UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
DEPARTAMENTO DE CINEMA, RÁDIO E TELEVISÃO
BÁRBARA FRAMIL
Número USP: 8544252
A história e a memória individual no documentário brasileiro:
Um estudo de Que bom te ver viva, Diário de uma busca e Os dias com ele
Projeto de pesquisa apresentado como exigência parcial para
concorrer ao Edital 2014/2015 do Programa de Iniciação
Científica da Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade de
São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Eduardo Victorio
Morettin.
São Paulo
2014
Introdução
Há 50 anos, um golpe militar levava o Brasil para duas décadas de repressão e censura. A
perseguição política foi constante durante todo o período e, à medida que o regime se tornava mais
rígido, tornavam-se mais numerosos os casos de sequestros, tortura e assassinatos. A censura dos
meios de comunicação permitia que os militares mantivessem a boa imagem do governo, tentando
calar a voz dos oprimidos.1
Com o fim do regime militar e o início da redemocratização, abriu-se espaço para que os
horrores do período fossem divulgados e uma nova versão da história fosse apresentada para os
brasileiros. A releitura histórica, todavia, não necessariamente obedece a uma lógica objetiva e
didática, pois ao lidar com um passado traumático e doloroso, há uma tendência de buscar a
vivência íntima e pessoal. No Brasil, assim como em outros países latino-americanos que passaram
por situações semelhantes, o testemunho ganhou força nos documentários para trabalhar com as
questões que extrapolam a objetividade histórica. Como explica Cristiane Freitas Gutfreind:
O documentário-testemunho é hoje um dos formatos mais utilizados para a exibição de
grandes catástrofes históricas, pois capta as emoções através do ouvinte que é o mediador
entre a testemunha e o espectador —, ajuda a exorcizar o trauma e atualiza o acontecimento
no presente. 2
Neste projeto, propõe-se o estudo de três documentários que tratam do regime militar de
formas diferentes, mas os quais compartilham o olhar subjetivo de uma diretora com uma relação
pessoal com esse período e que usa o testemunho para guiar seu filme. São eles Que bom te ver viva
(1989), de Lúcia Murat, Diário de uma busca (2010), de Flávia Costa e Os dias com ele (2012), de
Maria Clara Escobar.
Em seu filme, Lúcia Murat parte do testemunho de 8 mulheres que, assim como ela,
participaram da luta contra o regime militar e sobreviveram às torturas sofridas após serem presas.
A própria diretora se coloca no filme ao inserir um elemento ficcional no documentário, os
monólogos da atriz Irene Ravache, que se apresenta como um alterego de Murat. Realizada pouco
após o final do regime, pode-se perceber que a obra é permeada pelo desejo de dar vazão a
experiências censuradas por muito tempo. Nas palavras de Lúcia Murat, “Foi uma sensação
1
São vários os estudos que se dedicaram recentemente ao regime militar. Dentre eles, destaco Marcos Napolitano,
1964: História do regime militar (São Paulo: Contexto, 2014). Para um estudo sobre a censura no cinema brasileiro, ver
Inimá Simões, Roteiro da intolerância: a censura cinematográfica no Brasil (São Paulo: Senac, 1999).
2
GUTFREIND, Cristiane Freitas. O realismo e a catástrofe histórica nos filmes-testemunho. Significação, v.39, n. 36,
mar/set. 2011. p. 198-199.
prazerosa; pela primeira vez, depois de tanta violência sofrida, podíamos falar .”3
Em Diário de uma busca e Os dias com ele, obras mais recentes, a narrativa acompanha a
diretora, filha de um ex-militante, que tenta entender a história de seu pai, do regime militar e de si
mesma. Flávia Costa parte da premissa de tentar desvendar a morte misteriosa do pai, enquanto
Maria Clara Escobar lida com o pai ainda vivo, com quem tem uma relação conflituosa. Partindo de
seus próprios testemunhos e de familiares, as duas diretoras colocam em suas obras uma
subjetividade diferente, daqueles que anseiam por ouvir as experiências dos outros para tecer a
história junto de suas próprias lembranças fragmentadas.
Justificativa
Esta pesquisa está inserida no contexto do projeto Cinema e história no Brasil: estratégias
discursivas do documentário na construção de uma memória sobre o regime militar 4, coordenado
pelo Prof. Dr. Eduardo Victorio Morettin, que propõe uma discussão das relações entre cinema e
história a partir de documentários brasileiros sobre o regime militar. A pesquisa tem como enfoque
a análise dos recursos fílmicos dos documentários para a construção do discurso, assim como o
estudo dessas obras enquanto criadoras de uma memória sobre o período histórico.
