ANOREXÍGENOS: controle rígido ou proibição de seu uso? Amanda Pauliane Alves Moreira * Elias Borges do Nascimento Júnior ** RESUMO: A obesidade é considerada um problema de saúde pública que associada à comorbidades gera custos aos sistemas de saúde. O seu tratamento consiste em mudanças de estilo de vida, relacionados a hábitos alimentares e atividades físicas. O uso de medicamentos pode ser considerado, quando os resultados não são satisfatórios com as medidas não farmacológicas. O tratamento farmacológico com anorexígenos de ação central, por muito tempo foi visto como uma opção terapêutica duvidosa e sujeita a inúmeras críticas. Isso se deve ao uso abusivo e irracional que levou a necessidade de criação de medidas regulatórias com o intuito de aumentar o controle sobre os anorexígenos e atualmente passam por problemas regulatórios no que diz respeito à eficácia e segurança em longo prazo, motivando a decisão da ANVISA de retirada de três anorexígenos do mercado e manutenção da sibutramina com restrições. PALAVRAS- CHAVE: Obesidade; Anorexígenos; Uso irracional; Controle; Retirada. INTRODUÇÃO alimentares e exercícios físicos (MANCINI, HALPERN, 2006). A obesidade é considerada um problema de saúde pública Segundo Coutinho 2009, os anorexígenos são indicados jun- mundial, por se tratar de uma doença crônica de genética com- tamente com os hábitos saudáveis de vida, a pacientes que plexa, associada a várias comorbidades e acompanhada de apresentam índice de massa corporal (IMC) superior a 30 kg/ morbimortalidade principalmente por doenças cardiovascula- m2, ou quando morbidades estão associadas ao sobrepeso res (PINHEIRO, FREITAS, CORSO, 2004; REPETTO, RIZZOLLI, (IMC acima de 25 kg/m2) e que não obtêm resultados satisfató- BONATTO, 2002). O seu crescimento tem alcançado propor- rios apenas com medidas não farmacológicas. ções epidêmicas, e gerado altos custos para os sistemas de No processo de indicação, devem ser consideradas ca- saúde. No Brasil, o custo anual da obesidade e doenças liga- racterísticas importantes dos anorexígenos, tais como: reações das a ela, é de quase R$ 1,5 bilhão, valor que inclui internações, adversas no sistema nervoso central, cardiovascular e elevado consultas e medicamentos (LAMOUNIER, PARIZZI, 2007). potencial para síndrome de abstinência, abuso, dependência e A obesidade é resultante de fatores ambientais e genéti- tolerância (BEHAR, 2002). cos. Além desses fatores, a doença está relacionada a aspec- Os anorexígenos que vinham sendo mais utilizados no Bra- tos socioculturais, marcados pela idealização de magreza, em sil eram: a anfepramona, femproporex, mazindol e sibutramina que, principalmente as mulheres, almejam e contrariam as ne- (CARNEIRO, JÚNIOR, ACURCIO, 2008). O uso desses medica- cessidades nutricionais do corpo, buscando alternativas para mentos sempre esteve envolvido com erros de prescrição, uso perder peso (ALVES et al., 2009; BERNARDI, CICHERELO, VI- irracional e abusivo, além de desvalorizar métodos convencio- TOLO, 2005). nais de tratamento, como as dietas hipocalóricas, exercícios fí- Diante dessa situação, a busca por métodos mais rápidos sicos e terapias comportamentais (MANCINI, HALPERN, 2002). e “milagrosos”, na visão dos pacientes, é algo necessário e fun- O Brasil sempre se destacou como um dos maiores con- damental na busca do corpo magro (MELO, OLIVEIRA, 2011). sumidores de medicamentos anfetamínicos, chegando a um Entre esses métodos estão os fármacos anorexígenos, que consumo de 23,6 toneladas anuais (MELO, OLIVEIRA, 2011). inibem o apetite, causando sensação de saciedade, e conse- Em relatório divulgado pela Junta Internacional de Fiscalização quentemente contribuem para redução do peso (FLIER, FLIER, de Entorpecentes (JIFE) em 2005, foi identificado além do uso 2009). abusivo, erros relacionados à venda sem prescrições e o des- O tratamento farmacológico deve ser baseado em um vio das substâncias de locais de fiscalização (ANVISA, 2005). diagnóstico médico que avalie profundamente o paciente Com o consumo elevado dos anorexígenos, tornou-se quanto ao tipo de obesidade, presença de doenças contraindi- indispensável aprimoramento de ações de vigilância sanitária cadas, possibilidade de desenvolvimento de efeitos adversos, com o propósito de aperfeiçoar o controle e a fiscalização na e que identifique mudanças impróprias relacionadas a hábitos venda dessas substâncias que podem causar danos a