TRADIÇÃO E MODERNIDADE. UM NOVO COTIDIANO DOS AGRICULTORES
RIBEIRINHOS DO SÃO FRANCISCO NA CIDADE DE PIRAPORA/MG1
DANIELE ROCHA SILVA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES
[email protected]
ANDREA MARIA NARCISO ROCHA DE PAULA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS – UNIMONTES
[email protected]
RESUMO: A cidade de Pirapora está apresentada por duas perspectivas: a tradição e a
modernidade. Há um embate onde o primeiro é ameaçado pelo segundo, porém ambos
formam a cultura de um povo que ainda se desenvolve sem deixar de manter a
tradicionalidade no cotidiano e no modo de vida. A pesquisa de campo realizada com
feirantes residentes à beira do São Francisco mostrou uma cidade que segue num ritmo de
desenvolvimento urbano e que ao mesmo tempo conta com a presença de comunidades de
agricultores que vivem do plantio tradicional e que se sustentam através desse comércio.
Foi percebido um novo cotidiano nas comunidades ribeirinhas que hoje mantem relações
com a cidade, bem como fortes influências dessas mudanças no dia-a-dia de um povo cuja
cultura se vê transformada pela modernização e pelo estilo de vida urbano.
PALAVRAS-CHAVE: urbano; modernidade; ribeirinhos; tradição; Pirapora.
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo analisar os processos de modernização observados
nas comunidades ribeirinhas do sertão molhado, traçando principalmente um paralelo com
o cotidiano moderno da cidade de Pirapora e os impactos sofridos pela população rural
devido a expansão urbana, pois, segundo IBGE, nos últimos dez anos a população urbana
passou de 49.377 para 52.385 residentes.
É possível relacionar a questão do crescimento urbano com o desenvolvimento
industrial de Pirapora, uma cidade com número total de 1.451 unidades no Cadastro
Central de Empresas2 de 2009, e que tem a AMMESF – Associação dos Municípios do
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Resultado de Pesquisa de Iniciação Científica no Projeto Cartografia sertaneja de beira rio e beira sertão:
Uma pesquisa sobre representações do rio, do sertão e dos sertanejos ribeirinhos em Pirapora - Minas
Gerais. Financiado pela Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado de Minas Gerais/FAPEMIG.“EDITAL
01/2010 - DEMANDA UNIVERSAL” -PROCESSO Nº. : SHA - APQ-01514-10
O Cadastro Central de Empresas do IBGE - CEMPRE constitui um acervo de dados sobre a atividade
econômica do país, reunindo informações cadastrais e econômicas oriundas de pesquisas anuais da
Instituição nas áreas de Indústria, Construção, Comércio e Serviços, e da Relação Anual de Informações
Médio São Francisco3 como entidade de representação político-administrativa, além de
estar atualmente inserida na área de jurisdição da Agência de Desenvolvimento do
Nordeste - ADENE4 (extinta SUDENE).
Esse cenário é resultante de uma população que foi se aglomerando desde o ciclo
da mineração, quando o Rio São Francisco representou um importante meio de transporte
para o abastecimento da região das minas e as mercadorias saíam da Bahia subindo o rio
até terminar o trecho navegável. Assim nasceu a cidade: no ponto da baldeação, na
margem direita do rio, a jusante da cachoeira de Pirapora.
Hoje Pirapora é o segundo maior pólo de industrialização do Norte de Minas
Gerais, sendo classificada, portanto, como uma cidade de porte médio em relação a sua
estrutura e funcionalidade dentro de sua microrregião, isto é, sua capacidade de produção e
prestação de serviços, se efetuando ainda através da ACIAPI – Associação Comercial,
Industrial e de Serviços de Pirapora.
Neste trabalho serão analisados basicamente o novo cotidiano e modos de vida
nas comunidades ribeirinhas desse sertão molhado que hoje mantem relações com a
cidade, bem como as influências das transformações no dia-a-dia de um povo cuja cultura
se vê transformada pela modernização e pelo estilo de vida urbano.
Foi utilizado acervo bibliográfico de trabalhos científicos sobre a cultura e a
modernidade e pesquisa de campo. A observação simples e a entrevista com os ribeirinhos
feirantes que através da cidade mantém o sustento familiar e cultivam a tradição foram as
técnicas da pesquisa de campo qualitativa utilizadas para compreender as estratégias de
sobrevivência entre o rural e o urbano de pessoas que tem relações com Pirapora e que
moram no sertão molhado.
