R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (Presidente):
Trata-se
de
agravo
regimental
interposto
pela
União (fls. 193-229) contra a decisão da Presidência do STF
(fls. 169-184), na qual indeferi o pedido de suspensão de
tutela
antecipada
n.º
175,
formulado
pela
União,
(que
contém apensa a Suspensão de Tutela Antecipada n.º 178, de
idêntico conteúdo, formulada pelo Município de Fortaleza),
contra acórdão proferido pela 1ª Turma do Tribunal Regional
Federal
da
5ª
Região,
nos
autos
da
Apelação
Cível
no
408729/CE (2006.81.00.003148-1).
A
decisão
agravada
indeferiu
o
pedido
de
suspensão de tutela antecipada, em consonância com prévio
parecer da Procuradoria-Geral da República (fls. 135-149 e
162-163)
por
não
se
constatar,
no
caso,
grave
lesão
à
ordem, à economia e à saúde públicas, ressaltando-se os
seguintes fundamentos, no que aqui interessa:
“
[...]
No caso dos autos, ressalto os seguintes dados
fáticos como imprescindíveis para a análise do
pleito:
a) a interessada, jovem de 21 anos de idade, é
portadora da patologia denominada NIEMANN-PICK TIPO
C,
doença
neurodegenerativa
rara,
comprovada
clinicamente e por exame laboratorial, que causa uma
série de distúrbios neuropsiquiátricos, tais como,
“movimentos involuntários, ataxia da marcha e dos
membros, disartria e limitações de progresso escolar
e paralisias progressivas” (fl. 29);
b) os sintomas da doença teriam se manifestado quando
a paciente contava com cinco anos de idade, sob a
forma de dificuldades com a marcha, movimentos
anormais dos membros, mudanças na fala e ocasional
disfagia (fl. 29);
c) os relatórios médicos emitidos pela Rede Sarah de
Hospitais de Reabilitação relatam que o uso do
ZAVESCA (miglustat) poderia possibilitar um aumento
de sobrevida e a melhora da qualidade de vida dos
portadores de Niemann-Pick Tipo C (fl. 30);
d) a família da paciente declarou não possuir
condições financeiras para custear o tratamento da
doença, orçada em R$ 52.000,00 por mês; e
e) segundo o acórdão impugnado, há prova préconstituída
de
que
o
medicamento
buscado
é
considerado pela clínica médica como único capaz de
deter o avanço da doença ou de, pelo menos, aumentar
as chances de vida da paciente com uma certa
qualidade (fl. 108).
A decisão impugnada, ao deferir a antecipação de
tutela postulada, aponta a existência de provas
quanto ao estado de saúde da paciente e a necessidade
do medicamento indicado, nos seguintes termos:
“(...) No caso concreto, a verossimilhança da alegação
é demonstrada pelos documentos médicos que restaram
coligidos aos autos. No de fl. 24, consta que ‘o
miglustato (Zavesca) é o único medicamento capaz de
deter a progressão da Doença de Niemann-Pick Tipo C,
aliviando,
assim,
os
sintomas
e
sofrimentos
neuropsiquiátricos da paciente’. A afirmação é seguida
de indicação das bases nas quais se assentou a
conclusão: estudos que remontam ao ano 2000. Além
dele, convém apontar para o parecer exarado pela Rede
Sarah de Hospitais de Reabilitação – Associação das
Pioneiras
Sociais,
sendo
essa
instituição
de
referência nacional. Nessa manifestação (fl. 28)
consta:
‘Atualmente
o
tratamento
é,
preponderantemente, de suporte, mas já há trabalhos
relatando o uso do Zavesca (miglustat), anteriormente
usado para outras doenças de depósito, com o objetivo
de diminuir a taxa de biossíntese de glicolipídios e,
portanto, a diminuição do acúmulo lisossomol destes
glicolípidios que estão em quantidades aumentadas pelo
defeito do transporte de lipídios dentro das células;
o que poderia possibilitar um aumento de sobrevida
e/ou melhora da qualidade de vida dos pacientes
acometidos pela patologia citada’. Acrescente-se que o
medicamento pretendido tem sido ministrado em casos
idênticos. (...) Esse quadro mostra que há prova préconstituída de que a jovem CLARICE é portadora da
doença Niemann-Pick Tipo C; de que a medicação buscada
(miglustat) é considerada pela clínica médica como
único capaz de deter o avanço da doença ou de, ao
menos, aumentar as chances de vida do paciente com uma
certa qualidade; de que tem sido ministrado em outros
pacientes,
também
em
decorrência
de
decisões
judiciais.” (fls. 107-108)
O argumento central apontado pela União reside na
falta de registro do medicamento Zavesca (miglustat)
na Agência Nacional de Vigilância Sanitária e,
consequentemente, na proibição de sua comercialização
no Brasil.
No caso, à época da interposição da ação pelo
Ministério Público Federal, o medicamento ZAVESCA
ainda não se encontrava registrado na ANVISA (fl.
31).
No entanto, em consulta ao sítio da ANVISA na
internet, verifiquei que o medicamento ZAVESCA
(princípio ativo miglustate), produzido pela empresa
ACTELION, possui registro (n.º 155380002) válido até
01/2012.
O medicamento Zavesca, ademais, não consta dos
Protocolos e Diretrizes Terapêuticas do SUS, sendo
medicamento de alto custo não contemplado pela
Política Farmacêutica da rede pública.
Apesar de a União e de o Município de Fortaleza
alegarem a ineficácia do uso de Zavesca para o
tratamento da doença de Niemann-Pick Tipo C, não
comprovaram a impropriedade do fármaco, limitando-se
a inferir a inexistência de Protocolo Clínico do SUS.
Por outro lado, os documentos juntados pelo
Ministério Público Federal atestam que o medicamento
foi
prescrito
por
médico
habilitado,
sendo
recomendado pela Agência Européia de Medicamentos
(fl. 166).
Ressalte-se,
ainda,
que
o
alto
custo
do
medicamento não é, por si só, motivo para o seu não
fornecimento, visto que a Política de Dispensação de
Medicamentos
excepcionais
visa
a
contemplar
justamente o acesso da população acometida por
enfermidades raras aos tratamentos disponíveis.
A
análise
da
ilegitimidade
ativa
do
Ministério Público Federal e da ilegitimidade
passiva da União e do Município refoge ao alcance
da suspensão de tutela antecipada, matéria a ser
debatida no exame do recurso cabível contra o
provimento jurisdicional que ensejou a presente
medida.
[...]” (fls. 180-183)
Manteve-se,
tutela
recursal
por
deferida
conseguinte,
pelo
TRF
a
da
antecipação
5ª
Região
de
para
determinar à União, ao Estado do Ceará e ao Município de
Fortaleza o fornecimento do medicamento denominado Zavesca
(Miglustat), em favor de CLARICE ABREU DE CASTRO NEVES.
O agravante requer a reforma da decisão (fls.