saú- PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 1/2012 - EDIÇÃO 5 - ISSN 2176 7785 l 203 de, estabelecendo normas mais rigorosas para a prescrição Diretrizes clínicas do tratamento da obesidade, nos sites da As- mediando seu comércio, por meio de um acesso mais racional sociação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome (CARNEIRO, JÚNIOR, ACURCIO, 2008). A criação das medidas Metabólica (ABESO), e outros artigos publicados em revista de regulatórias possibilitou um acesso maior aos medicamentos sites acadêmicos. por via lícita, por meio das prescrições (MELO, OLIVEIRA, 2011). Além de problemas com uso irracional, recentemente os OBESIDADE anorexígenos foram questionados quanto à indicação clínica, A obesidade é uma doença crônica, definida com base no reavaliados por estudos sobre eficácia e segurança, com resul- índice de massa corporal (IMC), que é obtido pela divisão da tados satisfatórios de redução de peso em curto prazo e pouca massa corporal (quilogramas – kg) pelo quadrado da estatura manutenção por longo tempo, além do aparecimento de vários (metros ao quadrado– m²). O sobrepeso ocorre em indivíduos efeitos adversos graves que dificulta seu uso clínico (MANCINI, que apresentam IMC entre 25,0kg/m² e 29,9kg/m². São conside- HALPERN, 2002; NADVORNY, WANNMACHER, 2004; PAUM- rados obesos os pacientes com IMC igual ou superior a 30,0kg/ GARTTEN, 2011). m², na seguinte gradação: obesidade moderada entre 30,0kg/ Desta forma, o presente artigo tem como objetivos levantar m² e 34,9kg/m²; obesidade severa entre 35,0kg/m² a 39,9kg/m²; questionamentos sobre o aumento do controle na venda e pres- e obesidade muito severa (mórbida) acima de 40,0kg/m² (FLIER, crição com normas complementares, que restrinjam o uso dos FLIER, 2009). anorexígenos a pacientes com elevado grau de risco de obesidade, restringindo também a prescrição a médicos especia- A prevalência da obesidade aumenta de forma rápida e listas no assunto de modo a conter o uso danoso e irracional, consideravelmente, atingindo 1,7 bilhão de indivíduos no mundo considerando o uso contínuo somente se eles forem seguros inteiro (ERLANGER, 2008; LI, CHEUNG, 2009). No Brasil, dados e eficazes, assim como analisar a decisão da Agência Nacio- mais recentes mostram que 12,5% dos homens e 16,9% das nal de Vigilância Sanitária (ANVISA) de proibição do uso, com mulheres de um total de 188 mil brasileiros de todas as idades, manutenção apenas da sibutramina. Além disso, pretende-se são considerados obesos (RADOMINSKI et al., 2010). ressaltar as consequências do uso indiscriminado, reforçando a importância do uso racional desses medicamentos. A obesidade pode acarretar inúmeras comorbidades, como: resistência a insulina, diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial, doenças cardiovasculares, dislipidemia, doenças biliares, MÉTODO apneia do sono, osteoartrites e certos tipos de câncer. Além de O método utilizado na pesquisa consistiu em uma revisão complicações, a obesidade está associada a um aumento de bibliográfica realizada em um período compreendido entre o 50 a 100% no risco de morte por todas as causas, principal- mês de agosto e meados de setembro de 2011. mente cardiovasculares, em relação aos indivíduos mais magros Para a pesquisa foram utilizados os livros: Harrison Medici- (FLIER, FLIER, 2009). A doença leva a morte de 2,5 milhões de na Interna e Farmacologia Clínica da Lenita Wannmacher, dis- indivíduos por ano no mundo todo. Nos Estados Unidos, é a se- poníveis na biblioteca do Centro Universitário Newton Paiva, nas gunda causa de morte, com 300.000 óbitos anuais (ERLANGER, edições mais recentes. Os artigos utilizados foram localizados 2008; FLIER, FLIER, 2009). em sites acadêmicos, como PUBMED e BIREME que incluiu as Os gastos com a obesidade e suas complicações são bem bases de dados LILACS, SCIELO e MEDLINE e utilizou-se como elevados. No Brasil o custo anual é de quase R$ 1,5 bilhão. Des- palavras chave: anorexígenos, anfetaminas, aspectos sociais, se valor, 600 milhões são provenientes do governo via Sistema obesidade, anorectics, obesity e sibutramine, respectivamente. Único de Saúde, e representa 12% do orçamento gasto para Após a leitura de seus resumos para verificar se contemplavam tratar as doenças decorrentes da obesidade (LAMOUNIER, PA- o tema abordado, foram selecionados 40 artigos, dos quais 23 RIZZI, 2007). Nos Estados Unidos, os gastos são bem mais