A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A EFETIVAÇÃO DA JUSTIÇA
Maria Neusa Fernandes da Cunha
Introdução
O presente trabalho quer ainda que timidamente demonstrar, o quanto a efetividade da
justiça tem peso no que tange a dignidade da pessoa. O mundo moderno se desenvolveu
trazendo consigo a imediatidade, a tecnologia alijou a demora, não há mais como conviver
com ações que demoram 20, 30 e até mais anos, o jovem que entrava com uma demanda
via seus sonhos se desfazerem em face dos entraves burocráticos, dos recursos
protelatórios, e morria sem ver o que era seu devolvido a ele. As ações faziam parte da
herança do autor, que sucedia uma a uma as gerações seguintes.
Diversos acontecimentos ajudaram a desencadear a crise de credibilidade no poder
judiciário. Condenações abusivas e absurdas pelo país a fora começou a deixar a
população estarrecida quando, por exemplo, uma jovem foi condenada a quatro anos de
prisão, por roubar um pote de 200 gramas de manteiga, enquanto isto, a lentidão
desonrosa nos julgamentos contra sanguessugas, e mensaleiros, sem falar nos pedidos de
indenização por acidentes graves como o do shopping de Osasco. E assim poderíamos citar
inúmeros exemplos. A justiça que era até então cega, começava a ser tremendamente
parcial, sendo forte com os fracos e fraca com os fortes. O mesmo tempo que é aliado de
uns é carrasco de outros, assim a justiça foi perdendo o condão de administrar a
efetividade da justiça.
No pequeno ensaio, com todo respeito às demais denominações religiosas, optamos por
abordar uma bibliografia relativa ao pensamento da Igreja Católica referente à Justiça e a
dignidade, lembrando que a Bíblia traz nas suas páginas nada menos de 550 (quinhentos e
cinquenta) apelos e invocações sobre a justiça, sobre o direito dos pobres, marginalizados,
excluídos, denominados então, como “a viúva, o órfão e o estrangeiro”.
A Efetivação da justiça é sem dúvida a mola mestra no desenvolvimento ou o retrocesso de
um país, não há desenvolvimento onde a pessoa humana é aviltada naquilo que há de mais
sagrado na pessoa, sua dignidade.
As citações, as considerações feitas neste trabalho acabarão por concluir que onde não há
respeito à dignidade da pessoa humana, não há Justiça, no sentido amplo da palavra.
Dignidade da pessoa humana
Conceito:
1
O que significa realmente a expressão Dignidade da Pessoa humana:
Segundo Alexandre Morais: “Ao Estado cabe o dever de garantir a justiça e direitos de
liberdade individual. A dignidade da Pessoa Humana atribui unidade aos direitos e
garantias fundamentais, inerente às personalidades humanas afastando a idéia de
predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em função da liberdade
individual. A dignidade é um valor espiritual e moral intrínseco da pessoa, que se
manifesta singularmente na sua autodeterminação consciente e responsável, trazendo
consigo a pretensão ao respeito das demais pessoas, edificando um mínimo invulnerável
que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, excepcionalmente, possam ser
feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, todavia sem menosprezar o
merecimento das pessoas enquanto seres humanos.” Alexandre de Morais- Direito
Constitucional – Editora Atlas, 2005 - página 16.
Num breve relato histórico podemos dizer que desde seus primórdios o Cristianismo
muito influi no nascimento e no reconhecimento não só dos direitos, mas também da
dignidade da pessoa humana. Contudo não podemos olvidar que os mesmos não surgiram
ao mesmo tempo, nem nasceram de uma única esfera. Antes disso o pensamento grego já
trazia em suas idéias a existência de um Direito baseado no mais íntimo da natureza
humana. Pensadores defendiam a idéia da existência do chamado direito natural, direito
este, percebido como permanente e eternamente válido, independente de legislação ou
qualquer outro instrumento formal. Os gregos o concebiam na perspectiva da existência
de princípios universais válidos para todos os povos em todos os tempos. O Jus
naturalismo ao longo da História foi angariando defensores e adeptos.
Mas é no direito Contemporâneo que a defesa dos direitos humanos, se impôs, em
decorrência de lutas árduas e históricas.
A Igreja sem dúvida exerceu uma grande importância no surgimento de direitos humanos.
No entendimento de alguns autores o advento da Reforma Protestante consagrou a
necessidade de tolerância de credos distintos e também o chamado garantismo processual,
a concepção de que ninguém seria julgado sem o devido processo legal.
“Em 1215, surge na Inglaterra a Carta Magna – primeiro registro do princípio do devido
processo e diploma legal que tratava da humanização das penas”.[1]
Importa, entretanto, destacar que os momentos marcantes para o desmoronamento dos
direitos humanos tem por referência a Revolução Norte- Americana de 1776 e a Revolução
Francesa de 1789. A partir dessa época foram consagrados os princípios liberais políticos e
principalmente econômicos, estabelecendo o Estado Liberal Clássico, com uma ideologia
2
individualista, de interesses individuais, relativos à liberdade e à igualdade. O
individualismo dos séculos XVII e XVIII instalado no liberalismo clássico aliado à atitude
de omissão do Estado diante dos problemas sociais econômicos desencadeia em um
modelo capitalista desumano e escravizador. O século XIX viveu as consequências:
desajustamentos, misérias e exclusões sociais que se agravaram com a Revolução
Industrial que se alastraram em proporções gigantescas com a permissão do Liberalismo.
O pensamento marxista aliado ao violento extremismo fascista, tenta impedir a
continuidade da liberal-democracia, que por sua vez viu-se sem saída. O estado não podia
mais permanecer omisso e inerte, diante dos graves problemas e abismos sociais que se
havia instalado.
