Anais Eletrônicos do VI ENPOLE VI Encontro de Pós-Graduação em Letras | ISSN: 2176-4956 Universidade Federal de Sergipe, Campus São Cristóvão, 19 e 20 de Janeiro de 2015 LINGUÍSTICA DE TEXTO E MEMÓRIA Caio César Costa Santos (UFS) 1 Geralda de Oliveira Santos Lima (UFS) 2 INTRODUÇÃO Um dos grandes questionamentos das ciências da linguagem é descrever a relação íntima entre linguagem e pensamento. Essa relação é caracterizada como íntima porque é composta de elementos da língua que são extremamente subjetivos. Estes elementos denominados demonstrativos estão na língua por conta do fenômeno de projeção de aspectos mnemônicos. A memória, categoria mnemônica, pode estar tanto na incorporação de paixões ou traços da personalidade em nosso cotidiano, como também na incorporação de experiências vivenciadas e cristalizadas em meio social. A primeira relação de incorporação diz respeito à subjetividade humana, a segunda relação forma nossas imagens-ideias-representações relativas aos objetos de discurso imersos no mundo. Para nós, o texto é configurado como processo notavelmente simultâneo porque cada expressão referencial contém, ao mesmo instante, um referente in absentia e in praesentia3. Para relembrar a metáfora de Saussure ao definir as dicotomias do sistema linguístico: o texto é como uma folha de papel, ao cortá-la, linguagem e pensamento são afetados. Esta fina camada entrecortada da língua concerne os problemas sobre a linguagem e a consciência humana. Há, portanto, uma relação dicotômica entre corpo/memória em todo texto. Isso acontece porque o próprio processo de construção dos sentidos, na textualidade, é definido pela remissão contínua de expressões referenciais. A composição destas expressões está na anterioridade das porções textuais: o texto é memória a decifrar. Neste contexto, o fenômeno da memória, constitutivo do texto, define as expressões referenciais tanto a partir da rememoração de traços culturais de uma dada civilização, bem como a partir da demonstração de expressão destes mesmos traços pela subjetividade. Nossa hipótese é a de que os objetos ausentes na materialidade do texto estão presentes a partir de lampejos hipnagógicos da memória. É possível que esses lampejos sejam definidos, na continuidade do texto, segundo as Mestre em Letras pelo Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL/UFS). Professora e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL/UFS). 3 Em cada instância do discurso, o referente está ora ausente, ora presente. 1 2 Apoio FAPITEC/CAPES | POSGRAP | PPGL | CECH 1 Anais Eletrônicos do VI ENPOLE VI Encontro de Pós-Graduação em Letras | ISSN: 2176-4956 Universidade Federal de Sergipe, Campus São Cristóvão, 19 e 20 de Janeiro de 2015 paixões demonstrativas de paz, cólera, injúria, justiça, temperança, amor, etc. Entendemos as paixões como constitutivas do próprio fenômeno da memória. Neste artigo, a partir de uma imagem mental construída por Sartre (1996), descrevemos como os objetos ausentes à percepção tornam-se presentes através de representações visuais. 2 EMOÇÃO-PAIXÃO-REFERÊNCIA No auge do estruturalismo, Benveniste consegue tornar a língua mais maleável, suscetível a múltiplas formas de interpretação pela ação do sujeito na linguagem. O sujeito da enunciação e os demais indivíduos linguísticos estão ora presentes, ora ausentes. Por isso que as relações de tempo estão concentradas no Aion da estrutura da língua; passado-presente da ocasião-situação-acontecimento. O Aion significa o passado simples da ocasião presente. Na língua, Benveniste incorpora ao sistema da língua, o tempo linguístico. Mas, na língua, há relações linguísticas que ora são atos e modos de dizer, ora são representações ou imagens do pensamento. Neste caso, a língua é a relação entrecortada entre a ação e a representação. A expressividade da alma4, contida na demonstração de paixões, emociona os interlocutores, afetando a estrutura da língua. Ao tocar a língua, toca o eu-aqui-agora da enunciação. Assim, Benveniste define o campo dêitico da língua que constitui o aparelho formal da enunciação. Esse sistema linguístico é caracterizado pela tríade emoção-paixão-referência. Benveniste compreende a subjetividade humana como constituinte da estrutura da língua, o que concerne o sujeito consciente de suas relações emocionais no fenômeno de interação social. Com as ações e as percepções do sujeito consciente, os índices de subjetividade tornam-se expressivos através de marcas linguísticas. O processo de enunciação além de um modo de dizer é também um modo de pensar. Em todo estado de interação social irão sempre coexistir aquelas três pessoalidades, sendo as relações entre ambas, partes constituintes e discordantes de um mesmo ambiente de relações-valores-identidades. São elas: o locutor; o eu (consciência Em Aristóteles, a alma é vista como pertencente ao corpo. Assim, não existe afecção sem o corpo. A alma tem relação com o movimento anímico de nosso corpo. Os corpos só se movem através da alma. Esse movimento dos corpos é caracterizado como anímico porque contém anima. Percepcionar é, pois, sofrer afecção, ou seja, afetar e ser afetado. 