A FORMAÇÃO PROFISSIONAL NA CONSOLIDAÇÃO DO PROJETO
ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL1
Cristiane Carla Konno2
Resumo: O presente trabalho é parte do debate acirrado no Grupo de Pesquisa:
Fundamentos do Serviço Social, Trabalho e “Questão Social”, da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná, curso de Serviço Social. Desta forma, objetiva compreender o significado
social da profissão e sua estreita relação com as particularidades da “questão social”. Para
tanto, faz-se uma abordagem do desenvolvimento sócio-histórico da profissão, enfatizando
o Movimento de Reconceituação tendo na vertente da intenção de ruptura a direção social
orientada pelo legado marxiano, como via de rompimento com o conservadorismo. As
discussões desenvolvidas neste processo, constituíram a base inicial da construção do
Projeto Ético Político Profissional, pela categoria, no seu movimento histórico. A proposta
primária do Projeto Ético Político Profissional é constituída pelo Código de Ética de 1986,
posteriormente reformulado em 1993, pela Reformulação da Lei que Regulamenta a
profissão, tendo sua complementação com as Diretrizes Curriculares para o Curso de
Serviço Social, aprovadas pela categoria em 1996. As Diretrizes Curriculares apresentam a
sistematização dos debates desenvolvidos pela categoria profissional, tendo como
conteúdos: formação e trabalho profissional. Tais conteúdos, vinculados à realidade social,
conformam os núcleos que embasam as novas diretrizes curriculares em processo de
1
O trabalho apresentado é parte da produção do Grupo de Pesquisa: Fundamentos do Serviço Social,
Trabalho e Questão Social, do curso de serviço Social da UNIOESTE – Campus de Toledo, sob coordenação
do Prof. dr. Alfredo Batista
2
Assistente Social, docente do curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
End: Rua Aimberé, nº 904, apto 15, Perdizes, São Paulo – SP. CEP – 05018-011. Fone- 011-8421-3521
E-mail: [email protected].
implantação e implementação dos projetos políticos pedagógicos das unidades de ensino,
consolidando a apreensão crítica dos processos sociais na perspectiva da totalidade
Palavras - chave: serviço social, “questão social”, intenção de ruptura e projeto éticopolítico profissional,
As reflexões a seguir pretendem contribuir para a importância da formação
profissional na defesa e consolidação do Projeto Ético-Político Profissional do Serviço
Social. Para tanto, se faz necessário iniciar a discussão pela emergência e natureza da
profissão, sua construção histórica, ou seja, o seu significado social e a culminação no
projeto profissional do Serviço Social sustentador de valores e princípios que orientam a
intervenção profissional.
A apreensão do significado social da profissão do Serviço Social na sociedade
capitalista põe a necessidade de compreender o conjunto de condições e relações sociais na
qual foi colocada sua necessidade e possibilidade como tal.
O Serviço Social emerge no cenário da sociedade capitalista brasileiro no
contexto histórico – social da década de 1930, num momento particular da sociedade
capitalista, ou seja, “as conexões genéticas do Serviço Social profissional [...] entretece com
[...] as peculiaridades no âmbito da sociedade burguesa fundada na organização
monopólica” (NETTO, p.14, 1992).
Segundo MARX citado por NETTO:
o capitalismo monopolista recoloca, em patamar mais alto, o
sistema totalizante de contradições que confere à ordem burguesa os
seus traços basilares de exploração, alienação e transitoriedade
histórica (1992, p.15).
Assim, é no capitalismo sob os moldes do monopólio, que é gerada a
contradição basilar do sistema capitalista. Contradição oriunda e constituinte deste sistema
explorador da força de trabalho, no qual ocorre a apropriação pelos burgueses detentores
dos meios de produção, da riqueza socialmente produzida pelo conjunto da classe
trabalhadora. A expressão desse sistema contraditório, é denominada de “questão social”3,
a qual no contexto monopolista tem suas manifestações e expressões apresentadas de
forma complexa e intensa.