Terminada a I Guerra Mundial, começam a surgir constituições mais preocupadas com os
direitos sociais, em detrimento às garantias apenas dos direitos individuais, além dos
direitos políticos, que foram se afirmando nas democracias liberais, os textos
constitucionais começam a consagrarem os direitos sociais e econômicos.
No início do século XX, o surgimento das Constituições, especificamente a Constituição
alemã, defendia que ao Estado cabia a obrigação de patrocinar direitos mínimos. Uma vez
que o liberalismo proclama a liberdade de expressão e de consciência, é imprescindível,
então, o acesso ao direito social á educação para a formação livre das convicções pessoais.
É o início do caminho para consagrar a teoria da indivisibilidade dos direitos humanos
como superação do pensamento liberal clássico. “Os direitos humanos não são direitos
estanques – o exercício de um direito fundamental vai pressupor a garantia de outro.” [2]
Após a II Guerra Mundial, o mundo se dá conta de que é imprescindível a criação de
mecanismos que garanta a eficácia dos direitos humanos. Os horrores do holocausto
demonstram o quanto o ser humano é capaz de subjugar o outro e usurpar dele a
característica intrínseca da natureza humana, que é a dignidade. Descobre que para
subjugar uma pessoa basta coisificá-la tratando de despersonalizá-la. “Neste sentido
Barroso e Barcellos entendem que o fracasso do positivismo inaugura reflexões acerca da
função social do Direito. Surgindo ainda que provisória a designação terminológica o Pós
– Positivismo, no qual se busca a definição das relações entre as normas e suas espécies –
regra e princípios – fazendo surgir o tempo de uma nova hermenêutica constitucional,
erigida sobre o fundamento da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais,
iniciado com a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no ano de
1948. Nasce o processo de principiologia que tem representado um elemento garantidor
do sistema democrático baseado nos direitos fundamentais”.
3
Devido a divisão do mundo em dois blocos socialistas e capitalistas, na Europa o Estado
Social se desenvolve estribado na observância dos direitos sociais. A princípio, o Estado
Social era assistencialista depois tornar-se um exemplo de garantidor dos direitos
fundamentais, consagrando a teoria da indivisibilidade dos direitos humanos, uma vez
que a liberdade individual e outros direitos liberais estão amparados na possibilidade de
exercício dos demais direitos fundamentais.
“A teoria da indivisibilidade pondera para o fato de que a vida e a liberdade existem em
razão de o Estado não atentar contra elas – o direito à vida significa vida digna e não
apenas situação de subsistência, o que se garante com o acesso ao trabalho, saúde,
educação, justa remuneração, e de tudo mais que uma pessoa humana necessita para se
reconhecer como ser humano, na construção de uma sociedade dita democrática de fato.
O ser humano não pode mais ser visto como apenas aquele que vota, trabalha, tem saúde,
lazer e dignidade. José Luiz Quadros de Magalhães. ”[3]
O estado mínimo e a ideologia neoliberal
O pensamento liberal tem seu retorno em função da crise do Estado Social. O crescimento
das demandas sociais, a diminuição da arrecadação tributária incidiram na crise da
manutenção do Estado do Bem – Estar social. A referida conjuntura torna-se terreno fértil
para o alastramento de idéias neoliberais, propagadas como a única solução para salvar o
mundo da crise que se estabelecia. Tendo início na década de 1980 sendo seu ápice
durante a década de 1990, todo mundo comunga-se dos principais tentáculos da ideologia
neoliberalista: a idéia do Estado Mínimo; a diminuição do Estado nas prestações sociais
fundamentais essenciais; consequentemente enfraquecimento dos sindicatos, com a
adoção de políticas econômicas geradoras do desemprego, e sem dúvida a segregação de
pessoas que perdem seu “status quo” e começam a se quedaram a margem.
Torna-se necessário então, refletir sobre a relação existente entre dignidade da pessoa
humana e os direitos fundamentais, lembrando que a Declaração de 1948 decretou
direitos cujo objetivo é garantir existência digna da pessoa humana. Os direitos
fundamentais inseridos na constituição como princípios tem a missão preponderante de
proibir mecanismos do ser humano objeto ou “coisa”. A ideologia neoliberal defende a
garantia que o Estado tem obrigação de prestar direitos mínimos, contudo não há como
ter uma sociedade justa se a mesma não se estriba em alicerces dignos, e não há alicerces
dignos sem a observância de direitos humanos. A constatação da história da humanidade:
o aviltamento da dignidade humana é a clara consequência de um direito fundamental
desrespeitado.
4
No entender de José Adércio Leite Sampaio, vale citar:
“Os defensores da fundamental idade dos direitos sociais debatem-se com a seguinte
inquietação: não haverá algum apelo, que seja moral, político, filosófico ou de outros
domínios, no sentido de que haja uma igualdade mínima entre as pessoas, mínima além
da forma geral da lei, mínima que transcende a imparcialidade das instituições e da
aplicação da lei, como sugeriria abreviadamente Rabis (1993), fornecida por ações estatais
destinadas à satisfação de certas necessidades materiais dos indivíduos?
Mínima abaixo da qual se poderia afirmar, com Michelman (2003:22), que uma
constituição ou um contrato social seriam moralmente incompletos, resultando daí que se
devem incluir garantias de direitos sociais? Ou, no limite como Campilongo 1995:135),
subtrair do mercado político comum os tais direitos em vista de seu primado ético para a
dignidade do homem e sua expressão no ambiente social?”A inquietação dos defensores
da fundamentalidade dos direitos sociais sobre discute a questão de “como falar em
legitimidade democrática de decisões tomadas por representantes eleitos se a fome e a
miséria alimentam as eleições como um mercado de trocas, de um pão por um voto para
um e não de um voto por muitos pães para todos?”[4]
Segundo o autor italiano Luigi Ferrajoli, a realidade é que se trata da importância dos
direitos fundamentais que garanta um mínimo de dignidade que seja. Ou se é digno por
completo ou não se é, pois não existe mais ou menos, porque os mais básicos direitos são
fontes que garantem a dignidade como um todo.