4 Apoio FAPITEC/CAPES | POSGRAP | PPGL | CECH 2 Anais Eletrônicos do VI ENPOLE VI Encontro de Pós-Graduação em Letras | ISSN: 2176-4956 Universidade Federal de Sergipe, Campus São Cristóvão, 19 e 20 de Janeiro de 2015 de si) ou o ethos (representação emotiva) – o tu, o pathos, receptor e interlocutor (afecções da alma) – e – por fim – a relação eu-tu com a terceira dimensão: a referência ao objeto em análise – ele. Benveniste permitiu, aos estudos da linguagem, a incorporação da estrutura da natureza expressiva da subjetividade humana no sistema. Sendo assim, cada signo, na língua, contém um certo índice de potência afetiva construído através das relações humanas de comunicação social, ou seja, na conjugação entre eu-você-ele. Nas artes ou em todas as ciências, o objeto da linguagem é o próprio fenômeno da linguagem que une estas três instâncias do discurso – emoção-paixãoreferência. A língua representa a paixão em todas as manifestações sociais; damos vida, assim, aos objetos circundantes por meio da disposição de afetos – um aglomerado de representações que são imaginárias. Desta forma, projetamos imagens em nossa mente. Isso acontece porque nossa consciência é-foi refletida pelo cristal do tempo em imagens mentais que envolvem paixões, desenhando o curso referencial ausente. A língua significa propriamente a relação: corpo-imagem. O corpo afeta e é afetado por outros corpos. Assim, produzimos sentidos, a todo instante, tanto por via da língua, como por via do pensamento. Qual é, então, o corpo do pensamento? É possível que sejam as próprias representações visuais projetadas pelos corpos em afecção. Sabemos que o objeto da Linguística é a própria língua e não a linguagem. Embora sincrônica por conta do eixo de relações entre significantes, a língua é mais histórica, diacrônica, cultural; um interstício de relações entre estruturas complexas. Enquanto ciência que estuda a linguagem e seus fenômenos, o ramo da Linguística enquadra outras grandes áreas das ciências sociais e humanas. O que faz com que o cientista ou analista da linguagem veja a língua mais como manifestação da cultura de um povo e a linguagem como fenômeno constituinte da sensibilidade humana. São as paixões, por exemplo, de paz, liberdade, angústia, temor, tristeza, alegria que reforçam a memória para recordar episódios análogos ao estado afetivo do interlocutor. Podemos dizer que a força pulsante dessas paixões está em relação com o movimento exo-fórico das expressões referenciais cristalizadas em forma de emoções em um dado momento da enunciação. Bergson demonstra como as relações espaço-temporais se constituem pela coexistência temporal e como os objetos que estão a nossa percepção são animados pela Apoio FAPITEC/CAPES | POSGRAP | PPGL | CECH 3 Anais Eletrônicos do VI ENPOLE VI Encontro de Pós-Graduação em Letras | ISSN: 2176-4956 Universidade Federal de Sergipe, Campus São Cristóvão, 19 e 20 de Janeiro de 2015 relação de contiguidade entre eles. Assim como a memória, o texto identifica-se a estilhaços de palavras refletidos no cristal do tempo. As luzes, reincididas nestes cristais, atingem variados campos de manifestação da linguagem. Ao definir a memória como dobra defasante, Deleuze vê, no fenômeno do ato de recordação, imagenspensamento através das representações de eventos episódicos do cinema. Em outras palavras, das representações visuais e o lampejo destas impressões na consciência. A temporalidade da língua pode ser definida como a temporalidade de nossas sensações provenientes de nossas percepções: este é o passado imediato. Para reconhecê-lo, percepcionamos os objetos presentes e construímos, por meio de imagens, os objetos ausentes. Desta forma, o sistema da língua é caracterizado como simultaneidade dêitica de relações presentes e ausentes5. A memória é constituída por lembrançasimagens em movimento; é como as mudanças instantâneas anímicas da paisagem de uma janela do