Malvinas na
UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Subsecretaria de Gestão
e Coordenação de Políticas Universitárias
Malvinas na
UNIVERSIDADE
Programa Malvinas na Universidade
Publicação
Malvinas na Universidade. Concurso de Ensaios 2012
Equipe editorial
Florencia Jakubowicz
Júri do concurso
Carlos Cansanello
Carlos Giordano
María Pía López
Enrique Manson
Tradução para o português
Karina Patrício
Design gráfico
Diego Puga
Os ensaios são responsabilidade dos autores e não representam
necessariamente a opinião do Ministério da Educação. Esta publicação foi
realizada com a colaboração da Universidade Nacional de La Plata.
Imagens cedidas pela Télam S.E.
Anônimo
Malvinas na universidade: concurso de ensaios 2012 / Anônimo ;
compilado por Anônimo. - 1ª Ed. – Buenos Aires: Ministério da
Educação da Nação. Subsecretaria de Gestão e Coordenação de
Políticas Universitárias, 2013.
266 p. ; 21x14 cm.
ISBN 978-950-00-0980-5
1. Ensaio Histórico. I. Anônimo, comp. II. Título.
CDD 982
Data da catalogação: 04/02/2013
2013 Câmara Argentina do Livro - Feito o depósito estabelecido pela Lei 11.723
LIVRO DE EDIÇÃO ARGENTINA
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transformação, em qualquer forma ou por qualquer meio, seja eletrônico ou mecânico, mediante
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Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Malvinas: na entranha dos vivos
Decorridos já 30 anos da guerra e quase 180 desde a usurpação
britânica, as Malvinas ainda persistem na vida social e política argentina
com a força daqueles enigmas que, concentrando sentidos tão
potentes, sempre convidam toda a cultura a repensá-los. Neste livro,
são os estudantes e recém-formados das universidades argentinas
quem, atendendo à chamada do Programa Malvinas na Universidade,
reatualizam a questão a partir das preocupações do presente. Estamos
diante de uma questão e de uma causa que, além de abranger tempos
históricos de curta e longa data, convocam a pensar sobre diferentes
assuntos de grande importância: a nação, a soberania, os recursos
naturais, as alianças continentais, as marcas locais da memória, a
ditadura, a guerra, os ex-combatentes, os mortos.
Para este Ministério, a questão das Malvinas não é nova, mas, pelo
contrário, faz parte das políticas educacionais desde 2003. A Lei
Nacional da Educação (Lei n° 26.206) contém uma disposição
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Concurso de Ensaios 2012
específica sobre o assunto, o artigo 92, que propõe a inclusão efetiva de
conteúdos curriculares mínimos, comuns a todas as jurisdições.
Exemplo destes seriam a construção de uma identidade nacional a
partir da perspectiva regional latino-americana, a causa da
recuperação das Malvinas, o exercício e a construção da memória
coletiva da história recente com a finalidade de “despertar nos(as)
alunos(as) reflexões e sentimentos democráticos e de defesa do Estado
de direito e da plena vigência dos direitos humanos”.
Estas políticas educacionais se inserem numa política nacional que
propõe o exercício intelectual de abordagem da questão das Malvinas
em toda a sua amplitude: a compreensão da usurpação ocorrida em
1833, o conhecimento e a ampliação dos legítimos argumentos
argentinos de reclamação da soberania no Atlântico Sul, a revisão da
desacertada decisão da Junta Militar de levar adiante a guerra em 1982,
a homenagem àqueles que lutaram nas ilhas.
Embora, como dizíamos, esta questão não seja nova para o Ministério,
este livro traz algumas novidades. Por um lado, ele revela o ânimo
crescente das universidades de participar das grandes discussões
nacionais, contribuindo, a partir do mundo dos estudos superiores, com
perspectivas e visões que sempre nos surpreendem por sua vitalidade.
E por outro, ele coloca em evidência que uma política de Estado
sustentada com coerência habilita os jovens a tratarem sobre o assunto
com novas perguntas, novos ânimos. E, sobretudo, faculta-os a
retomar a imaginação política.
Estes trabalhos nos revelam uma juventude que escreve e pensa que,
no contexto da democracia, é possível recordar aqueles que tombaram
na guerra e as vidas que logo se perderam por sua causa. Além disso,
eles nos mostram formas inovadoras e produtivas de trabalhar a
memória local, lutar pelos recursos naturais e recuperar a soberania por
meios diplomáticos, sendo este o caminho escolhido pela Nação
Argentina com eloquente firmeza.
Estes trabalhos nos mostram também algo sobre o qual sempre
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insistimos, pois este é um valor que se tornou possível com a
democracia que estamos vivendo: o retorno da política como
ferramenta de transformação social por excelência, uma via
privilegiada que nos permite recuperar a autoestima de um povo que
acredita que outro futuro é possível, um futuro com níveis crescentes
de justiça e liberdade.
Às vezes, a poesia sintetiza e resolve questões que outros saberes
vacilam em definir. Assim, o poeta inglês W. H. Audren foi capaz de
encontrar a palavra certa para falar sobre o amor, a dor e a memória, os
três traços brutais que atravessam a experiência das Malvinas. Com a
beleza de seus textos, Audren une o passado, o presente e o futuro. “As
palavras do homem que já morreu se alteram na entranha dos vivos”,
escreveu. Os três trabalhos premiados e os sete de menção honrosa
publicados neste livro reafirmam que, quando pretendemos reviver o
legado do passado, não importa o quão amargo ele seja, em nossos
corações, o conhecimento e o compromisso político devem e podem
andar de mãos dadas, abrindo, assim, as portas do futuro para as novas
gerações.
Prof. Alberto E. Sileoni
Ministro da Educação
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Concurso de Ensaios 2012
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Concurso de Ensaios 2012
Prefácio
Se uma questão pode ser chamada de nacional, essa questão é, com
certeza, a das Malvinas.
O caso das Ilhas Malvinas, que se iniciou com a ocupação colonial
efetuada pela Grã Bretanha nos primeiros dias do mês de janeiro de
1833, é uma prioridade atual da política exterior argentina. O governo
argentino exige a devolução das ilhas e, com isso, mantém vigente no
plano internacional sua reclamação de soberania territorial e marítima
sobre o arquipélago. A questão não se relaciona somente com uma
disputa territorial – não se trata de uma reivindicação de propriedade
sobre um território que foi arrebatado de nosso país por uma potência
colonial quando esta se encontrava em plena expansão. O núcleo do
assunto é, pelo contrário, uma afirmação pacífica da soberania. Por
isso, enquanto se recorre à negociação na comunidade internacional e
nas Nações Unidas, repele-se, ao mesmo tempo, a invariável e
intolerante atitude colonialista do Reino Unido da Grã Bretanha,
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reiterada nas estratégias de militarização que o governo britânico
emprega no Atlântico Sul. Sobre este ponto há suficiente consenso
internacional, haja em vista que a reclamação de soberania é apoiada
por quarenta resoluções das Nações Unidas e do Comitê de
Descolonização da ONU.
Sucessivos governos argentinos exigiram, desde a usurpação em 1833,
a restituição à Argentina de sua legítima soberania sobre as Ilhas
Malvinas, Geórgias do Sul, Sandwich do Sul e as zonas marítimas
adjacentes. A situação colonial está pendente, conforme reconhecido
pelas Nações Unidas e a maioria esmagadora da comunidade
internacional.
As resoluções da ONU não só pedem que as partes negociem sobre a
soberania, mas qualificam a situação colonial como “especial”, a qual
deve ter uma solução pacífica, como exige o Direito Internacional.
Se a demanda soberana foi persistente, pela via da negociação e até
mesmo da arbitragem, o conflito bélico de 1982 significou um grave
obstáculo. A guerra iniciada a partir da ocupação das ilhas, decidida
pela ditadura militar (1976-1983) que havia estabelecido o terrorismo
de Estado, longe de abonar a obtenção da soberania, levou a um
cenário internacional adverso para o sucesso da reivindicação.
Deste modo, a presidenta da Nação Argentina, Cristina Fernández de
Kirchner, impulsionou uma decidida ação diplomática em todos os foros
internacionais, onde reiterou o caminho da negociação pacífica,
embasada em todos os direitos que podem ser exigidos e nas
resoluções das Nações Unidas. A oportunidade da reclamação
internacional de soberania sobre as ilhas ganhou relevância porque a
ação é empreendida pelo mesmo governo democrático que promoveu
os julgamentos pela verdade, o mesmo governo que apoia as ações dos
Tribunais de Justiça e a imprescritibilidade da ação penal nos crimes
contra a humanidade.
Destarte, cumpre debater, no contexto de uma política integral do
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Estado, os métodos e argumentos adequados para uma solução
favorável da controvérsia. Neste sentido, com o fim explícito de que as
universidades pesquisem sobre temas nacionais em debate e sobre
projetos estratégicos que incluem a soberania, a Subsecretaria de
Políticas Universitárias do Ministério da Educação criou, mediante um
concurso de ensaios, o Programa Malvinas na Universidade.
A resposta ao chamado foi ampla e contou com a participação de
graduados, estudantes e docentes, mostrando as vinculações possíveis
entre a universidade e questões centrais na vida nacional. O júri decidiu
sua seleção priorizando a originalidade dos enfoques, a precisão da
escrita e a afirmação de uma perspectiva democrática e pacifista no que
diz respeito à demanda de soberania.
O primeiro prêmio foi entregue a Luciano Fino e Luciano Pezzano,
autores de “Malvinas e a livre determinação dos povos”, um trabalho de
pesquisa rigoroso que confronta o argumento do governo britânico
fundado no “suposto” direito dos kelpers a decidir sobre a soberania em
disputa. Os autores, Fino e Pezzano, construíram um sólido ensaio no
qual foram capazes de demonstrar a posição do governo argentino, que
não reconhece os desejos, e sim os interesses dos habitantes, e não
considera o direito à livre determinação aplicável ao conflito, ao
contrário de outras situações coloniais. Com essa temática de grande
atualidade, o trabalho contou com documentação e bibliografia
adequadas para uma construção sem fissuras.
Já o segundo prêmio foi para María de los Milagros Pierini e Pablo
Gustavo Beecher, autores do trabalho “As Malvinas e a Província de
Santa Cruz: uma relação histórica cortada por uma guerra”. Neste
ensaio, a clareza com a qual são expostas as marcas regionais e locais
do conflito é também interpelada pelas emoções; a proximidade
geográfica e os vínculos demográficos e produtivos pesam tanto quanto
a proximidade cultural. Laços familiares que se entrelaçam com
amizades entre vizinhos: tudo isto é arrasado pelo conflito deflagrado
em 1982 e, consequentemente, muitas são as marcas regionais da
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memória.
“A «questão das Malvinas» a partir dos símbolos: experiência, memória
e subjetividade” é o trabalho apresentado por Mariana Romina
Marcaletti, que mereceu o terceiro prêmio. Neste ensaio, cujo tema são
as representações textuais das Malvinas, poemas, romances e peças de
teatro são abordados com perspicácia e ofício. Além disso, o cinema e a
televisão permitiram à autora dar uma explicação ajustada e didática
sobre várias e célebres representações das Malvinas no presente.
Menções honrosas:
“Malvinas: doce de leite estilo colonial” é o trabalho apresentado por
Carlos Sebastián Ciccone, que procura encontrar novos argumentos,
embasados na História e no Direito Internacional, sobre a questão das
Malvinas.
Federico Martín Gómez, em “A Falklands Fortress. A construção da
questão das Malvinas como questão latino-americana ante o
paradigma neocolonial britânico no Atlântico Sul”, trata sobre as
questões ideológicas nas quais a Argentina e a Inglaterra sustentam
suas posições sobre as ilhas.
Marcelo Lascano, no trabalho “A reatualização dos significados
históricos para a consolidação da soberania no Atlântico Sul”, analisa as
relações entre diplomacia e história que fundamentam a reclamação
das Ilhas Malvinas, com diferentes hipóteses sobre sua ocupação e
povoamento.
“A morte em contexto: diferentes formas de dar sentido à morte na
Guerra das Malvinas”, escrito por Laura Marina Panizo, trata sobre os
marcos simbólicos de interpretação vinculados com a morte na guerra.
Em “As Malvinas e sua projeção continental. A questão das Malvinas e
das Ilhas do Atlântico Sul e sua projeção na Antártida sul-americana
como problema continental”, Eduardo José Pintore e María Pilar Llorens
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avaliam e repensam a importância da questão das Malvinas para o
futuro da Argentina e da América Latina.
Carlos Mariano Poo, em “Malvinas: decálogo de uma espoliação”, faz
uma história das ilhas do ponto de vista da colonização e dos diferentes
países que foram ocupando-as.
Por último, Helga Ticac, em “A recuperação da memória da Guerra das
Malvinas em General Roca, Província do Rio Negro”, resgata a
experiência da guerra e dos ex-combatentes numa pequena cidade da
Província do Rio Negro, fazendo uma história local, baseada nas
narrações daqueles que a viveram.
Além das contribuições específicas de cada um dos ensaios, este júri
quer destacar a relevância do engajamento investigativo e reflexivo no
campo da educação universitária. Nossas universidades cultivaram
formas acadêmicas autorreprodutivas e, em muitos casos, silenciosas
no que diz respeito aos problemas da nação. No horizonte das
transformações necessárias, é preciso retomar um sentido público para
o conhecimento e a pesquisa. Deste modo, a ampla e engajada
participação neste concurso é um indício dessa vontade em nossas
instituições.
Carlos Cansanello
Reitor da Universidade Nacional de Luján
Carlos Giordano
Professor da Universidade Nacional de La Plata e ex-combatente
María Pía López
Diretora do Museu do Livro e da Língua
Enrique Manson
Professor da Universidade Popular das Mães da Praça de Maio
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Concurso de Ensaios 2012
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Concurso de Ensaios 2012
1º Prêmio
MALVINAS E A LIVRE
DETERMINAÇÃO
DOS POVOS
Luciano Oscar Fino e Luciano Pezzano
Luciano Oscar Fino e Luciano Pezzano
MALVINAS E A LIVRE DETERMINAÇÃO
DOS POVOS
1
Luciano Oscar Fino e Luciano Pezzano
I. Introdução
O trigésimo aniversário da Guerra das Malvinas é uma oportunidade
propícia para refletir sobre tão importante questão para todos os
argentinos. Dentro da vastidão de assuntos passíveis de ser tratados,
bem como de aspectos a partir dos quais o tema pode ser abordado, a
1 Luciano Pezzano é advogado (Universidade de Ciências Empresariais e Sociais, UCES San Francisco,
2007) e mestrando em Relações Internacionais (Centro de Estudos Avançados, UNC). Professor
adjunto por concurso da cátedra de Direitos Humanos sob a Perspectiva Internacional (UCES San
Francisco). Chefe de trabalhos práticos da cátedra de Direito Internacional Público e da Integração
(UCES San Francisco). Publicou diversos artigos de sua especialidade. Luciano Fino é advogado
(Universidade Nacional de Córdoba, Faculdade de Direito e Ciências Sociais, Córdoba, 2011).
Atualmente, cursa especialização em Direito de Danos (Facudade de Ciências Jurídicas e Sociais,
Universidade Nacional do Litoral).
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aplicação do princípio da livre determinação dos povos é de grande
relevância. Sua importância não é casual, pois ele está presente na
própria Carta das Nações Unidas, que funda a organização em 1945,
época na qual um dos principais problemas do mundo eram as
possessões coloniais de países europeus. No entanto, transcorridos
sessenta e sete anos após aquele acontecimento, já em pleno século
XXI, permanecemos atrelados ao anacronismo histórico que o
colonialismo significa.
