Arte e Cultura Brasileira Contextualizada e Traçada por Hélio Oiticica Arlete Fonseca de Andrade* Resumo: O artigo aborda a relação ente arte e ciência, e contextualiza a partir da importante produção artística de Hélio Oiticica, e traça um paralelo dos estudos culturais desenvolvidos no campo da sociologia e filosofia pelos pensadores Pierre Bourdieu e Mikhail Bakhtin. Palavras-chave: Hélio Oiticica, Arte Contemporânea, Cultura Brasileira, Pierre Bourdieu, Mikhail Bakhtin, Cultura Popular, estudos culturais. * Arlete Fonseca de Andrade é bacharel em ciências políticas e sociais pela FESPSP, mestre em psicologia social e doutora em ciências sociais com área de concentração em antropologia pela PUC-SP. Cursou curadoria e crítica de arte no Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM e, história da arte no Museu de Arte de São Paulo – MASP e na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Arte e Ciência Na contemporaneidade, os estudos entre arte e ciência vêm obtendo cada vez mais relevância e visibilidade no que tange à produção de pesquisas acadêmicas e publicações de artigos em periódicos de ciências humanas e de artes visuais, e em diversos livros ressaltando não somente a possibilidade de integração, mas também a importante contribuição entre estes dois campos que, a princípio podem parecer distintos, mas utilizam de seus recursos teóricos de uma para outra e vice-versa no desenvolvimento em seus temas. Um exemplo são os estudos entre as artes visuais e as ciências sociais, principalmente em relação à antropologia, a sociologia e a filosofia, enriquecendo o campo das ideias, da crítica e/ou dando embasamento às pesquisas em diversos campos temáticos. Artistas, críticos, curadores, antropólogos, filósofos, sociólogos se aproximam, criam e compartilham suas bases no sentido de mostrar que o diálogo e práticas só tendem a enriquecer com esta interface. O nascimento de um novo tempo, de um novo século (XX), gerou transformações não somente no cenário político e social mundial, mas também na dimensão estética. No período moderno (1350 – 1850), a arte era exclusivamente a pintura acadêmica, religiosa, legitimada pelo Estado e pela Igreja, com base no modelo historicista e iconográfico. Na contemporaneidade, buscou-se um novo estilo e experiência não mais com base no visível, mas nas sensações, emoções e funcionalidade. No século XX, os movimentos artísticos intensificam-se, e a partir das primeiras décadas, novas linguagens, movimentos e técnicas são criados como instalações, performances, objetos, entre outras. As questões culturais, políticas e sociais são inseridas e questionadas, principalmente pós 2ª Guerra Mundial, rompendo assim com a proposta de outros períodos da arte, ultrapassando os limites da moldura e dos costumes e hábitos. Na década de 60, a arte contemporânea, seus movimentos, manifestos, e linguagens fixam-se definitivamente nos cenários artístico, cultural e político. A arte figurativa é superada pela conceitual que considera a ideia, o conceito anterior à concepção da obra. Além deste aspecto, prioriza a participação do espectador incluindo espaços públicos para exposições e apresentações. Essa nova concepção de arte também tem sua expressão no Brasil. No final dos anos 50, artistas e críticos paulistas e cariocas começam a criar suas produções tendo como referencial o concretismo. No Rio de Janeiro, Lygia Pape, Lygia Clark, Ferreira Gullar, Mário Pedrosa, Hélio Oiticica, entre outros, criam o Grupo Frente e, em São Paulo Augusto e Haroldo de Campos, Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros e outros criam o Grupo Ruptura. Todos estes artistas citados marcaram a arte contemporânea brasileira e, dentre eles, Hélio Oiticica é até os dias de hoje considerado um dos mais revolucionários de seu tempo e, sua obra experimental e inovadora reconhecida internacionalmente. Hélio Oiticica Foto 1: Hélio Oiticica com uma de suas obras. Hélio Oiticica nasceu no Rio de Janeiro em 26/07/1937. Filho de José Oiticica Filho, um dos importantes fotógrafos brasileiros, que também era engenheiro, professor de matemática e entomólogo e de Ângela Santos Oiticica. Hélio e os irmãos foram instruídos por seus pais, em casa. Aprenderam matemática, ciências, línguas, história e geografia. Em 1947, seu pai, foi premiado com uma bolsa da Fundação Guggenheim e passou a trabalhar no United States National Museum - Smithsonian Institution. A família então