O Esgotamento do Modelo Atual das Empresas de Energia (*)
Após mais de 100 anos estabelecida, a indústria de serviços de energia está sendo
completamente reinventada e desafiada em nível mundial. Ao longo desse tempo, ocupou
papel fundamental e essencial na criação da sociedade moderna, pelo alcance inclusivo e
universal de seus serviços, sendo utilizada por praticamente todas as pessoas em escala global.
O velho modelo de desenvolvimento de pesadas infraestruturas, erguidas através de massivos
investimentos, com base em concessões, está rapidamente se esgotando e ficando
ultrapassado, e tem horizontes de tempo bastante limitados face ao ciclo de vida tradicionais
de seus ativos operacionais.
A alucinante evolução tecnológica experimentada nos últimos 10 anos tem feito os clientes
dessas empresas, e a sociedade em geral, deixarem de ter um papel absolutamente passivo de
meros consumidores de energia, para passarem a adotar um papel progressivamente mais
ativo, que ainda tem muito espaço para evoluir.
Relativamente recente, o efetivo advento em escala econômica e a popularização de
equipamentos que consomem menos energia, como as novas gerações de lâmpadas
eletrônicas e mais recentemente LEDs, passou a trazer consciência popular de que existem
opções efetivas e de fácil adoção para a redução do consumo de energia.
Da mesma forma, governos de todo o mundo tem se mobilizado unanimemente para
desenvolver programas de avaliação e etiquetagem de equipamentos em geral, visando
melhor orientar os seus cidadãos para o uso de equipamentos eficientes e que consomem
menos energia que os da geração anterior. A própria institucionalização destes programas
lançou uma verdadeira corrida da indústria em buscar inovações para melhorar as margens e
trazer novas oportunidades de crescimento de mercado aos mais eficientes, inovadores e
melhores.
Os clientes de hoje, diferentemente daqueles que escreveram a historia de crescimento e
prosperidade da indústria de energia, vão buscar orientação apropriada, disponível em larga
escala, sobre como reduzir seu consumo. Uma grande indústria de empresas e profissionais
especializados se desenvolveu nessa área, e um numero crescente de clientes estão
descobrindo que estarão desperdiçando dinheiro ao não contratar esse tipo de
assessoramento, por deixar de experimentar oportunidades de melhores contratos, melhor
gestão e oportunidades de aumento de eficiência e de redução de consumo.
O crescimento dessa indústria e desse mercado foi tão forte a ponto de viabilizar outra
indústria sofisticada, que vem até mesmo utilizando-se de meios ilícitos, como a realização de
adulterações e de fraudes nos medidores das concessionárias, ou do furto estruturado de
energia, por meio de construção de redes clandestinas. E engana-se quem pensa que esta
indústria ilegal é de baixa tecnologia: existem fraudes e quadrilhas especializadas em alterar os
mais seguros e modernos medidores, até mesmo os medidores inteligentes eletrônicos de
ultima geração.Recentemente foram detectadas milhares de alterações realizadas nas paginas
fiscais de medidores inteligentes, através da porta ótica. Infelizmente, esta indústria
clandestina e ilegal segue prosperando e no mundo e especialmente no Brasil, trazendo perdas
significativas e ônus a todos os consumidores, na medida em que fazem com que
investimentos realizados pela sociedade não tenham a contrapartida da receita.
Mas retomando os fatos relativos aos profissionais que usam mecanismos legalmente
estabelecidos, como a análise e recomendação de contratos mais vantajosos aos seus clientes,
espera-se que o acesso ao mercado livre de energia deva seguir aumentando
progressivamente e de forma significativa, como já acontece em outras partes do mundo,
onde clientes de baixo consumo tem a opção de adquirir a sua energia de fornecedores que
atuam em um mercado competitivo, fornecendo mais serviços do que simplesmente os Kwh
entregues mensalmente pelas tradicionais empresas. Recente pesquisa realizada pela
ABRACEEL- Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia - apontou que os clientes
brasileiros gostariam de ter essa mesma oportunidade já vivida em vários outros países.