rele- foram incluídos neste trabalho. vantes chegando a cerca de US$ 50 bilhões por ano (FELIPPE, Também foram utilizadas, notícias, documentos, relatórios, SANTOS, 2004). regulamentações e portaria no site da ANVISA, Conselho Fede- O crescimento global da obesidade, assim como o seu ral de Farmácia (CFF), Conselho Federal de Medicina (CFM) e desenvolvimento em um determinado indivíduo, é resultante de outras entidades nacionais relacionadas à questão dos medica- uma interação complexa entre fatores genéticos e ambientais mentos. (PINHEIRO, FREITAS, CORSO, 2004; TROMBETTA, 2003). Outras pesquisas foram realizadas, buscando notícias e A fisiopatologia da obesidade consiste num aporte calóri- 204 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 1/2012 - EDIÇÃO 5 - ISSN 2176 7785 co maior que o gasto energético efetivo (CARNEIRO, JÚNIOR, macológico sozinho mostra ser insuficiente em pacientes com ACURCIO, 2008). O quadro de balanço energético positivo, ou obesidade (IMC ≥ 30 kg/m²); ou sobrepeso (IMC≥ 25 kg/m²) na ganho de peso está relacionado às mudanças no estilo de vida, presença de comorbidades (COUTINHO, 2009). caracterizadas por uma alimentação rica em gorduras, açúca- Tanto o tratamento farmacológico quanto o não farmacoló- res, alimentos industrializados e redução da atividade física, gico, muitas das vezes, proporcionam modesta e gradual perda configurando um ambiente marcado pelas sociedades contem- de peso em torno de 5 a 10 %, portanto essa perda é capaz de porâneas (WANDERLEY, FERREIRA, 2010). reduzir de forma significativa às doenças ligadas à obesidade, Segundo Popkin et al.(1993), citado por Wanderley e Ferrei- (COUTINHO, 2009; NADVORNY, WANNMACHER, 2004) visto ra (2010, p.187) as mudanças nos padrões de alimentação e ati- que o objetivo do tratamento da obesidade não é apenas reduzir vidade física, o peso, mas, além disso, é prevenir ou atenuar a morbidade as- “se correlacionam com mudanças econômicas, sociais, demográficas e relacionadas à saúde decorrentes do sociada ao excesso de peso (PAUMGARTTEN, 2011). Os medicamentos que já foram aprovados para o tratamento processo de modernização mundial”. O consumo de alimentos industrializados também é de da obesidade são: os anorexígenos derivados de anfetaminas; grande responsabilidade das indústrias alimentícias, que inves- e catecolaminérgicos anfepramona e femproporex; derivado tri- tem cada vez mais em publicidade, marketing e propaganda, cíclico mazindol e representante do grupo catecolaminérgico/ motivando a sociedade a adquirir seus produtos. As indústrias serotoninérgico a sibutramina que de acordo com a RDC n° 52, de consumo estimulam a venda dos alimentos através da mídia, ainda se manterá no mercado (RADOMINSKY et al., 2010). ao mesmo tempo em que a mídia impõe à sociedade um padrão estético corporal a ser seguido (FELIPPE, SANTOS, 2004). HISTÓRICO DE UTILIZAÇÃO DOS ANOREXÍGENOS Todavia, em uma sociedade representada por obesos, a fal- Os anorexígenos anfepramona, mazindol e femproporex ta de vontade de muitos para se submeter aos ideais de magre- foram os primeiros fármacos aprovados para o tratamento da za é grande, entregando-se cada vez mais ao prazer compulsivo obesidade, introduzidos no mercado mundial há cerca de 50 de comer. Do mesmo jeito, se encontra uma sociedade preo- anos, tendo, portanto um longo histórico favorável de uso (MU- cupada com o corpo e a aparência física associada ao magro, RER, 2010). Já a sibutramina foi aprovada em 1998 pelo Food caracterizada pela negação da ingestão de alimentos (ALVES and Drug Administration (FDA), órgão norte-americano regula- et al., 2009). Conforme afirma Alves et al., (2009, p.4) “na atualidade, sobretudo na cultura ocidental, o conceito de beleza está associado à juventude, corpo magro e atrativo para as mulheres; e, corpo volumoso e musculoso para os homens”. mentador de medicamentos, e registrada no Brasil em março de 2008, sendo o medicamento mais comercializado entre os demais emagrecedores (COUTINHO, 2009). O Brasil sempre esteve entre os principais países consumidores desses medicamentos, seguido dos Estados Unidos Diante disso é normal que as pessoas queiram atingir esse e Argentina. No período entre 2002 e 2004, o Brasil registrou ideal de beleza, pois a rejeição da sociedade pelos obesos é um consumo diário de 9,1 doses de anorexígenos por grupo de bastante observada. Aqueles que não conseguem chegar a mil habitantes, superando