193-229), renovando os argumentos antes apresentados para
buscar demonstrar a ocorrência de grave lesão à ordem, à
economia e à saúde públicas (fls. 193-229).
Alega que a decisão objeto do pedido de suspensão
viola o princípio da separação de poderes e as normas e
regulamentos
do
SUS,
bem
como
desconsidera
a
função
exclusiva da Administração em definir políticas públicas,
caracterizando-se, nestes casos, indevida interferência do
Poder Judiciário nas
diretrizes
de
políticas
públicas
(fls. 199- 204).
Sustenta tanto a ilegitimidade passiva da União e
ofensa ao sistema de repartição de competências (fls. 204205),
como
a
inexistência
de
responsabilidade
solidária
entre os integrantes do SUS, ante a ausência de previsão
normativa (fls. 205-218).
Por fim, argumenta que só deve figurar no pólo
passivo
da
ação
dispensação
do
principal
medicamento
o
ente
pleiteado
responsável
e
que
causa
pela
grave
lesão às finanças e à saúde públicas a determinação de
desembolso
de
considerável
quantia
para
a
aquisição
do
medicamento de alto custo pela União, pois isto implicará:
deslocamento
descontinuidade
restante
da
de
da
esforços
e
prestação
dos
população
e
recursos
serviços
estatais,
de
possibilidade
saúde
de
ao
efeito
multiplicador (fls. 223-229).
É o relatório.
V O T O
O
SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (Presidente):
Trata-se
de
agravo
regimental
contra
decisão
da
Presidência do STF (fls. 169-184) por meio da qual indeferi
o
pedido
de
Suspensão
de
Tutela
Antecipada
n.º
175,
formulado pela União (que contém apensa a Suspensão de
Tutela Antecipada n.º 178, de idêntico conteúdo, formulada
pelo Município de Fortaleza), contra acórdão proferido pela
1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, nos
autos da Apelação Cível no 408729/CE (2006.81.00.003148-1).
O
presente
recurso
é
tempestivo,
conforme
se
pedido
de
depreende das fls. 189-193.
A
decisão
agravada
indeferiu
o
suspensão de tutela antecipada, por não haver constatado
grave lesão à ordem, à economia e à saúde públicas.
Assim,
saliento
suspensão,
entendi
normativos
que
que,
ao
inexistirem
comprovassem
analisar
os
o
elementos
grave
lesão
pedido
de
fáticos
e
ordem,
à
à
economia, à saúde e à segurança públicas.
Na
ocasião,
destaquei
que,
segundo
consta
dos
autos, a decisão que a União buscava suspender determinoulhe
fornecer
o
medicamento
ZAVESCA
(princípio
ativo
miglustate) à paciente portadora da patologia denominada
NIEMANN-PICK
TIPO
C,
doença
neurodegenerativa
rara,
comprovada clinicamente e por exame laboratorial, que causa
uma
série
de
distúrbios
neuropsiquiátricos,
tais
como:
“movimentos involuntários, ataxia da marcha e dos membros,
disartria e limitações de progresso escolar e paralisias
progressivas”.
Consignei,
ainda,
que
havia
informação
da
existência de prova pré-constituída, consistente em: laudo
médico do Hospital Sarah certificando a essencialidade do
medicamento para o aumento de sobrevida e de qualidade de
vida da paciente, na impossibilidade de a paciente custear
o
tratamento
e
na
existência
de
registro
do
referido
fármaco na ANVISA.
Por
fim,
constatei
que
existem
casos
na
jurisprudência desta Corte que afirmam a responsabilidade
solidária dos entes federados em matéria de saúde e de que
não
cabe
discutir,
no
âmbito
do
pedido
questões relacionadas ao mérito da demanda.
de
suspensão,
Irresignada, a União agravou da referida decisão,
reforçando os argumentos antes apresentados no pedido de
suspensão.
Diante da relevância da concretização do direito
à
saúde
e
da
complexidade
que
envolve
a
discussão
de
fornecimento de tratamentos e medicamentos por parte do
Poder Público, inclusive por determinação judicial, entendo
necessário,
inicialmente,
retomar
o
tema
sob
uma
perspectiva mais ampla, o que faço a partir de um juízo
mínimo
de
presentes
delibação
na
ação
jurisprudência
seguintes
a
respeito
principal,
desta
julgados:
das
conforme
Corte,
da
no
SS-AgR
questões
qual
jurídicas
tem
entendido
se
destacam
846/DF,
Rel.
a
os
Sepúlveda
Pertence, DJ 8.11.1996 e SS-AgR no 1.272/RJ, Rel. Carlos
Velloso, DJ 18.5.2001.
Passo
relacionadas
à
então
a
analisar
concretização
do
as
questões
direito
complexas
fundamental
à
saúde, levando em conta, para tanto, as experiências e os
dados
colhidos
na
Audiência
Pública
–
Saúde,
realizada
neste Tribunal nos dias 27, 28 e 29 de abril e 4, 6 e 7 de
maio de 2009.
A doutrina constitucional brasileira há muito se
dedica
à
interpretação
do
artigo
196
da
Constituição.
Teses, muitas vezes antagônicas, proliferaram-se em todas
as instâncias do Poder Judiciário e na seara acadêmica.
Tais
teses
buscam
definir
se,
como
e
em
que
medida
o
direito constitucional à saúde se traduz em um direito
subjetivo
público
a
prestações
positivas
do
Estado,
passível de garantia pela via judicial.
As divergências doutrinárias quanto ao efetivo
âmbito de proteção da norma constitucional do direito à
saúde
decorrem,
especialmente,
da
natureza
prestacional
desse direito e da necessidade de compatibilização do que
se convencionou denominar “mínimo existencial” e “reserva
do possível” (Vorbehalt des Möglichen).
Como tenho analisado em estudos doutrinários, os
direitos fundamentais não contêm apenas uma proibição de
intervenção
(Eingriffsverbote),
expressando
também
um
postulado de proteção (Schutzgebote). Haveria, assim, para
utilizar uma expressão de Canaris, não apenas uma proibição
de excesso (Übermassverbot), mas também uma proibição de
proteção
insuficiente
Canaris,
(Untermassverbot)
(Claus-Wilhelm
Grundrechtswirkungen
um
Verhältnismässigkeitsprinzip in der richterlichen Anwendung
und Fortbildung des Privatsrechts, JuS, 1989, p. 161.).
Nessa dimensão objetiva, também assume relevo a
perspectiva dos direitos à organização e ao procedimento
(Recht auf Organization und auf Verfahren), que são aqueles
direitos fundamentais que dependem, na sua realização, de
providências estatais com vistas à criação e à conformação
de órgãos e procedimentos indispensáveis à sua efetivação.
Ressalto, nessa perspectiva, as contribuições de
Stephen Holmes e Cass Sunstein para o reconhecimento de que
todas as dimensões dos direitos fundamentais têm custos
públicos, dando significativo relevo ao tema da “reserva do
possível”,
especialmente
recursos”
e
alocativas,
a
ao
evidenciar
necessidade
concluindo,
a
de
se
partir
da
a
“escassez
fazerem
dos
escolhas
perspectiva
das
finanças públicas, que “levar a sério os direitos significa
levar a sério a escassez” (HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass.