Assim, o princípio da livre determinação dos povos não é novidade no
direito internacional e nacional dos Estados, tendo sido considerado de
grande relevância no caso das Malvinas. Desde o famoso Alegato Ruda
(“Arrazoado Ruda”), de setembro de 1964, podemos notar sua
importância na questão das Ilhas. Naquele momento, num contexto
político e histórico muito diferente do atual, já era possível perceber
com clareza um argumento essencial da posição argentina para
justificar sua legítima reivindicação.
É preciso destacar a importância adquirida pelo assunto nos últimos
tempos, quando ele deixou de ser uma questão puramente
diplomática, bilateral entre dois Estados, para se transformar, como
disse a presidenta Cristina Fernández no Comitê de Descolonização das
Nações Unidas, num assunto de interesse para o mundo e a sociedade
toda. Nós, como argentinos e como parte do povo que ratificou na
própria Constituição o objetivo permanente e irrenunciável de
reclamação da soberania das Ilhas, devemos assumir o bastão,
registrando, com a profundidade que o assunto merece, as diretrizes
teóricas que se referem à reclamação argentina, deixando de lado as
confusões e os erros veiculados por alguns meios de comunicação, que
assim os inseriram na vida cotidiana.
Deste modo, o propósito deste ensaio é fazer uma pequena
contribuição que sirva para compreender, em sua real dimensão, a
causa da livre determinação, sua aplicação (ou não) à questão das ilhas
Malvinas e suas consequências na disputa pela soberania do
arquipélago com o Reino Unido.
17
Luciano Oscar Fino e Luciano Pezzano
II. Exposição da questão
Para uma abordagem adequada do assunto escolhido, é preciso
realizar uma exposição propícia da matéria, dado que a aplicação (ou
não) do princípio da livre determinação na disputa sobre as Ilhas
Malvinas aparece como uma “disputa dentro da disputa”. Ambas as
nações têm visões contrapostas sobre a questão, sendo este o primeiro
obstáculo para a celebração de negociações que possam trazer uma
solução pacífica para o conflito. Convém, pois, revisar as posições
essenciais das partes sobre o assunto.
O Reino Unido sintetizou sua visão no Livro Branco dos Territórios de
Ultramar, de recente publicação:
O Reino Unido não tem dúvidas com relação a sua soberania sobre as
Ilhas. O princípio da livre determinação, consagrado na Carta das
Nações Unidas, subjaz à nossa posição. Não pode haver negociação
sobre a soberania das ilhas, a menos e até que seus habitantes o
desejem. Os habitantes deixam claro, regularmente, que desejam
permanecer britânicos. No dia 12 de junho de 2012, o governo das
Ilhas Falkland [sic] anunciou sua intenção de convocar um referendo
1
sobre o status político das Ilhas Falkland [sic] .
Por sua vez, a postura da Argentina se manteve invariável ao repelir a
aplicação da livre determinação ao conflito. Assim o expressou José
María Ruda em seu célebre arrazoado de 9 de setembro de 1964
2
perante o Comitê de Descolonização das Nações Unidas:
Consideramos que o princípio da livre determinação seria mal aplicado
em situações nas quais parte do território de um Estado independente
tenha sido separada, contra a vontade de seus habitantes, em virtude
de um ato de força realizado por um terceiro Estado, como no caso das
Malvinas, não existindo nenhum acordo internacional posterior que
convalide esta situação de fato e, pelo contrário, ante o protesto
permanente do Estado agravado contra esta situação. Estas
considerações são agravadas, muito em especial, porque a população
originária foi despejada por este ato de força, tendo sido substituída
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Concurso de Ensaios 2012
por grupos flutuantes de nacionais da potência ocupante. Por outro
lado, a aplicação indiscriminada do princípio da livre determinação a
territórios tão escassamente povoados por nacionais da potência
colonial colocaria o destino desse território nas mãos da potência que
ali se instalou pela força, em violação das mais elementares normas do
direito e da moral internacional. O princípio fundamental da livre
determinação não deve ser utilizado para transformar uma posse
ilegítima numa soberania plena, sob o manto de proteção que as
Nações Unidas lhe dariam.3
Apresentadas as posturas das partes, faremos agora nossa própria
exposição. Adiantamos, desde já, que não estudaremos aqui o valor da
livre determinação como título jurídico fundador da soberania de um
Estado sobre um território, nem a evidente contradição na qual incorre
a tese britânica de, por um lado, sustentar que não tem dúvidas acerca
de sua soberania sobre as ilhas e, por outro, afirmar o princípio da livre
determinação e do respeito à vontade dos habitantes, pois se não
houvesse dúvidas, não haveria motivo algum para consultá-los sobre a
questão. Pelo contrário, limitar-nos-emos a buscar uma resposta para
aquilo que, para nós, consiste na pergunta-chave do assunto: o
princípio da livre determinação é aplicável à questão das Ilhas
Malvinas?
III. O titular da livre determinação
Tanto o parágrafo 2 da resolução 1514 (VX) da Assembleia Geral das
Nações Unidas – a “Carta Magna da descolonização” – como o artigo 1º
comum aos Pactos Internacionais de Direitos Humanos estabelecem
que “todos os povos têm o direito à sua autodeterminação [...]”. Frente
a certo setor da doutrina, bem como a alguns Estados que pretendem
limitar a aplicação do princípio aos povos sob dominação colonial ou
ocupação estrangeira, ambas as disposições são claras, estendendo-o
a “todos” os povos.
O problema radica, então, em determinar o que é um “povo”, tarefa
bastante complexa, dada a inexistência de uma definição aceita
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Luciano Oscar Fino e Luciano Pezzano
internacionalmente. Assim, foram propostas noções sociológicas de
povo no sentido de “uma coletividade de homens unidos por um vínculo
de solidariedade” cujos traços característicos seriam “a comunidade de
4
raça e de tradições e a existência de uma consciência comum”. Alguns
autores consideram que, para obter o reconhecimento do direito à livre
determinação, o povo “sociológico” deve reunir certos critérios. Seriam
eles:
a) […] a existência de uma população concentrada e amplamente
majoritária em certo território, capaz de expressar uma vontade
comum [...]. b) A população em questão deve viver num território
delimitado [...]. c) O terceiro elemento é a firme vontade dessa
coletividade, por um lado, de viver em comum, e por outro, de separarse do Estado no qual vive [...]. d) O elemento complementar que pode
reforçar a vontade para a autodeterminação é a existência de uma
organização interna, de um embrião de poder dessa coletividade, que
simboliza seu particularismo.5
Afirmou-se também que, além desses critérios, “o elemento
determinante é a capacidade dos membros da coletividade que aspira a
6
se transformar em povo de se considerarem como tal”. Neste mesmo
sentido, o povo foi definido como um tipo específico de comunidade
humana que tem o desejo comum de estabelecer uma entidade capaz
de funcionar para garantir um futuro comum.7
Por outro lado, outros afirmam que o conceito de “povo” é estritamente
jurídico. Esta é a posição do nosso país, curiosamente não na questão
das Malvinas, mas no procedimento consultivo da Corte Internacional
de Justiça no caso Kosovo. Nele, os representantes do nosso país
expressaram:
Uma premissa básica para a aplicação do princípio da livre
determinação é a qualificação do titular desse direito como um “povo”.
Esta é uma qualificação jurídica no contexto do direito internacional, e
não uma mera qualificação sociológica ou étnica. Os órgãos das
Nações Unidas tiveram um papel fundamental na aplicação da livre
determinação [...]. Em todos os casos em que os órgãos pertinentes
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Malvinas na UNIVERSIDADE
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reconheceram a existência de um “povo” no sentido jurídico e,
consequentemente, o seu direito à livre determinação, isso foi indicado
expressamente.8
Em outras palavras, sendo “povo” um conceito jurídico, cabe aos
órgãos competentes das Nações Unidas determinarem sua existência.
É preciso destacar, no mesmo sentido, o reconhecimento da doutrina
de que a Assembleia Geral “reservou para si, nesta matéria, um poder
de qualificação”.9
Com relação a isto, é frequente a citação do seguinte trecho da opinião
consultiva de 16 de outubro de 1975 da Corte Internacional de Justiça
sobre o Saara Ocidental:
A validade do principio da livre determinação, definido como a
necessidade de se respeitar a vontade livremente expressa dos povos,
não é afetada pelo fato de, em certos casos, a Assembleia Geral ter
dispensado da obrigação de consultar os habitantes de um território
determinado. Esses casos se baseavam na consideração de que uma
determinada população não constituía um “povo” com direito à livre
determinação ou na convicção de que a consulta era totalmente
desnecessária, tendo em vista circunstâncias especiais.10
Este parágrafo é muito importante, pois nele a Corte faz uma sutil,
porém incisiva referência à titularidade do direito à livre determinação e
ao conceito de “povo”. Segundo o nosso entendimento, a Corte está
reafirmando que só os “povos” têm direito à livre determinação. Em
outras palavras, para ser titular do direito à livre determinação, é
condição necessária ser “povo”, e nem toda população de um território
o é. Além disso, segundo Kohen, conclui-se da opinião consultiva que,
“em matéria de descolonização, é a Assembleia Geral quem tem a
competência para reconhecer, nos habitantes de um território, a
qualidade ou não de povo”. 11
A Corte Internacional de Justiça se manifestou novamente sobre este
assunto em sua opinião consultiva de 9 de julho de 2004, sobre as
consequências jurídicas da construção de um muro no território
21
Luciano Oscar Fino e Luciano Pezzano
palestino ocupado, onde expressou:
Com relação ao princípio relativo ao direito dos povos à livre
determinação, a Corte observa que a existência de um “povo
palestino” já não se questiona. Essa existência, além disso, foi
reconhecida por Israel [...]. No Acordo Provisório Israelo-Palestino
sobre a Margem Ocidental e a Faixa de Gaza, de 28 de setembro de
1995, também se faz referência, em várias oportunidades, ao povo
palestino e a seus “legítimos direitos” [...]. A Corte considera que esses
direitos incluem o direito à livre determinação, como foi reconhecido
pela Assembleia Geral em várias oportunidades.12
Acreditamos que, embora o “povo” titular do direito à livre
determinação seja efetivamente um conceito jurídico, ele não pode ser
entendido de maneira isolada da realidade histórica e sociológica. É
verdade que a intervenção dos órgãos competentes das Nações
Unidas, principalmente da Assembleia Geral, é de grande relevância
para se determinar se há ou não um “povo”, mas também é verdade
que tal intervenção se dá para efeitos de “reconhecimento” de sua
existência. Isto é, há um reconhecimento ou constatação de uma
realidade pré-existente. Isso ocorre com frequência no mundo do
direito: a “pessoa”, entendida como sujeito de direitos e deveres, é
certamente um conceito jurídico, mas que se funda numa realidade
subjacente, a do ser humano. O mesmo ocorre no caso dos povos, e
para seu reconhecimento, os órgãos das Nações Unidas seguiram
certos critérios que se desprendem de sua prática. Isso foi destacado
por Aureliu Cristescu, Relator Especial da Subcomissão de Prevenção
da Discriminação e Proteção das Minorias, em seu estudo sobre a livre
determinação:
Os elementos de uma definição [de povo] que surgiram dos debates
sobre este assunto nas Nações Unidas não podem nem devem ser
ignorados. Estes elementos podem ser levados em consideração em
situações específicas nas quais é necessário decidir se uma entidade
constitui ou não um povo apto para usufruir e exercer o direito à livre
determinação: a) o termo “povo” denota uma entidade social que
possui uma identidade clara e características próprias; b) implica uma
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Malvinas na UNIVERSIDADE
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relação com um território, inclusive se o povo em questão foi
injustamente expulso e artificialmente substituído por outra população;
c) um povo não deve ser confundido com minorias étnicas, religiosas
ou linguísticas, cuja existência e direitos são reconhecidos no artigo 27
do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.13
Consideramos de particular relevância o elemento segundo o qual o
povo se relaciona com um território determinado, relação que se dá
quando se trata de uma população autóctone ou que vive no local
desde tempos imemoriais. Conforme registrado por doutrina
autorizada sobre o tema, a Assembleia Geral determinou que a livre
determinação é, basicamente, um direito da população autóctone.14 É o
que indicam as resoluções 2138 (XXI) e 2151 (XXI), sobre a questão da
Rodésia do Sul; 2228 (XXI) da Somália Francesa; 2229 (XXI), 2711
(XXV), 2983 (XXVII) e 3162 (XXVIII) do Saara Ocidental; 2795 (XXVI)
dos territórios sob administração portuguesa, entre outras. O povo
autóctone conserva seu direito à livre determinação mesmo se tiver
sido expulso sem causa justa e artificialmente substituído por outra
população. Isso é importante não só para efeitos da imprescritibilidade
do direito, mas também para indicar que a população que substitui o
povo não é um “povo” em si mesma e, portanto, não tem direito à livre
determinação. Assim resolveu a doutrina: “O exercício do direito à livre
determinação só é cabível aos povos autóctones e com personalidade
inconfundível, e não às populações adventícias oriundas da potência
colonial, a ela afins e a seu serviço” .15
No caso das Malvinas, este requisito não é atendido. A população não é
autóctone nem está vinculada ao território desde tempos imemoriais,
mas, pelo contrário, a maioria é nativa ou descendente de nativos da
potência colonial, o Reino Unido, como demonstra o último censo
realizado nas ilhas.16 Além disso, desde 1983, em virtude da British
Nationality (Falkland Islands) Act, os habitantes das ilhas são nacionais
17
britânicos. O próprio Reino Unido reconhece em seu já citado Livro
Branco: “A maioria da população das Ilhas Falklands [sic] é britânica
por nascimento ou por ascendência”. 18
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Luciano Oscar Fino e Luciano Pezzano
Consequentemente, estamos diante de uma população que é difícil de
distinguir étnica, linguística e juridicamente da população da potência
colonial.
Por sua vez, tanto a Assembleia Geral como o Comitê de
Descolonização se referem constantemente à “população” do território
e à necessidade de levar em consideração seus “interesses”, e não seus
“desejos”, ao passo que – com exceção de Gibraltar, que analisaremos
mais adiante –, com relação aos outros territórios não autônomos, eles
sempre se referem a seus “povos”.
A postura do governo argentino a este respeito é muito clara:
Os interesses dos habitantes, e não seus desejos são os que devem
ser considerados, conforme indicado pelas Nações Unidas nos
diferentes documentos relativos à questão das Ilhas Malvinas. A
Organização entendeu que uma população transplantada pela
potência colonial, como é o caso das Ilhas Malvinas, não é um povo
com direito à livre determinação, já que não se diferencia do povo da
metrópole. O caráter britânico dessa população foi reconhecido pelo
Reino Unido e seus integrantes têm status de cidadãos britânicos
desde 1983, de acordo com a Lei de Nacionalidade Britânica, que
entrou em vigor a partir daquele ano. Se admitida a autodeterminação
dos atuais habitantes das Malvinas, cujo caráter e nacionalidade são
britânicos, estar-se-ia admitindo que um grupo de pessoas da própria
potência colonial decidisse o destino de um território reclamado por
outro Estado que essa potência despojou, por um ato de força, há
quase duzentos anos.20
Tal postura em nada difere dos argumentos aqui apresentados, o que
nos permite afirmar, sem maior hesitação, que a população das Ilhas
Malvinas, por não ser autóctone, senão implantada pela potência
colonial, e por não se distinguir étnica, linguística nem juridicamente da
população desta, não é um povo e, portanto, carece do direito à livre
determinação. Consequentemente, sua natureza como tal não foi –
nem pode ser – reconhecida pelos órgãos das Nações Unidas
encarregados do processo de descolonização.