o consumo dos EUA (7,7 doses diá- esse padrão corporal sofrem muito, ocorrendo, quase inevitavel- rias definidas) e Argentina (6,7 doses diárias) por mil habitantes mente, o desenvolvimento de transtornos alimentares, sentimen- (UNODC, 2006). tos de inferioridade, baixa autoestima, depressão, entre outras psicopatologias (ALVES, et al., 2009). Em relatório divulgado pela Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (JIFE) em 2005, foi relatado um aumento Por razões estéticas e para melhorar a qualidade de vida, as de 500% no consumo dos anorexígenos desde 1998. O relatório pessoas buscam tratamentos de redução de peso. A estratégia aborda também a venda ilícita dos medicamentos em farmácias primária de redução de peso consiste em terapias comporta- sem devida licença de funcionamento, onde a venda é realiza- mentais, orientação dietoterápica e aumento de atividade física da também pela internet, e sem prescrições médicas (ANVISA, (LI, CHEUNG, 2009). As terapias comportamentais baseiam-se 2005). em técnicas de ajuda, usadas para melhorar e reforçar os novos Os anorexígenos são fármacos que atuam no sistema ner- comportamentos alimentares e de atividade física (MANCINI, voso central, suprimindo o apetite e, assim, reduzindo o peso. HALPERN, 2006). Deveriam ser indicados somente a pessoas com obesidade Como auxiliares das medidas não farmacológicas, medi- mórbida, porém o uso não se limita somente na condição clíni- camentos também são indicados quando o tratamento não far- ca. Os anorexígenos estão também relacionados ao uso instru- PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 1/2012 - EDIÇÃO 5 - ISSN 2176 7785 l 205 mental e recreacional (MURER, 2010) como, por exemplo, em com ação no sistema nervoso central ou no sistema endócrino. mulheres que, pela insatisfação e preocupação com o corpo, A resolução n° 1477, de 11 de julho de 1997, do Conselho fazem uso de forma abusiva dos medicamentos por meio da Federal de Medicina, veda aos médicos a prescrição simultânea automedicação e até mesmo por indicação médica (MELO, OLI- de anfetaminas com benzodiazepínicos, diuréticos, laxantes, VEIRA, 2011); por caminhoneiros profissionais que procuram hormônios ou extratos hormonais, substâncias simpatolíticas ou reduzir o sono e o cansaço em percursos de longa distância parassimpatolíticas. É ainda proibido a prescrição, dispensação (NASCIMENTO, NASCIMENTO, SILVA, 2007); por estudantes e aviamento desses medicamentos, seja em preparação sepa- que querem permanecer alertas para estudarem muitas horas rada ou na mesma preparação, sem dormir, e atletas que utilizam como doping nos esportes. O uso para tais finalidades se explica pelos seus efeitos esti- que contenham esse tipo de associação para o uso exclusivo do tratamento da obesidade (CFM, 1997). mulantes capazes de deixar a pessoa ligada e mais disposta, Conforme a RDC n°58, de 5 de setembro de 2007, da ANVI- além de aumentar a capacidade física dando força para praticar SA, os medicamentos podem ser dispensados para tratamento esportes. (MURER, 2010). igual ou inferior a 30 dias. As doses diárias máximas permiti- A prescrição dos medicamentos para fins de emagrecimen- das para finalidade exclusiva de tratamento da obesidade eram: to há muito tempo foi percebida como uma prática comum entre femproporex 50,0 mg/dia, anfepramona120,0 mg/dia e mazindol os médicos brasileiros, apesar das tentativas legais visando coi- 3,0 mg/dia. bir o uso (NAPPO et al.,1994). A prescrição é um ato legal apro- Já a RDC nº25, de 1 de julho de 2010, determina a dose vado pelas autoridades sanitárias, o problema envolvido com diária máxima de sibutramina permitida de 15 mg, podendo ser ela está nas irregularidades de preenchimento por parte dos dispensada quantidade correspondente a, no máximo, 60 dias prescritores, e dispensação pelos estabelecimentos farmacêu- de tratamento (ANVISA, 2010) ticos, contribuindo para o uso irracional (CARNEIRO, JÚNIOR, ACURCIO, 2008). Outra medida implantada, com o propósito de fortalecer o controle no consumo e venda dos medicamentos foi a imple- O consumo elevado e abusivo dos medicamentos emagre- mentação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos cedores levou a necessidade de efetivação de medidas regula- Controlados (SNGPC), publicado na resolução RDC nº. 27, de doras que possibilitam um maior controle sobre a venda e pro- 30 de março de 2007, que possibilitou a