The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. W. W.
Norton & Company: Nova Iorque, 1999).
Embora
direitos
e
os
direitos
liberdades
sociais,
individuais,
assim
como
impliquem
os
tanto
direitos
a
prestações
em
sentido
estrito
(positivos),
quanto direitos de defesa (negativos), e ambas as dimensões
demandem
o
emprego
de
recursos
públicos
para
a
sua
garantia, é a dimensão prestacional (positiva) dos direitos
sociais
o
principal
argumento
contrário
à
sua
judicialização.
A
dependência
de
recursos
econômicos
para
a
efetivação dos direitos de caráter social leva parte da
doutrina
a
direitos
defender
assumem
que
a
as
feição
normas
de
que
consagram
normas
tais
programáticas,
dependentes, portanto, da formulação de políticas públicas
para
se
tornarem
defende
que
a
omissão
estatal
exigíveis.
intervenção
quanto
à
Nesse
do
sentido,
Poder
construção
também
Judiciário,
se
ante
satisfatória
a
dessas
políticas, violaria o princípio da separação dos Poderes e
o princípio da reserva do financeiramente possível.
Em relação aos direitos sociais, é preciso levar
em consideração que a prestação devida pelo Estado varia de
acordo com a necessidade específica de cada cidadão. Assim,
enquanto o Estado tem que dispor de um determinado valor
para arcar com o aparato capaz de garantir a liberdade dos
cidadãos universalmente, no caso de um direito social como
a saúde, por outro lado, deve dispor de valores variáveis
em função das necessidades individuais de cada cidadão.
Gastar mais recursos com uns do que com outros envolve,
portanto, a adoção de critérios distributivos para esses
recursos.
Dessa forma, em razão da inexistência de suportes
financeiros
necessidades
suficientes
sociais,
para
a
satisfação
enfatiza-se
que
a
de
todas
formulação
as
das
políticas sociais e econômicas voltadas à implementação dos
direitos
sociais
implicaria,
invariavelmente,
escolhas
alocativas. Essas escolhas seguiriam critérios de justiça
distributiva (o quanto disponibilizar e a quem atender),
configurando-se
como
típicas
opções
políticas,
as
quais
pressupõem “escolhas trágicas” pautadas por critérios de
macrojustiça. É dizer, a escolha da destinação de recursos
para uma política e não para outra leva em consideração
fatores como o número de cidadãos atingidos pela política
eleita,
a
efetividade
e
a
eficácia
do
serviço
a
ser
prestado, a maximização dos resultados etc.
Nessa linha de análise, argumenta-se que o Poder
Judiciário,
o
qual
estaria
vocacionado
a
concretizar
a
justiça do caso concreto (microjustiça), muitas vezes não
teria condições de, ao examinar determinada pretensão à
prestação de um direito social, analisar as consequências
globais da destinação de recursos públicos em benefício da
parte,
Gustavo.
com
invariável
Direito,
prejuízo
Escassez
e
para
Escolha.
o
todo
Renovar:
(AMARAL,
Rio
de
Janeiro, 2001).
Por outro lado, defensores da atuação do Poder
Judiciário
na
concretização
dos
direitos
sociais,
em
especial do direito à saúde, argumentam que tais direitos
são indispensáveis para a realização da dignidade da pessoa
humana. Assim, ao menos o “mínimo existencial” de cada um
dos direitos – exigência lógica do princípio da dignidade
da pessoa humana – não poderia deixar de ser objeto de
apreciação judicial.
O
fato
“judicialização
do
é
que
direito
o
denominado
à
saúde”
problema
ganhou
da
tamanha
importância teórica e prática, que envolve não apenas os
operadores do direito, mas também os gestores públicos, os
profissionais da área de saúde e a sociedade civil como um
todo. Se, por um lado, a atuação do Poder Judiciário é
fundamental
para
o
exercício
efetivo
da
cidadania,
por
outro, as decisões judiciais têm significado um forte ponto
de
tensão
políticas
entre
os
públicas,
elaboradores
que
se
e
veem
os
executores
compelidos
a
das
garantir
prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas
vezes
contrastantes
com
a
política
estabelecida
pelos
governos para a área de saúde e além das possibilidades
orçamentárias.
Lembro,
neste
ponto,
a
sagaz
assertiva
do
professor Canotilho segundo a qual “paira sobre a dogmática
e
teoria
jurídica
dos
direitos
econômicos,
sociais
e
culturais a carga metodológica da vaguidez, indeterminação
e impressionismo que a teoria da ciência vem apelidando, em
termos
caricaturais,
‘metodologia
sob
fuzzy’”.
a
“Em
designação
toda
a
de
sua
‘fuzzismo’
radicalidade
ou
–
enfatiza Canotilho – a censura de fuzzysmo lançada aos
juristas significa basicamente que eles não sabem do que
estão a falar quando abordam os complexos problemas dos
direitos econômicos, sociais e culturais” (CANOTILHO, J. J.
Gomes.
Metodologia
problemática
culturais.
actual
In:
“fuzzy”
dos
Estudos
e
“camaleões
direitos
sobre
normativos”
econômicos,
direitos
sociais
na
e
fundamentais.
Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 100.).
Nesse aspecto, não surpreende o fato de que a
problemática dos direitos sociais tenha sido deslocada, em
grande parte, para as teorias da justiça, as teorias da
argumentação e as teorias econômicas do direito (CANOTILHO,
op. cit., p. 98).
Enfim,
como
enfatiza
Canotilho,
“havemos
de
convir que a problemática jurídica dos direitos sociais se
encontra hoje numa posição desconfortável” (CANOTILHO, op.
cit., p. 99).
De toda forma, parece sensato concluir que, ao
fim e ao cabo, problemas concretos deverão ser resolvidos
levando-se
em
consideração
todas
as
perspectivas
que
a
questão dos direitos sociais envolve. Juízos de ponderação
são inevitáveis nesse contexto prenhe de complexas relações
conflituosas entre princípios e diretrizes políticas ou, em
outros termos, entre direitos individuais e bens coletivos.
Alexy
segue
linha
semelhante
de
conclusão,
ao
constatar a necessidade de um modelo que leve em conta
todos os argumentos favoráveis e contrários aos direitos
sociais, da seguinte forma:
“Considerando os argumentos contrários e favoráveis
aos direitos fundamentais sociais, fica claro que
ambos os lados dispõem de argumentos de peso. A
solução
consiste
em
um
modelo
que
leve
em
consideração tanto os argumentos a favor quantos os
argumentos contrários. Esse modelo é a expressão da
idéia-guia formal apresentada anteriormente, segundo
a qual os direitos fundamentais da Constituição alemã
são posições que, do ponto de vista do direito
constitucional, são tão importantes que a decisão
sobre garanti-las ou não garanti-las não pode ser
simplesmente deixada para a maioria parlamentar.