Mas o avanço e as tendências de evolução não param por aqui: os sistemas de produção local,
em pequena escala, da própria energia necessária para edificações já está virando uma
realidade não só técnica, mas principalmente economicamente viável ! Atualmente é possível
uma casa ou qualquer edificação produzir parte ou todo da energia de que necessita, a custos
competitivos no longo prazo. Sistemas de energia solar fotovoltaica ou eólica, em pequena
escala, crescentemente ocuparão espaço na paisagem urbana, pois os preços de sua
implementação tem caído vertiginosamente nos últimos anos. Além disso, já existem
mecanismos previstos na legislação do setor elétrico, inclusive no Brasil, para que os
consumidores utilizem e se beneficiem dessas novas tecnologias, através de um mecanismo
denominado de compensação de energia, onde a energia excedente e não utilizada que foi
gerada por estes sistemas próprios, por exemplo, durante o dia, seja injetada na rede pública
de eletricidade,e posteriormente compensada durante a noite, quando as células solares não
podem produzir a energia necessária naquele momento. Surgem, assim, os “prosumidores”,
que são consumidores que não apenas consomem energia, mas também produzem parte do
que necessitam. Este fenômeno de uso cada vez maior de geração própria nas edificações
provocará uma progressiva desintermediação do mercado cativo das concessionárias de
energia, na medida em que reduz a dependência de um maior numero de clientes do
suprimento exclusivo de sua concessionária.
Soma-se ao cenário outra evolução tecnológica que realmente vai provocar o esgotamento
final dos modelos atuais da indústria de eletricidade: a viabilização de sistemas, em escala
econômica, para armazenamento de energia nas próprias edificações. Espera-se um grande
avanço tecnológico nessa área, escalando rapidamente capacidade, preço e tecnologia dos
atuais, tímidos, insuficientes e ambientalmente incorretos sistemas de condicionamento, “nobreak” e armazenamento de retaguarda. Hoje já é possível desfrutar de algum nível de
conforto,ainda que a preços relativamente altos e não para a totalidade da instalação, de
sistemas de backup e armazenamento de energia gerada por sistemas próprios, apenas para
os pontos de consumo mais importantes. Por exemplo, em uma casa, é viável manter
atualmente a geladeira e alguma iluminação e conforto, como internet/tv, suportados por
sistemas viáveis em preço e tamanho. Em futuro próximo, entretanto, toda a energia
excedente produzida poderá ser reutilizada em outro horário, no mesmo imóvel, ou ser
oferecida a imóveis vizinhos, como um serviço.
Em resumo, o cliente já mudou e vai continuar mudandoainda mais nos poucos próximos anos
e os modelos de negócio consolidados não mais podem fazer frente a estas realidades, que já
hoje estão presentes e que deverão evoluir muito rapidamente.
Infelizmente, no Brasil, o próprio governo recentemente desestruturou as tarifas de energia,
pela introdução de artificialismos e pesados subsídios de preços, tirando a sua
representatividade como sinalizador econômico para estas novas tecnologias. Entretanto,
setor de energia, um dos mais organizados e historicamente auto-sustentados pilares da
economia, já iniciou uma trajetória de pesados aumentos de preços para recuperar, a duras
penas, não somente as tarifas que deveriam estar sendo praticadas no passado recente, mas
também para pagar os pesados custos financeiros dessa desorganização, mantida por conta de
empréstimos heterodoxos e encargos e subsídios. A economia de mercado deverá acelerar,
portanto, no curto prazo, as evoluções mencionadas, com potencial efeito desastroso para as
empresas que não se prepararem.
Nesse momento, está em discussão o modelo tarifário a ser adotado para o 4º ciclo de revisão
tarifária das concessionárias de distribuição e, por isso, é extremamente oportuna uma
avaliação mais aberta e moderna para reconhecer as mudanças apontadas. As tecnologias, a
sociedade e o mundo estão mudando e não reconhecer isso é condenar as empresas e o setor
à rápida sucumbência e sucateamento.
Esta transformação e os novos modelos em discussão mundial serão debatidos no VII Smart
Grid Fórum Latin América 2014, em São Paulo, entre 9 a 11 de Setembro de 2014. Ao longo de
7 anos de existência, o Fórum tem liderado discussões de alto nível das questões fundamentais
para a modernização do setor de energia no Brasil e na América Latina e principalmente seu
impacto sobre os negócios e resultados.Veja o programa:
http://www.smartgrid.com.br/sg14_anuncio_portugues.htm
(*) Cyro Vicente Boccuzzié Presidente do Fórum Latino-Americano de Smart Grid, criado em
2008 para debater a implantação de tecnologias inovadoras de energia de modo focado na
América Latina, considerando as especificidades e realidades regionais.
O Fórum tem desenvolvido um importante papel de articulação e síntese institucional, com
visão principalmente guiada por valor para todos os grupos de interesse e a sociedade como
um todo, e não exclusivamente por tecnologia. Além disso, o Fórum é um veículo NEUTRO,
INDEPENDENTE e INCLUSIVO, para mobilizar a mais ampla matriz de interessados possível.
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