interligação de dados porcionam o uso racional de tais substâncias, de modo a evitar referentes ao transporte e comércio em toda a cadeia produtiva o uso danoso que os anorexígenos podem causar (CARNEIRO, da indústria ao consumidor final (ANVISA, 2007). JÚNIOR, ACURCIO, 2008). Em 2010, o SNGPC divulgou dados do número de pres- De acordo com a Portaria N° 344 do Ministério da Saúde, de crições dos anorexígenos, totalizando 4.416.790 prescrições, 12 de maio de 1998, os medicamentos anfepramona, fempro- incluindo medicamentos industrializados e manipulados. Pode porex e mazindol estão incluídos na lista, “B2”, de substâncias ser visto uma redução no valor total das prescrições quando psicotrópicas anorexígenas (BRASIL, 1998). comparados com o ano de 2009, cujo número era de 4.909.208 A Resolução RDC n° 13 de 26 de março de 2010 da ANVISA receitas. A redução maior ocorreu com a sibutramina, mesmo foi alterada e mudou a substância sibutramina, que antes esta- que ainda se destaque como a mais consumida (ANVISA<a>, va presente na lista “C1” (outras substâncias sujeitas a controle 2011). especial), para a lista “B2” (psicotrópicas), para que esta substância tenha um controle de venda mais rígido (ANVISA, 2010). Mesmo considerando as melhorias já implantadas no processo de controle na venda dos anorexígenos os riscos “conti- A notificação de receita ”B2” (ANEXO 1, p.22), carimbada e nuam existindo” para os pacientes que ainda os utilizam. Eles preenchida de forma legível pelo vendedor e paciente, é retida podem provocar reações indesejáveis no sistema nervoso cen- na farmácia ou drogaria no ato da compra. É importante ressal- tral, cardiovascular e gastrintestinal. Além disso, eles possuem tar que a receita é numerada e solicitada pelo médico à Vigilân- um elevado potencial para abuso, dependência, tolerância e cia Sanitária, que cabe conceder ou não a quantidade solicitada abstinência (BEHAR, 2002). (BRASIL, 1998). Devido ao alto potencial para dependência e tolerância, De acordo com a Resolução n°273, de 30 de agosto de os anorexígenos não são recomendados para tratamentos que 1995, do Conselho Federal de Farmácia, é proibida a manipu- ultrapassem 8 a 12 semanas (CARNEIRO, JÚNIOR, ACURCIO, lação de fórmulas magistrais, que contenham, em sua formula- 2008). Apenas a sibutramina foi aprovada para uso prolongado ção, anorexígenos associados entre si ou a outras substâncias (>12meses), por ser considerada mais segura, sem potencial 206 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 1/2012 - EDIÇÃO 5 - ISSN 2176 7785 para abuso e dependência (FLIER, FLIER, 2009). A utilização naram a retirada dos anorexígenos anfepramona, femproporex desses medicamentos por longo período poderia ser justificada, e mazindol e passaram a ser questionados quanto à segurança desde que fossem seguros e efetivos para o paciente que apre- pulmonar e outros riscos. Os países europeus não utilizam es- senta grau de risco elevado de obesidade, associada a outras ses medicamentos desde 1999. doenças, e que houvesse um acompanhamento médico regular que intervisse no modo de uso (MANCINI, HALPERN, 2006). Já a sibutramina não apresenta histórico associado a anormalidades valvulares ou hipertensão pulmonar (LI, CHEUNG, Atualmente, os anorexígenos têm sido questionados quanto 2009). Geralmente os efeitos adversos provocados por ela são à efetividade em longo prazo. Até hoje, nenhum estudo clínico mais brandos, mais tolerados e de duração menor, quando controlado e randomizado, envolvendo um número grande de comparado com os anorexígenos noradrenérgicos, nos quais pacientes, demonstrou que eles produzem benefícios à saúde incluem; dor de cabeça, boca seca, insônia e prisão de ventre. por um longo período. Embora causem perda de peso maior A preocupação maior com seu uso, está relacionado a risco car- nas primeiras semanas de tratamento, em torno de 0,2 kg por diovascular, que inclui aumento da pressão arterial e frequência semana, a redução de peso atribuível aos anorexígenos é em cardíaca, em que uma dose de 10 a 15 mg/dia, pode levar a um geral modesta, e uma recuperação parcial de peso ocorre quan- discreto aumento da pressão de 2 a 4 mmHg, e na frequência do eles são usados por período superior a um ano. Além disso, cardíaca de 4 a 6 bpm (FLIER, FLIER, 2009). em quase todos os casos, a perda de peso alcançada com ini- Diante suspeitas de riscos cardiovasculares, a Agência bidores de apetite é