24
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
IV. A livre determinação nas disputas de soberania
Assim como sustentamos que a livre determinação é aplicável a todos
os povos, e não só àqueles sob o domínio colonial, a prática das Nações
Unidas demonstra que tal princípio não é aplicável a todos os casos de
descolonização.
À primeira vista, poder-se-ia pensar que todas as situações coloniais
evidenciam um conflito que poderíamos chamar de “clássico”, isto é,
entre uma metrópole ou potência colonial e o povo do território que ela
administra. Em tal caso, a situação colonial só pode er resolvida
mediante o exercício da livre determinação por parte do povo do
território.
No entanto, nem todos os casos são idênticos. Dos dezesseis territórios
não autônomos que restam na atualidade, tanto a Assembleia Geral
como o Comitê de Descolonização reconheceram a aplicação da livre
determinação em quatorze deles, com exceção dos dois restantes, que
apresentam características diferentes às do conflito “clássico” e certas
semelhanças entre si. Estes são os casos de Gibraltar e das Malvinas.
No caso de Gibraltar, o Reino Unido ocupa e administra, desde 1713, um
território cuja soberania é reivindicada pela Espanha. No âmbito das
Nações Unidas, a Assembleia Geral declarou que a manutenção da
situação colonial em Gibraltar é contrária à Carta e à resolução 1514
(XV), solicitando à potência administradora que ponha fim a essa
21
situação. Além disso, ela convidou os governos da Espanha e do Reino
22
Unido a iniciarem negociações nas quais os interesses da população do
23
território sejam considerados e protegidos, declarando que a
celebração de um referendo pelo Reino Unido em 1967 contravinha
suas resoluções.24
Com respeito a esta questão, podemos extrair várias considerações.
Trata-se de uma situação colonial, sendo assim reconhecida, mas que
não responde ao modelo clássico. Não há nela nenhum povo em luta
por sua livre determinação contra a metrópole, mas uma disputa entre
25
Luciano Oscar Fino e Luciano Pezzano
dois Estados pela soberania de um território. Apesar de não ser
explícita, é possível inferir, razoavelmente, a insistência da Assembleia
Geral para que a questão seja resolvida mediante negociações entre os
dois Estados. Com efeito, nas resoluções não se menciona “povo”
algum; só há uma referência à “população” – que, como vimos, não é
um povo – e à necessidade de que seus interesses – e não seus desejos
– sejam respeitados. Esta referência pode ser validamente interpretada
como uma recusa da Assembleia Geral a aplicar a livre determinação ao
caso, postura que, no nosso entendimento, foi ratificada com o seu
repúdio ao referendo organizado pela potência em novembro de 1967.
Assim sendo, a Assembleia Geral considera que a livre determinação é
inaplicável a esta peculiar situação colonial. Do contrário, teria feito
referência à existência de um “povo” cuja vontade, e não só os
interesses, devem ser respeitados, e não teria repudiado o exercício de
seu direito a decidir por meio de um referendo. No entanto, isso não
deve nos induzir a pensar que a Assembleia esteja negando direitos a
um povo somente porque há uma disputa de soberania entre dois
Estados: ocorre que, neste peculiar caso, esse povo não existe.
O assunto pode ser advertido com muito maior clareza se o
transferirmos à questão das Malvinas. Neste caso, a Assembleia Geral e
o Comitê de Descolonização reconheceram, nas resoluções já citadas, a
existência de uma presença colonial no território à qual é preciso pôr
um fim, instando a Argentina e o Reino Unido a celebrar negociações
para encontrar uma solução pacífica ao problema que respeite os
interesses da população do território e, além disso, solicitando às
partes que se abstenham de adotar decisões que acarretem a
introdução de modificações unilaterais na situação enquanto as Ilhas
estiverem atravessando o processo recomendado. Mas, além disso – ao
contrário do que vimos no caso anterior –, reconheceram
expressamente a existência de uma disputa de soberania entre os
governos da Argentina e do Reino Unido.
Se no caso de Gibraltar reconhecemos que se trata de uma disputa de
soberania na qual a livre determinação não pode ser aplicada, esta não
26
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
pode, a fortiori, ser aplicada no caso das Malvinas. Em primeiro lugar,
como já foi apontado, não há nas Ilhas nenhum povo titular do direito à
livre determinação e, além disso, a situação colonial é uma disputa de
soberania entre dois Estados que, segundo os órgãos das Nações
Unidas, só pode ser resolvida por meio de negociações entre eles. Mais
uma vez, conforme a direito, a postura argentina é:
A comunidade internacional, ao reconhecer a existência de uma
disputa de soberania relativa à questão das Ilhas Malvinas, ao
especificar seu caráter bilateral entre a Argentina e o Reino Unido e ao
estabelecer que ela deve ser resolvida pela via pacífica da negociação
entre as partes, fazendo referência expressa aos interesses – e não
aos desejos – dos habitantes das Ilhas, exclui a aplicação do princípio
25
da autodeterminação.
V. Livre determinação e integridade territorial
Em certas ocasiões, o exercício da livre determinação pode entrar em
colisão com a integridade territorial de um Estado, gerando um conflito
entre dois importantes princípios do direito internacional
contemporâneo.
Neste aspecto, começaremos analisando a postura argentina na
questão das Malvinas:
A resolução 1514 (XV) “Declaração sobre a concessão da
independência aos países e povos coloniais” [...] proclamou “a
necessidade de pôr fim rápido e incondicional ao colonialismo em
todas as suas formas e manifestações”, consagrando dois princípios
fundamentais que deviam guiar o processo de descolonização: o da
autodeterminação e o da integridade territorial. Esta resolução
estabelece, em seu parágrafo sexto, que “toda tentativa encaminhada
a quebrar total ou parcialmente a unidade nacional e a integridade
territorial de um país é incompatível com os propósitos e princípios da
Carta das Nações Unidas”. Esta limitação interposta ao princípio da
autodeterminação implica que este cede perante o respeito à
26
integridade territorial dos Estados.
27
Luciano Oscar Fino e Luciano Pezzano
27
Por sua vez, embora em outro contexto, o Reino Unido alega:
A proteção da integridade territorial dos Estados é uma proteção “nas
relações internacionais”. Não é uma garantia de permanência, em
qualquer tempo, do Estado tal como ele existe atualmente, nem se
aplica a movimentos secessionistas dentro do território do Estado. Em
termos gerais, o direito internacional não proíbe a separação de parte
do território de um Estado que surja de um processo interno. Em outras
palavras, embora a integridade territorial de um Estado seja protegida
no direito internacional, esta proteção foi estendida com caráter geral
somente no que concerne ao uso da força e à intervenção por parte de
terceiros Estados. Não é extensiva ao ponto de prover uma garantia de
integridade territorial contra processos internos que possam levar, com
o tempo, à dissolução ou reconfiguração do Estado.28
Temos, assim, duas visões opostas. Para a Argentina, o respeito à
integridade territorial é absoluto, prima sobre a livre determinação e
funda-se, entre outros, no parágrafo 6º da resolução 1514 (XV). Já
para o Reino Unido, este não é um princípio absoluto, sendo sua
aplicação limitada às relações entre Estados.
Frente a esta discrepância, devemos analisar qual é o âmbito de
aplicação do parágrafo 6º da resolução 1514 (XV), bem como o alcance
do princípio do respeito à integridade territorial e, por último, se este é
aplicável ao caso da luta de um povo por sua livre determinação.
Embora vários e respeitados autores – e alguns Estados, como o nosso
– afirmem que o parágrafo 6º da resolução 1514 (XV) protege a
integridade territorial dos Estados soberanos, outra parte da doutrina
entende que o trecho em questão se aplica somente aos territórios sob
domínio colonial:
Convém salientar que o parágrafo 6º da resolução 1514 não foi
previsto para ser aplicado às reivindicações territoriais entre Estados
soberanos. Pelo contrário, foi instaurado como cláusula de
salvaguarda com o fim de proteger a integridade territorial e a unidade
29
nacional dos territórios não autônomos.
28
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Esta interpretação parece se derivar da própria resolução, já que ela se
refere a “país” e não a “Estado”, e o sentido da expressão não pode ser
diferente ao de “países e povos coloniais” presente no título. A prática
das Nações Unidas parece apoiar esta interpretação quando, por
exemplo, no caso da ilha comoriana de Mayotte,30a Assembleia Geral
condenou a presença da França no local e, além disso, alegou a
existência de uma violação à unidade nacional, à integridade territorial
e à soberania da República das Comoras – que havia adquirido sua
independência pouco antes –, invocando expressamente a resolução
1514 (XV) ao declarar que ela “garante a unidade nacional e a
integridade territorial” dos países coloniais.31 Deste modo, o objetivo do
parágrafo 6º é evitar que, no próprio processo de descolonização, a
potência colonial – ou outro Estado – pretenda introduzir modificações
que ocasionem a ruptura da unidade nacional ou da integridade
territorial do território que está sendo descolonizado; não se aplicando,
à primeira vista, no caso de Estados soberanos.32
O respeito à integridade territorial entre os Estados, não obstante, é
amplamente reconhecido no direito internacional, encontrando-se
expressamente enunciado no art. 2.4 da Carta das Nações Unidas e na
“Declaração sobre os princípios de direito internacional referentes às
relações de amizade e à cooperação entre os Estados de conformidade
com a Carta das Nações Unidas”, aprovada pela resolução 2625 (XXV)
da Assembleia Geral. No entanto, seu alcance é discutido,
especialmente no que diz respeito a seu caráter absoluto. A este
respeito, a resolução 2625 (XXV) expressa:
Nenhuma das disposições dos parágrafos anteriores será entendida
no sentido de autorizar ou incentivar qualquer ação dirigida à violação
ou menoscabo, seja total ou parcial, da integridade territorial de
Estados soberanos e independentes que se conduzam em
conformidade com os princípios da igualdade de direitos e da livre
determinação dos povos, já descrito, estando, portanto, dotados de um
governo que represente a totalidade do povo pertencente ao território,
sem distinção por razões de raça, credo ou cor.
29
Luciano Oscar Fino e Luciano Pezzano
Este parágrafo foi denominado “cláusula de salvaguarda” da
integridade territorial dos Estados. Segundo ela, a livre determinação
não deve afetar a integridade territorial dos Estados soberanos e
independentes na medida em que eles:
[...] se conduzam em conformidade com os princípios da igualdade de
direitos e da livre determinação dos povos, já descrito, estando,
portanto, dotados de um governo que represente a totalidade do povo
pertencente ao território, sem distinção por razões de raça, credo ou
cor.33
Interpretando o parágrafo a contrario sensu, um Estado que não se
conduza em conformidade com o princípio da livre determinação, isto
é, que careça de um governo que represente a totalidade do povo do
território, sem discriminação alguma, não será amparado por esta
garantia. Em tal caso, a livre determinação dos povos primará sobre sua
integridade territorial, justificando-se o exercício da independência
com efeito de secessão. Não obstante os esforços realizados por alguns
34
Estados e por parte da doutrina, não encontramos, a nosso ver,
nenhum elemento que permita argumentar que não seja possível
interpretar o parágrafo a contrario sensu. Com efeito, acreditamos que
se tal interpretação não fosse permitida, a cláusula perderia grande
parte de seu sentido, já que de pouco valeria a aclaração feita na última
parte se todos os Estados, inclusive aqueles que violam o direito dos
povos à livre determinação, tivessem sua integridade territorial
protegida. Do contrário, uma mera reafirmação do princípio da
integridade territorial – sem aclaração alguma – teria bastado.
Portanto, segundo esta interpretação, a qual subscrevemos, o princípio
do respeito à integridade territorial não é absoluto.
Por último, é preciso determinar se o respeito à integridade territorial,
mesmo com seu alcance limitado, é um princípio a cujo cumprimento
também são obrigados os povos. Nesse sentido, a Corte Internacional
de Justiça foi breve, porém incisiva, em sua opinião consultiva de 22 de
julho de 2010 sobre a conformidade com o direito internacional da
declaração unilateral da independência do Kosovo: “o alcance do
30
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
princípio da integridade territorial se circunscreve ao âmbito das
relações entre Estados”.35 Assim sendo, um povo em exercício de seu
direito à livre determinação não é obrigado a respeitar a integridade
territorial do Estado ou dos Estados que reclamarem a soberania do
território no qual o povo está assentado.
As considerações anteriores nos permitem afirmar que não é
totalmente exato fundar a posição argentina sobre as Malvinas no
parágrafo 6º da resolução 1514 (XV) – que não parece ter por objeto a
proteção da integridade territorial de Estados soberanos – nem numa
suposta primazia da integridade territorial sobre a livre determinação –
que tanto a resolução 2625 (XXV) como a opinião da Corte
Internacional de Justiça se encarregam de descartar.
No entanto, longe estamos de afirmar que o princípio do respeito à
integridade territorial não seja aplicável à questão das Malvinas. Pelo
contrário, acreditamos que ele se aplica com todo vigor. Para isso,
fundamo-nos nos seguintes argumentos: em primeiro lugar, como já
dissemos, a questão das Malvinas é uma disputa de soberania entre
Estados e, portanto, o respeito à integridade territorial continua sendo
um princípio fundamental e que se reveste de caráter absoluto. Em
segundo lugar, para que o princípio cedesse, teríamos que estar diante
de um exercício do direito à livre determinação de um povo. Como no
caso das Malvinas – segundo já foi dito – não há povo, a livre
determinação não é aplicável e, consequentemente, não se configura
exceção alguma ao princípio do respeito à integridade territorial dos
Estados.
Demonstrada a aplicação do principio na espécie, é imperioso concluir
que a manutenção da situação colonial nas ilhas Malvinas é uma
violação manifesta da integridade territorial da República Argentina.
VI. Conclusão
Ao longo destas páginas, afirmamos que a população das ilhas
31
Luciano Oscar Fino e Luciano Pezzano
Malvinas, por não ser autóctone, e sim implantada pela potência
colonial, e por dela não se distinguir étnica, linguística nem
juridicamente, não é um povo, carecendo, portanto, do direito à livre
determinação. Consequentemente, sua natureza como tal não foi –
nem pode ser – reconhecida pelos órgãos competentes das Nações
Unidas. Afirmamos também que a livre determinação não foi nem é
aplicável a situações coloniais nas quais há uma disputa entre dois
Estados pela soberania de um território, como ocorre neste caso, já
reconhecido pela comunidade internacional. Por último, sustentamos
que, no que diz respeito à integridade territorial, embora a postura
argentina se baseie em premissas que não são exatas, a conclusão é
correta: o princípio é aplicável, com todo vigor, à disputa sobre as
Malvinas.
Acreditamos, assim, estar em condições de responder nossa
interrogação inicial, e não é preciso aprofundar muito para concluir que
o princípio da livre determinação não se aplica nem pode ser aplicado à
questão das Ilhas Malvinas. Sua invocação por parte do Reino Unido só
tem motivações políticas, carecendo – como ficou demonstrado aqui –
de fundamento jurídico, e tem o claro objetivo de entorpecer e
obstaculizar qualquer tentativa de solução pacífica da disputa.
Esta atitude do Reino Unido é merecedora de uma dupla repreensão:
por um lado, pois ela se destina a perpetuar uma situação colonial,
incorrendo, assim, em violação manifesta da integridade territorial de
um Estado soberano – e, portanto, de todos os princípios do direito
internacional aplicáveis. Por outro lado, pois ela constitui uma
manipulação política daquele que a Corte Internacional de Justiça
considerou “um dos princípios essenciais do direito internacional
contemporâneo”.36
Como corolário dessa afirmação, permitimo-nos fazer uma reflexão
sobre o já mencionado referendo que se pretende convocar nas ilhas
37
para o primeiro semestre de 2013, o qual tem por objeto decidir sobre o
futuro da condição política do território. De acordo com as conclusões,
32
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
o referendo carece de validade como exercício da livre determinação (já
que dele não participa nenhum povo), não se podendo, portanto,
reconhecer-lhe efeito jurídico algum.