se muda para os EUA (Washington) e lá moram por dois anos. Aos 10 anos Hélio Oiticica é matriculado junto com os irmãos pela primeira vez numa escola oficial (Thomson School). A aproximação com a arte se deu nessa época, pois tinham à disposição várias galerias e museus de arte. Em 1950 retorna com a família para o Rio de Janeiro e, em 1952 começa a escrever e a traduzir peças de teatro que encenava em casa com seus irmãos. Logo após este período, inicia seus estudos de arte com Ivan Serpa, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ) com ênfase na livre criação e experimentação. Concepção Artística Uma das várias contribuições que Hélio Oiticica trouxe para a arte contemporânea foi sua incessante busca da superação da noção de objeto de arte como tradicionalmente definido pelas artes plásticas e, de redefinir a participação do espectador diante da arte, incluindo-o numa posição de participante, conduzindo-o frente à obra de arte ao “exercício experimental da liberdade” como definiu Mário Pedrosa. Em outras palavras, a arte contemplativa passa para a arte que desperte um comportamento, que tem uma dimensão ética, social e política. Oiticica “aspira à superação de uma arte conformista, elitista, condicionante, limitada ao processo de estímulo-reação, que se configura como instrumento de domínio intelectual e comportamental. Propõe, então, uma arte que busca uma abertura ao participador e do participador, através de experiências que promovam uma volta do sujeito a si mesmo, redescobrindo e libertando-se de seus condicionamentos éticos e estéticos, impelindo-o a um estado criativo em uma vivência suprassensível.” (Braga, 2011). Oiticica buscou dialogar com o público além do aspecto estético e de classes. Em suas obras, contextualiza a cultura popular local, a cultura das comunidades dos morros cariocas, ora nas ruas ou em espaços hegemônicos; museus e galerias no Brasil e no exterior, possibilitando a mediação com as estâncias dos poderes simbólicos, políticos e culturais. Destaca-se pelo seu caráter experimental, inovador e performático. Seus experimentos, que pressupõem uma ativa integração com o público em suas obras, são, em grande parte, acompanhados de elaborações teóricas, comumente com a presença de textos, comentários e poemas. De acordo com Celso Favareto, crítico e um dos grandes conhecedores de Oiticica, seu trabalho consiste duas fases: uma mais visual, que tem início em 1954 na arte concreta e, vai até a formulação dos Bólides, em 1963 e, outra sensorial, que segue até 1980. (Favaretto, 1992, p. 49) Isso nos mostra que a trajetória artística de Oiticica não possui somente o lado estético. Ele se inspira no momento social e cultural vivido no cotidiano de sua época, e nas pessoas “comuns” principalmente os marginalizados, excluídos da sociedade. Foto 2: Bólide em homenagem a “Cara de Cavalo". Obra em que o artista homenageia o bandido morto pela polícia carioca. (Folha de São Paulo, 21 de setembro de 2010, bienal de artes, p.7). O exemplo dessa experiência sensorial foi seu envolvimento, no fim da década de 1960, com a comunidade do Morro da Mangueira, e desta união nascem os Parangolés, que na gíria do morro quer dizer conversa fiada. “Trata-se de tendas, estandartes, bandeiras e capas de vestir que fundem elementos como cor, danças, poesia e música e pressupõem uma manifestação cultural coletiva.” Posteriormente a noção de Parangolé é ampliada: “chamarei então Parangolé, de agora em diante, a todos os princípios formulados aqui... Parangolé é a antiarte por excelência; inclusive pretendo estender o sentido de 'apropriação' às coisas do mundo com que deparo nas ruas, terrenos baldios, campos, o mundo ambiente enfim...” (Oiticica, 1986, p. 79) Foto 3: Hélio Oiticica Parangolé P 08 Capa 05 – Mangueira, 1965; P 05 Capa 02, 1965; P 25 Capa 21Nininha Xoxoba, 1968; P 04 Capa 01, 1964. Image from Ivan Cardoso’s film H.O, 1979. Credits: Catalogue Hélio Oiticica. The Body of Color, 2007, p. 317 Em 1964, quando começa a fazer as chamadas Manifestações Ambientais, protesta na abertura da mostra Opinião 65, no MAM/RJ, quando amigos integrantes da escola de samba Mangueira são impedidos de entrar e, acaba sendo expulso do museu. Realiza, então, uma manifestação coletiva em frente ao museu, na qual os Parangolés são vestidos por seus amigos sambistas. Em 1967, as questões levantadas com o Parangolé desembocam nas Manifestações Ambientais com destaque para as