DIREITO CONSTITUCIONAL SUMÁRIO NORMAS CONSTITUCIONAIS ..........................................................................................................................................1 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE ATOS NORMATIVOS .....................................................................10 PODER CONSTITUINTE .....................................................................................................................................................4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS .....................................................................................................................................8 ANÁLISE DO PRINCÍPIO HIERÁRQUICO DAS NORMAS ...........................................................................................2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA CF/88 (ARTS. 37º A 41º) ..........................................................................................23 NORMAS CONSTITUCIONAIS 1. NORMAS JURÍDICAS São normas de conduta (impõem um dever-ser) que se diferenciam das demais normas sociais (usos, normas morais, religiosa etc.) por serem obrigatórias e heterônomas (podem ser impostas “de fora para dentro”). Por exemplo: cumprimentar alguém é uma mera norma social, pois não se pode obrigar alguém a fazê-lo; mas o cumprimento (continência) devido pelo inferior ao superior, no âmbito das forças armadas, possui a natureza de norma jurídica, uma vez que deve ser cumprido, sob pena de haver uma sanção (punição) para o descumpridor. 2. NORMAS CONSTITUCIONAIS São, antes de tudo, normas jurídicas. É dizer, TODAS AS NORMAS CONSTITUCIONAIS SÃO OBRIGATÓRIAS. Atualmente, não mais se aceita a existência de normas constitucionais sem força obrigatória, normas que seriam meras sugestões. Justamente por isso se diz que toda norma constitucional detém eficácia, ainda que seja a mera eficácia negativa (de impedir a edição de normas infraconstitucionais que lhe sejam contrárias). 3. ESPÉCIES DE NORMAS De acordo com a doutrina majoritária (baseada nas lições de Ronald Dworkin e Robert Alexy), existem duas espécies de normas jurídicas: os princípios (ou normas principiológicas) e as regras. Princípios e regras: princípios são normas mais amplas e genéricas que as regras. Assim, embora tenham menor aplicação direta na prática – já por serem normas mais abertas – os princípios informam todo o sistema normativo. Dessa forma, o estudo dos princípios é fundamental, porque permite ao estudioso ter uma visão panorâmica de todo o Direito. Como dizemos aos alunos, quem aprender os princípios não precisa decorar todas as regras. Regras são normas mais fechadas, mais específicas e menos abstratas, que determinam diretamente um comportamento ou dispõem, de forma taxativa, sobre determinado tema; já os princípios são normas de base, mais abstratas e que permitem a integração de valores por parte do intérprete. Justamente por isso, Dworkin afirma que as regras seguem a lógica do tudo 1 ou nada, enquanto os princípios permitem uma margem de conflituosidade, tornando possíveis ponderações. Exemplo de regra: o art. 154, da Lei nº 8.112/1990, que determina os autos da sindicância apensados aos do processo administrativo disciplinar; exemplo de princípio: o caput do art. 37 da CF, que impõe ao administrador público o dever de moralidade. Obs.: NORMAS = PRINCÍPIOS E REGRAS (teoria prevalente). 4. CARACTERÍSTICAS DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS Juridicidade: como já dissemos, todas as normas constitucionais possuem força obrigatória porque são, antes de tudo, normas jurídicas. Supremacia: como a Constituição é a norma fundamental e suprema de um Estado, as normas nela contidas gozam de supremacia, é dizer, são superiores a quaisquer outras normas do ordenamento. Assim, qualquer norma jurídica deve obediência às normas constitucionais. Trata-se da supremacia formal. Já a supremacia material é apontada pela doutrina como a maior importância do conteúdo tratado pelas normas constitucionais. Porém, com a crescente ampliação do objeto das constituições modernas, torna-se mais problemático falar em supremacia formal. Ressalte-se que NÃO HÁ HIERARQUIA ENTRE NORMAS CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS (o Brasil não adota, nesse ponto, a teoria das normas constitucionais inconstitucionais, elaborada por Otto Bachof). Abertura: as normas constitucionais, por tratarem de temas mais genéricos, são naturalmente mais abertas à integração interpretativa, pois necessitam ser completadas por valores da sociedade. Justamente disso é que resulta a capital importância da interpretação constitucional. Força normativa: como apontado por Konrad Hesse, as normas constitucionais possuem o poder de mudar os fatos – uma força normativa. Em outras palavras, no conflito entre a norma constitucional (o dever-ser) e os fatos concretos (ser), deve-se dar prevalência à realização da norma, lutando para que ela se torne efetiva (e não, como Lassalle, reconhecer apenas a normatividade dos fatos). Essa vontade de cumprir a Constituição é o que Hesse, criticando a concepção sociológica de Lassalle, chamou de “vontade de Constituição”. Está ligada também ao que Pablo Lucas Verdú chama de “sentimento constitucional”. 5. CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUANTO À APLICABILIDADE NORMAS DIRETÓRIAS E MANDATÓRIAS • DIRETÓRIAS: trazem diretrizes, sugestões que não são obrigatórias; • MANDATÓRIAS: têm de ser cumpridas. Obs.: Tal classificação é atualmente repudiada, uma vez que não reconhece a normatividade de todas as disposições constitucionais. 2 J o ã o NORMAS DE ORGANIZAÇÃO E DEFINIDORAS DE DIREITOS • Normas de Organização: dispõem acerca da organização do Estado, dos poderes e das respectivas instituições. Ex.: Normas que regulam o funcionamento do Congresso. São normas que estruturam o Estado. • Normas Definidoras de Direitos: preveem os direitos atribuídos às pessoas. Ex.: inviolabilidade domiciliar. Classificação tradicional (oriunda do Direito norteamericano): • Normas Autoexecutáveis (self-executing): não necessitam de lei regulamentadora, pois produzem desde já todos os efeitos. Aplicam-se sozinhas, executam-se por si sós. • Normas Não Autoexecutáveis (not self-executing): como não produzem sozinhas todos os seus efeitos, necessitam de regulamentação para serem plenamente aplicadas. Classificação de José Afonso da Silva: aqui utilizaremos as lições do professor da USP, que, na obra “Aplicabilidade das Normas Constitucionais”, elaborou classificação prevalente no Direito brasileiro e bastante acolhida no exterior: • Normas de eficácia plena e aplicabilidade total e imediata: são autoaplicáveis, isto é, produzem desde já TODOS os seus efeitos. Não necessitam de lei regulamentadora; esta (a lei regulamentadora), se vier, não lhe pode restringir o âmbito de eficácia. Ex: garantia do direito à vida (pode até ser regulamentada, mas a lei não lhe pode restringir o âmbito de eficácia, estabelecendo, por exemplo, exceções a esse direito); direito à vida (art. 5º, caput); “todos são iguais perante a lei” (art. 5º, caput); “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII). • Normas de eficácia contida e aplicabilidade restringível e imediata: também são autoaplicáveis, isto é, não precisam de lei regulamentadora porque produzem desde já todos os seus efeitos. A lei regulamentadora (da qual não necessitam), porém, se vier, pode restringir-lhes o âmbito de eficácia. Ex: “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei” (art. 37, I, primeira parte); “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” (art. 5º, XIII). Na verdade, não precisam de lei regulamentadora, mas esta, SE VIER, pode implicar restrição à eficácia da norma. Justamente por isso, o professor Michel Temer sugere que a nomenclatura deveria referir-se a normas de eficácia RESTRINGÍVEL. • Normas de eficácia limitada e aplicabilidade diferida e parcial: não são autoaplicáveis; ainda não produzem todos os seus efeitos; por isso, precisam T r i n d a d e “desesperadamente” de uma lei regulamentadora. São normas que necessitam de regulamentação, pois só produzem a totalidade de seus efeitos após a edição da lei regulamentadora. Ex: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal” (art. 5º, XII); “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei” (art. 5º, XLII); “o direito de greve [do servidor público] será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica” (art. 37, * VII). As normas de eficácia limitada se dividem em: a) Normas de princípio institutivo: preveem a criação de um órgão ou pessoa jurídica. Ex: art. 91, §2º: “A lei regulará a organização e o funcionamento do Conselho de Defesa Nacional”. b) Normas de princípio programático ou normas programáticas: preveem os objetivos, as metas a serem alcançadas pelo legislador; traçam um programa para a ação estatal. Ex: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º). Em uma tabela: Norma Eficácia PLENA Eficácia CONTIDA RESTRINGÍVEL Eficácia LIMITADA Obs.: ou Produz desde já todos os efeitos Precisa de lei regulamentadora A lei regulamentadora, se vier, pode restringir-lhe o âmbito de eficácia SIM NÃO NÃO SIM NÃO SIM NÃO SIM NÃO SE APLICA • Art. 5º, VIII: “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei” – EFICÁCIA LIMITADA. Atualmente, não se considera a existência de normas constitucionais que não produzam nenhum efeito, pois qualquer norma constitucional produz pelo menos os efeitos de impor ao legislador determinada tarefa e impedir a edição de leis contrárias a ela. Obs2.: Não há fórmula mágica para se diferenciar as normas de eficácia plena, contida e limitada. Nem sempre a locução “na forma da lei” indica uma norma de eficácia limitada, nem “nos termos da lei” é uma nota segura de que se trata de uma norma de eficácia contida. Logo, deve-se interpretar a norma e ver se ela precisa ou não de lei regulamentadora. Repita-se: não há “macete” nem fórmula mágica, a saída é interpretar. Basta ver que, no caso do art. 14, §3º, a expressão “na forma da lei” indica tanto normas de eficácia CONTIDA (inciso VI) quanto LIMITADA (inciso IV). • Art. 5º, XV: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens” – EFICÁCIA CONTIDA. • Art. 5º, XXIV: “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição” – EFICÁCIA LIMITADA. • Art. 5º, XXVI: “a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento” – EFICÁCIALIMITADA. Alguns exemplos: • Art. 5º, VI: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” EFICÁCIA CONTIDA. • Art. 37, I: “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei” – primeira parte é de EFICÁCIA CONTIDA; a segunda parte, de EFICÁCIA LIMITADA. • Art. 5º, VII: “é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva” – EFICÁCIA LIMITADA. D i r e i t o C o n s t i t u c i o n a l 3 Classificação de Maria Helena Diniz (adaptação da classificação de José Afonso da Silva): • Normas de eficácia absoluta: produzem desde já todos os seus efeitos, não precisam de lei regulamentadora e nem podem ser por ela restringidas. Além disso, não podem ser suprimidas, nem mesmo por emenda à constituição (cláusulas pétreas, art. 60, § 4º). • Normas de eficácia plena (idem JAS): são autoaplicáveis, isto é produzem desde a sua criação todos os efeitos, não precisam de lei regulamentadora e esta, se vier, não lhes pode restringir o âmbito de eficácia. Possuem aplicabilidade imediata. Ex. direito à vida. • Normas de eficácia relativa: relacionam-se com leis regulamentadoras que podem restringir ou complementar-lhes os efeitos (contida / limitada). a) Normas de eficácia relativa complementável (equivalem às limitadas - JAS): ainda não possuem todos os efeitos, pois precisam de lei regulamentadora, não são autoaplicáveis. Possuem aplicabilidade mediata. Ex. Direito de greve do setor público – programático (art. 37, VII); objetivos fundamentais – também programáticos (art. 3º). Mesmo as normas de eficácia limitada produzem algum efeito, ainda que meramente negativo ou mínimo (proibição de contrariedade). b) Normas de eficácia relativa restringível (equivalem às contidas - JAS): também possuem aplicabilidade imediata, ou seja, são autoexecutórias (produzem desde já TODOS os efeitos). Todavia, embora as normas de eficácia contida não precisem de lei regulamentadora, esta, se vier, pode restringirlhes o âmbito de eficácia. Ex. art. 5º, XIII. 1. CONCEITO Poder constituinte é o poder de criar, modificar ou extinguir normas constitucionais ou a própria Constituição. 2. SURGIMENTO TEÓRICO O poder constituinte em si surgiu junto com a primeira Constituição. No entanto, a IDEIA teórica da existência de um poder constituinte foi primeiramente lançada por EMMANUEL JOSEPH SIYÉS, no célebre livreto “O que é o Terceiro Estado”. Nesse opúsculo, escrito às vésperas da Revolução Francesa, o autor defendia que o poder de fazer a Constituição não se confundia com o poder de simplesmente fazer leis. Este é de titularidade do Legislativo, mas aquele seria de titularidade da NAÇÃO. Trata-se da distinção entre os poderes CONSTITUÍDOS (e, por isso, subalternos, limitados) e o poder CONSTITUINTE (por natureza, ilimitado). 3. ESPÉCIES DE MANIFESTAÇÃO DO PODER CONSTITUINTE O poder constituinte pode se manifestar de diversas maneiras; justamente por isso, fala-se em PODER CONS4 J o ã o TITUINTE ORIGINÁRIO (poder de criar a própria Constituição) e PODER CONSTITUINTE DERIVADO (verdadeira decorrência lógica do poder constituinte originário, trata-se da competência dele derivada de modificar, criar ou extinguir normas da Constituição, da maneira apontada pelo constituinte originário). Exatamente por esse caráter derivado é que parcela da doutrina (Michel Temer, Zélio Maia e Ivo Dantas, por exemplo) critica essa nomenclatura, preferindo falar em “competência derivada” ou “poder constituído” ou “poder reformador”. O Poder Constituinte Derivado costuma ser classificado em: derivado REFORMADOR (mudança da Constituição por meio de Emendas Constitucionais), derivado REVISOR (mudança extraordinária, por meio de emendas constitucionais de revisão), derivado DECORRENTE (poder dos Estados de elaborarem suas próprias Constituições) e derivado DIFUSO (poder de modificar o significado das normas constitucionais sem alterar-lhes o texto). 4. PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO É o poder que cria uma nova Constituição, o poder que “constitui a Constituição”. É o poder que põe em vigor uma nova Constituição, seja de maneira propriamente originária (primeira Constituição de um país), seja derrubando o ordenamento constitucional anterior para instituir uma nova Constituição. Tal poder é de manifestação episódica, espasmódica, em momentos de revolução ou ruptura institucional. Titularidade: é do POVO (e não da nação, como na teoria de Siyès). “Povo”, porém, é um conceito jurídico complexo, que abrange não só os atuais viventes, mas também as tradições e valores das gerações passadas e a preocupação com as gerações futuras (é o conjunto dos nacionais, vivos, mortos ou por nascer). Características: o poder constituinte originário é: • INICIAL (institui um novo ordenamento jurídico, uma nova Constituição, derrubando o ordenamento anterior; justamente por isso, não se pode invocar contra o poder constituinte originário direito adquirido); • AUTÔNOMO (define livremente o conteúdo das normas da nova da Constituição; trata-se de uma característica ligada ao aspecto material, de conteúdo – o constituinte originário pode dispor livremente sobre o CONTEÚDO da nova Constituição. Assim, por exemplo, uma nova Constituição poderia prever a instituição da pena de morte para todos os crimes, estabelecer a forma de governo monárquica etc); • INCONDICIONADO (não se submete às normas e condições do ordenamento anterior; trata-se de uma característica ligada à forma – o constituinte originário pode aprovar a nova Constituição da FORMA que quiser); • JURIDICAMENTE ILIMITADO (pode sofrer limitações de ordem social, histórica, política, mas em termos jurídicos não há qualquer limitação – como atesta a jurisprudência do STF; na célebre frase americana, o poder constituinte originário pode tudo, só não pode transformar o homem em mulher e vice-versa). T r i n d a d e Consequências da entrada em vigor de uma nova Constituição: sempre que entra em vigor uma nova Constituição, suscitam-se algumas questões práticas relevantes, relativas à manutenção ou não das normas do ordenamento anterior. • Desconstitucionalização: seria a automática manutenção em vigor das disposições da Constituição antiga (naquilo que não conflitassem com a nova Constituição), só que não mais com o status de normas constitucionais, mas como simples leis ordinárias. A desconstitucionalização é rejeitada pela imensa maioria da doutrina brasileira, que a admite apenas quando expressamente referida pela nova Constituição. Afinal de contas, se foi instituída uma nova Constituição, é porque (presume-se) não se desejam mais as disposições da carta anterior. • Repristinação: é a volta do vigor da lei revogada pela revogação da lei revogadora. Hipoteticamente: a Lei A foi revogada pela Lei B; a repristinação ocorreria se a revogação da Lei B por uma Lei C fizesse com que a Lei A retomasse o vigor, “renascesse”. A repristinação é aceita no Direito brasileiro, desde que seja expressa; é dizer, não se aceita a repristinação tácita. Só se a Lei C expressamente previr a repristinação da Lei A é que esta voltará a vigorar. Nesse sentido, a Lei de Introdução ao Código Civil (LICC: DL 4.657/42) prevê, no art. 2º, §3º, que “Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”. • Recepção: na verdade, o surgimento de uma nova Constituição revoga a Constituição anterior. Com isso, o antigo ordenamento fica “acéfalo”, e todas as normas infraconstitucionais que o compunham perdem o fundamento de validade (a compatibilidade vertical com a Constituição) e deixam de valer. Porém, é muito difícil crer que fosse possível, a cada nova Constituição, refazer todo o ordenamento jurídico (elaborar um novo Código Penal, um novo Código Civil etc.). Por isso – por motivos pragmáticos, de ordem prática, ressalta Kelsen – se reconhece o fenômeno da recepção, por meio do qual continuam a valer (são recepcionadas) as normas INFRACONSTITUCIONAIS do ordenamento anterior E que forem compatíveis com a NOVA Constituição. Na verdade, como bem ressalta Kelsen, não é que as normas continuem a valer, mas sim que elas adquirem um novo fundamento de validade (a nova Constituição). E o que acontece com as normas que não são recepcionadas: são inconstitucionais ou são automaticamente revogadas pela nova Constituição? Trata-se de uma questão polêmica na doutrina, mas o STF tem jurisprudência no sentido de que as normas anteriores não recepcionadas são automaticamente revogadas. O STF não admite, então, a tese da inconstitucionalidade superveniente. Isso, em uma visão sistêmica, tem explicação: para que uma norma seja inconstitucional, é preciso que ela primeiro integre o sistema; as normas não recepcionadas sequer ingressam no novo ordenamento – motivo pelo qual não podem ser consideradas inconstitucionais, mas apenas revogadas. Trata-se, então, de um conflito de normas no tempo, e não de um conflito de hierarquia D i r e i t o entre normas. Esse posicionamento tem relevantes efeitos práticos: entre eles, o de que não cabe Ação Direta de INCONSTITUCIONALIDADE (ADIn – CF, art. 102, I, a) contra lei ou ato normativo anterior à Constituição, pois não haveria inconstitucionalidade, mas mera revogação. No caso, a ação de controle concentrado cabível seria a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental: Lei nº 9.882/1999, art. 4º – princípio da subsidiariedade). Ainda sobre a recepção, é preciso anotar que se cuida de um fenômeno intrinsecamente ligado ao conteúdo: não importa a forma por meio da qual a norma surgiu, mas sim o conteúdo; a forma será adequada à nova Constituição. Assim, por exemplo, o Código Penal foi instituído por um Decreto-Lei, instrumento normativo que não mais existe; porém, o que for compatível com a CF/88 é recepcionado com força de lei ordinária. Da mesma forma, o Código Tributário Nacional foi aprovado – antes da CF de 1988 – como lei ordinária; como a nova Constituição passou a exigir lei COMPLEMENTAR para regulamentar a matéria, o CTN foi recepcionado, mas com força de lei COMPLEMENTAR (tanto que só pode ser alterado por outra lei complementar – aliás, a Súmula Vinculante nº. 8 do STF considera inconstitucionais alguns dispositivos de leis ordinárias justamente por esse motivo: “São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-lei 1.569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário”). 5. PODER CONSTITUITE DERIVADO É decorrência lógica (derivação) do poder constituinte originário – por isso, é CONDICIONADO e juridicamente LIMITADO. Podemos citar como espécies de poder constituinte derivado: o REFORMADOR (competência de modificar normas constitucionais por meio de Emendas Constitucionais), o REVISOR ou REVISIONAL (competência de modificar normas constitucionais, mas por meio de um instrumento extraordinário – as Emendas Constitucionais de Revisão) e o DECORRENTE (poder dos Estados de elaborarem suas próprias Constituições, observados os princípios estabelecidos na Constituição – tal poder é, também, extensível aos Municípios e ao DF, que não possuem Constituição, mas Lei Orgânica)1. A mais moderna doutrina cita também o poder constituinte (derivado) difuso, consistente na possibilidade de alteração do SIGNIFICADO das normas constitucionais, SEM ALTERAÇÃO DO TEXTO (trata-se de um processo informal de mudança da Constituição). Reforma da Constituição: é a alteração (modificação, revogação ou inovação) de normas constitucionais, seja por meio de REFORMA PROPRIAMENTE DITA (Emendas Constitucionais) ou de REVISÃO (Emendas Constitucionais de Revisão). A REFORMA é a manifestação do Poder Constituinte Derivado Reformador, enquanto a REVISÃO é de competência do Poder Constituinte Derivado Revisional ou Revisor. 1 CF, art. 25: “Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”. Art. 11 do ADCT: “Cada Assembleia Legislativa, com poderes constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta. Parágrafo único. Promulgada a Constituição do Estado, caberá à Câmara Municipal, no prazo de seis meses, votar a Lei Orgânica respectiva, em dois turnos de discussão e votação, respeitado o disposto na Constituição Federal e na Constituição Estadual.”. C o n s t i t u c i o n a l 5 • Emendas Constitucionais: são os instrumentos de mudança ORDINÁRIA e COTIDIANA da Constituição. Constituem o instrumento de atuação do Poder Constituinte Derivado Reformador. Este – ao contrário do Poder Constituinte Derivado – é JURIDICAMENTE LIMITADO. Esses limites são instituídos pelo Constituinte Originário, e podem ser classificados em: a) Limitações Procedimentais ou Formais: o procedimento de aprovação das emendas é mais difícil que o de aprovação das leis ordinárias. A iniciativa é apenas de UM TERÇO dos deputados ou senadores ou do Presidente da República ou de mais da metade das Assembleias Estaduais (manifestando-se cada uma pela maioria relativa dos membros); em vez de um turno só, a emenda é submetida a DOIS TURNOS de discussão e votação EM CADA UMA DAS CASAS (Câmara e Senado); e, por fim, o quórum não é de maioria simples nem relativa, mas de 3/5 DOS MEMBROS (ou 60%). b) Limitações Circunstancias: são momentos durante os quais a Constituição não pode ser modificada – durante a vigência de Estado de Defesa, Estado de Sítio ou Intervenção Federal. c) Limitações Temporais: estabelecimento de um prazo durante o qual a Constituição não poderia ser modificada – na Constituição atual, NÃO EXISTEM LIMITAÇÕES TEMPORAIS. d) Limitações Materiais (cláusulas pétreas): são matérias protegidas de certas modificações pela Constituição – também chamadas de “núcleo duro”. As matérias protegidas até podem ser modificadas – para melhor. De acordo com a jurisprudência do STF, pode até haver modificação PARA PIOR, desde que isso não atinja o NÚCLEO ESSENCIAL das cláusulas (ou seja, não pode haver emenda TENDENTE A ABOLIR tais princípios). Existem cláusulas pétreas EXPLÍCITAS (art. 60, §4º: forma federativa de Estado, voto – direto, secreto, universal e periódico –, separação de poderes e direitos e garantias INDIVIDUAIS) e IMPLÍCITAS (as próprias regras relativas à provação de emendas constitucionais e a regra de titularidade do poder constituinte originário – o povo). Perceba-se que as emendas tendentes a abolir as cláusulas pétreas não podem ser colocadas discutidas (não podem ser OBJETO DE DISCUSSÃO). Se o forem, qualquer parlamentar pode impetrar mandado de segurança no STF em defesa do devido processo legislativo e suscitar o controle preventivo judicial de constitucionalidade. Parte da doutrina entende pela inexistência das cláusulas pétreas implícitas: assim, poderia haver uma reforma da própria lista de cláusulas pétreas – trata-se da teoria da DUPLA REVISÃO, que NÃO É ACEITA NO BRASIL. 6 J o ã o Distinções entre reforma e revisão: REFORMA Natureza REVISÃO Mudança EXTRAORDIMudança NÁRIA, APENAS UMA ORDINÁRIA, VEZ (cinco anos após proCOMUM mulgada a Constituição) Instrumento Emendas Constitucionais (EC) Quórum de aprovação 3/5 Turnos de discussão e votação Dois turnos em cada Casa Votação Em duas Casas Emendas Constitucionais de Revisão (ECR) Maioria absoluta Turno único Sessão UNICAMERAL do Congresso Nacional Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II – do Presidente da República; III – de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. § 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. § 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. § 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais. § 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. ADCT, Art. 3º: A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral. 1. ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO A comunicação (tarefa de transmitir a alguém uma mensagem) faz-se por meio de alguns elementos. Vejamos: • Emissor: é quem formula e transmite a mensagem. É aquele que fala, escreve etc. • Receptor: é a quem a mensagem é destinada (o destinatário da mensagem). É aquele que ouve, vê, lê etc. • Mensagem: é o conteúdo a ser transmitido por meio da comunicação. T r i n d a d e • Código: o ideal é que houvesse uma transmissão direta de pensamentos (mensagens). Como isso é impossível, emissor e receptor comunicam-se por meio de um código preestabelecido: o emissor codifica a mensagem e envia ao receptor, que a decodifica. Podemos citar como exemplos de códigos: Língua Portuguesa, linguagem de sinais, código Morse etc. • Toda comunicação (inclusive a normativa) se faz por meio de signos enviados ao receptor por um emissor. Esses signos serão, então, interpretados pelo receptor, de acordo com um determinado código, para que lhes seja atribuído um determinado significado. Temos, então: significante = palavras, sons, imagens (que, em si mesmas, nada dizem); significado = o sentido que o intérprete atribui ao significante, depois de interpretá-lo (ex: cor vermelha no semáforo – significante – corresponde a “pare” - significado). SIGNO = SIGNIFICANTE + SIGNIFICADO. • Percebe-se, então, que a interpretação é a decodificação feita pelo receptor (intérprete) da mensagem enviada pelo emissor. Pode-se fazer uma analogia entre a interpretação e a tradução (é a sugestão do professor Tércio Sampaio Ferraz Jr.). • Na interpretação, o foco é a tarefa (nem sempre fácil) do receptor (intérprete) de decodificar (interpretar) a mensagem. • No caso desse texto, teríamos: emissor – sou eu, professor João Trindade, que emito a mensagem; receptor – é você, leitor; mensagem – é o conteúdo desse livro; código – a Língua Portuguesa escrita. • No caso da interpretação constitucional: emissor – é o constituinte, originário ou derivado; receptor – é o intérprete; mensagem – é o conteúdo da norma; código – é a estrutura da Constituição e a Língua Portuguesa escrita. Outro fator que contribui para essa “margem de dúvida” na interpretação constitucional é o caráter aberto das normas constitucionais. Dessa maneira, tais normas comumente admitem dois ou mais significados possíveis (são signos ambíguos ou equívocos ou plurívocos). Cabe, então, ao intérprete, fixar, com base nos métodos de interpretação constitucional, qual a interpretação que é (mais) adequada. 3. SUJEITOS DA INTERPRETAÇÃO Todos os que vivenciam uma Constituição a interpretam. Eis a lição de Peter Häberle, na célebre obra A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição (tradução de Gilmar Mendes). Porém, à parte essa teoria (que serve de fundamento, por exemplo, para os que defendem a existência de um poder constituinte difuso), pode-se classificar a interpretação quanto ao sujeito que a realiza: Interpretação legislativa ou autêntica: ocorre quando o próprio legislador (no nosso caso, o constituinte, seja ele originário ou derivado) explica o conteúdo de uma norma. Interpretação judicial: decorre da atividade do poder Judiciário – que, hoje em dia se reconhece, exerce uma atividade eminentemente criativa (principalmente na interpretação constitucional); não mais subsiste a ideia de Montesquieu de que o juiz seria apenas “a boca que pronuncia as palavras da lei”. Importante, então, conhecer a jurisprudência (conjunto das repetidas decisões de um tribunal sobre determinada matéria). Aliás, ressalte-se que muitas decisões judiciais do STF possuem força vinculante (ex: decisão final de mérito em ADIn/ADC/ADPF; recurso extraordinário contra decisão em controle abstrato estadual; súmulas de efeitos vinculantes). Interpretação doutrinária: é aquela feita pelos juristas, pelos entendidos em Direito. De suma importância para o estudo do Direito Constitucional. 2. INTERPRETAÇÃO E HERMENÊUTICA 4. MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL Interpretar é atribuir significado a um determinado texto. Os dispositivos constitucionais (texto da Constituição) também necessitam ser interpretados, pois nenhum texto possui significado a priori. É por isso que a moderna doutrina afirma que é o intérprete que constroi a norma. Hermenêutica é o ramo da filosofia que estuda como se dá a interpretação. Então, temos que a interpretação é a atividade; a hermenêutica, o estudo de como essa atividade deve ser levada a cabo. Caráter necessário da interpretação jurídica: as leis e a Constituição são escritas, isto é, compõe-se de signos escritos, que precisam ser decodificados (interpretados). Nesse sentido, todo dispositivo normativo precisa de interpretação; não existe norma que dispense a interpretação. Justamente por isso, a doutrina mais recente critica a expressão latina “in claris cessat interpretatio” (no claro cessa a interpretação), porque até mesmo para se saber que uma regra é clara, é preciso interpretá-la. A interpretação jurídica é, pois, algo imanente ao próprio Direito. Bem se vê que há certa margem de subjetividade na tarefa de interpretar. Por isso, reconhece-se a influência das pré-compreensões do intérprete. É claro que a interpretação sobre o que seja “livre iniciativa” varia entre um intérprete liberal e um comunista. Mas não se pode fugir de um limite: o texto normativo. O que se busca é reduzir, controlar essa margem de subjetividade. São os postulados hermenêuticos para que o intérprete possa fazer uma boa interpretação (ou seja, uma interpretação segura, consistente, constitucionalmente adequada). Esses métodos e postulados geralmente não se excluem, antes se complementam. Aliás, um bom exercício hermenêutico é fazer uma “prova dos nove”: testar mais de um método para saber se é possível chegar a um mesmo significado. Métodos tradicionais ou jurídico-clássicos: foram sistematizados por Savigny para a interpretação das leis em geral, mas também são válidos (com algumas ressalvas) para a interpretação constitucional. De acordo com o que defende Ernst Forsthoff, são os métodos que bastam para interpretar a Constituição, pois esta não difere, na estrutura, de uma lei. A maioria da doutrina, porém, entende que esses métodos – embora úteis – não são suficientes para se interpretar a Constituição. Baseiam-se em alguns outros métodos, quais sejam: • Interpretação gramatical ou literal: cuida-se de apreender o significado da assertiva normativa, ao pé da letra, colhendo apenas o significado das palavras. Não é suficiente para a construção de uma interpretação adequada, mas é imprescindível para fixar os limites dos quais o intérprete não pode se afastar, sob pena de violentar o texto da norma. Ex: o art. 20, IV, determina que são bens da União “as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as D i r e i t o C o n s t i t u c i o n a l 7 que contenham a sede de Municípios”. Nesse caso, é preciso realizar uma interpretação gramatical para fixar que “destas” se refere a “as [ilhas] costeiras”. • Interpretação lógico-sistemática: tem pressuposto a visão da lei como um todo, um conjunto. Assim, não se pode interpretar uma disposição da lei sem ter em mente os demais dispositivos. Deve-se interpretar a lei em conjunto, e não aos pedaços. Ex: de acordo com o art. 12, §3º, alguns cargos são privativos de brasileiros natos. Porém, só tendo lido o §2º do mesmo art. 12 é que se pode saber que esse rol de cargos privativos é exaustivo (não admite ampliação), salvo outra previsão também constitucional. • Interpretação histórica: leva em conta a evolução do sistema normativo para fixar o conteúdo da norma. Por exemplo: a antiga redação do art. 12, §1º, da CF, previa que “aos portugueses (...) serão atribuídos os direitos inerentes aos brasileiros natos”; após a ECR nº 3/94, retirou-se a palavra “natos”, o que sugere, em uma interpretação histórica, que os direitos agora reconhecidos são os de brasileiro naturalizado. • Interpretação teleológica: busca fixar o significado da norma de acordo com a finalidade (telos) que razoavelmente dela se espera. Recaséns Siches dá o exemplo de uma norma alemã que proibia o acesso de cães aos vagões dos trens. Um homem tentou, então, embarcar com um urso (!), alegando que a norma proibia apenas os cães. Por meio de uma interpretação teleológica, porém, fixou-se que, se os cães eram proibidos, com muito mais razão deveria ser vedado acesso de ursos. Métodos específicos da interpretação constitucional: são métodos que não se aplicam às normas jurídicas em geral, mas sim foram desenvolvidos tendo em mente especificamente a interpretação da Constituição, com suas peculiaridades: • Método tópico-problemático: sistematizado por Theodor Viehweg, no livro “Tópica e Jurisprudência”, tal método se baseia no fato de que a interpretação é uma constante resolução de problemas. Isso deve, então, ser feito com base na argumentação, utilizando pontos de vista aceitos pela sociedade (topoi), de modo que a melhor interpretação é aquela que consiga melhor convencer. Esse método, embora tenha seus méritos, é criticado por abrir demais a Constituição, aceitando qualquer significado, desde que haja uma boa argumentação. Vale, então, a ressalva de Inocêncio Mártires Coelho, para quem “processualizada, a lei fundamental apresenta um elevado déficit normativo, pois a pretexto de abertura (...) o que se faz é dissolver a normatividade constitucional na política e na interpretação” 2. • Método hermenêutico-concretizador: tem por 2 Inocêncio Mártires Coelho, Interpretação Constitucional, p. 115. 8 J o ã o base a ideia de que interpretar e aplicar o Direito são uma só tarefa; interpretar é utilizar uma norma geral para resolver um problema específico; é partir do geral e abstrato para o individual e concreto; é, pois, concretizar a norma. Assim, “aplicar o direito significa pensar, conjuntamente, o caso e a lei, de tal maneira que o direito propriamente dito se concretize”3. As duas características básicas desse método são: a) o reconhecimento das pré-compreensões do intérprete, das quais ele parte para concretizar a norma; b) a valorização do caso concreto, atuando o intérprete como um “mediador” entre a norma e o caso concreto, tendo por ambiente os valores sociais. Cabe, então, ao intérprete-concretizador, elaborar um constante “ir-e-vir” (círculo ou espiral hermenêutico) da norma ao fato e do fato à norma, para então concretizar a Constituição. • Método científico-espiritual: elaborado por Rudolf Smend, parte do pressuposto de que a Constituição não se esgota na “letra seca”, mas contém também um espírito, um conjunto de valores que lhe são subjacentes. Cabe ao intérprete, pois, interpretar a Constituição como algo dinâmico, em constante modificação e tendo em vista os valores da sociedade, não se atendo apenas à “lei seca”, mas também ao espírito da Constituição. Tem o inegável mérito de evidenciar a importância dos valores e do “olhar para a sociedade” para interpretar a Constituição. • Método normativo-estruturante: debate sobre a estrutura da norma. Sabe-se que o texto constitucional nada mais é do que um conjunto de signos que, em si, nada significam. A norma é um significado – por isso se diz que só existe norma depois de haver uma interpretação, e que é o intérprete que constrói a norma. Com base nisso, Friedrich Muller enxergou uma diferença entre a norma (significado, resultado da interpretação) e o texto da norma (dispositivo normativo, o ponto de partida): o dispositivo é um dado; a norma, algo construído pelo intérprete. É fundamental para o intérprete, antes de chegar à norma (significado), promover uma integração entre o programa normativo (texto da norma) e o âmbito normativo (o conjunto de fatos com os quais o texto da norma está “envolvido”). 5. PRINCÍPIOS (OU POSTULADOS) DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL São regras básicas a serem observadas pelo intérprete para que possa bem alcançar a tarefa de interpretar as normas constitucionais sem, contudo, violentá-las. Princípio da unidade da Constituição: a Constituição é um todo uno e harmônico; dessa forma deve ser entendida e interpretada. Deve o intérprete, então, analisar a Constituição como um sistema em que todas as normas estão interligadas. Duas consequências importantes advêm desse princípio: 1. não há verdadeiros conflitos entre normas 3 Hans-Georg Gadamer, citado por Inocêncio Mártires Coelho, Obra Citada, p. 116. T r i n d a d e que causará desordem e uma que aumentará a integração social, deve-se, se possível, preferir a segunda. Por exemplo: a Constituição não aborda a questão da punição pelos crimes cometidos durante a ditadura militar e que foram objeto da lei de anistia (os arts. 8º e 9º do ADCT trata apenas da anistia em matéria administrativa). Abrem-se, então, duas possibilidades: a) entender que a CF recepcionou a lei de anistia; ou b) “ressuscitar” a discussão sobre os crimes cometidos durante a ditadura. Obviamente, a primeira opção é mais adequada, pois a segunda causaria conflitos sociais grandiosos – e o fim do Direito é a resolução dos conflitos (e não a criação de outros). Princípio da correção funcional: o intérprete deve interpretar a Constituição de modo a evitar conflitos entre os poderes constituídos; deve buscar realizar o equilibro entre os poderes, nunca a desarmonia institucional. Assim, o STF não pode “aproveitar-se” do poder que detém para dominar os demais poderes, nem pode aceitar a dominação de um por outro. Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade: determinam que a interpretação constitucional deve ser equilibrada, racional, não pode ter por conclusões significados absurdos. Ademais, a restrição a direitos fundamentais deve atender aos parâmetros de adequação entre meios e fins, necessidade da restrição (exigibilidade) e proporcionalidade em sentido estrito. Na célebre síntese de Georg Jellinek, significa que “não se abatem pardais com tiros de canhão”. Dessa forma, o intérprete deve afastar interpretações desequilibradas, e deve interpretar as restrições aos direitos fundamentais sempre de maneira a restringi-los o mínimo possível. Princípio da interpretação conforme a Constituição: sempre que a lei apresentar mais de um significado possível, deve-se preferir aquele que é constitucional, dando à norma uma interpretação conforme a Constituição. Tal princípio é um mandamento de aproveitamento da lei, tentando “salvá-la”, quando possível, da declaração de inconstitucionalidade. Por questões de relevância prática, estudaremos mais profundamente a interpretação conforme a Constituição em tópico separado. constitucionais – essas contradições são apenas aparentes, cabendo ao intérprete harmonizar os diversos dispositivos da Constituição; 2. não há hierarquia entre normas constitucionais originárias, de modo que o Brasil não adota, nesse ponto, a teoria das normas constitucionais inconstitucionais de Otto Bachof (para quem algumas normas constitucionais originárias poderiam ser declaradas inconstitucionais quando em conflito com outras normas, também originárias, só que mais importantes). Assim, por exemplo, o STF aceita a declaração de inconstitucionalidade de norma constitucional oriunda do constituinte derivado, mas não de norma constitucional originária. Princípio da máxima efetividade: as normas constitucionais, por serem mais abertas que as normas jurídicas em geral, comumente são passíveis de mais de uma interpretação. Deve-se, então, preferir a interpretação que mais valorize a eficácia e efetividade da Constituição. Esse princípio é muito importante na interpretação das normas programáticas e das normas definidoras de direitos fundamentais. Assim, por exemplo, o art. 5º, XI, da CF, determina que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. Existem, então, duas interpretações possíveis: uma que dá ao vocábulo “casa” uma interpretação mais restrita (apenas local utilizado para moradia) e outra mais ampla (“casa” é qualquer compartimento habitado em que alguém exerce a privacidade). Deve-se preferir, então, a interpretação mais ampla, pois é a que mais efetividade dá ao direito fundamental previsto na CF. Princípio da força normativa: as normas constitucionais são, antes de mais nada, normas jurídicas. Por isso, possuem uma força obrigatória, a força de mudar os fatos – a força normativa, no dizer de Konrad Hesse. Assim, quando a norma constitucional (dever-ser) apontar uma realidade e os fatos (ser) mostrarem outra situação, deve sempre prevalecer a norma constitucional. Princípio da harmonização ou concordância prática ou cedência recíproca: como os conflitos entre normas constitucionais são apenas aparentes, cabe ao intérprete harmonizar as normas que sejam aparentemente conflitantes. Isso se faz com base na ponderação de valores, percebendo que, no conflito entre duas normas constitucionais, qualquer delas pode prevalecer, o que só se saberá de acordo com o caso concreto. Apesar disso, deve-se sempre buscar a máxima efetividade dos valores em confronto. Esse princípio possui especial relevância no estudo dos conflitos entre direitos fundamentais. Por exemplo: no conflito entre o direito à vida e a liberdade de religião, tanto a vida pode prevalecer, quanto pode a liberdade de religião “ganhar” esse conflito aparente (cedência recíproca) – isso só se resolverá de acordo com o caso concreto. Mas, em qualquer caso, afirmar que “a vida ganha” não significa retirar a validade da liberdade de religião. Princípio do efeito integrador: deve o intérprete preferir a interpretação que causa maior estabilidade social, maior integração política e social. Entre uma interpretação D i r e i t o 6. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO Interpretação conforme a Constituição e declaração de nulidade parcial sem redução de texto: A interpretação conforme a Constituição é uma técnica de controle de constitucionalidade – ou, antes, da própria interpretação constitucional – consistente em, ao fixar os significados atribuíveis a um determinado texto, afastar aqueles incompatíveis com as normas constitucionais. Trata-se de técnica, portanto, intrinsecamente ligada à moderna ideia de abertura do texto constitucional e de diferenciação entre norma (significado) e texto da norma (significante) 4. A interpretação conforme a Constituição tem o claro objetivo de “salvar” da inconstitucionalidade uma norma, cujas disposições possam ser com a norma suprema com4 Porém, como oportunamente nos lembra Inocêncio Mártires Coelho, o Supremo Tribunal Federal já há muito tempo parece adotar tal posição, como é exemplo claro a Súmula nº 400 daquela Corte (editada ainda antes da Constituição de 1988), segundo a qual “Não cabe recurso extraordinário quando a interpretação dada à lei federal seja razoável, ainda que não seja a melhor”. C o n s t i t u c i o n a l 9 patibilizadas. Promove-se uma seleção, dentre os possíveis significados atribuídos a um dispositivo, dos que cumprem as exigências para ingresso no sistema constitucional, de maneira a construir uma norma constitucional (em sentido adjetivo, isto é, uma norma compatível com a Constituição). É, como dissemos, uma técnica de interpretação constitucional, antes mesmo de integrar o hoje bastante amplo repertório instrumental do controle de constitucionalidade. Justamente por isso – e ao contrário da declaração de nulidade parcial sem redução do texto – não se submete à regra de reserva de plenário (full bench) prevista no art. 97 da CF para o controle difuso5 . Ademais, convola-se em um verdadeiro dever do intérprete, servo constante e primeiro da Constituição. Não se confundem a interpretação conforme a Constituição e a declaração de nulidade parcial sem redução de texto: a primeira traz uma declaração de constitucionalidade, enquanto a segunda encerra uma conclusão de inconstitucionalidade; ademais, a primeira se limita a excluir uma possível interpretação inconstitucional conferida ao dispositivo, enquanto a segunda importa em excluir da incidência de determinada norma (isto é, de um determinado significado) um determinado conjunto de fatos ou situações. É o que nos ensina o professor André Ramos Tavares. Sobre o tema, Gilmar Mendes afirma que “Em favor da admissibilidade da interpretação conforme a Constituição milita também a presunção de constitucionalidade da lei, fundada na ideia de que o legislador não poderia ter pretendido votar lei inconstitucional”. Jurisprudência: STF: “INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Competência. Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretação do art. 114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária.” (Pleno, ADIn-MC 3395/DF, Relator Ministro Cezar Peluso). CAPÍTULO XIX SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 1. SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO Supremacia constitucional: a Constituição é a norma fundamental e SUPREMA do ordenamento jurídico. Ocupa o cume do ordenamento, e a ela se submetem todas as demais normas do ordenamento (supremacia formal), pois a Constituição trata dos assuntos centrais da sociedade política estatal (supremacia material). A doutrina reconhece a 5 Gilmar Mendes adverte que “A interpretação conforme a Constituição levava sempre, no direito brasileiro, à declaração de constitucionalidade da lei. Porém, como já se disse, há hipóteses em que esse tipo de interpretação pode levar a uma declaração de inconstitucionalidade sem redução do texto.”. 10 J o ã o supremacia material em todas as Constituições, mas afirma que só existe supremacia formal nas Constituições rígidas (ou, pelo menos, nas partes rígidas das Constituições semirrígidas). 2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE (NOÇÕES BÁSICAS)6 É o mecanismo de controle (verificação) e garantia da compatibilidade vertical entre as fontes normativas infraconstitucionais (normas-objeto) e a Constituição (normaparâmetro). Serve para EVITAR que surjam atos incompatíveis com a Constituição (controle prévio ou preventivo) ou para RETIRAR DO ORDENAMENTO os que tenham nascido com o vício da inconstitucionalidade (controle repressivo). Pressupostos ou requisitos para a existência do controle de constitucionalidade: são a hierarquia do ordenamento jurídico (supremacia da Constituição) e a rigidez constitucional. Só se pode falar em controle de constitucionalidade quando a Constituição possui supremacia formal e rigidez. 3. TEORIA DA INCONSTITUCIONALIDADE Conceito: inconstitucionalidade é a incompatibilidade entre uma norma e a Constituição. Pode atingir tanto uma norma concreta (ato administrativo, contrato) ou uma norma abstrata e geral (lei, emenda constitucional). Duplo sentido da palavra “inconstitucionalidade”: André Ramos Tavares defende, com base em Elival da Silva Ramos, que a expressão “inconstitucionalidade” pode ser empregada em dois sentidos diferentes: a) como um vício, um defeito de um ato que é incompatível com a Constituição; ou b) uma sanção, imposta geralmente pelo Judiciário, que torna nulo o ato defeituoso, retirando-o do ordenamento jurídico. Dessa forma, quando dizemos que “tal lei é inconstitucional”, por considerarmos que ela afronta a Constituição, estamos usando o significado a); ao revés, quando dizemos que “a lei tal foi declarada inconstitucional pelo STF”, fazemos referência ao sentido b). Presunção de constitucionalidade das leis: as leis, como emanam de um poder democraticamente eleito e constitucionalmente regulado (Legislativo) e como passam por um controle prévio de constitucionalidade, devem ser presumidas constitucionais até que haja prova em contrário. Assim, ninguém pode deixar de cumprir uma lei apenas por achá-la inconstitucional. Deve-se buscar os meios judiciais de afastar a aplicação da lei, mas, enquanto isso, ela continuará valendo. De acordo com a jurisprudência do STF, só algumas instituições podem deixar de aplicar uma lei por considerá-la inconstitucional: o Presidente da República 6 Para os candidatos que desejem uma visão mais aprofundada sobre o tema, recomendamos as obras dos professores Pedro Lenza (Direito Constitucional Esquematizado), Gilmar Mendes (Curso de Direito Constitucional), André Ramos Tavares (Curso de Direito Constitucional) e Alexandre de Moraes (Direito Constitucional), todas indicadas no início deste livro. Há também monografias que podem ser utilizadas para concursos, especialmente das carreiras jurídicas: Luís Roberto Barroso (O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, Saraiva, 2008), Marcelo Alexandrino/Vicente Paulo (Controle de Constitucionalidade) e Gilmar Ferreira Mendes (Jurisdição Constitucional). T r i n d a d e b) Inconstitucionalidade por omissão: quando um dos poderes públicos DEIXA DE FAZER algo a que estava obrigado pela Constituição. Ex: Mora (demora) do Congresso em aprovar uma lei para regulamentar uma norma de eficácia limitada (direito de greve do servidor público, por exemplo). Decorre de uma conduta NEGATIVA (o legislador deixa de elaborar uma lei imposta pela Constituição, por exemplo). (embora haja certa controvérsia, essa é a posição que prevalece), o TCU e o Poder Judiciário (no exercício da função típica, isto é, a jurisdicional). Classificação das espécies de inconstitucionalidade: • Quanto à natureza do vício: a) Inconstitucionalidade material: ocorre quando o conteúdo de um ato contraria normas da Constituição. Assim, por exemplo, quando o STF entendeu que o art. 2º, §1º, da Lei nº 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos), ao proibir a progressão de regime, violava o princípio da individualização da pena, considerou-se que tal lei padecia, nessa parte, de inconstitucionalidade MATERIAL (conteúdo). b) Inconstitucionalidade formal: é o desrespeito do ato ao processo legislativo previsto na Constituição, seja quanto a aspectos de iniciativa, competência, trâmite etc. Por exemplo: leis estaduais sobre uso do cinto de segurança nos automóveis declaradas inconstitucionais por se tratar de matéria de competência da União (art. 22, X) – vício de competência; leis de iniciativa do legislativo declarada inconstitucionais por invadirem a iniciativa privativa do Presidente da República (art. 61, §1º) – vício de iniciativa; emenda constitucional declara inconstitucional pelo STF por não ter sido aprovada em dois turnos nas duas Casas (EC 19/98, quanto á nova redação do art. 39) – vício de trâmite. Nesses casos, não se questiona se o conteúdo da lei é bom ou ruim, ou se é compatível com a CF – apenas se analisa se o processo legislativo respeitou o trâmite constitucional. • Quanto ao momento de surgimento (edição) da lei ou ato incompatível: a) Inconstitucionalidade originária: a lei é inconstitucional, pois foi produzida em desacordo com a atual Constituição (a lei já nasceu na vigência da Constituição atual). b) Inconstitucionalidade superveniente: a lei seria inconstitucional se confrontada com a nova Constituição: a lei se tornaria inconstitucional. Como já vimos no capítulo 2 (Poder Constituinte), a jurisprudência do STF NÃO ACEITA A TESE DA INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE, considerando que norma anterior à nova Constituição e com ela incompatível é REVOGADA, e NÃO INCONSTITUCIONAL. Obs.: “Processo de inconstitucionalização” ou “inconstitucionalidade em trânsito”: a doutrina e a jurisprudência do STF admitem a possibilidade de que uma lei, nascida constitucional, venha a tornar-se inconstitucional na vigência de UMA MESMA CONSTITUIÇÃO, mas em virtude de alteração dos fatos sociais ou da interpretação dada à Constituição. Foi o caso, por exemplo, da citada Lei de Crimes Hediondos, que era declarada inconstitucional pelo Supremo, mas depois, com a mudança de entendimento da Corte, passou a ser considerada inconstitucional. Esse processo de “passagem” da lei da constitucionalidade para a inconstitucionalidade é tênue e imperceptível, muitas vezes se falando numa “inconstitucionalidade em trânsito” – uma lei ainda é constitucional, mas caminha para a inconstitucionalidade. É o caso, por exemplo, da Lei Complementar nº 80/94, que prevê prazos especiais para a Defensoria Pública recorrer ou contestar: de acordo com o STF, essa lei ainda é constitucional, mas apenas enquanto as Defensorias não estiverem devidamente estruturadas. Como veremos na parte relativa às decisões em controle de constitucionalidade, essa situação leva, muitas vezes, a uma decisão de “apelo ao legislador” para que evite a inconstitucionalidade. Em uma tabela: Vício O que se analisa Inconstitucionalidade formal Inconstitucionalidade material Forma Conteúdo Fatos (saber se os fatos do pro- Geralmente normas (saber cesso legislativo se o conteúdo normativo é correspondem à compatível com a CF) CF) Parâmetro Normas de prode cesso legislativo Normas de conteúdo controle e competência • Quanto à conduta configuradora: a) Inconstitucionalidade por ação: ocorre quando se edita ou pratica um ato que é contrário à Constituição. EX: quando o Congresso aprova uma lei inconstitucional. Decorre de uma conduta positiva (o legislador FAZ algo). D i r e i t o C o n s t i t u c i o n a l 11 4. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE (ASPECTOS GERAIS) Classificação básica: • Quanto à natureza do órgão de controle: controle político (Congresso Nacional e Presidente da República) ou jurisdicional (STF exerce o controle concentrado em face da Constituição Federal; TJ’s exercem o controle concentrado em face da Constituição Estadual; qualquer juiz ou tribunal pode exercer o controle difuso). • Quanto ao momento: controle prévio (preventivo, antes do surgimento da lei) ou repressivo (quando a lei ou ato já existe). Geralmente o controle prévio é político (CCJ da Câmara e do Senado e veto político do Presidente da República) e o controle repressivo é jurisdicional (poder Judiciário, por meio do controle difuso ou concentrado). Porém, há hipótese de controle prévio e jurisdicional (STF, quando julga mandado de segurança impetrado por parlamentar em defesa do devido processo legislativo constitucional) e de controle repressivo político (suspensão dos efeitos da lei por Resolução do Senado Federal – art. 52, X). • Quanto ao modo de exercício (quanto à competência): o controle jurisdicional pode se dividir em: a) controle difuso (pode ser realizado por qualquer juiz ou tribunal) ou concentrado (somente pode ser realizado por um órgão específico, por meio das chamadas ações diretas – no caso brasileiro, esse órgão é o STF). • Quanto ao objeto do controle: controle abstrato (analisa-se a compatbilidade ou não entre uma norma em tese – a lei “em si” – e a Constituição, sem levar em conta um caso determinado) ou concreto (quando se tem em mente um determinado ato concreto, resolve-se o conflito entre a lei e a Constituição para aquele caso concreto, ou ainda quando se analisa a compatibilidade entre um ato concreto – não normativo, como um decreto de aposentadoria – e a Constituição). • Quanto à forma: incidental (secundário) ou principal. No controle principal, o pedido da ação é a declaração de inconstitucionalidade da lei; no controle incidental (também impropriamente chamado controle “por via de defesa”), o pedido principal é outro, mas apenas como argumento (isto é, de maneira secundária, acessória, incidental) se questiona a constitucionalidade de uma lei. Assim, quando um partido político ingressa com uma ação no STF para que a Lei A seja declarada inconstitucional, temos controle principal (pricipaliter); quando alguém alega a inconstitucionalidade de uma lei que instituiu um tributo para poder reaver o que pagou, o pedido principal é a repetição do indébito (devolução do que foi pago indevidamente), e apenas de maneira incidental (questão prejudicial) se alega a inconstitucionalidade da referida lei. No Brasil, o controle principal é exercido de forma concentrada, enquanto o controle incidental deve ser suscitado pela via do controle difuso. Estudaremos melhor essa questão. 12 J o ã o Sistema brasileiro de controle: controle misto (difuso e concentrado). Nas provas de concursos (principalmente os que não são para cargos privativos de bacharel em Direito), as expressões “controle concentrado” e “controle abstrato” podem ser tomadas como sinônimas, assim como as expressões “controle difuso” e “controle concreto”. Controle concentrado é aquele que só pode ser realizado por um órgão (o STF), quando se analisa a constitucionalidade ou não da lei em tese (sem ter em vista um caso concreto específico) – nesse caso, a decisão tem efeitos erga omnes (contra todos, atingindo mesmo quem não foi parte na controvérsia) e vinculantes (todos são obrigados a seguir o entendimento do STF). Já no controle difuso, que pode ser realizado por qualquer juiz ou tribunal, analisa-se a constitucionalidade da lei tendo em vista um determinado caso concreto, mas a decisão tem efeitos apenas entre as partes. Perceba-se que controle difuso e controle concreto são conceitos diferentes, assim como controle concentrado e abstrato. Geralmente, o controle concentrado é abstrato e o difuso é concreto, mas há uma hipótese de controle concentrado e concreto (ADPF principal, como veremos). Mas, repita-se, a maioria das provas de concursos toma como sinônimos: controle concentrado/abstrato, de um lado, e controle concreto/difuso do outro. 5. DISTINÇÕES ENTRE CONTROLE DIFUSO E CONCENTRADO Controle difuso (sistema americano): foi o primeiro a surgir, na decisão do Chief Justice Jonh Marshall, no famoso caso Marbury vs. Madison (julgado em 1803 pela Suprema Corte americana – ver comentários à parte histórica). No voto, Marshall defendeu que, embora não houvesse qualquer norma expressa na Constituição Americana que autorizasse a revisão judicial ( judicial review) dos atos do Legislativo, a supremacia da Constituição impunha ao juiz que deixasse de aplicar qualquer lei que confrontasse a Constituição. Para evitar uma maior perplexidade e um confronto entre os poderes, porém, Marshall advertiu que a decisão de inconstitucionalidade: a) poderia ser tomada por qualquer juiz ou tribunal, e não só pela Suprema Corte; b) produziria efeitos apenas entre as partes e naquele processo específico (efeitos inter partes), não atingindo terceiros que não tivesse sido parte na controvérsia; c) a decisão poderia ser tomada em qualquer processo, desde que a parte alegasse de maneira incidental a inconstitucionalidade e/ou o juiz percebesse que não poderia aplicar a lei, por se tratar de norma conflitante com a Constituição. Esse sistema se difundiu pelo mundo, e ainda hoje é adotado por EUA, Japão, Austrália, entre outros países. Controle concentrado (sistema austríaco): Kelsen observou, quando da discussão para a elaboração da Constituição Austríaca de 1920, que o sistema difuso americano gerava muita insegurança jurídica, pois qualquer juiz poderia deixar de aplicar uma lei por reputá-la inconstitucional. Pensava o ilustre jurista que tal sistema só tivera êxito nos países de matriz anglo-saxônica porque neles o sistema da Common Law (Direito Comum) se baseava no estrito respeito aos precedentes (stare decisis), de modo que uma T r i n d a d e decisão para um caso concreto terminava por ser aplicada em todos os outros casos. Nos países da chamada “Europa Continental”, porém, o sistema da Civil Law (Direito Legislado) não impunha a obrigatoriedade da jurisprudência, o que terminaria por causar um caos jurídico (vários juízes tomariam decisões diferentes nas mesmas situações). Por fim, a impossibilidade de se atacar diretamente uma lei (no sistema americano só se aceitava suscitar a questão de inconstitucionalidade de maneira incidental, lembre-se) deveria ser afastado. Assim, Kelsen propôs um sistema em que: a) fosse criado um órgão especificamente para realizar o controle de constitucionalidade, com exclusão de todos os demais órgãos do Judiciário (Corte Constitucional ou Tribunal Constitucional, que exerceria o controle de maneira concentrada); b) as causas submetidas a esse órgão poderiam questionar, como objeto principal e único, a constitucionalidade da lei (controle principal); c) as decisões do Tribunal Constitucional teriam efeitos para todos (erga omnes), atingindo mesmo quem não tivesse sido parte no processo; d) nem todos poderiam questionar a constitucionalidade perante o Tribunal Constitucional, pois, caso contrário, tornar-se-ia inviável o trabalho da Corte. Esse sistema é adotado em vários países, na Europa e fora desse continente, como Alemanha, Espanha, Itália etc. 6. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO MUNDO7 Antecedentes: • Grécia Antiga (Atenas): hierarquia entre lei (nómos) e decreto (pséfisma); “Não é permitido apresentar uma lei que conflite com as leis existentes, e se alguém, tendo anulado uma lei existente, propuser uma nova lei não vantajosa ao povo ateniense ou que conflite com qualquer das leis existentes, contra essa pessoa podem ser feitas acusações, de acordo com a lei existente, relativa ao propositor de uma lei inadequada” (Demóstenes); “Nenhum decreto do Conselho ou da assembleia deve prevalecer sobre uma lei. Não é permitido fazer uma lei para um indivíduo se ela não se estender a todos os cidadãos atenienses e se não for votada por seis mil pessoas, por voto secreto” (Andócides). • Idade Média: alguns autores já defendiam a superioridade do Direito Natural sobre o Direito Comum (legislado). • Inglaterra: defendia-se a superioridade do Common Law (Direito Comum Jurisprudencial e costumeiro) sobre o Statute Law (Direito Legislado) (o principal defensor dessa tese foi o Sir Edward Coke, no célebre Dr. Bonham’s Case – 1610) * Em um quadro comparativo: Sistema Difuso Surgimento do controle político: • Revoluções Liberais e parlamentarismo: o Parlamento Inglês (Câmara dos Lordes e Câmara dos Comuns) passou, após a Revolução Gloriosa, a possuir supremacia no sistema de governo inglês; essa supremacia do Parlamento e a inexistência de uma Constituição escrita e rígida impediu a Inglaterra de instituir um verdadeiro controle de constitucionalidade das leis (Blackstone: “The power of the Parliament is absolute and without control”). Sistema Concentrado “Criador” ou sisMarshall tematizador Kelsen Ano de “criação” 1803 1920/1929 “Surgimento” Decisão da Suprema Corte no caso Marbury versus Madison Promulgação das Constituições Austríacas de 1920 e 1929 Local de “nasci- Estados Unidos da Áustria mento” América Surgimento do controle jurisdicional (difuso): • EUA: Suprema Corte e Supremacia Constitucional. • Caso Marbury vs. Madison: a) Antecedentes: nos escritos federalistas (anteriores à Constituição), já havia artigos defendendo a possibilidade da judicial review. b) Decisão da Suprema Corte (Chief Justice Marshall): declaração de inconstitucionalidade da lei de organização judiciária; não conhecimento do writ of mandamus impetrado por Marbury; reconhecimento da supremacia da Constituição e do dever de todos os juízes (controle difuso) de, em caso de conflito, dar preferência à Carta Magna; postulado da nulidade da lei inconstitucional. • Instituição do judicial review (revisão judicial ou controle jurisdicional). Competência para declarar Qualquer juiz ou tri- Só do Tribunal a inconstitucio- bunal Constitucional nalidade Modo de suscitar Incidental o controle Principal Legitimidade para suscitar o Qualquer pessoa controle Somente alguns órgãos ou entidades legitimados Efeitos da decisão de inconstitucionalidade Inter partes Erga omnes (para to(apenas entre quem dos, mesmo quem não foi parte no procesfoi parte no processo) so) Efeitos da deci- Ex Nunc (de agora Ex Tunc (retroativos) são (em geral) em diante) Qualquer ação, desTipo de ação que de que a questão de pode ser usada constitucionalidade para suscitar o surja de maneira incontrole cidental Somente as ações típicas do controle concentrado (no caso, brasileiro, a ADIn, a ADC e a ADPF) D i r e i t o 7 Cf. Mauro Cappelletti, Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1993. C o n s t i t u c i o n a l 13 • Caso McCulloch vs. Maryland (1819): declaração de constitucionalidade de uma lei federal. • Caso Dred Scott vs. Sandford (1857): primeira declaração de inconstitucionalidade depois de 1803; a título de curiosidade, a consequência principal dessa decisão foi a Guerra Civil (Secessão). Surgimento do controle concentrado (e abstrato): • Carl Schmitt: entendia que o defensor da Constituição deve ser o Presidente do Reich (Fuhrer) – pois só ele detém a legitimidade pela eleição. • Hans Kelsen: crítica à teoria de Schmitt; defendia a instituição de um tribunal (fora da tradicional estrutura dos três poderes) para analisar questões Constitucionais, de forma exclusiva (Tribunal Constitucional ou Corte Constitucional). • O Tribunal Constitucional deve atuar como legislador negativo (Kelsen), apenas retirando do ordenamento as normas inconstitucionais. • Adoção do modelo concentrado na Constituição Austríaca de 1920 (e na Emenda de 1929). • Instituição das Ações Direitas, do Incidente de Inconstitucionalidade e do Recurso Constitucional (verfassungsberschwerden). Constituição de 1967/1969: não trouxe (ou trouxeram) grandes inovações, a não ser a previsão expressa de concessão de liminar em sede de controle concentrado. Constituição de 1988: trouxe profundas mudanças para o controle de constitucionalidade brasileiro, entre elas: a) ampliação do rol de legitimados a suscitar o controle concentrado perante o STF; b) criação de outros institutos do controle concentrado, como a Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e a Ação Declaratória de Constitucionalidade (essa incluída pela EC nº 3); c) criação de outros instrumentos que permitem o controle difuso, como o mandado de injunção, por exemplo; d) as Leis nº 9.868/99 e 9.882/99 regulamentaram, respectivamente, o processo da ADIn/ADC e da ADPF ; e) com a reforma do Judiciário (EC 45/04) foram trazidas mais algumas novidades, como as súmulas de efeitos vinculantes. 7. BREVÍSSIMO HISTÓRICO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADIN): regulamentada pela Lei nº 9.868/99, tem por objetivo a declaração de INCONSTITUCIONALIDADE, com efeitos erga omnes e vinculantes, de lei ou ato normativo a) Objeto: leis ou atos normativos federais ou estaduais contestados em face da Constituição Federal (controle abstrato). De acordo com a jurisprudência do STF, não cabe ADIn: 1) contra lei municipal (nem contra lei do DF no uso da competência municipal: Súmula nº 642: “Não cabe ação direta de inconstitucionalidade de lei do Distrito Federal derivada da sua competência legislativa municipal”); 2) contra lei anterior à Constituição (pois se trata de revogação e não de inconstitucionalidade); 3) contra medida provisória convertida em lei no curso da ADIn; 4) contra lei revogada (ver comentários abaixo); 5) contra ato administrativo de efeitos não normativos (efeitos concretos); 6) contra Medida Provisória rejeitada ou tida por prejudicada; 7) contra ato que ainda não existe no mundo jurídico (ADIn 466), como projeto de lei, proposta de emenda à Constituição, lei sancionada mas ainda não promulgada etc; 8) contra normas constitucionais originárias; 9) contra decretos regulamentares que eventualmente violem a lei que buscam regulamentar, pois, embora sejam atos normativos, eventual violação da Constituição passa primeiro por uma violação da lei (seria uma questão mais de ilegalidade do que de incostitucionalidade). Jurisprudência: STF: “a superveniente revogação da norma impugnada na via do controle concentrado traz situação de prejudicialidade ao exame da ação direta de Constituição de 1824: não previa um sistema de controle de constitucionalidade. Constituição de 1891: por influência dos EUA, adotou-se o sistema de controle difuso. Constituição de 1934: manteve o sistema difuso, mas acrescentou a cláusula de reserva de plenário (que adiante estudaremos) e previu a possibilidade de o Senado emprestar efeitos erga omnes à decisão definitiva do STF sobre a inconstitucionalidade de uma lei. Ademais, essa Constituição incluiu a primeira ação de controle concentrado no Brasil: a ação direta de inconstitucionalidade interventiva (para fins de intervenção federal). Constituição de 1937: manteve, em linhas gerais, o sistema de controle. Porém, de acordo com a doutrina, trouxe “um verdadeiro retrocesso no sistema de controle de constitucionalidade, (...) consagrando (...) princípio segundo o qual, no caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou à defesa do interesse nacional de alta monta, poderia o Chefe do Executivo submetê-la novamente ao Parlamento. Confirmada a validade da lei por 2/3 de votos em cada uma das Câmaras, tornava-se insubsistente a decisão do Tribunal”8 . Constituição de 1946: na redação original, apenas retomou, com aperfeiçoamentos, as características trazidas pela Constituição de 1934. Porém, a EC 16, de 1965, instituiu entre nós o controle abstrato, ao prever a Representação de Inconstitucionalidade, ação direta a ser julgada pelo STF, com efeitos erga omnes, e de iniciativa apenas do Procurador-Geral da República. 8 Gilmar Ferreira Mendes, Curso de Direito Constitucional, p. 987. 14 J o ã o 8. INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE CONTROLE CONCENTRADO (ADIN, ADC E ADPF) Instrumentos processuais de controle concentrado de constitucionalidade (competência exclusiva do STF): são as ações diretas, que só podem ser analisadas pelo Supremo. T r i n d a d e inconstitucionalidade. Em sentido contrário, a decisão que afirma a constitucionalidade da norma ou que indefere o pedido de declaração de sua inconstitucionalidade também não será objeto de reexame em outra ação direta de inconstitucionalidade em que se discute norma de idêntico teor. Do que se conclui que essa matéria já foi objeto de análise e julgamento deste Supremo Tribunal Federal, que decidiu pela constitucionalidade da norma; e, por óbvio, tem-se situação de perda do objeto da presente ação direta de inconstitucionalidade, com a consequente prejudicialidade do pedido.” (ADI 1.633, voto da Min. Cármen Lúcia, julgamento em 17-5-07, DJ de 30-1107). STF: “Constituição. Lei anterior que a contrarie. Revogação. Inconstitucionalidade superveniente. Impossibilidade. A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando fiel à Constituição; inconstitucional na medida em que a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária.” (ADI 2, Rel. Min. Paulo Brossard, julgamento em 6-2-92, DJ de 21-11-97). STF: “Estão sujeitos ao controle de constitucionalidade concentrado os atos normativos, expressões da função normativa, cujas espécies compreendem a função regulamentar (do Executivo), a função regimental (do Judiciário) e a função legislativa (do Legislativo). Os decretos que veiculam ato normativo também devem sujeitar-se ao controle de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal. O Poder Legislativo não detém o monopólio da função normativa, mas apenas de uma parcela dela, a função legislativa.” (ADI 2.950-AgR, Rel. p/ o ac. Min. Eros Grau, julgamento em 6-10-04, DJ de 9-2-07). Embora ainda subsista a linha jurisprudencial que impede o conhecimento de ADIn contra norma revogada, o STF recentemente relativizou essa tese: “o Tribunal acolheu a questão de ordem, suscitada pelo relator, no sentido de afastar a prejudicialidade da ação, ao fundamento de que a revogação da lei impugnada pela Lei estadual 1.950/2008, quando já em pauta as ações D i r e i t o diretas, não subtrairia à Corte a competência para examinar a constitucionalidade da norma até então vigente e as suas consequências.” (Informativo nº 515/2008). Obs.: o STF entendia não caber ADIn contra lei de efeitos concretos (lei orçamentária, por exemplo), mas esse entendimento MUDOU já em 2008, de modo que, hoje, entende-se caber ADIn contra qualquer lei federal, ainda que de efeitos concretos. STF: “Controle abstrato de constitucionalidade de normas orçamentárias. Revisão de jurisprudência. O Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade.” (ADI 4.048-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14-5-08, DJE de 22-8-08). IMPORTANTE: nos processos de controle concentrado (ADIn, ADC e ADPF), o STF não está vinculado à causa de pedir (fundamentação jurídica e fática do pedido), mas apenas (e relativamente) ao pedido. Logo, se alguém questiona a constitucionalidade de uma lei com base em determinado argumento, mas o STF entende que o ato é realmente inconstitucional, só que por outro motivo, pode declarar a inconstitucionalidade da lei. Diz-se, por isso, que na ADIn a causa de pedir é aberta. b) Legitimação: art. 103 da CF: Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) Rol de legitimados: enquanto, no controle difuso, qualquer pessoa pode suscitar a inconstitucionalidade de uma lei, no controle concentrado o rol numerus clausus (fechado, taxativo) é previsto no art. 103 da CF. Ocorre que o processo de controle concentrado é um PROCESSO OBJETIVO, em que o legitimado atua não em defesa de interesse próprio (subjetivo), mas sim no interesse de proteger o próprio sistema jurídico. Apesar disso, o STF reconhece que, ao lado de legitimados universais (que podem propor ADIn contra qualquer lei em que essa ação seja cabível), C o n s t i t u c i o n a l 15 alguns legitimados devem comprovar a PERTINÊNCIA TEMÁTICA, ou seja, precisam demonstrar que têm interesse na declaração de inconstitucionalidade. STF: “Não se discutem situações individuais no âmbito do controle abstrato de normas, precisamente em face do caráter objetivo de que se reveste o processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade.” (ADI 1.254-MC-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 14-8-96, DJ de 19-9-97); “O requisito da pertinência temática — que se traduz na relação de congruência que necessariamente deve existir entre os objetivos estatutários ou as finalidades institucionais da entidade autora e o conteúdo material da norma questionada em sede de controle abstrato — foi erigido à condição de pressuposto qualificador da própria legitimidade ativa ad causam para efeito de instauração do processo objetivo de fiscalização concentrada de constitucionalidade.” (ADI 1.157-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-1294, DJ de 17-11-06). Obs.: em virtude de se tratar de um processo OBJETIVO, o legitimado não pode dispor da ação, depois de manejá-la. Em outras palavras: NÃO SE ADMITE DESISTÊNCIA DA ADIN. É a previsão do art. 5º da Lei nº 9.868/99. Jurisprudência: STF: “O princípio da indisponibilidade, que rege o processo de controle concentrado de constitucionalidade, impede a desistência da ação direta já ajuizada.” (ADI 387-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-3-91, DJ de 11-10-91) I – o Presidente da República; Legitimado universal. II – a Mesa do Senado Federal; III – a Mesa da Câmara dos Deputados; Legitimados universais. Perceba-se, com Pedro Lenza, que a Mesa do Congresso Nacional (art. 57, §5º) não é legitimada, mas apenas as Mesas de cada Casa isoladamente. IV-a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) Legitimados restritos ou especiais (precisam demonstrar a relação de pertinência temática). Perceba-se que ambos os legitimados também têm, de acordo com o STF, capacidade postulatória excepcional, de modo que não precisam estar representados por advogado. VI – o Procurador-Geral da República; Legitimado universal. VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Legitimado universal. VIII – partido político com representação no Congresso Nacional; 16 J o ã o Legitimado universal. De acordo com o STF, a ação pode ser movida por determinação do presidente do partido, não se fazendo necessária a aprovação do Diretório Nacional. Porém, é preciso que o partido atue representado por advogado. O partido deve ter representação no Congresso (um Deputado ou um Senador) e, segundo a jurisprudência atual do STF, a perda superveniente de representação não afeta a legitimidade, ou seja, mesmo que o partido perca o único representante, a ação prossegue, se havia a representação no momento em que a ação foi proposta (o STF adota, nesse caso, a teoria da asserção, em que as condições da ação devem ser verificadas no momento da propositura da ação). Jurisprudência: STF: “Partido político. Legitimidade ativa. Aferição no momento da sua propositura. Perda superveniente de representação parlamentar. Não desqualificação para permanecer no polo ativo da relação processual. Objetividade e indisponibilidade da ação.” (ADI 2.618-AgR-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 12-8-04, DJ de 31-3-06). Essa é a posição atual do Tribunal, embora já tenha sido adotado, antes, entendimento diverso. IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. Legitimados restritos (precisam demonstrar a relação de pertinência temática). A legitimação dessas pessoas é um dos temas mais controversos na jurisprudência do STF. De início, ressalte-se que a entidade de classe de âmbito nacional é “é apenas a associação de pessoas que em essência representa o interesse comum de determinada categoria” (ex: Federação Nacional de Produtores de Cachaça de Alambique – FENACA). Inicialmente, o STF não reconhecia legitimidade às “associações de associações” (associações formadas por pessoas jurídicas), mas mudou essa linha em 2004. Quanto ao caráter nacional, é preciso que a entidade reúna representantes de pelo menos 9 Estados da Federação (por aplicação analógica da Lei Orgânica dos Partidos Políticos). Quanto às Confederações Sindicais (Confederação Nacional dos Trabalhadores de Saúde, por exemplo), excluem-se as centrais sindicais (CUT, CGT, Força Sindical), as federações (admitem-se apenas as CONFEDERAÇÕES) e os sindicatos isoladamente, ainda que de âmbito nacional. Jurisprudência: STF: “A legitimidade ativa da confederação sindical, entidade de classe de âmbito nacional, Mesas das Assembleias Legislativas e Governadores, para a ação direta de inconstitucionalidade, vincula-se ao objeto da ação, pelo que deve haver pertinência da norma impugnada com os objetivos do autor da ação. Precedentes do STF: ADI 305 (RTJ 153/428); ADI 1.151 (DJ de 19-5-95); ADI 1.096 (LEX-JSTF, 211/54); ADI 1.519, julg. em 6-11-96; ADI 1.464, DJ 13-12-96. Inocorrência, no caso, de pertinência das normas impugnadas com os objetivos da entidade de classe autora da ação direta).” (ADI 1.507-MCAgR, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 3-2-97, DJ de 6-6-97). STF: “Central Única dos Trabalhadores (CUT). Falta de legitimação ativa. Sendo que a autora constituída por pessoas jurídicas de natureza vária, e que representam categorias profissionais diversas, não se enquadra ela na expressão — entidade de classe de âmbito nacional —, a que alude o artigo 103 da Constituição, contrapondo-se às confederações sindicais, porquanto não é uma entidade que congregue os integrantes de uma determinada atividade ou T r i n d a d e categoria profissional ou econômica, e que, portanto, represente, em âmbito nacional, uma classe. Por outro lado, não é a autora — e nem ela própria se enquadra nesta qualificação — uma confederação sindical, tipo de associação sindical de grau superior devidamente previsto em lei (CLT artigos 533 e 535), o qual ocupa o cimo da hierarquia de nossa estrutura sindical e ao qual inequivocamente alude a primeira parte do inciso IX do artigo 103 da Constituição.” (ADI 271, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 6-9-01). mesma sessão ou em mais de uma – em qualquer caso, se não houver pelo menos seis votos, não há ainda nenhuma decisão; medida cautelar – é possível ao STF conceder liminar para suspender os efeitos da lei, enquanto não se julga o mérito da ADIn. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO (ADIn por omissão): ao lado da ADIn dita “genérica” (para combater inconstitucionalidade por ação), a Constituição de 1988, inspirada na Constituição Portuguesa, tratou de uma ação para combater a inconstitucionalidade por omissão. O art. 103, §2º, da CF determina que “Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias”. Na verdade, o que diferencia a ADIn por omissão da ADIn genérica é o objeto (omissão ou ação) e os efeitos da decisão (que serão analisados em tópico apropriado). Desde já se registre que a decisão em ADIn por omissão tem natureza híbrida: mandamental para a Administração, meramente declaratória para o Legislativo (princípio da separação de poderes). O procedimento da ADIn por omissão é praticamente igual ao da ADIn genérica, com a importante diferença de que, de acordo com o STF, na ADIn por omissão não é necessária a citação do AGU. Ademais, não é cabível a concessão de liminar, por incompatível com a própria ideia de omissão. Não há que se confundir a ADIn por omissão com o Mandado de Injunção. Sintetizemos em um quadro as principais diferenças e semelhanças entre os dois institutos, tendo em vista a mudança de jurisprudência do STF quanto aos efeitos do MI: STF: “ADIn: legitimidade ativa: ‘entidade de classe de âmbito nacional’ (art. 103, IX, CF): compreensão da ‘associação de associações’ de classe. Ao julgar, a ADIn 3153-AgR, 12-8-04, Pertence, Inf STF 356, o plenário do Supremo Tribunal abandonou o entendimento que excluía as entidades de classe de segundo grau — as chamadas ‘associações de associações’ — do rol dos legitimados à ação direta. ADIn: pertinência temática. Presença da relação de pertinência temática, pois o pagamento da contribuição criada pela norma impugnada incide sobre as empresas cujos interesses, a teor do seu ato constitutivo, a requerente se destina a defender.” (ADI 15, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 14-6-07, DJ de 31-8-07). c) Efeitos da decisão: vinculantes e erga omnes e em regra ex tunc (retroativos). Ver, adiante, tópico específico. d) Notas sobre o procedimento: competência para o julgamento – é do Plenário do STF; petição inicial – deve ser apresentada em DUAS VIAS (não é necessária a terceira via por não haver propriamente um polo passivo, um “réu”); Procurador-Geral da República – intervém como custos legis (fiscal da lei), exarando parecer sobre a inconstitucionalidade ou não da lei, mesmo que tenha sido a ação proposta por ele; Advogado-Geral da União – deve ser citado para defender a lei (atua como defensor legis), ainda que intimamente esteja convencido do contrário (trata-se de um dever constitucional, que, segundo o STF, só é dispensado quando o próprio tribunal já tenha declarado inconstitucional outra lei com o mesmo conteúdo, pois não se pode obrigar o AGU a “defender o indefensável”); intervenção de terceiros – não é admitida, por se tratar de processo objetivo; intervenção do amicus curiae – é admitida, para prestar esclarecimentos à Corte, seja por meio de memoriais escritos ou de sustentação oral (amicus curiae é uma figura do processo nos países anglosaxônicos, um amigo da Corte, pessoas físicas ou jurídicas que podem esclarecer a Corte sobre determinado assunto relevante – são os experts, como os pesquisadores que foram ouvidos quanto à possibilidade de pesquisa com células-tronco); quórum para início da sessão de julgamento – pelo menos OITO MINISTROS devem estar presentes; quórum para a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade – somente se chegará a uma decisão se houver SEIS VOTOS, seja no sentido da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade da lei, sejam os votos colhidos em uma D i r e i t o ADIn por omissão Natureza da ação Mandado de Injunção Ação de controle Ação de controle difuso concentrado (remédio constitucional) Objeto Omissão na regulamentação administrativa ou legislativa de qualquer norma constitucional Omissão na regulamentação administrativa ou legislativa de uma norma constitucional, conduta essa que torna inviável o exercício de um direito ou prerrogativa (STF ou STJ) Competência STF Depende da autoridade que tem o dever de regulamentar Legitimados do Qualquer pessoa prejudiLegitimidade art.103 (mesmos da cada pela omissão ADIn genérica) C Efeitos da decisão Mandamentais apenas para a Administração; meramente declaratórios para o Legislativo Natureza do processo Objetivo (em defesa Subjetivo (em defesa de do ordenamento direito ou interesse pessojurídico) al do impetrante) o n s t i t u c i o n a l Mandamentais (sentença aditiva) 17 AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE (ADC OU ADECON): incluída pela EC nº 3/94 e também regulamentada pela Lei nº 9.868/99. a) Objeto: leis ou atos normativos federais (controle abstrato). É certo que as leis têm presunção de constitucionalidade. Porém, muitas vezes a proliferação de decisões de inconstitucionalidade em controle difuso termina por constituir uma grave ameaça à força da lei, caracterizando o que Gilmar Mendes denomina de “guerra de liminares”. Nesses casos, é preciso – argumenta-se – existir um instrumento processual que permita ao STF dar uma resposta definitiva à questão. Veja-se: se o objetivo do legitimado é que a lei seja declarada inconstitucional, ajuizará uma ADIn; se, porém, o autor da ação defende que a lei é constitucional, deverá ajuizar uma ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade). Note-se que a ADC não constava do sistema de controle concentrado original da CF, mas foi incluída pela EC 3/94. b) Legitimação: atualmente, são legitimados para propor ADC os mesmos que podem propor ADIn (art. 103 da CF), em virtude da modificação trazida pela EC 45/04. c) Efeitos: vinculantes e erga omnes e em regra ex tunc (retroativos). Observação: ADIn e ADC têm efeito dúplice (ADIn procedente = ADC improcedente; ADC procedente = ADIn improcedente). d) Condição especial da ação na ADC: é preciso, na petição inicial da ADC, demonstrar “a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória” (Lei nº 9.868/99, art. 14, III). e) Notas sobre o procedimento: o procedimento é muito semelhante ao da ADIn. É preciso notar, no entanto, que na ADC não há citação do AGU para defender a constitucionalidade da lei, simplesmente porque na ADC, se argumenta justamente pela CONSTITUCIONALIDADE da lei. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF): regulamentada pela Lei nº 9.882/99. Foi prevista na Constituição de 1988 no antigo art. 102, parágrafo único, depois renumerado para §1º De acordo com esse dispositivo, “A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei”. É de se notar que a CF não delimitou qual seria o objeto da ADPF. Com base nessa indefinição, os professores Gilmar Mendes e Celso Bastos idealizaram-na como instrumento para preencher as lacunas do controle concentrado brasileiro. Assim, como vimos, não se pode mover ADIn (na esfera federal) contra lei muncipal, de modo que, para impugnar esse tipo de norma, somente 18 J o ã o restava o controle difuso. Em 1999, foi promulgada a Lei nº 9.882/99, que dispõe sobre a ADPF e prevê regras materiais e processuais a respeito desse instituto. ADPF e Direito Comparado: a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, nos termos definidos pela Lei 9882/99, teve nítida inspiração nos institutos do Juicio de Amparo dos países hispânicos9 e no Verfassungsbeschwerde alemão. Nos três casos, existe o recurso ao Tribunal Constitucional para evitar ou reparar lesão ou ameaça de lesão, por parte do Poder Público, de direitos fundamentais. Os lineamentos principais dos institutos são semelhentíssimos: desde a competência para apreciação do processo até o trâmite e os objetivos. Uma das pouquíssimas diferenças é exatamente a questão da legitimidade ativa. O Juicio de Amparo refere-se à proteção dos direitos fundamentais lesados ou ameaçados de lesão por ato do Poder Público ou mesmo de particular (abarca, portanto, algumas das funções para as quais é usado nosso mandado de segurança). É julgado de maneira concentrada pelo Tribunal Constitucional, e só é cabível quando nenhum outro recurso judicial ordinário for cabível ou, mesmo o sendo, não resolva o caso a contento. Já o Verfassungsbeschwerde10 da Alemanha possui características bastante próximas do Amparo: o processo de controle é do tipo concentrado, e a legitimidade para propor o Recurso Constitucional é conferida a todas as pessoas que se sintam lesadas. A ADPF possui nítida inspiração nesses institutos estrangeiros, embora os vetos presidenciais ao projeto aprovado no Legislativo tenham-na distanciado da matriz de origem. O próprio Supremo Tribunal Federal já se posicionara (quando se tentou, em 1996, impetrar ADPF, antes mesmo da promulgação da Lei 9882/99, e no intuito de dar a ela o mesmo rito do mandado de segurança) no sentido de que a arguição de descumprimento “deverá assumir, no plano processual, a forma de ação especial, destinada, na especificidade de sua função jurídica, a ampliar a ‘ jurisdição constitucional da liberdade a ser exercida pelo (...) Pretório Excelso’, à semelhança do Verfassungsbeschwerde instituído em 1951 pelo ordenamento positivo vigente na República Federal da Alemanha, sem qualquer conotação, no entanto, com o remédio constitucional do mandado de segurança, ainda que ambos sejam instrumentos vocacionados à tutela de direitos e garantias fundamentais”. (AgR 22427-5 – PA, DJU 15.03.96.). De maneira geral, a nota diferenciadora da ADPF em relação a esses recursos do Direito Comparado é a legitimação ativa: objeto e trâmite são praticamente iguais, descontadas as diferenças inerentes às características de cada ordenamento jurídico. Enquanto o Amparo e o Recurso Constitucional admitem a legitimidade universal 9 A Constituição Espanhola prevê o Recurso de Amparo no art. 53.2: “Cualquier ciudadano podrá recabar la tutela de las libertades y derechos reconocidos en el artículo 14 y la Sección 1ª del Capítulo Segundo ante los Tribunales ordinarios por un procedimiento basado en los principios de preferencia y sumariedad y, en su caso, a través del recurso de amparo ante el Tribunal Constitucional.” (“Qualquer cidadão reclamar a tutela das liberdades e direitos reconhecidos no artigo 14 e na Seção 1ª do Capítulo Segundo ante os Tribunais ordinários por um procedimento baseado nos princípios de preferência e sumariedade e, no caso, por meio do recurso de amparo ante o Tribunal Constitucional.”). 10 Como nota José Afonso da Silva (2003, p. 559), “Parte de seus objetivos são cobertos pelo nosso mandado de segurança. Mas ele tem objetivos mais amplos do que este, e não está delimitado à defesa de direito líquido e certo, pessoal. O Verfassungsbeschwerde é originário da Baviera, cuja regulamentação legal prevê o cabimento de Popularklage, isto é, a atribuição do direito de ação a quisquis de populo (ação popular).”. T r i n d a d e condicionada, nos termos do que expusemos no tópico 2, a ADPF, tal como em vigor no Brasil, se caracteriza por só admitir proposição por aqueles legitimados para propor ADIn (Lei 9.882/99, art. 2º, I). a) Objeto: basicamente, a ADPF se presta a dois objetivos: 1) “evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público” (art. 1º, caput, da Lei nº 9.882/99); ou 2) resolver “controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição” (art. 1º, parágrafo único, I). A doutrina costuma (não sem a pertinente crítica do professor André Ramos Tavares) classificar, então, a ADPF em principal (número 1) ou “por equiparação” (hipótese 2). Em qualquer caso, porém, trata-se de uma ação SUBSIDIÁRIA (só tem cabimento quando não couber ADIn nem ADC). Tem por objetivo colmatar as lacunas do sistema de controle concentrado brasileiro. Assim, por exemplo, não cabe ADIn contra leis municipais ou normas revogadas – mas cabe ADPF. palavras, “Não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade” (art. 4º, §1º). Contudo, o STF vem relativizando essa exigência, de modo que a simples existência de outro meio processual não impede a propositura de ADPF, que só não poderá ser utilizada quando houver outro meio IGUALMENTE EFICAZ de tutela do ordenamento jurídico (no caso, ADIn ou ADC). Nesse sentido, veja-se o seguinte precedente: “Princípio da subsidiariedade (Lei nº 9.882/99, art. 4º, § 1º) — Existência de outro meio apto a neutralizar a situação de lesividade que emerge dos atos impugnados. (...) O ajuizamento da ação constitucional de arguição de descumprimento de preceito fundamental rege-se pelo princípio da subsidiariedade (Lei nº 9.882/99, art. 4º, § 1º), a significar que não será ela admitida, sempre que houver qualquer outro meio juridicamente idôneo apto a sanar, com efetividade real, o estado de lesividade emergente do ato impugnado. Precedentes: ADPF 3/CE, ADPF 12/DF e ADPF 13/SP. A mera possibilidade de utilização de outros meios processuais, contudo, não basta, só por si, para justificar a invocação do princípio da subsidiariedade, pois, para que esse postulado possa legitimamente incidir — impedindo, desse modo, o acesso imediato à arguição de descumprimento de preceito fundamental — revela-se essencial que os instrumentos disponíveis mostrem-se capazes de neutralizar, de maneira eficaz, a situação de lesividade que se busca obstar com o ajuizamento desse writ constitucional.”. (ADPF 17 – AgR. Rel. Min. Celso de Mello, DJ 14/02/03) (grifo nosso). Dessa maneira, o Supremo tem adotado o entendimento – acertadíssimo, por sinal – de que a questão da subsidiariedade só pode ser levantada quando os outros meios jurídicos existentes sejam eficazes na tutela específica dos direitos fundamentais violados. Não se trata de verificar que existe, potencialmente, um outro recurso que ainda pode ser interposto; é necessário que o meio seja eficaz para impedir a lesão. É preciso que a eficácia do outro meio possivelmente existente seja “ampla, geral e imediata”11 . Obs.: PRECEITOS FUNDAMENTAIS: Não há uma definição legal do que venha a ser “preceito fundamental”. O STF também não se arriscou a lançar uma definição. Porém, de acordo com a melhor doutrina, os preceitos são as normas (princípios ou regras) basilares da Constituição, como, por exemplo, dos princípios fundamentais, os direitos fundamentais (mesmo que fora do título II da CF), os princípios sensíveis do art. 34, VII. O STF tem tratado do assunto de maneira casuística, analisando em cada caso concreto de há ou não um preceito fundamental em jogo. b) Legitimação: art. 103 da CF. A redação original do projeto de lei aprovado pelo Congresso previa a legitimação concorrente de qualquer prejudicado pela lesão e de qualquer legitimado para propor ADIn (art. 2º, I e II). Porém, o inciso II (que previa a legitimação de qualquer prejudicado) foi vetado pelo Presidente da República, o que terminou por praticamente inviabilizar a ADPF direta ou principal (para evitar ou repara lesão a preceito fundamental). c) Efeitos da decisão: vinculantes e erga omnes e em regra ex tunc (retroativos). d) Notas sobre o procedimento: aplica-se, no geral, o procedimento da ADIn, inclusive quanto á intervenção do PGR como fiscal da lei e do AGU como defensor do ato impugnado. É possível a concessão de liminar (art. 5º da Lei nº 9.882/99). e) Subsidiariedade: como vimos, a ADPF só é cabível quando não houver outro meio processual possível de ser utilizado. Ou, em outras D i r e i t o 9. CONTROLE DIFUSO * Controle difuso: cabe a todos os órgãos jurisdicionais (arguição de inconstitucionalidade - incidental). Notese que qualquer juiz ou tribunal pode exercer o controle 11 Jurisprudência: “Cláusula da subsidiariedade ou do exaurimento das instâncias. Inexistência de outro meio eficaz para sanar lesão a preceito fundamental de forma ampla, geral e imediata. Caráter objetivo do instituto a revelar como meio eficaz aquele apto a solver a controvérsia constitucional relevante. Compreensão do princípio no contexto da ordem constitucional global. Atenuação do significado literal do princípio da subsidiariedade quando o prosseguimento de ações nas vias ordinárias não se mostra apto para afastar a lesão a preceito fundamental.” ADPF 33 – MC. Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 06/08/04. C o n s t i t u c i o n a l 19 difuso, mas a decisão tem efeitos meramente inter partes (entre as partes). Perceba-se que nem todos os órgãos do judiciário podem exercer o controle difuso, mas sim apenas os juízes ou tribunais (o CNJ, por exemplo, por não possuir jurisdição, não exerce o controle difuso). Também o STF exerce controle difuso, quando analisa o recurso extraordinário (art. 102, III). Reserva de plenário ( full bench): art. 97. Qualquer juiz de primeira instância pode declarar uma lei inconstitucional, com base na existência, no Brasil, do sistema difuso. Também pode haver a declaração de inconstitucionalidade por qualquer tribunal. Porém, nesse último caso (tribunal), é preciso assegurar que a decisão de inconstitucionalidade seja tomada por uma parcela representativa dos membros da Corte. Por isso, não pode uma simples turma ou câmara do Tribunal declarar a inconstitucionalidade: de acordo com o art. 97 da CF, somente se pode declarar a inconstitucionalidade em um tribunal se a decisão for tomada pela MAIORIA ABSOLUTA dos membros do Tribunal (Pleno) ou do respectivo órgão especial. Se, por exemplo, uma turma ou câmara – ao julgar um processo qualquer – entender pela inconstitucionalidade de uma lei, deve o processo ser remetido ao Pleno ou Órgãos Especial para que decida a questão de constitucionalidade, com o posterior retorno da causa à turma ou câmara para julgamento das demais questões. A essa remessa do órgão fracionário para o Pleno chama-se “incidente de inconstitucionalidade”, que tem por objetivo garantir o cumprimento da clásula de reserva de plenário do art. 97 (também conhecida como “ full bench” - “plenário cheio”, ao pé da letra). Não se deve esquecer o teor da Súmula Vinculante nº 10 do STF: “VIOLA A CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO (CF, ARTIGO 97) A DECISÃO DE ÓRGÃO FRACIONÁRIO DE TRIBUNAL QUE, EMBORA NÃO DECLARE EXPRESSAMENTE A INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI OU ATO NORMATIVO DO PODER PÚBLICO, AFASTA SUA INCIDÊNCIA, NO TODO OU EM PARTE.”. Eficácia das decisões em controle difuso: inter partes e efeitos ex nunc (retroativos apenas para as partes). Instrumentos de controle difuso: na verdade, qualquer ação pode ser utilizada para o controle difuso, pois este se dá sempre de maneira incidental. O que não se pode é “forjar” um controle difuso, isto é, “fingir” a existência de uma lide apenas para suscitar a inconstitucionalidade de um ato. Justo por isso, o STF tem pacífica jurisprudência no sentido de que não cabe mandado de segurança contra lei em tese (pois se estaria, nesse caso, usando o MS como ação de controle abstrato). É possível, então, suscitar questão de inconstitucionalidade (sempre de maneira INCIDENTAL, SECUNDÁRIA, ACESSÓRIA) ação ordinária, mandado de segurança, habeas corpus, habeas data, mandado de injunção, ação popular, ação civil pública etc. Um exemplo pode esclarecer a questão: se um ex-perseguido do regime militar deseja obter um registro da ditadura e tal informação lhe é negada com base em uma lei federal, é possível ao prejudicado ingressar com habeas data para obter a informação que lhe foi negada, alegando, incidentalmente, a inconstitucionalidade da lei federal. Seria impossível, entretanto, ingressar com habeas data para, como pedido principal, declarar a inconstitucio20 J o ã o nalidade da lei. Jurisprudência: STF: “Não usurpa a competência do Supremo Tribunal Federal a declaração incidental de inconstitucionalidade de lei municipal, proferida por juiz singular em ação civil pública. Especialmente quando não demonstrado que o objeto do pedido era tão-somente a inconstitucionalidade da lei.” (AI 476.058-AgR, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 14-12-06, DJ de 15-6-07). STF: “O mandado de segurança não é sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade. Essa circunstância, porém, não inibe a parte, com legítimo interesse moral ou econômico, de suscitar o controle incidental ou difuso de constitucionalidade das leis, cuja aplicação — exteriorizada pela prática de atos de efeitos individuais e concretos — seja por ela reputada lesiva ao seu patrimônio jurídico.” (MS 21.077-MC-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 3-8-90, DJ de 3-8-90). Mais informações sobre o controle difuso na forma estudada quando da análise das competências do Poder Judiciário. Remetemos o leitor para esse capítulo. 10. EFEITOS DAS DECISÕES EM CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Decisões em controle concentrado: • Efeitos temporais: as decisões geralmente possuem efeitos retroativos (ex tunc), desconstituindo a lei ou ato impugnado, como se nunca tivesse existido. Porém, o STF pode, por razões de segurança jurídica e relevante interesse social, declarar a inconstitucionalidade com efeitos a partir de agora (ex nunc) ou a partir de um momento futuro (pro futuro), desde que a decisão assim seja tomada por 2/3 dos Ministros (art. 27 da Lei nº 9.868/99: “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.). Jurisprudência: STF: “Controle concentrado de constitucionalidade — Procedência da pecha de inconstitucional — Efeito — Termo inicial — Regra x exceção. A ordem natural das coisas direciona no sentido de ter-se como regra a retroação da eficácia do acórdão declaratório constitutivo negativo à data da integração da lei proclamada inconstitucional, no arcabouço normativo, correndo à conta da exceção a fixação de termo inicial distinto. Embargos declaratórios — Omissão — Fixação do termo inicial dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade — Retroatividade total. Inexistindo pleito de fixação de termo inicial diverso, não se pode alegar omissão relativamente ao acórdão por meio do qual se concluiu pelo conflito do ato normativo autônomo abstrato com a Carta da República, fulminando-o desde a vigência.” (ADI 2.728-ED, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19-10-06, DJ de 5-10-07). T r i n d a d e • Efeitos subjetivos (erga omnes): a decisão do STF em controle concentrado tem efeitos erga omnes (contra todos), de modo que a decisão de constitucionalidade ou inconstitucionalidade (a parte dispositiva da decisão) é obrigatória para todos, mesmo para quem não tenha sido parte no processo. • Efeito vinculante: a fundamentação adotada pelo STF para decidir pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei obriga (vincula) os demais órgãos jurisdicionais a adotar o mesmo entendimento em casos semelhantes. É o chamado efeito transcendente dos motivos determinantes. Por exemplo: o STF considerou inconstitucional lei do DF que tratava sobre moto-táxi, por violar a competência da União para legislar sobre trânsito e transporte (art. 22, X, da CF). Por ter eficácia erga omnes, a decisão vale para todas as pessoas, e não só para quem foi parte no processo. Por outro lado, os fundamentos da decisão (ratio decidendi – no caso, a competência da União para legislar sobre moto-táxi) transcendem o processo, e obrigam outros juízes e tribunais a, em outros casos análogos (lei paulista sobre o mesmo tema, por exemplo), adotar o mesmo posicionamento – é o efeito vinculante. Perceba-se: o que tem efeito vinculante é a ratio decidendi (os fundamentos determinantes da decisão), não apenas questões ditas de passagem (obter dictum), sem relevância para a resolução da controvérsia. controle difuso, a declaração de inconstitucionalidade de uma lei que prevê um tributo, conseguirá a devolução dos valores pagos (efeitos retroativos para as partes). Se o Senado editar resolução suspendendo a execução da lei (art. 52, X), então a inconstitucionalidade terá efeitos erga omnes, mas só a partir daquele momento (ex nunc). • Em um quadro: Decisão judicial i r e i t o Efeitos subjetivos Inter partes Erga omnes Efeitos temporais Retroativos (ex tunc) para as partes Imediatos, de agora em diante (não retroativos – ex nunc) para todos Obs.: existe uma decisão do STF em controle difuso que possui eficácia erga omnes e efeito vinculante: a decisão em sede de recurso especial, quando se discute a declaração de inconstitucionalidade realizada em controle concentrado pelo TJ estadual. 