revertida, quando o tratamento é interrom- reguladora de medicamentos da Europa (EMA), sugeriu ao fa- pido e não são mantidas mudanças nos hábitos alimentares e bricante Abbot (EUA), um estudo a longo prazo em que fosse atividade física. Assim a terapia poderia ser justificada, se hou- avaliado o efeito da sibutramina, associada a dieta e atividades vesse necessidade de perder peso em curto prazo, como por físicas sobre a morbimortalidade cardiovascular (CATERSON et exemplo, antes da cirurgia bariátrica (DOUGLAS, MUNRO, 1982; al., 2010). MANCINI, HALPERN, 2002; PAUMGARTTEN, 2011). O estudo denominado de SCOUT (Sibutramine Cardiovas- A sibutramina é a única que vem demonstrando benefí- cular Outcomes), que teve duração de 6 anos, foi um estudo cios em longo prazo. Associada à dieta, induz a uma perda randomizado, duplo-cego controlado por placebo, envolvendo de peso, em torno de 5 a 9% inicial até 12 meses, e manuten- 10.744 pacientes com sobrepeso ou obesidade, com história de ção por no máximo 2 anos em uso do medicamento (FLIER, doença cardiovascular, diabetes mellitus tipo 2 ou ambos. Antes FLIER,2009). Também está relacionada com a melhora de da fase duplo cego, randomizado, os pacientes foram submeti- fatores de riscos bioquímicos como: glicose plasmática, he- dos a um período de seis semanas de testes preliminares, sim- moglobina glicada, triglicerídeos, colesterol total, lipoproteína ples cego recebendo 10 mg de sibutramina por dia. A perda de de baixa densidade (LDL), e lipoproteína de alta densidade peso média com a sibutramina durante o período de 6 semanas (HDL) (LI, CHEUNG, 2011). foi de 2,6 kg, e após a randomização foi alcançada e mantida Além da questionável efetividade, os anorexígenos podem uma redução de peso em média de 1,7 kg adicionais aos 12 me- não ser seguros e provocar vários efeitos adveros importantes, ses. Após este período ambos os grupos, sibutramina e placebo como insônia, ansiedade, euforia, depressão, tremor, dor de tiveram um aumento limitado no peso, mas a perda de peso cabeça, episódios psicóticos, convulsões, palpitações, taqui- alcançada foi mantida em grande parte ao longo do estudo (du- cardia, hipertensão, dor torácica, arritmias, e reações menos ração média de 3,4 anos). A pressão arterial e frequência cardí- intensas como boca seca, náusea, vômito, dor abdominal, aca diminuíram nas 6 primeiras semanas de teste em ambos os diarreia e constipação (BEHAR, 2002). Entre os anorexígenos, grupos, com reduções maiores no grupo placebo que sibutra- o mazindol e a sibutramina são os que apresentam menos efei- mina (diferença média 1.2/1.4mmHg) e (2.2/3.7batimentos por tos grave e menor potencial para abuso, por não apresenta- minuto). O risco de um evento de desfecho primário, que incluiu rem relação com anfetamina (FLIER, FLIER, 2009; NADVORNY, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, ressuscitação WANMACHER, 2004). após parada cardíaca, e morte cardiovascular foi aumentada em Casos de hipertensão pulmonar e valvopatias cardíacas já 16% no grupo sibutramina em comparação ao grupo placebo, foram relatados com o uso de derivados anfetamínicos, como é com incidência global de 11,4% e 10% nos dois grupos, res- o caso da fenfluramina e dexfenfluramina que foram retiradas do pectivamente. As taxas de infarto do miocárdio e AVC não fatais mercado desde 1997(LI, CHEUNG, 2011). Segundo Nota Técni- também foram aumentadas no grupo sibutramina com 4,1% e ca ANVISA 2011, a partir desse achado, muitos países determi- 2,6% e 3,2% e 1,9% respectivamente, no grupo placebo. E com PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 1/2012 - EDIÇÃO 5 - ISSN 2176 7785 l 207 relação a morte cardiovascular e ressuscitação após parada cientes sem hipertensão e com hipertensão controlada o risco cardíaca não foram observadas diferenças significativas entre de efeitos adversos na pressão sanguínea também existe, po- os grupos. O aumento no resultado primário de risco cardiovas- rém o medicamento pode ser indicado desde que os pacientes cular não fatal, ocorreu nos pacientes que havia a doença car- sejam monitorados constantemente e avaliados 1 mês após o diovascular, e nos pacientes com doença cardiovascular mais início do tratamento (FLIER, FLIER, 2009). diabetes tipo 2, mas não ocorreu nos pacientes diabéticos sem história de doença cardiovascular (JAMES et al ., 2010). Em janeiro de 2010 a EMA retirou a Sibutramina do mercado