X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 OS DOIS LADOS DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM MATEMÁTICA: UM ESTUDO DE CASO Karla Jocelya Nonato Universidade Federal de Mato Grosso do Sul [email protected] Neusa Maria Marques de Souza Universidade Federal de Mato Grosso do Sul [email protected] Resumo: Este trabalho apresenta parte da analise do conteúdo de uma pesquisa qualitativa em andamento que envolve acadêmicos do curso de Licenciatura em Matemática, no desenvolvimento da disciplina de Estágio Supervisionado para o Ensino Médio, em 2009. Nosso objetivo é de investigar as possibilidades de contribuição da referida disciplina para a prática docente de alunos que já atuam como professores de Matemática. Os dados aqui apresentados são parte da coleta feita nesse estudo de caso sob forma de filmagem durante uma das aulas. A fala dos alunos-estagiários José e Marta nos chamaram a atenção, dele quando se mostra perplexo ao constatar os problemas no contato com a realidade educacional, dela ao se mostrar encantada com esta realidade. A partir do processo da passagem de aluno a professor, nas experiências durante o Estágio, os dados serão analisados sob o foco dos saberes docentes em construção, utilizando como referencia os aportes teóricos de Tardif e seus colaboradores (2008; 2005 e 2000), Pimenta (2009 e 2006) e Fiorentini (2008) entre outros para discutir as formas como a disciplina de Estágio poderá ou não contribuir para a formação destes alunos-estagiários. Palavras-chave: Formação de professores; Estágio supervisionado; Matemática. INTRODUÇÃO Até o final dos anos 1960, segundo Ferreira (in Fiorentini, 2008), havia poucas pesquisas sobre a formação dos professores, sendo assim difícil determinar como essa formação ocorria e qual a ênfase dada durante os cursos de formação. Hoje podemos observar no Brasil uma crescente valorização da Educação e assim crescem as pesquisas sobre a formação dos professores. Guimarães (apud LEITE, 2008: 23) aponta que se “[...] tem atribuído muita importância à temática formação docente e à profissionalização do professor.”, pois ambas as temáticas são parte intrínseca do processo educacional. Os muitos saberes envolvidos na formação dos professores têm sua presença reconhecida em vários lugares e em vários momentos: Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 1 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 [...] pode-se observar que os diversos saberes dos professores estão longe de serem todos produzidos diretamente por eles, que vários deles são de um certo modo „exteriores‟ ao ofício de ensinar, pois provêm de lugares sociais anteriores à carreira propriamente dita ou situados fora do trabalho cotidiano. (TARDIF, 2008: 64) Entre os saberes envolvidos na formação dos professores, destacaremos neste trabalho aqueles disponibilizados no espaço da Universidade, especificamente no processo de formação que acontece durante as aulas, nas experiências que o Estágio deve e pode proporcionar aos alunos que se encontram nesta fase da sua formação profissional, pois segundo Tardif (2008: 63) o Estágio é uma das “fontes sociais de aquisição” dos saberes dos professores. Focaremos a disciplina de Estágio Supervisionado para o Ensino Médio, oferecida aos acadêmicos do quarto ano do curso de Licenciatura em Matemática em uma Universidade Pública Estadual, no ano de 2009. Neste caso, o Estágio é tratado como uma disciplina, o que nos leva a entender que se trata de um Estágio Curricular. Desta forma o consideramos como sendo um “[...] campo de conhecimento [...]” que tem como finalidade “[...] integrar o processo de formação do aluno, futuro profissional, de modo a considerar o campo de atuação como objeto de analise, de investigação e de interpretação critica, a partir dos nexos com as disciplinas do curso.” (PIMENTA e LIMA, 2009: 24). Durante o processo de formação, que ocorre nas aulas de Estágio, é freqüente os alunos e até mesmo os professores “[...] clamarem por „mais prática‟ [...]” (PIMENTA, 2006: 11), o que esperam encontrar justamente na disciplina de Estágio, pois o vêem como Estágio Profissional, que “[...] tem por objetivo inserir os alunos no campo de trabalho, [...]” Ibid (2009: 24). Essa lógica não se aplica ao Estágio Curricular. A partir desse quadro que se situa o contexto da pesquisa que vem sendo desenvolvida pelas autoras desse trabalho. Tal pesquisa procura levantar dos elementos oferecidos pela disciplina de Estágio Supervisionado para o Ensino Médio, os que contribuem para as aproximações do Estágio Supervisionado com a prática de ensino de alunos já atuantes como professores de Matemática, e que se encontram cursando a disciplina na formação inicial, ou seja, ainda freqüentando as aulas no curso de Licenciatura em Matemática. Para encontrarmos as respostas que