(...) De acordo com essa fórmula, a questão acerca de
quais direitos fundamentais sociais o indivíduo
definitivamente tem é uma questão de sopesamento
entre princípios. De um lado está, sobretudo, o
princípio da liberdade fática. Do outro lado estão os
princípios
formais
da
competência
decisória
do
legislador democraticamente legitimado e o princípio
da
separação
de
poderes,
além
de
princípios
materiais, que dizem respeito sobretudo à liberdade
jurídica de terceiros, mas também a outros direitos
fundamentais sociais e a interesses coletivos.”
(ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais.
Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros Editores, 2008, p. 511-512)
Ressalte-se,
não
obstante,
que
a
questão
dos
direitos fundamentais sociais enfrenta desafios no direito
comparado que não se apresentam em nossa realidade. Isso
porque
a
própria
existência
de
direitos
fundamentais
sociais é questionada em países cujas Constituições não os
preveem de maneira expressa ou não lhes atribuem eficácia
plena. É o caso da Alemanha, por exemplo, cuja Constituição
Federal praticamente não contém direitos fundamentais de
maneira
expressa
(ALEXY,
Robert.
Teoria
dos
Direitos
Fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros
Editores,
diferenciou
liberdades
direitos
o
e
2008,
regime
500),
e
de
constitucional
garantias
sociais
p.
do
(ANDRADE,
regime
José
Portugal,
dos
que
direitos,
constitucional
Carlos
Vieira
dos
de.
Os
Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976.
3ª Edição. Coimbra: Almedina, 2004, p. 385).
Ainda
entrever
os
que
essas
desafios
questões
impostos
ao
tormentosas
Poder
permitam
Público
e
à
sociedade na concretização do direito à saúde, é preciso
destacar de que forma a nossa Constituição estabelece os
limites e as possibilidades de implementação deste direito.
O direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196
da Constituição Federal como (1) “direito de todos” e (2)
“dever
do
Estado”,
(3)
garantido
mediante
“políticas
sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de
doenças e de outros agravos”, (5) regido pelo princípio do
“acesso universal e igualitário” (6) “às ações e serviços
para a sua promoção, proteção e recuperação”.
Examinemos cada um desses elementos.
(1) direito de todos:
É possível identificar, na redação do referido
artigo constitucional, tanto um direito individual quanto
um direito coletivo à saúde. Dizer que a norma do artigo
196, por tratar de um direito social, consubstancia-se tão
somente em norma programática, incapaz de produzir efeitos,
apenas indicando diretrizes a serem observadas pelo poder
público,
significaria
negar
a
força
normativa
da
Constituição.
A
dimensão
individual
do
direito
à
saúde
foi
destacada pelo Ministro Celso de Mello, relator do AgR-RE
n.º 271.286-8/RS, ao reconhecer o direito à saúde como um
direito
público
subjetivo
assegurado
à
generalidade
das
pessoas, que conduz o indivíduo e o Estado a uma relação
jurídica
obrigacional.
Ressaltou
o
Ministro
que
“a
interpretação da norma programática não pode transformá-la
em
promessa
constitucional
inconseqüente”,
impondo
aos
entes federados um dever de prestação positiva. Concluiu
que “a essencialidade do direito à saúde fez com que o
legislador
constituinte
qualificasse
como
prestações
de
relevância pública as ações e serviços de saúde (CF, art.
197)”,
legitimando
hipóteses
em
que
a
a
atuação
do
Poder
Administração
Judiciário
Pública
descumpra
nas
o
mandamento constitucional em apreço. (AgR-RE N. 271.2868/RS, Rel. Celso de Mello, DJ 12.09.2000).
Não obstante, esse direito subjetivo público é
assegurado
mediante
seja,
há
não
procedimento
um
políticas
direito
necessário
sociais
absoluto
para
a
a
e
econômicas,
todo
proteção,
e
ou
qualquer
promoção
e
recuperação da saúde, independentemente da existência de
uma
política
público
pública
subjetivo
a
que
o
concretize.
políticas
públicas
Há
que
um
direito
promovam,
protejam e recuperem a saúde.
Em decisão proferida na ADPF n.º 45/DF, o Min.
Celso de Mello consignou o seguinte:
“Desnecessário acentuar-se, considerando o encargo
governamental de tornar efetiva a aplicação dos
direitos econômicos, sociais e culturais, que os
elementos
componentes
do
mencionado
binômio
(razoabilidade
da
pretensão
+
disponibilidade
financeira do Estado) devem configurar-se de modo
afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência,
pois,
ausentes
qualquer
desses
elementos,
descaracterizar-se-á
a
possibilidade
estatal
de
realização prática de tais direitos”.(ADPF-MC N.º 45,
Rel. Celso de Mello, DJ 4.5.2004).
Assim,
a
garantia
judicial
da
prestação
individual de saúde, prima facie, estaria condicionada ao
não comprometimento do funcionamento do Sistema Único de
Saúde (SUS), o que, por certo, deve ser sempre demonstrado
e fundamentado de forma clara e concreta, caso a caso.
(2) dever do Estado:
O
para
além
dispositivo
do
fundamental
direito
de
constitucional
fundamental
prestação
de
à
saúde
deixa
saúde,
por
claro
há
parte
o
do
que,
dever
Estado
(União, Estados, Distrito Federal e Municípios).
O
dever
de
desenvolver
políticas
públicas
que
visem à redução de doenças, à promoção, à proteção e à
recuperação da saúde está expresso no artigo 196.
A competência comum dos entes da Federação para
cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição.
União,
Estados,
responsáveis
quanto
da
Distrito
solidários
Federal
pela
coletividade
e,
saúde,
dessa
e
Municípios
tanto
forma,
do
são
são
indivíduo
legitimados
passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa,
pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal),
de prestações na área de saúde.
O
fato
de
o
descentralizado
os
financeiros
entes
dos
Sistema
serviços
da
e
Único
de
conjugado
Federação,
com
Saúde
os
o
ter
recursos
objetivo
de
aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde,
apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre
eles.
As ações e os serviços de saúde são de relevância
pública,
integrantes
hierarquizada,
de
segundo
o
uma
rede
regionalizada
e
critério
da
subsidiariedade,
e
constituem um sistema único.
Foram
estabelecidas
quatro
diretrizes
básicas
para as ações de saúde: direção administrativa única em
cada
nível
de
governo;
descentralização
político-
administrativa; atendimento integral, com preferência para
as atividades preventivas; e participação da comunidade.
O
Sistema
Único
de
Saúde
está
baseado
no
financiamento público e na cobertura universal das ações de
saúde. Dessa forma, para que o Estado possa garantir a
manutenção do sistema, é necessário que se atente para a
estabilidade dos gastos com a saúde e, consequentemente,
para a captação de recursos.