Vale citar ainda, as quatro teses que o autor defende relativas matéria:
1ª Tese: trata da radical diferença de estrutura entre os direitos fundamentais classes
inteiras de sujeitos, e os patrimoniais cada um de seus titulares com exclusão dos demais.
2ª Tese: Trata que aos direitos fundamentais correspondem interesses e expectativas de
todos, o que contribui a formação da igualdade jurídica e para a dimensão substancial da
democracia – dimensão expressa assegurada pelo paradigma do Estado Democrático de
Direito.
3ª Tese: Trata da concessão dos direitos fundamentais, independente da condição do
exercício da cidadania.
4ª Tese: Trata dos direitos e garantias, primeiras e secundárias. As primárias são os
direitos fundamentais enquanto obrigações e as secundárias os direitos fundamentais na
proibição de lesões.[5]
5
Não há como compreender o princípio da dignidade da pessoa humana, sem entender
ainda que de forma superficial a origem dos direitos fundamentais, uma vez que estes são
os geradores de um novo paradigma principiologico que faz surgir no Direito o que se tem
denominado como “pós-positivismo”. A assimilação das quatro teses, aliada a dimensão
universal dos direitos humanos fortalece a discussão sobre a função de garantidores da
dignidade humana. A democracia, regime adotado em grande parte do mundo, só se
efetiva na medida em que são observados e exercidos efetivamente os direitos
fundamentais na prática do dia a dia.
Sem um mínimo de decoro, sem assimilação dos direitos fundamentais e seu viés éticomoral na doutrina jurídica, depois de terem sidos elevados à condição de princípios, com
as tendências constitucionais advindas pós – segunda guerra mundial, não há como se
falar em vida digna.
A previsão constitucional
Na concepção de Pinto Ferreira: Os princípios constitucionais se autorizam como
norteadores dos ordenamentos jurídicos da maioria das Constituições que adotam o
paradigma do Estado Democrático de Direito.
“A Ciência do direito constitucional induz da realidade histórico-social os lineamentos
básicos, os grandes princípios constitucionais, que servem de base à estruturação do
Estado. Os princípios essenciais assim estabelecidos são os summa genera do direito
constitucional, fórmulas básicas ou postos-chaves de interpretação e construção teórica do
Constitucionalismo, e daí se justifica a atenção desenvolvida pelos juristas na sua
descoberta e elucidação”.[6]
Na ordem constitucional estão intrinsecamente relacionados os direitos fundamentais e a
dignidade da pessoa humana, pois a segunda é princípio jurídico. Dessa forma, o tripé
Dignidade – Direitos fundamentais e Constituição são paradigmas da conduta estatal e
particular, por se tratar do conjunto fundante da ordem jurídica como um todo. Daí se
estabelecer a idéia de que os direitos fundamentais são a caracterização da dignidade
humana dentro da ordem constitucional; é esta distinção que a faz informadora de todo o
ordenamento jurídico.
Importa esclarecer que em virtude do reconhecimento de sua importância os direitos
fundamentais, foram elevados à condição de princípios constitucionais. A partir daí
estabelece oportuna conexão entre direitos fundamentais e a missão a eles delegada de
“transmutar-se em sustento da condição digna” [7]. Em função disto é importante fazer
uma reflexão ainda que tímida na disposição do princípio da dignidade da pessoa humana,
6
quando da efetividade da justiça uma vez que os direitos fundamentais, consagrados como
princípios – torna-se, portanto, sustentáculo de um princípio-maior.
Comparar os direitos fundamentais a condição de princípios representa um sentido
teleológico de validade, que significa politizar o direito constitucional e conceitua-los para
além do caráter meramente individual.