procuramos, entre outros procedimentos, fez-se necessário analisar o currículo proposto para disciplina pela Universidade em questão e as Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 2 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 adequações dos planos de aula realizados pelos professores; analisar as propostas de conteúdos específicos e pedagógicos e investigar as interfaces construídas pelo grupo de alunos-estagiários com os elementos trabalhados pela disciplina de Estágio Supervisionado para o Ensino Médio. As necessidades vivenciadas pelos sujeitos da investigação serão levantadas em suas atuações em sala de aula, para confrontar com as propostas trabalhadas na disciplina e, com isso, analisar o alcance das mesmas. Essas subsidiarão a produção de aproximações e o apontamento de proposições futuras para a disciplina de Estágio frente às exigências de modificação da prática profissional desses professores. Nesta oportunidade destacaremos uma das aulas de Estágio Supervisionado, filmada no trabalho de campo para nossa pesquisa, quase no final do ano letivo. O CONTEXTO DA PESQUISA No curso de Licenciatura em Matemática investigado, a disciplina de Estágio Supervisionado para o Ensino Médio é oferecida no quarto ano, ou seja, no último ano do curso e para o Ensino Fundamental, no terceiro ano. Nos dois casos, tanto para o Ensino Fundamental como para o Ensino Médio, as aulas são ministradas por dois professores. Sendo assim os professores dividiam-se durante as aulas na universidade da seguinte forma: um professor discutia e analisava criticamente textos e acontecimentos do cotidiano escolar com os alunos durante aproximadamente uma hora e meia e durante a uma hora e meia de aula seguinte, a professora que ministrava aulas também na disciplina de Estágio para Ensino Fundamental e Médio abordava questões sobre algumas atividades entendidas pelo grupo como burocráticas do oficio docente, como por exemplo, fazer diários de classe, elaborar os planos de aula, etc. No curso de Estágio Supervisionado para o Ensino Médio oferecido pela instituição pesquisada, o estágio e a prática de ensino foram trabalhados juntos, com uma metodologia diferenciada da utilizada nos anos anteriores. A preocupação por parte dos professores da disciplina era de que os alunos estivessem presentes na escola durante todo o ano letivo, além de freqüentarem as aulas na Universidade. Na escola, as atividades foram divididas dentro e fora da sala de aula. Na sala de aula elas foram divididas em observação, participação e regência. Fora da sala de aula, mas dentro da escola, os alunos-estagiários participaram dos eventos promovidos pela escola, Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 3 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 desde que envolvesse os alunos, e atividades da profissão docente, como elaboração de projetos, reuniões, comemorações, feira de ciências, conselhos de classe, etc. Nessa proposta de ação pedagógica o entendimento explicitado por esses professores parecia convergir com os pressupostos de Tardif (2008: 10) de que “[...] a questão do saber dos professores não pode ser separada das outras dimensões do ensino, nem do estudo do trabalho realizado diariamente pelos professores de profissão, [...].”. Por considerarem que a maior parte dos alunos da disciplina de Estágio Supervisionado não possui nenhum conhecimento do contexto escolar, a não ser como aluno, as aulas de observação foram pensadas como uma primeira aproximação dos alunos-estagiários com a realidade escolar. Além disso, o contexto das aulas na Universidade era considerado por esses professores como um lócus em que se desenvolvia uma prática pedagógica, em que “Muitas vezes nossos alunos aprendem conosco nos observando, imitando, mas também elaborando seu próprio modo de ser a partir da analise crítica do nosso modo de ser.” (PIMENTA e LIMA, 2009: 35). Para esses professores, não bastava que os alunos-estagiários fossem meros repetidores de “aulas-modelos”, mas que fossem capazes de, após analises criticas propiciadas durante as aulas na universidade, distinguir o que vale a pena ser incluído na sua prática docente. As discussões acerca do contexto escolar eram realizadas durante as aulas a partir da concepção de que “[...] um professor nunca define sozinho e em si mesmo o seu próprio saber profissional.” (TARDIF, 2008:12). Permeava ali o pressuposto de que para ministrar aulas, os alunos-estagiários, deveriam estar familiarizados com a realidade de sua profissão diante das devidas reflexões sobre a mesma. Desta forma, aulas participativas procuravam inserir o aluno-estagiário gradativamente no contexto escolar. Percebia-se a preocupação de deixá-los familiarizados com o cotidiano da sala de aula, com as dúvidas dos alunos que assim, gradativamente, iam sendo inseridos na realidade