1 As Letras na Formação da Cultura Brasileira – Um estudo Através do Colégio Jesuítico – Séculos XVI e XVII Wagner Montanhini PPGE UNIMEP Tal estudo do mundo das letras na primeira educação visa a compreender a formação da cultura brasileira Assim, a partir de uma análise sucinta do meio educacional jesuítico, enquanto condicionador de uma relação social e organizacional prática em seu mundo cultural de padrões, é que poderemos observar a influência direta da formação dos letrados na construção de uma nova sociedade. As Letras na Formação da Cultura Brasileira – Um estudo Através do Colégio Jesuítico – Séculos XVI e XVII Wagner Montanhini PPGE UNIMEP INTRODUÇÃO Este artigo se atém ao chamado período colonial brasileiro, mais especificamente à fase pré-pombalina da escolarização colonial. Como objeto de estudo maior teremos “As letras na formação da cultura brasileira: um estudo através do colégio jesuítico, séculos XVI e XVII”, pertencente a toda uma concepção de sociedade formada e fundada sob o patamar de uma cultura, em que o colégio jesuítico se traduz num dos veículos da cultura letrada e selecionada em função de sua importância organizadora de uma sociedade. O UNIVERSO DAS LETRAS Ao se falar do universo das letras, vamos nos ater a educação jesuítica dos colégios, a qual era destinada a poucos. A linguagem criada por essa cultura é expressa por meio de uma determinada organização social, onde a escola é um fato concreto e institucional da portugalidade colonial presente. O sentido está em se buscar na formação cultural da história do Brasil o lugar que a escola ocupou na organização social. Para os jesuítas é por meio das letras que se exprime a adesão a cultura portuguesa, uma vez que as mesmas pertencem ao meio real onde se deposita toda uma forma de atitude cultural, a qual vem a confirmar a organização da sociedade; sendo por meio das letras determinado os graus de acesso social. As letras se configuram no espelho de um Estado mercantilista, não de um interesse mercantil, mas de valorização social, da ideologia do orbis christianus ali presente . E dentro desse novo universo cultural, econômico e político das navegações que agitavam a Europa, e em particular Portugal, estavam os colégios jesuítas que se voltavam para os filhos do mundo da cultura hegemônica. Serão estes, os letrados, que tendo feito os seus estudos nos colégios, obterão o direto de um determinado reconhecimento de sua função na sociedade, por meio de um status quo definidor. Dessa forma, as letras possuem uma conotação forte nesse mundo quinhentista e seiscentista em formação na terra brasilis. O letrado era a sociedade falando pelo homem da nova terra. Ante todo esse aspecto de uma nova visão de homem se impondo e de um Estado procurando atender aos interesses de uma nova classe social que se identifica nos novos moldes de uma cultura, vemos o Brasil que vai sendo modelado e envolvido por uma relação de sociedade e poder que enquadrava tal mundo. 2 Nesse sentido, a dimensão da cultura que compõe a expressão de vida de um meio social em formação, é parte de uma sociedade portuguesa geradora de uma confluência de valores a serem herdados. A presença da cultura num determinado ambiente social é efeito de uma marca que se impõe no tempo e no espaço. Ela é o resultado direto de um processo que vai do subjetivo (das idéias) ao mundo da matéria, do cotidiano, ao comportamento social. Isso tende a mostrar que momentos, atos e fatos podem ter o poder de transformar e até compor a forma de vida de uma determinada sociedade. Ao se procurar ir a fundo no estudo da cultura de um povo, estamos indo ao encontro de relações sociais pareadas na via dos acontecimentos. Dessa forma, podemos entendê-la num mundo de transformações e vivências, porque: A historia e ordenada culturalmente de diferentes modos nas diversas sociedades, de acordo com os esquemas de significação das coisas. O contrario também e verdadeiro: esquemas culturais são ordenados historicamente porque, em maior ou menor grau, os significados são reavaliados quando realizados na pratica. A síntese desse contrários desdobra-se nas ações criativas dos sujeitos históricos (...) das