“Esta visão teleológica dos direitos fundamentais – opção daqueles que em outra
oportunidade designei como representante do constitucionalismo comunitário – resulta
na primazia do conceito de bom sobre o de dever ser, na medida em que os princípios
expressam mais os valores fundamentais da sociedade. É neste sentido que a previsão
constitucional dos direitos fundamentais expressa mais a vontade e a autodeterminação
da comunidade do que o reconhecimento de que os indivíduos naturalmente são. Em
outras palavras, o sentimento de pertença à comunidade é anterior ao processo da
atribuição dos direitos. Os direitos fundamentais, portanto, jamais poderiam ser
justificados caso não se recorresse os significados culturais, os componentes comunitários
e ás histórias de vida que constituem as identidades dos seres humanos reais que
instituem e exercitam esses direitos.Segundo o entendimento Ingo Wolfgang Sarlet:”[8]
“O dispositivo (texto) que reconhece a dignidade como princípio fundamental encerra
normas que outorgam direitos subjetivos de cunho negativo (não-violação da dignidade),
mas que também impõem condutas positivas no sentido de proteger e promover a
dignidade, tudo a demonstrar a multiplicidade de normas contidas num mesmo
dispositivo.”[9]
O artigo 5º da Constituição brasileira em seu parágrafo 1º determina que as normas
definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, ou seja, são
auto-executáveis. “Há um debate caloroso em relação à eficácia horizontal dos direitos
fundamentais, que significa a incidência de tais direitos no âmbito das relações sociais
entre os particulares, a “eficácia privada”. Na perspectiva do princípio da dignidade,
Gustavo Tepedino, defende a existência da tutela e promoção da pessoa humana,
justificando o princípio como norma fundante de toda a ordem constitucional pátria
visando, sobretudo, a observância por parte do Estado e de o toda comunidade aos direitos
fundamentais decretados na Carta Magna, que são sustento da vida digna. ”[10] Em face
do pensamento do citado autor, é interessante trazer a lição de Sarmento, que esclarece:
“(...) é importante deixar remarcado que nem todas as manifestações da autonomia
privada são valoradas da mesma forma. Existem dimensões desta autonomia que
ostentam superior importância, por serem consideradas mais relevantes para a garantia e
promoção da dignidade da pessoa humana.”[11]
7
“Cristina Queiroz destaca avanço da Constituição Portuguesa de 1976 foi ter estabelecido,
pela primeira vez, o primado dos direitos sobre a lei, assim sendo, os direitos
fundamentais tem o condão de garantir não apenas os direitos subjetivos, mas também os
princípios objetivos básicos para a ordem democrática do Estado de Direito. Esclarece a
autora que esse significado objetivo dos direitos fundamentais acabou por transformá-los
em preceitos negativos de competência. Valendo-se de Hesse, continua a asseverar que o
decisivo nesta concepção ampla dos direitos fundamentais, acabou por amparar a noção
material desses direitos e a rejeição de sua interpretação meramente formal.”[12]
Como normas de observância obrigatória e não podem ser dispostos, como meros valores
à escolha aleatória. Por alicerçarem a vida digna não podem ser objetos de mera
preferência, mas obrigatórios.
Ana Paula de Barcellos, em relação ao sistema constitucional e a interligação dos direitos
humanos com o princípio da dignidade da pessoa humana, assevera que:
“Além dos direitos já consagrados no artigo 5º, chamados comumente de direitos
individuais, há outros direitos previstos na Constituição, pertencentes a outras categorias,
a saber: direitos sociais, econômicos e sociais, normalmente; que vão dar forma – ao
menos uma fração deles o fará – ao conteúdo mínimo da dignidade.”[13]
Cada direito fundamental, da mesma forma, esclarece e projeta a dignidade, uma vez que é
a origem do seu despertar. Podendo-se afirmar que há uma inter relação entre a dignidade
da pessoa humana e os direitos fundamentais.
Da integridade moral, basea-se o princípio da dignidade da pessoa humana. Barcelos e
Barros relacionam liberdade e valores como ao espírito às mínimas condições de
subsistência, servindo este princípio de fundamental para justificar as mais diversas
decisões judiciais.
Não obstante a resistência do Estado Laico em relação ao pensamento da Igreja Católica é
ela a instituição que mais tem suscitado discussões nesta linha.
Catecismo da Igreja Católica: No que diz respeito à pessoa humana assevera que
“Só se pode conseguir justiça social no respeito à dignidade transcendente do homem. A
pessoa representa o fim último da sociedade, que por sua vez lhe está ordenada.” [14]
“A defesa e a promoção da dignidade da pessoa humana nos foram confiadas pelo criador.
(...) Em todas as circunstâncias da história, os homens e as mulheres são rigorosamente
responsável e obrigados a este dever.
8
O respeito à pessoa humana implica que se respeitem os direitos que decorrem de sua
dignidade de criatura. Esses direitos são anteriores à sociedade e se lhes impõe. São eles
que fundam a legitimidade moral de toda autoridade; conculcando-os ou recusando-se a
reconhecê-los em sua lei positiva, uma sociedade mina sua própria legitimidade moral.
Sem esse respeito, uma autoridade só pode apoiar-se na força ou na violência para obter a
obediência de seus súditos. (...)
O respeito pela pessoa humana passa pelo respeito deste princípio: “Que cada um respeite
o próximo, sem exceção, como ‘outro eu’, levando em consideração ante de tudo sua vida e
os meios necessários para mantê-la dignamente”. Nenhuma lei seria capaz, por si só, de
fazer desaparecer os temores, os preconceitos, atitudes de orgulho e egoísmo que
constituem obstáculos para o estabelecimento de sociedade verdadeiramente fraterna. (...)
[15]
Ignorado o respeito à pessoa se estabelece um poder ditatorial, onde já não se reconhece o
ser humano como pessoa, mas como sujeito a um poder opressor. Estabelece sem dúvida a
ditadura. Em tal situação os direitos inerentes a pessoa humana são relegado em virtude
do interesse daquele que detém o poder e deseja permanecer nele a força.
Na mesma linha segue os documentos do Concílio vaticano II ocorrido no período de
dezembro de 1962 até 1965, também merece ser transcrito:
“Cresce igualmente a consciência da dignidade superior da pessoa, que está, acima de
tudo, dotado de direitos e deveres universais e invioláveis.
O ser humano tem direito a tudo de que necessita para levar uma vida verdadeiramente
humana: alimento, roupa, moradia, liberdade na escolha do seu estado de vida e na
constituição de sua família, educação, trabalho, reputação, respeito, informação
objetiva, liberdade de agir segundo a norma de sua consciência reta, privacidade e gozo
de uma justa liberdade, inclusive religiosa.”[16]
Numa ordem social justa, o bem das pessoas passa na frente do progresso, de tal forma
que a ordem das coisas está sujeita ao bem das pessoas, e não vice e versa”. Como disse o
Senhor, o sábado é para o homem e não o homem para o sábado. A ordem social deve ir se
aperfeiçoando dia após dia, baseada na verdade, edificada segundo a justiça e animada
pelo amor, obtendo – se aos poucos um equilíbrio cada vez mais humano entre as
liberdades. Tudo isso requer, porém, uma nova mentalidade e profundas transformações
sociais. [17]
9
“Além disso, apesar da justa diversidade que possa existir entre os seres humanos
quanto à maneira de viver, dignidade pessoal, que é a mesma em cada um, exige que as
condições de vida de todas sejam cada vez mais humana e eqüitativas.
