de rua que andavam atrapalhando seus negócios, um engano colhe duas vidas inocentes por ironia do destino. Mais do que mostrar a alegria do Carnaval, a alegria do povo, o filme mostrou também como a violência e os problemas enfrentados por menores delinqüentes tem início nas ruas do Pelourinho. Embora tenham sido assassinados por engano pelo guarda local numa perseguição, Cosme e Damião, os dois filhos de dona Joana, voltam a fazer parte do elenco no seriado. d) Roque e Boca: racismo Considerada uma das melhores cenas do filme, Ó Pai Ó traz uma cena memorável e digna de registro quando mostra o confronto de Roque(Lázaro Ramos) e Boca(Wagner Moura) no que diz respeito ao racismo. A cena acontece na oficina de Roque que tinha sido contratado por Boca para consertar alguns carrinhos que usaria para o comércio ambulante. No dia marcado para entrega dos carrinhos, Boca alegou não ter o dinheiro para o pagamento do serviço realizado por Roque. Começa então uma discussão onde Roque diz a Boca que sem pagamento ele não entregaria os carrinhos. Irritado, Boca começa a ofender a Roque chamando-o de negro. Boca vai aumentando seu tom de voz, repetindo várias vezes até gritar: “... você é negro!” O preconceito vivido e presenciado em todos os povos, tem sido tema polêmico em todos os tempos e agora volta à tona nesta cena de Ó Pai, Ó. Monique Gardenberg explica porquê a cena de racismo foi colocada de forma tão aberta e tão pontual: “A idéia do Boca surge justamente para expor o racismo que muitas vezes está escondido, pelo menos disfarçado, enquanto você não cruza uma linha. Se aquela pessoa não cruza a linha então ele é aceito e tolerado. Se ele cruza a linha e apresenta qualquer contrariedade ao estabelecido, aí pronto: o racismo explode com força total. É um assunto tão delicado que muitas vezes até abordá-lo fica sendo perigoso. Mas eu achei que era importante nesse filme. A gente está falando de uma população mais pobre, portanto quase toda negra ou mestiça. Era importante colocar isso às claras.”27 A cena atinge seu clímax, quando Roque, já muito alterado sai em defesa da raça negra, questionando Boca a respeito da igualdade entre brancos e negros: “... já suportei demais o seu escárnio; suportar é a lei da minha raça. Negro não tem olhos? Negro não tem mão? (...) Negro não tem sentido? Não come da mesma comida? Não sofre das mesmas doenças, Boca? Não precisa de remédios? Quando a gente sua, não sua o corpo tal qual um branco, Boca? Quando vocês dão porrada na gente, a gente não sangra igual, meu irmão? Quando vocês fazem graça a gente não ri? Quando vocês dão tiro na gente(...) a gente não morre também? Pois se a gente é igual em tudo, também nisso vamos ser!” 28 Na verdade o personagem Boca, interpretado por Wagner Moura não existia na peça teatral, sendo criado para o filme. Já o personagem Roque(Lázaro Ramos), surgiu da mistura de Mary Star que era uma menina do interior que vinha para tentar fazer sucesso como cantora, mas ela era totalmente ignorante. Juntamente com outro personagem que é Severino, um lixeiro que é fã de Roberto Carlos. Em ambos os casos, tanto Mary Star, onde a graça estava na ignorância e Severino eram pessoas simples, sem cultura chegando a ser ignorantes, o que é o oposto de Roque. A diretora dá a Roque um pouco de erudição, um vez que ele quer ser cantor. Roque gosta de ler, gosta de escrever e sempre cita frases bonitas e inteligentes para seus amigos. “ O filme no fundo está falando disso. A gente aborda diversas condições delicadas de forma muito cômica e divertida, mas está o tempo inteiro tocando em assuntos complicados. A grande beleza de O Pai, Ó é que você é conduzido ao riso o tempo inteiro, no entanto aquela obra toda é para lhe causar espanto diante do seu próprio 27 Cf. entrevista concedida por Monique Gardenberg em www.atarde.com.br/cultura/noticia.jsf?id=740786, acesso em 21/11/2009. 28 Trecho do diálogo entre Roque e Boca, no Filme Ó Pai, Ó. 29 riso.” Na visão do telespectador, o racismo pode acontecer em níveis diferentes e de formas diferentes, mas o que se viu no filme é uma demonstração clara e abusada de preconceito racial, que quando visto, pode levar a reações diversas: “Estava lá o “Bando…” com vários destaques individuais além de Lázaro Ramos. Surpreendentemente, os atores brancos globais eram coadjuvantes.(...) Agora na televisão, como vi no cinema, vi um bom elenco, novamente os atores brancos como coadjuvantes e mais do que um seriado de denúncia do preconceito e discriminação racial. É claro que sinto falta na TV como senti falta no cinema e sentia no teatro, de um texto, de uma crítica mais elaborada ao racismo e de uma encenação que explore mais, do ponto de vista dramatúrgico, as possibilidades dos talentosos artistas que compõem o “Bando…”. Algo que obrigue os atores, logo os baianos e os brasileiros a transgredir a caricaturesca “baianidade”. 30 Tanto no filme quanto na minissérie, a questão do preconceito racial vivida por Roque e outros personagens negros, equivale ao preconceito religioso, vivido por dona Joana e Mãe Raimunda onde uma é evangélica e outra faz parte do candomblé. A antipatia e o antagonismo, tão bem demonstrados pelos personagens de Ó Pai Ó, nos dá uma noção do que a palavra preconceito quer dizer. e) Boca e Queixão: inversão de valores 29 Cf. entrevista de Monique Gardenberg, em www.atarde.com.br/cultural/noticias, acessado em 18/10/2009. 30 Cf. www. mundoafro.atarde.com.br/?p=446, acesso em 12/12/2009. Geralmente vemos produções audiovisuais, onde o negro, quase sempre é posto como vilão da história. Em Ó Pai, Ó encontramos dois vilões onde, apesar de serem brancos, atuam como os vilões da história; parece ocorrer uma inversão de valores. A diretora Monique Gardenberg talvez não tenha tido a intenção, mas colocou na obra, personagens brancas para os papéis de vilão. No filme conhecemos Boca(Wagner Moura), sem nenhuma referência familiar ou ocupação definida. Vive tentando angariar pessoas para a prática de pequenos delitos e contravenções. Boca, apesar da pele branca, aparece como o vilão da história, papel este que muitas vezes, ficou relegado aos negros. Ele é a antítese do bom moço; encontrando em Neusão, a dona do bar, a única pessoa com que pode desabafar. É através de Neusão que descobrimos que o verdadeiro nome de boca é Moisés. Num segundo momento, com a saída de Boca da história, surge Queixão. Branco e de cabelo ensebado, baixa estatura e queixo fortemente projetado para frente, Queixão é o maluco beleza e tem a total antipatia dos moradores do cortiço por ele. Queixão vive também de negócios escusos. Sempre cobiçou o bar de Neusão, colocou até um comércio ilegal para concorrer com o bar de Neusão; conseguiu para Roque algumas formas fáceis de ganhar dinheiro, pirateou o primeiro CD que Roque acabara de gravar, etc. A diretora pontuou bem o racismo vivido por Roque e Boca , e a repulsa que os moradores do Pelourinho tinham por Boca e Queixão. Os dois marginais, Boca e Queixão, no seu tempo e do seu jeito, conseguem mostrar sua vocação para as coisas erradas. Todos os problemas no filme, inclusive Boca e Queixão, o lado mal da história, são mostrados de forma a fazer rir. Embora na história possam transitar diferentes gêneros, a comédia foi a forma que a diretora encontrou para a obra transmutada, ou seja, da adaptação da peça para o cinema. Em sua palavras: “Você ri, mas quando acaba o filme você diz: é triste. Isso é que é o grande barato de Ó Paí, Ó. A tristeza pode até ser causada pelo desfecho, mas o desfecho faz você chorar pelo filme inteiro. Pelo sonho de Roque, pela ilusão de poder de D. Joana. A reação das pessoas é o que tem me deixado mais feliz. ”31 Desprovido de crítica social, - o que para muitos chega a ser a negação daquilo que o Bando sempre pregou - a peça traz comicidade, politicagem, contradições e conflitos o que não acontece no filme. O filme traz o personagens preocupados com aqui e agora, sem grandes ambições: “De qualquer forma, Ó, Paí Ó parece um herdeiro pop daquela tradição dos Centros Populares de Cultura, da UNE, que está na origem do Cinema Novo. Só que essa estética, como se sabe, foi recuperada pela TV Globo sob uma feição mais domesticada. O “povo” é filmado com simpatia, a música é bonita e Salvador respira pura energia. Às vezes Ó Paí Ó resvala e parece comercial da Bahiatursa, mas se recupera em cenas que nada têm de “turísticas”. Enfim, é um produto híbrido que, por isso mesmo, nos faz experimentar sentimentos contraditórios em relação a ele. Vai dar certo em termos de público? Não sei, porque Ó, Paí Ó expõe, no fundo, uma idéia de “brasilidade”, um sentimento difuso e positivo do País (sem esconder sua tragédia social) que já não consta mais da agenda da classe média, o principal público-alvo do cinema.”32 31 Cf. www.atarde.com.br/cultura/noticia acessado em 22/11/2009. 32 Cf.: blog.estadao.com.br/blog/zanin/?title=o_pai_o&more=1&c=1, acessado em 19/10/2009. A diretora Monique Gardenberg alegou o baixo orçamento e o curto espaço de tempo para a produção do filme como uma justificativa para as criticas recebidas pelo filme feito e enfatizou que o grande desafio do cinema (nacional) é conseguir chamar atenção para seu filme em meio a uma avalanche de produção estrangeiras. Sua estréia nos cinemas foi precedida de muita expectativa e de uma agitação anormal e apreensão, por não ser considerada por muitos como uma produção baiana. A isto a diretora rebate: “Eu acho isso um pensamento estreito. Esse filme vai ser vítima de muito preconceito. Eu já sabia disso quando eu fiz e vou continuar enfrentando alguns preconceitos até na Bahia.”.... Ó Pai, Ó é uma história feita por um grupo de teatro baiano, que se passa no Pelourinho, encenado por atores baianos, dirigido por uma diretora baiana e cuja equipe,... tinha tantos baianos quanto cariocas e paulistas. Você condenar um filme ou você negar sua pátria a ele porque não usou a equipe da Bahia é um absurdo. ”33 Lançado no mesmo dia, o filme americano 300(2007) baseado numa história em quadrinhos homônima de Frank Miller e transmitido em mais de 550 salas de 160 cidades do Brasil. De acordo com dados divulgados pela Warner, ocupou o topo do ranking dos filmes mais vistos nos cinemas brasileiros. Durante o final de semana que foi sua estréia o número de expectadores ultrapassou a 600 mil, o que gerou uma arrecadação de 5,4 milhões enquanto que ‘Ó Pai, Ó que estreou em 100 salas de cinemas, ocupou a terceira posição, levando aos cinemas uma média de 50 mil expectadores. O distribuidor Marco Aurélio Marcondes, da Europa Filmes, responsável pela distribuição do filme brasileiro, disse que a produtora já sabia do 33 Cf. www.atarde.com.br/cultura/noticia acessado em 22/11/2009. risco de concorrer com a esperada estréia americana, mas que "o filme tem boca –a -boca muito forte. Foi um risco calculado".34 Esse risco calculado provavelmente incluia o conhecimento ou pelo menos a intensão da produção do desdobramento do filme num seriado na TV. A despeito da data do lançamento, o filme sofreria uma transposição para a TV, embora ficaram algumas lacunas que na migração do cinema para o TV, a obra Ó Paí, Ó precisaria ser revisto para poder dar continuidade a obra. 1.2.2 O processo de transmutação Dá-se o nome de transmutação, a toda e qualquer adaptação de texto literário para o cinema ou televisão, pressupondo, segundo Balogh(2009) “... a passagem de um texto caracterizado por uma substância da expressão homogênea - a palavra para um texto no qual convivem substâncias da expressão heterogêneas, tanto no que concerne ao audiovisual, quanto no que concerne ao sonoro.”. “ Portanto, essa passagem determinará de qualquer forma uma relativização do sentido, que inevitavelmente produzirá novos sentidos, possibilitando novas interpretações. Enfim, surgirá uma nova obra cuja autonomia, enquanto obra estética, se constituirá como o principal critério de valor para que a obra adaptada seja considerada como tal, ou seja, será a condição de que o produto adaptado para a linguagem televisual (ou mesmo cinematográfica) se sustente por si só dentro de suas características específicas enquanto produto televisual.”( BALOGH, 2009, p. 317). 34 Cf.: http: //cinemacomrapadura.com.br, acessado em 22/11/2009. Na transmutação da obra Ó Pai, Ó para a televisão, vemos algumas descontinuidades do filme, resultando assim numa outra obra, com mesmo título, situações semelhantes e mesmo elenco fixo com algumas variantes. Uma vez que surge uma nova obra a partir desta adaptação, essas transmutações mantêm ou não um distanciamento da obra original, sendo intituladas obras baseadas, inspiradas em, livremente baseada, etc., sendo que esta relação é a graduação de distanciamento e envolvimento com a obra original. Umberto Eco(2006), em um de seus apontamentos sobre a televisão, faz uma análise do papel da televisão e do cinema no que diz respeito a transmissão direta e como isto influenciou o cinema. O autor descreve que o cinema se habituara a construir uma imagem que procurava ser totalmente fiel ao texto literário, necessário para construir um personagem capaz de criar uma identificação com o espectador. Em outras palavras, as obras tinham um alinhamento narrativo do essencial, com início, meio e fim. Com a transmissão direta, proporcionada pela televisão, a forma de contar os fatos passava pela mudança de levar ao espectador as imagens de um fato no momento em que ocorria. Não havia mais a sequência de início, meio e fim. O fato de levar ao ar as imagens de um acontecimento onde não se tem controle do que acontece ou interferência de quem capta as imagens com a câmera, dava a sensação de autenticidade, despertando assim uma maior credibilidade do espectador. O cinema então, fazendo uso desta técnica, procura mostra uma obra de ficção bem mais parecida com a realidade. A partir daí, Eco relata a respeito do equívoco em que muitos incorriam, de afirmar que toda e qualquer transmissão direta televisiva constituía uma representação fiel e verdadeira do fato ocorrido. Segundo ele: “... tudo que acontece, enquadrado pelas câmeras de TV, já dirigidas segundo uma escolha das angulações dos campos, aparece, diante do diretor de TV, em três ou cinco monitores, e dessas três ou cinco imagens o diretor escolhe a que deve ser mandada ao ar, instituindo, assim uma “montagem”, o que vale dizer um “interpretação” e uma “escolha”.