pessoas envolvidas. Porque, por um lado , as pessoas organizam seus projetos e dão sentido aos objetos partindo das compreensões preexistentes da ordem cultural. Nesses termos, a cultura e historicamente reproduzida na ação1 Aí, então, transparece a vida, traduzindo-se através dos pontos mais notáveis de sua observação, que são os costumes, as instituições, os valores, determinando o espaço de uma sociedade historicamente construída que ali se criou. As diferentes ordens culturais tem seus modelos próprios de ação, consciência e determinação histórica - suas próprias praticas históricas 2 Podemos dizer com mais propriedade que a cultura se refere ao cultivo de qualidades humanas dentro de uma historicidade feita pelos seus próprios habitantes. Tem um significado que os gregos chamavam propriamente de Paidéia3, ou aquilo que os latinos denominavam de cultura anima, cuja expressão mais atenta tende a designar o aprimoramento do Homem. O ser humano possui a capacidade de transformar a terra e a natureza em geral. A cultura se revela muito mais no espaço da convivência social, enredando uma verdadeira teia de criações humanas, porque “ a sociedade é construída com a soma institucional de suas praticas individuais”4 Ela tende a representar o rico cultivo que o ser humano faz do relacionamento entre os membros de um mesmo grupo, e também, do relacionamento entre grupos diversos. Os valores (educação), as instituições, a maneira de se trabalhar, de morar, de viver, tudo aquilo que constitui as normas e tradições do conviver, são produções culturais de um determinado grupo humano5. Diferentemente dos animais, o homem produz idéias e teorias a respeito do mundo, de si mesmo, da sua convivência social, do existir, de tudo que pode levar a seu comportamento, 1 SAHLINS, 1990: 7 2 SAHLINS, 1990: 62 3 CAMBI, F. Historia da educação. S.P., Unesp, 1999,p. 98 4 SAHLINS, 1990:76 5 LARAIA, R. de B. Cultura: um conceito antropológico. 14ed. RJ: Jorge Zahar Ed., 2001,p..45 3 aperfeiçoando-o, ou modificando-o. Podemos entender por cultura, então, a identificação de produções intelectuais. O homem cria sentidos existenciais e precisa de valores que ele expressa de mil maneiras nos seus mitos, religiões e ideologias. A cultura de um determinado povo constitui um sistema de bases por ele produzido onde “ é um sistema de significados, atitudes e valores partilhados e as formas simbólicas (...) em que eles são expressos ou encarnados”6 O povo mantém-se coeso e dinâmico, individualiza-se como determinado grupo, justamente porque sua cultura o faz acontecer, possibilitando-lhe ver o seu delinear histórico. Nesse sentido, o ser humano é um ser cultural não somente porque produz cultura, mas porque ele é produto de determinada cultura, trazendo determinada maneira de ser em si e possuidor de uma historia, pois “uma presença histórica é uma existência cultural”.7 No universo da cultura de um povo, manifesta-se a luta de interesses, com dominantes e dominados fazendo a sua extensão, o que nos leva a dizer que se torna difícil mapear todos os caminho da produção cultural de um povo. O que se entende é que muitos deles ficaram para sempre obstruídos, legados a uma memória negada , distorcida ou mesmo deturpada pelos que têm a força para se impor. A história cultural8 chega a ser a história das dimensões hegemônicas dessa cultura. No entanto, ela só pode ser pensada como um sistema complexo, contraditório e, ao mesmo tempo, dinâmico. Ela faz-se e refaz-se continuamente. As culturas tendem a veicular e produzir projetos de vida humana. Elas geram humanismos. Por detrás das realizações históricas concretas, descobrimos a imagem que os povos fazem do que seja ser pessoa, do tipo de sociedade que convém ao ser humano, e do sentido que propõe à sua existência. São tais propostas humanísticas que carreiam as contradições determinando culturas hegemônicas e dando-nos condições de traçar algo sobre as opções minoritárias que sempre estiveram presentes, mas não conseguiram se impor como predominantes. Podemos dizer com isso que discorrer sobre o mundo das letras é falar sobre uma forma de cultura fundada nas Humanidades, onde as Letras era o “que então