As grandes desigualdades econômicos e sociais entre as pessoa ou os povos da mesma e
única família humana são vergonhosas e contrárias à justiça social, à equidade, à
dignidade da pessoa, à paz social e internacional”.[18]
“As instituições humanas, privadas ou públicas, devem procurar estar a serviço da
dignidade e do fim a que são chamados todos os seres humanos, lutando firmemente
contra toda dominação social ou política, em favor do respeito aos direito humanos
fundamentais, sob qualquer regime. (...)”[19]
A CNBB por ocasião da Quaresma trás não só para suas igrejas locais, mas para todo o
país um assunto relativo à dignidade da pessoa, desde 1967.
Justiça
Conceito:
Sem dúvida, a justiça é um dos conceitos mais importantes à humanidade. Contudo para
que a justiça aconteça na prática, faz-se necessário mecanismos, tribunais, juizes,
advogados, ministério públicos, que tem como obrigação de resguardar o direito à vida
para todas as pessoas, e, ao mesmo tempo, de corrigir e punir as injustiças cometidas,
tanto pelo sistema quanto por indivíduos.
Justiça é a virtude de dar a cada um, o que é seu, entretanto, a justiça para ser completa
prescinde do tempo hábil. A justiça não tolera tempo demasiado.
Novamente entendemos ser importante transcrever o texto contido no documento do
Concílio Vaticano Segundo, que diz o seguinte:
“Do ponto de vista subjetivo, a justiça se traduz na atitude determinada pela vontade de
reconhecer o outro como pessoa, ao passo que, do ponto de vista objetivo, ela constitui o
critério determinante da moralidade no âmbito intersubjetivo e social. [20]
O Magistério social evoca a respeito das formas clássicas da Justiça: comutativa, a
distributiva, a legal, que representa um verdadeiro e próprio desenvolvimento da justiça
geral, reguladora das relações sociais com base no critério da observância da lei. A
justiça social, exigência conexa com a questão social, que hoje se manifesta em uma
dimensão mundial, diz respeito aos aspectos sociais, políticos e econômicos e, sobretudo,
à dimensão estrutural dos problemas e das respectivas soluções. [21]
10
A justiça mostra-se particularmente importante no contexto atual, em que o valor da
pessoa, da sua dignidade e dos seus direitos, a despeito das proclamações de intentos, é
seriamente ameaçado pela generalizada tendência de recorrer exclusivamente aos
critérios da utilidade e do ter. Também a justiça, com base nestes critérios, é considerada
de modo redutivo, ao passo que adquire um significado mais pleno e autêntico na
antropologia cristã. A justiça, com efeito, não é uma simples convenção humana, porque
o que é “justo” não é originalmente determinado pela lei, mas pela identidade profunda
do ser humano. [22]
A plena verdade sobre o homem permite superar a visão contratualista da justiça, que é
visão limitada, é abrir também para a justiça o horizonte da solidariedade e do amor:” A
justiça sozinha não; e pode mesmo chegar a negar a si própria, se não abrir aquela força
mais profunda que é o amor. ”448 Ao valor da justiça, a doutrina social da Igreja
aproxima o da solidariedade, enquanto via privilegiada da paz. Se a paz é fruto da
Justiça, “hoje poder-se-ia dizer, com a mesma justeza e com a mesma força de inspiração
bíblica (Is 32,17; Tg 3,18), Opus solidarietatis pax: a paz é fruto da realização da justiça
social e internacional; (...) 450 (Compendio da Doutrina Social)”[23]
Um breve histórico
No vaticano, há um afresco sobre a justiça, onde Platão aponta para os céus e Aristóteles
para a terra. Utopia ou realidade? “Justiça”; esse valor que levou à cruz o senhor das idéias
e das palavras, o sonho almejado por todos os povos, assim como o era o desejo dos
antigos em alcançar as estrelas; fator decisivo para o desenvolvimento da humanidade.
O povo já se cansou da morosidade da justiça. O termo: “justiça retardada é justiça
denegada”, estigmatizou o Poder Judiciário, arrastando para um desprestígio descomunal.
Há uma insatisfação que beira a barbárie, haja vista a maneira de como a população tem
se comportado diante dos últimos crimes violentos ocorridos no nosso país. O povo passou
a fiscalizar os julgamentos, a atuação da justiça. O poder judiciário tem sentido a pressão
da população ávida por ver a efetividade da justiça.
Hans Kelsn, considerado o principal representante da chamada Escola Positivista do
Direito, concluiu que o importante não é saber de imediato a resposta, mas não parar de
questionar.
O impulso em busca de um ideal estimula os homens. São os sonhos, que nos mantém
vivos e esperançosos, não importando onde estejam as soluções.[24]
11
Dinamarco adverte, acertadamente, que “o processo, além de produzir um resultado justo,
precisa ser justo em si mesmo, e, portanto, na sua realização, devem ser observados
aqueles standards previstos na Constituição Federal, que constituem desdobramento da
garantia do due process of law” (DINAMARCO, Cândido. Instituições de direito
processual civil, v. 1. 6.a ed. São Paulo: Malheiros, 2009).
Não há dúvidas do interesse do Estado em tornar a justiça mais efetiva e por sua vez mais
célere, entretanto os esforços empenhados não alcançam o volume de ações que são
distribuídas diariamente em todas as Comarca do país.