IAMAMOTO(2003), afirma que no Brasil, esse cenário é marcado pelo
desenvolvimento capitalista industrial e pela expansão urbana, caracterizado pela
emergência no cenário político e social de novas classes sociais: a classe trabalhadora
assalariada ou proletariado e da classe burguesa, detentora dos meios de produção; e a
mudança na composição dos grupos, ou representantes da classe que detêm ou
compartilham o poder do Estado.
Neste contexto, caracterizado por mudanças na forma de produção e reprodução
social capitalista é “[...] que se gestam as condições sócio-históricas para que, na divisão
social (e técnica) do trabalho, constitua-se um espaço em que se possam mover práticas
profissionais como a do assistente social”. (NETTO, p. 69, 1992)4.
O Estado no contexto da década de 1930 é pressionado a intervir na realidade
das manifestações da “questão social”, pois seu aparato policial repressivo não propiciava
3
“A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe
operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por
parte do empresariado e do Estado” (IAMAMOTO, p. 77, 2000)
4
NETTO nega á retórica de que a profissão do Serviço Social é resultado de um processo evolutivo da ajuda ,
ou de racionalização da filantropia, ou ainda organização da caridade
mais as condições para garantir que o capital materializasse seu objetivo de acumulação.
Assim, o Estado passa a ter que redimensionar suas funções na sociedade no âmbito
político e econômico, devendo garantir a propriedade privada, os direitos individuais e
regular as condições para a perpetuação do capital.
Nesse sentido, o Serviço Social emerge no cenário brasileiro como uma
iniciativa de representantes da classe burguesa-dominante, ligados ao poder da Igreja
Católica ou do Estado, com o objetivo de garantir a manutenção do sistema capitalista.
A profissionalização do Serviço Social, legalmente inserida em órgãos públicos
ocorre em 1935, sendo no final da década legalizado o ensino da profissão. A orientação
para o exercício profissional no início da profissão era o referencial do Serviço Social
europeu, com fundamentos na razão formal abstrata (doutrina neo tomista- positivista). A
partir de 1940, o referencial que passa orientar o exercício profissional é o de caso, grupo e
comunidade, de origem do Serviço Social dos Estados Unidos.
Segundo NETTO (1992), o caminho para a profissionalização é construído pelos
próprios assistentes sociais, num processo histórico, no qual estes vão se inserindo em
atividades interventivas e vão reordenando seus espaços de intervenção.
Não se trata de um deslocamento simples: as agências em que se
deslocam as protoformas do Serviço Social pensam-nas e realizamnas como conjunto de ações não só derivadas menos de necessidade
ou demandas sociais do que de impulsões ética-morais, mas
especialmente como atividades exteriores à lógica do mercado (e
daí também o privilegio do trabalho gracioso e voluntário,
'comunitário'); apenas quando saltam para fora dessas agências, ou
quando elas passam a subordinar-se a uma orientação diversa, e que
os agentes podem empreender o caminho da profissionalização
ainda que, repita-se, nestas passagens, conservem o referencial
produzido naquelas agências (NETTO , p.58, 1992).
Esse movimento é desenvolvido diante do fato de que a criação do Serviço
Social no período do capitalismo monopolista, está relacionado à necessidade da criação de
novas formas de controle, que ultrapassassem o caráter repressivo aptas a intervir nas
manifestações da “questão social”. Assim, a criação do Serviço Social, é orientada pelos
interesses burgueses-capitalistas, que passam a ser questionados pela categoria em seu
processo histórico.
A
orientação
teórico-metodológica
que
sustenta
a
emergência
e
profissionalização do Serviço Social é denominada na categoria como Serviço Social
tradicional, considera que a profissão representa um
[...] reforço dos mecanismos do poder econômico, político e
ideológico, no sentido de subordinar a população trabalhadora às
diretrizes das classes dominantes em contraposição à sua
organização livre e independente.(Iamamoto e Carvalho, p.
96,1982).
Segundo Martinelli (1997), esse referencial de cunho tradicional conservador da
profissão passa a ser questionado pela categoria dos profissionais do Serviço Social. Esse
movimento ocorre pelo fato de que, este não representava um projeto construído pelos
profissionais, mas representava uma identidade atribuída à profissão pela burguesia, por sua
gênese e institucionalização, caracterizado pelo referencial ideológico da Igreja Católica,
instrumentalizado pelo projeto conservador burguês.