se designava por studia humanitatis, ou ideal de uma formação literária adquirida mediante a leitura, o comentário e a imitação dos grandes autores greco-latinos”9 Elas se ligavam plenamente à cultura portuguesa10 que, a partir do século XV, foi abalada por um amplo movimento de renovação cultural, assente na redescoberta e reinterpretação da cultura clássica greco-romana, estendendo-se da pintura à literatura, da história à arquitetura, que é conhecido hoje como Renascimento “ um dos segmentos do quadro cultural do século XVI,: segmento força e vanguarda desestabilizadora dos paradigmas tradicionais no campo da arte, ciência e cultura.”11. Podemos ainda dizer que o renascimento é “uma imensa transformação global no quadro das palavras e das coisas do homem, uma profunda mutação da civilização material à espiritual” 12 Um ponto que deve ser observado com atenção é que o renascimento “ é um estilo civilizacional, um campo sociocultural onde se exprime a porta da modernidade e a saída da medievalidade. Essa abertura , campo 6 BURKE, 1989:15 7 SAHLINS, 1990:144 8 SAHLINS, M. Ilhas de Historia. RJ, Jorge Zahar ed.. 1990, p.145 9 MENDES,1992: 375. 10 MENDES, 1992:376 11 BARRETO,1983:40 12 BARRETO,1983: 41 4 de continuidades e descontinuidades, não deve levar a mitologias da ruptura com a medievalidade (..) “13 Ou seja, o renascimento português, como todo e qualquer renascimento é “um fenômeno de continuidade frente a medievalidade”14. No que se refere às letras, este movimento tomou a designação de Humanismo15, uma formação que se dirigia para a construção de um novo Homem. Por toda a Europa se desenvolviam os estudos clássicos, com um veículo privilegiado, o latim, utilizado segundo os cânones dos grandes autores romanos. O Renascimento chegou a Portugal no decorrer do século XV, onde o “desabrochar do Humanismo (...) realiza-se sob a égide da Coroa, e foi o Paço principal foco da cultura literária”16 . Muitos portugueses viajavam pela Europa, especialmente Itália (berço do Renascimento) de onde trouxeram novas idéias. Foi determinante o papel da imprensa para a difusão da cultura humanista com a edição de livros fundamentais da cultura clássica, por exemplo, obras de Homero e Virgílio. Em Portugal no século XVI “ foram reduzidos os contactos da vida cultural portuguesa com o humanismo europeu. Resultaram antes de iniciativas individuais e desgarradas do que de um propósito assumido de intercambio”( MENDES, , ,P.380) propriamente, foi o próprio monarca D. João III17 que desenvolveu a cultura e que: ganhou vulto um fenômeno de investimento na cultura”que( ...) não teve precedentes na nossa história. A modernização do aparelho cultural respondia, alias, a um tempo , a solicitação que se prendiam com a necessidade de acertar o passo pelo da Europa evoluída e com as exigências do processo de concentração , racionalização e secularização do poder – (...) , da própria construção do Estado Moderno 18 Um rei que tinha como intenção de cultura a criação de bolsas de estudo para candidatos a cursos em universidades estrangeiras19. Alguns sábios particulares também protegeram a cultura portuguesa, por exemplo, Francisco de Holanda, amigo de Miguel Angelo. Camões mostrou ao século XVI e a tempos vindouros que Portugal era o país dos descobrimentos, da ciência náutica e do valor da experiência. Mas podemos dizer que: os descobrimentos portugueses não são um fenômeno nacional nem nacionalista, corresponde a um dos lugares duma Europa Ocidental e Oriental, uma expansão à conquista do mundo. A península Ibérica é a vanguarda desse movimento por razões que se prendem , sobretudo, com as possibilidades tecnológicas de domínio do mar, herdadas fundamentalmente da ciência islâmica medieval (..) 