Universidade Presbiteriana Mackenzie A TORTURA E A DIGNIDADE HUMANA Jéssica Mayra Campos (IC) e Evandro Fabiani Capano (Orientador) Apoio: PIVIC Mackenzie Resumo Conforme o Princípio da Legalidade, tipificado na Constituição Federal, é proibido o arbítrio e o tratamento desigual entre os homens. Desta forma, se faz de considerável importância o estudo metodológico de uma das formas de opressão que mais fere a liberdade do homem, a tortura. Após policiais da cidade de Diadema, São Paulo, terem agido de forma violenta, torturando pessoas, instituiu-se no Brasil, a lei n.º 9.455, na data de 17 de abril de 1997, tipificando as hipóteses em que o crime de tortura ocorre e as sanções previstas. Porém, com o passar dos anos, verificou-se as imperfeições desta lei, seus aspectos controvertidos e severas imperfeições que devem ser corrigidas e alteradas no menor espaço de tempo possível. “O Secretário Nacional dos Direitos Humanos, Paulo Sérgio Pinheiro deu seu parecer: “Paus-de-arara e eletrochoques continuam a ser usados, como sempre. Quando desembargadores, juízes e promotores vão romper com o faz-de-conta de que a tortura acabou com o fim da ditadura e responsabilizar, processando na forma de lei, os torturadores que continuam a atuar nas delegacias policiais, prisões e instituições fechadas do Estado? Pois o sistema de justiça, desde abril de 1997, quando foi promulgada a lei criminalizando a tortura, tem se mostrado incapaz, como aponta o relatório do Governo Federal, de processar e condenar os funcionários do Estado torturadores”. Palavra-chave: tortura/dignidade da pessoa humana Abstract According to the Legality Principle, written at the Federal Constitution, is forbiden the will and the unequal treatment betwen man. Therefore, is of a great importance the methodological studyof one sorto f opression most harmfull to the man´s freedom, the torture. After a case of a great and violent case of torturing people by police officers from Diadema, the law n.9.455, was made in Abril 17th of 1997, wich describes all the torture hypotesis and all of it implications and sanctions. However, through the years, imperfections was observed in this law, controversal aspects and several imperfections that must be perfected and changed faster as possible. “The National Human Rights Secretary, Paulo Sérgio Pinheiro sad: ‘Paus-de-arara’ and electrical equipments are still being used, as Always. When Judges and Prossecutors will break with the fiction that torture is ended togheter with the dictadorial system and make responsable, at the laws paramethers, the torturers that are in activity in police stations, jails and closed institutions of the state? The Juridical system, since April 1997, when the law against torture was approved, has shown unable, as shown at the Federal Government report, to procecute and put the torturers behind bars” Key-words: torure/dignity of human 1 VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 INTRODUÇÃO A pesquisa interessa-se por analisar os aspectos históricos e jurídicos visando entender as diversas concepções dadas a esta cruel expressão de força. Será avaliada a eficácia social que a lei n.º 9.455/1997 tem, através dos seus meios para combater à violação dos direitos do homem. É destinada também, essa pesquisa, à análise social sobre a conduta do Estado, que possui os maiores violadores do direito à dignidade com aqueles “organismos armados¹”. Destarte, o objetivo deste trabalho será o de investigar se existe uma proteção eficaz do direito fundamental por intermédio do princípio da dignidade da pessoa humana. Há pessoas que têm sido tratadas como objeto pelo Estado, que deveria resguardar a elas a integridade física e psíquica. Para nós, isto é ainda sinal de fragilidade de nossa democracia, com o atentado à dignidade da pessoa humana, através dos atos de tortura ainda existentes no nosso cotidiano. REFERENCIAL TEÓRICO “Tal qual o bandeirante, abrimos um caminho em busca da melhor interpretação da tortura e sua colocação no contexto histórico, aguardando que os outros se juntem a nós para levantar a bandeira contrária a essa forma covarde e aviltante de agir, com total afronta a todos os direitos humanos. Poderíamos, ainda, questionar se a prova obtida mediante tortura tem validade. Haveria duas