ÁGORA – Revista Eletrônica
ISSN 1809 4589
Página 17 - 20
A RELAÇÃO METRÓPOLE-COLÔNIA E O DEBATE HISTORIOGRÁFICO SOBRE O PACTO COLONIAL
Rodrigo Janoni Carvalho1
Devemos considerar um elemento crucial e formador pertencente à história das Américas ao
pensarmos o pacto colonial. Estamos falando da imensa rede mundial de trocas e relações, cuja dimensão foi
imensa a partir dos séculos XIV e XV. As empreitadas coloniais realizadas pelos povos europeus tiveram
suas características próprias, diferenciando-se de acordo com as regiões e tipos de colonizações.
Contudo, suas configurações e implicações podem ser compreendidas de forma análoga no que diz
respeito à subordinação de uma sociedade à outra ou nas propostas de invenção de uma nova realidade nas
Américas. A exploração de metais foi predominante durante a colonização espanhola. Por outro lado, em
terras lusitanas, os colonizadores, por não encontrarem metais preciosos de início, exploraram o pau-brasil e
introduziram o plantio da cana-de-açúcar. Para Vitorino Godinho (1973), o essencial na empresa colonial é a
percepção do espaço, dos povos, das civilizações e a experiência das formas de encontro e intercâmbio.
Os espaços percebidos constituem círculos de raio cada vez mais amplo – até alcançar o globo inteiro.
As economias, sociedades e civilizações classificam-se segundo a sua diversidade e complexidade [...]
A construção do espaço e, correlativamente, a do tempo, supõem o estabelecimento do diálogo entre
economias e culturas diferentes, até então freqüentemente isoladas entre si. [...] Encontros entre
sociedades e civilizações, no decurso dos quais a ignorância recíproca cede lugar às tentativas de
conhecimento mútuo, há choques é claro, mas também a curiosidade, a colaboração, a troca de
objetos, de idéias, de técnicas e formas de vida. (GODINHO, 1973, pp. 55-58).
A rede mundial que estamos considerando baseou-se em relações estritas entre colônias e
metrópoles. Relações estas que permanecem até hoje entre os países, seja pela semelhança linguística,
cultural, social ou religiosa. No auge do colonialismo, durante os séculos XV ao XVII, o pacto colonial foi
instaurado como um direcionamento unilateral na relação metrópole-colônia quanto aos aspectos econômicos
e políticos. O pacto, em outras palavras, era uma imposição da metrópole – centro de decisão – à colônia –
área de exploração e/ou povoamento – destacando assim dois pólos.
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Graduando em História pela Universidade Federal de Uberlândia-MG. Contato: [email protected].
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Essa polarização consolidou-se como motivo de revolta nos séculos posteriores à ocupação européia
nas Américas; que somada a diversos outros fatores contribuirá nos processos de independência. O pacto
colonial fundamentou-se na prática do monopólio econômico com base na exploração da mão-de-obra
indígena e, posteriormente, na utilização de escravos negros oriundos sobretudo da África, uma vez que
aquele tráfico de homens e mulheres se constituiu como uma prática extremamente lucrativa.
A política econômica das potências européias fundamentou-se no mercantilismo metalista e/ou
comercial. Em regiões – vice-reinados hispânicos - como o México ou o Peru, perduraram práticas de
extração da prata e do ouro. No Brasil, a existência de latifúndios com a presença de mão-de-obra escrava e
monocultura voltada ao comércio exterior, em considerável parte composta pelo açúcar nordestino, foi
maciça. Além da presença dos barões de minérios ou de açúcar, percebemos que em diversas colônias
americanas houvera um favorecimento de grupos de comerciantes das mais diversas atividades. A
acumulação primitiva de capital consolidou essas intensas relações econômicas, uma vez que as colônias
representavam fonte de recursos e status no cenário europeu.
Assim, o pacto colonial representou a exclusividade econômica da metrópole perante a produção
colonial. De modo geral, os países europeus que participaram desta rede mundial de trocas e relações,
conservavam o monopólio legal da importação dos recursos lucrativos e a exportação de bens de consumo
para suas respectivas colônias. O monopólio fixado assegurava os interesses metropolitanos das esferas
administrativa, comercial e eclesiástica. A figura do colono era assim de vital importância para os interesses
da Coroa no processo de administração da mão-de-obra, das terras e dos meios de trabalho em localidades
distantes aos centros de poder. Em outras palavras, o comércio exclusivo pautava-se no estabelecimento de
preços vantajosos na venda mais alta e a compra mais barata pelos europeus, caracterizando um mecanismo
de trocas lucrativo que contribuía fortemente na balança comercial das potências.