Contudo, os profissionais de Serviço Social iniciam um processo de revisão do
seu exercício profissional ao interagir, na realidade e dentro da própria categoria com outros
projetos sócio-políticos.
O Serviço Social, a partir do processo de profissionalização e de sua intervenção
na realidade entra em confronto e convive com ideologias distintas da capitalista.
A partir de 1960, são constituídas condições que possibilitaram a redefinição
dos procedimentos profissionais, primeiramente no governo de J.K., sob a concepção de
desenvolvimento e depois sob a concepção de desenvolvimento humanista do governo
Jânio Quadros, que valoriza o profissional Assistente Social.
Neste contexto, é colocada a necessidade de qualificação dos profissionais,
diante da demanda apresentada à profissão internamente, e pelo mercado de trabalho.
Assim, o Serviço Social - caracterizado então por práticas sob orientação de instrumentos e
técnicas tradicionais - inicia na década de 1960, um movimento interno na categoria que
constrói os fundamentos, para o que vem a ser na década de 1970 o Movimento de
Reconceituação do Serviço Social, ou seja, o movimento de intenção de ruptura com o viés
tradicional e conservador, que será alavancado por um amplo debate da categoria,
polarizado por disputa de diferentes projetos profissionais.
O debate interno da profissão, que mantinha o traço conservador, era polarizado
por duas correntes. A primeira defendia a manutenção da origem conservadora adaptada
com mudanças embasadas no modelo norte-americano psicanalista-tecnicista (Caso, Grupo
e Comunidade). A segunda propunha mudanças, questionando sutilmente as estruturas
sociais, tendo sua base ligada a setor progressista da Igreja Católica. Estas duas correntes
mantinham o traço conservador do Serviço Social e disputavam a direção do exercício
profissional e do processo formativo.
A demanda do governo, na década de 1960, em relação aos profissionais
assistentes sociais, exigia uma ação no sentido de controle da população de forma a adequála e submetê-la a ordem do governo ditatorial numa conjuntura de repressão, aumento da
concentração de renda, de desemprego, inflação e de diminuição do poder de compra dos
salários. Muitos profissionais se negavam a desenvolver essa prática propondo um debate
critico, que abrangeu a categoria na América Latina, denominado de Movimento de
Reconceituação do Serviço Social5.
O Movimento de Reconceituação6 do Serviço Social objetivou construir a
critica a profissão, aos seus pressupostos ideológicos, teóricos e metodológicos e à
determinadas práticas profissionais. A partir da crítica buscava-se uma referência distinta da
qual orientava a profissão até então, desde sua emergência, de cunho conservador,
objetivando orientar e redimensionar o exercício profissional do Serviço Social.
A partir do Movimento de Reconceituação, segundo Netto (1992), é
desenvolvida uma disputa entre projetos políticos que divergem no interior da profissão.
Tal disputa é polarizada por três vertentes teórico-metodológicas denominadas:
Modernizadora7, Reatualização do Conservadorismo8 e Intenção de Ruptura.
5
No período do Movimento de Reconceituação o Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio
Internacional de Serviços Sociais –CBCISS, organizou uma série de cinco encontros, denominados
seminários de teorização que aconteceram respectivamente em Araxá-MG (março de 1967),
Teresópolis-RJ (janeiro de 1970), Sumaré-SP (novembro de 1978), Alto da Boa Vista-RJ
(novembro de 1984) e Rio de Janeiro-RJ (junho de 1989).