docente para finalmente, chegar às aulas de regência. Estas viriam completar o processo para o aluno-estagiário, e neste momento, ele realmente se depararia, em parte, com a sua realidade. Para esta aula cabia ao alunoestagiário planejar e ministrar sua aula, usar da experiência adquirida durante a observação e participação, analisando cada turma para, coerentemente, planejar a atividade adequada ao tempo e a necessidade da mesma. Segundo Tardif, é neste momento que “[...] o professor aprende a ensinar fazendo o seu trabalho.” (2008: 14), pois a aula de regência Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 4 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 possibilitaria ao máximo a aproximação do aluno-estagiário à realidade com a qual ele irá deparar-se. Entretanto, segundo apontamentos de trabalhos como os de Zanchet e Ghiggi (2009), Pimenta e Lima (2009), Leite, Ghedin e Almeida (2008) e Pimenta (2006) isto nem sempre ocorre. Ainda tentando aproximar o aluno-estagiário da sua futura realidade profissional, observou-se nos professores da disciplina a preocupação em manter os alunos presentes nas escolas, onde seriam seus futuros locais de trabalho, pois “A transformação da prática do professor decorre da ampliação de sua consciência crítica sobre essa mesma prática.” (PIMENTA e LIMA, 2009: 13). Por isso a disciplina exigia que os alunos-estagiários participassem do cotidiano escolar através dos eventos promovidos pela escola, que poderia ser reuniões para tratar de qualquer assunto, conselhos de classe, com ou sem a presença dos alunos, festas comemorativas, projetos e suas culminâncias, e quaisquer outras atividades docentes realizadas nas escolas. O CAMPO TEÓRICO Por volta dos anos 1980, o movimento de reforma na formação inicial de professores da Educação Básica iniciado nos Estados Unidos e no Canadá, muda o panorama das pesquisas neste campo de estudos. Devido a este movimento vários pesquisadores investigaram e sistematizaram os saberes que provêm da idéia de que existe uma base de conhecimento para o ensino. (ALMEIDA e BIAJONE, 2007). Dentre eles destacam-se os trabalhos de Shulman (1986); Wilson, Shulman, Richert (1987), Tardif (2008), que guardadas as terminologias e especificidades de cada uma de suas teorias trazem importantes contribuições para o entendimento da base de conhecimentos e dos saberes necessários e/ou mobilizados pelo professor. Para este recorte do trabalho de pesquisa que se encontra em fase de desenvolvimento, utilizaremos as contribuições de Tardif e colaboradores (2008; 2005; 2000) para tratarmos dos saberes docentes e do trabalho docente desenvolvido pelos alunos de Licenciatura em Matemática, que estão em exercício da profissão de professor. Tardif (2008: 231) nos diz que “[...] os saberes dos professores são representações mentais a partir das quais os práticos ordenam sua prática e executam suas ações; [...]”, ou seja, são múltiplos os saberes que nos levam à prática docente. Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 5 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 Diz ainda o autor que “[...] o trabalho docente constitui uma das chaves para a compreensão das transformações atuais das sociedades do trabalho.” Tardif (2005: 17) (grifo conforme o original) e que o saber docente é “[...] um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais.” Ibid (2008: 36). Ressalta ainda, que os saberes provenientes da formação profissional são adquiridos durante o Estágio, entre outros campos de atuação. Os saberes que provêm da formação profissional são os que esclarecem o professor no que se refere às várias interpretações da educação de modo profissional e geral. Estes saberes, algumas vezes, podem ser tão fortes que chegam a servir de modelos para a prática docente deste futuro professor. Podemos dizer que a vivência do professor como aluno também pode influenciá-lo e resultar em um modelo a ser seguido. Fiorentini (2008) aponta que infelizmente esses modelos que podem ser seguidos são de uma prática em grande parte retrógrada, de um modelo que une a teoria e prática. Também destaca que isto acontece porque “[...] sabemos muito pouco sobre como transformar o discurso em práticas efetivas, [...]”