(ECO, 2006, p. 328). Embora a característica específica da televisão em transmissão direta seja a de relatar com base numa provocação imediata da realidade e segundo exigência de representação simultânea, todavia a operação que o diretor de TV desempenha pode muito bem identificar-se com o relato, com a elaboração de um ponto de vista pessoal sobre os fatos. Esta forma de racionalizar, montar e interpretar as imagens está totalmente relacionada à questão da adaptação de textos literários para a televisão e o cinema. Em toda adaptação, ao mesmo tempo em que repete algo do texto inicial, seleciona de forma a incluir ou excluir elementos do seu objeto na configuração de um novo texto. No processo de transmutação observa-se que para entender um texto como tradução e ou adaptação de outro, algo do primeiro deve se manter no segundo. É nesta transposição da adaptação que se verificam os elementos que se transferem de um sistema semiótico para outro. Numa adaptação fílmica, personagens, fala dos personagens, o enredo, e ações dos personagens e as demais funções narrativas se transpõem do livro para o filme ou seriado. Ao tratar da transmutação, Umberto Eco(2007) observa as representações de signos em matéria diferente como um caso de parassinonímia35, que seria encontrar 35 Casos específicos de interpretação nos quais, para esclarecer o significado de uma palavra ou enunciado, recorre-se a um interpretante expresso em matéria semiótica diversa, ou vice-versa. noutro sistema algo que remeta ao mesmo objeto do texto fonte. Peirce(2003) define o signo como algo que é determinado por um objeto, o qual representa, e determina um interpretante, que também é signo e que intermedeia a relação do primeiro com o segundo. É da natureza do signo, portanto, representar e determinar novas representações, traduções contínuas que dêem sequência ao processo a que chama de semiose. Todo processo de tradução e ou adaptação, portanto, enquadrase numa semiose, e , no caso das traduções intersemióticas, num tipo particular de semiose que pressupõe uma mudança de matéria. A adaptação de um texto para o cinema, por exemplo, incorpora leituras ou convenções interpretativas desse texto que não estão no texto, mas em seu uso Entretanto, conforme argumenta Eco, Peirce utiliza o termo “ tradução” em sentido figurado, assumindo tradução como sinédoque de interpretação. A tradução depende da ação de um tradutor; não é uma semiose natural, mas sim fruto da ação interpretativa de um sujeito e , nesse sentido, envolve uma leitura e uma forma de expressão que são próprias dele. Além disso a transmutação de matéria muda a natureza dos signos, que passam a representar seus objetos de outra forma, podendo assim, manter com eles diferentes tipos de relação; a tradução ou adaptação de um texto escrito para imagem ou som, mais do que isso, tenta incorporar ao signo o objeto que representa. Uma adaptação sempre é precedida por interpretação, e que estas adaptações ou transmutações – semioses que envolvem mudança de matéria – inevitavelmente interferem na recepção da obra. Peirce afirma que “ o corpo do signo modifica-se lentamente, mas seu sentido inevitavelmente cresce, incorpora novos elementos e descarta antigos”( PIERCE, 1998, p. 264). A semiose, então promove uma constante transformação dos signos, que agregam novos sentidos no decorrer de suas representações. Em outras palavras, todo texto, portanto estabelece uma rede de outros textos com os quais se relaciona e que ficam virtualmente conectados a ele, interferindo em novas leituras. Ele considera que toda adaptação pressupõe uma tomada de posição crítica, além de impor uma interpretação, essas adaptações muitas vezes falam mais ou menos do que o texto fonte, caracterizando uma nova obra. Caracterizando-se como semiose, a análise das traduções intersemióticas requer atenção aos fluxos sígnicos e interpretativos decorrentes da transmutação de um texto para outra matéria. a transmutação de matéria agrega significado ou torna relevantes conotações que não o eram originalmente. Pode-se objetar que cada texto solicita do próprio leitor modelo certas inferências e que não há nada de mal se, ao passar de matéria para matéria, essas inferências são explicadas. Mas é preciso contra-argumentar que, se o texto original propunha alguma coisa como inferência implícita, ao torná-la explícita o texto foi certamente interpretado, levado a fazer “ a descoberto” algo que originalmente ele pretendia manter como implícito(ECO, 2007, p. 382) Para Eco(2007), uma adaptação de uma obra literária para o cinema não é apenas uma representação do texto literário; na transmutação, a adaptação tem como meta produzir o mesmo efeito no seu público que o texto original produziu no seu leitor. Há de se ressaltar que qualquer adaptação, por mais que resulte numa nova obra, entendida como fruto de uma ação de criatividade que vai além do texto fonte, ela mantém algo deste texto. Sendo esta nova obra, uma representação fiel, uma transmutação ou uma mera “transmigração do tema”. “Adaptar implica recompor uma narrativa a partir da sua trama principal, manter as tramas secundárias mais importantes, manter tema e premissa, bem como essência dos perfis dos personagens centrais.”(CAMPOS, 2007, p. 299) Como na televisão ocorre um fluxo ininterrupto de programação e cada programa é fracionado inúmeras vezes em capítulos e episódios, intermediados pelos comerciais, exige, em geral, uma estratégia de expansão narrativa e discursiva da obra. “ O filme adaptado deve preservar em primeiro lugar a sua autonomia fílmica, ou seja, deve-se sustentar como obra fílmica, antes mesmo de ser objeto de análise como adaptação. Caso contrário, corresponderá ao que se costuma chamar significativamente de tradução servil ou meramente ilustrativa.” ( BALOGH, 2005, p. 53). Esta autonomia, quando se está fazendo a transmutação de uma obra, é produzida através da inserção de diálogos, roteiros e situações de acordo com a visão do diretor. Fazendo jus ao que afirma Balogh, o filme Ó Pai, Ó se distancia do texto literário, preservando assim sua autonomia fílmica. Traz para as telas, cenas de uma Bahia vista pelas lentes da diretora que embora sendo baiana, viveu maior parte de sua vida longe da Bahia, fato que resultou em pesadas críticas a sua obra. Ainda sobre adaptações, Balogh nos diz: “ Adaptações soem explicitar nos próprios créditos a sua condição de obra resultantes do que podemos chamar de uma relação intertextual. Por vezes o cineasta que adapta se dá inclusive ao luxo de dar uma matiz de gradação para o processo de tradução intersemiótica realizado. (...) “ Qualquer que seja a gradação explicitada nos créditos, ela irá sempre diferenciar o filme adaptado do filme de roteiro original”.( BALOGH 2005, P. 48). Dentro desta autonomia, a diretora fundiu personagens, criou novos personagens e subtraiu alguns, criou eventos e situações que deram consistência ao filme. Sobre a experiência de transformar a peça em filme, a diretora diz: “Foi difícil. Eu tive medo, tentei fazer isso duas vezes antes e desisti porque Ó Paí, Ó, é uma peça muito verborrágica. Acho que o cinema é mais pleno justamente quando ele não usa nem a palavra para se comunicar. Com o som e a imagem, você diz tudo.”... eu tinha me perguntado como eu poderia explicar algo que no primeiro instante a pessoa entendesse o que é Ó Paí, Ó. Isso pra Bahia é muito fácil, mas para o resto do país não é. Então eu queria uma cena que explicasse de cara isso. Eu achei divertida essa idéia porque imediatamente já estabelecia duas coisas: o tom da brincadeira, da safadeza que o filme ia ter, além da sensualidade do homem e da mulher negra. E traz também a música, outro elemento que eu queira que fosse forte. “36 Segundo Balogh(2005), uma adaptação pode surgir de várias formas; sempre se referindo a obra original como alicerce ou base. Ela diz: Na prática, se reconhece como adaptado o filme que “ conta a mesma história” do livro no qual se inspirou, ou seja, a existência de uma mesma história é o que possibilita o “ reconhecimento” da adaptação por parte do destinatário. Situar o ponto de partida da análise nas estruturas narrativas tem a vantagem de delimitar de imediato o nível superficial como o ponto incoativo do percurso metalinguistico.( BALOGH, 2005:55) Cabe aqui uma reflexão para que possamos ver, na análise do filme Ó Paí, Ó, pondo em questão qual é o foco do filme, pois não mostra o descontentamento do povo pela expulsão do Pelourinho. Em busca de uma rota discursiva, parece que o filme realmente ressalta e enobresse a baianidade em detrimento do Pelourinho, e das mudanças que ali ocorreram; objeto central de todas as tramas de Ó Paí, Ó. 36 Cf. entrevista concedida por Monique Gardenberg em www.atarde.com.br/cultura/noticia.jsf?id=740786, acesso em 21/11/2009. A intervenção e a retirada dos moradores descaracterizou o Pelourinho tal como era antes da revitalização, surgindo um outro Pelourinho. Após a restauração dos imóveis, a intenção era de que, seriam devolvidos aos seu antigos proprietários por aluguel ou venda, a preços mais acessíveis, equivalentes aos praticados pelo mercado. O IPAC pretendia tornar a área apropriada para habitação, ou em outras palavras, adequando o homem ao espaço e o espaço ao homem, o que não aconteceu. O próprio IPAC detectou que “aquela população não teria condições de preservar, por seus próprios meios, o patrimônio que habitava”(IPAC, 1992). A justificativa dada pelo IPAC foi que a desocupação era necessária, visto que aquela população era incompatível com o desenvolvimento do turismo e com a preservação do imóvel. Consideravam pessoas sem condições econômico-culturais de preservá-los, e reconheceu a marginalização imposta à população, sem deixar de frisar que “ marginal tem que ser tratado pela polícia ou órgãos assistênciais, não pelo patrimônio histórico, ... não pode haver romantismo: marginal não pinta a casa e joga fezes na rua”.( FOLHA DE SÃO PAULO, 1994). Privados de seus moradores, o Pelourinho transformou-se em uma vitrine para ser apreciada pelos turistas. Durante o dia não se vê mais vida, a não ser a comercial. A noite, a boemia é policiada, pois o Pelourinho se tornou um teatro onde se representa Salvador para turistas. É possível ver, no filme, cenas onde a personagem Baiana(Rejane Maia) só pode vender em sua banca, quitutes como acarajé, vatapá, e outros, não podendo vender bebidas como refrigerantes, cervejas, etc., precisando estar devidamente trajada com os trajes da baiana tradicional sob pena de ser multada caso isto não aconteça. Vemos também os guias turísticos locais falando um inglês sofrível ao demonstrar os bens culturais tombados no Pelourinho; vemos ainda a oficina de Roque, o antiquário de seu Jerônimo e o bar de Neusão onde acontece a maioria das cenas, demonstrando que o Pelourinho é sinônimo de comércio. As cenas se passam exclusivamente dentro do bar de Neusão, ou dentro da oficina de Roque, ou dentro do próprio cortiço, com poucas tomadas retratando o estado atual do Pelourinho. Com tomadas rápidas, uso constantes de close up e diálogos num sotaque soteropolitano, o enredo gira em tormo de suas vidas e problemas corriqueiros. É justamente este tom de brincadeira que Monique dá a Ó Pai, Ó que o torna diferente, uma vez que a Bahia nunca foi retratada desta forma. Este tom de safadeza perdeu sua leveza e a sensualidade está bem mais aflorada do que outras épocas em outras produções. O elemento música, também muito explorado no filme e na série, deram uma cara de “musical” ao filme, onde Roque entoa canções vez ou outra. Buscar semelhanças entre os personagens de Ó Pai, Ó de Marcio Meireles e os personagens de Monique Gardenberg pode ser uma coisa complicada devido as alterações feitas por conta da adaptação para o cinema. Já compará-los com os personagens de outras produções, como por exemplo Gabriela(1975) de Jorge Amado, tentando entender se Ó Pai Ó, se valia da qualidade de uma obra voltada ao regionalismo, pode resultar num esforço infrutífero, uma vez que além do tempo que separa tais produções, o formato se diferencia. Escrita por Walter George Durst e dirigida por Walter Avancini, a novela foi uma adaptação do romance de Jorge Amado, Gabriela, cravo e canela. Após o sucesso da novela, foi lançado o filme homônimo em 1983, com a direção de Bruno Barreto com Sônia Braga interpretando Gabriela e Marcello Mastroianni interpretando o personagem Nacib Saad. Podemos encontrar em Gabriela uma Bahia revestida de inocência no papel de Gabriela(Sonia Braga) e seu Nagib( Armando Bogus), um romance bem ao estilo da época. “ A gente costuma ver a Bahia principalmente através de adaptações de Jorge Amado. São arquétipos mais antigos da baianidade. Eles permanecem, mas já estão revestidos pelo contemporâneo. Em Ó Paí Ó, a gente vai rever personagens, mas em novas roupagens. A força desse trabalho está no fato de os tipos, ou quase todos, terem sido criados pelo Bando Olodum. Isso traz muita autenticidade.” 