“Nessa conjuntura é que é preciso situar o movimento de reconceituação, não como um projeto
isolado e vanguardista, mas como um projeto vivo e contraditório de mudanças no interior do
Serviço Social latino-americano. A ruptura com o Serviço Social tradicional se inscreve na dinâmica
de rompimento das amarras imperialistas, de luta pela libertação nacional e de transformações da
estrutura capitalista excludente, concentradora, exploradora. Esse movimento reflete as
contradições e confrontos das lutas sociais onde embatem tendências de conciliação e de reforma
com outras de transformação da ordem vigente no bojo do processo revolucionário e ainda com
outras que visam apenas modernizar e minimizar a dominação.” (FALEIROS, 1987, p.51)
6
7
“Trata-se de uma vertente que recupera os componentes mais estratificados da herança histórica
e conservadora da profissão, nos domínios da (auto)representação e da prática, e os repõe sobre
uma base teórico-metodológica que se reclama nova, repudiando, simultaneamente, os padrões
mais nitidamente vinculados à tradição positivista e às referências conectadas ao pensamento
crítico-dialético, de raiz marxiana. Essencial e estruturalmente, esta perspectiva faz-se legatária das
características que conferiam à profissão o traço microscópico da sua intervenção e a subordinam
a uma visão de mundo que deriva do pensamento católico tradicional; mas o faz com um verniz de
modernidade ausente no anterior tradicionalismo profissional, à base das mais explícitas reservas
aos limites dos referenciais de extração positivista.” (NETTO, 1992, p.157)
8
Neste contexto, o Movimento de Intenção de Ruptura possibilitou uma nova
abordagem à profissão, uma apreensão construída pela categoria – não mais atribuída como
nos primórdios da profissionalização. Assim, o significado social da profissão é aprendido
na complexidade das relações sociais que esta categoria estabelece na realidade, sendo
necessária a sua compreensão na totalidade das relações sociais em várias dimensões do
exercício profissional, na sua relação com o usuário e na relação com o seu empregador.
Iamamoto (1997), afirma que o significado social da profissão deve ser
compreendido a partir do caráter contraditório da prática profissional nas relações sociais9,
na reprodução destas relações, na reprodução da própria sociedade capitalista, na sua
totalidade, inclusive das suas contradições e antagonismos.
Segundo Iamamoto (1997) e Martinelli (1997), o Serviço Social constitui uma
instituição que emerge e se desenvolve no interior da sociedade capitalista. Constituída e
desenvolvida na dinâmica das relações sociais estabelecidas nesta. Sendo uma
particularidade da mesma, por isso não está fora desta dinâmica societária, uma vez que é
realizada e materializada nesta e conseqüentemente influi e participa na reprodução e
materialização histórica desta ordem societária, de acordo com as características das
relações sociais desenvolvidas nesta sociedade, apresentadas em contextos sócio- histórico
determinados.
Conforme a autora, o exercício profissional do assistente social, tem caráter
interventivo, pois é demandado e contratado como profissional pelo capital, com o objetivo
de intervir nas manifestações da “questão social” sofridas pela classe trabalhadora. Neste
contexto, destaca-se a importância do Projeto Ético Político Profissional, o qual tem o
9
“ A reprodução das relações sociais não se reduz, pois, a reprodução da força viva de trabalho e dos meios
materiais de produção . Não se trata, apenas da reprodução material no sentido amplo: produção das forças
produtivas e das relações de produção na sua globalidade, envolvendo, também a reprodução espiritual, isto é:
das formas de consciência social, jurídicas, artística, religiosas. Mas é também a reprodução das lutas sociais,
das relações de poder e dos antagonismos de classes.”(IAMAMOTO,p.99,1997)
objetivo de orientar o exercício profissional, a partir de princípios embasados na liberdade e
na democracia e que prima por uma ação profissional comprometida com a classe
trabalhadora e não pela defesa e manutenção da burguesia.
O contexto que fortaleceu e impulsionou a vertente de Intenção de Ruptura a se
tornar hegemônica na categoria e assumir a direção da profissão, relaciona-se às condições
sócio-históricas da ditadura militar, as quais passam a ser questionadas e criticadas a partir
de 1978, por meio de manifestações da população que, organizada em movimentos sociais,
protesta contra a repressão e demais características do regime.
O Serviço Social não fica à parte deste processo. A partir da necessidade de
construção da identidade profissional, os profissionais buscam outro arcabouço teórico que
compreenda a sociedade burguesa e suas contradições, lócus de sua intervenção
profissional. Neste momento, são iniciados os primeiros contatos com a teoria social de
Marx, fundamentada no materialismo histórico. Porém, críticas às aproximações da base
teórica marxista, colocam-na como problemática e limitada, demonstrando a ausência de
reflexões sobre os originais de Marx e de seus seguidores ou de análise a partir de obras
interpretativas de autores, sem recorrência às fontes das produções teóricas.