obras Tropicália, 1967, Apocalipopótese, 1968, e Éden 1969. A Tropicália apresentada na exposição Nova Objetividade Brasileira, no MAM/RJ é considerada o apogeu de seu programa ambiental. A obra é “uma espécie de labirinto sem teto que remete à arquitetura das favelas e em seu interior apresenta um aparelho de TV sempre ligado.”1 ´ 1 http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=2020&lst_palav ras=&cd_idioma=28555&cd_item=1 Foto 4. Oiticica, Hélio. Tropicália, 1967. Plantas, areia, pedras, araras, aparelho de televisão, tecido e madeira Projeto Helio Oiticica (Rio de Janeiro, RJ) Reprodução fotográfica César Oiticica Filho Outro projeto de grande repercussão foi Éden, apresentado em Londres em 1969, e considerada sua maior exposição em vida. Composto de Tendas, Bólides e Parangolés para participação e vivências individuais e coletivas. Com essa espécie de utopia de vida em comunidade, surge a proposição Crelazer, ligada à percepção criativa do lazer não repressivo e à valorização do ócio. Sobre o Crelazer Favaretto explica: “A proposição do Crelazer absorve ideias do Suprassensorial e do Projeto, incorporando-as numa concepção de vida-arte: atividade não-repressiva em que arte e mesmo antiarte nada significam (“são como sarampo ou catapora; tem-se uma vez só e se esquece, pois é preciso viver”). Importa “viver o crelazer”. O novo, diz Oiticica, é o viver sempre, e se essa atividade é não-repressiva, ela é, automaticamente, política, pois se opõe a todas as formas de dessublimação programada. A ideia de Crelazer começa a tomar corpo em 1967 com a “Cama-Bólide”, uma cabine onde as pessoas se deitam, experimentam sensações e recobram modos de viver, de “estar” no mundo; estende-se no Éden – projeto montado na Whitechapel Gallery, Londres (fevereiro-abril 1969), em que Oiticica reúne todas as experiências desde o neoconcretismo – e propõe o Barracão, “ambiente total comunitário do Crelazer. Oiticica caracterizou o Éden como” ““um campus experimental, uma espécie de taba, onde todas as experiências humanas são permitidas – humano enquanto possibilidade da espécie humana. É uma espécie de lugar mítico para as sensações para as ações, para a feitura de coisas e construção do cosmo interior de cada um – por isso, proposições “abertas” são dadas e até mesmo materiais brutos e crus para “fazer coisas” que o participador será capaz de realizar””. (Favaretto, 1992 p. 185) Foto 5: Projeto Éden, Whitechapel Gallery. Londres, 1969. Apesar de Oiticica não ser um artista engajado politicamente no sentido estrito das palavras, arte de protesto de caráter político, acredito que seu engajamento torna-se algo muito mais amplo. Sua veia anarquista, herança de seu avô, José Oiticica, pensador anarquista, professor e escritor, tornam seus ideais um estado lírico e utópico, isto é, ir além dos padrões, do determinismo de uma cultura estética estéril legitimada pela dominação das elites, do Estado, e que nos faz acreditar em seus interesses daquilo que é bom e ruim, feio e belo. Sua vida, ideias, obras, projetos se misturam. Estão em simbiose, para além da arte. Ele queria implodir o modelo tradicional da estética que emoldura arte e vida. Oiticica buscou dialogar com o mundo sensorial das pessoas transgredindo barreiras impostas por normas sociais. Por isso a criação dos Parangolés e dos Penetráveis, projetos que tinham como estratégia abandonar a distância entre a arte e expectador. Como se pode notar, as obras e projetos de Hélio Oiticica leva a reflexão sobre nossa formação histórica e cultural, e como a tensão ainda permanece entre classes, e o acesso às instâncias artísticas e culturais. Contextualização Teórica Paralelo ao enfoque dado a arte e cultura contemporânea contextualizada por Hélio Oiticica, recorro a dois pensadores para enriquecer o assunto neste artigo. São eles: Pierre Bourdieu e Mikhail Bakhtin. Inicio por Pierre Bourdieu2 (01/08/30 – 23/01/2002: França) que discorre sobre o modelo tradicional, hierarquizante que a sociedade ocidental foi calcada e, que distância as pessoas e, as reduz, as condiciona em classes de uma divisão desigual entre grupos ou indivíduos com base nas relações de bens materiais e/ou econômicos, e de bens simbólicos, status e/ou culturais. A distribuição desigual de recursos e poderes e consequentemente de privilégios, são voltados para os que pertencem a específicos grupos dentro da estrutura social hegemônica, conforme enfatiza o sociólogo