hipóteses, na primeira o acusado é inocente e confessa o crime, apenas, para cessar o suplício; na segunda, o acusado é culpado e, da mesma maneira confessa para livrar-se da barbárie. Em ambos os casos, a prova arrancada mediante tortura é inválida, ainda que o condenado seja, de fato, o autor do delito. Assim prescreve o artigo 15, da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes, ao estabelecer que cada Estado-parte assegurará que nenhuma declaração que demonstre ter sido prestada como resultado de tortura possa ser invocada como prova em qualquer processo, salvo contra uma pessoa acusada de tortura como prova de que a declaração foi prestada. Neste caso, a prova é válida, exclusivamente, para condenar o torturador, esta idéia é reforçada, da mesma forma, pelo art. 5 III, da Constituição Federal, ao estabelecer que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante. Ao contrário, a vítima da tortura e seus dependentes terão direito a indenização por este fato, sendo o que determina o art. 141 da referida Convenção Contra a Tortura e Outros 2 Universidade Presbiteriana Mackenzie Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes; cada Estado-parte assegurará em seu sistema jurídico à vítima de um ato de tortura, o direito à reparação e a indenização justa e adequada, incluídos os meios necessários para a mais completa reabilitação possível. Em caso de morte da vítima como resultado de um ato de tortura, seus dependentes terão direito à indenização. Beccaria mostra-se convencido de que a pessoa sensível, mesmo que seja inocente, declarar-se-á culpada, para terminar com a tortura sendo que a diferença entre o culpado e o inocente desaparece pelo mesmo meio que se objetiva empregar para encontrá-la. Dessa maneira, em havendo dois réus, igualmente inocentes ou igualmente culpados, o forte e destemido será absolvido. O fraco e tímido será condenado. No entanto, o inocente é declarado culpado ou inocente, após ter sofrido em ambos os casos de uma pena indevida. Por outro lado, o culpado tem uma possibilidade a seu favor, tendo em vista que, quando estava resistindo com firmeza à tortura, foi absolvido como inocente, trocou uma pena maior por outra menor. A igreja recentemente como Paulo VI, mudou seu discurso, conforme a Constituição pastoral Gaudium ET Spes, que prega que quando viola a integridade da pessoa humana, como por exemplo, as multilações, as torturas morais e físicas, são em si mesmas infamantes, que degradam a civilização humana, desonram mais seus autores que suas vítimas. E em sua mensagem de 21 de outubro de 1970, o mesmo pontífice asseverou que os métodos policialescos cruéis e inumanos usados para arrancar confissões dos lábios dos prisioneiros, devem ser condenados abertamente. Não são admissíveis, hoje, nem sequer com o fim de exercer a justiça ou defender a ordem pública. Devem ser reprovados e abolidos. Ofendem não só a integridade física, como também a dignidade da pessoa humana. Degradam o sentido e a majestade da justiça. E a tortura praticada por funcionário ou por particulares, inspira sentimentos implacáveis e contagiosos de ódio e de vinganças. Já Cícero, havia se indignado com a forma com que os acusados buscavam, de maneira sinuosa, a verdade, pois nenhuma validade teria se o escravo fosse torturado para acusar alguém, depois a sua língua fosse cortada e fosse crucificado; essa confissão arrancada não demonstraria a verdade, mas convalidaria a mentira. Não acreditava na utilização da tortura para alcançar a verdade, pois, para ele, a tortura é dominada pelo sofrimento, governada pela complexão de cada um, tanto no ânimo como nos membros, rompendo a esperança debilitando o temor, no conjunto de tantas angústias, não fica nenhum lugar para a verdade. Pietro Verri, em seu tempo, questionava se a tortura era um instrumento eficaz para se conhecer a verdade, pois em meio aos suplícios, esta ficava obscurecida. Todo homem de 3 VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 bem, espontaneamente, tenderia a proscrevê-la e abominá-la. Os defensores da tortura erram em supor que os tormentos constituem uma condição de saber a verdade, e é justamente esta questão. Eles teriam que demostrar que este é um meio de saber a verdade, e somente então o raciocínio seria