O Movimento de Reconceituação do Serviço social constitui, no movimento
histórico da profissão, o processo que buscou romper com o Serviço Social tradicional,
desenvolvendo entre a categoria um amplo debate crítico sobre da profissão. Embasados no
currículo aprovado em 1982, os avanços teóricos e políticos presentes no cotidiano da
profissão, expressos no Movimento de Reconceituação do Serviço Social,admite a
importância da pesquisa científica e evidencia um compromisso de classe, materializando a
preocupação com a formação profissional, no tocante ao trabalho profissional, propondo o
rompimento com a ideologia dominante e a vinculação do exercício profissional aos
interesses dos usuários.
“ a ruptura com a herança conservadora expressa-se como
uma procura, uma luta por alcançar novas bases de
legitimidade da ação profissional do Assistente Social, que,
reconhecendo as contradições sociais presentes nas condições
do exercício profissional, busca-se colocar-se, objetivamente a
serviço dos interesses dos usuários, Istoé, dos setores
dominados da sociedade” (IAMAMOTO, 2000, p.37).
As discussões desenvolvidas neste processo constituíram a base inicial da
construção do Projeto Ético Político Profissional, pela categoria, no seu movimento
histórico. A proposta primária do Projeto Ético Político Profissional é constituída pelo
Código de Ética de 1986, posteriormente reformulado em 1993, pela Reformulação da Lei
que Regulamenta a profissão, tendo sua complementação com as Diretrizes Curriculares
para o Curso de Serviço Social, aprovadas pela categoria em 1996.
Com o movimento de Reconceituação desenvolvido pela categoria, inicia-se o
movimento de intenção de ruptura, ou seja, o processo que busca romper com o
conservadorismo na profissão. No âmbito da formação profissional, o debate desenvolvido
pela categoria neste contexto de discussão da profissão, coloca a necessidade de se discutir
e avaliar o projeto de formação que orientava a formação dos profissionais.
Assim, são colocadas as bases para o debate do projeto de Formação
Profissional10, processo que culmina com a aprovação do Novo currículo Mínimo para os
Cursos de Serviço Social em 1982. Nossa reflexão será norteada por Iamamoto, que
afirma:
Pensar a formação profissional no presente é, ao mesmo tempo,
fazer um balanço do debate recente do Serviço Social, indicando
temas a serem desenvolvidas, pesquisas a serem estimuladas para
decifrar as novas demandas que se apresentam ao Serviço Social
(IAMAMOTO, p.169, 2003).
Temos a partir de uma reflexão critica, o projeto de formação profissional de
Serviço Social construído e implantado pela categoria na década de 1980, que buscava a
ultrapassagem da visão endógena da profissão e da vida universitária, buscando historicizar
o debate com uma visão critica, identificando as particularidades do Serviço Social.
É importante salientar que o debate que vinha sendo desenvolvido pela categoria
não foi estagnado com a aprovação do currículo de 1982. O mesmo foi mantido na década
seguinte diante da percepção de que o Currículo de 1982 e o Código de Ética de 198611
mantinham o traço conservador. Assim, a categoria mantém o debate com o objetivo de
romper com o conservadorismo, de acordo com GUERRA(2004)
Por meio da intenção de ruptura, o serviço social brasileiro
consolida a sua maturidade intelectual (Cf. Netto, 1996 e Iamamoto,
1992), alcança o reconhecimento e validação acadêmica como área
de produção de conhecimento, determina o seu estatuto profissional
e o seu significado social, define a sua relação com as demais
disciplinas da área das ciências sociais e humanas, e, sobretudo,
constrói e defende objetivos legitimados por um projeto de
sociedade na defesa da liberdade, da democracia, dos direitos
sociais e das políticas sociais públicas.