37 Para Eco, a adaptação refere-se a mundos possíveis. “ Interpretar não é traduzir”. A adaptação apresenta esta margem de infidelidade em relação a um núcleo de suposta fidelidade que é o texto original, mas que a decisão acerca da posição do núcleo e a amplitude das margens depende dos objetivos que se quer alcançar. Já para Jorge Furtado a transmutação revela uma das mais evidentes diferenças entre a linguagem audiovisual e o texto literário, pois toda a informação dever ser visível e audível. Cada leitor, imagina a sua própria cena, pois o escritor nos informa aquilo que ele julga ser necessário e o leitor imagina o resto. Já o cineasta precisa fazer grande parte do trabalho pois precisa dar vida, cor, som, etc. ao texto literário. O cinema é um trabalho coletivo, ao contrário do texto, quase 37 Depoimento de Matheus Nachtergaele, conforme http: //www . flick.com/photos/angar/2986409078, acesso em 13/12/2009. sempre expressão de um indivíduo. A linguagem cinematográfica, ao contrário do texto, é intuitiva, pois ninguém precisa ser alfabetizado para entender o filme. O cinema, ao contrario da literatura, é um evento, um ritual para o qual se sai de casa para assistir, um ritual compartilhado com outros espectadores. Com relação ao que ficou oculto ou implícito no texto literário e que o cinema tem este poder de trazer ao público, o Furtado nos diz: “...o cineasta precisa imediatamente tomas essas decisões, adiadas pelo autor. Lendo, cada leitor cria as suas próprias imagens, sem custos de produção ou limites de realidade. É natural que se decepcione quando veja as imagens criadas pelo cineasta e diga: gostei mais do livro.”38 1.2.3 Um filme não pensado para a TV ? Ó Paí, Ó, - o filme - parece não ter sido pensado para a TV, ou em outras palavras, não se pretendia ter uma continuidade em forma de série televisiva. A idéia surge a partir de histórias e personagens dentro do filme que tem seu fim, ou conclui seu propósito no mesmo, não havendo assim maneiras de dar continuidade numa possível série televisiva. A idéia de que o filme foi uma experiência para que depois a obra fosse veiculada no estilo minissérie ou seriado, ficou comprometida, pois surgem algumas descontinuidades. Estas descontinuidades surgem quando temos, por exemplo, a morte de Cosme e Damião no filme, e que voltam a aparecer no seriado. A lacuna da 38 FURTADO, Jorge. 10ª. Jornada Nacional de Literatura, RS, 2003. descontinuidade dos personagens Psilene e Rosa, a sobrinha de Neusão, que participam do filme e não estão no seriado, sem nenhuma referência a ausência delas. Mesmo a mudança com a saída do personagem Boca(Wagner Moura) que foi substituído por Queixão(Mateus Nachhtergaele) que é outro personagem criado por Monique como forma de evitar o fim da trama. Ainda temos o personagem Negócio Torto(Cristóvão da Silva) que tinha certa dificuldade para falar no filme, mas que aparece totalmente mudo no seriado. O seriado Ó Pai Ó, valeu-se do direito de alternar, substituir, trocar e agregar em diferentes momentos, atores ao elenco de forma a substanciar a obra sem fazer perder o significado. No seriado, atores foram especialmente convidados para participar de cada episódio, como é o caso de Virginia Rodrigues(Bioncé) bem como Aline Nepomuceno( Dandara) em Mãe e Quenga, Preta Gil(Magda) que interpreta uma piriguete(mulher fácil) em Fiéis e Fanáticos, Cristóvão da Silva( Negócio Torto) no episódio Negócio Torto, Virginia Cavendish(Hipólita) em Brega, e tantos outros. Estas alterações e substituições faz com que a passagem do filme para o seriado tenha estas descontinuidades. Se houvesse intensão de uma continuidade da obra após o filme, tais fatos deveriam deixar um caminho a explorar em obras posteriores. Quando se compara o filme e alguns episódios do seriado, não se consegue estabelecer uma sequência lógica, devido a estas descontinuidades. O discurso que dizia: “ dê passagem à alegria, nem que seja por um dia” deixava entender que o filme encerrava alí a sua historia. Este “um dia”, 39 39 dizia Comercial de Ó Pai, Ó, veiculado pela Rede Globo durante as semanas em que o filme estava em cartaz nos cinemas. respeito ao último dia de carnaval narrado no filme, onde os habitantes do Pelourinho, e em particular os moradores do cortiço estavam para brincar o carnaval, até a água ser cortada, o que desencadeou toda a trama. Todos os personagens são vistos desde as primeiras horas do último dia de carnaval e o filme se constroe a partir daí, mostrando cada personagem, envolvidos com muita música, sensualidade, racismo e indiferença. As cenas foram filmadas em película 16 mm em locações reais de uma arquitetura antiga e irregular no Pelourinho que “... serviu de fonte de inspiração para a construção narrativa e cênica do seriado.”40 Cada episódio era único, diferente do filme, “que era uma obra mais aberta”.41 Neste, transitavam diferentes situações de humor, sempre exibidos a cada sexta-feira entre os dias 31/10 a 05/12 / 2008. O próprio Guel Arraes que juntamente com Jorge Furtado, eram responsáveis pela redação final do seriado, em um depoimento havia declarado que o que caracterizava seu trabalho era tentar fazer obras populares e que “captassem o espírito do brasileiro para diverti-lo”42. Isto faz entender o porque do seriado ter o humor bem mais anárquico, zombador e irreverente . Da adaptação de sua peça para a televisão, Márcio Meirelles, diretor do grupo de teatro, disse em entrevista que o Bando de Teatro Olodum, negociou com a televisão a adaptação da série: “Guel Arraes e Jorge Furtado fizeram o roteiro dos episódios e mandaram para o Bando de Teatro Olodum, que retrabalhou as histórias. O discurso da série é diferente daquele da peça, afinal tem que ser adequado ao discurso da Globo sem prejudicar o discurso do Bando”.43 Uma vez que, em todas as fontes consultadas, 40 Cf.: www.memoriaglobo.com.br acessado em 21/10/2009. Cf.: www.atarde.com.br/cultura/noticia acessado em 21/10/2009. 42 OLIVERIA SOBRINHO, José Bonifácio de. 50 anos de TV no Brasil. Globo : São Paulo, 2000. 43 Cf.: www.irohin.org.br/onl/clip.php?sec=clip&id=4032, acessado em 21/10/09. 41 em nenhum momento é citada o verdadeiro motivo que levou à migração do filme para a televisão em formato de seriado, cabe levantar as prováveis hipóteses que explicariam a transposição. Uma vez que o sucesso do filme ou sua projeção a nível nacional, não justificaria tal investimento, fica a dúvida o que teria levado os responsáveis pela transformação da produção fílmica em um seriado. CAPÍTULO II Ó PAI, Ó: O SERIADO 2.1 O seriado Por que Ó Pai Ó, sucesso no teatro, sucesso relativo no cinema tornou-se um seriado, numa rede de televisão de maior audiência no Brasil? Se não houve uma premeditação de uso do material ficcional e dos atores, como visto no capítulo anterior, o que explica a sua montagem? O que justifica a continuidade da obra em formato de seriado ? Uma vez que este segundo capítulo focará mais especificamente o seriado Ó Pai Ó, desde sua adaptação televisiva até a efetiva receptividade, faz-se necessário entendermos como se dá esta adaptação para a televisão, em detrimento da mesma obra já ter sido veiculada nas telas do cinema. As formas narrativas seriadas que conhecemos nos meios de comunicação se originaram dos folhetins de autores românticos do século XIX. O folhetim, que surgiu na França em meados de 1836, explica Marlise Meyer, designava então um lugar preciso do jornal: o rez-de-chaussée (rés-do-chão), ou o rodapé que ficava na primeira página dos jornais. Esses rodapés eram um espaço destinado ao entretenimento. Nele, eram postas diversões escritas, como piadas, charadas, receitas culinárias, receitas de beleza, e textos ficcionais, mas é somente em 1840 que ocorre a constituição definitiva do romance-folhetim como um gênero específico. De acordo com Meyer: “ Nasce assim o folhetim, e o resultado concreto foi, para o jornal um aumento de 5 mil assinaturas suplementares em três meses, (...) A partir de então, não se trata mais, para o romance-folhetim, de trazer ao jornal o prestígio da ficção em troca da força de penetração deste, mas, pelo contrário, é o romance que vai devorar seu veículo”(MEYER, 1996, p. 61). Assim o folhetim nasce das necessidades jornalísticas, e todos os romances passam as ser publicados nos jornais e revistas em folhetins, ou seja, em fatias seriadas. Quando surgiu no Brasil, a televisão veio a ser o ponto de convergência de toda a nação, uma vez que homogeneizava os diferentes perfis da nação brasileira. A televisão adquiriu primazia como principal meio de veiculação da cultura e principalmente entretenimento, em detrimento do rádio. Representava a modernidade, para uma nação que agora se alimentava de imagens e sons. O surgimento da televisão e sua ascensão gradativa, significaria a médio e longo prazo o declínio do rádio, uma vez que grande parte de sua programação e de seus profissionais migraria para a televisão, encontrando nela, uma acolhida considerável. Compulsoriamente deslocados para as telenovelas, os dramaturgos, intérpretes e técnicos precisariam inventar ou adotar uma estratégia para a encenação e para seu registro visual(SADEK, 2008, p. 34). PALLOTTINI( 1998, p.24) entende que a televisão, em seu processo de estruturação utilizou-se do teatro e cinema, e lhes acrescentou os recursos do rádio, sem esquecer uma das mais ricas e permanentes fontes de matéria ficcional: a literatura nos seus variados gêneros. Já para SADEK(2008), a televisão nasce com uma vantagem ( se relacionada com o cinema) que é a sonoridade juntamente com as técnicas de narrativas do rádio que dentro da televisão, cativaram o telespectador. Após a exibição do filme Ó Pai, Ó no cinema, chegara a vez da televisão levar ao público a história do povo do Pelourinho, expulso da região para a malfadada reforma e recuperação. A história migra para a televisão respeitando a especificidade do meio televisivo em se tratando de formato, seguindo o trajeto de tantas produções como O Auto da Compadecida(1999/2000) Cidade dos homens(2002/2005), Antonia(2007), Carandiru(2003) e tantas outras que deixaram uma marca indelével na história do audiovisual brasileiro. À primeira vista, para quem acompanhou o seriado, parecia que os seis capítulos iriam girar em torno de Roque(Lázaro Ramos) que sonha em tornar-se cantor profissional e seu par romântico Dandara(Aline Nepomuceno) uma dançarina sensual e garota de programa. Mas Roque além de continuar na sua empresa, resolve gravar um CD de seu novo “hit” “Mercado Branco”. A gravação teria tudo para dar certo e vender bem se não tivesse o envolvimento de Queixão(Matheus Nasthergaele) que é o antagonista de Roque. Queixão é racista e chantagista, vive de contravenções, golpes e exploração de outros menos afortunados. Ele é uma espécie de maluco beleza, vaidoso e perigoso e sua atuação é mais de irritar os outros, chantageando a todos, que preferem ceder as suas investidas. Menos violento e agressivo e mais cômico e gozador, Queixão conquista a simpatia do telespectador, dando continuidade a historia com naturalidade. A trama social envolve ainda a dona do cortiço, dona Joana, que continua tendo problemas com os filhos Cosme e Damião e principalmente em administrar o casarão uma vez que se ocupa em ficar cuidando da vida dos moradores do cortiço. Cosme e Damião, depois de terem um fim trágico no filme, entram em cena novamente no seriado, assim como o marido de Joana; que aparece tentando explorar a esposa e sendo confrontado por Queixão. Reginaldo(Érico Brás) é o taxista, mulherengo e marido de Maria(Valdinéia Soriano) que vive desconfiada das traições do marido; Yolanda(Lyu Arisson) a travesti que tem um caso com Reginaldo, Neusão, que é uma homossexual, dona do bar onde acontece a maior parte dos encontros dos personagens. Temos ainda Baiana, a quituteira de acarajés, personagem símbolo da Bahia. A série traz os mesmos cenários utilizados no filme. Possui uma abertura feita exclusivamente para ela, com aquarelas de cores vibrantes que se sobrepunham, dando a impressão de movimento, reproduzindo cenas do filme e do seriado, tendo como musica de fundo Ó Pai, Ó de Caetano Veloso. Acostumados a acompanhar as minisséries veiculadas pela Rede Globo, onde as narrativas se estendiam por dias e as vezes por semanas a fio, o público agora se depara com o seriado, onde os capítulos não são seqüenciais, mas se extinguem no mesmo dia. Quando questionado sobre como estava vendo os primeiros episódios do seriado na TV, Márcio Meireles, autor da peça descreve: A primeira impressão é meio esquizofrênica mesmo, porque é uma coisa que tem a ver comigo e, por outro lado, não tem a ver; faz parte de mim e, ao mesmo tempo, está meio distante. Está lá meu grupo, os atores que trabalham comigo, a partir de personagens que criamos juntos, de uma trajetória que foi gerada 18 anos atrás para contar uma história que já mudou, que é essa história do Pelourinho. E, de repente, eles estão lá na tela da televisão falando coisas que foram de certa forma geradas por mim, diretamente feitas no processo de criação, mas que eu tive que me afastar um pouco, com a Secretaria.44 2.2 Minisséries e Seriados As minisséries sempre cumpriram um papel importante desde que surgiram em meados dos anos 70. Por apresentarem uma modulação diferente das novelas da época e pelo rebuscamento do tema e das obras adaptadas, tem garantido seu espaço entre os diversos programas televisivos. As minisséries têm trazido para o telespectador desde obras dos grandes nomes da literatura nacional como estrangeira; até obras de narrativas de cunho político, social, cultural e regionalista, apresentando temas variados e por vezes polêmicos. “ Quando começamos a produzir as minisséries, queríamos um aprimoramento do que conseguíamos nas novelas. De certa forma, até hoje, as minisséries provocam uma realimentação, uma releitura da novela, porque somos obrigados a usar quase a mesma estrutura dramática, mas com um outro ritmo das cenas e da própria filmagem. Há uma melhora da qualidade, as minisséries tendo um ritmo parecido 44 Cf. depoimento de Márcio Meirelles disponível em www.plugcultura.wordpress.com/marcio-meirellesresponde.html com os primeiros capítulos de uma novela, com um acabamento melhor. De certa forma, no nosso século, a literatura começou a sofrer uma influência do cinema. Os autores passaram a escrever praticamente transformando seus livros em narrativa cinematográfica.”