O financiamento do Sistema Único de Saúde, nos
termos do art. 195, opera-se com recursos do orçamento da
seguridade
social,
da
União,
dos
Estados,
do
Distrito
Federal e dos Municípios, além de outras fontes. A Emenda
Constitucional
estabilidade
n.º
para
29/2000,
os
recursos
com
de
vistas
a
dar
maior
saúde,
consolidou
um
mecanismo de cofinanciamento das políticas de saúde pelos
entes da Federação.
A
Emenda
acrescentou
dois
novos
parágrafos
ao
artigo 198 da Constituição, assegurando percentuais mínimos
a serem destinados pela União, Estados, Distrito Federal e
Municípios para a saúde, visando a um aumento e a uma maior
estabilidade dos recursos. No entanto, o § 3º do art. 198
dispõe
que
caberá
à
Lei
Complementar
estabelecer:
os
percentuais mínimos de que trata o § 2º do referido artigo;
os
critérios
de
rateio
entre
os
entes;
as
normas
de
fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde;
as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União;
além,
é
claro,
de
especificar
as
ações
e
os
serviços
públicos de saúde.
O art. 200 da Constituição, que estabeleceu as
competências
do
Sistema
Único
de
Saúde
(SUS),
é
regulamentado pelas Leis Federais 8.080/90 e 8.142/90.
O SUS consiste no conjunto de ações e serviços de
saúde,
prestados
por
órgãos
e
instituições
públicas
federais, estaduais e municipais, da Administração direta e
indireta
e
das
fundações
mantidas
pelo
Poder
Público,
incluídas as instituições públicas federais, estaduais e
municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de
insumos
e
medicamentos,
inclusive
de
sangue
e
sociais
e
hemoderivados, e de equipamentos para saúde.
(3)
garantido
mediante
políticas
econômicas:
A
econômicas
garantia
mediante
ressalva,
políticas
justamente,
a
sociais
necessidade
e
de
formulação de políticas públicas que concretizem o direito
à saúde por meio de escolhas alocativas. É incontestável
que,
além
da
necessidade
de
se
distribuírem
recursos
naturalmente escassos por meio de critérios distributivos,
a própria evolução da medicina impõe um viés programático
ao direito à saúde, pois sempre haverá uma nova descoberta,
um
novo
exame,
cirúrgico,
uma
um
nova
novo
prognóstico
doença
ou
a
ou
volta
procedimento
de
uma
doença
supostamente erradicada.
(4) políticas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos:
Tais políticas visam à redução do risco de doença
e
outros
agravos,
de
forma
a
evidenciar
sua
dimensão
preventiva. As ações preventivas na área da saúde foram,
inclusive,
indicadas
como
prioritárias
pelo
artigo
198,
inciso II, da Constituição.
(5) políticas que visem ao acesso universal e
igualitário:
O
constituinte
estabeleceu,
ainda,
um
sistema
universal de acesso aos serviços públicos de saúde.
Nesse sentido, a Ministra Ellen Gracie, na STA
91,
ressaltou
Constituição
que,
no
seu
refere-se,
entendimento,
em
princípio,
o
à
art.
196
da
efetivação
de
políticas públicas que alcancem a população como um todo
(STA 91-1/AL, Ministra Ellen Gracie, DJ 26.02.2007).
O
reforça
princípio
a
do
acesso
responsabilidade
Federação,
garantindo,
igualitário
solidária
inclusive,
a
e
universal
dos
entes
da
“igualdade
da
assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de
qualquer espécie” (art. 7º, IV, da Lei 8.080/90).
(6) ações e serviços para promoção, proteção e
recuperação da saúde:
O estudo do direito à saúde no Brasil leva a
concluir que os problemas de eficácia social desse direito
fundamental
implementação
devem-se
e
à
muito
mais
manutenção
a
das
questões
políticas
ligadas
públicas
à
de
saúde já existentes - o que implica também a composição dos
orçamentos dos entes da Federação - do que à falta de
legislação específica. Em outros termos, o problema não é
de
inexistência,
mas
de
execução
(administrativa)
das
políticas públicas pelos entes federados.
A
Constituição
brasileira
não
só
prevê
expressamente a existência de direitos fundamentais sociais
(artigo
6º),
especificando
seu
conteúdo
e
forma
de
prestação (artigos 196, 201, 203, 205, 215, 217, entre
outros), como não faz distinção entre os direitos e deveres
individuais e coletivos (capítulo I do Título II) e os
direitos sociais (capítulo II do Título II), ao estabelecer
que
os
direitos
e
garantias
fundamentais
têm
aplicação
imediata (artigo 5º, § 1º, CF/88). Vê-se, pois, que os
direitos
fundamentais
Constituição
Federal
sociais
de
1988
foram
como
acolhidos
autênticos
pela
direitos
fundamentais. Não há dúvida – deixe-se claro – de que as
demandas que buscam a efetivação de prestações de saúde
devem ser resolvidas a partir da análise de nosso contexto
constitucional e de suas peculiaridades.
Mesmo diante do que dispõem a Constituição e as
leis relacionadas à questão, o que se tem constatado, de
fato,
é
a
crescente
controvérsia
jurídica
sobre
a
possibilidade de decisões judiciais determinarem ao Poder
Público
o
decisões
fornecimento
estas
nas
de
medicamentos
quais
se
e
discute,
tratamentos,
inclusive,
os
critérios considerados para tanto.
No
recorrente
âmbito
a
do
tentativa
decisões
judiciais
Tribunal
existem
Supremo
do
nesse
Tribunal
Poder
Público
sentido.
diversos
Na
pedidos
Federal,
de
é
suspender
Presidência
do
suspensão
de
de
segurança, de suspensão de tutela antecipada e de suspensão
de liminar, com vistas a suspender a execução de medidas
cautelares que condenam a Fazenda Pública ao fornecimento
das
mais
variadas
prestações
de
saúde
(fornecimento
de
medicamentos, suplementos alimentares, órteses e próteses;
criação de vagas de UTIs e leitos hospitalares; contratação
de servidores de saúde; realização de cirurgias e exames;
custeio
de
tratamento
exterior, entre outros).
fora
do
domicílio,
inclusive
no
Assim, levando em conta a grande quantidade de
processos e a complexidade das questões neles envolvidas,
convoquei Audiência Pública para ouvir os especialistas em
matéria
de
públicos,
Público,
Saúde
os
da
Pública,
membros
Defensoria
da
especialmente
magistratura,
Pública,
da
os
do
gestores
Ministério
Advocacia
da
União,
Estados e Municípios, além de acadêmicos e de entidades e
organismos da sociedade civil.
Após
representantes
ouvir
dos
os
depoimentos
diversos
setores
prestados
pelos
envolvidos,
ficou
constatada a necessidade de se redimensionar a questão da
judicialização do direito à saúde no Brasil. Isso porque,
na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em
razão
de
uma
omissão
absoluta
em
matéria
de
políticas
públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo
em
vista
uma
necessária
determinação
judicial
para
o
cumprimento de políticas já estabelecidas. Portanto, não se
cogita do problema da interferência judicial em âmbitos de
livre apreciação ou de ampla discricionariedade de outros
Poderes quanto à formulação de políticas públicas.