Especificamente nesta pesquisa, parte-se da análise de três documentários realizados por
diretoras envolvidas de formas diferentes no contexto do regime militar e que adicionam a seus
filmes um caráter subjetivo de testemunho. O estudo dos recursos estéticos e da construção fílmica
adotada pelas diretoras suscita diversas questões que pretendem ser abordadas nesta pesquisa.
Dentre elas, pode-se levantar a discussão em torno da maneira como as diretoras se expõem nesses
filmes, do espaço da subjetividade dentro do documentário e do papel do testemunho no cinema
latino-americano.
Além disso, outra questão fundamental para esta pesquisa é a análise de como esses filmes
contribuem para a construção da memória brasileira. Pretende-se analisar como as características
dessas três obras, tanto em suas similaridades quanto em suas diferenças, atuam ao transformar as
memórias pessoais em memórias do coletivo. Nesse ponto, a pesquisa ultrapassa a relação dos
filmes com o contexto histórico que retratam para analisar o diálogo que eles realizam com a
sociedade de hoje. Segundo Souza, “ao trabalhar o passado ditatorial, os filmes estão, sobretudo,
elaborando o que está fora dele e, ao mesmo tempo, naquele passado imbricado, o que é eleito e
3
NAGIB, Lúcia. O Cinema da Retomada – Depoimentos de 90 Cineastas dos anos 90. São Paulo: Editora 34, 2002. p.
324.
4
Projeto financiado peloCNPq, Edital Universal 2013, coordenado pelo prof. Dr. Eduardo Victorio Morettin, com
vigência até 2016.
construído diegeticamente constitui uma evocação do e para o presente.”5
Objetivo
Este projeto tem como objetivo a análise de três documentários sobre o regime militar, Que
bom te ver viva (Lúcia Murat), Diário de uma busca (Flávia Costa) e Os dias com ele (Maria Clara
Escobar). A partir da análise da fílmica desses filmes e do estudo do contexto em que eles se
inserem, propõem-se discutir relações estéticas entre eles, questões suscitadas da linguagem e da
narrativa e o papel deles na construção da memória brasileira sobre o regime militar.
Metodologia
A metodologia desta pesquisa segue as linhas do projeto CNPq Cinema e história no Brasil:
estratégias discursivas do documentário na construção de uma memória sobre o regime militar, o
qual busca privilegiar a análise fílmica para a avaliação do discurso das obras e de como elas se
relacionam com seu período histórico. Essa análise será auxiliada pela pesquisa de uma bibliografia
que discuta a estética cinematográfica, principalmente voltada para a linguagem do documentário e
seus recursos de autenticação do discurso.
Além disso, a pesquisa bibliográfica também se voltará para o estudo da história recente da
política brasileira, tendências estéticas de filmes latino-americanos realizados nos mesmos períodos,
bem como entrevistas com as diretoras das obras analisadas.
Referências
BERGER, Christa; CHAVES, Juliana C. A contribuição do cinema para a memória da ditadura
brasileira. Comunicação & educação, n. 3, set/dez 2009.
FERNANDES, Fernando S. O monumental e o íntimo: dimensões da memória da resistência no
documentário brasileiro recente. Estudos Históricos, v.26, n. 51, RJ, jan/jun. 2013
GONÇALVES, Gabriela P. C. Reflexões a partir do filme Que bom te ver viva. Tempo Brasileiro,
n. 184, jan/mar. 2011.
GUTFREIND, Cristiane F. O realismo e a catástrofe histórica nos filmes-testemunho. Significação,
v.39, n. 36, mar/set. 2011.
NAGIB, Lúcia. O Cinema da Retomada – Depoimentos de 90 Cineastas dos anos 90. São Paulo:
Editora 34, 2002.
NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do regime militar. São Paulo: Contexto, 2014.
SIMÕES, Inimá. Roteiro da intolerância: a censura cinematográfica no Brasil. São Paulo: Senac,
1998.
SOUZA, Maria L. R. Cinema e memória da ditadura. Sociedade e Cultura, v.11, n.1, Universidade
Federal de Goiás, jan/jun. 2008.
TEGA, Danielle. Mulheres em foco: construções cinematográficas brasileiras da participação
política feminina. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.
5
SOUZA, Maria Luiza Rodrigues, op. cit. p. 51.
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