(FILHO, 2001) Para entender a origem das minisséries e dos seriados, é preciso ir em busca das telenovelas das 22 horas e das chamadas Série Brasileiras da Rede Globo. Elas marcavam presença na programação em meados da década de 1970 no horário que hoje é destinado às minisséries. O fim das novelas das 22 horas deu origem as minisséries. As telenovelas das 22 horas mantinham algumas características básicas: personagens e histórias mais elaboradas e algumas inovações de linguagem e estrutura. A exemplo disso as novelas Ossos do Barão (1974) e O Bem Amado (1977) que logo depois se tornou um seriado, fizeram parte desse tipo de produções; e foi somente em 1983 com a novela ‘Eu Prometo’ que a Rede Globo encerra as telenovelas do horário das 22 horas, substituindo-as pela minisséries, seriados e unitários que eram os casos especiais. A partir dos anos 80 a programação televisiva passava por alguns reveses por conta de intervenções políticas, questões financeiras, tecnologia e concorrência entre as emissoras. As transformações pelas quais passou, fez com que a emissora revisse sua atuação e reformulasse seu procedimento, “ ... de modo que os formatos e conteúdos sejam pensados a partir da necessidade premente de ampliação da audiência, como é o caso de minisséries já concebidas para dar origem a filmes, numa clara estratégia de diluição dos custos de produtos que exigem alto investimento financeiro, técnico, temporal e humano.” (ROCHA, 2008, p.106) Já nos anos 90, em meio a pressão e concorrência por índices de audiência, surgem produções que acabam por legitimar sua hegemonia juntos às demais emissoras de televisão. E na visão de alguns, um fator predominante desta guinada foi, entre outros motivos, o trabalho e a criatividade de Guel Arraes e seu núcleo dentro da Rede Globo. Guel Arraes se torna então um dos responsáveis pela reconfiguração do cenário audiovisual brasileiro a partir da articulação das produções televisiva e cinematográfica. De uma experiência adquirida ao longo dos anos em suas diversas produções, “ possui um modus operandi nas diferentes instâncias de produção e realização que consegue manter o já consagrado padrão de qualidade da emissora, apesar da rigidez e voracidade com que a televisão se alimenta de gêneros, formatos e conteúdos”(BALOGH, 2009, p. 316). Nos seriados, por exemplo, a história é narrada em episódios independentes, com começo, meio e fim e não em capítulos, embora dentro de uma unidade. Sem ligação de continuidade, cada episódio conta uma história completa, fechada em si mesmo, tendo sempre como fio condutor o núcleo básico da série – seus personagens fixos.45 ( ALENCAR, 2002, p.66). Produções recentes, atestam como o mercado audiovisual brasileiro tem se diversificado por conta de novas tecnologias, formatos, etc. Esta diversificação pode gerar produções aglutinadoras de tecnologias inovadoras que resultam em produções cada vez mais consistentes. Antonia(2007), Caramuru: A Invenção Entre elas estão as minisséries, do Brasil(1999), Carandiru: histórias(2005), Auto da Compa decida(1999). 45 ALENCAR, Mauro. A Hollywood brasileira: panorama da telenovela no Brasil. Rio de Janeiro : SENAC, 2002. outras A minissérie Lampião e Maria Bonita(1982), considerada como a produção inicial, dava início a uma nova proposta de formato de programa na Rede Globo: as minisséries.46 A minissérie Lampião e Maria Bonita foi premiada com a medalha de ouro no Festival de Filmes e Televisão de Nova York; além de ser reapresentada nos anos de 1984, 1990 e 1991 foi vendida para Guatemala, Itália, Perú, Portugal e Uruguai. Sua diferença em relação as novelas foi o trabalho de pesquisa documentária, do local, costumes e ambientação da história. Nos anos seguintes surgiram produções como ‘Anarquistas graças a Deus’(1984) uma adaptação do livro de memórias homônimo de Zélia Gattai, O tempo e o Vento(1985) da trilogia homônima de Érico Veríssimo, Tenda dos Milagres(1985) da peça homônima de Jorge Amado, Grande sertão: Veredas(1985) baseada na obra homônima de João Guimarães Rosa, O primo Basílio(1988) adaptação do romance homônimo de Eça de Queiroz, Memorial de Maria Moura(1994) adaptada do romance homônimo de Rachel de Queiroz, Hilda Furacão(1998) adaptação do romance homônimo do escritor Roberto Drummond47, entre tantas outras. No ano de 1999 porém, foi exibida pela Rede Globo, aquela que para alguns, seria uma marco no audiovisual brasileiro que era a minissérie O Auto da Compadecida( FECHINE, 2008, p. 193). Baseado na peça teatral homônima de Ariano Suassuna, O Auto da Compadecida faz referência à pobreza e a vida sofrida dos habitantes de Taperoá, no sertão paraibano, misturando regionalismo e religiosidade. Em seus quatro capítulos, a minissérie O Auto da Compadecida trazia consigo algumas inovações como por exemplo a forma de captação de imagens, 46 Conforme site de Memória da Rede Globo disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/ -.html > acesso em 23/08/09. 47 Conforme site de Memória da Rede Globo disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/ -.html > acesso em 23/08/09. material utilizado, montagem, exibição e principalmente a migração. Sua concepção havia sido a de criar um único produto para dois suportes diferentes, ou em outras palavras, era uma produção do tipo dois em um. O Auto da Compadecida, segundo Fechine e Figueiroa(2009), pode ser pensada por isso mesmo, como um processo de variação do idêntico. Feito em módulos, seguindo um eixo paradigmático único de narrativa, que sofria alteração na montagem( filme ou minissérie) a partir de arranjos e (re)arranjos de módulos. “ O modo de organização em módulos, que observamos em O Auto da Compadecida...parece ser um procedimento inspirador para a produção no ambiente de uma TV digital interativa. (...) Por ora, um dos caminhos apontados por profissionais, aliam a pesquisa à produção de programas-piloto para a TV digital, é a roteirização baseada na lógica hipertextual, explorando distintos níveis de navegação. Cada nível de navegação corresponde a uma “camada” narrativa e, a cada nível, o telespectador poderá voltar ao primeiro, a partir do qual retorna ao modo de organização seqüencial do programa. Os espectadores que não desejarem uma fruição interativa podem, evidentemente, optar por se manterem apenas nesse primeiro nível, acompanhando o programa de modo linear como na televisão convencional” (FECHINE, 2008, p. 214). Na transformação da minissérie ao filme, essas produções acionaram diferentes formas de fruição. As séries ou minisséries brasileiras, já sedimentadas no audiovisual brasileiro, fazem parte do gosto popular. MACHADO(2000) nos diz existir 03 tipos de narrativas principais das quais a televisão se vale para manter este ciclo ininterrupto de programação. As telenovelas, os teledramas e as séries ou minisséries que se assemelham as novelas, com algumas variâncias. É comum ter como característica inicial, um desequilíbrio estrutural a partir de onde se cria toda uma rede de narrativas entrelaçadas, e de onde surge a evolução da história. Um olhar mais atento a Ó Paí, Ó, permite-nos apontar uma mescla dos outros dois tipos de narrativas seriadas. Dos três tipos de narrativas apontadas por Machado, tomaremos como exemplos as narrativas seriadas que são um protótipo básico que se multiplica em variantes diversas ao longo da existência do programa. Segundo Machado os seriados podem ser descritos como sendo: “ ... cada emissão é uma história completa e autônoma, com começo, meio e fim, e o que se repete no episódio seguinte são apenas os mesmos personagens principais e uma mesma situação narrativa. Nessa modalidade, um episódio, via de regra, não se recorda dos anteriores nem interfere nos posteriores...”(MACHADO, 2004, p. 84). Num segundo caso, temos a narrativa seriada onde a única coisa que se conserva nos vários episódios é a visão geral das histórias, o foco ou a temática. “...um tipo de serialização em que a única coisa que se preserva nos vários episódios é o espírito geral das histórias, ou a temática, porém em cada unidade, não apenas a história é completa e diferentes das outras, como diferentes também são os personagens, os atores, os cenários e, as vezes, até os roteiristas e diretores”(MACHADO, 2004, p. 84). Para esta independência de cada emissão, a terminologia adequada a ser usada é de “ episódios “. O “episódio” está para seriado assim como “capítulo” está para novelas e séries; pois possuem começo, meio e fim e independem uma da outra, não importando a ordem de apresentação. A derivação dos episódios se dá através de novas situações enquanto a audiência justificar a existência da obra. A inserção de novos atores, a rotatividade dos roteiristas, a alternância das locações e cenários e absorção de papéis por parte dos atores faz com que o seriado Ó Paí, Ó tenha esta característica diferenciada. “ Entre as suas várias virtudes, o seriado se distingue pela sua imensa capacidade de transformação ( ele nunca é a mesma coisa a cada novo episódio ) e pela sua voracidade em “ deglutir ‘ antropofagicamente todos os outros formatos televisuais, para devolvê-los em seguida sob forma de paródia”(MACHADO, 2004, p.93). Uma programação seriada implica, de certa forma, em uma simplificação do trabalho, uma maior rentabilidade e um público cativo por um período maior de tempo. Dos seriados do cinema, já dizia MACHADO(2000), que derivaram os seriados de televisão, e que também do cinema veio o modelo básico de parcelamento que influenciou a televisão e que é usado até hoje. Independente do tipo de programa, a TV precisa apresentar um fluxo continuo e ininterrupto em sua programação. Somente através do seriado é que existe esta envergadura para alimentar com produções audiovisuais esta demanda diária de programação. O seriado permite acompanhar a história ou resgatar o momento perdido, seja por lapsos de atenção ou falta de tempo. Comentando sobre este fluxo constante e ininterrupto, Balogh(2005) nos chama atenção para o fato de haver a oferta constante e ininterrupta desta programação gerando um número inimaginável de programas o que por sua vez leva ao consumo. A este consumismo desenfreado a autora dá o nome de voracidade televisiva. “ Para alimentar a voracidade da TV, se criou uma forma industrial de produção: a serialidade.”....” Tal forma de veicular o sentido gera um algoritmo muito diverso de veiculação e apreensão do que do cinema, exibido num continum. Na produção do sentido, gera mecanismos alternos de ‘ suspensão’, manutenção e ‘ reatamento’ do sentido. A TV é pródiga nestes mecanismos.” ( BALOGH, 2005, p. 144). A programação horizontal ou a horizontalidade da programação segundo Souza(2004) “... é a estratégia adotada pelas emissoras para estipular um horário fixo para determinado gênero todos os dias da semana, com o objetivo de criar no telespectador o hábito de assistir ao mesmo programa nesse horário...”, o que não acontece nas emissoras abertas, pois nestas, a programação vem a ser um misto de programação horizontal e vertical, onde os programas mudam de horário durante a semana e são reapresentados de forma que atinge uma audiência diferente a cada dia (SOUZA, 2004, p. 55). AVANCINI (2004) observa que a televisão seriada está voltada para países em fase de desenvolvimento (assim como a TV aberta está para países desenvolvidos) e públicos desprovidos de condições financeiras, se tornando uma questão cultural e econômica: “... isso só é viável em sociedades de baixa renda, em países subdesenvolvidos, onde o povo não tem condições de optar por outras formas de entretenimento, Para o europeu ou o americano, existe uma diversidade de opções, pois há uma possibilidade de renda muito grande. Nos Estados Unidos, a novela não existe nos horários nobres, ou seja, das seis da tarde em diante, porque o público não quer se condicionar à obrigatoriedade de voltar a vê-la naquele mesmo horário. Mas existe a novela nas televisões de língua espanhola que pegam a massa de baixa renda na América, que são os portoriquenhos, os cubanos que migraram. Neste caso, a novela passa no horário nobre, porque é uma massa sem poder aquisitivo, para qual só resta à televisão como divertimento. Então eles ficam disponíveis para a novela. No Brasil, enquanto tivermos essa situação, a novela vai prevalecer no horário nobre como o produto mais importante de comunicação, porque a grande maioria dos espectadores fica disponível para essa chamada programação horizontal – a telenovela” (AVANCINI 2004, p. 170). Nos seis diferentes episódios veiculados pela Rede Globo, do seriado Ó Pai, Ó, (a saber: Virado do avesso, Brega, Fiéis e Fanáticos, Negócio torto, Mãe e quenga e Mercado branco) decidiu-se pela independência dos capítulos, característica própria de um seriado. Os seis episódios do seriado, escrito por Guel Arraes e Jorge Furtado, responsáveis pela redação final, com a colaboração de Monique Gardenberg e Mauro Lima, foram filmados em Salvador de junho a agosto de 2008. O seriado contou com a contribuição dos atores do Bando de Teatro Olodum, que incrementaram os diálogos com improvisações e que opinavam sobre seus personagens tornando assim a produção mais natural. A esta abertura dada aos atores para opinar sobre a obra, retratam o caráter colaborativo na forma de trabalhar de Guel Arraes e seu núcleo. 2.3 A idéia da migração pela coprodução Numa produção conjunta da Rede Globo de Televisão e a Dueto Filmes criada pela diretora Monique Gardenberg em 1982 - e que foi a mesma parceria na realização do filme, lançou-se Ó Paí, Ó, a série, cujo o tema era o cotidiano dos moradores do cortiço a partir do mesmo elenco fixo do filme com algumas alterações. Estas parcerias ou co-produções tem uma razão de ser, uma vez que amplia o conteúdo da emissora, procurando mostrar uma diversidade das representações sociais em seus produtos , tendo como protagonistas, muitas vezes os moradores das periferias. Utilizando-se dessas representações em suas novelas e minisséries, a emissora procura reproduzir a realidade daqueles que consumem seus produtos, procurando dialogar com os contrários, dando assim um estilo mais plural a emissora. Desde o surgimento da televisão, a periferia ficou à margem, sendo representada de maneira romantizada (carnaval), estereotipada (novelas, programas de auditório e humorísticos) ou relegada ao universo da criminalidade (telejornais). Somente quando passaram a consumir mais fartamente produtos midiáticos e ganharam destaque em movimentos pela diversificação de conteúdos, os moradores das periferias ocuparam outros espaços, como as séries e os programas. Grande parte dessas produções foi desenvolvida por empresas que firmaram parcerias com a Globo. Elas contribuíram para uma variedade das formas de identificação e de construção narrativa das periferias nos media(MOREIRA, 2009, p. 213). Para Carolina Jabor, que assina o episódio Virado do avesso do seriado Ó Pai Ó, a produção permite que uma grande parcela dos telespectadores se reconheça na TV: “... o negócio é o equilíbrio na televisão. Caso contrário, você fica num universo elitista. O movimento de trazer a periferia para a TV é fundamental, até porque é a periferia que vê televisão. A pessoa pode se identificar com o que está vendo, o que é muito legal.” 