20 13 BARRETO, 1983:.42 14 BARRETO, 1983:.48 15 . Procuremso entede aqui a palavra Humanismo como sendo inspirado não coneteio de humanitas de Cícero, onde o os valores morais e esteticso esto presos num cojunto de valores humanos, que se achariam definidos tanto anãs escirturas e na patristica com na cultura profana da antiguidade.. Saraiva, A . J. & Lopes, º, Histoira da Literatura portuguesa, Porto, Porto Editroa, Portugal, 1996, p.173 16 Saraiva, A. J. & Lopes,1996: 177 17 Mendes,1992:379 18 MENDES,1992: 380 19 Saraiva, A . J. & Lopes, º, Histoira da Literatura portuguesa, Porto, Porto Editora, Portugal, 1996, p.177 20 BARRETO, 1983:197 5 O reinado de D. João III marcou o apogeu do Humanismo em Portugal onde: a atitude mental ( ...) revela uma profunda mudança na relação do homem como mundo , ao afetar radicalmente a concepção da pessoa, a consciência da individualidade , abre caminho para a teorização antropocêntrica que tipifica o humanismo. Um humanismo que ( ...) ao invés de se comprazer no programa de imitação e restituição dos antigos( ...) surge animado de um impulso ascendente , virado par o futuro (...) 21 É bom lembrarmos também que é nesse mesmo período de D. João III que se assinala igualmente o seu declínio, já que a divisão de idéias na Europa, sobretudo devido ao movimento da Reforma protestante, acabaria por levar profundas tensões ao seio dos círculos culturais e a um ambiente de intolerância religiosa e de limitação de liberdade de pensamento. O Concílio de Trento e a Reforma Católica viriam a marcar definitivamente a cultura portuguesa a partir de meados do século XVI. A doutrina católica definida em Trento, pronta e cabalmente acatada e executada pela coroa como lei nacional, constituiu-se elemento nuclear da razão de Estado22 A Igreja Católica impondo regras com as diretivas, que não admitiam desvios das normas estabelecidas. O primado, na escala ideológica unitária da Igreja e do Estado , da uniformização religiosa afetou de maneira eminente a cultura e traduziuse , no imediato, pela drástica redução , em volume e qualidade, do pensamento laico e da temática profana e pela correlativa efusão de uma literatura doutrinal e apologética23 Temos aí a Companhia de Jesus24 em seu nascedouro, e todo o mundo das letras a se confirmar para a formação de uma nova sociedade, temente em resguardar uma organização social sólida, pois a letras pertencem à corte como um fio condutor da sociedade.25 A cultura hegemônica portuguesa dispunha, dessa forma, de todo um patamar de conhecimento humanístico ( mundo das letras). Nos dizeres de Mendes, há uma sensível diferença entre humanismo e ‘humanidades”, pois: naquele , as disciplinas clássico-filosóficas concebiam-se intrinsecamente vinculadas ao ideal ético de aperfeiçoamento do “cristo bem formado”, afirmando-se como um individuo autônomo, dinâmico e realizador de si mesmo; e a ultima, na concepção jesuítica, não passavam 21 MENDES, 1992: 379 22 MENDES, 1983: 404 23 MENDES, 1983: 405 24 LEITE, S. 1938: 72 25 LEITE, S. 1938, p. 73 6 de expediente eficaz para veiculação de uma cultura aparentemente modernizada, mas induzida pela hierarquia eclesiástica26 E era esse o mundo da Igreja “que haveria ( ...)de ilustrar com o esmalte das boas letras” num tom necessário e propício para formar os chamados letrados, pois: o escopo era conformar o “: homem religioso”, munido da panoplia erudita que a atmosfera intelectual irada pelo humanismo reclamava e apto e com ela sustentar as posições professadas pela Igreja institucional 27 Os letrados eram os responsáveis pela manutenção do sistema cultural e seriam os futuros profissionais a ocupar cargos públicos, possibilitando assim à sociedade se reproduzir. os letrados deviam a sua própria existência a expansão do poder real.Tanto em Portugal quanto em Espanha, os letrados se constituíram num grupo estreitamente ligado a coroa, grupo que esperava profundamente a lei e a ordem e ansiava por encontrar soluções legais para os problemas práticos do governo28 O que podemos afirmar é que o novo cenário social, por mais peculiar que fosse, não levava a sociedade portuguesa a ser estruturalmente diferente. Ela se manteria pelo ensino das letras repassada pela Companhia de Jesus onde “( ...) o objetivo do curso humanista é a arte acabada da composição, oral e escrita.29 O veiculo seria o colégio jesuítico a formar letrados para a manutenção base de um sistema. O universo público dessa sociedade em formação se consubstanciara através do comportamento de um grupo social que compartilhara da mesma forma de pensar e agir, para manter a organização do poder. São