CULTURA E TRADIÇÃO
O Rio São Francisco tem sido estudado em muitos trabalhos de cunho
sociológico, ambiental, geográfico e/ou antropológico, sendo tratado como aquele da
integração nacional.
A importância desse rio se deu inicialmente por causa do comércio ambulante
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Sociais - RAIS.
Entidade que oferece suporte técnico e administrativo aos municípios que compõem a bacia do Médio
São Francisco, como forma de promover o desenvolvimento regional sustentável.
Entidade que busca promover o crescimento e a integração inter e intra-regional do Nordeste Brasileiro,
bem como a inserção e o progresso social, com base na disseminação do desenvolvimento sustentável na
sua área de atuação.
realizado pela necessidade de consumo, onde a quantidade colocada no mercado, muitas
vezes independia da demanda. Os principais produtos comercializados eram: rapadura, sal,
farinha, feijão, carne seca, açúcar, cachaça, querosene, peixe-seco, miudezas e
medicamentos; e tinha Juazeiro e Januária como municípios pólo do comércio.
Até os anos 70, o São Francisco se tornou meio de transporte não só de
encomendas como também de pessoas. Podemos ver que a canoa representou um
importante meio de interação entre os ribeirinhos, e que dava movimento e vida ao
trabalho e às relações, através da sua funcionalidade, culminando ainda na miscigenação
dos povos e no surgimento de muitas comunidades ribeirinhas, sobreviventes até hoje.
Dessa forma, o desenvolvimento das técnicas de transporte, trouxe uma
importante expansão comercial para o município de Pirapora/MG e foi responsável até
mesmo pelo estabelecimento de relações de região pra região, pois a cidade passou a se
comunicar com Belo Horizonte e com o Rio de Janeiro, através do transporte hidroferroviário.
Além da memória, existe um grande acervo de documentos e bibliografias sobre a
cultura das populações ribeirinhas de Pirapora, catalogado na Secretaria Municipal de
Cultura. Entretanto, mais importante e mais legítimo do que o acervo material, é a
memória do povo que viveu essa historia e que até hoje guarda suas tradições.
Atualmente, há uma proposta de preservação dessas tradições vividas em
comunidades de ribeirinhos, como ocorre na cidade de Pirapora: a “boa intenção” de
manter a cultura preservada e valorizar os costumes dessas comunidades. Entretanto, como
Diegues (2004) trata em sua obra “Mito Moderno da Natureza Intocada”, tais propostas
partem do pressuposto de que os padrões culturais devem permanecer imutáveis, onde as
sociedades capitalistas esperam que os povos tradicionais apenas aumentem seus valores
turísticos permanecendo estáticos, enquanto o resto do mundo se transforma.
Na verdade o mais importante e o que deve ser levado em consideração é o fato
de que preservar a cultura não se trata de pará-la no tempo, mas permitir que seus costumes
se processem em evoluções naturais. Para isso, as relações homem/natureza, devem ser
adequadas a um discurso não de repressão conservadora, mas de valorização natural dos
enfoques tradicionais.
A necessidade de preservação da cultura ribeirinha é uma questão que nasce após
a expansão urbana a qual trouxe a preocupação das perdas de uma tradição que representa
o retrato da região do norte de minas e toda a historia das populações que pela beira do rio
passaram.
Nos anos 80, o norte de minas era campo de industrialização e consequentemente
de urbanização. Tais fenômenos eram marcados pelo êxodo rural e causavam uma enorme
falta de referencial cultural para os migrantes. Essa ocorrência pode ser refletida na obra
"A casa e a rua" de Roberto da Matta (1997) que discute a ideia de permanente e de
temporário para as pessoas. Segundo este autor a migração sazonal, recorrente no norte de
Minas Gerais no período de abril a dezembro, constitui a busca pela melhoria de vida, ou
seja, o trabalho se torna temporário, categorizado como mundo da rua; enquanto a vida em
família e as raízes culturais seriam permanentes e categorizadas como mundo da casa.
Foi isso o que aconteceu com as populações ribeirinhas: a partir da expansão da
pecuária e da disponibilidade de terras livres, o povo norte mineiro começou a protagonizar
um grande fluxo migratório e a deixar suas raízes em busca de (incertas e temporárias)
melhores condições de vida bem como oportunidades de trabalho.