Esse
sobressaiu
Saúde:
no
nos
foi
um
debates
Brasil,
o
dos
primeiros
ocorridos
problema
na
entendimentos
Audiência
talvez
não
que
Públicaseja
de
judicialização ou, em termos mais simples, de interferência
do Poder Judiciário na criação e implementação de políticas
públicas em matéria de saúde, pois o que ocorre, na quase
totalidade dos casos, é apenas a determinação judicial do
efetivo cumprimento de políticas públicas já existentes.
Esse dado pode ser importante para a construção
de um critério ou parâmetro para a decisão em casos como
este, no qual se discute, primordialmente, o problema da
interferência
do
Poder
Judiciário
na
esfera
dos
outros
Poderes.
Assim, também com base no que ficou esclarecido
na Audiência Pública, o primeiro dado a ser considerado é a
existência,
ou
não,
de
política
estatal
que
abranja
a
prestação de saúde pleiteada pela parte. Ao deferir uma
prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e
econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o
Judiciário não está criando política pública, mas apenas
determinando o seu cumprimento. Nesses casos, a existência
de
um
direito
subjetivo
público
a
determinada
política
pública de saúde parece ser evidente.
Se a prestação de saúde pleiteada não estiver
entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se a
não prestação decorre de (1) uma omissão legislativa ou
administrativa, (2) de uma decisão administrativa de não
fornecê-la ou (3) de uma vedação legal a sua dispensação.
Não
raro,
busca-se,
no
Poder
Judiciário,
a
condenação do Estado ao fornecimento de prestação de saúde
não registrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA).
Como
Audiência
ficou
Pública,
claro
é
nos
vedado
depoimentos
à
prestados
Administração
na
Pública
fornecer fármaco que não possua registro na ANVISA.
A Lei Federal n.º 6.360/76, ao dispor sobre a
vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos,
as
drogas,
os
insumos
farmacêuticos
e
correlatos,
determina, em seu artigo 12, que “nenhum dos produtos de
que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser
industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo
antes de registrado no Ministério da Saúde”. O artigo 16 da
referida Lei estabelece os requisitos para a obtenção do
registro, entre eles o de que o produto seja reconhecido
como seguro e eficaz para o uso a que se propõe. O Art. 18
ainda
determina
que,
em
se
tratando
de
medicamento
de
procedência estrangeira, deverá ser comprovada a existência
de registro válido no país de origem.
O registro de medicamento, como ressaltado pelo
Procurador-Geral da República na Audiência Pública, é uma
garantia à saúde pública. E, como ressaltou o DiretorPresidente da ANVISA na mesma ocasião, a Agência, por força
da lei de sua criação, também realiza a regulação econômica
dos fármacos. Após verificar a eficácia, a segurança e a
qualidade do produto e conceder-lhe o registro, a ANVISA
passa a analisar a fixação do preço definido, levando em
consideração o benefício clínico e o custo do tratamento.
Havendo
produto
assemelhado,
se
o
novo
medicamento
não
trouxer benefício adicional, não poderá custar mais caro do
que o medicamento já existente com a mesma indicação.
Por tudo isso, o registro na ANVISA configura-se
como
condição
necessária
para
atestar
a
segurança
e
o
benefício do produto, sendo o primeiro requisito para que o
Sistema Único de Saúde possa considerar sua incorporação.
Claro que essa não é uma regra absoluta. Em casos
excepcionais, a importação de medicamento não registrado
poderá ser autorizada pela ANVISA.
A Lei n.º 9.782/99, que
criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA),
permite
que
adquiridos
ela
por
dispense
intermédio
de
de
“registro”
organismos
medicamentos
multilaterais
internacionais, para uso de programas em saúde pública pelo
Ministério da Saúde.
O segundo dado a ser considerado é a existência
de motivação para o não fornecimento de determinada ação de
saúde pelo SUS. Há casos em que se ajuíza ação com o
objetivo de garantir prestação de saúde que o SUS decidiu
não
custear
por
entender
que
inexistem
evidências
científicas suficientes para autorizar sua inclusão.
Nessa
hipótese,
podem
ocorrer,
ainda,
duas
situações: 1º) o SUS fornece tratamento alternativo, mas
não adequado a determinado paciente; 2º) o SUS não tem
nenhum tratamento específico para determinada patologia.
A princípio, pode-se inferir que a obrigação do
Estado, à luz do disposto no artigo 196 da Constituição,
restringe-se ao fornecimento das políticas sociais e
econômicas por ele formuladas para a promoção, proteção e
recuperação da saúde.
Isso porque o Sistema Único de Saúde filiou-se à
corrente da “Medicina com base em evidências”. Com isso,
adotaram-se
os
“Protocolos
Clínicos
e
Diretrizes
Terapêuticas”, que consistem num conjunto de critérios que
permitem determinar o diagnóstico de doenças e o tratamento
correspondente com os medicamentos disponíveis e as
respectivas doses. Assim, um medicamento ou tratamento em
desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela,
pois tende a contrariar um consenso científico vigente.
Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do
Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio
constitucional do acesso universal e igualitário às ações e
prestações de saúde, só torna-se viável mediante a
elaboração de políticas públicas que repartam os recursos
(naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível.
Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e
prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem
administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo
a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da
população mais necessitada. Dessa forma, podemos concluir
que, em geral, deverá ser privilegiado o tratamento
fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida
pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia
ou a impropriedade da política de saúde existente.
Essa
conclusão
não
afasta,
contudo,
a
possibilidade de o Poder Judiciário, ou de a própria
Administração, decidir que medida diferente da custeada
pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por
razões específicas do seu organismo, comprove que o
tratamento fornecido não é eficaz no seu caso. Inclusive,
como ressaltado pelo próprio Ministro da Saúde na Audiência
Pública, há necessidade de revisão periódica dos protocolos
existentes e de elaboração de novos protocolos. Assim, não
se pode afirmar que os Protocolos Clínicos e Diretrizes
Terapêuticas do SUS são inquestionáveis, o que permite sua
contestação judicial.
Situação diferente é a que envolve a inexistência
de tratamento na rede pública. Nesses casos, é preciso
diferenciar os tratamentos puramente experimentais dos
novos tratamentos ainda não testados pelo Sistema de Saúde
brasileiro.
Os tratamentos experimentais (sem comprovação
científica de sua eficácia) são realizados por laboratórios
ou centros médicos de ponta, consubstanciando-se em
pesquisas clínicas. A participação nesses tratamentos regese pelas normas que regulam a pesquisa médica e, portanto,
o Estado não pode ser condenado a fornecê-los.
Como esclarecido, na Audiência Pública da Saúde,
pelo Médico Paulo Hoff, Diretor Clínico do Instituto do
Câncer do Estado de São Paulo, essas drogas não podem ser
compradas em nenhum país, porque nunca foram aprovadas ou
avaliadas, e o acesso a elas deve ser disponibilizado
apenas no âmbito de estudos clínicos ou programas de acesso
expandido, não sendo possível obrigar o SUS a custeá-las.