propriamente os letrados dessa cultura portuguesa os detentores do ofício maior de resguardar o aspecto cultural de uma sociedade, através do manejo do conhecimento e das palavras. O alvo a que mira a formação do Ratio – nisto em concordância incontestada com o ideal do século XVI – é a eloqüência latina: ad perfectam informat eloquentiam. Levar o aluno a exprimir-se de maneira irrepreensível na linguagem de Cícero é o termo a que se subordinam todas as séries sabiamente graduadas do currículo. A gramática visa a expressão clara e correta; as humanidades, a expressão bela e elegante, a retórica, a expressão enérgica e convincente30. A partir daí é que podemos vislumbrar a real importância dos letrados para a cultura portuguesa em novas terras, pois eram eles que validavam princípios. Por essa razão o colégio jesuítico era o elo formador e ativador de um código pedagógico a ser seguido. Do colégio jesuítico saíam os letrados, que se incumbiriam da função de reais vigilantes da cultura. 26 MENDES, 1992:406 27MENDES, 1992: 406 28 SCHWARTZ, 1979: 14 29 FRANCA, 1952: 22 30 FRANCA, 1952: 34 7 Em Coimbra , os jesuítas, através do colégio de são Paulo , chegaram a dominar o campo educacional e os pensadores jesuítas enfatizaram que sendo a magistratura uma criação real, deveria se, conseqüentemente, totalmente subserviente a Coroa. Os magistrados eram funcionários reais,não funcionários civis. 31 A concepção de sociedade e de sua organização era, toda ela, de caráter hierárquico, como uma vigilância permanente para que a ordem fosse preservada. Tratava-se de uma função considerada nobre. Tornar mais homem: eis o alvo em que mirava todo o trabalho educativo. (...) a formação do homem pelo desenvolvimento harmonioso de suas faculdades, o seu objetivo primordial. Para atingi-lo, a linguagem constitui o instrumento mais adequado e eficiente. Só pela palavra pode o autor atingir o espírito do aluno; só pela palavra pode o educador manifestar o próprio espírito.(...) . A linguagem é, pois, o instrumento natural da formação humana.32 Ao se falar da importância do colégio, devemos destacar que este possuía um forte conceito pedagógico presente num código jesuítico denominado Ratio Studiorum33. Era um código educacional ligado diretamente ao mundo da cultura portuguesa. Pelo Ratio Studiorum, estudava-se na Gramática Média: Cícero, Ovídio, o Catecismo Grego, as Tábuas de Cebes; na Gramática Superior: Cícero, Ovídio, Catulo, Tíbulo, Propércio, Virgílio (Éclogas), S.João Crisóstomo, Esopo, Agapetos; em Humanidades: Cícero, Salústio, César, Lívio, Curtius, Virgílio (Éclogas e Eneida), Horácio; na Retórica: Cícero, Aristóteles, Demóstenes, Platão Tucídides, Homero, Hesíodo, Píndaro, S.Gregório Nazianzeno, S.Basílio e S.João Crisóstomo. Vemos dessa forma as letras formando os homens da época com um conteúdo pleno da presença greco-romana em seus estudos.34 O que norteava a pedagogia jesuítica era uma forma de sacralidade35 enraizada pelos ditames de toda uma cultura, neste caso, a portuguesa. No interior de tal proposta, vê-se uma edificação eclesial de salvação, perpetuado pelas idéias do reino de Deus. É um espaço contendo o mundo teocrático da sociedade; uma instituição definindo um universo de cultura, do qual é espelho. E o que quer representar tal fundamento pedagógico dos jesuítas? Uma sociedade que se faça perfeita e harmoniosa pela aura do sagrado. No âmago de tal organização, podemos encontrar uma estrutura curricular bem montada para os padrões exigidos; metodologias de ensino, avaliação e todo rol de disciplinas escolares que encarnam as esferas das propostas pedagógicas da Ratio Studiorum. Uma pedagogia que defendia um modelo de Estado, de cultura e que confluía pela ligação “espiritual” entre Igreja/Estado, que devia ser mantida devido ao modelo incondicional de salvação e reinado. As pessoas, ao saírem dos colégios da Companhia de Jesus, ligavam-se à vida social e possuíam em si um sentido moldado de educação preparado para o porvir cotidiano. Por isso, a importância do colégio. O quadro em que se moldava a formação jesuítica de uma pessoa ditava seriamente uma forma de comportamento secular e religioso. 