Tal situação avilta diretamente a dignidade daquele que depende da justiça e das decisões
dos tribunais.
Algumas vezes o tempo corre contra aquele que depende da Justiça, a angustia do
processo, o estresse causado pela demora acaba por minar as esperanças da pessoa, que já
não acredita numa decisão que lhe devolverá seu direito, em função da demora das
decisões. Seu direito vai se perdendo no tempo. [25]
A grande discussão dos operadores da justiça tem sido sua efetividade. Não faz sentido
abrir as portas para o acesso à justiça, com mais celeridade. Enquanto detentor do
monopólio da jurisdição, o Estado, precisa propiciar mecanismos que visam garantir a
efetividade desta, num período razoável. É indispensável compreender a importância que
os princípios fundamentais assumem na hermenêutica jurídica. Aquele o qual é dado à
interpretação das normas não pode mais esquecer que a morosidade da justiça se torna
instrumento de degradação do ser humano.
A duração razoável do processo e suas implicações na efetividade da justiça
O processo é por assim dizer o carro que conduz a ação, e a inúmeras dobras que foram
sendo criadas ao longo do tempo tem sido verdadeiros entraves nas efetivação da justiça.
Não há dúvida de que o instrumento se tornou obsoleto, e não mais satisfaz os anseios dos
tempos atuais.
O princípio da duração razoável do processo está previsto no art. 5º, inc. LXXVIII, da
Constituição Federal, por força da Emenda Constitucional n. 45, de 08 de dezembro de
2004. Estabelece o mencionado dispositivo que “a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a
celeridade de sua tramitação” (BRASIL, 2008, p.9).
12
O Princípio de duração razoável do processo está ligada à efetividade da prestação da
tutela jurisdicional, num período razoável, objetivando atingir o escopo da utilidade, sem,
entretanto prejudicar o ideal de justiça da decisão.
É claro, que a garantia à razoável duração do processo e aos meios que garantam a
celeridade de sua tramitação não deve ser entendida de forma estanque, quando a própria
norma relativiza, ao referir um critério: a razoabilidade. O que se pretende é evitar são
dilações indevidas, mas ao mesmo tempo uma prestação jurisdicional acelerada,
imprudente, que ponha em risco a qualidade da entrega da prestação jurisdicional
(GUAGLIARIELLO, 2008, p. 02).
Não há dúvida de que a demora do processo sempre foi um entrave para a efetividade do
direito de acesso à justiça. Já que ao Estado coube a proibição da justiça de mão própria
há que se conferir ao cidadão um meio adequado e tempestivo para dirimir os conflitos. É
óbvio que se o tempo do processo prejudica a parte que tem razão, seria ingenuidade
imaginar que a demora do mesmo não beneficia ao que não têm interesse no cumprimento
das normas (MARINONI, 2004, p. 02).
No entendimento de Canotilho “ao demandante de uma proteção jurídica deve ser
reconhecida a possibilidade de, em tempo útil [...], obter uma sentença executória com
força de caso julgado”
Assevera ainda o autor Português: “a justiça tardia equivale a uma denegação da justiça”.
Isto não equivale dizer que proteção judicial em tempo adequado seja dizer justiça
acelerada, o que significaria com toda certeza diminuição de garantias materiais que pode
conduzir a uma justiça pronta, mas materialmente injusta (2003, p. 499).
Há que se ter em conta que tanto o direito ao processo célere, quanto o direito ao
contraditório, bem como a ampla defesa, são direitos e garantias. Os quais, em princípio,
não devem conflitar, mas se harmonizar na busca da efetividade.
“Da mesma forma, se de um lado da balança encontramos o princípio da celeridade do
processo, que visa a sua utilidade, não podemos sacrificar o ideal de justiça da decisão, que
demanda um processo dialético-cognitivo exauriente que, por sua vez, demanda tempo. É
por isso que o Poder Constituinte Derivado inseriu mecanismo harmonizador ao
determinar que a duração do processo seja razoável” (GUAGLIARIELLO, 2008, p. 02).
Diante disso, há que se estabelecer um ponto de equilíbrio entre a celeridade e o devido
processo legal, “volta o discurso sobre a instrumentalidade das formas no procedimento e
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a séria advertência sobre a sua função vital no direito processual moderno” (DINAMARCO,
2008, p. 344).
Em vista disto se faz necessária a adoção de mecanismos (meios e procedimentos) que
visam um acesso cada vez mais adequado à justiça para tornar o processo mais justo e
efetivo.
Não sendo prestado uma jurisdição eficiente e efetiva, que garanta a tramitação do
processo num período razoável e adequado, torna-se inócuo o acesso ao judiciário
O legislador infraconstitucional tem inovado, neste sentido, o sistema jurídico pátrio com
a edição de leis que contemplem esse escopo. E merece destaque o instituto da tutela
antecipada e da tutela inibitória, que constituem os mais importantes institutos do
processo civil contemporâneo, até a entrada em vigor do referido instituto, em 1994, o
procedimento comum do processo de conhecimento não tinha aptidão para evitar a
violação de um direito, e a liminar era concedida apenas em determinados procedimentos
especiais.
Tal instituto deu um impulso ao princípio da efetividade da jurisdição no processo de
conhecimento ao atribuir ao juiz o poder no curso do processo de deferir medidas típicas
de execução. O processo cautelar, visivelmente, perdeu espaço.
Não se pode esquecer ainda, os procedimentos previstos na Lei do Juizado Especial Cível,
Mandado de Segurança, Ações Coletivas, que visam agilizar a jurisdição, assim como as
audiências preliminares e o próprio procedimento sumário. [26].
Disse bem o grande escritor Machado de Assim: "A justiça é cega, daí não se ruborizar com
os comentários do povo".