No entanto, é preciso que o laboratório que realiza a
pesquisa continue a fornecer o tratamento aos pacientes que
participaram do estudo clínico, mesmo após seu término.
Quanto
aos
novos
tratamentos
(ainda
não
incorporados pelo SUS), é preciso que se tenha cuidado
redobrado na apreciação da matéria. Como frisado pelos
especialistas ouvidos na Audiência Pública, o conhecimento
médico não é estanque, sua evolução é muito rápida e
dificilmente suscetível de acompanhamento pela burocracia
administrativa.
Se, por um lado, a elaboração dos Protocolos
Clínicos e das Diretrizes Terapêuticas privilegia a melhor
distribuição de recursos públicos e a segurança dos
pacientes, por outro a aprovação de novas indicações
terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por
excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento há muito
prestado pela iniciativa privada.
Parece
certo
que
a
inexistência
de
Protocolo
Clínico no SUS não pode significar violação ao princípio da
integralidade do sistema, nem justificar a diferença entre
as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as
disponíveis aos usuários da rede privada. Nesses casos, a
omissão
administrativa
no
tratamento
de
determinada
patologia poderá ser objeto de impugnação judicial, tanto
por ações individuais como coletivas. No entanto, é
imprescindível que haja instrução processual, com ampla
produção de provas, o que poderá configurar-se um obstáculo
à concessão de medida cautelar.
Portanto, independentemente da hipótese levada à
consideração do Poder Judiciário, as premissas analisadas
deixam clara a necessidade de instrução das demandas de
saúde para que não ocorra a produção padronizada de
iniciais, contestações e sentenças, peças processuais que,
muitas vezes, não contemplam as especificidades do caso
concreto examinado, impedindo que o julgador concilie a
dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão
objetiva do direito à saúde. Esse é mais um
incontestável, colhido na Audiência Pública – Saúde.
dado
Com fundamento nessas considerações, que entendo
essenciais para a reflexão e a discussão do presente caso
pelo Plenário desta Corte, retomo, de forma específica, as
razões apresentadas pela União em seu agravo regimental.
Da análise do presente recurso, concluo que a
agravante não traz novos elementos aptos a determinar a
reforma da decisão agravada.
Em primeiro lugar, a agravante repisa a alegação
genérica de violação ao princípio da separação dos Poderes,
o que já havia sido afastado pela decisão impugnada, a qual
assentou a possibilidade, em casos como o presente, de o
Poder Judiciário vir a garantir o direito à saúde, por meio
do
fornecimento
de
medicamento
ou
de
tratamento
imprescindível para o aumento de sobrevida e a melhoria da
qualidade de vida da paciente. Colhe-se dos autos que a
decisão
impugnada
suficientes
quanto
informa
ao
estado
a
existência
de
saúde
da
de
provas
paciente
e
a
necessidade do medicamento indicado.
Quanto à possibilidade de intervenção do Poder
Judiciário, destaco a ementa da decisão proferida na ADPFMC 45/DF, relator Celso de Mello, DJ 29.4.2004:
“EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL
DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM
TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO
CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL.
DIMENSÃO
POLÍTICA
DA
JURISDIÇÃO
CONSTITUCIONAL
ATRIBUÍDA
AO
SUPREMO
TRIBUNAL
FEDERAL.
INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS
DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁCTER
RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR.
CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA ‘RESERVA DO
POSSÍVEL’. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS
INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO
NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO ‘MÍNIMO EXISTENCIAL’.
VIABILIDADE
INSTRUMENTAL
DA
ARGÜIÇÃO
DE
DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS
LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE
SEGUNDA GERAÇÃO).”
Nesse sentido é a lição de Christian Courtis e
Victor Abramovich (ABRAMOVICH, Victor; COURTS, Christian,
Los
derechos
sociales
como
derechos
exigibles,
Trotta,
2004, p. 251):
“Por ello, el Poder Judicial no tiene la tarea de
diseñar políticas públicas, sino la de confrontar el
diseño de políticas asumidas con los estándares
jurídicos
aplicables
y
–
en
caso
de
hallar
divergencias – reenviar la cuestión a los poderes
pertinentes para que ellos reaccionen ajustando su
actividad
en
consecuencia.
Cuando
las
normas
constitucionales o legales fijen pautas para el
diseño
de
políticas
públicas
y
los
poderes
respectivos
no
hayan
adoptado
ninguna
medida,
corresponderá al Poder Judicial reprochar esa omisión
y reenviarles la cuestión para que elaboren alguna
medida. Esta dimensión de la actuación judicial puede
ser conceptualizada como la participación en un
<<diálogo>> entre los distintos poderes del Estado
para la concreción del programa jurídico-político
establecido por la constitución o por los pactos de
derechos humanos.” (sem grifo no original)
Além
disso,
a
agravante,
reiterando
os
fundamentos da inicial, aponta, de forma genérica, que a
decisão
objeto
desta
suspensão
invade
competência
administrativa da União e provoca desordem em sua esfera,
ao impor-lhe deveres que são do Estado e do Município.
Contudo, a decisão agravada deixou claro que existem casos
na
jurisprudência
desta
Corte
que
afirmam
a
responsabilidade solidária dos entes federados em matéria
de saúde.
Após refletir sobre as informações colhidas na
Audiência Pública - Saúde e sobre a jurisprudência recente
deste Tribunal, é possível afirmar que, em matéria de saúde
pública, a responsabilidade dos entes da Federação deve ser
efetivamente solidária.
No
Tribunal
RE
195.192-3/RS,
consignou
responsabilidade
o
pelas
a
2ª
entendimento
ações
e
Turma
deste
segundo
serviços
de
o
Supremo
qual
saúde
é
a
da
União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios.
Nesse sentido, o acórdão restou assim ementado:
“SAÚDE – AQUISIÇÃO E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS –
DOENÇA RARA. Incumbe ao Estado (gênero) proporcionar
meios visando a alcançar a saúde, especialmente
quando envolvida criança e adolescente. O Sistema
Único de Saúde torna a responsabilidade linear
alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios.” (RE 195.192-3/RS, 2ª Turma, Ministro
Marco Aurélio, DJ 22.02.2000).