fundado. Primeiro porque os tormentos não constituem uma via de descobrir a verdade, segundo porque a própria prática penal, não considera a tortura como condição para descobrir a verdade. E por fim, mesmo que o suplício conduzisse à verdade, ele seria intrinsecamente injusto. Réus robustosos e determinados sofrem a tortura sem confessar os crimes, decididos a morrer de dor, que reconhecer a autoria, sendo, neste caso, a tortura inútil para a descoberta da verdade. Outras vezes, o torturado confessa o crime que não cometeu, diante da tortura infligida. Por conseguinte, a tortura, às vezes, não resulta em nada, e outras vezes resulta em mentiras. Ademais, prossegue o autor Milanês, a razão correspondente, rigorosamente ao fato. Qual o sentimento que nasce no homem ao sofrer uma dor? Este sofrimento é o desejo que a dor pare. Quanto mais violento for o suplício, tanto mais violento será o desejo e a impaciência de que chegue ao fim. Qual é o meio com que um homem torturado pode acelerar o término da dor? Declarar-se culpado do crime do qual é investigado. Mas é verdade que o torturado cometeu o crime? Assim sendo, os tormentos não constituem a melhor circunstância para descobrir a verdade, uma das possibilidades que leva um homem a acusar-se de um crime, tenha ele cometido esse delito ou não. Nada falta a esse raciocínio para ser uma perfeita demonstração. Mesmo a igreja medieval tinha grandes dúvidas relacionadas à eficácia da tortura, todavia, a utilizava frequentemente, pois como consta no Manual dos Inquisidores, não deveria decretar-se a tortura sem primeiro ter, inutilmente, usado todas as probabilidades de descobrir a verdade. Boas maneiras, espeteza, exortações mediante outras pessoas bemintencionadas, a reflexão, as incomodidades da prisão, podem ser o bastante para conseguir dos réus a confissão de sua falta. Os tormentos não são mesmo um método seguro para conseguir a verdade. Há homens fracos que, à primeira dor, logo confessam crimes que não cometeram, enquanto outros teimosos e fortes, são capazes de suportar os maiores tormentos. Há homens que já tendo sido submetidos à tortura suportam com constância, porque se já distendem logo os membros e eles resistem fortemente; e há outros que, graças a sortilégios, tornam-se a si mesmos insensíveis e seriam capazes de morrer no suplício, sem nada confessar. Para tais malefícios, esses desgraçados, segundo o referido manual, empregam passagens da escritura que, de forma estranha, escrevem em pergaminhos virgens, misturando-as com nomes de anjos que ninguém conhece, círculos, caracteres desconhecidos, que depois escondem em qualquer parte do corpo, arrematava o 4 Universidade Presbiteriana Mackenzie Manual dos Inquisidores. Não se sabe de remédios certos contra tais sortilégios, mas convém sempre despir e revisar bem os acusados antes de submeter à tortura. Jean Paul Sartre afirmou que, El propósito de El tortura, no ES solo La “exaccion” de las cofesiones del ‘traidor’ sino La intencion de que La victima caigaen desgracia consigo misma mediante sus quedas, gritos e submission, como se tratara de um ‘animal humano’. Ante los opôs de los que observan e antes mismo, El rendirse, El hacer dócil no solo Le llevan a revelar sino aceptar su conversion en algo sub-humano. Finalmente concordamos também, com Alexandre Soljenitsin, que definiu a tortura dizendo: ‘de todas as formas de opressão, é a prática da tortura a que mais implacavelmente procura a desintegração da liberdade, marco fundamental do ser humano. Primeiro é o assalto, a desnudez, a degradação, e logo os intentos para ganhar o controle absoluto da vítima.” MÉTODO A pesquisa será de natureza descritiva e exploratória, e adotarei o delineamento de pesquisa bibliográfico, analisando a tortura praticada desde os antigos no período medieval. Sendo o iluminismo o período que marcou pela nova mentalidade, pelo pensamento libertário, ou seja, rejeitando todos os atos que violavam os direitos da pessoa humana, dando ênfase à liberdade, igualdade e fraternidade, procurando uma explicação através da razão, não aceitando a submissão cega às autoridades e às suas práticas abusivas. Estudarei os pensamentos libertários que os filósofos propuseram naquela época, a fim de defender a produção de provas contra si mesmo, a abolição da