Atualmente, as comunidades ribeirinhas se encontram em realidades bem
diferentes das dos anos 80. A cultura é vista não mais com o mesmo foco da época, ou
seja, não é questão de costume, mas em nome da tradição. Grande parte das famílias
originadas de comunidades ribeirinhas de Pirapora tem um referencial de cidade; como
uma situação de dependência. É como se tivessem duas vidas: a cotidiana e a cultural.
Nesse sentido, mais interessante do que observar a vivência da tradição e os
significados que suas culturas tem na vida de cada um, seria a possibilidade de um estudo
de modos de vida dessas pessoas que são originadas das comunidades tradicionais, mas
que não mais se dedicam exclusivamente ao que foi tradicionalmente aprendido e
historicamente traçado. É necessário entender o comportamento social real do cotidiano
dessas pessoas.
Como é tratado por Durham (1977) em “A dinâmica cultural na sociedade
Moderna”, o comportamento social abarca uma unidade de ação e representação e é pelo
estabelecimento desta unidade que se deve partir a noção de cultura. Dessa forma, como a
ação é parte dessa unidade, o comportamento social real do sujeito deve ser avaliado, ao
mesmo tempo do cultural.“A cultura constitui, portanto, um processo pelo qual os homens
orientam e dão significado às suas ações através de uma manipulação simbólica, que é
atributo fundamental de toda prática humana.” (Durham, 1977, p.13).
Partindo então dessa ideia, foi pensada uma discussão dessa cultura ribeirinha
com os piraporenses, não em termo de tradição estática ou de uma mera descrição histórica
dos modos de vida tradicionais; foi idealizada uma discussão do comportamento social real
de pessoas que vieram dessas comunidades e que até hoje saem todos os dias de seu
ambiente de “casa” para viver temporariamente o ambiente de “rua”.
Isso quer dizer, pessoas que mantem a tradição, não no sentido de reprodução de
costumes, mas num nível de transformações naturais que as comunidades ribeirinhas
vivem hoje, representadas por aqueles que saem da região do rio para buscar na zona
urbana um ritmo necessário à adaptação do modo de vida tradicional ao moderno.
O NOVO COTIDIANO
Em uma feira de hortifrúti na cidade de Pirapora foi realizado o trabalho da
pesquisa de campo. Nessa feira, localizada no Mercado Municipal, foram destacados
feirantes que moram em áreas rurais, principalmente os ribeirinhos e que viviam da cultura
preservada ao mesmo tempo em que mantem contato com a zona urbana da cidade e com o
cotidiano moderno da sociedade atual.
É interessante ressaltar que apenas uma pequena parcela das pessoas mora na zona
rural que realmente pertence ao município de Pirapora, pois a cidade faz limite com
Buritizeiro o qual é responsável por uma considerável parte da área rural da região, de
forma que muitos moradores que se dizem piraporenses residentes na zona rural, na
verdade são moradores da cidade vizinha.
Entretanto, como o que se quis analisar neste trabalho foi a situação de moradores
de comunidades ribeirinhas, portanto, mesmo que estes façam parte oficialmente do
município de Buritizeiro, serão considerados, pois o rio é o foco principal da pesquisa.
Dessa forma, os entrevistados serão tratados como ribeirinhos e não como residentes em
qualquer que for o município.
Considerando o município de Pirapora como referência de sociedade moderna
para a pesquisa, a feira dessa cidade foi escolhida como campo para entrevista com
ribeirinhos, uma vez que grande parte destes realizam o cultivo de hortifrútis e levam para
a cidade para serem vendidos, sendo portanto, uma relação intensa entre tradição e
modernidade, pois os feirantes residem em áreas rurais, mas estão todos os fins de semana
na cidade para realizarem as vendas.
Aqui vem o primeiro questionamento: se os feirantes são de comunidades
ribeirinhas, cultivam vários tipos de alimentos, mantem a tradição da agricultura familiar, o
que os levam a este ambiente urbano todos os fins de semana? Por que o interesse no
comércio? São vários tipos de historias de vida, logo foram recebidas diferentes respostas
para essas indagações.
Na primeira conversa já houve surpresa. Um homem de 38 anos, ex-empregado de
uma importante indústria metalúrgica na cidade. Estava ali, na feira, vendendo hortaliças.