PARECERES DA ANVISA E DE ENTIDADES MÉDICAS E FARMACÊUTICAS SOBRE OS ANOREXÍGENOS europeu, devido aos resultados preliminares do estudo SCOUT No dia 26 de outubro de 2010, a Câmara Técnica de Medi- indicando riscos de eventos cardiovasculares graves, mas não camentos (CATEME), se posicionou, por cancelar o registro dos fatais. O Food and Drug Administration (FDA), manteve a sibu- medicamentos contendo sibutramina, devido aos resultados do tramina até a finalização do estudo SCOUT em setembro de estudo SCOUT, e dos medicamentos anfepramona, fempro- 2010, e devido aos resultados demonstrando risco cardiovas- porex e mazindol, por apresentarem baixo perfil de eficácia em cular, no dia 8 de outubro de 2010 foi anunciado que a própria longo prazo e o risco aumentado de consumo com o possível empresa Abbot retiraria voluntariamente a sibutramina dos EUA. cancelamento da sibutramina (ANVISA<a>, 2011). (LI, CHEUNG, 2011). A mesma medida foi tomada pelo Canadá e Austrália (ANVISA<b>, 2011). No dia 17 de fevereiro de 2011, a equipe técnica da ANVISA publicou a Nota Técnica sobre eficácia e segurança dos medi- Pode-se concluir com o estudo SCOUT, que a sibutramina camentos, que consta de estudos clínicos e meta-análises, e di- pode aumentar a pressão arterial, frequência cardíaca ou ambos vulgou os dados de notificação de reações adversas registradas e provocar outros eventos cardiovasculares, devido aos seus no Brasil com a utilização dos anorexígenos. Os dados podem efeitos simpaticomiméticos, portanto não deve ser indicada a ser vistos na Tabela 1 (ANVISA<a>,<b>, 2011). pacientes com doenças cardíacas (JAMES, et al., 2010). Em pa- Tabela 1- Dados de notificação de reações adversas no Brasil De acordo com a Nota Técnica da ANVISA 2011, os estudos peso perdido, além de mostrar pouca manutenção de redução clínicos randomizados avaliando a eficácia dos medicamentos, de peso em longo prazo. Em relação aos demais anorexígenos, por períodos longos, maiores que um ano são poucos, mesmo o femproporex, se destaca por não haver relato de estudos clí- com a sibutramina que apesar de apresentar um maior número nicos publicados, e não foram encontrados em nenhuma das de estudos, os mesmos não demonstram melhora em desfe- revisões e meta-análises avaliada. chos de mortalidade e morbidade cardiovascular. A quantidade No dia 23 de fevereiro de 2011, a ANVISA, realizou uma média de redução de peso demonstrada nas meta-análises e audiência pública envolvendo participantes que representam estudos clínicos com a sibutramina é modesta, menor que 5kg, classes médicas e farmacêuticas, para discutir sobre o pare- e somente uma minoria de pacientes atinge pelo menos 10% de cer da CATEME de retirar os anorexígenos, e apresentar a Nota 208 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 1/2012 - EDIÇÃO 5 - ISSN 2176 7785 Técnica que contém dados técnico-científicos sobre a questão sibutramina (ANVISA, 2011). da eficácia e segurança dos medicamentos, a fim de justificar o motivo de não apresentarem mais relação a favor do seu uso CONCLUSÃO (ANVISA<a>, <b>, 2011). A obesidade é considerada um grave problema de saúde Segundo a Nota Técnica 2011, as reações adversas graves, pública, por atingir bilhões de pessoas no mundo, de diferentes o risco de tolerância, dependência e abstinência, além da au- classes sociais, trazendo sérios riscos à saúde. Portanto, é fun- sência de estudos clínicos com padrão de qualidade regulatório damental que medidas eficientes sejam tomadas para conter a que comprovem a eficácia e segurança em longo prazo, tornam obesidade, como por exemplo: investimento em educação da a relação risco/benefício desfavoráveis. sociedade para melhoria dos hábitos alimentares e prática de Durante o processo de audiências e discussões, entida- atividades físicas; através de propagandas e programas educa- des médicas e farmacêuticas propuseram medidas contrárias tivos permanentes que objetivem esclarecer sobre a obesidade, ao de proibição dos medicamentos no mercado. O parecer de suas causas, consequências, meios de prevenção e tratamento. todos, foi de que a ANVISA aumente o controle sobre a prescri- É importante ressaltar que a culpa por ser obeso não é unica- ção e a venda dos anorexígenos, através de uma fiscalização mente da pessoa como muitas das vezes é atribuível pela so- rigorosa, que venha complementar as normas mais atuais (RDC ciedade, mas inclui responsabilidades