Em
sentido
idêntico,
no
RE-AgR
255.627-1,
o
Ministro Nelson Jobim afastou a alegação do Município de
Porto Alegre de que não seria responsável pelos serviços de
saúde de alto custo. O Ministro Nelson Jobim, amparado no
precedente do RE 280.642, no qual a 2ª Turma havia decidido
questão idêntica, negou provimento ao Agravo Regimental do
Município:
“(...) A referência, contida no preceito, a “Estado”
mostra-se abrangente, a alcançar a União Federal, os
Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os
Municípios. Tanto é assim que, relativamente ao
Sistema Único de Saúde, diz-se do financiamento, nos
termos do artigo n.º 195, com recursos do orçamento,
da seguridade social, da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, além de outras
fontes. Já o caput do artigo informa, como diretriz,
a descentralização das ações e serviços públicos de
saúde que devem integrar rede regionalizada e
hierarquizada, com direção única em cada esfera de
governo. Não bastasse o parâmetro constitucional de
eficácia imediata, considerada a natureza, em si, da
atividade,
afigura-se
como
fato
incontroverso,
porquanto
registrada,
no
acórdão
recorrido,
a
existência de lei no sentido da obrigatoriedade de
fornecer-se os medicamentos excepcionais, como são os
concernentes à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
(SIDA/AIDS), às pessoas carentes. O município de
Porto Alegre surge com responsabilidade prevista em
diplomas
específicos,
ou
seja,
os
convênios
celebrados no sentido da implantação do Sistema Único
de Saúde, devendo receber, para tanto, verbas do
Estado. Por outro lado, como bem assinalado no
acórdão, a falta de regulamentação municipal para o
custeio da distribuição não impede fique assentada a
responsabilidade
do
Município.
(...)”
(RE-AgR
255.627-1/RS, 2ª Turma, Ministro Nelson Jobim, DJ
21.11.2000)
A
responsabilidade
dos
entes
da
Federação
foi
muito enfatizada durante os debates na Audiência Pública -
Saúde,
oportunidade
em
que
externei
os
seguintes
entendimentos sobre o tema:
O Poder Judiciário, acompanhado pela doutrina
majoritária, tem entendido que a competência comum
dos entes resulta na sua responsabilidade solidária
para responder pelas demandas de saúde.
Muitos dos pedidos de suspensão de tutela
antecipada, suspensão de segurança e suspensão de
liminar fundamentam a ocorrência de lesão à ordem
pública na desconsideração, pela decisão judicial,
dessa divisão de responsabilidades estabelecidas pela
legislação do SUS, alegando que a ação deveria ter
sido proposta contra outro ente da Federação.
Não temos dúvida de que o Estado brasileiro é
responsável pela prestação dos serviços de saúde.
Importa aqui reforçar o entendimento de que cabe à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios agirem em conjunto no cumprimento do
mandamento constitucional.
A Constituição incorpora o princípio da lealdade
à Federação por parte da União, dos Estados e
Municípios no cumprimento de suas tarefas comuns.
De
toda
desenvolvimento
forma,
prático
parece
desse
certo
tipo
que,
de
quanto
ao
responsabilidade
solidária, deve ser construído um modelo de cooperação e de
coordenação
de
ações
conjuntas
por
parte
dos
entes
federativos.
Ressalto que o tema da responsabilidade solidária
dos entes federativos em matéria de saúde também poderá ser
apreciado pelo Tribunal no RE 566.471, Rel. Min. Marco
Aurélio,
o
qual
tem
repercussão
geral
reconhecida,
nos
termos da seguinte ementa:
SAÚDE – ASSISTÊNCIA – MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO –
FORNECIMENTO. Possui repercussão geral controvérsia
sobre a obrigatoriedade de o Poder Público fornecer
medicamento de alto custo.
Também tramita nesta corte a Proposta de Súmula
Vinculante
n.º
4,
que
propõe
tornar
vinculante
o
entendimento jurisprudencial a respeito da responsabilidade
solidária dos entes da Federação no atendimento das ações
de saúde. Referida PSV teve a tramitação sobrestada por
decisão da Ministra Ellen Gracie, Presidente da Comissão de
Jurisprudência, e está no aguardo da apreciação do mérito
do referido RE 566.471 (DJe 26.8.09).
Assim, apesar da responsabilidade dos entes da
Federação em matéria de direito à saúde suscitar questões
delicadas, a decisão impugnada pelo pedido de suspensão, ao
determinar a responsabilidade da União no fornecimento do
tratamento pretendido, segue as normas constitucionais que
fixaram a competência comum (art. 23, II, da CF), a Lei
Federal n.º 8.080/90 (art. 7º, XI) e a jurisprudência desta
Corte. Entendo, pois, que a determinação para que a União
arque com as despesas do tratamento não configura grave
lesão à ordem pública.
A
correção
ou
não
deste
posicionamento,
entretanto, não é passível de ampla cognição nos estritos
limites deste juízo de contracautela, como quer fazer valer
a agravante.
Da
mesma
forma,
as
alegações
referentes
à
ilegitimidade passiva da União, à violação do sistema de
repartição de competências, à necessidade de figurar como
réu
na
ação
principal
somente
o
ente
responsável
pela
dispensação do medicamento pleiteado e à desconsideração da
lei do SUS, não são passíveis de ampla delibação no juízo
do pedido de suspensão de segurança, pois constituem o
mérito da ação, a ser debatido de forma exaustiva no exame
do recurso cabível contra o provimento jurisdicional que
ensejou a tutela antecipada.
Nesse sentido: SS-AgR n.º
2.932/SP, Ellen Gracie, DJ 25.4.2008 e SS-AgR n.º 2.964/SP,
Ellen Gracie, DJ 9.11.2007, entre outros.
Ademais,
pedido
de
eventual
diante
da
contracautela,
concessão
nitidamente
no
natureza
evidencia-se
presente
satisfativo,
excepcional
com
que
a
do
sua
momento
teria
caráter
efeitos
deletérios
à
subsistência e ao regular desenvolvimento da saúde da
paciente,
a
ensejar
a
ocorrência
de
possível
dano
inverso.
Neste
natureza
de
ponto,
recurso,
o
o
pedido
que
formulado
contraria
o
tem
nítida
entendimento
assente desta Corte acerca da impossibilidade do pedido
de
suspensão
como
sucedâneo
recursal,
do
qual
se
destacam os seguintes julgados: SL 14/MG, rel. Maurício
Corrêa, DJ 03.10.2003; SL 80/SP, rel. Nelson Jobim, DJ
19.10.2005; 56-AgR/DF, rel. Ellen Gracie, DJ 23.6.2006.
Melhor sorte não socorre à agravante quanto aos
argumentos de grave lesão à economia e à saúde públicas,
visto que a decisão agravada consignou, de forma expressa,
que o alto custo de um tratamento ou de um medicamento que
tem registro na ANVISA não é suficiente para impedir o seu
fornecimento pelo Poder Público.
Além disso, não procede a alegação de temor de
que esta decisão sirva de precedente negativo ao Poder
Público, com possibilidade de ensejar o denominado efeito
multiplicador, pois a análise de decisões dessa natureza
deve
ser
elementos
feita
caso
a
normativos
e
caso,
considerando-se
fáticos
da
questão
todos
os
jurídica
debatida.
Por fim, destaco que a agravante não infirma o
fundamento da decisão agravada de que, em verdade, o que se
constata é a ocorrência de grave lesão em sentido inverso
(dano inverso), caso a decisão venha a ser suspensa (fl.
183).
Ante
o
exposto,
regimental.
É como voto.
nego
provimento
ao
agravo
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STA AgR 175 - Supremo Tribunal Federal