tortura, entre outros ideais que contribuíram para o surgimento da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que tinha o princípio o ideário de igualdade, liberdade e fraternidade. Analisarei a história da tortura no Brasil, partindo do Brasil-colônia, passando por Brasilimpério e depois Brasil-república. Serão coletados dados também das Ordenações Filipinas e do Regime Militar. Será verificado o processo de evolução jurídica da tortura, e a previsão desta no sistema jurídico, análise da lei e sua interpretação na sociedade atual, através de instrumentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição Federal, que é composta pelo Princípio da Legalidade. Investigarei Pactos Internacionais que o Brasil aderiu ou até mesmo é signatário e Convenções interamericanas para prevenir e punir a tortura 5 VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 Será dado um enfoque detalhado na Lei nº 9.455/1997, visto que é a lei que trata especificamente do assunto tratado na pesquisa, avaliando os pontos mais relevantes. RESULTADOS E DISCUSSÃO Desde 1832, com a vigência do primeiro código de processo criminal, tem-se tentado abolir a tortura como forma de produção de provas no processo de investigação. A prática de violência e opressão era voltada contra todas as classes baixas, como forma de garantir o controle social. A elite fazia o uso da força para subjugar classes menos abastadas. A política usada, era a do medo, na qual, eram, os subversivos, obrigados a responder tudo o que lhes era interrogado, e se não o fizesse, seriam torturados até que se chegasse a uma conclusão quanto ao crime praticado, sendo os torturados culpados ou inocentes. Este assunto em constante discussão, origem da atual violência e emprego da tortura está diretamente enraizada no processo civilizatório iniciado a partir da colonização portuguesa e de seu ordenamento jurídico calcado na aplicação de penas corporais como punição para os diversos delitos. No período da ditadura militar, conforme explana Marco Antônio Basso em seu livro: Tortura, evolução histórica, jurídica e social, “os averiguados, ao chegarem à entrada da carceragem, se deparavam com a seguinte mensagem pregada na parede: ‘Contra a pátria, não há direitos’, diante desta afirmação espetacularmente aviltadora dos direitos individuais do homem, já era possível fazer um pré-julgamento do que estava por vir: a submissão ao princípio investigativo do pau. [...] além dessa falta de vontade de apurar as acusações, de tortura praticada pelos órgãos policiais.” Até o final do mandato de Emíio Garrastazu Médici, nos anos de 1969 a 1974, conhecidos como “os anos negros da ditadura”, como nos ensina Marco Antonio Basso, em seu livro Tortura, evolução histórica jurídica e social, “o Brasil ficou conhecido pelas constantes violações aos direitos fundamentais do cidadão, especialmente caracterizada pelas constantes sessões de tortura, perseguições ideológicas, exílio, cassações e extermínios.” “Pela análise psicológica de Alfredo Naffah Neto, o momento vivido pela sociedade naquele momento e naquelas circunstâncias, o Estado estava adquirindo poder ilimitado e tirânico, o que resultou na instauração de pânico e terror na população reprimida que poderia chegar à paranóia. Era como se o espaço social passasse a ser povoado por olhos e ouvidos por todos os lados, não se identificavam mais os traidores, todos potencialmente eram, pois o perigo estava por toda a parte.” 6 Universidade Presbiteriana Mackenzie O que frequentemente ocorria, era a confusão feita pela igreja entre o pecado e o crime. Estava previsto no ordenamento que, os tormentos seriam realizados para obter confissão do acusado toda vez que tivesse somente um indício, o qual deveria ser contundente o bastante em apontar a autoria. Para que se condenasse a pessoa, seria necessária a ratificação perante o juiz, sob pena de ser aplicada nova sessão de tortura. “Anistiados ambos os lados e terminada a repressão política, o Brasil iniciou caminho para sua redemocratização, porém a edição da lei da anistia, de diversos tratados internacionais e, até mesmo da constituição-cidadã de 1988, não tiveram o condão de acabar com a ‘cultura do pau’ ou ‘sociologia do cacete’, como meio mais eficaz da polícia, especialmente da polícia