31 SCHWARTZ,, 1979: 60 32 FRANCA, 1952: 35 33 FRANCA, 1952: 36 34 LEITE, S.1938.: 75 35 ELIADE, M . s/d: 67 8 Os colégios jesuítas eram os detentores dessa cultura. Neles se congregava o ponto maior da formação de uma elite brasileira e, com isso, tinham o poder latente de preservar uma cultura no espaço de uma sociedade . O que se deve observar é uma Instituição religiosa impingindo, de uma maneira secular, uma cultura dentro de uma sociedade, definindo em seu interior uma certa transformação na esfera social. Sendo assim, os letrados e o seu mundo, são os detentores do universo dos que governam e que fazem o cotidiano social de poder de um pais. A religião, como instituição e poder, impõe-se na formação da cultura brasileira. Ela coloca um tipo de discurso apropriado, consagrando um modus vivendi social aliado a um certo status social. Fica dessa forma expresso que todos aqueles que passavam pelos colégios incorporavam uma prática própria da Companhia de Jesus. A educação era possuidora de uma profunda aura da cultura portuguesa e européia, dominada e marcada por uma ordem religiosa ( Companhia de Jesus) , e que se torna forte e atuante no novo contexto social em que se enraíza, imprimindo formas no viver social dos indivíduos. A educação pode ser entendida nos sentidos amplo e restrito: amplo, no que se refere ao processo social no seu todo; restrito, no que diz respeito à contribuição escolar. A educação, em um e outro sentido, significa a forma de se resguardar e se transmitir a cultura vigente. A educação se personifica como atualização histórica do homem e condição imprescindível, embora não suficiente, para que ele, pela apropriação do saber produzido historicamente, construa sua própria humanidade históricosocial. A educação, como parte da vida representa principalmente aprender a viver com a maior plenitude que a história possibilita. Por ela se toma contato com o belo, com o justo e com o verdadeiro, aprende-se a compreendê-los, a admirá-los, a valorizá-los e a concorrer para sua construção histórica, ou seja, é pela educação que se prepara para o usufruto (e novas produções) dos bens espirituais e materiais. E tudo isso não se dá como simples aquisição de informação, mas como parte da vida. Neste sentido é que as letras, por meio de todo um cabedal de conhecimento humanístico a ser desenvolvido, vem nos mostrar que ela é capaz de transformar a personalidade viva de cada um, nunca esquecendo que "cada um" não vive sozinho, sendo então preciso pensar o viver de forma social, em companhia e em relação com pessoas, grupos e instituições A educação jesuítica se faz, assim, também, com a assimilação de valores, gostos e preferências, a incorporação de comportamentos, hábitos e posturas, o desenvolvimento de habilidades e aptidões, e a adoção de crenças, convicções e expectativas. Dessa forma, a Companhia de Jesus se traduz num dos veículos da cultura letrada e selecionada em função de sua importância organizadora de uma sociedade de corte. BIBLIOGRAFIA BARRETO, L. F. Descobrimentos e renascimento – formas de ser e pensar nos séculos VX e XVI. 2a. edição, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1983 BURKE, P. Cultura popular na Idade Media. São Paulo, Companhia das Letras, 1989 CAMBI, F. Historia da educação. S.P., Unesp, 1999 ELIADE, M . O sagrado e o profano – a essência das religiões. Trad. Rogério Fernandes. Lisboa, ed. Livros do Brasil, s/d FRANCA, L. Método Pedagógico dos Jesuítas. Rio de Janeiro: Agir, 1952. LARAIA, R. de B. Cultura: um conceito antropológico. 14ed. RJ: Jorge Zahar Ed., 2001 LEITE, S. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa: Portugalia/Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1938. 10 t. MATTOSO, José (dir). História de Portugal. Lisboa: Estampa, 1992, t. IV O Antigo Regime (1620-1807). RATIO ATQUE INSTITUTIO STUDIORUM. In: FRANCA, L. Método Pedagógico dos Jesuítas. Rio de Janeiro: Agir, 1952. SAHLINS, M. Ilhas de Historia. RJ, Jorge Zahar ed.. 1990 SARAIVA, A . J. & LOPES, O . Historia da Literatura Portuguesa. Porto, Porto Editora, Portugal, 1996 9 SCHWARTZ, S. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. São Paulo, Editora Perspectiva, 1979