O monopólio do comércio das colônias pela metrópole define o sistema colonial porque é através dele
que as colônias preenchem a sua função histórica, isto é, respondem aos estímulos que lhes deram
origem que formam a sua razão de ser, enfim, que lhes dão sentido. E realmente, reservando a si com
exclusividade a aquisição dos produtos coloniais, a burguesia mercantil metropolitana pode forçar a
baixa dos seus preços até o mínimo além do qual se tornaria antieconômica a produção; a revenda na
metrópole ou alhures a preço de mercado cria uma margem de lucros [...] o Estado realiza a política
burguesa, e simultaneamente se fortalece, abrindo novas fontes de tributação. Estado centralizado e
sistema colonial conjugam-se, pois para acelerar a acumulação de capital comercial pela burguesia
mercantil européia. (NOVAIS, 1973, pp. 47-52).
O sistema colonial propiciava a acumulação de capitais pelos grupos empresariais e a expansão de
mercados consumidores dos produtos manufaturados. Reafirmavam-se os laços de solidariedade entre a
Coroa e os colonos, de modo que as tarefas eram divididas para melhor se colonizar regiões distantes. A
associação entre a corte e os vassalos enriquecidos permitiam aos súditos se tornarem os verdadeiros sócios
na empresa colonizadora.
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Alguns autores questionam a conceituação direcionada ao termo “pacto colonial”, sendo necessário
redimensionar a relação metrópole-colônia ou colônia-metrópole, observando que essa aproximação
baseava-se na reciprocidade. Houve o favorecimento em prol da metrópole, porém existiram também as
negociações e desdobramentos em favor das colônias. Maria Bicalho afirma que um novo conceito de pacto
colonial vem sendo cunhado pela historiografia a partir de pressupostos de uma cultura política do Antigo
Regime. Essa cultura foi marcada “por práticas regidas pelo ideário da conquista, pela constante
realimentação de uma cadeia de obrigações recíprocas, reforçando os laços de submissão, lealdade e
vassalagem que ligavam os colonos ao monarca” (BICALHO, 2005, pp. 87-89).
A atividade colonizadora objetivou organizar uma produção que atendesse às demandas e aos
interesses dos lucros monopolistas. A monocultura da cana-de-açúcar na América portuguesa justificou-se
pelas motivações européias de implantar, com considerável sucesso, esta atividade agrícola no mundo
tropical. As condições apresentadas na colônia portuguesa eram muito mais favoráveis à agricultura
temperada do velho mundo. O açúcar ocupou, no início do século XVI, uma posição excepcional no mercado
europeu.
A produção açucareira – assim como a extração de metais na América hispânica – se organizou de
modo a possibilitar aos empresários metropolitanos ampla margem de lucratividade com base no uso de mãode-obra compulsória, semi-servil ou propriamente escravista. A estrutura agrária fundada no latifúndio
vinculou-se facilmente ao escravismo e delineou o sistema de exploração colonial. As plantations
sustentavam fundamentalmente aquela organização econômica.
As relações presentes nos modos de colonização se enquadram nas amplas e complexas redes de
relacionamentos que conectavam o mundo, sobretudo pelos avanços europeus. Aquelas redes propiciaram a
circulação de homens, mercadorias e a difusão de ideias e hábitos. Neste sentido, disseminaram-se pelos
trópicos as culturas e práticas políticas do Antigo Regime. O Brasil colonial se enquadra naquelas condições
acima explanadas como uma importante fonte de riquezas para Portugal e as demais potências.
Este é apenas um esboço de importantes relações e transformações que ocorreram durante os
avanços marítimos e a “descoberta” da América. Novos paradigmas e valores sugerem outros olhares para a
compreensão de processos históricos complexos como foram as relações entre as metrópoles e as colônias,
de modo que as interpretações se transformam ao longo do tempo possibilitando perspectivas antes
desconhecidas, consolidando o movimento da história e enriquecimento do conhecimento humano.
Referências bibliográficas
BICALHO, Maria Fernanda B. Pacto Colonial, autoridades negociadas e o império ultramarino
português. In: SOIHET, R.; BICALHO, M. F. B. e GOUVÊA, M. F. S. (Orgs.) Culturas políticas: ensaios de
história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005, pp. 85-105.
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GODINHO, Vitorino Magalhães. Que significa descobrir? In: NOVAES, A. (Org.) A descoberta do
homem e do mundo. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1973, pág. 55-81.
NOVAIS, Fernando A. O Brasil nos quadros do Antigo Sistema Colonial. In: MOTTA, C. G. (Org.).
Brasil em perspectiva. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1973, pág. 47-63.
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