governamentais. Diante o N°58/2007 e RDC N°25/2010), garantindo o acesso aos pacien- fato é importante que politicas públicas efetivas sejam direciona- tes que apresentam obesidade de grau de risco elevado que das para minimizar o atual número de pessoas obesas. não perdem peso somente com medidas não farmacológicas (PHARMÁCIA BRASILEIRA, 2011). A obesidade crônica por ser é uma doença de difícil controle, muitas das vezes pressupõe o emprego de medicamentos. Com a reação, principalmente da classe médica, a proposta Porém, o tratamento farmacológico deve sempre visar auxiliar o da ANVISA de retirar os medicamentos, foi adiada por mais al- processo de mudança de estilo de vida que inclui dietas e exer- gum tempo, e após alguns meses marcados por debates e audi- cícios físicos, que são as medidas mais saudáveis e essenciais ências públicas, a decisão final foi tomada durante uma reunião no controle e perda de peso. Identificar os fatores causais da pública da Diretoria Colegiada da ANVISA no dia 04 de outubro doença também é imprescindível para que possamos interferir de 2011. Ficou decidido retirar do mercado em um prazo de 60 e mudá-los. dias as substâncias anfepramona, femproporex e mazindol e O tratamento farmacológico deve ser compartilhado com manter a sibutramina respeitando algumas condições (ABESO, profissionais da saúde, como médicos, que possam realizar o 2011). diagnóstico correto, com indicação e prescrição precisa, acom- No dia 6 de outubro de 2011, foi publicada a RDC N°52 da panhamento regular, além de dispensação e cuidado farma- ANVISA, que se dispõe sobre o cancelamento dos três anore- cêutico, como estratégia bem fundamentada de orientação no xígenos com manutenção da sibutramina, porém com novas modo de uso, acompanhamento e registro de pacientes, de for- restrições, visando aumentar ainda mais o controle sobre ela ma a evitar o uso abusivo e irracional do medicamento. (ANVISA, 2011). Os anorexígenos anfetamínicos não deveriam ser reco- De acordo com a RDC N°52, a prescrição virá acompanha- mendados, e não justificaria criar novas normas na tentativa da de um termo de responsabilidade do prescritor, (ANEXO 2 de aumentar mais o controle, já que os riscos que eles podem ,p.26) a ser preenchida em três vias, devendo ficar arquivadas causar são verdades científicas bem documentadas. Para a si- no prontuário do paciente, na farmácia dispensadora e uma via butramina, medicamento até então parcialmente efetivo e único mantida com o usuário. Os profissionais de saúde que prescre- mantido, foi implementada uma nova resolução que mantém as vem o medicamento, assim como as empresas detentoras do mesmas restrições existentes, mas com um termo de responsa- registro e farmácias de manipulação ou drogarias, deverão no- bilidade que informa bem sobre todos os riscos, restrição do uso tificar ao Sistema Nacional de Notificações da Vigilância Sanitá- e tempo limitado, no intuito de aumentar mais o controle sobre ria (NOTIVISA), qualquer reação adversa relacionada ao uso da ela e evitar danos à saúde. sibutramina. Além disso, as empresas que possuem o registro Diante os riscos apresentados pelos anorexígenos, a de- da sibutramina terão 60 dias para encaminharem à ANVISA um cisão da ANVISA de proibição dos três anorexígenos é a mais plano de farmacovigilância para minimização de riscos de uso viável, e a manutenção da sibutramina por enquanto é tolerável do medicamento. Com base nesse plano, a ANVISA analisará, sob um controle mais rígido. Porém outras soluções devem ser em 12 meses, a segurança de uso dos medicamentos a base de tomadas para que a proibição não traga problemas como; a pro- PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 1/2012 - EDIÇÃO 5 - ISSN 2176 7785 l 209 dução dos medicamentos sem a devida licença e fiscalização da vigilância sanitária e a venda ilícita. Portanto, o investimento em pesquisas de novos medicamentos que sejam eficazes, seguros e acessíveis é fundamental, diante da opção limitada de medicamentos para emagrecer, com a sibutramina e orlistate. ANEXO 1- Notificação de receita B2 ANEXO 2- RDC n° 52 e termo de responsabilidade do prescritor para uso do medicamento contendo a substância sibutramina REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABESO. Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica. Anvisa retira anorexígenos e mantém sibutramina. 04 de Out.2011. 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