. Este discurso a que ele se refere é de um “[...] professor como profissional reflexivo, investigador de sua prática, produtor de saberes, elemento-chave das inovações curriculares na escola e principal responsável pelo seu desenvolvimento profissional”. (p. 09) Mas, apesar das criticas constantes que os formadores de professores de Matemática sofrem, Fiorentini (2008) afirma que talvez sejam justamente estes os que mais procurem formas de inovar durante o processo de formação de professores, fato que se torna explicito nos cursos de Licenciaturas em Matemática durante as aulas de Estágio. Quando nos referimos ao Estágio pensamos na mesma ótica de Pimenta (2006) que o considera como uma atividade teórica que deve preparar futuros professores para uma práxis, e nos limitamos ao estágio curricular, definido como “[...] as atividades que os alunos deverão realizar durante o seu curso de formação, junto ao campo futuro de trabalho [...]” (PIMENTA, 2006: 21). Pimenta destaca ainda que os programas dos cursos de licenciaturas não atendem as necessidades apontadas pelos alunos-estagiários, pois nos cursos prevalecem um grande distanciamento entre a unidade teórica e prática. Esse entendimento é reforçado por Gatti e Barretto (2009: 146) quando destacam que “[...] entende-se que a clareza e a objetividade Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 6 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 nos projetos pedagógicos dos cursos de licenciatura em Matemática nessas disciplinas/atividades deixam muito a desejar.” Acreditamos, entretanto, que o estágio pode se tornar, talvez, o único espaço nos currículos dos cursos de formação de professores de Matemática que se destine as atividades que necessitam ser realizadas pelos acadêmicos nas escolas, onde atuarão como profissionais. REVELAÇÕES DA AULA Dentre outras fontes de dados que temos, abordaremos a penúltima aula do ano letivo de 2009 da disciplina de Estágio Supervisionado para o Ensino Médio que ocorreu e foi filmada no dia 06 de novembro, durante a coleta de dados de nossa pesquisa. Destacaremos os momentos da aula que nos chamaram a atenção de forma especial. Utilizaremos nomes fictícios para nos referirmos aos sujeitos pesquisados. A aula teve inicio com o professor Marcos pedindo aos alunos que relatassem um pouco da suas experiências nas escolas durante o estágio. Pediu ao aluno-estagiário José que falasse primeiro. José realizou seu estágio em um Centro de Educação de Jovens e Adultos que, segundo ele, é uma escola um pouco diferente. O Centro Educacional mencionado por José “[...] oferece ensino àqueles que apresentam forte desnível em relação à idade/série.”, segundo apontam Real, Wenceslau e Yamshita (2007: 22). Na versão de alguns alunos-estagiários, neste sistema os estudantes não precisam assistir às aulas, podem somente realizar as provas. De nossa parte foi possível apurar que neste centro educacional os alunos realizam as provas do ciclo que pretendem concluir, e caso não o façam, matriculam-se em cursos de EJA para cursar somente as disciplinas que não conseguiram aprovação no Centro Educacional. Hoje, segundo alguns estudantes que frequentam ou frequentaram o Centro Educacional mencionado, ele funciona como uma escola de EJA que não exige frequência. Neste centro o professor tem um horário que deve cumprir, ficando a disposição dos alunos para sanar suas dúvidas, não seguindo um planejamento fixo como nas demais escolas. A aula que irá ministrar depende do que o aluno quer saber. Os alunos-estagiários João e Maria estudaram neste Centro Educacional e participaram ativamente da discussão, confirmando as informações de José. Maria afirma que a escola tem bons professores. João destaca que “se a pessoa não quiser também ela Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 7 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 não vai fazer a prova.” E que quem estuda nesta escola “[...] estuda em casa sozinho e vai lá.”, ressaltando que “[...] se mata no dia que vai fazer a prova né?” José realizou o estágio do Ensino Fundamental e do Ensino Médio neste contexto escolar onde não se convive diariamente com os alunos e com os desafios de uma sala de aula lotada de alunos advindos de realidades distintas. Ao expor sobre seu cotidiano como estagiário nesta realidade ele relata: “[...] e pior que pra mim só fez reforçar o que eu já sabia né? Eu não quero dar aulas.” E ainda completa dizendo ao professor: “Pra mim nesse sentido foi importante o estágio.” Com essa fala, José deixa o professor e seus colegas perplexos. Este episódio revela a fragilidade a que se expõe o formador de formadores quando amplia as discussões sobre os dilemas que o contato com a prática cria e a necessidade de preparo do professor para trabalhar com o imponderável. Naquele momento o grupo poderia ter discutido o ocorrido, mas a indignação dos colegas quando José falou que fez o curso somente para ter um diploma conduziu a discussão para outro caminho. Entretanto, o desconforto gerado merecia uma discussão consistente sobre as políticas governamentais de certificação, sobre o papel da escola e, um estudo sobre as diretrizes, os objetivos e as justificativas para a implantação dessa modalidade de formação. São fatos como estes que algumas vezes geram os desconfortos pelos quais os professores passam no seu fazer profissional. Mas, perante esta mesma questão, a aluna-estagiária Marta, que realizou o estágio em uma escola estadual, responde ao professor: “Eu gostei! Desde o ano passado assim, antes de eu começar o estágio, eu achava que não queria dar aula, eu falava assim: „Ah eu não vou dá [sic] aula.