48 Para Moreira(2009), a Rede Globo em resposta a uma grande demanda do mercado por programas que mostrassem as populações menos favorecidas economicamente “ ... surgiu quando a periferia nacional se transformou em um cânone do espetáculo cultural. Para conquistar esta fatia da audiência,a Globo precisou se adaptar.(...) Assim como nos filmes nacionais, as co-produções da Globo se inspiraram nos temas e na linguagem dos documentários. O trabalho com não atores, a ausência de marcações e a câmera solta( filmagens com câmera na mão) colocam um pé dessas produções no documentário. Não foi a partir daí, no entanto, que a periferia começou a aparecer na Globo”(MOREIRA,2009, p.213). Grande parte das produções feitas em parceria resultou em produtos bem articulados, de boa aceitação e reconhecimento nacional e internacional, uma vez 48 Depoimento de Carolina Jabor, Cf.: http: //www . flick.com/photos/angar/2986409078, acesso em 13/12/2009. que sua criação tem como propósito a construção de uma variedade de formas de narrativas, uma maior penetração no mercado e o retorno financeiro. Podemos deduzir que embora pareça que o filme não tenha sido pensado para ter sua continuidade na TV, no formato de minissérie ou seriado, o simples fato de sido feito em parceria entre a Rede Globo e a Dueto Filmes, nos leva a crer, embora em nenhum momento tenha sido cogitado a possibilidade, que já havia o intento de algum tipo de continuidade. “A Globo Filmes faz parcerias com pequenos, médios e grandes estúdios e produtoras independentes de cinema, e oferece aos diretores a garantia da participação de atores das novelas da TV, além de anúncios, merchandising, promoções de vendas. O formato, e sobretudo a linguagem dos filmes muitas vezes reproduz o estilo, qualidade, linguagem e a teledramaturgia da Rede Globo. O grupo acredita na expansão dos conteúdos, e investe cada vez mais na união entre as suas empresas, e por isso criou um Modelo de Entretenimento comandado pelo executivo Manoel Martins, que integra Criação, e Produção. O foco da Rede Globo é ousar na convergência das mídias, mas não pode se acomodar – porque as outras emissoras perceberam que quem tiver poder nas outras mídias será o verdadeiro líder de audiência. Ela é, há anos, a líder de audiência no ranking de televisão aberta.”49 Respondendo a uma demanda do mercado, a Rede Globo acompanhou esse movimento pela ampliação de conteúdos. 49 Cf.: http : www.cabecascaninas.wordpress.com/.../rede-globo-nas-novas-midias-ano-2009, acesso em 12/12/2009. 2.4 Guel Arraes e os processos de transmediação O seriado Ó Paí, Ó guarda relações com as séries de Guel Arraes. O humor irreverente, escrachado e despudorado, marca registrada de Guel, ocupa seu lugar na produção, o que elevou a obra ao gênero de comédia. Quando iniciou sua carreira como diretor, Guel já tinha uma experiência anterior, pois tinha sido assistente do diretor Carlos Manga50 que fez sucesso na época das chanchadas da Atlântida . Segundo o próprio Guel , buscou-se retomar a tradição da chanchada na teledramaturgia. Passaram, então a usar elementos e mecanismos, sobretudo sua natureza paródica, recursos que, se no cinema, eram comuns, na televisão da época eram impensáveis. Além disso, eles levaram para as novelas o estilo de comédia maluca – gênero cinematográfico dos anos 30 – e deram a ela dimensão metalingüística(FIGUEIRÔA, 2008, p. 152). Depois de ter seu espaço consolidado dentro da Rede Globo, que é o núcleo que recebe seu nome, Guel congregou inúmeros profissionais que vinham de diversas áreas como cinema, teatro, jornalismo e televisão tendo como resultado um dos principais produtos do audiovisual, que é o hibridismo de linguagens, chegando à diluição de fronteiras entre o cinema e a televisão ( FIGUEIRÔA, 2008, p.153). Segundo Fechine, a experiência brasileira de migração entre meios, tem seu início em 1999, com a minissérie “O Auto da Compadecida”(1999) de Ariano 50 José Carlos Aranha Manga é roteirista e diretor de cinema e televisão; tendo iniciado sua carreira na Atlântida e a convite de Chico Anísio começou a trabalhar na Rede Globo onde permanece até os dias atuais.. Suassuna(FECHINE, 2008, p.193). Com adaptação e direção de Guel Arraes, a minissérie conta as peripécias de João Grilo e Chicó, na cidade de Taperoá, no sertão da Paraíba. Sendo filmada em película de 35 mm é exibida pela Rede Globo de Televisão como uma minissérie de quatro capítulos em janeiro de 1998, sendo que um ano depois a mesma série é reeditada e exibida nos cinemas alcançando grande sucesso. Com 100 minutos a menos do tempo total da minissérie, O Auto da Compadecida chega aos cinemas e alcança um público de dois milhões de expectadores apesar de já ter sido exibida gratuitamente na televisão. O desejo de Guel e seu núcleo de extrapolarem o espaço da televisão foi o que fez com que se perguntasse: “Por que não fazer os dois?” Para podermos entender as obras de Guel Arraes no que diz respeito à migração e transposição entre meios, precisamos entender que estes horizontes de transposição já era visível para ele como a diluição de fronteiras entre cinema e televisão. “ O experimentalismo é a tônica de sua produção. Seus programas, minisséries e filmes, entre uma gama de trabalhos por ele realizado, são sempre marcados pelo hibridismo e um teor que desconstrói os ritmos de linguagens e fórmulas consolidadas de certos meios e formatos de produção visual, com destaque para o aproveitamento de recursos metalingüísticos, algo que, nos anos em questão, era uma novidade na televisão”( FIGUEIROA, 2008, p. 155). Para Guel, uns dos desafios a ser vencido, como profissional da televisão era o curto tempo de vida das produções televisivas. Este provavelmente foi um dos fatores que o levou a idealizar e criar um produto que tivesse uma maior durabilidade ou tempo de vida. Este tempo de vida mais longo não se referia a uma serialização das produções pois elas já existiam. Mas uma forma de estas produções transitarem por suportes concorrentes e ao mesmo tempo paralelos e colaborativos em matéria de veiculação de produções: a televisão e o cinema.Em depoimento, o próprio Guel declarou: “Por outro lado, você fazia um programa, que dava um trabalho enorme, mas que também não tinha permanência. Passava na TV uma vez e nunca mais. (...). Nesse período, eu, o Jorge(Furtado) o João( Falcão) e o Pedro(Cardoso) discutimos muito se valia a pena fazer televisão. No cinema, as coisas repercutem e duram. Se você faz um programa de televisão inovador, sai uma notinha no jornal e depois se esquece. Na televisão, há repercussão, mas parece que as coisas não vivem, não ficam. O “ Auto “ surgiu quando a gente já estava começando a se cansar da TV. (...) Notamos que todas as adaptações que a gente fez de clássicos da nossa literatura, e que davam um trabalho de cão, não marcavam, ninguém lembrava direito porque o que fica, na televisão, são os programas levados ao ar por mais tempo (...). Foi quando eu pensei: caramba, tudo que a gente faz já é, de certo modo, cinema; nós estamos nos perdendo...Todo mundo já estava mais velho, não queria mais fazer trabalho em três dias, todo mundo queria fazer trabalho mais elaborado, se não houvesse mais espaço para isso, o caminho natural seria o cinema ou o teatro”(ROCHA, 2008, p. 123). E por fim chegamos a Ó Pai, Ó, lançado inicialmente nos cinemas e que posteriormente migra para a televisão onde Guel Arraes, juntamente com Jorge Furtado, sob a direção de Monique Gardenberg, é responsável pela redação final. Não há duvidas de que a transversalidade destas obras, do cinema para a TV e da TV para o cinema são exemplos claros e precisos daquilo que chamamos de Transmediação. 2.5 Desdobramentos de uma transposição: uma narrativa transmidiática A transposição é o termo aplicável para designar uma transcrição de linguagem que altera não só o suporte lingüístico, mas principalmente o suporte de veiculação. As ações de transposição tem se tornado uma ação mais freqüente e tem demonstrado que tem dado certo a partir do momento em que o público entende e procura acompanhar toda e qualquer produção que migra entre diferentes mídias. Considerada como o ponto alto das experiências de transposição entre mídias, a obra O Auto da Compadecida dá início a uma série de tentativas e projetos de fazer com que as produções televisivas assim como as cinematográficas dialoguem mais intensamente. As ações de transposição realizada por Guel Arraes dividiu opiniões e causou reações diversas por causa da introdução de uma produção que se dizia televisiva e que foi transformada em produção transversalidade de conteúdos, cinematográfica ou vice-versa. Esta trouxe à discussão, as fronteiras e limites da televisão e do cinema. Para FIGUEIROA (2008) isso só fez ressurgir um impasse conceitual originado na década de 90 quando se estabeleceu como correto, princípios de especificidade dos meios por conta do crescimento de recursos eletrônicos que davam às produções maior autonomia na captação e produção da imagem cinematográfica, que até então pertencia ao cinema. Estas discussões, não só se fundamentavam na obtenção da melhor imagem obtida através do suporte película, mas também questões mais genéricas de ordem sociológica, econômica, política, estética e outras que envolviam televisão e cinema. Como observa Figueiroa: “Em meio à evolução contemporânea que a linguagem audiovisual tem conhecido, a tecnologia eletrônica e seu desdobramento digital, vem se mostrando a mais revolucionária: pela acessibilidade quanto a custo da sua obtenção, pela possibilidade facilitada de manipulação da obra e pelo contexto peculiar que esse meio possui. Atualmente, o cinema e a televisão acompanham essa revolução em que é possível perceber as conseqüências extraídas do simples fato de se poder ter equipamento portátil, relativamente acessível em termos financeiros, de se poder tratar as imagens digitalmente e de se poder manipulá-las infinitamente. A questão da revolução no meio audiovisual passa, obviamente, pelas possibilidades de manipulações lingüísticas e de retórica da imagem. A utilização da tecnologia digital, vem portanto abrindo perspectivas de uma imagem híbrida, na qual é cada vez mais difícil estabelecer o que é próprio do cinema e do vídeo” (FIGUEIROA, 2OO8, p. 149). Com relação à direção de uma produção para cinema ou televisão, durante uma entrevista, o diretor e roteirista de Ó Pai, Ó, Jorge Furtado companheiro de Guel Arraes responde a pergunta sobre qual seria a diferença entre dirigir cinema e televisão: “A linguagem do cinema e da televisão é a mesma, a diferença é a maneira como se vê e não como se faz. A televisão é feita para um público enorme e muitas vezes desatento. O cinema atinge menos gente, mas é visto com grande atenção. Esta diferença faz com que o cinema seja (ou deva ser) mais sutil, mais profundo, mais rico em detalhes. A direção para o cinema tem que ser mais atenta a pequenos detalhes, pois todos são percebidos pelos espectadores que saiu de casa para ver o filme, pagou ingresso e assiste a tudo numa grande tela, numa sala escura”.51 De posição idêntica, Balogh (2005) comenta sobre as diferenças percebidas entre o cinema e a televisão: “Há todo um veio da crítica que se detém nas diferenças entre o cinema e a TV. Apontam-se diferenças tecnológicas, dado que o cinema é uma imagem fotográfica e a TV é eletrônica; diferenças de percepção e atitude de recepção, posto que no cinema a fruição se faz em ambiente escuro e próprio à concentração da atenção, enquanto que a TV é vista no ambiente doméstico, com luz e amplas possibilidades de dispersão da atenção. A tela do cinema é grande e 51 http://globofilmes.globo.com/Globofilmes/Imprensa, acesso em 21/08/2009. implica uma relação de distância e fascínio, enquanto a da TV é pequena e implica uma relação próxima, de familiaridade. A TV está muito mais adstrita a um quadro contextual de programação e previsão de gênero que o cinema, e assim por diante” (BALOGH, 2005, p.45). No caso da TV, as minisséries e seriados têm uma melhor adequação, visto que a programação tende a ser fragmentada em blocos de curta duração. Arlindo Machado (2000) chama de serialidade a essa apresentação descontínua e fragmentada sob forma de edições diárias, semanais ou mensais. Para que isto aconteça, os enredos das narrativas são estruturados contendo capítulos e episódios de acordo com a programação exibida, que por sua vez são separados em blocos menores separados pelos intervalos para apresentação dos comerciais. A existência destes “breaks” vem a ser providencial uma vez que toda a programação se estende por um longo período, o que mantém o público preso a programação.. Na programação, o principal elemento é o horário de transmissão que cada programa é levado ao ar o que criou o conceito de programação horizontal. Segundo Machado(2000) é o gênero da programação que orienta todo o uso da linguagem no âmbito de um determinado meio, pois é nele que se manifestam as tendências expressivas mais estáveis e mais organizadas da evolução de um meio, acumuladas ao longo de várias gerações de anunciadores. O autor questiona se nossos conceitos de gênero já não seriam insuficientes para dar conta da complexidade dos fenômenos, pois geralmente queremos colocar obras tão distintas no mesmo pé de igualdade. Na verdade o estudo dos gêneros dos programas exige a compreensão do desenvolvimento da televisão sob vários ângulos, aspectos e perspectivas. Alguns gêneros postos na televisão brasileira, seja pela falta de tecnologia, seja pela praticidade, seja