Pierre Bourdieu. Assim, a posição de privilégios ou ausência dele, de um determinado grupo ou indivíduo dá-se a partir do volume de capitais que ele possui (nas dimensões material, simbólica e cultural) que adquiriu e incorporou ao longo de sua trajetória histórica e social. Bourdieu aponta também sobre a desigualdade social que o sistema de escolarização promove desde cedo, pois cobra de todos os indivíduos conhecimento e acesso a uma cultura obtida somente no núcleo familiar das classes privilegiadas antes da escolarização, não levando em consideração aqueles que pertencem ao segmento popular. Ao invés da escolarização promover o acesso ao ensino de forma democrática 2 “Nascido em uma família campesina, ingressou em 1951 na Faculdade de Letras, em Paris, na Escola Normal Superior e em 1954 graduou-se em filosofia, assumindo a função de professor em Moulins. Após prestar serviço militar na Argélia, assumiu em 1958 o cargo de professor assistente na Faculdade de Letras em Argel, quando iniciou sua pesquisa acerca da sociedade cabila. Em 1960 torna-se assistente de Raymond Aron, na Faculdade de Letras de Paris e principia seus estudos acerca do celibato na região de Béarn. Ainda em 1960 integrou-se ao Centro de Sociologia Europeia, do qual tornou-se secretário geral em 1962. Desenvolveu ao longo das décadas de 1960 a 1980 farta obra, contribuindo significativamente para a formação do pensamento sociológico do século XX. Na década de 1970 estendeu sua atividade docente a destacadas instituições estrangeiras, como as universidades de Harvard e Chicago e o Instituto Max Planck de Berlim. Em 1982 ministrou sua aula inaugural (Lições de Aula) no Collège de France (instituição que três anos mais tarde se associou ao Centro de Sociologia Europeia), propondo uma "Sociologia da Sociologia", constituída de um olhar crítico sobre a formação do sociólogo como censor e detentor de um discurso de verdade sobre o mundo social. Neste sentindo, esta aula inaugural encontra-se com a ministrada por Barthes (A aula) e Foucault (A Ordem do Discurso), privilegiando a discussão acerca do saber acadêmico. É consagrado Doutor 'honoris causa' das universidades Livre de Berlim (1989), Johann-Wolfgang-Goethe de Frankfurt (1996) e Atenas (1996). Morreu em Paris, em 23 de janeiro de 2002, depois de finalizar um curso acerca de sua própria produção acadêmica, que servirá de fundamento ao seu último livro, Esboço para uma autoanálise.” Wikipédia. aos indivíduos, ela acaba reforçando as diferenças e distinções existentes entre aqueles que possuem capital cultural daqueles que não os tem. No Brasil esta questão é bem evidente em relação às diferenças entre a rede pública de ensino, pelo descaso do Estado na falta de recursos, com a educação na rede privada que prima pela formação e inserção no mercado de trabalho dos indivíduos, mantendo assim um nível de competição e cobrança desigual entre estes dois grupos. A essa cobrança social Pierre Bourdieu denominou de violência simbólica, pois impõe a todos uma única forma de cultura, um gosto legitimado pelas elites e Estado, menosprezando outras formas, segmentos e classes. A violência simbólica tem suas ramificações no gosto cultural, que resulta da diferença entre os indivíduos e, classifica o que é de bom ou mau gosto, hierarquizando assim o campo da cultura3. Os estudos culturais de Pierre Bourdieu são importantes para compreender as contradições e tensões existentes entre cultura popular e cultura erudita e a relação de dominação e de subordinação entre elas. Já para o filósofo Mikhail Bakhtin4 (17/11/1895 – 06/03/1975: Rússia), os estudos culturais estão relacionados à cultura popular que para ele é uma concepção de mundo baseada na vida cotidiana, e adquire sentido nas manifestações e tradições populares e não no conceito de civilização e arte pura e cristalizada. 3 Os conceitos de Capital Cultural, Habitus, Violência Simbólica basearam-se nas obras de Pierre Bourdieu citadas na bibliografia e no livro de Maria da Graça Jacintho Setton, intitulado “A Produção da Crença”. Ed. Zouk, São Paulo, 2002. 