judiciária solucionar os crimes que lhe eram comunicados.” Conforme os anos passavam, a sociedade evoluía, porém, na mesma proporção, passava a ser subjugada pelo Estado, órgão idealizado para proteção dos homens, que tornava-se o maior violador dos direitos do indivíduo. Por este motivo, no período medieval, apesar da existência da estrutura feudal, haviam direitos humanos, sendo esses caracterizados sempre pela limitação do poder estatal. A consagração normativa dos direitos fundamentais, ocorreu na França, na qual estava expresso em seu artigo 9º a seguinte afirmação: “todo homem é suposto inocente enquanto não for declarado culpado, se for indispensável detê-lo, todo rigor que não seja necessário para lançar mão a sua pessoa, deve ser severamente coibido por lei. Só deve estabelecer pena escrita e evidentemente necessária; e ninguém poderá ser punido se não em virtude de disposição de lei, promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada.” Até o momento da declaração de 1789, não havia uma carta de direitos que cuidava expressamente da tortura, porém, esta existia de forma indireta em todas as declarações redigidas até aquele momento, desta forma, criou-se a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos e Degradantes, e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. Mesmo adotando essas convenções interamericanas, o Brasil permaneceu inerte para adotar providências legislativas necessárias para criminalizar tal ação criminosa. De acordo com o livro Tortura, evolução histórica, jurídica e social de Marco Antônio Basso: “na oportunidade de assinatura de ambas as convenções, vigorava tão e somente apenas o Código Penal Brasileiro, que somente se refere à prática da tortura como modalidade de qualificadora no caso do delito de homicídio e da agravante genérica, ao considerar-se a tortura ou outro meio insidioso ou cruel escolhido pelo agente, em enumeração que inclui também o uso de venenos, de fogo, de explosivos ou de meios asfixiantes.” 7 VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 Diante da ausência de uma norma específica para o crime de tortura, a punição era feita através de uma adequação do fato a outros tipos penais que estão intimamente ligados à tortura, como: maus-tratos, constrangimento ilegal, lesão corporal, exercício arbitrário ou abuso do poder, lei do abuso de autoridade e a Constituição Federal. A proibição da tortura passou novamente a ser tratada como matéria constitucional, por ser considerada crime constitucional hediondo de acordo com João José Leal. A Constituição Brasileira foi considerada avançada conforme informa Clóvis Mello: “a Lei Maior brasileira foi muito avançada, no seu tempo, ao menos em palavras; excetuando-se as constituições suecas e norueguesas, de 1814, ninguém mais proibia expressamente, no mundo, a tortura. A americana e a francesa falavam por alto em maus-tratos. As demais, nada.” Porém, o avanço social perdurou apenas até a constituição de 1891, que não fez menção alguma a prática da tortura, e da mesma forma ocorreu com todas as próximas constituições. Este quadro foi alterado somente com a redemocratização e a promulgação da Constituição-Cidadã de 1988, que ocorreu nova previsão como norma constitucional como direito fundamental de todo cidadão brasileiro ou dos demais que estejam em solo brasileiro: a dignidade humana com a abolição total e irrestrita das práticas de tortura. E em relação às provas, a Constituição Federal consagrou a inadmissibilidade do uso judicial de qualquer prova que tivesse sido obtida por meio ilícito. Marco Aurélio de Mello expõe seu parecer quanto à generalização da norma referente à tortura com as seguintes palavras: “a simples menção à tortura, sem que se defina o comportamento suficiente ao configurá-la, deixa ao sabor da capacidade até mesmo intuitiva daquele que exerce o ofício judicante o alcance da norma penal, a conclusão sobre a prática, ou não, do crime ao qual o contexto jurídico-constitucional impõe consequências das mais gravosas, como são o afastamento da graça, do indulto, e da anistia, da fiança, o elaste cimento da prisão temporária e o cumprimento da pena, na sua integridade, no regime fechado, a insegurança graçará e, o que é pior, o julgamento das ações penais correrá a conta da formação