No entanto, não obstante a nulidade intrínseca do fato, acreditamos ser
de grande importância que a República Argentina dobre o esforço
diplomático para obter um pronunciamento da Assembleia Geral das
Nações Unidas – e não só do Comitê de Descolonização – que
repreenda a celebração do referendo, tendo em vista que ele
contravém suas resoluções sobre a questão ao pretender introduzir
uma modificação unilateral da condição jurídica do território em
disputa. Como vimos, existem antecedentes em que a Assembleia
repudiou vários referendos em casos análogos, e há numerosas razões
que justificam um repúdio de espécie similar.
Do contrário, correríamos o risco de uma eventual convalidação tácita
das ações do Reino Unido e dos habitantes insulares, o que poderia
debilitar politicamente a posição argentina, de mais a mais, muito bem
sustentada na força do Direito.
Notas
1 - FOREIGN & COMMONWEALTH OFFICE, “The Overseas Territories. Security,
Success and Sustainability”. Londres, 2012, p. 100. Endereço URL:
http://www.fco.gov.uk/resources/en/pdf/publications/overseas-territories-white-paper0612/ot-wp-0612
2 - O nome completo do Comitê é “Comitê Especial encarregado de examinar a
situação com respeito à aplicação da Declaração sobre a concessão da independência
aos países e povos coloniais”.
3 - Endereço URL: http://constitucionweb.blogspot.com.ar/2012/03/alegato-ruda1964.html.
4 - Jules BASDEVANT, Dictionnaire de la terminologie du droit international, Paris,
Sirey, 1960, págs. 449-450.
5 - Aristidis CALOGEROPOULOS-STRATIS, Le droit des peuples à disposer d'euxmêmes, Bruxelas, Bruylant, 1973, págs. 171-172.
6 - Laurent LOMBART, “Gibraltar et le droit à l'autodétermination – Perspectives
actuelles”, em Annuaire Français de Droit International, LIII , Paris, CNRS Éditions,
2007, págs. 157-181.
7 - Héctor GROS ESPIELL, The right to self-determination. Implementation of United
Nations Resolutions, Nova York, Documento E/CN.4/Sub.2/405/Rev.1. Nações Unidas,
33
Luciano Oscar Fino e Luciano Pezzano
1980. Parágrafo. 56.
8 - Declaração escrita da Argentina. Parágrafos. 89 e 90. Endereço URL: .
9 - Laurent LOMBART, op. cit., p. 168.
10 - CIJ: Sahara occidental, avis consultatif; C.I.J. Recueil, 1975, p. 12, parágrafo 59.
11 - Marcelo G. KOHEN, “La libre determinación de los pueblos y su relación con el
territorio”, em Zlata DRNAS DE CLÉMENT (coord.), Estudios de Derecho Internacional
en homenaje al Profesor Ernesto J. Rey Caro. Tomo II, Córdoba, Drnas-Lerner
Editores, 2003, p. 866.
12 - Corte Internacional de Justiça: Consecuencias jurídicas de la construcción de un
muro en el territorio palestino ocupado. Opinión consultiva. Documento A/ES-10/273.
Nações Unidas, Nova York, 2004, parágrafo 118.
13 - Aureliu CRISTESCU, “The right to self-determination. Historical and current
development on the basis of United Nations instruments”, Nova York, Nações Unidas,
1981, parágrafo 279.
14 - Zlata DRNAS DE CLÉMENT, “El Derecho de libre determinación de los pueblos.
Colonialismo formal. Neocolonialismo. Colonialismo interno”, Anuario Argentino de
Derecho Internacional III, Córdoba, 1987-1989, págs. 193-240.
15 - Antonio GOMEZ ROBLEDO, “Resolución sobre el Derecho de autodeterminación
de los pueblos y su campo de aplicación”, Resoluciones adoptadas en el XI Congreso
del Instituto Hispano Luso Americano de Derecho Internacional, Madrid-Salamanca,
1977, Endereço URL: http://www.ihladi.org/resoluciones_XI.pdf.
16 - Dos 2630 habitantes maiores de dez anos em 2006, só 1090 (41%) havia
nascido nas ilhas. Dos 1540 habitantes restantes, 1155 (43,92% da população maior
de dez anos) nasceram no Reino Unido ou em Santa Helena, uma de suas
dependências. Sobre o total da população da noite do censo (3000), só 44,63%
nasceu nas ilhas, sendo que 41,56% nasceu no Reino Unido ou em suas
dependências. Todos estes dados se encontram disponíveis em
http://www.falklands.gov.fk/documents/Census%20Report%202006.pdf.
17 - De acordo com o censo de 2006, de um total de 3000 pessoas, 89,93% tinha
nacionalidade britânica. O dado não é irrelevante por duas razões. A primeira delas é
que a nacionalidade foi definida pela Corte Internacional de Justiça como “um vínculo
jurídico que tem em sua base um fato social de apego, uma solidariedade efetiva de
existência, de interesses, de sentimentos junto a uma reciprocidade de direitos e de
deveres. Ela é, pode-se dizer, a expressão jurídica do fato de que o indivíduo ao qual
é conferida, seja diretamente pela lei, seja por um ato da autoridade, está, de fato,
mais estreitamente relacionado com a população do Estado que a confere do que a
qualquer outro Estado” (CIJ: Affaire Nottebohm (deuxième phase), Arrêt du 6 avril
1955, CIJ. Recueil, 1955, p. 123). Se os habitantes das Ilhas têm um vínculo real e
efetivo com o Reino Unido, como podem, então, constituir um “povo” diferente do
britânico? A segunda razão é que ao conceder unilateralmente a nacionalidade
britânica, o Reino Unido cai numa nova e manifesta contradição com a livre
determinação dos habitantes insulares que afirma defender, porquanto tal decisão
devesse ser consequência da vontade livremente manifesta destes, caso
constituíssem um “povo”.
18 - FOREIGN & COMMONWEALTH OFFICE: op. cit., p. 100.
34
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
19 - Resoluções 2065 (XX), 37/9 e 39/6, da Aseembleia Geral; e resoluções
A/AC.109/756, A/AC.109/793, A/AC.109/842, A/AC.109/885, A/AC.109/930,
A/AC.109/972, A/AC.109/1008, A/AC.109/1050, A/AC.109/1087, A/AC.109/1132,
A/AC.109/1169, A/AC.109/2003, A/AC.109/2033, A/AC.109/2062, A/AC.109/2096,
A/AC.109/2122, A/AC.109/1999/23, A/AC.109/2000/23, A/AC.109/2001/25,
A/AC.109/2002/25, A/AC.109/2003/24, e as resoluções aprovadas em 18 de junho de
2004, 15 de junho de 2005, 15 de junho de 2006, 21 de junho de 2007, 12 de junho
de 2008, 18 de junho de 2009, 24 de junho de 2010, 21 de junho de 2011 e 14 de
junho de 2012.
20 - http://www.cancilleria.gov.ar/portal/seree/malvinas/home.html.
21 - Resoluções 2353 (XXII) e 2429 (XXIII).
22 - Resoluções 2070 (XX), 2231(XXI), 2353 (XXII), 2429 (XXIII) e 3286 (XXIX).
23 - Resoluções 2231(XXI) e 2353 (XXII).
24 - Resolução 2353 (XXII).
25 - http://www.cancilleria.gov.ar/portal/seree/malvinas/home.html.
26 - http://www.cancilleria.gov.ar/portal/seree/malvinas/home.html.
27 - Durante o já mencionado processo consultivo sobre a independência do Kosovo
na Corte Internacional de Justiça.
28 - Declaração escrita do Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte,
parágrafos 5.9 e 5.10. Endereço URL: http://www.icjcij.org/docket/files/141/15638.pdf.
29 - Laurent LOMBART, op. cit., p. 166.
30 - As Comores eram um território não autônomo administrado pela França,
composto por quatro ilhas principais: Grande Comore, Anjouan, Mohéli e Mayotte. Em
22 de dezembro de 1974, celebrou-se no território um referendo no qual –
considerando o arquipélago em conjunto – venceu por ampla maioria a opção da
independência. No entanto, em Mayotte, o resultado foi contra a emancipação da
França. Isso levou a potência administradora a reconhecer a independência de três
das ilhas e a organizar dois novos referendos em Mayotte, em 8 de fevereiro e 11 de
abril de 1976, nos quais foi ratificada a permanência da ilha na República Francesa. A
Assembleia Geral condenou e declarou nulos ambos os referendos.
31 - Resolução 31/4. A Assembleia Geral reiterou o repúdio nas resoluções 32/7,
34/69, 35/43, 36/105, 37/65, 38/13, 39/48, 40/62, 41/30, 42/17, 43/14, 44/9, 45/11,
46/9, 47/9, 48/56 e 49/18.
32 - De qualquer modo, é preciso reconhecer que a prática da Organização se mostra
errática a este respeito. Assim, na resolução 2353 (XXII), já citada, sobre a questão
de Gibraltar, a Assembleia Geral considerou que “toda situação colonial que destrua,
parcial ou totalmente, a unidade nacional e a integridade territorial de um país é
incompatível com os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas e,
especificamente, com o parágrafo 6º da resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral”.
33 - O direito de um povo a se separar de um Estado como ultima ratio havia sido
reconhecido pela Segunda Comissão da Sociedade das Nações no caso das Ilhas
Aaland: “A separação de uma minoria do Estado do qual ela faz parte e sua
incorporação a outro Estado só pode ser considerada como uma solução por completo
excepcional, um último recurso quando o Estado carece de vontade ou de poder para
35
Luciano Oscar Fino e Luciano Pezzano
sancionar e aplicar garantias justas e efetivas” (Report of the Commission of
Rapporteurs Presented to the Council of the League. Documento B.7.21/68/106, 16 de
abril de 1921). As “garantias” às que o documento se refere são, segundo a própria
Comissão, as vinculadas com a preservação do caráter social, étnico e religioso do
povo em questão.
34 - Em sua declaração escrita, citada no ponto 8, a Argentina se opõe – sem
sucesso, ao nosso entender – à interpretação a contrario sensu da disposição.
35 - Corte Internacional de Justiça: Conformidad con el derecho internacional de la
declaración unilateral de independencia relativa a Kosovo. Opinión consultiva.
Documento A/64/881. Nova York, Nações Unidas, 2010, parágrafo 80.
36 - Corte Internacional de Justiça: Timor oriental (Portugal c. Australie), arrêt, CIJ.
Recueil 1995, p. 90.
37 - http://www.penguin-news.com/index.php/news/politics/item/354-falklandislands-to-hold-referendum-on-political-future.
Bibliografia
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37
38
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
2º Prêmio
AS MALVINAS E A PROVÍNCIA
DE SANTA CRUZ: UMA
RELAÇÃO HISTÓRICA
CORTADA POR UMA GUERRA
María de los Milagros Pierini e Pablo Gustavo Beecher
María de los Milagros Pierini e Pablo Gustavo Beecher
AS MALVINAS E A PROVÍNCIA DE SANTA CRUZ:
UMA RELAÇÃO HISTÓRICA CORTADA POR UMA
GUERRA
María de los Milagros Pierini e Pablo Gustavo Beecher 1
Introdução
O Território Nacional de Santa Cruz – criado em 1884 e transformado
em província em 1957 – teve, em seus inícios, uma relação muito íntima
com as Ilhas Malvinas devido à proximidade geográfica do arquipélago
e à sua própria história demográfica e pecuária.
Embora com o passar dos anos essa relação tenha se atenuado
1 María de los Milagros Pierini é mestre em História e professora da Universidade Nacional da
Patagônia Austral (UNPA). Pablo Gustavo Beecher é jornalista e pertence ao grupo de pesquisa da
professora Pierini na UNPA.
40
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
paulatinamente, para Santa Cruz as Malvinas tiveram uma identificação
que, com exceção da ilha da Terra do Fogo, foi muito diferente do resto
do país.
A Guerra das Malvinas quebrou esse vínculo violenta e dolorosamente,
provocando um corte que foi sentido de forma muito especial pelos
integrantes da comunidade britânica santa-cruzense, muitos dos quais
eram descendentes de malvinenses. Além disso, como as bases aéreas
de onde partiam os aviões que participavam da guerra estavam em Rio
Gallegos e em Puerto San Julián, e em Rio Gallegos havia soldados à
espera para viajar às Ilhas, a convivência da sociedade local com os
pilotos e soldados deu ao conflito bélico uma importância muito maior,
fazendo com que os sofrimentos que ele implicou fossem sentidos
muito de perto.
O objetivo de nosso ensaio é analisar, por meio de documentos e de
testemunhos orais, diversos aspectos da história de Santa Cruz que
mostram a vinculação existente entre ambos os territórios,
contribuindo, a partir da Patagônia Austral, para o enriquecimento da
história da relação entre as Ilhas Malvinas e o restante da Argentina.
A presença malvinense nos inícios do Território de Santa Cruz
Os homens
As Ilhas Malvinas e a região magalhânica, cujo centro era a cidade de
Punta Arenas, foram as vias de acesso preferenciais para o povoamento
europeu do território de Santa Cruz, que começou em 1880. A zona
central da Argentina e a cidade e porto de Buenos Aires cumpriram um
papel muito secundário neste processo.
Estas vias de acesso reforçaram a dependência em relação a essas duas
regiões. No caso de Punta Arenas, ela perdurou até meados da década
1
de 1920, formando uma “região autárquica argentino-chilena”, e
significou também a porta de entrada dos migrantes chilenos que, de
forma estacional ou definitiva, chegaram a Santa Cruz.
41
María de los Milagros Pierini e Pablo Gustavo Beecher
A presença britânica nas Malvinas na segunda metade do século XIX e a
2
implementação do processo de “corrente migratória” foram as
responsáveis pelo predomínio de britânicos no povoamento de Santa
Cruz. Das Malvinas, chegaram à Patagônia os seguintes colonos:
Herbert Felton – parente da esposa de Moyano –, John Scott, William
Rudd, John Blake, Henry Jamieson, George Mac George, John
Hamilton, Donald Patterson, John Halliday, Woods, Weldon, Woodman
e Rodman, que se assentaram na área de Rio Gallegos e de Coyle. Por
sua vez, Robert Blake e Donald Munro o fizeram perto de San Julián.
A política de ocupação das regiões austrais chilenas se materializou
com a instalação de um presídio em Fuerte Bulnes em 1843,
transferindo-se, pouco depois, para a “ponta arenosa”, de onde deriva
o nome da cidade de Punta Arenas. O presídio foi destruído por uma
rebelião em 1852, mas, a partir de 1867, a população renasceu e
ganhou impulso com uma política de atração de novos habitantes e de
desenvolvimento econômico, sendo uma de suas principais medidas a
eliminação da Alfândega. Além disso, a navegação regular para a
Europa, inaugurada em 1865, fez com que Punta Arenas se
transformasse em porto obrigatório para o aprovisionamento de lenha,
água, carne e hortaliças das numerosas embarcações que
atravessavam o Estreito de Magalhães.