pela improvisação ou até mesmo pela criatividade ou experimentação, acabaram por resultar em fórmulas de sucesso, acabaram por resultar numa televisão que conhecemos como a televisão com a cara do Brasil. Em 2001, o núcleo Guel Arraes fez o remake do programa A grande família , criado por Oduvaldo Viana Filho, e que se tornou um dos seriados mais duradouros da televisão. No ano de 2007, a série migrou para os cinemas com o título: A Grande Família: O filme. O mesmo se dá com Caramuru – a invenção do Brasil, onde Guel era responsável pela roteirização e direção, migrou da televisão e foi para o cinema em 2001, numa remontagem da minissérie exibida pela Rede Globo no ano de 2000. Em 2003, também com roteiro e direção de Guel Arraes a Globo Filmes juntamente com Natasha Filmes, lançam o filme Os Normais , baseado na minissérie homônima. Ainda em 2005, surgia a série Carandiru – Outras histórias, inspirada no filme Carandiru (2003) de Hector Babenco, da adaptação do livro de Dráuzio Varella, médico que relata sua convivência com os detentos em um dos maiores presídios da cidade de São Paulo. O Coronel e o Lobisomem também migra para o cinema(2005) depois de ter sido adaptado para a televisão no ano de 1994. Já na ordem inversa, ou seja, do cinema para a televisão surgia em 2006/2007 a minissérie Antonia, que surgiu do filme homônimo dirigido por Tata Amaral, na qual se contava a história de um grupo de cantoras de rap, encabeçado por meninas da Vila Brasilândia, periferia da zona norte de São Paulo, indo ao ar durante duas temporadas entre estes anos. Já Cidade dos Homens chega às telas do cinema no ano de 2007, baseado no seriado homônimo exibido pela Rede Globo. E por fim chegamos a Ó Pai, Ó, lançado inicialmente nos cinemas e posteriormente migra para a televisão em formato de seriado e não como minisséries como de costume. Para FECHINE e FIGUEIROA(2009), as produções cross mídia podem ser agrupados em dois distintos modos de classificação; considerando a captação de imagens, manuseio e veiculação da obra, nos diferentes suportes. São eles: os produtos remontados como é o caso de O Auto da Compadecida(1999) e A invenção do Brasil’(2000) que num primeiro momento foram veiculados como uma minissérie e depois foram remontados, a partir do próprio material, para o cinema respeitando as especificidades de cada suporte. A re-edição do mesmo material gravado, como resultado de variações de cenas gravadas em módulos e de acordo com a ordenação ou seqüência com que são postos estes módulos, surge então uma segunda produção. No outro grupo estão o que eles chamam de produtos desdobrados, ou seja, aqueles que ocasionam a continuação da história em outros episódios. Aí sim, temos então o caso de Ó Pai, Ó, onde o filme dá origem a série. Seu desdobramento se dá através da continuidade de algumas narrativas dentro do filme que tiveram um prolongamento. 2.5.1 Ó Paí, Ó como uma narrativa transmidiática Dá-se o nome de Transmediação ou narrativa transmidiática ao compartilhamento de narrativas ficcionais entre diferentes suportes midiáticos, independente do sentido ou ordem que ocorram; “... se desenrola através de múltiplos suportes midiáticos, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmidiática, cada meio faz o que faz de melhor, a fim de que uma história possa ser introduzida em um filme, ser expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou experimentado como atração de uma parque de diversões”(JENKINS, 2008, p. 135). Para Jenkins(2008) criador do conceito de Transmedia storytelling (contar histórias em várias mídias), a vazão no fluxo de produções aumenta a partir do momento em que se tem uma diversidade de plataformas de contato. Para alguns, este fluxo entre os meios não é algo recente, pois teria começado desde as migrações “... do folhetim para o rádio, do rádio para a TV, da TV para o cinema, do livro para TV etc. Para Lopes et al(2008) a produção no meio audiovisual, “ configura-se na produção da teleficção a necessidade de envolver o espectador por meio de conexões com as mais variadas mídias, numa tentativa de seduzi-lo à interação com a trama em múltiplas condições, de participante, colaborador e até de co-autor das ficções por meio da ampliação das possibilidades de intervenções que a ele são apresentadas”(LOPES et al 2009, p. 395). Para Jenkis(2008) grandes partes dos programas audiovisuais estão sendo planejados para maximizar elementos que exercem atração sobre os fãs; e esses programas tendem a permanecer por mais tempo no ar, pois “cada vez mais, as narrativas estão se tornando a arte da construção de universos, à medida que os artistas criam ambientes atraentes que não podem ser completamente explorados ou esgotados em uma única obra, ou mesmo em uma única mídia(JENKINS, 2008, p. 158). Ele nos fala de como os diversos pontos de contato – em se tratando de mídias – seja televisão, seja cinema, ou outros meios, podem promover uma produção, pois prolonga o relacionamento ou envolvimento entre obra e o telespectador, continuando assim o seu tempo de vida. Em outras palavras, a convergência pode se estender ou perpetuar, quanto maior for o numero de pontos de contatos, da obra com o telespectador. Este permanecer mais tempo no ar, pode significar produções que sofrem um processo de desdobramento da obra original, gerando uma série. “ ... a velha idéia da convergência era a de que todos os aparelhos iriam convergir num único aparelho central que faria tudo para você( à La controle remoto universal). O que estamos vendo hoje é o hardware divergindo, enquanto o conteúdo converge.”52 Para FECHINE(2009), a televisão e o cinema nacional tem exemplos claros de narrativas transmidiáticas; tendo seu início sido marcado fortemente pelas transposições feitas nas obras O Auto da Compadecida(1999) de Ariano Suassuna, 52 Cheskin Reseach, “ Designing Digital Experiences for youth” – Market Insigths Series, 2002, p.8-9 Apud JENKINS, 2008, p. 41. pelo diretor Guel Arraes quando lança o produto do tipo ‘ dois em um’; pensado e criado para a televisão e para o cinema simultaneamente. A seu ver, ali se inicia uma nova era no que diz respeito a transmidiação na produção audiovisual no Brasil.(2009, p. 354). Tendo sido seguido pelas produções da série ‘ A invenção do Brasil’(2000), que após ser exibida na televisão foi remontada, originando o filme Caramuru: a invenção do Brasil’(2001). E o mesmo se deu com a série Antonia(2007). Nossas experiências transmidiáticas parecem estar aquém do conceito pleno de transmídia. Uma vez que seus desdobramentos não alcançam a edição de comics, games, não produzem super heróis, etc, pois na maioria dos casos as minisséries e seriados não possuem conteúdo que originem estes desdobramentos. Mesmo assim podemos dizer que, Ó Pai, Ó se enquadra nas experiências transmidiáticas, pois transita livremente em suportes diferentes, seja do cinema para a TV ou vice-versa. 2.5.2 Receptividade Além da Bahia, onde o seriado alcançou altos índices de audiência, talvez por retratar o Pelourinho e seus moradores em condições adversas, o mesmo não se deu em outras regiões do país. Nos três primeiros episódios, o alcance foi de 39 pontos no Ibope o que representa 865 mil pessoas53, chegando a alcançar 46 pontos54 ou seja, em cada 10 televisores ligados, sete estavam ligados no seriado. Esses dados refletem uma 53 54 Cf. www.atarde.com.br/cultura/noticia acesso em 02/01/2010. Cf. www.estadao.com.br/noticias/suplementos,o-pai-o-baianidade-da-ibope-htm. Acesso em 15/11/2009. maior aceitação em Salvador e não reflete, na mesma intensidade, o mesmo no sul e sudeste. Em São Paulo, por exemplo, o índice foi de 20 pontos a média, chegando ao pico de 24 pontos, e foi considerado uma boa média em relação a outros programas levando em consideração o gênero e o horário. Apesar dos diferentes níveis de aceitação a nível nacional, o seriado repercutiu de tal forma que recebeu a indicação para representar o Brasil no recebimento do prêmio Emmy Internacional, concedido a Ó Paí, Ó – o seriado – como o melhor programa de comédia no ano de 2008 - e gerou uma segunda temporada que será gravada na Bahia e será baseado na peça teatral “O inimigo do povo” do dramaturgo norueguês Ibsen e seus capítulos serão interligados caracterizando o formato série. Um dos fatores que pode explicar a popularidade e o alto grau de aceitação deve ser a identificação do telespectador com as questões sociais abordadas em cada episódio. De forma hilária, a série consegue levar a mensagem de que a sociedade brasileira sofre dos mesmos males, em maior ou menor grau, independente dos traços regionais e culturais. Do dia a dia do Pelourinho, o seriado trouxe para as telinhas (com algumas alterações)55 os mesmos personagens que figuravam no filme, só que em situações diferentes, pois a idéia era “... um retrato irreverente e musical de uma Bahia pop e contemporânea”.56 Outra preocupação que se tinha e que se cogitava era se o seriado iria seguir a mesma linha do filme ou se seria readaptado e teria uma cara mais sulista. 55 Como exemplo temos a substituição do personagem Boca, vivido por Wagner Moura, participou do filme e não podendo continuar na série precisou ser substituído por Mateus Nachtergaele no papel de Queixão, uma espécie de maluco beleza no drama. 56 Cf.: HTTP://tvglobo.opaio.globo.com/novidades,acesso em 02/02/2009. “É claro que sinto falta na TV como senti falta no cinema e sentia no teatro, de um texto, de uma crítica mais elaborada ao racismo e de uma encenação que explore mais, do ponto de vista dramatúrgico, as possibilidades dos talentosos artistas que compõem o “Bando…”. Algo que obrigue os atores, logo os baianos e os brasileiros a transgredir a caricaturesca “baianidade”. 57 Ó Pai Ó, encontrou uma boa acolhida nos lares brasileiros porque expõe uma Bahia nunca vista da forma como foi no seriado. Ele é resultado de uma produção que levou em consideração a sociedade contemporânea e seus desajustes. Segundo Hugo Passolo(2009), a obra se destaca porque: Vai além da denúncia da violência, triste e necessária, e mostra que os pobres, cheios de contradições e alegria, têm voz e vez. Não é simples ter essa visibilidade na Globo. É uma conquista. E, melhor, é feito com apuro técnico e visão artística sensível, importantes para nossa cultura. Quando tanto se fala no papel da televisão pública, a maior emissora privada do país dá um excelente exemplo de obras de ficção que têm qualidade e audiência significativas.58 2.6 Qual a importância de Ó Pai, Ó? Depois de um estudo profundo da obra, pode surgir a pergunta: qual a importância de Ó Pai, Ó? Qual o legado que ele deixa? Qual a contribuição que ele traz? Por trás de suas cenas cômicas, existe todo um discurso de questionamentos que levam à reflexão. A graça de ver Ó Pai, Ó está em poder mostrar no desdobramento da obra que é o seriado, não a história de uma região que foi castigada pela expulsão dos moradores devido ao mau uso do poder público, trazendo em seu lugar o império da indústria 57 Cf.: http://mundoafro.atarde.com.br/?p=446, acesso em 21/10/2009. 58 Cf.: www.blogdavila.blogspot.com/2009/05/o-bando-na-folha/html acesso em 22/12/2009. cultural do consumo. Mas em sentido figurado, mostra a história do povo que foi castigado pela expulsão de seus direitos para que surgisse no local, a cultura da indústria do consumo. Ao invés de moradias temos agora o comércio, ao invés de moradores, temos agora turistas. Não há crítica social objetiva e direta tanto no filme quanto na série, o que contraria o discurso da obra Ó Pai Ó na sua origem, apenas demonstrações de descontentamentos. Do mecânico fogoso que aspira ser cantor passando pela baiana do acarajé, a religiosa que vê no carnaval uma manifestação do diabo, a mau falada, a parteira, os famosos (Globais) que lotam o carnaval da Bahia, a invasão dos evangélicos, o falso candomblé, os guias turísticos, a violência nas ruas, e a americanização do linguajar para poder receber os turistas desfilam livres e superficialmente na produção de Monique Gardenberg. A região, continua lá, enfeitada, castigada pelo abandono, maquiada, para inglês ver. A importância de Ó Pai, Ó está em poder trazer à consciência da nação, a beleza radical que floresce naquela região, do Pelourinho, de Salvador, da Bahia. A importância está em conceber duas obras distintas( filme e seriado) como variações de um mesmo tema, tão distantes e tão próximas, que se completam. Por que é importante? Em depoimento á rádio CBN, Arnaldo Jabor descreve quais as contribuições de Ó Pai, Ó e o porquê da necessidade de vê-lo. “... porque mostra a radical beleza da Bahia de Salvador, da região mais rica de nossa cultura – as áreas pobres - mais ricas de hábitos, da música, da liberdade, da africanidade revolucionária, da Bahia.” ( JABOR, 2009) Onde a musicalidade não destoa das ações, pelo contrário, dá um certo ritmo a liberdade de expressão e de vida. Nos reveses da vida vale tudo, inclusive misturar samba com reggae, resultando em samba-reggae, axé; não importando se você é Timbalada, filhos de Gandhi, Didá, ou Olodum. Não importa se adota como tema de carnaval a Bahia ou Cuba, contanto que as cores de seus trajes reflitam a alegria e liberdade que se conquista a cada dia. Ó Pai, Ó pode emocionar pela reserva de humanidade que ele exibe, a diversidade sexual, a malandragem poética, o calor da miscigenação; numa Bahia que é o oasis da brasilidade em meio a essa descaracterização que a sociedade branca e globalizada impõe. Ó Pai, Ó, traz em seu discurso possibilidades de manipulações lingüísticas e de retórica da imagem dirimindo qualquer dúvida que existe uma Bahia viva e que pulsa a cada manifestação popular. Que existe em cada episódio, um modo diferente de ver e viver o Pelourinho, através do ponto de vista de cada personagem da trama. Esta revisitação em cada episódio faz com que a Bahia seja vista de um diferente ângulo. Como o próprio nome já diz: Ó Pai, Ó!, olhe para isto, olhe para as diferenças, olhe para a renovação que ocorre incessantemente, olhe para as mazelas, olhe para as mudanças que não aconteceram, olhe para nossa incapacidade