‟. Mas depois, o ano passado eu fiz o estágio, esse ano, ah eu gostei, eu quero dar aula sim. Ministrar aulas.” Mesmo tendo cumprido a carga-horária mínima de regência, ou seja, somente nove aulas de 50 minutos, Marta diz se sentir mais segura para sua prática profissional, destacando que a convivência na escola ajudou muito para este fato, gerando uma discussão sobre a frequência na escola não somente durante as aulas, mas durante as outras atividades escolares. Estes episódios favorecem a reflexão sobre o papel do professor de estágio e do tratamento teórico-prático que demanda a disciplina de Estágio, bem como a necessidade de que o professor possua uma metavisão do campo de atuação docente nos diversos níveis de ensino, para propiciar o alcance de dimensões que ultrapassam o que está previsto nos Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 8 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 documentos e imaginados pelos professores que ministram a disciplina. Escutar as falas dos alunos-estagiários permite ao professor formador apontar caminhos para que os estagiários não se sintam sozinhos nos primeiros contatos com a realidade que lhes dará a dimensão de seu futuro profissional. O contraponto entre as percepções negativas e positivas do processo deve propiciar a exploração das possibilidades para a resolução ou não dos problemas observados pelos alunos estagiários. A problematização levará o grupo a estabelecer relações conscientes com a realidade para o estabelecimento de estratégias condutoras de possíveis soluções dos problemas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Enfatizamos a fala de Mizukami (2006: 2) de que “Tanto a universidade quanto a escola são agências formadoras.” onde ocorre o estágio que é uma relação complexa, pois envolve uma rede de relações humanas e sociais. Nesta rede cada individuo capta o sentido da prática docente e o relaciona com a teoria a partir das suas próprias vivencias, da sua própria história. Para Tardif (2008: 63), o Estágio é um dos “Modos de integração no trabalho docente.” O conhecimento do professor de Estágio deve ir muito além das ocorrências do Estágio. Essas devem ser acompanhadas e discutidas a partir das temáticas que as envolvem, sejam elas políticas públicas, trabalho e educação, conteúdos específicos, etc. As discussões e experiências vivenciadas durante o Estágio devem ser levadas em consideração, pois segundo Pimenta e Lima (2009: 17) “O estágio e as experiências docentes acumuladas assumem papel relevante na formação do professor.” Desta forma o professor formador, diante da multiplicidade do saber-fazer, deve possuir características que vão além daquelas de um professor que ensina conteúdos específicos. Segundo Mizukami (2006: 09) somente a prática não oferece o domínio do conhecimento do conteúdo específico (base de conhecimento para a docência), dos contextos formativos escolares, de processos de aprendizagem da docência, de conhecimentos historicamente contextualizados e fundamentados de políticas públicas educacionais e das teorias que as embasam, o conhecimento pedagógico do conteúdo, que são necessários a um professor formador. Trabalhos como de Fiorentini e Castro (2002), Jaramilo (2001) e outros apontam que o Estágio tem um papel importante na formação destes futuros professores, mas não Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 9 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 deixam de destacar que o professor formador deve propiciar algumas experiencias que possibilitem aos alunos-estagiários a construção de seus saberes. A essência da experiência de formação aqui pontuada no recorte de pesquisa apresentado, que não existe um método de formação que seja válido para todos, revela já nesse início de análise a complexidade do processo observado, visto que esta depende de cada individuo. Mostra o esboço de um quadro de fortes nuances, nem sempre harmônicas por serem retratos de uma realidade conflitante. Com o avanço dessas análises esperamos que ao desvelar as particularidades do processo essas possam ampliar a visão sobre os possíveis caminhos a serem trilhados em contextos de formação dessa natureza. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, P. C. A. DE; BIAJONE, J. Saberes docentes e formação inicial de professores: implicações e desafios para as propostas de formação. Educação e Pesquisa, São Paulo: SP, v. 33, nº 2, PP. 281-295, 2007. FIORENTINI, D. Formação de professores de Matemática. Campinas-SP: Mercado de Letras, 2008. GATTI, B. e BARRETO, E. S. S. Professores no Brasil: impasses e desafios. 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