Na década de 1870, teve início a exploração ovina com exemplares
trazidos das Ilhas Malvinas. Posteriormente, na década de 1880,
começou o avanço da fronteira ovina para a o território de Santa Cruz,
gerando novas necessidades – como serrarias, casas comerciais e
bancárias e transporte marítimo –, que foram cobertas pela cidade de
3
Punta Arenas e as zonas limítrofes. Desta maneira, foi criada a já
mencionada região autárquica, cuja base era a produção e exportação
de lã e de carne para os mercados europeus. A região, integrada pelo
sul do Chile, Santa Cruz e a Terra do Fogo, teve como centro a cidade de
Punta Arenas, a partir da qual nasceram diversas atividades
econômicas, de caráter exclusivamente privado, nas áreas
circundantes. Estas, por sua vez, permitiram a acumulação do capital
42
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
que, nos últimos anos do século XIX, foi investido na pecuária ovina,
estendendo-se também pelo território santa-cruzense.
No início do povoamento de Santa Cruz e durante seus primeiros anos,
as terras das Ilhas Malvinas estavam totalmente ocupadas, e o gado
ovino tinha sido introduzido em substituição do vacum com muito bons
resultados. A empresa londrinense Falkland Islands Company iniciou a
pecuária ovina nas Malvinas após adquirir uma concessão de
quinhentos mil hectares e, poucos anos depois, monopolizou a
comercialização da lã produzida por seus habitantes – oriundos, a partir
de 1867, da Escócia, Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia. Foram os
escoceses que desempenharam a maioria dos cargos de capatazes e
ovelheiros devido à sua experiência prévia como pastores em sua terra
4
natal.
A concentração fundiária nas mãos da Companhia fez com que
“praticamente todos os campos pertencessem a ela, sem que houvesse
5
futuro promissório para os empregados”. Por esta razão, segundo
testemunhos dos descendentes dos primeiros povoadores, muitos de
seus habitantes foram “empurrados” a emigrar para Santa Cruz.
Além disso, vários dos primeiros malvinenses, como Greenshields,
Waldron, Felton, Hamilton, Saunders e Smith, já tinham campo nas
6
Ilhas e buscavam ampliar suas atividades na costa patagônica.
Embora não tenham chegado a se tornar proprietários rurais em Santa
Cruz, muitos outros malvinenses também emigraram para o
continente. Alguns deles foram empregados de estabelecimentos
pecuários, outros se estabeleceram nos povoados, dedicando-se a
atividades urbanas.
Entre os numerosos testemunhos existentes, escolhemos os mais
representativos. George Mac George, nascido em 1856, chegou às
Malvinas em 1875, onde trabalhou por dez anos. Em 1885, transferiuse para a Patagônia austral e, nos anos de 1886 e 1888, fez viagens a
Rio Negro com o objetivo de conseguir gado – equino e ovino – para
43
María de los Milagros Pierini e Pablo Gustavo Beecher
povoar seus campos em Rio Gallegos.
John Scott, chegado em 1879 às Malvinas, decidiu, em 1889, emigrar a
Santa Cruz, para onde vários malvinenses escoceses já tinham se
7
dirigido com o propósito de povoar campos.
Donald Munro chegou à área de San Julián em 1889, junto com seus
sócios Juan M. Ray e Roberto Giles. Os três sócios, que levaram ovelhas
para o local, instalaram-se em Cañadón Paraguay. Ray e Giles foram
embora pouco depois, Munro permaneceu como primeiro povoador do
lugar. Posteriormente, Munro se associou com Mc Caskill, trazendo
mais ovelhas das Malvinas.8
Em 1893, chegaram à área de San Julián os irmãos Roberto e Guillermo
Patterson. Saindo das Malvinas – onde tinham trabalhado nas estâncias
da Falkland Islands Company –, passaram por Punta Arenas e, logo
depois, instalaram-se nas estâncias “Cañadón de las Vacas” e “La
Colmena”. Guillermo ficou encarregado da estância “La Colmena”
quando seu proprietário, Guillermo Hope, partiu para as Malvinas a fim
de se casar com Ana Kyle, trazendo a família de sua esposa, liderada
por Andrés Kyle, para que também se assentasse na área.9
No caso dos Halliday, eles receberam suas terras em arrendamento
com opção de compra e pagaram nove mil pesos ouro pelo campo de
“Hill Station” (Los Pozos).10 Por sua vez, “Christopher Smith queria que
seus filhos deixassem as ilhas e tentassem futuro no continente, por
isso, quando eles fizeram dezoito anos, deu-lhes trezentas ovelhas e
certa quantia em dinheiro para começar”. 11
Yolanda Bertrand de Jamieson lembra que seu bisavô:
Foi o primeiro inspetor de sarna da Falkland Islands Company nas
Malvinas e, quando acabou com a peste, ficou sem emprego. Quando
seus filhos homens voltaram após concluir seus estudos na Inglaterra,
o pai lhes disse que eles não teriam futuro nas Malvinas, pois não havia
expansão possível devido à escassez de terra. Naquela época, muitos
malvinenses começaram a partir para o continente, entre eles Herbert
44
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Felton, que povoou a estância “KillikAike Norte”.12
Segundo o testemunho de Cecilia Alder, membro de uma antiga família
radicada em San Julián:
Meu pai, Steven Alder, nasceu em Wildshire, norte da Inglaterra, e
deixou seu país em 1882, aos quinze anos, para ir trabalhar como peão
na estância dos Waldron, localizada nas Ilhas Malvinas. Lá esteve
durante cinco anos e viveu uma linda etapa trabalhando no campo,
contava-nos que era uma festa quando os barcos da Marinha Britânica
chegavam às Ilhas. Quando, em 1887, seu contrato nas Malvinas
finalizou, tinha a possibilidade de renová-lo, mas decidiu deixar as
ilhas. Havia uma linha marítima semanal até o Uruguai, e ele
atravessou de barco até o porto de Montevidéu junto com um amigo,
Oliver Angel. De lá, eles foram para a Argentina, onde trabalharam em
diferentes portos até chegar a Bahia Blanca, onde meu pai foi
estivador. Quando reuniu dinheiro suficiente, viajou para Rio Gallegos,
pois sabia que os Waldron também tinham campos em Santa Cruz, e
foi trabalhar na estância “Cóndor”. Trabalhou como tosquiador e
aramador e, depois de um tempo, viajou de volta para a Inglaterra para
visitar sua família e levar uma carta à família de seu colega de trabalho.
Foi lá que ele conheceu a irmã de Oliver, Rose Annie Angel, e após
alguns meses eles se casaram.13
A par dessa relação de caráter privado e econômico, é preciso ressaltar
a ação institucional promovida por Carlos M. Moyano, primeiro
governador do território de Santa Cruz. Assim como os outros
governadores patagônicos, ele tinha o mandato expresso da União de
povoar as regiões conquistadas aos indígenas. Além de sua apreciação
sobre o desenvolvimento da pecuária ovina nas Ilhas – que ele
conhecia devido às referências proporcionadas por Luis Piedra Buena –,
Moyano tinha contatos pessoais muito próximos com suas autoridades,
pois era casado com Ethel Turner, sobrinha do governador. Por estes
motivos, empreendeu viagens frequentes para promover a entrada de
pecuaristas das Malvinas e de Punta Arenas, nos quais oferecia até
quarenta mil hectares a baixo preço. Em maio de 1885, Moyano assinou
o primeiro contrato de arrendamento com uma sociedade de
45
María de los Milagros Pierini e Pablo Gustavo Beecher
britânicos, integrada por Walter, Diego, Esteban, Tomás, Juan Federico
e Enrique Waldron e Tomás Greenshilds, sobre uma superfície de
duzentos mil hectares localizada no extremo SE do território. Em
fevereiro daquele ano, Eberhard e o escocês William Halliday fizeram
uma viagem exploratória a Santa Cruz, onde escolheram um terreno
para cada um e projetaram atrair e instalar outros povoadores.
Os britânicos que chegaram a Santa Cruz oriundos da região
magalhânica chilena eram escoceses que tinham sido contratados pela
Falkland Islands Co e que, depois de finalizado o contrato, decidiram
não voltar a seu país de origem, transferindo-se à Patagônia para
aproveitar as possibilidades que a nascente exploração ovina oferecia.
O historiador chileno Mateo Martinic considera que sua contribuição foi
fundamental, pois eles introduziram uma tecnologia ovina
absolutamente desconhecida no Chile, como o padrão de criação
anglo-escocês adaptado às Ilhas Malvinas, que se tornou “o
fundamento tecnológico sobre o qual se desenvolveu a estrutura
14
econômica vertebral de Magalhães”. O autor sintetiza a contribuição
britânica ao dizer que:
[…] a participação de capitais britânicos na gênese e no posterior
desenvolvimento da economia magalhânica durante o período 18801920 foi absolutamente determinante quanto à sua produção matriz: a
criação ovina. A história de Magalhães e da região meridional
americana inteira teria sido diferente, não fosse tão oportuna e eficaz
participação.15
Como acrescenta em sua análise o historiador chileno Laurie Nock,
embora houvesse alguns britânicos desde o momento da fundação de
Punta Arenas, as possibilidades da pecuária ovina foram as
responsáveis pela chegada dos britânicos a Magalhães,
16
majoritariamente escoceses, provenientes das Malvinas.
Os ovinos
Para a instalação de uma empresa pecuária em Santa Cruz, a obtenção
46
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
de ovelhas era fundamental. Por esta razão, optou-se, em primeiro
lugar, por trazê-las das Malvinas, tendo em vista a dupla vantagem da
proximidade geográfica e de que elas já estavam adaptadas ao clima.
Por isso podemos dizer que, além da contribuição humana, as Malvinas
forneceram uma raça de origem inglesa adaptada à região austral, a
malvinense. As primeiras raças radicadas nas Ilhas foram Cheviot e
Southdown, e logo chegaram outras, como Romney Marsh, Lincoln,
Merino, Corriedale, Border Leicester e Shropshire. Na década de 1920,
as raças predominantes eram Romney Marsh e Corriedale. Nas duas
últimas décadas do século XIX, o excedente de ovinos malvinenses
17
começou a ser exportado para o território de Santa Cruz. Em 1886,
Herbert Felton levou oitenta ovelhas malvinenses e, em 1889, Donald
Munro fez o mesmo.
O capitão alemão Hermann Eberhardt, proprietário da estância
“Chimen Aike”, comprou seiscentas borregas nas Malvinas e, no
transporte para o continente na goleta “Ripling Wave”, que durou vinte
18
dias, elas foram cuidadas e alimentadas por Scott. Como relembra
“Douggie” Scott:
O capitão Eberhardt tinha comprado seiscentas borregas nas
Malvinas, e o avô Scott – casado com uma malvinense, Sara Betts –
cuidou delas na travessia a bordo da histórica goleta “Ripling Wave”.
Ele não só tinha que cuidar dos animais a bordo, mas também
alimentá-los. Scott solicitou uma parada numa das últimas ilhas antes
de chegar ao continente, onde colheram grama suficiente, espécie de
mogote-coirón, para que as borregas viessem se alimentando de algo
mais do que água. Assim, os animais chegaram saudáveis depois de
quase vinte dias de viagem. Embora Eberhardt não conhecia Scott,
sabia por comentários de outros povoadores que ele era uma pessoa
responsável e, além disso, tinha bons conhecimentos, dada sua
experiência nas Malvinas e o que aprendera antes, na Escócia, como
19
pastor de ovelhas.
A arquitetura
47
María de los Milagros Pierini e Pablo Gustavo Beecher
Um aspecto relevante quando se assinalam as conexões entre Santa
Cruz e as Ilhas Malvinas é o da arquitetura. A intervenção do homem na
construção do próprio hábitat é sempre orientada à transformação da
natureza para adaptá-la a suas necessidades, é um esforço
considerável de “culturização” do espaço. O maior ou menor sucesso
dessa transformação depende da capacidade de interpretação das
mensagens que chegam do ambiente, procurando aproveitá-lo sem
ocasionar agressões irreparáveis. A vastidão do território, as
características de um solo pouco produtivo e a rigorosidade do clima
foram condicionantes naturais que requereram respostas pontuais.
Isso explica a qualidade diferenciada da estância patagônica,
destacada por Ramón Gutiérrez,20 como consequência desses
requerimentos ambientais que “obrigam a tanta rigidez que o
assentamento da estância adquire as características de um verdadeiro
refúgio que deve reunir os requisitos básicos da autossuficiência”. A
isso, somam-se as condições de isolamento num território
praticamente despovoado.
Tipologicamente, estas obras concernem à arquitetura funcionalista,
que em nosso país chegou a soluções admiráveis, muito ligadas à
influência inglesa, tendo em vista a preponderância política, econômica
e social que a Inglaterra exerceu durante a etapa de consolidação
nacional e até as primeiras décadas do século XX. Dir-se-ia a modo de
simplificação que, enquanto a França influiu no design dos edifícios
ligados à cultura, a influência britânica teve mais impacto na solução
dos novos requerimentos produtivos e no sistema ferroviário, tendo em
vista o rápido desenvolvimento industrial da Grã Bretanha.
Da Inglaterra, chegavam à Patagônia austral os capitais, os produtos,
as técnicas e as ideias. Na região de Santa Cruz, foi adotado um sistema
de construção com os nomes shingle style e balloon Frame. Sua rápida
facilidade de montagem e armação, além da reduzida quantidade de
materiais utilizados – madeira, chapa de metal e pregos –, explicam sua
eficácia, o que fez com que o sistema se difundisse pelos Estados
Unidos e a Grã Bretanha. Além disso, ele possibilitava a troca de partes
48
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
e funções, o que lhe garantia uma característica muito importante: a
flexibilidade. Um exemplo disso é o caso das moradias que eram
projetadas e construídas com uma galeria exterior semicoberta. Esta
galeria, nas moradias construídas em climas tropicais e/ou quentes,
servia como local fresco e de sombra para os cômodos que davam para
esse espaço. Essa mesma moradia, construída em climas patagônicos,
cumpriu a mesma função, mas com a diferença de não ser aberta, e sim
fechada com painéis de vidro que a transformavam num local receptor
de luz e calor extremamente confortável.21
Como exemplo, em 1894 havia, em Rio Gallegos, entre vinte e trinta
22
casas e galpões de zinco sem pintar que, segundo relata Siewert, eram
obras “sem arquitetura […] ouvem-se quase exclusivamente vozes
inglesas, e a gente acha que chegou a Old England ou, pelo menos, às
Malvinas. Com exceção dos empregados da Capitania, tudo é inglês:
dinheiro, ovelhas, idioma, bebidas, ladies and gentlemen”.23
A conexão religiosa entre Santa Cruz e as Ilhas Malvinas
Um fato interessante nesta análise das relações entre Santa Cruz e as
Malvinas é a conexão religiosa criada pela Obra de Dom Bosco, tanto
dos sacerdotes salesianos como das religiosas de Maria Auxiliadora.
Desde que a Espanha assumiu as Malvinas, em 1767, sempre houve um
sacerdote católico nas ilhas. O primeiro foi o mercedário Frei Sebastián
Villanueva. Durante a comandância de Luis Vernet e nos primeiros vinte
anos depois da usurpação britânica, iniciada no ano de 1833, a
Capelania esteve vaga. Em 1853, os irlandeses residentes conseguiram
um sacerdote, Lorenzo Kiewin, e, em 1873, construíram a igreja de
Stella Maris. Sucederam-se vários capelães irlandeses até 1885,
quando a igreja malvinense volta a ficar vaga.24
Em 16 de novembro de 1883, o papado criou o Vigariato Apostólico,
que compreendia a Patagônia setentrional e central com os centros
missionários de Viedma e Patagones, e a Prefeitura Apostólica da
49
María de los Milagros Pierini e Pablo Gustavo Beecher
Patagônia Meridional e Terra do Fogo, que compreendia os territórios
austrais da Argentina e do Chile, juntamente com as Ilhas Malvinas.