diante de tantos fatos, olhe para os tantos “não” que a vida nos oferece. Ó PAI, Ó fala das regiões pobres, desprovidas do conhecimento, desprovidas de vantagens e oportunidades. Fala da dependência que temos uns dos outros enquanto vivermos cercados de problemas e provações, pois é na diferença e na dificuldade que nos tornamos fortes enquanto estivermos unidos. Ó Pai Ó, se tornou objeto de estudo uma vez que trouxe, implicações, interferências e conseqüências econômicas, sociais e culturais .O seriado que, como já visto, surgiu do desdobramento do filme homônimo, tem roteiro conciso onde os diálogos tem um humor inteligente. Os roteiristas Guel Arraes e Jorge Furtado, aliados à visão dos diretores de cada episódio como Carolina Jabor, Guimarães sob a direção de Monique Gardenberg, Mauro Lima e Olivia dão à série uma linguagem cinematográfica, a cada episódio, o que raramente ocorre em minisséries ou seriados nacionais. Por ter se originado em teatro pelo Bando de Teatro Olodum, Ó Pai Ó, tem sua tônica voltada as questões sociais, sendo posteriormente adaptado para cinema e, depois, para série pela mesma trupe, o que dá indícios de que a produção cresce e se transforma no sentido em que avança. Despreocupada de quem a protagoniza - pois a atuação de Roque (Lazaro Ramos) se perde em meio a desenvoltura de tantos atores revela talentos, pois cada personagem parece ter sido desenhado para os atores uma vez que é difícil determinar onde começa um e termina o outro. Como já acontecera antes, a Rede Globo em seus processos de parceria e coprodução, abre espaço para produções que voltam seu olhar para a sociedade, principalmente em se tratando da periferia, como aconteceu com Cidade dos Homens, Antonia, e tantos outros, mostrando uma brasilidade que era utopia até então, nos meios audiovisuais. Ó Pai, Ó descortina cenas de um Pelourinho nada turísticas, onde seus moradores são revelados ou representados através da trama daqueles que vivem no cortiço. Suas situações humoradas não deixam de disfarçar o drama vivido ali, o que não restringe o seriado ao mero entretenimento mais denuncia estes entraves de forma a levar o telespectador à reflexão. Além disso, há algo muito importante desde o teatro que persiste no cinema e na TV. Vejo que a música, o carnaval é um personagem sem corpo que costura toda a encenação e aproxima aquelas vidas rasgadas. No filme e na TV, o carnaval e a música se diluem dramas e questões sociais, por outro lado, apresentam o preconceito e a discriminação racial como um dado constitutivo, espetacular e ordenador da vida daquelas pessoas, tão próximas da realidade soteropolitana. Nunca vi nada igual na Rede Globo de Televisão. Ó PAÍ Ó!59 Se permaneceram traços de continuidade nas adaptações da peça para o filme e do filme para o seriado, foram os traços de desigualdade, preconceito, marginalização, e do esquecimento . São produções autônomas e independentes. Essas desigualdades dão a Ó Pai Ó, uma identidade única que é a de retratar a realidade como se apresenta hoje, através do teatro, cinema e televisão e de ter podido retroalimentar estas mesmas produções a partir de cada novo lançamento, ou seja o filme retroalimentou o teatro, e a série por sua vez, retroalimentou o filme e o teatro também. De certa forma, o seriado Ó Pai, Ó busca este resgate, resgate de um Pelourinho mais humano, mais igualitário, o resgate da memória, da história, daqueles que já fizeram parte do Pelourinho. CONCLUSÃO: A partir do estudo de Ó Pai, Ó, pode-se perceber quão importante é dimensionar os limites da experimentação e seus resultados, considerando as migrações de obras audiovisuais entre diferentes suportes como experimentos dentro de um processo de transmidiação. Antever o fluxo da criação de obras, tanto televisivas ou cinematográficas e destiná-la a somente um veículo, de forma que 59 Cf.: http://mundoafro.atarde.com.br/?p=446, acesso em 21/10/2009. esta obra cumpra plenamente o propósito para qual foi criada. As obras criadas sem os paradigmas da especificidade do meio, nascem livres dos traços da ética e da estética tornando-se passível de transitar em diferentes suportes, valendo-se da condição de híbridas. Um estudo de Ó Pai, Ó e de seus movimentos de transmutação e transposição entre cinema e televisão, pode-se resultar nas seguintes deduções: • uma vez que a indústria televisiva descobriu que, através da serialização de suas produções, prolongam a manutenção de uma relação com seus telespectadores, intensificaram esta relação através das co-produções que ampliam seu leque de produções como opções para os mais variados gostos. O seriado Ó Paí Ó surge então como um desdobramento do filme homônimo vindo confirmar o propósito das parcerias; • a idéia de que os suportes não esgotam as possibilidade de veiculação de uma obra, havendo assim a necessidade de migrarem para outros suportes, ocasionando assim o desdobramento de Ó Paí Ó, do cinema para um seriado na TV; • quanto maior forem os pontos de contato, mais necessidade tem a obra de transitar entre os diversos tipos de mídias, seguindo o fluxo comum da convergência, pois “ a experiência não deve ser contida em um único suporte midiático, mas deve estender-se ao maior número possível deles.”(JENKINS 2008, p.104). O longa metragem deu origem ao seriado, que por sua vez, gerou um DVD tanto do filme quanto do seriado, como também o CD de músicas. • Uma vez que a obra, já na sua origem, tende a ser feita para ambos os suportes (televisão e cinema ) deixam de existir as paradigmas e preceitos sobre as especificidades do meio, valendo-se da condição de híbridas. Pode-se entender Ó Pai Ó, como uma produção teatral criada por Márcio Meireles que tem cunho político-ideológico e que através de Monique Gardenberg passa pelo processo de transmutação para os meios audiovisuais. No cinema, não alcança um reconhecimento esperado. Mas, apesar da polêmica em torno do filme, o mesmo conseguiu chamar a atenção, pois sua abordagem provocou os mais diferentes sentimentos, polarizados entre aceitação e repulsa . A transposição do filme para a televisão ocorreu não como resultado de uma re-edição ou remontagem de um material pronto mas de um desdobramento do original o que resultou num seriado. Apesar deste cruzamento de mídias ter como objetivo único o entretenimento, observa-se em Ó Pai, Ó a viabilização da mesma obra para diferentes suportes, e principalmente o estreitamento das relações entre cinema e televisão. REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA ALENCAR, Mauro. A Hollywood brasileira: panorama da telenovela no Brasil. Rio de Janeiro : SENAC, 2002. 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ANEXOS 1 SINOPSE DOS EPISÓDIOS DA SÉRIE Ó PAÍ, Ó Ó PAÍ Ó PRIMEIRO EPISÓDIO: Mercado Branco REDAÇÃO: Mauro Lima, Bando de Teatro Olodum REDAÇÃO FINAL: Guel Arraes, Jorge Furtado e Mauro Lima DIREÇÃO GERAL: Monique Gardemberg O bar mais freqüentado do Pelourinho, em Salvador, é gerenciado por Neusão (Tânia Toko), que vende fiado para seus clientes e amigos das redondezas. Com uma lista enorme de contas penduradas, ela não consegue fechar o caixa do mês e ainda tem que saldar um empréstimo que fez em uma financeira. Para piorar, Queixão (Matheus Nachtergaele) resolveu vender bebidas no isopor na frente de seu estabelecimento, e como mercado informal não paga imposto, ele está vendendo com preços menores e roubando a clientela de Neusão. Desolada, a proprietária se queixa com Roque (Lázaro Ramos) do mercado negro, e ele rapidamente explica que quem está faturando alto é Queixão e que esse mercado, na verdade, é branco. Inspirado nas falcatruas de Queixão, Roque compõe a canção "Mercado Branco", que tem tudo para fazer sucesso nas rádios da cidade. O taxista Reginaldo (Érico Brás) prontamente se candidata para ser empresário do amigo e Queixão, que não perde uma chance em que pode se beneficiar, oferece o estúdio de seu primo Arlindo Wallace (Gilberto Lima) para a gravação do CD. Porém, o cantor não imagina que seu trabalho cairá nas mãos dos camelôs da cidade antes mesmo de ser lançado. E adivinha quem está por trás da pirataria? Queixão. A vida dos moradores do cortiço de Dona Joana (Luciana Souza) também não anda nada fácil. A proprietária sequer contribuiu com a corrente de evangelização da igreja e o Pastor (Lázaro Machado) foi cobrá-la em sua casa. Para saldar a dívida, cobra de Yolanda (Lyu Arison) a parte pendente de seu aluguel. Pressionado por Yolanda, Reginaldo pede dinheiro emprestado Maria (Valdinéia Soriano) e ela, a Baiana (Rejane Maia), que está devendo um dinheirinho para a amiga. Ó PAÍ Ó SEGUNDO EPISÓDIO: Mãe e Quenga REDAÇÃO: Monique Gardemberg e Bando de Teatro Olodum REDAÇÃO FINAL: Guel Arraes, Jorge Furtado e Monique Gardemberg DIREÇÃO GERAL: Monique Gardemberg Reginaldo (Érico Brás) está muito ocupado com uma cliente que perdeu sua chave entre as pedras da praia de Ondina, em Salvador, e não consegue evitar que seu táxi seja rebocado. Já prevendo a discussão com a esposa, o taxista chega em casa de mansinho para não acordá-la, mas ela o espera com uma surpresa. Maria (Valdinéia Soriano) está quase convencida das desculpas do marido, quando Queixão (Matheus Nachtergaele) começa a gritar em frente ao cortiço que o táxi foi rebocado, atrapalhando o entendimento do casal. Decepcionada, Maria vai embora de casa, deixando o marido exatamente quando está prestes a dar à luz. Com a ajuda de Paulo (Ricardo Bittencourt), Queixão consegue o seu carro de volta. Como agradecimento, terá que marcar um encontro do amigo com Dandara (Aline Nepomuceno), que não tira os olhos de Roque (Lázaro Ramos). O cantor também está de olho no rebolado da morena e sofrerá bastante para tê-la em seus braços. Ó PAÍ Ó TERCEIRO EPISÓDIO: Negócio Torto REDAÇÃO: Guel Arraes, Jorge Furtado e Bando de Teatro Olodum REDAÇÃO FINAL: Guel Arraes, Jorge Furtado DIREÇÃO: Olivia Guimarães DIREÇÃO GERAL: Monique Gardemberg A recuperação do Centro Histórico de Salvador, que começou no Pelourinho, continuará com a reforma dos casarões localizados em seus arredores. O engenheiro contratado para fazer o orçamento de uma pousada avisa que, a princípio, a construção será no cortiço de Dona Joana (Luciana Souza), que está na área delimitada no projeto de reurbanização. Preocupados, os inquilinos procuram a proprietária para convencê-la a não vender o imóvel e, em troca, prometem pagar os aluguéis em dia. Aproveitando o desespero dos moradores, ela escreve os dez mandamentos do prédio, que devem ser respeitados por todos. Entre eles, consta que ninguém pode entrar no prédio depois das dez da noite. Maria (Valdinéia Soriano) adora a novidade e acredita que a norma pode ser a solução para os constantes atrasos do marido Reginaldo (Érico Brás). Na iminência de serem despejados, os moradores ainda se sensibilizam com a história de Negócio Torto (Cristóvão da Silva), que veio do interior para tentar a vida na cidade e acabou como mendigo. Seu Gerônimo (Stênio Garcia), porém, defende que o desabrigado deve sair do local para preservar a imagem do bairro e garantir seu faturamento com os turistas que visitam a região. Roque (Lázaro Ramos), por sua vez, protesta quanto ao posicionamento radical do comerciante e deixa claro que o amigo faz parte da realidade do país. Para surpresa de todos, os moradores recebem uma carta de despejo, pois o imóvel foi vendido. Porém, Dona Joana não fez o negócio, nem assinou papel algum. Agora, resta saber quem é o responsável por tamanha confusão. Ó PAÍ Ó QUARTO EPISÓDIO: Fiéis e Fanáticos REDAÇÃO: Bando de Teatro Olodum REDAÇÃO FINAL: Guel Arraes e Jorge Furtado DIREÇÃO GERAL: Monique Gardemberg Maria (Valdinéia Soriano) descobre, por meio de Mãe Raimunda (Cássia Valle), que o orixá de seu bebê que está para nascer Michelângelo é Exu e, devido ao preconceito ligado a ele, ela prefere consagrá-lo a Ogum. Para isso, ela deve homenagear o santo de alguma forma e, após sonhar com seu filho envolto em vermelho e preto, ela decide vesti-lo com essas cores no batizado. Ao saber da promessa, Reginaldo (Érico Brás) se desespera, pois prometeu ao avô que seu filho seria torcedor do Bahia e, portanto, não pode vestir as cores do Vitória, que são justamente o vermelho e o preto. Porém, se depender de Neusão (Tânia Toko), seu afilhado será sim um torcedor fanático do Vitória. O campeonato está chegando e Neusão e Reginaldo fazem suas promessas para ajudar a garantir a vitória de seus respectivos times. Reginaldo desconfia que a comerciante optou por não beber e, diante disso, tenta fazê-la ter uma recaída para que seu time perca. Ela, por sua vez, percebe que o taxista sedutor está se privando de flertes e acredita ser este o seu sacrifício pelo Bahia. Para induzi-lo a romper com a promessa, Neusão apresenta Magda (Preta Gil) a Reginaldo, que tenta resistir ao charme da morena. No dia do jogo, todos se reúnem no bar de Neusão, inclusive Magda, que não desistirá do taxista até os 45 minutos do segundo tempo. Ó PAÍ Ó QUINTO EPISÓDIO: Brega REDAÇÃO: Guel Arraes, Jorge Furtado, Mauro Lima, Bando de Teatro Olodum REDAÇÃO FINAL: Guel Arraes e Jorge Furtado DIREÇÃO: Mauro Lima DIREÇÃO GERAL: Monique Gardember O cortiço está sem luz e, para consertar o disjuntor, Dona Joana (Luciana Souza) avisa que são R$ 250 por família. Como ninguém tem dinheiro para arcar com a despesa, a saída pode estar nas mãos de Reginaldo (Érico Brás). O taxista conheceu uma produtora que está na cidade para fazer um documentário sobre bregas para um veículo estrangeiro. Hipólita (Virgínia Cavendish) procura por um casarão colonial com janelas abertas e movimentos na calçada, algo tipicamente baiano, e pronuncia as palavras mágicas: “dinheiro não é problema”. Dito isso, Reginaldo marca com a jovem e corre para produzir o brega mais incrível que o Pelourinho já viu. Reunidos no bar de Neusão (Tânia Toko), os moradores do cortiço discutem as vantagens e desvantagens de transformarem suas casas em um prostíbulo. Baiana (Rejane Maia) é a primeira a se opor, argumentando que passou a vida inteira lutando para ser respeitada para agora se expor ao ridículo. Roque (Lázaro Ramos), porém, consegue