vagão de uma locomotiva em movimento. Na mente, projetamos, através do corpo, essas imagens como se estivéssemos vivendo-as no momento. Essa mudança de natureza expressiva, em torno da língua, afeta todo o sistema cuja afecção provém das representações visuais das paixões demonstrativas. Assim, se todo signo-objetoreferente emerge e incorpora-se e; todas as paixões, uma vez incorporadas, projetam representações visuais em nós, como o processo da emoção condiciona o movimento referencial das categorias linguísticas, formando qualidades e caracteres expressos na textualidade? O conceito de habitus em Bourdieu, a partir do conceito de hexis aristotélica, permite-nos a interpretação de expressões demonstrativas já que elas se incorporam às estruturas sociais e simbólicas para a construção do sentido. O pensamento é a imagem vista de um ângulo tridimensional, o qual abarca também o campo do eu-aqui-agora. Mas, este pensamento é indicial, por isso está no campo do imaginário6. A imagem projetada no corpo da experiência reconstrói uma série de lampejos da memória. Todo o texto expressa, assim, uma linha do tempo que condensa Santos (2014) demonstrou que os elementos demonstrativos na estrutura da língua expressam relações espaçotemporais intermediárias, pois a força diretiva dessas categorias linguísticas está no presente linguístico e a força remissiva está no passado imediato. Há, porém, uma memória demonstrativa que impulsiona os interlocutores a projetarem novos cursos referenciais em sua mente através de imagens-lembranças. 6 As relações espaço-temporais são percepcionadas e imaginárias. Pelas ações, o sujeito consciente faz parte de uma consciência perceptiva. Pelas paixões, ele faz parte de uma consciência imaginante. Recanati (2013) caracteriza as relações espaço-temporais no plano da memória como pensamentos indiciais. 5 Apoio FAPITEC/CAPES | POSGRAP | PPGL | CECH 4 Anais Eletrônicos do VI ENPOLE VI Encontro de Pós-Graduação em Letras | ISSN: 2176-4956 Universidade Federal de Sergipe, Campus São Cristóvão, 19 e 20 de Janeiro de 2015 a língua e suas leis próprias, bem como o pensamento e suas representações. Toda forma de conhecimento foi-e-é uma forma de representação. Ao recordar, estamos aprendendo, resgatando e reconstruindo imagens análogas à percepção motora do ambiente de relações sociais. As palavras e os caracteres engendrados a elas estão na representação emotiva de traços linguísticos, estilísticos, culturais, sociais e interacionais. Estes caracteres só existem para nós enquanto os pensamos como imagens. O texto, sendo corpo-imagem, é configurado segundo as paixões que são as doenças da alma. Essas doenças estão representadas na forma de afecções corporais. A função elementar dos demonstrativos na língua é, de fato, expressar essas doenças: ora destrutivas e fracas, ora potentes e fortes. Espinosa, um dos pensadores do século XVII, vê as relações entre corpo e alma como expressivas devido à natureza e à força dos afetos na própria relação corpo-mente. Uma memória, uma imagem ou um pensamento, para Espinosa, exprimem o estado de afecção do corpo através das paixões. Esta imagem-pensamento, representada por paixões demonstrativas, animam o corpo para fazer dele um analogon do objeto ausente. A força motriz do movimento referencial das categorias demonstrativas é a própria paixão incorporada a outros elementos linguísticos presentes. 3 O REFERENTE IN PRAESENTIA E IN ABSENTIA O fenômeno da memória está presente em todas as formas de expressão do pensamento, como também da linguagem. Para conhecer e percepcionar qualquer tipo de objeto estamos recordando. As recordações nada mais são do que imagens projetadas em nossa mente através de experiências vividas: pensamos em uma imagem e ela está a nossa frente. Este método de projetar imagens em nós é constitutivo do processo de rememoração de fatos-episódios-eventos. O texto se constitui desse modo: ora corpo, ora memória. É interessante que não podemos viver as mesmas experiências dos interlocutores expressas em uma narrativa, mas podemos reproduzir, por meio de índices de demonstração, imagens próximas do pathos. Mas, as representações visuais estão mais no campo da percepção e as impressões sobre essas representações estão no campo da paixão. Apoio FAPITEC/CAPES | POSGRAP | PPGL | CECH 5 Anais Eletrônicos do VI ENPOLE VI Encontro de Pós-Graduação em Letras | ISSN: 2176-4956 Universidade Federal de Sergipe, Campus São Cristóvão, 19 e 20 de Janeiro de 2015 Os objetos percepcionados estão nas relações