Sob a responsabilidade de José Fagnano, a sede da Prefeitura
Apostólica foi estabelecida em Punta Arenas, que era o único centro
urbano importante da região. Ambas as circunscrições dependiam
diretamente da Congregação da Propagação da Fé. Em 1897, o Papa
Leão XIII manteve ambas as jurisdições, mas dispôs que os territórios
da Terra do Fogo, Santa Cruz, Chubut e Rio Negro passassem a
depender da Arquidiocese de Buenos Aires, enquanto os de Neuquén e
La Pampa ficariam sob a jurisdição das dioceses do Cujo e La Plata,
respectivamente. No ano de 1909, o vicariato foi dissolvido, sendo
criadas em seu lugar as Vicarias Forâneas de Rio Negro, Chubut, Santa
Cruz e Terra do Fogo – dependentes do Arcebispado de Buenos Aires – ,
Patagones e La Pampa – do Bispado de La Plata – e Neuquén – do
Bispado do Cujo. Na década de quarenta, nascem as Inspetorias de São
Francisco de Sales, que tinham sede em Buenos Aires e incluíam os
territórios de Santa Cruz, Terra do Fogo e as Ilhas Malvinas, e a de São
Francisco Xavier, com sede na cidade de Bahia Blanca, que incluía o
25
Chubut, Rio Negro, Neuquén e La Pampa.
Devido a estas disposições do papado, o Vaticano urgiu a intervenção
dos salesianos. Assim, Monsenhor Fagnano – que, até sua morte, em
1916, manifestou uma preocupação permanente pela missão salesiana
nas Malvinas – desembarcou nas Ilhas em 19 de abril de 1888,
deixando como capelão o Padre Diamond. Em conjunto, os dois
restauraram a velha capela, batizaram as crianças, regularizaram os
casamentos celebrados pelo pastor anglicano e administraram os
26
sacramentos.
O Padre O'Grady esteve a cargo da capela entre os anos 1890 e 1900. O
Padre Diamond voltou entre 1900 e 1905, até ser substituído pelo
sacerdote Mario Luis Migone, de nacionalidade uruguaia e formado na
Argentina. Migone fundou uma escola, foi professor de espanhol,
instalou a primeira usina elétrica, introduziu o primeiro cinematógrafo
nas Ilhas, ajudou os pobres, socorreu as vítimas da guerra e foi zeloso
50
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
defensor da soberania argentina em seus trinta e três anos de vida
malvinense. Desde 1907, o Colégio das filhas de Maria Auxiliadora foilhe um poderoso auxiliar. Faleceu em 1º de novembro de 1937. Amou
tanto o arquipélago que desejou veementemente lá morrer e ser
enterrado naquela terra.27
Já a religiosa María J. Ussher, depois de realizar um meritório labor nas
28
Malvinas durante trinta e cinco anos, morreu em Buenos Aires em 1949.
A presença salesiana se dedicou à população católica, cada vez mais
reduzida, e nunca pretendeu a evangelização dos protestantes. Na
primeira etapa, os sacerdotes se encarregaram de atender a população
de Puerto Stanley e visitar as famílias católicas do campo.
Durante sua longa estadia nas Ilhas, Migone se dedicou quase
exclusivamente aos fiéis de Puerto Stanley, e as Irmãs realizaram uma
importante tarefa pedagógica em sua escola mista. O estabelecimento
era sustentado economicamente, além das esmolas e das atividades
realizadas pela Congregação para arrecadar fundos, pelas
contribuições de companhias privadas: a Compañía Malvinera, a Casa
Williams e a Falkland Islands Co. Também se analisou a possibilidade de
que os alunos pudessem, por meio de bolsas de estudo, continuar o
colegial em Punta Arenas.29
A etapa final da presença salesiana nas Malvinas concluiu com o fim da
Missão. Em primeiro lugar, as Irmãs finalizaram sua atividade no ano de
1942, lá ficando os sacerdotes Hugo Drum, até 1947, e Juan Kenny, até
1952. Naquele ano, o Visitador Modesto Bellido deu a ordem de liquidar
os bens da Missão e designou o sacerdote irlandês James Ireland para
atender os poucos católicos.30
Embora este não seja o tema de nossa análise, podemos considerar
que, no que tange à religião, o território da Terra do Fogo também teve
uma grande conexão com as Malvinas, uma vez que, além da presença
da Obra de Dom Bosco, o centro das missões anglicanas que
evangelizaram os indígenas do arquipélago da Terra do Fogo se
51
María de los Milagros Pierini e Pablo Gustavo Beecher
encontrava em Puerto Stanley.
A repercussão da Guerra das Malvinas na comunidade de
Santa Cruz
Embora a relação entre a comunidade britânica das Malvinas e a santacruzense tenha se atenuado com o tempo, devido à diminuição
paulatina do número de povoadores provenientes das Ilhas que
chegavam ao continente – apesar de que, em muitos casos, as relações
entre as famílias foram mantidas–, podemos considerar que a ruptura
definitiva desses contatos se produziu com a irrupção da guerra entre a
Grã Bretanha e a Argentina pelo domínio das Ilhas em 1982.
Analisaremos a repercussão da guerra na comunidade santa-cruzense
em geral, especialmente na comunidade descendente de britânicos,
com ênfase nas áreas que tiveram maior conexão histórica com as
Ilhas, como Rio Gallegos e San Julián. Para isso, utilizaremos,
principalmente, os ricos testemunhos orais que obtivemos.
A Guerra das Malvinas deve ser compreendida no contexto da ditadura
militar implantada em 24 de março de 1976. Esta, já em 1981,
mostrava profundas falhas em sua consolidação, tendo em vista o
fracasso de seu projeto econômico, o desprestígio do governo, a
escassa unidade das Forças Armadas e o despertar da sociedade civil. O
General Leopoldo Fortunato Galtieri – que assumira a presidência em
22 de dezembro de 1981 – tinha como um de seus objetivos principais a
recuperação do prestígio perdido e, por este motivo, embarcou seu
governo e toda a Argentina na Guerra das Malvinas.
31
O desembarque nas Malvinas, em 2 de abril de 1982, comoveu o país e
mudou o cenário político de forma favorável para o governo militar,
unificando a maioria dos setores sociais e das agrupações políticas em
torno dessa reivindicação histórica. Contudo, infelizmente, a Guerra foi
encarada sem nenhuma preparação militar, bem como com uma
apreciação errônea sobre a postura que os Estados Unidos e as
principais potências europeias tomariam, ignorando que os
52
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
estadunidenses priorizariam o apoio a seu principal aliado europeu na
OTAN – a Grã Bretanha – em vez de apoiar a Argentina em
cumprimento do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, e o
mesmo ocorreu com muitos países europeus.
Por esse motivo, apesar do apoio oferecido por numerosos países nos
foros internacionais e da ação dos combatentes, no dia 14 de junho a
Argentina teve de se render à Grã Bretanha. Os analistas políticos
concordam que este fato – que Galtieri atribuiu à superioridade
material da Grã Bretanha e ao apoio logístico dos Estados Unidos –
significou o início do fim da ditadura militar.32
A repercussão na comunidade santa-cruzense em geral
As bases aéreas de onde partiam os aviões para as Malvinas estavam
instaladas em Rio Gallegos e em San Julián e, além disso, antes de
partir para as Ilhas, os soldados se alojavam nas bases militares de
muitas das localidades costeiras da província – Puerto Santa Cruz,
Puerto Deseado e Piedrabuena, além das já mencionadas. A
precariedade das instalações aeroportuárias fez com fosse necessário
buscar alternativas, como a instalação de placas de alumínio na taxiway
33
de San Julián e a utilização de parte da Rodovia Provincial Nº 5 na
região de Güer Aike.
A convivência com os integrantes das Forças Armadas e a criação de
organismos como as Juntas Municipais de Defesa Civil, que integravam
a rede provincial da Defesa Civil, bem como o fortalecimento da rede de
radioamadores e das filiais da Cruz Vermelha, fizeram com que a
população civil seguisse mais de perto os acontecimentos da guerra,
conhecendo as mentiras dos comunicados oficiais no que se refere às
34
baixas no conflito. Assim, embora muitos santa-cruzenses tenham sido
surpreendidos pelo desfecho da Guerra no dia 14 de junho, não foram
pegos tão de surpresa como o resto dos habitantes da Argentina.
Os testemunhos recolhidos junto daqueles que viveram a guerra em
53
María de los Milagros Pierini e Pablo Gustavo Beecher
Santa Cruz, independentemente de sua idade e ocupação na época,
são coincidentes no que se refere aos sentimentos provocados pelo
conflito. “Foram momentos difíceis e de muita angústia”, expressa um
35
maquinista do trem que unia Rio Gallegos a Rio Turbio, ao que
acrescenta a mãe de família E. G.: “O que passamos foi horrível, foi
muito angustiante, você não sabia o que ia acontecer a cada momento
[…]. Depois de tudo o que passamos, já não me assusto com nada. As
pessoas de Rio Gallegos não se esquecem mais”.36
O mesmo temor e incerteza eram sentidos também pelas crianças e
adolescentes de Rio Gallegos, como lembra N., que tinha doze anos e
também conserva viva a memória da Guerra das Malvinas:
As simulações no colégio, os toques de recolher, os sons de que ainda
hoje me lembro, o silêncio sepulcral dia e noite quando só se escutava
o barulho da usina, o barulho das sirenes, sem saber o que esperar.
Estar deitada na cama prestando atenção em qualquer barulho. Saber
que tinham saído quatro aviões e voltado só dois, que algum
conhecido não tinha voltado, pessoas que via todos os dias e que não
voltavam. Viver trancados, espiando por uma fresta, esperando os
ingleses chegarem. A sensação de que já estavam desembarcando
em Rio Gallegos. Dormíamos pensando que, quando acordássemos,
veríamos a bandeira inglesa na praça. Lembro que a Guarda Costeira
disse que três soldados tinham desembarcado perto de Rio Gallegos:
um espanhol, um argentino e um inglês, e que os mataram. Nunca vi
céus noturnos tão diáfanos como durante a guerra das Malvinas.37
Em alguns casos, as famílias optaram por mandar seus filhos a casas de
familiares longe de Santa Cruz nos aviões que o Exército tinha colocado
à disposição, como acontecera quando a guerra com o Chile estava por
vir. Já outras famílias utilizaram meios alternativos, como Raúl e Ana
Heredia, que nos primeiros dias da guerra decidiram, por precaução, ir
a Punta Bandera, onde a empresa familiar tinha uma fábrica. Foram
acompanhados por mães e crianças de famílias amigas, mas a falta de
infraestrutura adequada – que as crianças viviam como uma aventura–
38
levou as mulheres a decidir o retorno à cidade poucos dias depois.
54
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Muitas das famílias, tanto de Rio Gallegos como de San Julián,
transformaram-se em lares substitutos dos soldados e pilotos que
haviam sido convocados a partir para a guerra. Elas lhes davam carinho
e contenção psicológica, proporcionando-lhes facilidades de ordem
prática, como uma comida “maternal”, atendimento religioso, lazer,
39
asseio e ligações telefônicas para suas famílias. Contudo, as tentativas
de fazê-los relaxar fracassavam frequentemente, pois “era
40
praticamente impossível sair da questão bélica e falar de outra coisa”.
A falta de informações sobre os acontecimentos bélicos fazia com que
os fatos fossem sentidos com mais temor. Este foi o caso da bomba que
foi jogada na ria local, conforme relata Raúl Heredia:
Naquele dia estávamos justo no Rotary, preparando chocolate para
duzentos e cinquenta soldados. Lembro que, quando a bomba caiu,
alguns começaram a chorar. Era um avião A-4 que vinha das Ilhas e
não conseguia desprender-se de uma das bombas que levava, então
não podia aterrissar porque estragaria a pista. Numa última tentativa, o
piloto conseguiu jogá-la na ria, na frente da cidade, caso contrário iria
se ejetar. No primeiro momento, a comoção e o tumulto nos
superaram, além disso, não sabíamos se era um bombardeio nem de
que bando era o avião. Pouco tempo depois, fomos sabendo das
41
notícias.
Relembra E. G.:
Soube do desembarque de ingleses perto de Rio Gallegos e que eles
tinham sido mortos. Eu temia a invasão dos ingleses. As pessoas
compravam provisões para ter caso bombardeassem a cidade,
também tinham que guardar água. Lembro-me da janela de casa e da
neve, e de dizer a meu marido que por lá veríamos os ingleses
42
chegarem.
A solidariedade dos habitantes de Santa Cruz com os protagonistas da
Guerra das Malvinas foi reconhecida e agradecida por eles. Como
relembra Ana Lamor de Heredia, que acolheu muitos soldados em sua
casa:
55
María de los Milagros Pierini e Pablo Gustavo Beecher
Com o fim da guerra, fomos recebendo muitas cartas dos próprios
soldados ou de suas famílias agradecendo o que tínhamos feito e lhes
respondemos. É pouco, tudo o que é feito numa guerra é pouco, mas
eles nos fizeram sentir muito orgulhosos […] Queria tê-los visto
novamente, talvez quando viajavam outros contingentes às ilhas, mas
não voltamos a vê-los. Numa viagem, visitamos Moraco, em Junín,
dentro do Regimento de Artilharia nº 101. Foi uma grande alegria que
nos víssemos outra vez.43
Esse agradecimento continua se manifestando vários anos depois,
conforme expressado pelo capitão Luis Cervera numa dissertação dada
em 2012 na cidade de Rio Gallegos:
[…] tirando a dureza e a crueldade da guerra, a vivência positiva que
tivemos é que a cidadania de Rio Gallegos compartilhou da guerra,
viveu-a na própria carne, com um montão de coisas que tiveram que
viver, com sirenes, alarmes de bombardeio e, neste sentido, a cidade
compreendeu e nos acompanhou muito […] Nós estávamos
hospedados no hotel Santa Cruz, iam nos visitar, estavam conosco,
pessoas que nos levavam bolo para dividir à noite, pessoas que nos
convidaram para ir às suas casas, nossa atividade gerou muita união,
e realmente foi algo muito importante porque estávamos sós, longe da
família, num momento muito duro, e isso foi feito por pessoas de
família, por isso estamos aqui […] Agradecemos os cidadãos de Rio
Gallegos, estamos presentes, eles têm nossa presença, e mais uma
44
vez nos acompanham para prestar esta homenagem.
Por sua vez, a Câmara Municipal de Rio Gallegos sancionou, em 12 de
abril de 2012, uma resolução em que reconhece o trabalho realizado
por Ana Lamor de Heredia durante a guerra, “por sua enorme
contribuição humana para com os soldados estabelecidos em nossa
45
cidade na Guerra das Malvinas”.
A repercussão da Guerra das Malvinas nos descendentes de
britânicos
No caso da comunidade britânica de Santa Cruz, se lembrarmos dos
56
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
laços que havia com as Ilhas Malvinas no início de sua instalação no
território de Santa Cruz, considerando que de lá proveio uma
importante corrente povoadora, bem como uma raça de ovinos, é
compreensível que esta guerra fosse sentida especialmente por seus
integrantes, embora, após várias gerações de nascidos neste solo, eles
se sentissem mais argentinos do que britânicos.
No entanto, apesar de seu sentimento de vinculação com a Argentina,
parte da comunidade santa-cruzense sentia que os descendentes dos
povoadores britânicos eram súditos da nação agressora. Assim, os
testemunhos dos membros da comunidade britânica sobre aquele
período são carregados de tristeza e de estranheza para com uma
postura hostil que eles consideravam injustificada. Num primeiro
momento, esta situação ambivalente causou-lhes perplexidade e um
dissabor de sentimentos contraditórios, ao que se somou o pesar –
comum a todos os habitantes de Santa Cruz – pela morte em combate
46
dos soldados argentinos.