do julgador.” O ato de torturar é a negação arbitrária dos direitos humanos CONCLUSÃO De acordo com a Lei 9.455, de 7 de abril de 1997, constitui crime de Tortura: "Constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou 8 Universidade Presbiteriana Mackenzie mental; Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo". A República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político, como dita a Constituição Federal. De acordo com o artigo Art. 5º desta mesma constituição, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]III - ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante; XLIII - a lei considerará crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia a prática da tortura [...].” Apesar dos resguardos jurídicos, questiona-se a respeito da fiscalização eficiente para o combate de tal crime, bem como uma sanção efetiva sobre aqueles que não respeitam estas leis. Porém, há interesse do Estado em investigar crimes de tortura e fazer a lei ser cumprida? É preferível investir em treinamentos de profissionais competentes na busca de criminosos ou deixar esses crimes às escuras, ficando em uma sociedade estagnada, que não evolui com seu ideal de justiça, pois não vê solução para crimes que ferem princípios primordiais como o da dignidade da pessoa humana? A resposta parece obvia, mas a realidade é que se toma o caminho mais estúpido. Ao invés de investir em profissionais competentes que se empenham eficientemente na investigação de crimes, não ferindo os princípios constitucionais, utiliza-se o valor destinado a esse fim com quaisquer outros interesses. Justamente por este e outros motivos, pode-se observar que é constante nas leis e declarações referentes à tortura que, a limitação do poder estatal é essencial, para que não haja o livre arbítrio do Estado, agindo de forma conveniente somente para si, e esquecer os anseios do povo, passando por cima dos princípios constitucionais. É preciso olhar para a sociedade e enxergar realmente o que ela anseia, porém, não basta criar normas buscando sanar os problemas sociais e não cuidar efetivamente para que tenham eficácia na sociedade que está imposto. 9 VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 REFERÊNCIAS • Basso, Marco Antonio, Tortura, Evolução Histórica, Jurídica e Social: a Tutela do Direito Fundamental e a Dignidade Humana, São Paulo, Scortecci, 2007. •Beccaria, cesare. Dos Delitos e das Penas. Tradução José Cretella Junior e Agnes Cretella. São Paulo. Revista dos Tribunais Ltda, 1996. • Coimbra, Mário, Tratamento do Injusto Penal de Tortura – São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002. •Consagração Normativa de Direitos Humanos Fundamentais, França em 26 de agosto de 1789. • Fernandes, Ana Maria Babette Bajer e Fernandes, Paulo Sérgio Leite, Aspectos Jurídicopenais da Tortura – Belo Horizonte: Nova Alvorada Edições Ltda., 1996. •JURICIC PAULO. Crime de Tortura. Editoria Juarez de oliveira •NAFFAH NETO. Poder, vida e morte na situação de tortura. Esboço de uma fenomenologia do terror. Contato: [email protected] e [email protected] 10 Universidade Presbiteriana Mackenzie IMAGENS As imagens expostas a seguir, foram tiradas na visita ao “Torture Museum”, localizado na rua Singel 449, Amsterdam, na data de 19.04.2011, pela autora do presente trabalho. A Cadeira da Bruxa - Cadeira usada na prática de tortura, para retirar das mulheres confissões de bruxaria. Sua característica comum era ser coberta por espetos afiados no assento, nas costas, nos braços e nos pés. Era um instrumento básico no arsenal dos inquisidores. 11 VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 Máscara da Infâmia – Este não era exatamente um instrumento de tortura. Na verdade ela servia para que a pessoa passasse vergonha publicamente. A pessoa normalmente era amarrada a um poste onde os passantes poderiam torturar ocasionalmente. 12 Universidade Presbiteriana Mackenzie ¹ Expressão usada pelo autor Paulo Sérgio Pinheiro referindo-se aos funcionários públicos, tais como, policiais, delegados, entre outros que agem de forma abusiva usando de tortura para conseguirem a resposta que procuram, mas que nem sempre é a correta, em PINHEIRO, Paulo Sérgio. Tortura: a omissão das elites. São Paulo: Folha de São Paulo, 30 de outubro de 2000. 13