temporais do presente no tempo linguístico, já as imagens mentais projetadas estão em relações temporais do passado contraído. Ao tomarmos o sistema linguístico da língua, o signo ausente na percepção está presente na paixão. A afetividade pela escolha lexical de algumas categorias linguísticas tem relação com os estados afetivos dos interlocutores. Esses estados afetivos têm relação com as representações visuais. É fato que todo texto compõe-se de expressões referenciais ordinárias e imaginárias já que a própria textualidade se constrói mediante o fluxo remissivo de expressões referenciais. O grande problema é descrever quais estruturas linguísticas são ausentes e presentes. Toda imagem-referente está entre a consciência perceptiva e a consciência imaginante do objeto visado. Sartre, em O imaginário, define a imagem como o analogon equivalente da percepção. Se todo objeto serve de matéria à imagem, então, a matéria de todo ato de enunciação se constitui como signo. Este signo, ora é perceptivo, ora é imaginante. Vejamos a seguinte imagem mental: Pouco a pouco, um certo número de traços leves aparece no sentido transversal; as flores se ordenam de tal modo que suas extremidades superiores acabam ficando bem próximas desses fios. De repente, vejo que os traços em questão são fios de varal e que as flores se transformaram em meias que estão secando, e, logo em seguida, vejo também os prendedores de roupa da lavadeira que prendem meias aos fios (SARTRE, 1996, p. 62). O ato da recordação suscita primeiramente o processo de focalização dos objetos do mundo dispersos no espaço. Após enquadrá-los no campo de coordenadas dêiticas da percepção, o olho registra os objetos-referentes que foram mais marcantes à primeira vista. Os pontos entrecruzados entre as formas geômetras destes objetos desenham para a mente a relação anímica dessa representação visual: as flores se confundem com meias estendidas aos fios de varal. Desta forma, vemos como se constitui o fenômeno da memória: uma imagem se superpõe à outra para completar a significação do objeto. Os esquemas mentais são construídos a partir desta ilusão de imanência: os objetos ausentes tornam-se presentes através de ideias imaginantes. O fenômeno de consciência da imagem visa, por ele mesmo, uma representação visual do objeto ausente através de objetos de discurso presentes, ou seja, a partir do objeto Apoio FAPITEC/CAPES | POSGRAP | PPGL | CECH 6 Anais Eletrônicos do VI ENPOLE VI Encontro de Pós-Graduação em Letras | ISSN: 2176-4956 Universidade Federal de Sergipe, Campus São Cristóvão, 19 e 20 de Janeiro de 2015 sensível presente, a consciência da imagem representa uma sensação visual do objeto ausente. Nesta imagem mental, por exemplo, Sartre convida o leitor a projetar, na sua mente, o mesmo fluxo de expressões referenciais. Em outras palavras, ele convida os interlocutores a reviver as mesmas experiências através do fenômeno de consciência da imagem. Se o leitor focalizar as relações imaginárias entre as expressões referenciais as flores, o varal, os fios e, por fim, os prendedores, ele enxergará imagens mentais como as de um campo ou uma fazenda, um lugar aberto, fresco e calmo. Além disso, a partir das linhas imaginárias as quais constroem o curso referencial que envolve as flores, os fios e os prendedores, podemos projetar em nossa mente representações visuais de um dia ensolarado com um céu azul repleto de nuvens brancas; grandes arvoredos com aves contornando um campo vasto de tapetes verde-musgo no jardim. O mais interessante é que todas essas imagens mentais estão ausentes na representação visual apresentada por Sartre. Porém, o que faz com que essas mesmas imagens tornem-se presentes é a relação afetiva com outros objetos que estão presentes. No texto, os traços leves é uma anáfora encapsuladora exofórica; ela condensa toda uma situação prévia que se prolonga até os prendedores de roupas. Os caracteres com que são atribuídos às flores enquanto traços leves fazem expandir o eixo de coordenadas espaço-temporais até o campo visual dos traços do varal que possivelmente sejam também de cor leve. Até aí, podemos enxergar a paixão demonstrativa de liberdade a partir de representações fantasmáticas como a emergência de pombos por meio da incorporação das flores tecidas pelos fios do varal. Como um lampejo, numa visão hipnagógica7, em estalos de segundos, as flores tornaram-se pássaros sobre as linhas imaginárias do varal. Todas as anáforas diretas que vão das flores aos prendedores estão condensadas à memória demonstrativa desses fios. Porém, neste contexto, os fios não são propriamente os fios, porque a tessitura destes fios desenham outras formas geômetras e imaginárias como as flores e os possíveis pombos. Desse modo, vemos como é possível construir cadeias referenciais imaginárias a partir da deixis am Na consciência hipnagógica, o objeto não se coloca nem como o que aparece, nem como o que já apareceu: de súbito, torna-se consciência de que se vê um rosto. É essa característica posicional que deve dar à visão hipnagógica seu aspecto fantástico. Ela se dá como uma evidência brusca e desaparece do mesmo modo (SARTRE, 1996, p. 63). 