Entre os testemunhos representativos destes sentimentos, podemos
citar os de Amy Beecher, que “durante a Guerra das Malvinas não
duvidou em se reconhecer naturalmente argentina, indo além de suas
origens, do orgulho familiar e de uma forte tradição, embora muita
gente tenha visto, equivocadamente, os 'gringos' locais como
47
inimigos”.
Relembra Roberta Lambert:
[…] durante a Guerra das Malvinas, papai se sentiu humilhado porque
as pessoas mudaram o tratamento para com ele. Anteriormente, o fato
de ser inglês era símbolo de seriedade e confiabilidade em qualquer
empreendimento comercial, de trabalho ou social, e depois das
Malvinas, ser inglês ou “gringo” passou, injustamente, a ser palavrão.48
Segundo Yolanda Bertrand de Jamieson:
Durante a Guerra das Malvinas, em 1982, papai viveu uma experiência
interior bastante conflituosa porque ele tinha nascido em Gobernador
57
María de los Milagros Pierini e Pablo Gustavo Beecher
Gregores, onde passou sua infância e juventude, depois foi educado
em Buenos Aires e viveu muitos anos nas Malvinas; então, ele
lamentou muitíssimo uma guerra tão absurda, quando todos sabiam
que a Grã Bretanha estava próxima de entregar as Ilhas à Argentina.49
Jorge Jamieson – presidente do Clube Britânico na época – recorda:
Uma vez declarada a guerra, decidi chamar os meios de comunicação
locais para que difundissem um ato [realizado nessas instalações], no
qual li um discurso onde mencionei que certamente estávamos
vivendo um momento muito similar ao que deve ter ocorrido em 1808,
1809 e 1810, quando os mais velhos se surpreenderam porque seus
filhos quiseram se separar da mãe pátria, e dali em diante nasceu a
nação argentina. A seguir, tirei o quadro com o retrato da rainha 50 e
coloquei, no mesmo lugar, o de San Martín. Isso foi impactante. As
pessoas entenderam que muitos éramos descendentes de britânicos,
mas, sobretudo, argentinos. Alguns quiseram mudar o nome do Clube,
mas eu me opus porque entendia que devíamos ser sensatos, mas de
maneira nenhuma renegar das nossas origens. Certa noite roubaram a
placa original que dizia “British Club” e fizemos uma nova com o nome
51
“Clube Britânico”.
A atividade do Clube Britânico decaiu de forma notável devido ao malestar popular, pois algumas pessoas associavam a coletividade
britânica ou seus descendentes com o inimigo. Segundo relata um
sócio não britânico, embora durante a Guerra das Malvinas tenha
havido algumas (leves) asperezas, ele não se lembra de que algum
sócio tenha renunciado. Não devemos nos esquecer de que a situação
interna do Clube também tinha refletido conflitos que ocorreram na
Europa, tais como as duas guerras mundiais.
Como uma das consequências da Guerra das Malvinas, podemos
mencionar o fechamento do Vice-Consulado Honorário britânico de
52
Santa Cruz.
Anos depois do fim da guerra, em 1987, o coronel reformado Luis
Balcarce, coordenador da área das Malvinas no Ministério das Relações
Exteriores da Argentina, ofereceu a Yolanda Bertrand de Jamieson uma
58
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
viagem aos Estados Unidos para participar da missão argentina na
Organização das Nações Unidas, a qual solicitaria à Comissão de
Descolonização que a Grã Bretanha se sentasse para dialogar com a
Argentina sobre a questão das Malvinas. Yolanda Bertrand viajou com
Luis Vernet, descendente direto do primeiro governador das Ilhas.
Depois da intervenção do representante das Malvinas, Yolanda
Bertrand – que se sentiu muito honrada por ter sido escolhida, em
virtude de sua história familiar, para representar seu país num
acontecimento internacional tão importante – leu seu discurso, que
versou sobre a vida de sua família na Argentina, o respeito que o país
tinha por sua religião, a relação das Ilhas Malvinas com a Patagônia
argentina e a necessidade de reestabelecer contatos aéreos entre Rio
Gallegos e as Ilhas. O resultado deste discurso foi que os votos se
inclinaram a favor da Argentina, postura que se mantém até hoje, o que
permitiu que a Comissão de Descolonização instasse a Grã Bretanha a
53
sentar-se para conversar com nosso país sobre a questão das Malvinas.
Além disso, Juan Douglas “Douggie” Scott e James Lewis,
descendentes de malvinenses, também viajaram à ONU, ano após ano,
54
para manter a postura argentina.
Algo similar ocorreu com Guillermo Clifton, neto de um malvinense que
chegou a Santa Cruz depois da Primeira Guerra Mundial, que conserva
familiares nas Ilhas com os quais mantém contato e foi peticionário na
55
Comissão de Descolonização da ONU.
O aventureiro itinerário de um barco
Como dado curioso da relação entre Santa Cruz e as Ilhas Malvinas,
podemos mencionar o caso de um barco que, como dissemos no título,
teve um “aventureiro itinerário”.
O “Ketch 'Feuerland” – também chamado de “Holzpantine” e
erroneamente qualificado como goleta – pertenceu originalmente a
59
María de los Milagros Pierini e Pablo Gustavo Beecher
Gunther Plüschow, capitão da Marinha Imperial alemã, que tinha
mandado fabricá-lo no porto de Büsum (Alemanha) para ser utilizado
em sua viagem pela região austral argentino-chilena entre 1927 e
1929. Depois de vendê-lo em 1929 para John Hamilton, Plüschow
voltou novamente à Patagônia, onde morreu em janeiro de 1931 devido
a uma falha mecânica de seu avião – o “Cóndor de Plata” – perto do
56
Lago Rico.
John Hamilton – a quem já nos referimos – era um ovelheiro com
propriedades na área de Rio Gallegos e no arquipélago das Malvinas
(nas ilhas de Weddol, Beaver, Passage e Saunders). Ele utilizou o navio
de Plüschow – que batizou de Auxiliary Ketch Penelope – na navegação
entre seus estabelecimentos nas ilhas. Hamilton morreu em 1945, e
57
sua filha Penélope o herdou. Em 1949, o barco foi entregue ao Serviço
britânico de exploração antártica, mas continuou sendo utilizado para a
navegação entre as ilhas no transporte de pessoas, gado e outros
materiais. Em 1952, ele foi vendido pelo Serviço ao estancieiro Jim Lee,
dono da ilha Sea Lion. Em 1967, foi comprado pela Falkland Islands Co,
continuando com suas atividades costumeiras. Quando começou a
Guerra das Malvinas, foi confiscado pela Marinha argentina em maio de
1982, a qual lhe designou sete tripulantes, entre eles, o recruta Roberto
Herrscher como intérprete, devido a seus conhecimentos de inglês.
Com o fim da guerra, a Falkland Islands Co o vendeu a Finlay e Bob
Ferguson em 1989. Posteriormente, no ano 2006, Bernd Buchner – um
apaixonado admirador das façanhas de Gunther Plüschow – comprou o
“Penélope” de Michael Clarke, seu então proprietário desde 1993,
devolvendo-lhe o nome original e o transportando-o ao porto de
Hamburgo – aonde chegou em julho de 2008 – para que permanecesse
58
no museu de barcos antigos Ovelgöne.
Algumas conclusões
Conforme fomos analisando, o Território Nacional de Santa Cruz teve
desde o início, na década de 1880, uma relação muito estreita com as
Ilhas Malvinas devido à sua proximidade geográfica com o arquipélago
60
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
e sua própria história demográfica, cultural e pecuária. Durante muito
tempo, houve uma idiossincrasia comum entre malvinenses e
patagônicos, uma permanente relação entre as Ilhas, Santa Cruz e
Magalhães, além da mesma paisagem, clima e imaginário coletivo.
Contudo, as mudanças políticas, econômicas e sociais que se iniciaram
na província de Santa Cruz, a partir da metade do século passado,
foram desgastando essa relação.
A Guerra das Malvinas significou um corte violento e doloroso das
relações entre as Malvinas e Santa Cruz. Esta foi sentida muito
especialmente pelos integrantes da comunidade britânica santacruzense, muitos dos quais eram descendentes de malvinenses e
conservavam parentes no arquipélago, com os quais, em alguns casos,
tinham contato frequente. A guerra interrompeu ou, no melhor dos
casos, dificultou a manutenção dos laços familiares. Além disso, como
as bases aéreas de onde partiam os aviões que participavam da guerra
estavam em Rio Gallegos e em Puerto San Julián, e em Rio Gallegos
havia soldados à espera para viajar às Ilhas, a convivência da sociedade
local com os pilotos e soldados deu ao conflito bélico uma importância
muito maior, fazendo com que os sofrimentos que ele implicou fossem
sentidos muito de perto.
Propusemo-nos analisar, através de documentos escritos e
testemunhos orais, aspectos da história de Santa Cruz que mostravam
a relação existente com as Malvinas, destacando o fato de que, para
nossa província, as Ilhas tiveram uma identificação muito particular e
muito diferente da mantida pelo resto da Argentina.
Desta maneira, desejamos contribuir, a partir da história da Patagônia
Austral, para o enriquecimento da análise da relação entre as ilhas
Malvinas e o resto da Argentina, promovendo a possibilidade de
retomar as relações entre ambas as populações, que foram
interrompidas violentamente no ano de 1982.
Notas
61
María de los Milagros Pierini e Pablo Gustavo Beecher
1 - Embora Elsa Mabel Barbería em Los dueños de la tierra en la Patagonia Austral.
1880 - 1920. Rio Gallegos, Universidade Federal da Patagônia Austral (1995) situe sua
finalização no ano de 1925, o historiador magalhânico Mateo Martinic aponta o ano de
1943 como o de efetiva dissolução desta (Citado por Susana Bandieri, em “La
Patagonia: mitos y realidades de un espacio social heterogéneo”; em (coord.) Jorge
Gelman, La historia económica argentina en la encrucijada. Balances y perspectivas.
Buenos Aires, Prometeo Libros. 2006. pág. 390).
2 - Elsa M. Barbería, Op. cit. págs. 97, 172; contribuições de Edward Halliday. 2011. O
conceito de “correntes migratórias ou de chamada” tem uma longa tradição no
mundo anglo-saxão. John e Leatrice Mac Donald, já desde a década de 1960, definem
a corrente como “o movimento pelo qual os migrantes futuros tomam conhecimento
das oportunidades de trabalho existentes, recebem os recursos para se transportar e
conseguem alojamento e um emprego inicial por meio de suas relações sociais
primárias com emigrantes anteriores”. Hernán Otero, “Redes sociales primarias,
movilidad espacial e inserción social de los inmigrantes en la Argentina. Los franceses
de Tandil, 1850-1914”; em María Bjerg e Hernán Otero, Hernán comp. Inmigración y
redes sociales en la Argentina moderna. Tandil, CEMLA – IEHS. 1995. págs. 81-105 e
págs. 89- 90.
3 - Elsa Barbería, Op. cit. págs. 54-56.
4 - Com relação a este assunto, Reginald Lloyd afirmava, em 1911, que “os homens
das duas nacionalidades (escoceses e irlandeses) estão mais dispostos do que os
ingleses a se adaptarem ao meio, incorporando os hábitos e costumes do povo com o
qual dividem seu destino”. Citado por Andrew Graham Yooll. La colonia olvidada. Tres
siglos de habla inglesa en la Argentina, Buenos Aires, EMECE, 2007, pág. 165.
5 - Entrevista de Pablo Beecher com Eric Rudd, 1999.
6 - Testemunhos de John L. Blake. 2010. Parte de suas contribuições estão contidas
em sua obra A story of Patagonia, Sussex, T he Book Guild Ltd., 2003.
7 - Entrevista de Pablo Beecher com Juan Douglas “Douggie” Scott.
8 - VV. AA. Centenario de Porto San Julián. 1901 – 2001. Una ventana al pasado.
Provincia de Santa Cruz. Patagonia argentina. 2002. Volume I. pág. 145.
9 - Op. cit., págs. 145-146. Entrevista de Pablo Beecher com Ancel Patterson, 2006.
10 - Contribuições de Edwaed Hallyday. 2011.
11 - Entrevista de Pablo Beecher com Anne Hewlett.
12 - Entrevista de Pablo Beecher com Yolanda Bertrand de Jamieson.
13 - Entrevista de Pablo Beecher com Cecilia Alder.
14 - Matero B. Martinic. Los británicos en la región magallánica. Valparaíso,
Universidad de Magallanes y Universidad de Playa Ancha de Ciencias de la Educación
[s. f.], pág. 78.
15 - Mateo B. Martinic. Op. cit., pág. 105. John Blake concorda que a evolução do
sistema de criação extensa de ovinos foi introduzida por britânicos como Ernest
Hobbs ('Gente Grande') e A. A. Cameron ('Exploradora') no Chile, Waldron, Fenton e
Wood em ambos os lados do Estreito, e Blake em San Julián (Testemunhos de John
Blake, 2010).
16 - Laurie Nock, “Los Británicos en Magallanes”; Anales del Instituto de la Patagonia.
Serie Ciencias Sociales. Punta Arenas (Chile) Vol. 16. 1985-1986. págs. 23-40.
62
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
17 - Elsa M. Barbería, Op. cit., págs. 53-54, contribuições de Yolanda Bertrand de
Jamieson. 2010.
18 - VV AA. Centenario de Porto San Julián. 190-2001. Una ventana al pasado.
Buenos Aires, Imprensa do Congresso da Nação, 2002, Volume I, págs. 145, 215; Elsa
M. Barbería, Op. cit., págs. 251-252.
19 - Entrevista de Pablo Beecher com Juan Douglas “Douggie” Scott.
20 - Ramón Gutiérrez, Arquitectura y Urbanismo en Iberoamérica, Madri, Cátedra,
1983, pág. 333.
21 - Marcelo Gustavo Cufré e María Marcela Zonaro. “Análisis de la tipología de
vivienda patagónica en Rio Gallegos”; em Juan Bautista Baillinou. Centenario de Rio
Gallegos. 1885–1985, Municipalidad de Rio Gallegos, 1985, págs. 136-142.
22 - Carlos Siewert foi um engenheiro agrônomo que fez mensurações para a estância
Cóndor.
23 - Silvia Mirelman, Liliana Lolich e Julio Fernández Mallo, Arquitectura Pionera de la
Patagonia Austral-Capítulos de la historia de Rio Gallegos (1885-1940), Instituto
Salesiano de Estudos Superiores.
24 - Juan Carlos Moreno, “En las Malvinas”; Juan E. Belza, Juan. SDB Argentina
salesiana. Setenta y cinco años de acción de los hijos de Don Bosco en la tierra de los
sueños paternos, Buenos Aires, Talleres Gráficos Buschi, 1952, págs. 182-183.
25 - M. Andrea Nicoletti, Indígenas y Misioneros en la Patagonia. Huellas de los
Salesianos en la cultura y religiosidad de los pueblos originarios, Buenos Aires,
Continente, 2008, págs. 48-55.
26 - Juan Carlos Moreno, Op. cit., págs. 183.
27 - Ibidem.
28 - Ibidem.
29 - M. Andrea Nicoletti. Una misión en el confín del mundo: la presencia salesiana en
las islas Malvinas (1888-1942), Neuquén, 1999, págs. 215-234.
30 - Ibidem.
31 - “No dia do desembarque uma multidão estimada em dez mil pessoas se
concentrou na Praça de Maio para celebrar a exitosa façanha”. Citado por Hugo
Quiroga, “El tiempo del 'Proceso'”, em Juan Suriano, Dictadura y democracia (19762001). Nueva Historia Argentina, Volume X, Buenos Aires, Sudamericana, 2005, págs.
33-86.