A lentidão da justiça macula a dignidade da pessoa humana, não há como escamotear o
notória descaso que envolve os Poderes Constituídos. A angustia da espera, a dor e
desespero dos anônimos que buscam a justiça todos os dias não é capaz de sensibilizar a
pesada máquina que se tornou a justiça. Parece ter se tornado comum em nosso país, as
autoridades publicas omiscuirem-se de suas obrigações, para as quais foram empossadas.
O Estado parece ter deixado de ser um ente que tutela o cidadão, tornando-se um
verdadeiro leviatã que consome o dinheiro dos pesados impostos que impõe sobre o
cidadão, sem devolver o mesmo o que é de direito, e, pior, aviltando seus direitos
elementares, pisando na dignidade.
O século XX findou-se com um Poder Judiciário, desestruturado, com funcionários
despreparados para funções que ocupa, com insuficiência de magistrados, e não raras às
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vezes, notabilizado pelo nepotismo e corporativismo. Pompa dos Tribunais tenta ofuscar a
falta de atenção aos órgãos de primeira instancia. O Executivo, cada vez mais se desviando
do cumprimento do seu dever, levando o povo para o descrédito em seus governantes,
contribuindo para a desvalorização do voto. Por vez, um legislativo subjugado a interesses,
quando não próprios, de uma minorias e cada vez mais longe dos anseios do povo. Enfim,
o vocábulo Autoridade parece ter perdido seu verdadeiro sentido, o Poder que é dado não
é mais devolvido em serviço.
A indiferença pela sofrimento do outro tomou conta de parte da população. A classe
abastada vê fechada em seus condomínios de luxo, cercados de segurança, interpreta
como natural a miséria que se espalha pelo país, não só uma miséria sócio – econômica,
mas uma miséria intelectual. Há muitos que não conseguem mais se levantar de onde
estão. A desconfiança tomou conta do povo. Não há mais a quem socorrer, não há mais
instâncias isentas e imparciais. Não há que zele mais pela causa do pobre cada vez mais
tendo que vender sua dignidade por um preço vil e afrontante.
Em vista da morosidade, e muitas vez da inércia da não cega, mas bastante míope justiça,
os jurisdicionados se vêem abandonados a própria sorte, clamando no deserto pela falta,
sem resposta diante de uma máquina pesada e arcaica que não consegue mais manobrar
seus próprios membros. A justiça parece ter envelhecido, está acometida de uma grave
doença o desinteresse pela pessoa humana. O Autor se tornou apenas um número num
volumoso processo, empilhado em salas escuras e mofadas, sem janelas, esperança de ver
solucionada seu pedido. Esqueceu o principal da elemento da justiça, o jurisdicionado, a
pessoa, dotado de dignidade.
Flávia Piovesan assevera com clareza
“(...) o valor da dignidade da pessoa humana impõem-se como núcleo básico e informador
de todo o ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a
interpretação e compreensão do sistema constitucional.”
E assim sendo, não há como fugir das insuperáveis palavras do escritor José Saramago
que reflete sobre a morte da Justiça.
“(...) Suponho ter sido a única vez que, em qualquer parte do mundo, um sino, uma
câmpula de bronze inerte, depois de tanto haver dobrado pela morte de seres humanos,
chorou a morte da Justiça. Nunca mais tornou a ouvir-se aquele fúnebre dobre da aldeia
de Florença, mas a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias. Agora mesmo,
neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta de nossa casa, alguém a está
matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que
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nela tinham confiado, e nela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar:
justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde
com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e
viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que
para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira cotidiana dos homens,
uma justiça para quem o justo seria o mais exato e rigoroso sinônimo do ético. (...) Uma
justiça exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os determinasse a lei, mas
também, e, sobretudo, uma justiça que fosse a emanação espontânea da própria sociedade
em ação, uma justiça em que se manifestasse, como um iniludível imperativo moral, o
respeito pelo direito a ser que a cada ser humano assiste.” [27]
A justiça é simbolicamente representada pela escultura de uma deusa grega, cuja imagem
se apresenta com os olhos vendados, com uma espada em punho e segurando uma
balança. Esta imagem, de maneira inversa, acaba ilustrando bem a prática de justiça na
atualidade, ou seja, ao contrário de ser uma justiça imparcial, ela é cega e infelizmente está
desequilibrada, pois julga, muitas vezes, desprezando critérios éticos, que conduzem à
vida, e estabelecendo, em suas sentenças, dois pesos e duas medidas, gerando
impunidade. Assim, a espada sempre termina virando para o lado daqueles que não se
utilizam de espertezas e falcatruas, de tal forma que a balança, normalmente corrompida,
acaba pendendo em detrimento daqueles que dispõem de meios e bens materiais.
“A injustiça é uma e indivisível: atacá-la e fazê-la recuar, aqui e ali, é sempre fazer avançar
a justiça.” D. Helder.
Conclusão
O Estado Democrático de direito, garantido no artigo 1º da Constituição Pátria, necessita
percorrer um longo caminho até ser efetivados na prática, seus princípios norteadores,
sobretudo o principio da dignidade da pessoa humana, posto que os direitos fundamentais
- bases garantidoras da existência digna – são constantemente inobservados e aviltados. A
interposição das “regras do mercado” (esse ente sem rosto, mas com poder quase
“sobrenatural” sobre a vida das pessoas) que tendem a reduzir as relações sociais a seu
aspecto material, ao poder de compra, culmina em uma realidade de exclusão social e
tratamento degradante, indigno a uma grande parcela da sociedade em nosso país. Os
direitos fundamentais fruto de lutas e conquistas históricas, cuja observância é a garantia
essencial da dignidade humana são desconsiderados em uma persistência quase
inabalável, sobretudo no que tange a efetivação da justiça.