11. TÉCNICAS DE DECISÃO EM CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Nesse tópico, estudaremos quais os tipos de decisões proferidas pelo STF em controle de constitucionalidade. Declaração de inconstitucionalidade: • Declaração de inconstitucionalidade total (sempre com pronúncia de nulidade): nesse caso, toda a norma é retirada do ordenamento jurídico, pois nenhum dos dispositivos pode ser mantido. Ex: lei viciada por inconstitucionalidade formal (vício de competência, por exemplo) – toda a lei deve ser declarada inconstitucional. • Declaração de inconstitucionalidade parcial com pronúncia de nulidade e redução de texto: nesses casos, apenas alguns dispositivos da lei são considerados inconstitucionais (por exemplo, só o art. 1º). A declaração termina por reduzir o texto da lei (o STF atua como “legislador negativo”, na linguagem de Kelsen), podendo até mesmo incidir sobre apenas algumas palavras (princípio da parcelaridade), ao contrário do que ocorre com o veto parcial (ver capítulo sobre processo legislativo). O que o STF não pode fazer é retirar apenas algumas palavras e, com isso, desvirtuar o conteúdo da lei. Por exemplo: se o art. 5º de uma lei diz que “Os servidores titulares de cargos efetivos ou em comissão adquirirão estabilidade após 3 anos de efetivo exercício”. Nesse caso, o STF pode declarar inconstitucional apenas a expressão “ou em comissão” (princípio da parcelaridade). No entanto, se uma lei disser que “o servidor titular de cargo efetivo não adquirirá estabilidade”, o STF deve declarar a inconstitucio- Decisões em controle difuso: • Efeitos subjetivos: as decisões em controle difuso têm geralmente efeitos inter partes (apenas entre quem foi parte na controvérsia) e ex tunc (retroativos) apenas para as partes. Porém, se o Senado Federal, após decisão definitiva do STF, suspender a eficácia da lei por meio de resolução (art. 52, X), a decisão passa ter efeitos erga omnes (contra todos) e ex nunc (a partir de agora). De acordo com a doutrina majoritária e com a jurisprudência do STF, o Senado não é obrigado a editar a resolução suspendendo a lei: trata-se de um ato discricionário. Ademais, o próprio STF pode, por meio de súmula de efeitos vinculantes (ver comentários ao art. 103-A), estender esses efeitos de maneira erga omnes e com efeitos vinculantes. Por fim, verificase, no Brasil, uma tendência à “abstrativização” do controle difuso. Por isso, a decisão definitiva do STF em sede de controle difuso (recurso extraordinário) possui, depois da instituição da repercussão geral (ver art. 103), efeitos para todas as demais partes que também tenham interposto recurso extraordinário sob o mesmo fundamento. Ademais, de acordo com o novo posicionamento do STF sobre o mandado de injunção, a decisão no MI terá efeitos erga omnes, mesmo se tratando de controle difuso. • Efeitos temporais: as decisões judiciais em controle difuso produzem efeitos retroativos (ex tunc) apenas para as partes. Assim, se alguém conseguir, em D Resolução do Senado (art. 52, X) C o n s t i t u c i o n a l 21 nalidade de todo o dispositivo, pois retirar apenas o “não” seria desvirtuar o conteúdo da lei. Jurisprudência: STF: “O STF como legislador negativo: A ação direta de inconstitucionalidade não pode ser utilizada com o objetivo de transformar o Supremo Tribunal Federal, indevidamente, em legislador positivo, eis que o poder de inovar o sistema normativo, em caráter inaugural, constitui função típica da instituição parlamentar. Não se revela lícito pretender, em sede de controle normativo abstrato, que o Supremo Tribunal Federal, a partir da supressão seletiva de fragmentos do discurso normativo inscrito no ato estatal impugnado, proceda à virtual criação de outra regra legal, substancialmente divorciada do conteúdo material que lhe deu o próprio legislador.” (ADI 1.063MC-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-5-94, DJ de 27-4-01). • Declaração de inconstitucionalidade parcial com pronúncia de nulidade (nulidade parcial) sem redução de texto: nesses casos, o STF declara a inconstitucionalidade da lei, porém, sem reduzir o texto, mas apenas restringindo o âmbito de aplicação da lei. Por exemplo: se uma lei disser que “os servidores públicos farão jus a licença para tratar de interesses particulares”, o STF pode declarar a inconstitucionalidade da lei (por atingir também os servidores titulares de cargo em comissão) sem reduzir o texto (sem retirar palavras da lei), mas apenas determinando que tal dispositivo não deve atingir os servidores titulares de cargo de provimento em comissão. • Declaração de inconstitucionalidade “por arrasto”: em tais situações, a declaração de inconstitucionalidade de um dispositivo leva, necessariamente, à inconstitucionalidade de outro dispositivo, na mesma lei (arrasto interno) ou em outro diploma (arrasto externo). Por exemplo: se o STF declarar a inconstitucionalidade total de uma lei, declarará, também, a inconstitucionalidade “por arrastamento” dos decretos que a regulamentam. Trata-se de uma aplicação do conhecido princípio de que “o acessório segue o principal”. Jurisprudência: STF: “A declaração de inconstitucionalidade dos artigos 2º e 3º da lei atacada implica seu esvaziamento. A declaração de inconstitucionalidade dos seus demais preceitos dá-se por arrastamento.” (ADI 1.144, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 16-8-06, DJ de 8-9-06). Declaração de constitucionalidade: nessas hipóteses, o STF pronuncia que a lei é constitucional, mas com algumas peculiaridades: • Interpretação conforme a Constituição: aqui o STF declara a lei constitucional, desde que se lhe empreste uma determinada interpretação e não outra. Veja-se o tópico a seguir. 22 J o ã o • Lei ainda constitucional (inconstitucionalidade em trânsito) – apelo ao legislador: trata-se de casos em que a lei ainda é constitucional, mas se encaminha gradativamente para a inconstitucionalidade. Nessa situação, a declaração é de constitucionalidade da lei, mas com um apelo ao legislador (apellentscheidungen) para que evite a situação de inconstitucionalidade. Obs.: EFEITO REPRISTINATÓRIO DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE: a declaração de inconstitucionalidade (com redução de texto) em controle concentrado tem, geralmente, efeitos ex tunc (retroativos), de modo que equivale a uma revogação do dispositivo retirado. Dessa forma, volta a valer a lei anterior àquela declarada inconstitucional. É o chamado efeito repristinatório. Por exemplo: o STF concedeu liminar na ADIn nº 2.135/DF para suspender a nova redação dada ao caput do art. 39 da CF pela EC 19/98. Voltou a valer, então, a redação anterior daquele dispositivo. Jurisprudência: STF: “Ação direta de inconstitucionalidade: efeito repristinatório: norma anterior com o mesmo vício de inconstitucionalidade. No caso de ser declarada a inconstitucionalidade da norma objeto da causa, terse-ia a repristinação de preceito anterior com o mesmo vício de inconstitucionalidade. Neste caso, e não impugnada a norma anterior, não é de se conhecer da ação direta de inconstitucionalidade.” (ADI 2.574, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 2-10-02, DJ de 29-8-03). Interpretação conforme a Constituição e declaração de nulidade parcial sem redução de texto: A interpretação conforme a Constituição é uma técnica de controle de constitucionalidade – ou, antes, da própria interpretação constitucional – consistente em, ao fixar os significados atribuíveis a um determinado texto, afastar aqueles incompatíveis com as normas constitucionais. Trata-se de técnica, portanto, intrinsecamente ligada à moderna ideia de abertura do texto constitucional e de diferenciação entre norma (significado) e texto da norma (significante)12 . A interpretação conforme tem o claro objetivo de “salvar” da inconstitucionalidade uma norma, cujas disposições possam ser com a norma suprema compatibilizadas. Promove-se uma seleção, dentre os possíveis significados atribuídos a um dispositivo, dos que cumprem as exigências para ingresso no sistema constitucional, de maneira a construir uma norma constitucional (em sentido adjetivo, isto é, uma norma compatível com a Constituição). É, como dissemos, uma técnica de interpretação constitucional, antes mesmo de integrar o hoje bastante amplo repertório instrumental do controle de constitucionalidade. Justamente por isso – e ao contrário da declaração de nulidade 12 Porém, como oportunamente nos lembra Inocêncio Mártires Coelho, o Supremo Tribunal Federal já há muito tempo parece adotar tal posição, como é exemplo claro a Súmula nº 400 daquela Corte (editada ainda antes da Constituição de 1988), segundo a qual “Não cabe recurso extraordinário quando a interpretação dada à lei federal seja razoável, ainda que não seja a melhor”. T r i n d a d e Princípio da legalidade: enquanto, para o particular, o princípio da legalidade é uma norma de liberdade (podese fazer tudo o que a lei não proíbe: CF, art. 5º, II), para a Administração, tal princípio representa uma limitação, de modo que a Administração só pode fazer exatamente aquilo que a lei manda, determina (CF, art. 37, caput). Ou, como gosta de afirmar o CESPE, “a vontade da Administração é aquela que decorre da lei”. Assim, toda a atividade da administração pública deve se pautada na estrita legalidade, no estrito cumprimento do que determinam as normas emanadas do Poder Legislativo. Realmente, a Administração possui poderes muito amplos, de modo que se impõe a limitação desse poder, que ocorre quando se impõe ao Estado que só os utilize quando haja expressa previsão legal. Assim, repita-se: o princípio da legalidade para a Administração não é aquele inserto no art. 5º, II, da CF (pode-se fazer tudo o que a lei não proíbe), mas sim o referido no art. 37, caput, da CF, segundo o qual a Administração só pode fazer exatamente aquilo que a lei manda. Esse princípio traz também um sentido de certeza aos administrados, que já conhecem de antemão os limites da atuação legítima do Estado, ou seja, o que a Administração pode fazer, como pode atuar. Princípio da impessoalidade: possui duas facetas, dois significados, ambos explorados em provas do CESPE. Em um primeiro significado, o princípio da impessoalidade tem a ver com a adoção da chamada teoria do órgão, segundo a qual os atos praticados por um agente público são imputados (atribuídos) não a ele enquanto pessoa física, mas ao órgão estatal ao qual ele está vinculado. Os atos praticados pelos agentes não são atos de Fulano de Tal, mas atos estatais, atos administrativos. Não se ligam à pessoa física – são impessoais, porque são atribuídos ao Estado. Em um segundo significado (até mais utilizado), o princípio da impessoalidade determina que o administrador público não é dono da coisa pública, mas sim mero gestor, mero administrador. Assim, não pode fazer o que bem entenda, mas está adstrito, vinculado ao fim previsto na lei. Não pode atuar tendo em vista o fim de interesse pessoal, mas sim objetivando alcançar a finalidade pública, o interesse público. Não pode atuar beneficiando amigos nem perseguindo inimigos, pois a atuação deve ser impessoal. Trata-se de decorrência lógica do princípio constitucional da igualdade ou da isonomia (CF, art. 5º, caput), na medida em que, quando se atua de maneira pessoal, está-se na verdade violando o direito dos administrados de serem tratados com igualdade. Por fim, lembre-se que o princípio da impessoalidade também proíbe que a Administração Pública esteja associada a nomes ou imagens de pessoas físicas (CF, art. 37, §1º). Princípio da moralidade: é o princípio mais difícil de definir, mas fácil de ser entendido. Impõe o atendimento aos princípios éticos básicos relativos à boa administração (gestão responsável, equilibrada, planejada e impessoal). Não se confunde com a moralidade privada. Determina que, mais do que só cumprir a lei, o administrador deve seguir os cânones da boa administração (probidade, boa-fé, transparência, participação dos administrados). Com efeito, a Constituição não se contenta com o simples respeito à lei, pois nem tudo que é lícito é honesto, como já diziam os romanos (non omnes quod licet honestum est). Do adminis- parcial sem redução do texto – não se submete à regra de reserva de plenário (full bench) prevista no art. 97 da CF para o controle difuso13. Ademais, convola-se em um verdadeiro dever do intérprete, servo constante e primeiro da Constituição. Não se confundem a interpretação conforme a Constituição e a declaração de nulidade parcial sem redução de texto: a primeira traz uma declaração de constitucionalidade, enquanto a segunda encerra uma conclusão de inconstitucionalidade; ademais, a primeira se limita a excluir uma possível interpretação inconstitucional conferida ao dispositivo, enquanto a segunda importa em excluir da incidência de determinada norma (isto é, de um determinado significado) um determinado conjunto de fatos ou situações. É o que nos ensina o professor André Ramos Tavares. Sobre o tema, Gilmar Mendes afirma que “Em favor da admissibilidade da interpretação conforme a Constituição militar também a presunção de constitucionalidade da lei, fundada na ideia de que o legislador não poderia ter pretendido votar lei inconstitucional”. Jurisprudência: STF: “É possível, juridicamente, formular-se, em inicial de ação direta de inconstitucionalidade, pedido de interpretação conforme, ante enfoque diverso que se mostre conflitante com a Carta Federal. Envolvimento, no caso, de reconhecimento de inconstitucionalidade.” (ADI 3.324, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 1612-04, DJ de 5-8-05). 12. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL O controle concentrado cabe ao TJ, por meio da ADIn Estadual ou Representação Interventiva. Já o controle difuso é feito por qualquer juiz ou tribunal. A ADIn estadual será regulamentada na Constituição Estadual, mas a CF garante que não pode ser deferida a legitimidade ativa para apenas um órgão. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS EXPRESSOS OU POSITIVOS (EXPLÍCITOS) São aqueles que estão escritos, expressos, explícitos na Constituição Federal. LIMPE: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência (CF, art. 37, caput): “A Administração Pública de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerão aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. 13 Gilmar Mendes adverte que “A interpretação conforme a Constituição levava sempre, no direito brasileiro, à declaração de constitucionalidade da lei. Porém, como já se disse, há hipóteses em que esse tipo de interpretação pode levar a uma declaração de inconstitucionalidade sem redução do texto.”. D i r e i t o C o n s t i t u c i o n a l 23 trador público se exige não apenas o respeito à letra fria da lei, mas também que tome decisões justas, honestas, de boafé, respeitando os direitos dos administrados e a separação entre o público e o privado. Princípio da publicidade: trata-se do dever geral do administrador de prestar contas (accountability), tornando públicos todos os atos administrativos, a não ser quando relativos à segurança do Estado ou à intimidade do administrado. Logo, os atos da Administração devem ser, via de regra, públicos e acessíveis ao público, embora admitidas as exceções referidas. Assim, todos podem (e devem) ter acesso aos atos praticados pela Administração, até mesmo para saber se eles estão respeitando os demais princípios administrativos. Admitem-se como exceções à publicidade apenas os atos que importem violação da intimidade (assim, por exemplo, um processo administrativo disciplinar deve correr em sigilo, para não se acusar prematuramente uma pessoa que ainda está sendo investigada) ou que possam provocar danos à segurança do Estado (não se pode querer ter acesso a dados relativos ao posicionamento das tropas brasileiras nas fronteiras, pois isso poderia facilitar uma invasão do país). Obviamente, não se pode tentar ampliar em demasia o conceito de segurança do Estado, como atualmente se tenta, apenas para fazer escapar ao controle da sociedade alguns gastos do governo. Ao contrário, a REGRA é a PUBLICIDADE; na Administração Pública, o SIGILO é a EXCEÇÃO. Isso porque a Administração Pública no Estado Democrático de Direito é a administração controlada, fiscalizada pelos administrados. É a administração transparente. Ou, como bem resumiu Rui Barbosa na célebre frase: “na República não se toleram escaninhos”. Princípio da eficiência: não constava do texto original da Constituição, tendo sido incluído pela EC 19/98. Com isso, apenas se reconheceu explicitamente um princípio que já era obrigatório para a Administração Pública – afirmar o contrário seria dizer que, antes da EC 19, a Administração poderia livremente desperdiçar recursos públicos, o que é de todo absurdo. Então, repita-se: o princípio da eficiência já era reconhecido; com a EC 19/98, apenas passou a ser explícito, demonstrando a preocupação que modernamente tem ocupado os governantes. Eficiência significa que a Administração precisa se preocupar não apenas em cumprir sua tarefa, mas em cumpri-la bem, a contento: precisa ter em mente a efetiva realização do interesse público, precisa preocupar-se com atingir os seus objetivos, suas metas. Assim, a eficiência está intrinsecamente ligada à estipulação de metas, de resultados, bem como ao atingimento dessas. Ademais, o princípio da eficiência determina que a Administração deve equilibrar qualidade e rapidez; deve realizar uma atuação de qualidade e no menor tempo possível. Deve atingir o maior benefício com o menor custo possível, tendo em vista realizar os objetivos da Administração Pública. Eficiência, então, pode ser resumida em dois binômios: qualidade + rapidez; custo + benefício. Princípio da economicidade: também está expresso na Constituição (art. 70). Trata da obrigatoriedade de que a Administração busque os meios mais econômicos, menos dispendiosos, para alcançar o interesse público. Está intimamente ligado ao princípio da eficiência. 24 J o ã o Sobre moralidade e impessoalidade, confira-se a Súmula Vinculante nº 13 do STF, que veda a prática de nepotismo (nomeação de parentes para cargos públicos): “A NOMEAÇÃO DE CÔNJUGE, COMPANHEIRO OU PARENTE EM LINHA RETA, COLATERAL OU POR AFINIDADE, ATÉ O TERCEIRO GRAU, INCLUSIVE, DA AUTORIDADE NOMEANTE OU DE SERVIDOR DA MESMA PESSOA JURÍDICA INVESTIDO EM CARGO DE DIREÇÃO, CHEFIA OU ASSESSORAMENTO, PARA O EXERCÍCIO DE CARGO EM COMISSÃO OU DE CONFIANÇA OU, AINDA, DE FUNÇÃO GRATIFICADA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA EM QUALQUER DOS PODERES DA UNIÃO, DOS ESTADOS, DO DISTRITO FEDERAL E DOS MUNICÍPIOS, COMPREENDIDO O AJUSTE MEDIANTE DESIGNAÇÕES RECÍPROCAS, VIOLA A CONSTITUIÇÃO FEDERAL”. I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) Acessibilidade aos cargos públicos: os cargos públicos são acessíveis a todos os brasileiros, atendidas as condições estabelecidas em lei (art. 5º) – v. CF, art. 37, I, primeira parte. Estrangeiros também poderão ter acesso aos cargos na forma da lei (v. art. 5º, §3º, e CF, art. 37, I, segunda parte), isto é, quando a lei expressamente admitir. II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) III – o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período; IV – durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira; V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) Agentes públicos14: são todos aqueles que exercem alguma função pública (estatal); todos os que, a qualquer título, atuam em nome do Estado. São todos os que, quando “falam”, a “voz” é a do Estado. 14 A classificação dos agentes estatais é difícil e cada autor apresenta uma proposta diferente. Propomos uma forma de classificação que consideramos mais simples, baseado na lição de Léon Duguit (Traité de Droit Constitucionnel, vol. 1, Paris: Dalloz, 1928). É, também, a forma mais cobrada em concursos públicos. Hely Lopes Meirelles cita também (sem citar exemplos) os agentes credenciados, que seriam aqueles escolhidos pelo Estado para representá-lo T r i n d a d e Agentes Políticos Agentes Administrativos AGENTES PÚBLICOS Servidores lato sensu Agentes temporários Servidores stricto sensu (cargo) Empregados públicos (emprego) Agentes delegados (concessionários e permissionários) Agentes honoríficos Particulares em colaboração Agentes de fato (putativos) Agentes necessários (voluntários) • Servidores públicos (propriamente ditos ou servidores em sentido estrito ou servidores estatutários): são titulares de cargo público (de provimento efetivo ou em comissão) e se submetem ao regime estatutário. • Empregados públicos (ou servidores empregados ou servidores celetistas): titulares de emprego público, submetem-se ao regime celetista (com algumas normas de direito público), muito próximo do regime dos trabalhadores da iniciativa privada. • Agentes temporários: contratados com base no art. 37, IX, da CF, por tempo determinado, para “atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”. Ex: recenseadores do IBGE. A contratação temporária está regulada na Lei nº 8.745/93. Obs.: Servidor público, para os efeitos da Lei nº 8.112/90 (servidor em sentido estrito), é o titular de cargo público, seja ele de provimento efetivo ou em comissão. É o antigo conceito de “funcionário público”, que não deve mais ser utilizado, pois não foi recepcionado pela Constituição de 1988. Funcionário público é, agora, conceito do Direito Penal (art. 327 do CP), para definição dos sujeitos ativos de certos crimes contra a Administração Pública, e só deve ser usada a expressão nesse sentido (aliás, mais amplo que o antigo conceito de funcionário como titular de cargo, uma vez que inclui até mesmo os agentes temporários). Agentes políticos: exercem as funções de direção do Estado (função de governo), integrando a estrutura constitucional (central) de cada um dos poderes. Ex: Presidente da República, Ministros de Estado, Deputados, Senadores, Membros do Judiciário e do Ministério Público. Quanto à inclusão de membros do Judiciário e do Ministério Público a doutrina diverge. Para efeitos de concurso, porém, esses dois são, sim, agentes políticos, pois essa é a posição adotada pelo STF (RE 228.977/SP, Relator Ministro Ilmar Galvão). O conceito de agente político ganhou especial relevância depois que o STF decidiu que a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) não se aplica a tal classe de agentes. Agentes delegados: exercem atividades públicas (serviços públicos) por delegação do poder público. Ex: concessionários e permissionários de serviços públicos (rádios, canais de televisão, empresas de transporte coletivo), tabeliães, notários etc. Particulares em colaboração com o poder público: têm um vínculo apenas transitório (e sem remuneração) com o poder público. Podem ser: • Agentes honoríficos ou convocados (funções de honra): exercem gratuitamente funções de representação da sociedade na atividade do Estado (jurados, mesários etc.) • Agentes necessários: voluntários que auxiliam o Estado em situações de emergência (de defesa civil, p. ex). Agentes de fato (putativos): pessoas que parecem agentes administrativos, mas não o são, porque não foram legalmente investidos no cargo/emprego/função. Os atos por eles praticados são válidos, em virtude da Teoria do Funcionário de Fato. Protege-se, nesse caso, a boa-fé dos administrados, que não teriam como saber que não se tratava de alguém legalmente investido no cargo ou função. Fazem jus a perceber a remuneração do período trabalhado, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração, mas não possuem direito à manutenção do vínculo. É o caso, por exemplo, de alguém que seja nomeado para cargo de provimento efetivo sem ter sido aprovado em concurso público. Não tem direito a permanecer no cargo (CF, art. 37, §2º), mas deve receber pelo período trabalhado (sob pena de enriquecimento ilícito da Administração) – e os atos por ele praticados nesse período serão considerados válidos. Agentes administrativos: exercem atividades públicas porque mantêm com o poder público um vínculo de subordinação às ordens dos agentes políticos (função meramente administrativa) e oneroso (remunerado, com ônus para o Estado – v. arts. 3º e 4º). Podem ser: D i r e i t o • Jurisprudência – STF: “Os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica.” (RE 228.977, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 12-4-02). • STF, Pleno, Rcl nº 2.138/DF, Relator Ministro Nelson Jobim, DJ de 18.04.2008: “(...) 1. Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade. Os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei n° 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo. II.2. Distinção entre os regimes de responsabilização político-administrativa. O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não C o n s t i t u c i o n a l 25 admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei n° 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, c, (disciplinado pela Lei n° 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, c, da Constituição. II.3. Regime especial. Ministros de Estado. Os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102, I, c; Lei n° 1.079/1950), não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n° 8.429/1992). II.4. Crimes de responsabilidade. Competência do Supremo Tribunal Federal. Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os delitos político-administrativos, na hipótese do art. 102, I, c, da Constituição. Somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos. II.5. Ação de improbidade administrativa. Ministro de Estado que teve decretada a suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 8 anos e a perda da função pública por sentença do Juízo da 14ª Vara da Justiça Federal – Seção Judiciária do Distrito Federal. Incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade, conforme o art. 102, I, “c”, da Constituição. III. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE”. • Função temporária: é a exercida pelos agentes temporários, na forma do art. 37, IX, da CF. • Função de confiança ou comissionada (FC): é uma função destinada a ser exercida apenas por servidores titulares de cargo de provimento efetivo. Assemelham-se aos cargos em comissão porque ambos se destinam apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento. Distanciam-se, porém, porque, enquanto a FC é privativa de servidor efetivo (só pode ser ocupada por servidor titular de cargo de provimento efetivo), o CC deve ser exercido por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais MÍNIMOS estabelecidos em lei (estabelece-se uma espécie de “cota” para os efetivos, mas também podem ser nomeadas pessoas sem qualquer vínculo efetivo com a Administração) – ver art. 37, V, da CF. Regime estatutário (CARGO PÚBLICO): é aquele que, ao contrário do contratual (EMPREGO PÚBLICO), não pode ser modificado por acordo entre as partes, mas apenas unilateralmente (pela Administração, por meio de lei). O vínculo entre o servidor e o Estado decorre de lei (estatuto), não de contrato de trabalho (regime de emprego público ou celetista). Não há assinatura de carteira de trabalho (CTPS), nem contrato de trabalho, nem FGTS. A perda do cargo (demissão ou exoneração) é sempre motivada (a não ser que se trate de cargo em comissão – ver art. 2º). Comparação entre regime celetista (EMPREGO PÚBLICO) e estatutário (CARGO PÚBLICO): ESTATUTÁRIO Cargo é cada “lugar” existente na Administração Pública. Ou, na definição doutrinária, é um plexo de deveres e atribuições previstos na estrutura da Administração. Cargos de provimento efetivo: são aqueles cujo ocupante possui uma pretensão de definitividade, pois foi aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos (art. 10, caput e CF, art. 37, II) e, justo por isso, é o único que pode adquirir estabilidade (CF, art. 41, e Lei nº 8.112/90, art. 21), se for aprovado no estágio probatório (art. 20). Cargos de provimento em comissão ou cargos de confiança: são de livre nomeação e exoneração (CF, art. 37, II), e não necessitam de concurso público para o provimento (art. 10); o ocupante, porém, tem um vínculo precário (pode ser exonerado ad nutum, a juízo da autoridade nomeante) e, obviamente, não adquire estabilidade. Destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento, e devem ser ocupados por servidores de carreira (efetivos) nos casos, condições e percentuais mínimos estabelecidos em lei (CF, art. 37, V). Função pública: é um “lugar” na Administração, um conjunto de direitos e deveres previstos na estrutura organizacional, mas que, por não ser perene nem autônomo, não é criado sob a forma de cargo. A função pública compreende duas espécies: 26 J o ã o CELETISTA Vínculo decorre de Lei (estatuto) Contrato de trabalho Registro do vínculo Investidura Assinatura da CTPS (carteira de trabalho e previdência social) Regime Jurídico CLT (consolidação das leis do Estabelecido em trabalho), com algumas lei especial modificações Estabilidade Ampla, após 3 Restrita (o agente pode ser anos de efetivo demitido, mas só justificadamente) exercício Âmbito de aplicação Obrigatoriamente nas empresas públicas e sociedades de economia mista; excepcionalmente, a partir da Lei nº 9.962/00, também na Administração Direta, autárquica e fundacional – atualmente, essa possibilidade está suspensa pela decisão na ADInMC 2.135/DF. Administração Direta, autarquias e fundações públicas federais Denominação Servidor Público Empregado Público (incluído no do agente público que se (em sentido es- conceito de servidor em sentido amplo) trito) submete ao regime Modificação do regime jurídico T r i n d a d e Unilateralmente, Apenas em benefício do emprepelo Estado, e só gado, ou mediante negociação, por meio de lei com aditamento ao contrato Obs.: REGIME JURDICO ÚNICO Concurso público: nos termos do art. 37, II, da CF, a nomeação para cargos efetivos (isolados ou de carreira) deve ser necessariamente precedida de concurso público de provas ou de provas e títulos, sob pena de nulidade do ato de nomeação e punição da autoridade responsável, nos termos da lei (CF, art. 37, §2º) – v. Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), art. 11, V. Ordem de classificação e prazo de validade: o respeito à ordem de classificação poderia até nem ser citado, uma vez que é inerente ao conceito de concurso público (seria inútil fazer um concurso e não respeitar a ordem de classificação). O legislador preferiu, porém, acrescer segurança jurídica à situação dos aprovados. De acordo com o novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal (1ª Turma), o candidato aprovado em concurso público dentro do número de vagas tem direito subjetivo à nomeação (direito de exigir a nomeação), e não mais mera expectativa de direito. Nesse sentido também a 6ª Turma do STJ, afirmando que o servidor classificado (aprovado dentro das vagas) tem direito subjetivo à nomeação. O STF, mesmo antes da mudança, já reconhecia que, se for nomeado algum aprovado com desrespeito à ordem de classificação, o candidato preterido passa a ter esse direito subjetivo, podendo exigir do poder público que o nomeie (Súmula 15 do STF). O STF também tem aceito a abertura de concurso para “cadastro de reserva”, quando não há vagas previstas, mas os candidatos aprovados poderão ser chamados se surgirem outras vagas. • Jurisprudência: STF – Súmula 15: “Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação”. • STF: Informativo nº 520/2008: “Por vislumbrar direito subjetivo à nomeação dentro do número de vagas, a Turma, em votação majoritária, desproveu recurso extraordinário em que se discutia a existência ou não de direito adquirido à nomeação de candidatos habilitados em concurso público — v. Informativo 510. Entendeu-se que, se o Estado anuncia em edital de concurso público a existência de vagas, ele se obriga ao seu provimento, se houver candidato aprovado. Em voto de desempate, o Ministro Carlos Britto observou que, no caso, o Presidente do TRF da 2ª Região deixara escoar o prazo de validade do certame, embora patente a necessidade de nomeação de aprovados, haja vista que, passados 15 dias de tal prazo, fora aberto concurso interno destinado à ocupação dessas vagas, por ascensão funcional. Vencidos os Ministros Menezes Direito, relator, e Ricardo Lewandowski que, ressaltando que a Suprema Corte possui orientação no sentido de não haver direito adquirido à nomeação, mas mera expectativa de direito, davam provimento ao recurso”. RE 227480/RJ, rel. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia, 16.9.2008. (RE-227480). Antes da EC 19/98, falava-se em regime jurídico único (ou todos os servidores eram estatutários ou todos eram celetistas15); a referida Emenda, porém, modificou a redação do art. 39, caput, da CF, e retirou a obrigação de unicidade do regime, de modo que poderiam conviver, dentro da mesma estrutura administrativa, servidores estatutários e empregados públicos. Veja-se, no âmbito federal, a Lei nº 9.962/00, que permite a contratação, sob o regime de emprego público, na Administração Direta, autárquica e fundacional. Entretanto, no julgamento da ADIn nº 2.135, o STF declarou inconstitucional (em sede de liminar, isto é, em uma decisão provisória) a nova redação dada ao art. 39, caput, da CF, pela EC 19/98, em virtude de vício formal (o texto não foi aprovado por 3/5 na Câmara e no Senado, em dois turnos de votação em cada Casa, como manda o art. 60 da CF). Com isso, foi revigorado o antigo dispositivo, que falava em regime jurídico único. Porém, trata-se de decisão cautelar (provisória), e ficou determinado expressamente na decisão do STF que as leis editadas com base na nova redação continuam válidas. Assim, o efeito prático da decisão é apenas um: não poderão ser editadas novas leis que modifiquem o regime jurídico dos servidores, nem no âmbito federal nem no estadual/distrital nem municipal. Eventuais contratações com base na pluralidade de regimes continuarão válidas, a não ser que o Supremo declare a inconstitucionalidade em sede de análise de mérito (definitiva). • Jurisprudência: STF, Pleno, ADIn-MC 2.135, Relator Ministro Néri da Silveira, DJE de 06.03.2008: “A matéria votada em destaque na Câmara dos Deputados no DVS nº 9 não foi aprovada em primeiro turno, pois obteve apenas 298 votos e não os 308 necessários. Manteve-se, assim, o então vigente caput do art. 39, que tratava do regime jurídico único, incompatível com a figura do emprego público. 2. O deslocamento do texto do § 2º do art. 39, nos termos do substitutivo aprovado, para o caput desse mesmo dispositivo representou, assim, uma tentativa de superar a não aprovação do DVS nº 9 e evitar a permanência do regime jurídico único previsto na redação original suprimida, circunstância que permitiu a implementação do contrato de emprego público ainda que à revelia da regra constitucional que exige o quórum de três quintos para aprovação de qualquer mudança constitucional. 3. Pedido de medida cautelar deferido, dessa forma, quanto ao caput do art. 39 da Constituição Federal, ressalvando-se, em decorrência dos efeitos ex nunc da decisão, a subsistência, até o julgamento definitivo da ação, da validade dos atos anteriormente praticados com base em legislações eventualmente editadas durante a vigência do dispositivo ora suspenso.”. Concurso público de provas ou de provas e títulos: o concurso tem de constar de, no mínimo, prova objetiva ou subjetiva; opcionalmente, a depender da regulamentação legal da carreira e das atribuições do cargo, pode haver, 15 Entendia-se, porém, pela impossibilidade de serem todos celetistas, uma vez que as funções típicas de Estado deveriam ser obrigatoriamente exercidas por quem detivesse um vínculo de Direito Público com o Estado. É a posição sustentada por Celso Antônio Bandeira de Mello. D i r e i t o C o n s t i t u c i o n a l 27 também, prova de títulos, de caráter meramente classificatório. Em outras palavras: a prova tem de existir sempre, com caráter classificatório e eliminatório; a prova de títulos, apenas com caráter classificatório (não elimina ninguém) pode haver ou não. Prazo de validade do concurso público (v. CF, art. 37, III): é de ATÉ dois anos, prorrogável UMA vez por IGUAL PERÍODO. Isso significa dizer que é possível fixar um concurso com prazo de validade de um ano e prorrogá-lo apenas por mais um; se o prazo for de seis meses, o concurso só pode ser prorrogado por mais seis meses. A fixação do prazo de validade, bem como a decisão acerca de prorrogálo ou não, é ato discricionário da Administração (que pode analisar o mérito – conveniência e oportunidade). Porém, é preciso notar que qualquer dos atos deve ser explícita, clara e adequadamente motivado (Lei de Processo Administrativo, art. 50, III). Em caso de desvio de finalidade, podese pleitear a revisão judicial do ato para eventual anulação (LPA, art. 53, e Súmula nº 473 do STF). Além disso, a fixação dos prazos deve atender aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Inviável, p. ex., fixar em dois dias o prazo de validade de um concurso, o que é flagrantemente desarrazoado e desproporcional. Em qualquer caso, o prazo de validade deve ser previsto no edital, e seguidas à risca as disposições deste – que só pode ser alterado por meio de outro edital, com a mesma publicidade (publicado no Diário Oficial da União e em jornal diário de grande circulação – §1º), e antes de realizadas as provas. O prazo de validade se conta a partir da homologação do concurso, pois este é o ato que põe termo ao procedimento, atestando-lhe a legalidade. Ademais, eventual prorrogação do prazo de validade deve ocorrer ainda antes de escoado o primeiro período, sob pena de perda do objeto. O STF tem reconhecido que há desvio de finalidade quando a Administração não prorroga o prazo de validade do concurso e, logo em seguida, abre novo certame, bem como quando o poder público deixa propositadamente expirar o prazo de validade só para não nomear um candidato. De outra parte, o Tribunal Supremo reconhece que a Administração pode modificar o edital para adequá-lo às novas exigências da legislação (novos requisitos de provimento para um cargo, por exemplo). Prorrogação e previsão no edital: entendemos que a possibilidade de prorrogação deve vir expressa no edital. Assim, o próprio edital já deve prever que o concurso será válido, p.ex., por dois anos prorrogáveis por mais dois. Da mesma forma, entendemos que o edital vincula os concursandos e a Administração, de modo que, se for previsto que o prazo é improrrogável, será impossível qualquer prorrogação (salvo retificação do edital, feita antes da realização das provas e divulgada com ampla publicidade). Assim, temos que o concurso só pode ser prorrogado se houver expressa previsão no edital, pois a possibilidade de prorrogação não é algo automático. Para fins de concursos, é relevante saber que o CESPE/UnB entende – com nossa discordância – que o concurso pode ser prorrogado, mesmo se o edital nada disser a respeito (questão cobrada na prova do TSE/Técnico/2006). Direito do candidato aprovado em concurso: segundo o novo posicionamento do STF, o candidato aprovado em concurso público, dentro do número de vagas previsto, tem direito subjetivo à nomeação 28 J o ã o Concurso regionalizado: é aceito pelo STF, mesmo que os candidatos aprovados em uma unidade da Federação possuam nota inferior às dos candidatos de outras localidades. Abertura de concurso quando há candidato aprovado em concurso anterior com prazo de validade não expirado: a CF dispõe, no art. 37, IV, apenas que “durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira”. Essa norma serve de base, aliás, para a jurisprudência do STF, segundo a qual o candidato aprovado não tem direito à nomeação, mas esse direito surge a partir do momento que é desrespeitada a ordem de classificação. Dessa maneira, dá espaço para a abertura de novo certame mesmo com concurso ainda válido (desde que não seja ainda o primeiro período do prazo de validade). Ressalva, apenas, que o anterior aprovado tem direito à precedência na nomeação. VI – é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical; VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) Direitos do servidor público: é permitida pela Constituição a sindicalização do servidor público (diferentemente do que ocorre com o militar). O principal tópico aqui, porém, diz respeito ao direito de greve. De acordo com a jurisprudência do STF, o art. 37, VII, é uma norma de eficácia limitada – ou seja, só produzirá todos os efeitos quando vier a lei específica (lei ordinária tratando apenas sobre esse assunto). Porém, o mesmo STF já decidiu, julgando mandado de injunção impetrado por servidores públicos, que – ante a demora de mais de 20 anos do Congresso em editar essa lei – aplicam-se aos servidores públicos as disposições da lei de greve da iniciativa privada (obviamente, no que for compatível com o regime estatutário). VIII – a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão Portadores de deficiência: podem concorrer, se as atribuições do cargo permitirem, e fazem jus a “reserva” de vagas do concurso. Na esfera federal, essa reserva é de ATÉ 20% das vagas (Lei nº 8.112/90, art. 5º). O STF entendia que, nos casos em que as vagas não fossem suficientes a que se reservassem lugares aos deficientes, deveria a reserva de vagas ser arredondada para cima. Recentemente, porém, o Tribunal abandonou – em boa hora – essa interpretação. Atualmente, vale mesmo a regra de que a reserva é de até 20% das vagas. Assim, por exemplo, em um concurso para 20 vagas, devem ser destinadas a deficientes até 4 vagas. Essa reserva se estende, também, ao cadastro de reserva, quando então se deve guardar a mesma proporção entre o número de vagas destinadas a deficientes e à ampla concorrência. T r i n d a d e Por fim, deve-se registrar que, se as vagas para deficientes não forem preenchidas, deverão ser providas por candidatos da ampla concorrência. O Decreto nº 3.298/99, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, define, no art. 37, o percentual mínimo de 5% a ser destinado aos deficientes em todos os concursos públicos federais, devendo a fração ser arredondada quando não se atingir tal percentual. • Jurisprudência: STF: “Concurso público — Candidatos — Tratamento igualitário. A regra é a participação dos candidatos, no concurso público, em igualdade de condições. Concurso público — Reserva de vagas — Portador de deficiência — Disciplina e viabilidade. Por encerrar exceção, a reserva de vagas para portadores de deficiência faz-se nos limites da lei e na medida da viabilidade consideradas as existentes, afastada a possibilidade de, mediante arredondamento, majorarem-se as percentagens mínima e máxima previstas.” (MS 26.310, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 20-9-07, DJ de 31-10-07). • STF: “A exigência constitucional de reserva de vagas para portadores de deficiência em concurso público se impõe ainda que o percentual legalmente previsto seja inferior a um, hipótese em que a fração deve ser arredondada. Entendimento que garante a eficácia do artigo 37, inciso VIII, da Constituição Federal, que, caso contrário, restaria violado.” (RE 227.299, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 14-6-00, DJ de 6-10-00). XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tri-bunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) Teto das remunerações: é um limite à remuneração dos servidores, de modo a evitar os famigerados “marajás”, que recebiam verdadeiras fortunas dos cofres públicos. O limite geral (“tetão”) é a quantia do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do STF, inclusive para os membros dos outros poderes. Ademais, existem os “tetinhos” – os tetos nos âmbitos estadual/distrital e municipal. Teto: • Aplicação: todos os Poderes, inclusive a empresas públicas e sociedades de economia mista financiadas com recursos alheios (§9º). • Não inclui parcelas indenizatórias (§11). • Subtetos: a) Executivo Estadual/Distrital: Governador; b) Judiciário, MP, Defensoria e Procuradorias Estaduais/Distritais: Desembargador (90,25% de Ministro do STF – v. liminar na ADIn nº 3854); c) Legislativo Estadual/Distrital: Deputados Estaduais/Distritais; d) Município: Prefeito. • Possibilidade de Estados/DF adotarem teto único (Desembargador): §12. Jurisprudência: “Neste juízo prévio e sumário, estou em que, conquanto essa ostensiva distinção de tratamento, constante do art. 37, inc. XI, da Constituição da República, entre as situações dos membros das magistraturas federal (a) e estadual (b), parece vulnerar a regra primária da isonomia (CF, art. 5º, caput e inc. I). Pelas mesmas razões, a interpretação do art. 37, § 12, acrescido pela Emenda Constitucional n. 47/2005, ao permitir aos Estados e ao Distrito Federal fixar, como limite único de remuneração, nos termos do inc. XI do caput, o subsídio mensal dos Desembargadores do respectivo Tribunal de Justiça, limitado IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público; A contratação temporária está regulada na Lei nº 8.745/93. Só pode ocorrer por motivo de excepcional interesse público. O contratado ocupa função pública temporária. Perceba-se que a contratação ocorre a termo, isto é, com prazo determinado. Porém, o STF entendeu que o que tem de ser temporário é a necessidade, e não o cargo. Assim, se houver necessidade temporária de preenchimento de cargos relativos a uma determinada atribuição, a contratação temporária será possível. X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) Trata-se do direito dos servidores públicos de verem as remunerações reajustadas anualmente. “Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia.” (Súm. 339/STF) D i r e i t o C o n s t i t u c i o n a l 29 a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do valor do subsídio dos Ministros desta Corte, também não pode alcançar-lhes os membros da magistratura.” (ADI 3.854-MC, voto do Min. Cezar Peluso, julgamento em 282-07, DJ de 29-6-07) XII – os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo; XIII – é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) XIV – os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) XV – o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) a) a de dois cargos de professor; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 34, de 2001) XVII – a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) Vedação à acumulação de cargos, empregos ou funções: de acordo com a Constituição, a regra é a proibição da acumulação remunerada de cargos, empregos ou funções públicas. Perceba-se que a Constituição proíbe apenas a acumulação remunerada; porém, como a 8.112 veda a prestação gratuita de serviços (art. 4º), a proibição de acumular torna-se impossível. Servidor titular de cargo de provimento efetivo pode exercer também um emprego em empresa privada, com carteira assinada? Sim, sem dúvida, pois não há qualquer vedação legal ou constitucional. O que se proíbe é a acumulação remunerada de cargo, emprego ou função pública. Dessa maneira, se existir compatibilidade de horários, o servidor pode ter também um emprego na iniciativa privada. O que 30 J o ã o ele não pode é ser gerente administrador de sociedade comercial (Lei nº 8.112/90: art. 117, X), nem exercer função incompatível com o seu cargo (técnico da ANATEL que trabalha como consultor em uma empresa de telecomunicações). Essa última hipótese pode, inclusive, configurar ato de improbidade administrativa (art. 9º da Lei nº 8.429/92). Por fim, ressalve-se também que o servidor que ocupa cargo DE (dedicação exclusiva) é incompatível para exercer qualquer outra atividade pública ou privada. Requisitos para a acumulação: além de estar entre as exceções constitucionalmente previstas, a acumulação remunerada deve cumprir determinados requisitos, quais sejam: • Compatibilidade de horários: a acumulação, ainda que lícita, depende da compatibilidade de horários. A referência à acumulação lícita é até mesmo contraditória, já que, caso seja ilícita, não há nem que se perquirir sobre a compatibilidade ou não dos horários. Horários compatíveis são aqueles que não se superpõem, de modo que uma jornada atrapalhe a outra. Por exemplo: um professor que exerce um cargo à tarde e outro à noite possui cargos com compatibilidade de horários. Mesmo que haja superposição de horários, podem eles ser considerados compatíveis, se a Administração permitir a compensação das horas não trabalhadas – mas essa autorização é um ato discricionário e precário (pode ser revogado). • Respeito ao teto geral das remunerações (CF, art. 37, XI): se o servidor, ao acumular dois cargos, fizer jus a remuneração superior aos limites estabelecidos no art. 37, XI, deve ter uma redução em um dos dois cargos, de modo a se adaptar ao dispositivo constitucional. Imagine-se que um servidor acumula um cargo de professor de uma Universidade Federal com um cargo técnico do Poder Judiciário. Se, somadas, as remunerações de ambos os cargos superar R$ 24.500,00 (subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do STF), ele só receberá esse valor. Questão problemática diz respeito aos próprios Ministros do STF: como eles já ganham o teto, estariam proibidos de exercer qualquer outro cargo? A resposta só pode ser negativa, até mesmo em respeito ao valor social do trabalho (CF, art. 1º, IV). Como resolver a situação? Existem duas hipóteses: a) o Ministro exerce ambas as funções, mas só recebe pelo STF; b) há uma redução tanto do subsídio quanto da remuneração. A primeira solução esbarra na proibição do trabalho gratuito (art. 4º da Lei nº 8.112/90); a segunda, na irredutibilidade dos subsídios (CF, art. 37, XV). Preferimos a segunda opção; primeiro, porque se trata de uma redução consentida; e, segundo, porque o próprio inciso XV do art. 37 da CF ressalva o respeito ao art. 37, XI (limite das remunerações). Cargo técnico ou científico: há certa controvérsia acerca do que é cargo técnico e cargo científico. Entendemos que a interpretação constitucionalmente mais adequa- T r i n d a d e da é a seguinte: cargo científico é o cargo de nível superior que trabalha com a pesquisa em uma determinada área do conhecimento – advogado, médico, biólogo, antropólogo, matemático, historiador. Cargo técnico é o cargo de nível médio ou superior que aplica na prática os conceitos de uma ciência: técnico em Química, em Informática, Tecnólogo da Informação etc. Perceba-se que não interessa a nomenclatura do cargo, mas sim as atribuições desenvolvidas. A jurisprudência aceita o cargo técnico como de nível médio, mas que exige uma qualificação específica (curso técnico). • Jurisprudência: STJ, 5ª Turma, RMS 20.033/RS, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 12.03.2007: “O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que cargo técnico ou científico, para fins de acumulação com o de professor, nos termos do art. 37, XVII, da Lei Fundamental, é aquele para cujo exercício sejam exigidos conhecimentos técnicos específicos e habilitação legal, não necessariamente de nível superior.”. • STJ, 5ª Turma, RMS 7.552/PB, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 25.02.1998: “RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. PROFESSOR E ESCREVENTE. ACUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DADA A NATUREZA BUROCRATICA DO CARGO DE ESCREVENTE, NÃO SE ENQUADRANDO ELE NO QUE SE PODE CHAMAR DE CARGO TÉCNICO OU CIENTÍFICO, NÃO SE PERMITE SUA ACUMULAÇÃO COM O CARGO DE PROFESSOR (ART. 37, XVI, “B” CF). RECURSO DESPROVIDO”. • STF: “Acumulação de emprego de atendente de telecomunicações de sociedade de economia mista, com cargo público de magistério. Quando viável, em recurso extraordinário, o reexame das atribuições daquele emprego (atividade de telefonista), correto, ainda assim, o acórdão recorrido, no sentido de se revestirem elas de ‘características simples e repetitivas’, de modo a afastar-se a incidência do permissivo do art. 37, XVI, b, da Constituição.” (AI 192.918-AgR, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ de 12-9-97). • TCU, 1ª Câmara, Acórdão nº 408/2004, Relator Ministro Humberto Guimarães Souto, trecho do voto do relator: “a conceituação de cargo técnico ou científico, para fins da acumulação permitida pelo texto constitucional, abrange os cargos de nível superior e os cargos de nível médio cujo provimento exige a habilitação específica para o exercício de determinada atividade profissional, a exemplo do técnico em enfermagem, do técnico em contabilidade, entre outros”. economia mista, empresas públicas e quaisquer empresas controladas pelo poder público) de qualquer ente federativo (União, Estados, DF e Municípios). A extensão às pessoas jurídicas de Direito Privado da Administração consta também do texto constitucional (art. 37, XVII: “a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público”). XVIII – a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma da lei; XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) De acordo com o art. 37, XIX, da CF, as autarquias só podem ser criadas por meio de lei específica (lei ordinária que trate apenas dessa matéria). Essa lei (ou ato com força de lei, como a medida provisória) deve especificar qual o patrimônio da autarquia, sua nomenclatura e demais regras gerais de funcionamento, que deverão ser esmiuçadas em Regimento Interno (Decreto Regulamentar do Presidente da República). Em virtude do princípio do paralelismo das formas (simetria), a Autarquia, como é criada por lei, somente por lei pode ser extinta. É importante frisar que, atualmente, por força da nova redação dada pela EC 19/98 ao art. 37, XIX, da CF, de todas as entidades da Administração Indireta, a autarquia é a única que é criada diretamente por lei: as demais apenas têm a instituição autorizada por lei. Da mesma forma, é a única que é extinta por lei (as demais têm a extinção autorizada por lei). XX – depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a participação de qualquer delas em empresa privada; Apesar do que indica a literalidade do inciso, o STF decidiu que a criação de subsidiárias de empresas públicas ou sociedades de economia mista NÃO DEPENDE de lei específica, quando a lei que cria (ou autoriza a criação) da empresa principal já previr a possibilidade de criação de subsidiárias. Nesse sentido: STF, Pleno, ADIn 1649/DF, Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ de 28.05.2004, p. 3: “É dispensável a autorização legislativa para a criação de empresas subsidiárias, desde que haja previsão para esse fim na própria lei que instituiu a empresa de economia mista matriz, tendo em vista que a lei criadora é a própria medida autorizadora. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.”. No mesmo sentido: STF, Pleno, ADIN-MC 1649/DF, Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ de 08.09.2000. Abrangência da proibição de acumular: a proibição abrange cargos, empregos e funções da Administração Direta ou Indireta (autarquias, fundações, sociedades de D i r e i t o C o n s t i t u c i o n a l 31 XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (Regulamento) XXII – as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) § 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. § 2º A não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei. § 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) I – as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) II – o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) III – a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Improbidade administrativa: a CF não define quais sejam os atos de improbidade, tarefa que coube, então, ao legislador (Lei nº 8.429/92, arts. 9º, 10 e 11). Perceba-se apenas que as penalidades previstas são a de perda da função pública, SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS (e não perda nem cassação – ver art. 15, V, da CF), indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário. Ademais, registre-se que a improbidade administrativa não tem natureza criminal (penal). Assim, os atos de improbidade não configuram, 32 J o ã o por si sós, crimes, mas sim ilícitos civis-administrativos, justamente por isso, a Constituição faz a ressalva: “sem prejuízo da ação penal cabível”. § 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento. Os atos ilícitos administrativos devem ter um prazo de prescrição previsto em lei. Perceba-se, porém, que A OBRIGAÇÃO DE RESSARCIR O ERÁRIO (devolver o que se tirou) NÃO PRESCREVE NUNCA (é imprescritível). § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Responsabilidade civil do Estado: responsabilidade é a obrigação de fazer algo, em virtude da prática de um ato ilícito. Nesse sentido, responsabilidade subjetiva é aquela em que se faz necessário demonstrar dolo ou culpa. Assim, só se pode punir alguém por um crime, se provarmos que ele atuou com dolo ou, pelo menos (e se for o caso), com culpa. Por outro lado, fala-se em responsabilidade objetiva quando a existência da obrigação de reparar o dano não depende da comprovação de dolo ou culpa. Teoria do risco administrativo: o Brasil adota como regra essa teoria. De acordo com a teoria do risco administrativo, reitere-se, a responsabilidade do Estado é objetiva. O lesado não precisa provar dolo nem culpa do Estado, bastando demonstrar três elementos ou pressupostos: a) a ocorrência de dano; b) a conduta de um agente público nessa qualidade; e c) o nexo de causalidade entre o dano e a condutado agente público16. Perceba-se que, agora, já se exige a conduta de um agente estatal e, mais, uma ligação (nexo de causalidade) entre essa conduta e o dano – o que não se exige na teoria do risco integral. A configuração desses três requisitos será mais detalhada à frente. Além disso, outra distinção é a possibilidade de o Estado se desvencilhar da responsabilidade em certos casos, as chamadas excludentes de responsabilidade (que também serão estudadas mais à frente): a) caso fortuito ou força maior; b) culpa exclusiva da vítima; e c) ato exclusivo de terceiro. Admite-se, portanto, pesquisa acerca da culpa da vítima – culpa essa que, se presente, pode atenuar ou até mesmo afastar a responsabilidade do Estado.17 16 “Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 — RTJ 71/99 — RTJ 91/377 — RTJ 99/1155 — RTJ 131/417).”. (STF, RE 109.615, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 2-8-96). No mesmo sentido: STF, RE 481.110-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 9-3-07. 17 “A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandá-la ou mesmo excluí-la. Precedentes.”. (STF, AI 636.814-AgR, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 15-6-07). T r i n d a d e Contrato de gestão: o contrato de gestão (embora a nomenclatura “contrato” seja muito criticada pela doutrina) é um acordo, um pacto entre a entidade da Administração Indireta e o Estado para que a entidade veja ampliada a autonomia orçamentária, administrativa e financeira de que dispõe, em troca de se comprometer a alcançar metas de desempenho. Trata-se, como se vê, de uma tentativa de implementar uma política gerencial na Administração, com nítido foco no princípio da eficiência. § 9º O disposto no inciso XI aplica-se às empresas públicas e às sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) § 10 É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) § 11 Não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput deste artigo, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005) § 12 Para os fins do disposto no inciso XI do caput deste artigo, fica facultado aos Estados e ao Distrito Federal fixar, em seu âmbito, mediante emenda às respectivas Constituições e Lei Orgânica, como limite único, o subsídio mensal dos Desembargadores do respectivo Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, não se aplicando o disposto neste parágrafo aos subsídios dos Deputados Estaduais e Distritais e dos Vereadores. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005) Art. 38. Ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, no exercício de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes disposições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) I – tratando-se de mandato eletivo federal, estadual ou distrital, ficará afastado de seu cargo, emprego ou função; II – investido no mandato de Prefeito, será afastado do cargo, emprego ou função, sendo-lhe facultado optar pela sua remuneração; III – investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será aplicada a norma do inciso anterior; IV – em qualquer caso que exija o afastamento para o exercício de mandato eletivo, seu tempo de serviço será contado para todos os efeitos legais, exceto para promoção por merecimento; V – para efeito de benefício previdenciário, no caso de afastamento, os valores serão determinados como se no exercício estivesse. A responsabilidade é objetiva quando existe a conduta imputável ao próprio Estado, às pessoas jurídicas de Direito Público (autarquias e fundações de Direito Público) e às de Direito Privado prestadoras de serviços públicos (empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos e até mesmo pessoas privadas que prestem serviços públicos, como concessionárias e permissionárias de serviços públicos). Quanto às pessoas de Direito Privado que não sejam prestadoras de serviços públicos – ainda que sejam entidades da Administração Indireta – a responsabilidade é subjetiva. O STF entende que, quanto às prestadoras de serviços públicos, a responsabilidade só é objetiva quanto aos usuários, não quanto a terceiros18 . Perceba-se que a responsabilidade do Estado é, via de regra, objetiva. Será, porém, SUBJETIVA, no caso de OMISSÃO do poder público. Na jurisprudência do STF e do STJ, a questão parece ter-se pacificado no sentido de que a responsabilidade do Estado por omissão é subjetiva (embora haja precedente da 1ª Turma do STF em sentido contrário), exige a prova de que o Poder Público deveria ter atuado e não o fez. Realmente, “deveria ter atuado e não o fez” é uma locução que importa necessariamente ato ilícito – decorrente, então, de dolo ou culpa: responsabilidade subjetiva. Deve o lesado provar, além do dano, da ausência de conduta e do nexo de causalidade entre o não-agir e o dano, que o Estado deveria ter atuado e não agiu. Trata-se não de qualquer omissão, mas da omissão qualificada, da omissão ilegal, da omissão ilícita, em que o serviço público não funcionou, ou funcionou atrasado, ou funcionou mal. Aplica-se, portanto, a teoria da faute du service ou da culpa anônima. Nesse sentido, se uma árvore cai em um automóvel estacionado em via pública, não há responsabilidade do Estado, a não ser que se comprove que, devendo podá-la, omitiu-se o Poder Público. § 7º A lei disporá sobre os requisitos e as restrições ao ocupante de cargo ou emprego da administração direta e indireta que possibilite o acesso a informações privilegiadas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) § 8º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) I – o prazo de duração do contrato; II – os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes; III – a remuneração do pessoal. 18 “A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente aos usuários do serviço, não se estendendo a pessoas outras que não ostentem a condição de usuário. Exegese do art. 37, § 6º, da C.F.” (STF, RE 262.651, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 6-5-05). Em sentido contrário, embora referindo-se a tema relativamente distinto: “Constitucional. Administrativo. Acidente de trânsito. Agente e vítima: servidores públicos. Responsabilidade objetiva do estado: CF, art. 37, § 6º. O entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que descabe ao intérprete fazer distinções quanto ao vocábulo ‘terceiro’ contido no § 6º do art. 37 da Constituição Federal, devendo o Estado responder pelos danos causados por seus agentes qualquer que seja a vítima, servidor público ou não.” (AI 473.381-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 20-9-05, DJ de 28-10-05). D i r e i t o C o n s t i t u c i o n a l 33 Aqui a Constituição trata do servidor público investido em mandato eletivo. Temos então: • Mandato federal, estadual ou distrital (Presidente e Vice-Presidente da República, Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual/Distrital, Governador e Vice-Governador de Estado ou do Distrito Federal) – I: o servidor será afastado do cargo e não poderá optar pela remuneração – terá de perceber apenas o subsídio referente ao mandato eletivo, ainda que a remuneração do cargo efetivo seja superior. • Mandato de Prefeito (II): o servidor também ficará afastado do cargo, mas poderá optar entre a remuneração do cargo efetivo e o subsídio do mandato eletivo (obviamente, o que for maior). • Mandato de Vereador (III): é a única hipótese em que o servidor poderá, dependendo do caso, acumular o cargo efetivo com o mandato eletivo. Caso haja compatibilidade de horários entre o funcionamento da repartição e o da Câmara Municipal, o servidor poderá acumular o cargo e o mandato eletivo, fazendo jus, portanto, à normal remuneração do cargo e ao subsídio do mandato eletivo; caso os horários sejam incompatíveis, cairá na regra relativa ao Prefeito (ficará afastado do cargo, mas poderá optar pela remuneração do cargo ou pelo subsídio do mandato eletivo). Contagem do tempo de serviço: é feita para todos os efeitos, EXCETO para fins de promoção por merecimento (para promoção por antiguidade conta). Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas. (Vide ADIN nº 2.135-4) Obs.: REDAÇÃO EM VIGOR, EM VIRTUDE DA DECISÃO DO STF NA ADIN 2.135/ DF-MC: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas”. Com isso, voltou a valer a obrigatoriedade da instituição de regime jurídico único, no âmbito da Administração Direta, autarquias e fundações públicas. “A matéria votada em destaque na Câmara dos Deputados no DVS nº 9 não foi aprovada em primeiro turno, pois obteve apenas 298 votos e não os 308 necessários. Manteve-se, assim, o então vigente caput do art. 39, que tratava do regime jurídico único, incompatível com a figura do emprego público. O deslocamento do texto do § 2º do art. 39, nos termos do substitutivo aprovado, para o caput desse mesmo dispositivo representou, assim, uma tentativa de superar a não aprovação do DVS n. 9 e evitar a permanên34 J o ã o cia do regime jurídico único previsto na redação original suprimida, circunstância que permitiu a implementação do contrato de emprego público ainda que à revelia da regra constitucional que exige o quórum de três quintos para aprovação de qualquer mudança constitucional. Pedido de medida cautelar deferido, dessa forma, quanto ao caput do art. 39 da Constituição Federal, ressalvando-se, em decorrência dos efeitos ex nunc da decisão, a subsistência, até o julgamento definitivo da ação, da validade dos atos anteriormente praticados com base em legislações eventualmente editadas durante a vigência do dispositivo ora suspenso. (...) Vícios formais e materiais dos demais dispositivos constitucionais impugnados, todos oriundos da EC 19/98, aparentemente inexistentes ante a constatação de que as mudanças de redação promovidas no curso do processo legislativo não alteraram substancialmente o sentido das proposições ao final aprovadas e de que não há direito adquirido à manutenção de regime jurídico anterior. (...).” (ADI 2.135-MC, Rel. p/ o ac. Min. Ellen Gracie, julgamento em 2-8-07, DJE de 7-3-08). § 1º A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) I – a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) II – os requisitos para a investidura; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) III – as peculiaridades dos cargos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) § 2º A União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira, facultada, para isso, a celebração de convênios ou contratos entre os entes federados. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) § 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) Direitos sociais extensíveis aos servidores públicos: são salário mínimo, décimo-terceiro salário, adicional noturno, salário-família, jornada máxima de 8h diárias e 44h semanais, repouso semanal remunerado, hora-extra de pelo menos 50%, férias anuais remuneradas, adicional de férias, licença à gestante, licença-paternidade, proteção ao mercado de trabalho da mulher, redução dos riscos inerentes ao trabalho e proibição de diferença de salários por motivos discriminatórios. T r i n d a d e § 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) Subsídios: trata-se de nova espécie de retribuição que, a partir da EC 19/98, passou a ser devida aos agentes políticos. Difere do regime de remuneração porque os subsídios são recebidos em parcela única, e não podem ser acrescidos de quaisquer outros valores (salvo parcelas de natureza indenizatória, como as diárias, por exemplo). A retribuição por meio de subsídios é obrigatória para os agentes políticos e facultativa para os demais servidores (depende de previsão na lei que organizar as carreiras). Jurisprudência: STF: “Hipótese em que o acórdão recorrido se encontra em consonância com a jurisprudência desta Corte segundo a qual as vantagens de caráter pessoal não devem ser computadas para fim de observância do teto previsto no inc. XI do art. 37 da Constituição Federal. (...) De qualquer sorte, o Plenário desta Corte, ao apreciar a ADI 2.116-MC, Rel. Min. Marco Aurélio, entendeu que, por não serem autoaplicáveis as normas dos art. 37, XI, e 39, § 4º, da CF (redação dada pela EC 19/98) — até que seja promulgada a lei de fixação do subsídio de Ministro do STF —, as vantagens pessoais continuam excluídas do teto de remuneração.” (AI 339.636-AgR, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 16-10-01, DJ de 14-12-01) vos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) § 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) I – por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) II – compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998) III – voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998) a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998) b) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998) § 2º Os proventos de aposentadoria e as pensões, por ocasião de sua concessão, não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998) § 3º Para o cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o art. 201, na forma da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) § 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005) I – portadores de deficiência; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005) II – que exerçam atividades de risco; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005) III – cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005) § 5º Os requisitos de idade e de tempo de contribuição serão reduzidos em cinco anos, em relação ao disposto no § 1º, III, a, para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998) § 5º Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios poderá estabelecer a relação entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, XI. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) § 6º Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário publicarão anualmente os valores do subsídio e da remuneração dos cargos e empregos públicos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) § 7º Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios disciplinará a aplicação de recursos orçamentários provenientes da economia com despesas correntes em cada órgão, autarquia e fundação, para aplicação no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público, inclusive sob a forma de adicional ou prêmio de produtividade. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) § 8º A remuneração dos servidores públicos organizados em carreira poderá ser fixada nos termos do § 4º (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ati- D i r e i t o C o n s t i t u c i o n a l 35 § 6º Ressalvadas as aposentadorias decorrentes dos cargos acumuláveis na forma desta Constituição, é vedada a percepção de mais de uma aposentadoria à conta do regime de previdência previsto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998) § 7º Lei disporá sobre a concessão do benefício de pensão por morte, que será igual: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) I – ao valor da totalidade dos proventos do servidor falecido, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, acrescido de setenta por cento da parcela excedente a este limite, caso aposentado à data do óbito; ou (Incluído pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) II – ao valor da totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se deu o falecimento, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, acrescido de setenta por cento da parcela excedente a este limite, caso em atividade na data do óbito. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) § 8º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) § 9º O tempo de contribuição federal, estadual ou municipal será contado para efeito de aposentadoria e o tempo de serviço correspondente para efeito de disponibilidade. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998) § 10 A lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998) § 11 Aplica-se o limite fixado no art. 37, XI, à soma total dos proventos de inatividade, inclusive quando decorrentes da acumulação de cargos ou empregos públicos, bem como de outras atividades sujeitas a contribuição para o regime geral de previdência social, e ao montante resultante da adição de proventos de inatividade com remuneração de cargo acumulável na forma desta Constituição, cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, e de cargo eletivo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998) § 12 Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998) § 13 Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998) § 14 A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que instituam regime de previdência complementar para os seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata este artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998) 36 J o ã o § 15 O regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) § 16 Somente mediante sua prévia e expressa opção, o disposto nos §§ 14 e 15 poderá ser aplicado ao servidor que tiver ingressado no serviço público até a data da publicação do ato de instituição do correspondente regime de previdência complementar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998) § 17 Todos os valores de remuneração considerados para o cálculo do benefício previsto no § 3° serão devidamente atualizados, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) § 18 Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) § 19 O servidor de que trata este artigo que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º, III, a, e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no § 1º, II. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) § 20 Fica vedada a existência de mais de um regime próprio de previdência social para os servidores titulares de cargos efetivos, e de mais de uma unidade gestora do respectivo regime em cada ente estatal, ressalvado o disposto no art. 142, § 3º, X. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) § 21 A contribuição prevista no § 18 deste artigo incidirá apenas sobre as parcelas de proventos de aposentadoria e de pensão que superem o dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 desta Constituição, quando o beneficiário, na forma da lei, for portador de doença incapacitante. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005) APOSENTADORIA Conceito: aposentadoria é o benefício, consistente em obrigação de pagar, e que assegura ao servidor o recebimento de proventos durante a inatividade. Inatividade: é o gênero, que comporta três espécies: a) aposentadoria; b) disponibilidade; e c) licenças e afastamentos; as duas primeiras são sempre remuneradas. Proventos: é o valor pago ao servidor aposentado (substitui a remuneração). Assim, servidor aposentado não recebe vencimentos, nem subsídios, nem remuneração, mas sim proventos. T r i n d a d e Regime próprio de previdência do servidor público titular de cargo efetivo (RPSP) – CF, art. 40: é um regime de caráter contributivo (somente participa quem efetivamente contribuir) e solidário (em que a contribuição de uns serve também aos outros). Difere do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), previsto no art. 201 da CF e aplicável (além dos empregados da iniciativa privada) aos empregados públicos, servidores titulares de função temporária e de cargo de provimento em comissão (art. 40, §13, da CF). Custeio do RPSP: antes da EC 20/98, o regime era totalmente custeado pela União; com a crise da previdência, passou-se a exigir também a contribuição do servidor (regime de caráter contributivo); após a EC 41/03, o regime passou também a ter caráter solidário, sendo exigida a contribuição até mesmo de quem já era aposentado ou pensionista. A instituição dessa contribuição previdenciária de inativos e pensionistas se nos afigura inconstitucional, por desrespeitar os direitos adquiridos. Esse não é, porém, o entendimento do STF; ao julgar a ADIn nº 3.105 e 3.128, o Tribunal considerou que, como se tratava de tributo, não haveria direito adquirido, mas imunidade tributária, que pode ser modificada por Emenda à Constituição. Contribuição dos servidores: Lei nº 10.887/04, art. 4º: “A contribuição social do servidor público ativo de qualquer dos Poderes da União, incluídas suas autarquias e fundações, para a manutenção do respectivo regime próprio de previdência social, será de 11% (onze por cento), incidente sobre a totalidade da base de contribuição. §1º Entende-se como base de contribuição o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei, os adicionais de caráter individual ou quaisquer outras vantagens, excluídas: I – as diárias para viagens; II – a ajuda de custo em razão de mudança de sede; III – a indenização de transporte; IV – o saláriofamília; V- o auxílio-alimentação; VI – o auxílio-creche; VII – as parcelas remuneratórias pagas em decorrência de local de trabalho; VIII – a parcela percebida em decorrência do exercício de cargo em comissão ou de função de confiança; e IX – o abono de permanência de que tratam o § 19 do art. 40 da Constituição Federal, o § 5º do art. 2º e o § 1º do art. 3º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003. § 2º O servidor ocupante de cargo efetivo poderá optar pela inclusão na base de contribuição de parcelas remuneratórias percebidas em decorrência de local de trabalho, do exercício de cargo em comissão ou de função de confiança, para efeito de cálculo do benefício a ser concedido com fundamento no art. 40 da Constituição Federal e art. 2º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, respeitada, em qualquer hipótese, a limitação estabelecida no § 2º do art. 40 da Constituição Federal”. Contribuição dos inativos e pensionistas: igual à dos servidores ativos (11%). Base de cálculo: a) para os que a partir da EC 41/03 se aposentarem ou passarem a receber pensão: o que ultrapassar o limite do Regime Geral (art. 201), atualmente em R$ 2.668,15 (EC 41/03, arts. 4º e 5º), salvo para os portadores de doença incapacitante, cuja contribuição incidirá sobre o que exceder o dobro do limite do D i r e i t o Regime Geral de Previdência Social previsto no art. 201 (art. 40, §21 – EC 47/05); ou b) para os já inativos na época da publicação da EC 41/03, o que superar 50% do limite referido (EC nº 41/03, art. 4º, parágrafo único, I e II, na interpretação dada pelo STF no julgamento das ADIns nº 3105 e 3128), ou seja, a parcela superior a R$ 4.002,23. • Jurisprudência: STF, Pleno, ADIn nº 3.105, Relatora Ministra Ellen Gracie, Relator p/ Acórdão Ministro Cezar Peluso, DJ de 18.02.2005: “1. Inconstitucionalidade. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Ofensa a direito adquirido no ato de aposentadoria. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Emenda Constitucional nº 41/2003 (art. 4º, caput). Regra não retroativa. Incidência sobre fatos geradores ocorridos depois do início de sua vigência. Precedentes da Corte. Inteligência dos arts. 5º, XXXVI, 146, III, 149, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, da CF, e art. 4º, caput, da EC nº 41/2003. No ordenamento jurídico vigente, não há norma, expressa nem sistemática, que atribua à condição jurídicosubjetiva da aposentadoria de servidor público o efeito de lhe gerar direito subjetivo como poder de subtrair ad aeternum a percepção dos respectivos proventos e pensões à incidência de lei tributária que, anterior ou ulterior, os submeta à incidência de contribuição previdencial. Noutras palavras, não há, em nosso ordenamento, nenhuma norma jurídica válida que, como efeito específico do fato jurídico da aposentadoria, lhe imunize os proventos e as pensões, de modo absoluto, à tributação de ordem constitucional, qualquer que seja a modalidade do tributo eleito, donde não haver, a respeito, direito adquirido com o aposentamento. 2. Inconstitucionalidade. Ação direta. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária, por força de Emenda Constitucional. Ofensa a outros direitos e garantias individuais. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Regra não retroativa. Instrumento de atuação do Estado na área da previdência social. Obediência aos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial, bem como aos objetivos constitucionais de universalidade, equidade na forma de participação no custeio e diversidade da base de financiamento. Ação julgada improcedente em relação ao art. 4º, caput, da EC nº 41/2003. Votos vencidos. Aplicação dos arts. 149, caput, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, e 201, caput, da CF. Não é inconstitucional o art. 4º, caput, da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, que instituiu contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria e as pensões dos servidores públicos da União, C o n s t i t u c i o n a l 37 dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações. 3. Inconstitucionalidade. Ação direta. Emenda Constitucional (EC nº 41/2003, art. 4º, § Único, I e II). Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Bases de cálculo diferenciadas. Arbitrariedade. Tratamento discriminatório entre servidores e pensionistas da União, de um lado, e servidores e pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de outro. Ofensa ao princípio constitucional da isonomia tributária, que é particularização do princípio fundamental da igualdade. Ação julgada procedente para declarar inconstitucionais as expressões “cinquenta por cento do” e “sessenta por cento do”, constante do art. 4º, § único, I e II, da EC nº 41/2003. Aplicação dos arts. 145, § 1º, e 150, II, cc. art. 5º, caput e § 1º, e 60, § 4º, IV, da CF, com restabelecimento do caráter geral da regra do art. 40, § 18. São inconstitucionais as expressões “cinquenta por cento do” e “sessenta por cento do”, constantes do parágrafo único, incisos I e II, do art. 4º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, e tal pronúncia restabelece o caráter geral da regra do art. 40, § 18, da Constituição da República, com a redação dada por essa mesma Emenda”. Equilíbrio atuarial e financeiro: ainda segundo a redação dada pela EC 41/03 ao caput do art. 40 da CF, o RPSP deve observar critérios que respeitem o equilíbrio atuarial e financeiro, ou seja, deve haver um equilíbrio entre as contribuições e os gastos (equilíbrio financeiro), com base em critérios estatísticos que permitam uma análise sobre expectativa de vida dos segurados, média dos salários-contribuição etc. (equilíbrio atuarial). Tempo de serviço e tempo de contribuição: também para reduzir o déficit do RPSP, todos os requisitos que diziam respeito a tempo de serviço foram transformados em tempo de (efetiva) contribuição, de modo a proibir a contagem ficta de tempo de serviço, tal como ocorria com o tempo de licença-prêmio não gozada, por exemplo. A esse propósito, o art. 40, §10, determina: “A lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício”. Paridade e integralidade de proventos: foram dois direitos e que foram retirados pela EC 41/03 dos servidores que ainda estavam em atividade e ainda não possuíam os requisitos para aposentadoria. A paridade consiste na obrigatoriedade de que os proventos de inatividades e as pensões sejam revistos ao mesmo tempo e na mesma proporção que os vencimentos dos servidores ativos; já a integralidade é o direito que tinha o servidor de se aposentar tendo por base o vencimento na data da aposentadoria, ainda que superior à média dos salários-de-contribuição. Tal direito se estendia aos pensionistas, com relação ao vencimento na data da morte do servidor. Com a nova redação dada pela EC 41/03 aos §§ 3º, 7º e 8º do art. 40 da CF, os servidores em atividade não mais possuem os direitos à paridade e à integralidade. Não há mais paridade, pois a nova redação do §8º (“É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei”) não mais obriga a que o 38 J o ã o reajuste seja feito na mesma data e nos mesmos índices utilizados para os servidores em atividade. Também não existe mais (com relação aos servidores em atividade) o direito à integralidade (que não se confunde com o direito à aposentadoria com proventos integrais), pois: a) os proventos serão calculados com base na média dos valores de contribuição, não mais correspondendo à remuneração do cargo em que se deu a aposentadoria (nova redação do §3º); b) além disso, as pensões somente serão concedidas parcialmente, se ultrapassarem o teto previsto no art. 201 para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Nesse último caso: se a pensão não ultrapassar o teto de RGPS, será concedida na totalidade; se ultrapassar esse valor, será concedida a parcela relativa ao teto acrescida de 70% do valor que superar o referido teto (art. 40, §7º, da CF). Com a extinção da paridade, os arts. 189 e 224 da 8.112, que previam a atualização automática de proventos e pensões, respectivamente, foram revogados (ou, melhor dizendo, não foram recepcionados pela nova ordem constitucional). Modalidades de aposentadoria: a aposentadoria pode ser classificada: • Quanto à vontade do servidor: a) voluntária, quando se dá por livre e espontânea vontade, cumpridos determinados requisitos; e b) involuntária, quando se dá independentemente da vontade do servidor, em virtude de: b.1) invalidez; ou b.2) adimplemento de idade limite (aposentadoria compulsória); • Quanto à percepção de proventos: a) aposentadoria com proventos integrais, em que o aposentado receberá os proventos calculados com base em 100% da média dos salários-contribuição (Lei nº 10.887/04, art. 1º); b) aposentadoria com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, em que o valor daquela média sofre redução proporcional ao tempo que falta para o servidor fazer jus à integral. Requisitos para a concessão de aposentadoria, segundo a redação dada ao art. 40 da CF pela EC 41/03: a concessão de aposentadoria é ato vinculado, subordinado à realização dos seguintes requisitos: • Aposentadoria voluntária e com proventos integrais (art. 40, §1º, III, a): (OBS.: para professor que comprove tempo exclusivo no ensino infantil/ fundamental/médio, os requisitos de idade e tempo de contribuição são diminuídos em 5 anos - §5º). a) Homens: 1. idade: 60 anos; 2. tempo de contribuição: 35 anos; 3. tempo de serviço público: 10 anos; 4. tempo no cargo em que se dá a aposentadoria: 5 anos; b) Mulheres: 1. idade: 55 anos; 2. tempo de contribuição: 30 anos; 3. tempo de serviço público: 10 anos; 4. tempo no cargo em que se dá a aposentadoria: 5 anos. • Aposentadoria voluntária e com proventos proporcionais ao tempo de contribuição (art. 40, §1º, III, b): (OBS: para professor que comprove tempo exclusivo no ensino infantil/fundamental/médio, os requisitos de idade e tempo de contribuição são diminuídos em 5 anos - §5º). T r i n d a d e • Aposentadoria involuntária por invalidez, em qualquer caso que não se enquadre no tópico anterior: proventos PROPORCIONAIS ao tempo de contribuição – art. 40, §1º, I. • Aposentadoria involuntária por adimplemento da idade limite (70 anos), também chamada aposentadoria compulsória: proventos proporcionais ao tempo de contribuição (art. 40, §1º, II). a) Homens: 1. idade: 65 anos; 2. tempo de serviço público: 10 anos; 3. tempo no cargo em que se dá a aposentadoria: 5 anos; b) Mulheres: 1. idade: 60 anos; 2. tempo de serviço público: 10 anos; 3. tempo no cargo em que se dá a aposentadoria: 5 anos. • Aposentadoria involuntária por invalidez permanente decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei (no caso, as doenças previstas no §1º do art. 186 da 8.112) – art. 40, §1º, I – com proventos INTEGRAIS; de acordo com o §1º deste art. 186 da 8.112, consideramse doenças graves, contagiosas ou incuráveis: a) tuberculose ativa, isto é, a que não se restringe à mera infecção pelo Bacilo de Koch (Mycobacterium sp., geralmente Mycobacterium tuberculosis), já se caracterizando como doença, em virtude da multiplicação das bactérias e – principalmente – pela possibilidade de transmissão; b) alienação mental (“Qualquer forma de perturbação mental que incapacita o indivíduo para agir segundo as normas legais e convencionais do seu meio social”, segundo o Aurélio), aqui incluídas todas as formas de patologia cerebral adquirida ou manifestada; c) esclerose múltipla (doença neurológica crônica, de causa desconhecida, que leva à destruição da bainha de mielina que recobre as células nervosas; pode causar fraqueza muscular, dores e rigidez articulares, insuficiência respiratória, entre outros sintomas); d) neoplasia maligna (câncer) – tumor maligno, isto é, o que tem capacidade de invadir outros tecidos e provocar metástase; e) cegueira posterior ao ingresso no serviço público; f) hanseníase (lepra: “Infecção crônica, contagiosa, que produz lesões na pele, mucosas e nervos periféricos, e que se deve a uma micobactéria (Mycobacterium leprae)”, segundo o Aurélio); g) cardiopatia (doença cardíaca) grave; h) doença de Parkinson (mal de Parkinson) - “Moléstia nervosa, de causa desconhecida, caracterizada por tremores rítmicos, rigidez facial e festinação”, de acordo com o Dicionário Aurélio; i) paralisia irreversível e incapacitante, derivada de trauma ou doença; j) espondiloartrose anquilosante (doença inflamatória, de causa indefinida, e que compromete a coluna vertebral e a região sacroilíaca descendente, causando limitação de movimentos e invalidez); l) nefropatia (doença renal) grave; m) estados avançados do mal de Paget (osteíte deformante - “Doença de caráter crônico, que se manifesta nos ossos, provocando-lhes deformações”, segundo o Aurélio); n) AIDS (síndrome da imunodeficiência humana adquirida); o) outras doenças que a lei indicar (o rol não é exaustivo). No caso de aposentadoria por invalidez, é obrigatório prévio exame do servidor por junta médica oficial (§3º do art. 186 da 8.112), que atestará a impossibilidade de exercer as atribuições do cargo e também de se proceder à readaptação prevista no art. 24. Lembre-se que, nos termos do art. 188, §1º, a aposentadoria por invalidez será sempre precedida de licença para tratamento da própria saúde (arts. 202 a 206); só quando findar esta será concedido o benefício previdenciário (art. 188, §2º). D i r e i t o Reformas da previdência, situações consolidadas e transitórias (regras de transição): as reformas da previdência buscaram reduzir o déficit do RPSP sem, contudo, desrespeitar direitos adquiridos. Com exceção de algumas regras da EC 41/03, isso foi realmente possível. Assim, aos servidores já aposentados não se modificaram (geralmente) os direitos. A quem ainda não se tinha aposentado, porém, não há que se falar em direito adquirido, pois se trata, na verdade, de direito em processo de aquisição (mera expectativa de direito). Desenham-se, então, várias (e confusas/ complexas) situações. Cálculo dos proventos: faz-se, nos termos do art. 1º da Lei nº 10.887/04, a partir da média dos salários-contribuição do servidor. Limitação dos proventos ao teto do RGPS: é possível, desde que a União institua plano de previdência complementar (entidade fechada, pública, com planos na modalidade de contribuição definida), nos termos dos §§14 e 15 do art. 40. Porém, a limitação somente terá efeitos para quem ingressar no serviço público depois da instituição do referido regime, pois para quem já estiver em exercício a adoção do regime complementar será facultativa (§16). Acumulação de proventos e vencimentos (§6º): proventos de aposentadoria são acumuláveis desde que se refiram a cargos que também seriam acumuláveis, nos termos do art. 37, XVI; é possível, porém, acumular: uma aposentadoria do RPSP com uma do RGPS; uma aposentadoria do RPSP com o subsídio de mandato eletivo ou a remuneração de um cargo de provimento em comissão, ou ainda com um cargo acumulável com aquele no qual se deu a aposentadoria (CF, art. 37, §10); duas aposentadorias de cargos acumuláveis com uma do RGPS. Deve, todavia, ser sempre respeitado o limite previsto no art. 37, XI, da CF. Abono de permanência: o servidor que já possuir tempo para requerer aposentadoria voluntária (com proventos integrais ou não) e que, mesmo assim, permanecer em atividade, faz jus a abono de permanência, em valor igual ao da contribuição previdenciária (11%). Na prática, o servidor fica sem pagar a contribuição previdenciária enquanto não requerer a aposentadoria ou enquanto não implementar o limite de idade para aposentadoria compulsória (70 anos). O abono é regulamentado pelo art. 9º da Lei nº 10.887/04. • Jurisprudência: STF, Súmula Vinculante nº 3: “NOS PROCESSOS PERANTE O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO ASSEGURAM-SE O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA QUANDO DA DECISÃO PUDER RESULTAR ANULAÇÃO OU REVOGAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO QUE BENEFICIE O INTERESSADO, EXCETUADA A APRECIAÇÃO DA LEGALIDADE DO ATO DE CONCESSÃO INICIAL DE APOSENTADORIA, REFORMA E PENSÃO.”. C o n s t i t u c i o n a l 39 Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) Estabilidade é, como dissemos, o direito que adquire o servidor titular de cargo de provimento efetivo, após três anos de efetivo exercício, de não perder o cargo salvo nas hipóteses restritas previstas em lei (no caso, nos arts. 41, §1º, e 169, §4º, da CF). O conceito não se confunde com o de estágio probatório, que é o lapso temporal em que o servidor é avaliado quanto às condições ou não de ocupar o cargo. O prazo da estabilidade era de dois anos, até a EC 19/98, que deu ao art. 41 da CF nova redação. Com isso, ficou “revogado” (melhor dizendo: não foi recepcionado) o art. 21 da 8.112, que ainda se pauta pelo antigo prazo. Acerca da discussão sobre os reflexos dessa mudança no prazo do estágio probatório, vejam-se os comentários ao artigo anterior. A estabilidade é, como se diz, uma qualificação do servidor, não do cargo. Assim, servidor estável que seja nomeado para outro cargo de provimento efetivo estará submetido a novo estágio probatório. Importante frisar que, de acordo com a nova redação conferida pela EC 19/98 ao art. 41 da CF, ficou esclarecido que só pode adquirir estabilidade o titular de cargo de provimento efetivo; excluídos ficaram, portanto, os titulares de emprego público (como sempre afirmou a doutrina majoritária, mas ao contrário do que dispunha a jurisprudência do STF anterior à modificação) e de cargo de provimento em comissão (o que já era uníssono na doutrina e na jurisprudência). Também é de se relevar que não existe estabilidade em função de confiança: o servidor que a ocupa, por ser necessariamente titular de cargo de provimento efetivo, pode (ou não) ser estável no cargo, mas nunca terá direito a permanecer na função, da qual pode ser dispensado a qualquer momento. Deve ser notado, ainda, que somente o servidor legalmente investido no cargo de provimento efetivo – isto é, aquele regularmente aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos – pode atingir a estabilidade, motivo por que pessoa ilegalmente nomeada para cargo efetivo (“agente de fato”) jamais poderá se estabilizar no serviço público. A propósito, o enunciado do art. 41 da CF é o seguinte: “são estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público”. São requisitos, então, para se conquistar a estabilidade: • Ser titular de cargo de provimento efetivo; • Ter sido nomeado legalmente, isto é, por meio de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos; • Contar três anos de efetivo exercício no cargo para o qual foi nomeado; • Ter sido aprovado em comissão especificamente destinada à avaliação para aquisição de estabilidade (não se adquire a estabilidade mais por simples decurso de tempo, a não ser que haja omissão da Administração). Contagem do tempo da estabilidade: deve ser feita em cada cargo, de maneira isolada. Assim, a posse em outro cargo interrompe (zera) a contagem da estabilidade. Isso porque, se é verdade que a estabilidade é no serviço público (e 40 J o ã o não no cargo), também é certo que a Constituição prevê que “São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público”. Como se usa “cargo” no singular – e a partir de uma interpretação teleológica e sistemática – devese entender que a estabilidade é contada em cada cargo. Assim, por exemplo, servidor estável que assuma outro cargo inacumulável já será estável no serviço público, mas ainda não naquele cargo – justamente por isso, não pode sair dele e a ele ser reconduzido (ver comentários ao art. 29). Ressaltese: a estabilidade é no serviço público, mas referente a um cargo. Interpretar contrariamente seria afirmar o absurdo de que o servidor que passasse um mês em cada cargo, “pulando de galho em galho”, alcançaria a estabilidade no último deles. Por exemplo: se o servidor passasse dois anos e onze meses no STF e assumisse cargo na PF, adquiriria a estabilidade no cargo novo com apenas um mês de efetivo exercício – conclusão absurda, como se vê. Por isso, o tempo de contagem da estabilidade – que tem fundo constitucional – não pode se submeter à regra de continuidade prevista no art. 100 da Lei nº 8.112/90, pois não se deve interpretar a Constituição a partir da lei, mas sim o contrário. Perceba-se que estabilidade não se confunde com efetividade nem com vitaliciedade. Estabilidade é um direito do servidor (de permanecer no serviço público), enquanto efetividade é uma característica do cargo (cargo de provimento efetivo) e condição para se adquirir a estabilidade. Assim, via de regra, não existe estabilidade sem efetividade, mas pode o servidor já ser efetivo e ainda não ser estável. Estabilidade também não se confunde com vitaliciedade: estabilidade é um direito dos servidores comuns, vitaliciedade é uma garantia dos magistrados, membros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas; o servidor estável pode perder o cargo em quatro hipóteses (sentença judicial transitada em julgado; processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa; procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa; e contenção de gastos com pessoal), enquanto o agente vitalício só pode perder o cargo na hipótese de sentença judicial transitada em julgado. • Jurisprudência: STF: “A decisão agravada está em conformidade com entendimento firmado por ambas as Turmas desta Corte, no sentido de que não se aplica a empregado de sociedade de economia mista, regido pela CLT, o disposto no art. 41 da Constituição Federal, o qual somente disciplina a estabilidade dos servidores públicos civis. Ademais, não há ofensa aos princípios de direito administrativo previstos no art. 37 da Carta Magna, porquanto a pretendida estabilidade não encontra respaldo na legislação pertinente, em face do art. 173, § 1º, da Constituição, que estabelece que os empregados de sociedade de economia mista estão sujeitos ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas.” (AI 465.780-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 23-11-04, DJ de 18-2-05). • STF: “Efetividade e estabilidade. Não há que confundir efetividade com estabilidade. Aquela é atributo do cargo, designando o funcionário desde o instante da nomeação; a estabilidade é aderência, é integração no serviço público, depois de preenchidas determinadas condições fixadas em lei, e adquirida T r i n d a d e pelo decurso de tempo. (...) A vigente Constituição estipulou duas modalidades de estabilidade no serviço público: a primeira, prevista no art. 41, é pressuposto inarredável à efetividade. A nomeação em caráter efetivo constitui-se em condição primordial para a aquisição da estabilidade, que é conferida ao funcionário público investido em cargo, para o qual foi nomeado em virtude de concurso público. A segunda, prevista no art. 19 do ADCT, é um favor constitucional conferido àquele servidor admitido sem concurso público há pelo menos cinco anos antes da promulgação da Constituição. Preenchidas as condições insertas no preceito transitório, o servidor é estável, mas não é efetivo, e possui somente o direito de permanência no serviço público no cargo em que fora admitido, todavia sem incorporação na carreira, não tendo direito a progressão funcional nela, ou a desfrutar de benefícios que sejam privativos de seus integrantes.” (RE 167.635, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 17-9-96, DJ de 7-2-97). EC 19/98. No caput do 169 se prevê que “A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar” (a lei exigida já existe: é a Lei de Responsabilidade Fiscal – LC nº 101/00, que revogou a LC 96/99). Caso os limites (50% da receita corrente líquida para a União e 60% para os demais entes, na forma do art. 19, I, II e III, da LRF) sejam desrespeitados, serão adotadas as medidas previstas no art. 169, §3º, sucessivamente: a) redução da despesa com cargos em comissão e funções de confiança; b) exoneração dos servidores não estáveis. Se essas providências não resolverem a extrapolação dos limites, poderão ser exonerados até mesmo servidores estáveis, nos termos do art. 169, §4º, fazendo jus o exonerado a indenização. É um caso que, embora raro, não é impossível de acontecer. Justo por isso, uma interpretação sistemática deve recomendar a leitura do art. 41, §1º, sem o vocábulo “só”, pois que existe, na própria Constituição, outra forma de perda do cargo pelo servidor estável. Jurisprudência: STF: “A ausência de decisão judicial com trânsito em julgado não torna nulo o ato demissório aplicado com base em processo administrativo em que foi assegurada ampla defesa, pois a aplicação da pena disciplinar ou administrativa independe da conclusão dos processos civil e penal, eventualmente instaurados em razão dos mesmos fatos. Interpretação dos artigos 125 da Lei n. 8.112/90 e 20 da Lei n. 8.429/92 em face do artigo 41, § 1º, da Constituição.” (MS 22.362, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 6-5-99, DJ de 18-6-99). § 1º O servidor público estável só perderá o cargo: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) I – em virtude de sentença judicial transitada em julgado; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) III – mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) § 2º Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) * Reintegração: é a “reinvestidura do servidor estável no cargo anteriormente ocupado, ou no cargo resultante de sua transformação, quando invalidada a sua demissão por decisão administrativa ou judicial, com ressarcimento de todas as vantagens” (Lei nº 8.112/90, art. 28, caput). Ex: alguém era titular de cargo público e foi punido com demissão (perda do cargo). Provando, depois, que a demissão foi injusta, deverá ser reinvestido no cargo, com direito a indenização, por meio da figura da reintegração. Se o cargo houver sido extinto, o servidor ficará em disponibilidade remunerada (§1º); se ocupado, o exercente será reconduzido se for estável (§2º)19. Hipóteses de perda do cargo pelo servidor estável: o estudo do tema deve ser feito agora em sede especificamente constitucional. De acordo com a nova redação do art. 41, §1º, o servidor estável perderá o cargo em virtude de: • sentença judicial transitada em julgado (já existia no texto anterior); seria melhor que se tivesse utilizado a expressão “decisão”, pois a perda do cargo pode decorrer também de acórdão transitado em julgado (condenação em segunda instância após absolvição na primeira, p.ex.); a condenação pode ocorrer na esfera penal (crime contra a administração pública, p.ex.) ou cível-administrativa (improbidade administrativa). • processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa (já constava do texto anterior); o processo administrativo disciplinar está regulado na 8.112 nos arts. 143/182. • inabilitação em procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa (inciso III, incluído pela EC 19/98); forma de implementar o princípio da eficiência, tornou-se possível à Administração exonerar (pois essa perda do cargo não tem caráter punitivo) o servidor que, estável, não mais corresponde às atribuições exigidas para o cargo; a lei complementar referida ainda não veio, o que gera a não aplicação do inciso, que traz norma de eficácia limitada. § 3º Extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) § 4º Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) Além dessas três hipóteses, existe ainda uma quarta, inserta no §4º do artigo 169 da CF, dispositivo incluído pela D i r e i t o 19 Para mais detalhes sobre a Lei nº 8.112/90, consulte-se: João Trindade Cavalcante Filho, Lei 8.112/90 Comentada Artigo por Artigo. Brasília: Obcursos, 2008. C o n s t i t u c i o n a l 41 42 J o ã o T r i n d a d e