11
O traço conservador identificado nos Códigos de Ética da profissão de 1947, 1965 e 1975, normatizava a
profissão com a característica de uma cartilha que buscava controlar a conduta do profissional. O Código de
Ética de 1986 é aprovado trazendo em si o debate posto pelo Movimento de Reconceituação do Serviço
Social, apresentando elementos que rompem com valores tradicionais, orientando a postura profissional
construída a partir do currículo de 1982. Na dimensão política destaca o compromisso com a classe
trabalhadora, e a necessidade de olhar o real em sua totalidade. Este código representa um avanço, porém
expressa limites quando coloca o compromisso com uma classe e concomitante, o preconceito ao profissional
que não seguisse esta determinação.
A fundamentação teórica que orientou o currículo de 1982, é a teoria social de
Marx, (com limites diante da apreensão equivocada da mesma), assim buscou-se articular
teoria, história e metodologia substituindo as disciplinas do Serviço Social de caso, grupo e
comunidade. Apresentou a compreensão de que a realidade é dinâmica, e que devia ser
compreendida a partir do movimento da história, porém era contraditório, pois na
disposição das disciplinas em teoria, história e metodologia, reproduziu a compreensão da
distinção entre teoria e prática. O que se verifica no currículo de 1982 é a inexistência de
uma lógica histórica no processo de formação profissional pela disposição das disciplinas
de forma particularizadas de Teoria e Metodologia e História do Serviço Social, somada a
dicotomia entre teoria e prática disposta nas ementas das disciplinas.
Atualmente o Projeto Ético Político Profissional, que busca romper com o
conservadorismo, tem caráter hegemônico na profissão, se apresentando numa contínua
construção no interior da categoria profissional, num processo de fortalecimento e
ampliação da sua apreensão pelos profissionais. Porém, apesar de ser hegemônico e buscar
romper com o conservadorismo, apresenta ao mesmo tempo, por parte da categoria
profissional, diversas manifestações conservadoras. Contudo, foi esse movimento que deu
sustentação para se pensar uma formação profissional comprometida coma luta dos
trabalhadores, consolidada na aprovação das Diretrizes Curriculares de 1996.
O movimento que a categoria profissional do Serviço Social vem desenvolvendo
com maior ênfase a partir da década de 1980, no âmbito da formação profissional busca
articular a Formação Profissional e a demanda posta a profissão pelo mercado de trabalho,
não de forma linear às exigências do mercado. A direção desta articulação, objetiva
apreender as demandas postas à profissão no contexto nacional, tanto demandas de ordens
estatais, empresariais, como demandas postas pelos movimentos sociais com novas
configurações ou como conseqüências das respostas formalmente desenvolvidas através das
políticas sociais às manifestações da “questão social”.
A reformulação do currículo de 1982, que culminou no currículo de 1996,
representou um momento decisivo para pensar a formação profissional comprometida com
um novo projeto ético-político, manifestando a ruptura com o conservadorismo. O
movimento de reformulação busca construir uma proposta de formação profissional que
forme profissionais aptos a responderem às demandas contemporâneas, que se constituem
como conseqüência das mudanças desenvolvidas no modo de produção capitalista, que
alteraram radicalmente a esfera da produção e do Estado tendo como conseqüência o
agravamento das manifestações da “questão social”.
Segundo Iamamoto ( 2003, p.172) uma “Reforma Curricular atenta às
transformações nos padrões de acumulação capitalista – produção e gestão da força de
trabalho – nas estratégias de dominação e no universo da cultura”. As mudanças
desenvolvidas nos padrões de produção e acumulação capitalista, representam uma resposta
à crise que o processo de acumulação capitalista passa a sofrer a partir da década de 1970,
quando tinha sua base estrutural no modelo fordista/ keynesiano – padrão da produção
rígida.
Segundo IAMAMOTO (2003) estas mudanças visualizadas no ‘mundo do
trabalho’, não são alheias ao Serviço Social, as mesmas também ocorrem na relação de
trabalho do Assistente Social e ao mesmo tempo com o usuário dos serviços sociais. Assim,
é fundamental que
a formação profissional possibilite aos assistentes sociais
compreender criticamente as tendências do atual estágio da
expansão capitalista e suas repercussões na alteração das funções
tradicionalmente atribuídas à profissão e no tipo de capacitação
requerida pela ‘modernização’ da produção e pelas novas formas de
gestão da força de trabalho; que dê conta dos processos que estão
produzindo alterações nas condições de vida e de trabalho da
população que é alvo dos serviços profissionais, assim como das
novas demandas dos empregadores na esfera empresarial
(IAMAMOTO, p.180, 2003).