O senhor Carlos concluiu apenas o primário e foi forneiro da indústria. Atualmente, mora
na roça, perto do Rio e cuida da plantação de alface. Para ele “a vida é uma luta” e por isso
todos devem “dar seu jeito e correr atrás”. O senhor Carlos vende todos os dias para
comércio das duas cidades vizinhas e nos fins de semana fica na Feira.
Esse homem foi inicialmente uma figura muito importante e surpreendente para a
pesquisa. Não existem apenas ribeirinhos que vivem da plantação porque vieram de uma
tradição, mas existem personagens que tentam a vida de várias formas. Um sujeito que
nasceu na roça, como o senhor Carlos, começou trabalhar cedo com seu pai, um dia saiu
para tentar a vida na cidade, mas demitido, volta ao campo fazer aquilo que sabe. É uma
forma de tradição. Se o ambiente da “rua” não dá certo, os sujeitos também voltam para a
“casa”.
Trata-se de um movimento incerto. Para este homem, morar na roça é bom. Ele
faz tudo como aprendeu com seu pai. Da mesma forma sua irmã (que o ajuda). Mas em
compensação, ao perguntar se agora ele permaneceria na roça e viveria aquilo que foi
passado de geração pra geração, houve nova surpresa: “Meu sonho é voltar a estudar.
Quero fazer um curso, porque meu sonho é ser eletricista!”
A tradição é preservada. Existem muitos ribeirinhos que vivem os costumes, nos
quais forma criados. Famílias inteiras que moram em áreas rurais, na beira do Rio São
Francisco. Mas o que os levam a permanecer nem sempre é o interesse pela tradição.
Como na figura do feirante de hortaliças, é a impossibilidade de opção que os fazem ficar.
Entretanto, essa foi apenas a primeira representação de um leque de historias de
vida e personagens da cultura ribeirinha que vivem em contato com a zona urbana. Na
banca de verduras, estava uma moça de 17 anos, casada. Outra surpresa. Uma jovem,
vendendo verduras e legumes ao lado de seu marido, também jovem. Mayara, moradora
da zona rural e feirante. Todos os fins de semana um trajeto que começa às 4 da manhã.
“Duas viagens para não murchar as alfaces. Primeiro as abóboras e xuxu e na segunda as
folhas.”
Os dois jovens retratam uma nova representação de ribeirinhos. Estão ainda
começando a vida. Não terminaram os estudos. Se casaram. E para o sustento vivem do
que sabem. A tradição é passada pelas gerações logo cedo. As crianças devem ajudar e
aprender. Os estudos não são prioridade. No auge do século XXI, estudar não é requisito
essencial para a vida dessas pessoas. O que ocorre? A tradição sobrevive. Importante é
saber plantar pra poder comer. Eles vivem disso. “A gente fica na roça plantando e todo
final de semana a gente vem vender e faz uma comprinha de coisa que não tem lá, né? A
gente comprou um carro pra isso.”
Os ribeirinhos plantam e vendem porque precisam comprar outras coisas que a
roça não dá. A tradição é mantida, mas agora é diferente. Os ribeirinhos tem celular!
Quando estão na cidade vendendo, fazem compras de roupas. Por isso precisam do
dinheiro. Eles comem o que plantam, mas não somente. Mayara compra arroz, açúcar e
roupas. Um vendedor de doces, Aílton, 46 anos, vai a feira no fim de semana e aproveita
pra “fazer uma fezinha né menina? Se não apostar não ganha nunca.”
Na banca de mandioca, foi encontrada a senhora Guilhermina ou Dona Ninô,
como é conhecida. Aos 78 anos, vai a feira com seu marido de 81, para vender porque “a
aposentadoria mal paga os remédio, menina”. O casal é forte e viveu muito tempo na roça,
“na ilha”, mas hoje, Dona Ninô lamenta:
“Eu gosto é de roça e o véio também. Só que nós tamo
velho já, não dá pra morar lá na ilha. O véio toma remédio
controlado e eu tô muito ruim das vista, se tiver alguma
coisa que correr de noite nós não dá conta. Aí os menino
nosso que mora tudo aqui trouxe nós pra cá. Só que nós
não larga a roça não. A ilha é bom demais. Nós vai todo
dia e volta de barco. Nós vai lá vê a roça e cuida das coisa
e volta pra cá. Aí no sábado e no domingo a gente não vai,
a gente vem pra feira. Tem que vender pra pagar as conta
né?”