A dignidade é qualidade inerente à condição humana. O ordenamento jurídico que adota a
dignidade humana como princípio norteador, veda a coisificação e a instrumentalização
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do ser humano. O Direito não decreta a dignidade humana, posto que essa seja atributo
inerente da vida humana; a sua recepção na condição de princípio constitucional faz
apenas o seu reconhecimento, com a imantação de direitos fundamentais destinados a
amparar a garantia da existência digna.
Os direitos constitucionais não podem ser considerados mais ou menos importante, ou
ainda, mais ou menos aplicáveis – por serem todos igualmente assegurados na Carta
Magna. A compreensão de que o tratamento aos direitos humanos tem que respeitar a
diferença e a necessidade de cada um é que possibilitará a obediência nos mais variados
níveis de todos esses direitos. A supremacia do mercado não pode ditar as normas
preferenciais, em detrimento das demais. Ainda que tal posição seja revestida de
pretensões utópicas, fica como inspiração a lição de Eduardo Galeno ao ensinar que a
“utopia serve para nos fazer caminhar, ainda que para horizonte distante”.
Em vista de tudo isto concluímos que há que se refletir sobre a efetividade da justiça e suas
implicações na dignidade da pessoa humana, que não pode mais continuar sendo aviltada
diante da morosidade da justiça.
Não há mais espaço para uma justiça que não ouve o clamor do povo, que não se efetiva,
não há espaço para uma justiça que não se sensibiliza com a perda da identidade sobre
tudo de nossas crianças em situação iminente de riscos, que tem seus nomes trocados por
codinomes aviltantes, como: “delinqüentes, infrator, avião, pivete, trombadinha, pixote,
de menor”.
Não há mais espaços para operadores do direito que usam sua oratória, recursos jurídicos
e passe de mágicas para protelar, atenuar ou mesmo escamotear culpas evidentes, tais
atitude fere e infringi nossos princípios constitucionais, sobretudo o contido no artigo 1º,
III – in verbis “A republica Federativa do Brasil, formada pela união, indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito
e tem como fundamentos: a dignidade da pessoa humana.
Referência
MORAIS, Alexandre de - Direito Constitucional – 17ª edição – Editora Atlas, 2005 - página 16
SILVA, José Afonso – Curso de Direito Constitucional Positivo. 20ª edição São Paulo: Malheiros -2002
BESTER, Gisela Maria. Direito Constitucional vol. I fundamentos teóricos. São Paulo: Manole, 2005.
DIMOULIS, Dimitri. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
PINHO, Rodrigo César Rabello, Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. Editora Saraiva edição.
3ª 2002
Andrade, Durval Ângelo, O Direito de ter Direito: a mais valia dos desvalidos. Gráfica Expressa – Edição e
Arte: Geração BHZ Ltda. – 2009
Vaticano II – Mensagens Discursos Documento – Edições Paulinas – 1998.
Catecismo da Igreja Católica – Edição Típica Vaticana – Edições Loyola -1998.
Compêndio da Doutrina Social da Igreja - Edições Paulinas - 2005
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Notas:
[1]- ANDRADE, Durval Ângelo. Direito de Ter Direitos: A mais valia dos desvalidos, vários autores. Belo
Horizonte, 2009, p.229.
[2] ANDRADE, Durval Ângelo. Direito de Ter Direitos: A mais valia dos desvalidos, vários autores. Belo
Horizonte, 2009, p.230
[3] ANDRADE, Durval Ângelo. Direito de Ter Direitos: A mais valia dos desvalidos, vários autores. Belo
Horizonte, 2009, p.231
[4] ANDRADE, Durval Ângelo. Direito de Ter Direitos: A mais valia dos desvalidos, vários autores. Belo
Horizonte, 2009, p.232, 233 e 234.
[5] ANDRADE, Durval Ângelo. Direito de Ter Direitos: A mais valia dos desvalidos, vários autores. Belo
Horizonte, 2009, p.234, 235.
[6] Ibid.,p.236
[7] Ibid.,p.238
[8] Ibid.,p.238
[9] Ibid.,p.239
[10] Ibid.,p.239
[11] Ibid.,p.239
[12] Ibid.,p.239
[13] Ibid.,p.240
[14] Catecismo da Igreja Católica – Edição Típica Vaticana – Edições Loyola – nº 1998, pág. 511 – nº1929
[15] Ibid. p.511 - nº1931
[16] Concílio Vaticano II – Mensagens Discursos Documento – Edições Paulinas- Ano 1997 -Constituição
Pastoral Gaudium et spes sobre a Igreja no mundo –pág. 489 – nº 1340
[17] Ibid. p.489, nº 1341
[18] Ibid.p.491, nº 1411
[19] Ibid.p.492, nº 1412
[20] Compêndio da Doutrina Social da Igreja – Edições Paulinas – Ano 2005 – p.122, nº 443
[21] Ibid. p. 122, nº 201
[22] Ibid.p.123, nº 202
[23] Ibid.p.123, nº 203
[24] Ministro Luiz Fux Presidente da Comissão de Juristas encarregada da elaboração do Anteprojeto do
Novo Código de Processo Civil.
[25] http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/a-efetividade-da-jurisdicao/31869/
[26] http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=241 Advogado Roberto Pugliese advogado, professor da
Faculdade de Direito de Joinville (SC), coordenador-geral do Instituto de Defesa da Cidadania e Direitos
Humanos.
[27] "Da Justiça à democracia, passando pelos sinos", texto de encerramento do 2º Fórum Social Mundial.
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3038
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