Sob as manifestações da “questão social”, com a processo de flexibilização do
sistema capitalista, vêm sendo complexificada em suas múltiplas expressões e
determinações, o Serviço Social tem a sua demanda profissional aumentada, diversificada.
Neste sentido, é colocada a necessidade de construção de um projeto de formação
profissional apto a formar profissionais capazes de aprender este contexto e de responder as
demandas apresentadas a profissão.
Os caminhos percorridos historicamente, através de debate desenvolvidos pela
categoria e que fundamentaram a construção do Projeto Profissional atual, materializado
nas diretrizes curriculares aprovadas pela categoria em 1996 tem como ponto de partida a
construção do Currículo Mínimo12 do Serviço Social de 1982, este aprovado na Assembléia
Nacional da ABESS13 em Natal – RN.
As Diretrizes Curriculares representam a sistematização dos debates
desenvolvidos nas décadas de 1960 e 1970, pela categoria profissional, polarizados pela
disputa de projetos políticos profissionais, da qual conquistou a hegemonia a Vertente de
Intenção de Ruptura que orientou a fundamentação teórico-metodológica desta proposta.
A reforma do currículo de 1982 se adentrou nas discussões na década de 90,
tendo um marco m 1993 com a revisão do Código de ética Profissional, defendendo os
princípios de liberdade, equidade e pluralismo atrelados à democracia, considerados pelo
12
O currículo mínimo foi aprovado sob o Parecer 412/82 pelo Conselho Federal de Educação com prazo de
dois anos para ser implementado nas escolas de Serviço Social.
13
Na ocasião denominada de ABESS – Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social. Atualmente,
denominada de ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social, desde dezembro de
1998 quando houve a fusão da ABESS com o então CEDEPSS – Centro de Documentação e Pesquisa em
Serviço Social.
Conselho Federal de Serviço Social, como princípios imprescindíveis à construção de uma
nova ordem societária (CFESS,1993).
O debate crítico do Currículo Mínimo de 1982 e construção das Diretrizes
Curriculares aprovadas em 1996 foi um processo desenvolvido coletivamente pela categoria
em âmbito nacional realizados em 200 oficinas locais em unidades de ensino filiadas a
ABESS, 25 oficinas regionais e duas nacionais, sob a coordenação da ABESS, no período
de 1993 a 1996, com a participação do Conselho Federal de Serviço Social, Conselhos
Regionais de Serviço Social e Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social.
A proposta das Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço Social14
apresenta como eixo central a “questão social” compreendendo que “ A perspectiva é,
então, aprofundar a compreensão da ‘questão social’ como elemento que dá concretude à
profissão, ou seja, que é ‘sua base de fundação histórico-social na realidade’, e que nesta
qualidade, portanto deve constituir o eixo ordenador do currículo.” (ABESS,1997,p.20-21),
ou seja, a formação profissional tem como objetivo capacitar e orientar os profissionais para
intervir nas expressões da “questão social”. Outra questão, que é materializada através das
diretrizes é a consolidação da hegemonia da vertente de intenção de ruptura, que representa
a fundamentação da orientação do projeto ético –político profissional.
Tendo como pressuposto “a vinculação entre a profissão e a ‘questão social’,
apreendida no interior do processo de reprodução da relação entre o capital e o trabalho e o
entendimento da prática profissional como trabalho” (NETTO, 1999, p.111).
Tais conteúdos – formação e trabalho profissional - vinculados à realidade social
constituíram os núcleos que embasam as novas diretrizes curriculares em processo de
implantação e implementação dos projetos políticos pedagógicos das unidades de ensino,
consolidando a apreensão crítica dos processos sociais na perspectiva da totalidade.
14
Cadernos ABESS, nº7,1997.
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