Dessa forma, utilizando da noção que as pessoas tem das transformações dos
modos de vida nas comunidades ribeirinhas e, a partir de alguns relatos, é possível
estabelecer relações entre as ocupações atuais dos trabalhadores rurais de Pirapora e a
influência da modernização no cotidiano dessas pessoas. Eles tem necessidade de estarem
em contato com a cidade, para suprir algumas demandas que eram encaradas de forma
diferente pelos mais antigos, mas hoje são essenciais para eles. Como o vendedor de
hortaliças que já tentou a vida na cidade, mas não conseguiu. Como o homem que vai
vender os doces e faz jogos de loteria. Como a moça que vende as verduras e compra
arroz, açúcar e roupas. Como a senhora de 78 anos que concordaria com o ritmo de vida
exclusivamente Ilha, pois ela tem os costumes bem mais preservadas, mas seus filhos não
deixam, pois o casal precisa de assistência médica.
Portanto é possível compreender que mesmo querendo manter os cultivos da
agricultura tradicional, como é passado em gerações pelos ribeirinhos, as pessoas
atualmente mantem uma relação com a cidade buscam alternativas de vida. Formas de
aprimorar o que sabem com aquilo que a sociedade moderna vive. É uma forma de manter
o sustento ao mesmo tempo em que preservam a cultura tradicional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através das entrevistas realizadas com os feirantes acerca da vida no comércio dos
produtos da terra, com ênfase nos costumes do povo e nas tradições relativas ao plantio e à
colheita, foi possível compreender melhor como se dá o cotidiano dessa busca pelo
sustento e pela adaptação ao mercado consumidor da população da cidade de Pirapora.
Realizando uma análise desses depoimentos, percebemos o que acontece com a
cultura ribeirinha a partir do momento em que entra em contato com os costumes urbanos:
a tradição continua existindo, porém em meio a uma transformação sofrida nas bases dos
costumes dos ribeirinhos do sertão molhado, que os levam a misturar modos de vida e a se
adaptarem culturalmente à vida moderna da cidade.
Em busca do retorno financeiro, as comunidades do sertão molhado acabam
mudando alguns de seus costumes. Seja no modo como se embala os doces ou nas técnicas
de conservação das alfaces, o agricultor ribeirinho se vê exigido pelo consumidor urbano,
que faz questão do produto cultivado tradicionalmente, mas que também não abre mão do
conforto moderno.
Da mesma forma são os ribeirinhos. Eles compraram carros para o transporte dos
produtos; eles interagem com a sociedade urbana, mesmo que somente nos fins de semana,
enfim, atualmente a população do sertão molhado estabeleceu uma relação com a cidade
que, quer queiram ou não, acaba trazendo transformações significativas para seus modos
de vida.
Uma análise dos impactos da modernização urbana na cultura do povo ribeirinho,
permite compreender que a tradicionalidade está sendo perdida no tempo e no espaço e que
hoje os costumes natos de uma época em que o rio era realmente a principal fonte de
sustento do sertão molhado fazem parte de um universo simbólico de lembranças.
Com os relatos dos feirantes e as observações destacadas no processo da pesquisa,
obtivemos um material baseado na memória ribeirinha que poderá ser incorporado ao
Acervo do São Francisco em prol de uma sistematização de pontos de vista do que está
acontecendo com o cotidiano das comunidades do sertão molhado, para que esse
importante momento de transformações na cultura ribeirinha não fique despercebido e nem
acarrete na perda total da tradição.
A sistematização dos dados coletados estará disponibilizada neste acervo do São
Francisco que representará importante espaço de referência para consulta sobre a cultura e
os modos de vida do sertanejo e de comunidades tradicionais. Assim, uma reflexão que
estabelece o paralelo entre as informações coletadas e as observadas é importante para unir
e/ou distinguir os povos ribeirinhos, entre aqueles que residem na cidade e os que
permaneceram nas comunidades.
REFERÊNCIAS
DAMATTA, Roberto. A casa e a rua: espaço, cidadania mulher e morte no Brasil. 5ª ed.
Rio de Janeiro, Rocco, 1997.
DIEGUES, Antônio Carlos. O Mito Moderno da Natureza Intocada. 5ª ed. São Paulo,
USP, 2004.
DURHAM, Eunice. “A dinâmica cultural na sociedade moderna", in _________, A
dinâmica da cultura. São Paulo, Cosac Naify, 1977.
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tradição e modernidade. um novo cotidiano dos agricultores