convencer os vizinhos, argumentando que se os gringos pensam que podem retratar o Brasil sem conhecê-lo de verdade, esta é a hora de mostrar que eles não sabem de nada mesmo. Para despistarem Dona Joana, eles contam com a ajuda de Cosme (Vinícius Nascimento) e Damião (Felipe Fernandes), que farão o possível para manterem a mãe no culto evangélico. E, para que todos saibam como se comportam as profissionais de um brega, Reginaldo contrata uma professora (Suzana Pires) para ensiná-los. Tomadas todas as providências necessárias, só resta contar com a sorte para que nem Hipólita, nem Dona Joana, desconfiem da mentira. O episódio ‘Brega’ foi ao ar na sexta-feira, 28 de novembro, sob a direção de Mauro Lima. Ó PAÍ Ó SEXTO EPISÓDIO: Virado do Avesso REDAÇÃO: Guel Arraes, Jorge Furtado e Bando de Teatro Olodum REDAÇÃO FINAL: Guel Arraes, Jorge Furtado DIREÇÃO: Carolina Jabour DIREÇÃO GERAL: Monique Gardemberg Em um show no bar de Neusão (Tânia Toko), Roque (Lázaro Ramos) se despede dos amigos e agradece pelo apoio que o ajudou a alcançar o sucesso. Convidado por uma produtora para fazer uma turnê de três meses e, acreditando ser essa a grande chance de sua vida, Roque também dá adeus a Dandara (Aline Nepomuceno), propondo um relacionamento aberto e deixando para a morena o apartamento em que moravam juntos. Porém, a secretária que ligou para o cantor fez uma grande confusão: era para ligar para “o cantor de rock” e não, “o cantor Roque”. Decepcionado, o baiano volta para casa e pede refúgio a Dandara, que se diverte com a situação. Envergonhado, Roque se esconde em própria sua casa para que todos pensem que ele está viajando pelo Brasil. Enquanto isso, Dandara ensaia um show com Bi-Negão (Márcio Vitor), provocando o ciúme do namorado. Neusão convida Yolanda (Lyu Arisson) para trabalhar em seu bar temporariamente. Analisados os prós e contras do emprego, eles resolvem se casar, já que cônjuge não é empregado e, por isso, as despesas seriam menores. A cerimônia acontece no bar mais famoso do Pelourinho, com direito a chuva de arroz e uma produção impecável. O casal planeja morar junto e adotar uma criança. Empolgada, Neusão liga para o amigo Roque para contar a novidade e ele diz que está no meio de um show, mas deseja felicidades para o casal. Revoltada com o cinismo de Roque, Dandara avisa que vai desfilar com Bi-Negão pela cidade, para que ninguém pense que ela está sozinha, enquanto seu namorado viaja. ANEXOS: FICHA TÉCNICA - Ó PAI, Ó : PEÇA TEATRAL Ó PAÍ Ó – PEÇA TEATRAL TÍTULO ORIGINAL: Ó Pai, Ó DIREÇÃO:Márcio Meirelles CO-DIREÇÃO: Chica Carelli DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: Chica Carelli COREOGRAFIA: Zebrinha MÚSICA E DIREÇÃO MUSICAL:Jarbas Bittencurt MÚSICOS: Maurício Lourenço e Nine ILUMINAÇÃO: Rivaldo Rio ELENCO: Arlete Dias Cássia Valle Clésia Nogueira Elane Nascimento Fábio Santana Jamile Alves Leno Sacramento Rejane Maia Robson Mauro Telma Souza Auristela Sá Cell Dantas Ednaldo Muniz Érico Brás Geremias Mendes Jorge Washington Merry Batista Rédson Reis S.L. Laurentino Valdineia Soriano. Atores Convidados – Edvana Carvalho Lyu Árison Luciana Souza Tânia Toko FICHA TÉCNICA • Título original:Ó Paí, Ó Ó PAÍ, Ó: O FILME • • • • • • • • • • • • • • Gênero:Comédia Duração:01 hs 38 min Ano de lançamento:2007 Site oficial:http://www.opaio.com.br Estúdio:Dueto Filmes / Europa Filmes / Globo Filmes Distribuidora:Europa Filmes Direção: Monique Gardenberg Roteiro:Monique Gardenberg, baseado na peça teatral de Márcio Meirelles Produção:Augusto Casé, Paula Lavigne e Sara Silveira Música:Caetano Veloso e Davi Moraes Fotografia:Eduardo Miranda Direção de arte:Vera Hamburger Figurino:Bettine Silveira Edição:João Paulo de Carvalho e Giba Assis Brasil ELENCO: Lázaro Ramos (Roque) Wagner Moura (Boca) Dira Paes (Psilene) Tânia Tôko (Neuzão da Rocha) Rejane Maia (Baiana) Valdinéia Soriano (Maria) Cássia Vale (Mãe Raimunda) Virgínia Rodrigues (Bioncê) Leno Sacramento (Raimundinho) Vinícius Nascimento (Cosme) Cidnei Aragão (Peixe Frito) Nauro Neves (Lord Black) Natália Garcez (Lia) Telma Souza (Feirante) Jamile Alves (Professora) Nívea Pita (Fiel possuída) Stênio Garcia (Seu Jerônimo) Luciana Souza (Dona Joana) Érico Brás (Reginaldo) Emanuelle Araújo (Rosa) Lyu Arisson (Yolanda) Jorge Washington (Mattias) Auristela Sá (Carmem) Edvana Carvalho (Lúcia) Cristóvão Silva (Negócio Torto) Felipe Fernandes (Damião) Mateus Ferreira da Silva (Mateus) Merry Batista (Dalva) Tatau (Tatau) Lázaro Machado (Pastor) Gustavo Mello (Guarda) Anselmo Costa (Radialista voz) FICHA TÉCNICA - Ó PAI, Ó: A SÉRIE Redação:Episódio 01 (Mercado Branco) – Mauro Lima e Bando de Teatro Olodum; Episódio 02 (Mãe e Quenga) – Monique Gardenberg e Bando de Teatro Olodum;Episódio 04 (Fiéis e Fanáticos) – Bando de Teatro Olodum; Episódio 05 (Brega) – Guel Arraes, Jorge Furtado, Mauro Lima e Bando de Teatro Olodum; Episódio 06 (Virado do Avesso) – Guel Arraes, Jorge Furtado e Bando de Teatro Olodum Redação final: Jorge Furtado, Guel Arraes e Mauro Lima Direção: Mauro Lima Direção geral: Monique Gardenberg Abertura: BRABO. TV Produção musical: Luiz Brasil Produção musical assistente: Teca Macedo Sound designer: Episódio 01 (Mercado Branco) – Beto Ferraz; Episódio 02 (Mãe e Quenga) – Beto Ferraz e Armando Torres Jr; Episódio 04 (Fiéis e Fanáticos) Beto Ferraz; Episódio 05 (Brega) - Beto Ferraz; Episódio 06 (Virado do Avesso) - Beto Ferraz Sound designer assistente: Malu Souza Edição de diálogos: Episódio 01 (Mercado Branco) – Nathalia Rabczuk e Simone Alves; Episódio 02 (Mãe e Quenga) – Nathalia Rabczuk; Episódio 04 (Fiéis e Fanáticos) – Nathalia Rabczuk e Simone Alves; Episódio 05 (Brega) – Nathalia Rabczuk e Simone Alves; Episódio 06 (Virado do Avesso) – Nathalia Rabczuk e Simone Alves Mixagem: Paulo Gama Foley: Episódio 01 (Mercado Branco) – Helena Duarte; Episódio 02 (Mãe e Quenga) – Cauê Custódio; Episódio 04 (Fiéis e Fanáticos) – Helena Duarte; Episódio 05 (Brega) – Helena Duarte; Episódio 06 (Virado do Avesso) – Helena Duarte Áudio: Natal Cerqueira Equipe de áudio: Episódio 01 (Mercado Branco) - Natan Cerqueira; Episódio 02 (Mãe e Quenga) - Kesser Jones; Episódio 04 (Fiéis e Fanáticos) - Natan Cerqueira; Episódio 05 (Brega) - Natan Cerqueira; Episódio 06 (Virado do Avesso) – Kesser Jones Som direto: Paulo Ricardo Nunes Colorista: Ely Silva Finalização: Casablanca Montagem: Episódio 01 (Mercado Branco) - Marcelo Morais; Episódio 02 (Mãe e Quenga) - Natara Ney; Episódio 04 (Fiéis e Fanáticos) - Natara Ney; Episódio 05 (Brega) - Marcelo Morais; Episódio 06 (Virado do Avesso) Natara Ney Assistente de montagem: Wel Dutra Coordenação de pós-produção: Alexandre Rocha Maquinista: Amaro Campos Maquinista assistente: Marcos Diógenes Eletricista: Júnior Malta Eletricista assistente: Gambis Microfonista: Vampiro Assistente de vídeo: Daniel Carvalho Assistente de câmera: Jorginho Alves, Fabrício Tadeu Lima, Pedro Serrão, Silvano Guglielmoni e Rachel Câmara Caracterização: Pablo Maquiagem: Wilson D’Argolo Assistente de maquiagem: Noêmia Melo e Mirian Figurino: Cao Albuquerque e Bettine Silveira Equipe de apoio ao figurino: Fernando de Jesus e Gabriela Joppert Figurinista assistente: Valéria Stefani Equipe cenotécnica: George Augusto, Gilson Oliveira Souza, Gilvan de Jesus Correia, Osvaldo de Souza, Paulo Eliodoro e Róseo Galdino de Souza Cenotécnicos:Marcelo Araújo Correia, Adriano Passos e Bruno Matos Cenotécnicos assistentes: Valdir dos Santos, Welber Pereira, Igor Mascarenhas, Dinaílton Ribeira dos Santos, Felipe Cipriani, José Carlos de Jesus e Márcio Santos Equipe de apoio à arte: Aildo Santos, Alan Jackson, Pinheiro da Silva, Antonio Carlos, Antônio Dias dos Santos, Clara Carsale, Cleiton Oliveira, Daniel Vaz, Gildete Souza Cidreira, José Nilton Vaz, Luis Rafael Alves, Misael Lima, Pablo Ramos, Renan Dias e Santiago Contra-regra: Farinha Contra-regra assistente: Joaquim Produção de objeto: Dan Rodrigues Produção de objetos assistente: Alice Barreto Produção de arte: Ana Luisa Aouad Produção de arte assistente: Stella Campos Platô: Paulão Costa Platô assistente: Rodrigo Conceição Produção de locação: Cirlene Vita Assistentes de produção: Mara Junqueira, Carol Villela, Cláudia Freitas e Emanuela Campos Coordenação de produção: Regina Monteiro Produção de elenco: Daniela Vignoli e Delmário Pesquisa musical: Pedro Tourinho Coreógrafo: Zebrinha Continuidade:Episódio 01 (Mercado Branco) - Fernanda Colin e Alessandra Sampaio; Episódio 02 (Mãe e Quenga) - Fernanda Colin; Episódio 04 (Fiéis e Fanáticos) - Fernanda Colin; Episódio 05 (Brega) - Fernanda Colin e Alessandra Sampaio; Episódio 06 (Virado do Avesso) – Fernanda Colin Assistentes de direção: Episódio 01 (Mercado Branco) - Rafael Salgado, Luiz Henrique Campos e Rodrigo Gameiro; Episódio 02 (Mãe e Quenga) Michele Matalon, Clarice Philigret, Claudia Castro, Luiz Henrique Campos e Rodrigo Gameiro; Episódio 04 (Fiéis e Fanáticos) Michele Matalon, Clarice Philgret, Claudia Castro, Luiz Henrique Campos e Rodrigo Gameiro; Episódio 05 (Brega) - Rafael Salgado, Luiz Henrique Campos e Rodrigo Gameiro Direção de arte: Kiti Duarte e Hélcio Pugliese Direção de fotografia: Episódio 01 (Mercado Branco) – Pedro Molinos; Episódio 02 (Mãe e Quenga) – Dudu Miranda; Episódio 04 (Fiéis e Fanáticos) – Dudu Miranda; Episódio 05 (Brega) – Pedro Molinos; Episódio 06 (Virado do Avesso) – Dudu Miranda Produção: Augusto Casé Produção executiva: Rômulo Marinho Direção de produção: Bia Caldas ELENCO: Aline Nepomuceno – Dandara Cássia Valle – mãe Raimunda Edmilson Barros – Delegado Elane Nascimento – Suellen Felipe Fernandes – Damião Hermila Guedes Jorge Washington – Mattias Lázaro Ramos – Roque Luciana Souza – dona Joana Matheus Nachtergaele – Queixão Nanda Costa – quenga de Reginaldo Preta Gil – Magda Ricardo Bittencourt – Paulo Suzana Pires – Sarah Valdinéia Soriano – Maria Virginia Cavendish – Hipólita Auristela Sá – Carmem Cristóvão da Silva – Negócio Torto Edvana Carvalho – Lúcia Érico Brás – Reginaldo Gilberto Lima – Arlindo Wallace João Miguel – Mário Lázaro Machado – Pastor Leno Sacramento – Raimundinho Lyu Arison – Yolanda Merry Batista – Dalva Oswaldo Mil – policial Carlos Rejane Maia – Baiana do Acarajé Stênio Garcia – seu Jerônimo Tânia Tôko – Neuzão Vinícius Nascimento – Cosme FICHA TÉCNICA Ó PAI Ó – PEÇA TEATRAL 1a. Montagem Texto Marcio Meirelles / Bando de Teatro Olodum Direção Marcio Meirelles / Chica Carelli Cenário Marcio Meirelles Figurino Bando de Teatro Olodum Coreografia Leda Ornelas Músicas Ó pai, ó! (Aloísio Menezes, Marcio e João Meirelles), Deixa-me lá (Valmir Brito), Jeito de dançar (Jauperi), Swing Olodum (Reny Veneno), Protesto Olodum II (Reny Veneno, Pierre Onassis e Tonho Copque) Arranjos para percussão Neguinho do Samba Iluminação Jorginho de Carvalho Direção de produção Maria Eugênia Milet Elenco: Aloísio Menezes (Maicolgel) Anativo Oliveira (Peixe Frito) Arlete Dias (Mary Star) Armando Costa (Raimundinho) Cássia Valle (Dona Raimunda) Dedé Maurício (Marcelo, personagem que desapareceu com a saída do ator) Edvana Carvalho (Lúcia) Eliete Miranda (Dona Maria - ações do personagem foram assumidas por Pissilene e por Berna Rosa, personagem criado em Bai bai pelô) Floriano Barbosa (Bêbado, personagem substituído por Moncherri, com a saída do ator e, com a saída da atriz, algumas ações foram adaptadas para Pissilene) Gerimias Mendes (Gereba) Jorge Washington (Seu Matias) Fábio Santos (Seu Severino) Laudio Dourado (Guarda) Luciana Souza (Dona Joana) Merry Batista (Professora) Nauro Neves (Lord Black) Orlando Martins (Ratinho, personagem substituído por Malhado) Nilton Rangel Gomes (Seu Reginaldo) Raquel Rodrigues (Afilhada de Neuzão) Rejane Maia (Baiana) Rivaldo Rio (Pintor) Sérgio Braga (Yolanda) Tânia Toko (Neuzão da Rocha) Tânia Oliveira (Carmem) Valdinéia Soriano (Maria) Substituições Auristela Sá (Berna Rosa, personagem que substituiu Dona Maria) Cristóvão da Silva (Guarda) Jubiracy Machado (Raimundinho) Lázaro Ramos (Seu Severino) Leda Ornelas (Lúcia) Mazé Silva (Moncherri, personagem de Essa é nossa praia que substituiu o Bêbado) Nauro Neves (Yolanda) Nildes Vieira (Carmem) Ronilson Oliveira (Raimundinho) Rony Cássio (Yolanda) Sérgio Amorim (Malhado, substituiu o personagem Ratinho) Suzana Mata (Pissilene, personagem criado posteriormente, substituiu e incorporou ações de Dona Maria e de Moncherri) Participação Banda Mirim do Olodum FICHA TÉCNICA Ó PAÌ Ó – PEÇA TEATRAL 2a. Montagem Texto Marcio Meirelles / Bando de Teatro Olodum Direção Marcio Meirelles / Chica Carelli Cenário Marcio Meirelles e Gaio Figurino Bando de Teatro Olodum Coreografia Zebrinha Músicas Canto do mundo (Caetano Veloso), Ó pai, ó! (Aloísio Menezes, Marcio Meirelles e João Meirelles), Sopping do Pelô (Ray Gouveia) e Michael no Pelô e Caco de vidro (Jarbas Bittencourt) Direção musical Jarbas Bittencourt Iluminação Rivaldo Rio Direção de Produção Lázaro Ramos Elenco Aline Menezes (Afilhada de Neuzão) Aloísio Menezes (Maicolgel) Anativo Oliveira (Peixe Frito) Arlete Dias (Mary Star) Auristela Sá (Berna Rosa, substituída na segunda temporada pelo personagem Dona Maria) Bárbara Borga (Neuzão da Rocha) Cássia Valle (Dona Raimunda) Cristóvão da Silva (Guarda e percussão) Edinaldo Muniz (pintor e percussão) Edvana Carvalho (Lúcia) Érico Brás (Lord Black e percussão) Gerimias Mendes (Gereba) Jorge Washington (Seu Matias e percussão) Lázaro Machado (Yolanda) Leno Sacramento (Seu Severino e percussão) Luciana Souza (Dona Joana) Luís Fernando Araújo (Marcelo, personagem que desapareceu a partir da segunda temporada, e percussão) Mariana Freire (Professora) Nildes Vieira (Carmem e percussão) Nilton Rangel (Seu Reginaldo) Rejane Maia (Baiana) Suzana Matta (Pissilene) Valdinéia Soriano (Maria) Vinício Nascimento (Raimundinho e percussão) Substituições Fábio Santana (Peixe Frito) Jorge Washington (Seu Matias incorporou falas e ações de Marcelo) Luís Fernando Araújo (Guarda) Merry Batista (Dona Maria e Professora) Participação da Confraria da Bazófia Arnaldo Almeida (voz) Jarbas Bittencourt (teclado e voz) João Lins (voz) Ray Gouveia (voz) Músicos convidados João Meirelles (guitarra) Pedro Meirelles (baixo)