4 “Nascido em Oriol, localidade a sul de Moscovo, de família aristocrática em decadência, cresceu entre Vínius e Odessa, cidades fronteiriças com grande variedade de línguas e culturas. Mais tarde, estudou Filosofia e Letras na Universidade de São Petersburgo, abordando em profundidade a formação em filosofia alemã. Viveu em Leningrado após a vitória da revolução em 1917. Entre os anos 24 e 29 conheceu os principais expoentes do Formalismo russo e publicou Freudismo (1927), O método formal nos estudos literários (1928) e Marxismo e Filosofia da Linguagem (1929), sendo esta última talvez a sua obra mais célebre. Assinada com o nome de seu amigo e discípulo Voloshinov, só a partir dos anos 70 teve difusão e reconhecimento importantes, e apenas recentemente é que veio a ser confirmada a sua autoria (Bakhtin concedeu a atribuição de diversos de seus textos a colegas). Em 1929, foi obrigado ao exílio interno no Cazaquistão acusado de envolvimento em atividades ilegais ligadas à Igreja Ortodoxa, o que nunca viria a ser demonstrado. Ficaria no Cazaquistão até 1936. Mais tarde, ver-se-ia forçado ao exílio a Saransk (capital da Mordóvia) durante a purga de 1937. Em 1941 lê a tese de doutoramento no Instituto Gorki, de Moscovo, voltando a Saransk como catedrático após a Segunda Guerra Mundial, e sendo redescoberto como teórico por estudantes da capital russa a seguir à morte de Estaline e, sobretudo na década de 60. Os seus trabalhos só foram conhecidos no Ocidente progressivamente a partir da década de 80, atingindo grande prestígio e referencialidade póstuma nos anos 90 e até à atualidade. Seu trabalho é considerado influente na área de teoria literária, crítica literária, sociolinguística, análise do discurso e semiótica. Bakhtin é, na verdade, um filósofo da linguagem e sua linguística é considerada uma "translinguística" porque ela ultrapassa a visão de língua como sistema. Isso porque, para Bakhtin, não se pode entender a língua isoladamente, mas qualquer análise linguística deve incluir fatores extralinguísticos como contexto de fala, a relação do falante com o ouvinte, momento histórico, etc.” Wikipéida. Cultura para Bakhtin não é homogênea, assim como os povos não o são. É mais do que isso; é um modo de vida, porém não idêntico a ela. São atitudes, valores e formas simbólicas compartilhadas. Bakhtin aborda o caráter polifônico em que o diálogo nunca se conclui, porque há diversas linguagens interagindo e absorvendo diversas características de cada povo, cultura, linguagem, que para alguns pensadores é denominado de hibridismo cultural ou multiculturalismo. A origem e o sentido da realidade como cultura para Bakhtin estão nas relações dos homens com a natureza que se dá pelo desejo, pelo trabalho e pela linguagem. Bakhtin constrói sua teoria da cultura a partir da teoria literária, em que ressalta as mais diversas manifestações sociais, das tradições eruditas a festas populares realizadas nas ruas e praças públicas pelo segmento popular no período da Idade Média ao Renascimento na Europa. Tanto Bourdieu como Bakhtin em suas formulações sobre estudos culturais trazem elementos que Hélio Oiticica demonstrou em seus projetos artísticos. O fato de ele reconhecer que muitos espaços culturais são voltados para uma elite, abolir a arte figurativa, contemplativa, e criar uma arte que interaja com todos como foi o projeto Éden projeto realizado na Whitechapel Gallery, em Londres, que reuniu Bólides, Penetráveis, Parangolés e Ninhos, colaborou no sentido estético e sensorial que sua arte propõe no rompimento das instâncias simbólicas de violência, estabelecendo um diálogo polifônico, unindo diversas características do modo de viver de grupos e indivíduos, e não em suas diferenças. “Neste espaço, cada proposição coloca a seu modo uma questão vital que perpassa sua produção: a superação de uma arte de cunho geométrico-representacional para a proposição de experiências artísticas vivenciais centradas no corpo e na “ação comportamental como uma força criativa” (Oiticica, 1969, tombo 0486/69) Bibliografia Bakhtin, Mikhail: Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento, ed. Hucitec. 1999 Bourdieu, Pierre: O Amor Pela Arte, ed. Edusp. 2003 ..........................: O Poder Simbólico, ed. Perspectiva. 1989 Braga, Paula: Fios Soltos: a arte de Hélio Oiticica, ed. Perspectiva. 2011 Enciclopédia Itaú Cultural artes visuais (http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/) Favareto, Celso: A invenção de Hélio Oiticica, ed. Edusp. 1992 Jacques, B. Paola: Estética da Ginga, ed. Casa da Palavra. 2011 Oiticica, Hélio: Aspiro ao grande labirinto, ed. Rocco. 1986 Oiticica, H. The Senses Pointing Towards a New Transformation. (22/12/1969). Programa HO. #tombo 0486/69. Setton, M. G. Jacintho: A Produção da Crença, ed. Zouk. 2002