7 Apoio FAPITEC/CAPES | POSGRAP | PPGL | CECH 7 Anais Eletrônicos do VI ENPOLE VI Encontro de Pós-Graduação em Letras | ISSN: 2176-4956 Universidade Federal de Sergipe, Campus São Cristóvão, 19 e 20 de Janeiro de 2015 phantasma8. O interlocutor passa a estabelecer, assim, um contexto mental emergente através da vida afetiva com os objetos presentes à percepção definidos como pássaros que eram, na verdade, flores e, por fim, prendedores. A ilusão de imanência, própria do objeto, faz-nos projetar novos cursos referenciais por meio de linhas imaginárias. Sartre (1996, p. 103), partindo de uma fenomenologia da imaginação, diz assim: “se queremos captar a imagem em sua fonte, temos de partir do elemento afetivo”. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir desta breve discussão, podemos perceber como os objetos ausentes ao nosso campo imediato tornam-se presentes através da demonstração de afetos com os objetos representados pela nossa memória. Como vimos, o ambiente de relações espaçotemporais vai se expandindo aos poucos por meio de pontos imaginários construídos pelos interlocutores durante o processo de construção de sentidos do texto. Em casos semelhantes, é o fenômeno da rememoração que ilumina a mente do analista de texto e o conduz a múltiplas dimensões, fazendo-o desenhar linhas imaginárias aonde não existiam. Na imagem mental de Sartre (1996), através do esquema dinâmico de relações construídas a partir dos objetos, podemos perceber uma aurora de imagens reluzentes que se enquadram ao contexto emergente ou em-movimento: as flores que se tornaram varais e, pela ilusão de imanência, pássaros. Numa teoria do texto, como poderíamos caracterizar o contexto neste fenômeno de imagens mentais em emergência? Neste caso, o contexto significaria mais, segundo Van Dijk, um constructo subjetivo dos participantes, ou seja, uma forma de incorporação de unidades afetivas por meio de experiências prévias. Sobre as reflexões apresentadas até aqui, podemos dizer que a relação entre corpo e memória é extrínseca porque o corpo ou a imagem, quando nos são postos como ausentes, a impressão afetiva os torna presentes. Assim, todo processo de interpretação de texto acontece em curso: ora no contexto imediato, ora no contexto mental. Duas características são fundamentais acerca da relação íntima entre texto e 8 Este termo foi definido por Karl Buhler como relações espaço-temporais imaginárias ou fictícias. Apoio FAPITEC/CAPES | POSGRAP | PPGL | CECH 8 Anais Eletrônicos do VI ENPOLE VI Encontro de Pós-Graduação em Letras | ISSN: 2176-4956 Universidade Federal de Sergipe, Campus São Cristóvão, 19 e 20 de Janeiro de 2015 memória: a primeira diz respeito ao problema da definição do contexto em relações intermediárias, a segunda diz respeito aos estados de incorporação a outras formações contextuais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARISTÓTELES. Sobre a alma. Tradução do grego: Ana Maria Lóio. São Paulo: Martins Fontes, 2013. BENVENISTE, É. Problemas de linguística geral II. Tradução de Eduardo Guimarães. São Paulo: Pontes, 1989. BERGSON, H. Matéria e Memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 2006. BOURDIEU, P. Estrutura, habitus e prática. In: _______. Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2013, p. 337-361. BUHLER, K. Teoría del lenguaje. Tradução de Julián Marías. Madrid: Revista de Occidente, 1967. Tradução do alemão: Sprachtheorie. Jena: Gustav Fischer, 1934. DELEUZE, G. A imagem-tempo. Tradução de Eloisa de Araújo Ribeiro. São Paulo: Brasiliense, 2007. RECANATI, F. Perceptual concepts: in defence of the indexical model In: Synthese v.1, p1-18, 2013. SARTRE, J-P. O imaginário. Tradução de Duda Machado. São Paulo: Ática, 1996. VAN DIJK, T. A. Discurso e contexto: uma abordagem sociocognitiva. Tradução de Rodolfo Ilari. São Paulo: Contexto, 2012. Apoio FAPITEC/CAPES | POSGRAP | PPGL | CECH 9