32 - Hugo Quiroga, Op. cit., págs. 76-79.
33 - VV. AA. 1901-2001. Centenario de Porto San Julián. Una ventana al pasado,
Volume I, Buenos Aires, Imprensa do Congresso da Nação, 2001, págs. 213-214.
34 - IB. págs. 215. Todos os testemunhos são coincidentes no sentido de que viam o
retorno de menos aviões do que os que partiam das bases aéreas santa-cruzenses.
35 - Entrevista de Pablo G. Beecher com Esteban Tita, 20/9/2009.
36 - Entrevista de M. Milagros Pierini com E. G. 24/7/2009. Neuquén.
37 - Entrevista de M. Milagros Pierini com N. S. 24/7/2009. Neuquén
38 - Entrevista de Pablo G. Beecher com Raúl Heredia e Anita Lamor, 10/6/2012.
39 - Ibidem.
40 - Entrevista de Pablo G. Beecher com Mabel Tournour e Guillermo Rossi,
14/11/2010.
41 - Entrevista de Pablo G. Beecher com Raúl Heredia e Anita Lamor, 10/6/2012.
63
María de los Milagros Pierini e Pablo Gustavo Beecher
42 - Entrevista de M. Milagros Pierini com E. G., 24/7/2009, Neuquén.
43 - Entrevista de Pablo G. Beecher com Raúl Heredia e Anita Lamor, 10/6/2012.
44 - Jornal La Opinión Austral, 9/6/2012.
45 - Entrevista de Pablo G. Beecher com Raúl Heredia e Anita Lamor, 10/6/2012.
46 - Devido às disposições das Forças Armadas, enquanto o Exército estava instalado
em Comodoro Rivadavia, em Rio Gallegos e San Julián estava a Força Aérea. Por isso,
todos os testemunhos recolhidos fazem referência à partida de um número
determinado de aviões e ao retorno de uma menor quantidade.
47 - Testemunhos de Pablo Beecher, 25/10/2009.
48 - Entrevista de Pablo Beecher com Roberta Lambert.
49 - Entrevista de Pablo Beecher com Yolanda Bertrand de Jamieson.
50 - Este teria sido doado pela Embaixada Britânica de Buenos Aires em 21 de
novembro de 1977, Livro de Atas do Clube Britânico.
51 - Entrevista de Pablo Beecher com Jorge Jamieson, 2010.
52 - Entrevista de Pablo Beecher com Jesse Aldridge, 1998.
53 - Entrevista de Pablo Beecher com Yolanda Bertrand de Jamieson.
54 - Ibidem.
55 - Entrevista radial com Patricia Aguirre, LU 12, Rio Gallegos, 13/6/2012.
56 - As apaixonantes aventuras de Plüschow e seus companheiros e sua admiração
pelas maravilhosas paisagens da Terra do Fogo – que ele qualifica como “país de
meus sonhos eternos” – são magistralmente descritas em sua obra Sobre la Tierra del
Fuego. En velero y aeroplano a través del país de mis sueños, traduzida para o
espanhol em 1930 e que tem várias edições.
57 - Após sua morte, em 1987, seus herdeiros venderam as ilhas ao governo das
Malvinas, que as entregou – no contexto de divisão dos latifúndios e de entrega de
lotes a povoadores – à família Marsh.
58 - Roberto Herrscher, Los viajes del Penélope. La historia del barco más viejo de la
guerra de Malvinas, Buenos Aires, Tusquets, 2007.
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VV. AA., Centenario de Puerto San Julián. 1901-2001. Una ventana al pasado, Buenos
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65
66
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
3º Prêmio
A “QUESTÃO DAS MALVINAS”
A PARTIR DOS SÍMBOLOS:
EXPERIÊNCIA, MEMÓRIA E
SUBJETIVIDADE
Romina Mariana Marcaletti
Romina Mariana Marcaletti
A “QUESTÃO DAS MALVINAS” A PARTIR DOS
SÍMBOLOS: EXPERIÊNCIA, MEMÓRIA E
SUBJETIVIDADE
Romina Mariana Marcaletti
1
É possível conceber e explicar facilmente esse sentimento profundo
e zeloso dos povos pela integridade de seu território, e que a
usurpação de um único palmo de terra inquiete sua existência
futura, como se nos arrebatassem um pedaço de nossa carne.
José Hernández
As representações têm em comum a característica diferencial de estar
“no lugar de” outra coisa, como explica o semiótico Charles Peirce
1 Mariana Romina Marcaletti é bacharel em Ciências da Comunicação pela Universidade de Buenos
Aires e trabalha como jornalista.
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Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
(1987). Ao realizar esta substituição de um significante por outro,
efetua-se uma operação linguística que deixa marcas materiais nos
objetos: falar das Malvinas a partir da representação serve para
particularizar, metaforizar e compreender um fenômeno social vigente
que não deixa de produzir consequências reais sobre o presente da
cidadania argentina e suas projeções para o futuro.
Nas reflexões que se realizam sobre as Malvinas, veiculadas nas mais
diversas expressões – a literatura, o teatro, o jornalismo, as produções
audiovisuais –, são utilizados recursos narrativos para explicar o
significado da guerra há trinta anos e o que a “questão das Malvinas”
simboliza hoje em dia.
No contexto de uma sociedade pós-ditadura, as Ilhas são retratadas
por várias manifestações artísticas – que, evidentemente, são
heterogêneas e têm múltiplos pontos de vista que não podem ser
reduzidos a um sentido único – como uma perda, uma carência, uma
parte do corpo da nação que foi mutilado, e cuja recuperação é uma
espécie de “ato de justiça” para reverter uma situação de fato que
persistiu durante anos e que, agora, é vista como uma necessidade
histórica de reivindicar aquilo que é próprio.
Este ensaio pretende, a partir da sociologia da cultura, abordar a ordem
do representável com relação às Malvinas, propondo alguns
interrogantes sobre o que este conflito significa para alguns setores da
sociedade. Por que se recorre ao passado quando se toca no assunto
das Malvinas? Qual é o papel da memória no esboço do presente? Que
objetivos explícitos têm essas manifestações culturais? Que outros
propósitos e inquietudes se escondem sob a superfície textual? Qual é a
relação destas representações com o momento histórico em que são
apresentadas ao público? Como a sociedade se apropria destes
sentidos?
A hipótese principal é que, apesar da multiplicidade de textos e
significados construídos sobre a guerra e a reclamação de soberania da
Argentina sobre as ilhas, as produções culturais vinculadas com o
69
Romina Mariana Marcaletti
assunto retomam as Malvinas como sinédoque para aprofundar noções
que, tendo em vista a história autoritária do país, são problemáticas
para a nossa sociedade, tais como nação, pátria, identidade, cidadania,
território. A “questão das Malvinas” se transforma, nesta trama
discursiva, na “questão da Argentina”.
O corpus que analiso é composto por materiais disponíveis em 2011 e
2012 na cidade de Buenos Aires, incluindo lançamentos originais e
reedições ou reestreias. No campo da literatura, os textos que examino
incluem desde o romance inaugural de Rodolfo Fogwill, Los pichiciegos,
e o também pioneiro poema de Jorge Luis Borges Juan Pérez e John
Ward até as novas elaborações da literatura de ficção, como a antologia
Las otras islas e Malvinas, la ilusión y la pérdida, de Silvia Plager e Elsa
Fraga Vidal.
Na produção da mídia, detenho-me no paradigmático episódio La
asombrosa excursión de Zamba en las islas Malvinas, emitido pelos
canais Paka Paka e Encuentro, e em outras produções audiovisuais e
jornalísticas – os especiais multimídia de jornais de circulação massiva
como o La Nación e o especial multimídia Malvinas 30 – para estudar
como eles ressignificaram a “questão das Malvinas”.
Quanto ao teatro, analiso as peças Las islas (versão feita pelo diretor
Alejandro Tantanián da novela homônima de Carlos Gamerro), Queen
Malvinas e Las islas de la memoria para estudar como este problema é
pensado em expressões menos massivas do que a televisão e a gráfica.
Para saber más sobre o processo de produção e de busca do sentido
particular de cada expressão, realizei algumas entrevistas pessoais:
Sebastián Mignona (diretor de El perro en la calle, produtora
independente da série Zamba, do canal Paka Paka), Álvaro Liuzzi
(realizador do web-documentário Malvinas 30), Alejandro Tantanián,
Raúl Cardoso e Lucía Adúriz (diretor e atriz de Malvinas, islas de la
memoria), Agustín María Palmeiro, Federico Saslavsky e Federico De
Gyldenfeldt (dramaturgo e atores de Queen Malvinas).
O cruzamento de análise do discurso e de entrevistas obedece à
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Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
necessidade de efetuar duas operações sobre o corpus: indagar a
materialidade textual (estudar que significados propõem estas
narrativas) e, ao mesmo tempo, perguntar sobre os imaginários
desatados por estas obras, bem como sobre os objetivos explícitos e
implícitos que guiam sua produção. Conversando com os realizadores e
relacionando suas palavras com suas obras, a leitura comparativa dos
eixos temáticos propostos se enriquece com o olhar dos atores sobre
seus próprios resultados.
O objetivo deste ensaio é cruzar esta pluralidade de pontos de vista,
juntamente com o que as produções comunicam, para estabelecer
linhas de pensamento que indiquem como a “questão das Malvinas” é
pensada, sentida e feita hoje na Argentina.
Na literatura: a humanização da guerra
Se há algo no qual Fogwill e Borges foram pioneiros foi não só no
tratamento ficcional da Guerra das Malvinas, mas também na
aproximação da contenda bélica ao plano humano. Ambos parecem
insistir em que a guerra foi uma tragédia que aconteceu com seres de
carne e osso que, imersos no dia a dia do conflito, tiveram que padecer
as misérias da guerra.
Enquanto em Juan López e John Ward, Borges, com a metáfora bíblica
de Caim e Abel, se propõe um claro objetivo pacifista – compartilhando
sua preocupação e estranhamento diante de uma guerra que ele não
entende –, o polêmico Fogwill disse que nada mais distante de sua
1
escrita que uma intenção pacifista , pois “pacíficos são todos os
romances”. 1
Não obstante, o que ambos fazem – Borges ao dar um nome próprio
aos personagens de seu poema, e Fogwill com o relato minucioso de
detalhes às vezes escatológicos – é deixar claro que os protagonistas
reais da contenda não foram a ditadura nem os governos posteriores,
mas pessoas jovens para quem a interpretação política ou diplomática
71
Romina Mariana Marcaletti
do conflito quase não tinha significado quando elas tiveram que
enfrentar uma luta quase animal pela sobrevivência.
Desta forma, o conflito não fica difuso, aproximando-se do universo dos
leitores por meio da personalização. Em Los pichiciegos, Fogwill conta a
história de um grupo de soldados argentinos que decidiram se refugiar
em uma caverna para resistir à guerra que levaria a maioria deles à
morte. Nesta história, o autor relata os problemas cotidianos dos
soldados argentinos no conflito: não ter pilhas para as lanternas, não
saber o que fazer com os corpos, a amarga realidade de que cada ferido
acaba sendo um morto, os escambos de provisões com os ingleses em
troca de informação, o cheiro e a sujeira por causa da falta de pó
químico para eliminar os detritos humanos, o frio intolerável do exterior
da caverna dos pichis, os que se autolesionavam para voltar ao país, as
conversas intermináveis no esconderijo que os refugiava (embora não
totalmente) da verdade da guerra.
O pichi é um bicho que mora embaixo da terra. Faz cavernas. Tem
carapaça dura, um casco e não vê. Anda de noite. Você o pega, vira-o,
e ele nunca sabe se endireitar, fica esperneando de barriga para cima
[…] Sabem como eles são caçados? São caçados com cachorros: vai
o cachorro, fareja-o, persegue-o e o animal faz uma cova em qualquer
lugar, para disfarçar a dele, onde esconde a cria, e nessa cova falsa ele
se enterra e fica com o bumbum para fora. Então você o pega pelo
rabinho e o tira (Fogwill, 2012).
A metáfora que unifica toda a história, o nome do livro, fala desta
comunidade de “mortos em vida” a quem, como os animais reais, um
depredador capturou pelas costas. Neste relato, os assassinos não são
representados porque Fogwill não considerou pertinente explicitar uma
responsabilidade que não precisa ser nomeada: os pichis foram
enviados por um governo corrupto (esta é a definição que Borges
enuncia de forma literal em seu poema) cujos oficiais violentavam e
abusavam de seu poder sem conhecimento concreto das condições
deploráveis às quais os combatentes foram submetidos durante a
guerra: a fome, o frio, os maus-tratos e a possibilidade iminente de
72
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
perda da humanidade, aqueles que, numa leitura foucaultiana,
transformam-se em “seres sem ser” que se “deixam morrer”.
Destes seres é habitado o universo de Fogwill, que ilustra uma
paisagem de desídia e esquecimento, o universo de soldados que têm
nome, sobrenome e história e foram abandonados, deixados à própria
sorte, por uma causa em que eles mesmos deixaram de confiar, não por
falta de conhecimento ou de adesão patriótica à gesta, na qual muitos
personagens inclusive acreditavam, mas pela evidência material que
foram obrigados a enfrentar.
O romance de Fogwill mostra que essa identidade nacional é a
primeira coisa que se dissolve quando seus hipotéticos portadores são
jogados como peões numa cena onde a fraqueza dos princípios
unificadores é potenciada pela proximidade da morte.Entender os
pichis é entender exatamente o que uma guerra (não qualquer guerra,
mas essa, a desencadeada pela aventura de Galtieri) faz com os
2
homens (Sarlo).
A cosmovisão da guerra como medida desesperada de uma ditadura
que via seus dias contados é uma interpretação reiterada sobre a
memória do conflito. O que a ficção faz com esta visão subjacente é
fornecer elementos para alimentar o absurdo, o desnecessário, o
deplorável do conflito armado.
Uma operação similar é empreendida por vários autores argentinos na
antologia Las otras islas (Alfaguara, 2012). De diferentes formas, todos
os escritores aludem ao conflito geral por meio de episódios
particulares que metaforizam algumas facetas da guerra. No fundo, o
que a literatura faz é, através de um conto (story), contar uma história
(history) que teve existência real e que tem um resultado palpável em
processos sociais concretos.
O ato de individualizar, de resumir em um ou vários personagens o que
foi vivido por milhares, aproxima dos leitores o universo familiar e
cotidiano de seres que, em outro tipo de representações, não passam
73
Romina Mariana Marcaletti
de dados numéricos, estatísticas ou simples generalizações
interpeladas a partir do poder (ao contrário do que ocorre na ficção
literária, as pessoas anônimas quase nunca chegam a ser fonte na
imprensa informativa, por exemplo).
Talvez devido à menor massividade do fenômeno literário – ou pelo
atributo tão próprio da literatura de simbolizar tudo e contar uma
“segunda história” que possa ser lida nas entrelinhas da primeira
história literal –, a ficção nos livros se dispôs a problematizar as
vivências cotidianas de seres humanos que muitas vezes não entraram
na ordem do representável nos meios de comunicação tradicionais.
Em La penitencia, Marcelo Birmajer conta a história do irmão mais
velho de um amigo do narrador que foi recrutado para ir às Malvinas em
1982. Sua memória se enche de amargura quando ele rememora o
quão “terríveis” foram aqueles dias.
Lembro-me com precisão de cada um dos garotos do meu colégio,
fossem da turma que fossem, que tinham um irmão nas Malvinas. E me
lembro especialmente do Rafael (Birmajer, 2012).
A época se constrói quase como um pesadelo, e a questão dos
combatentes se configura como um tabu na família do jovem soldado.
A proibição de tocar em determinados assuntos naquele momento
histórico permeia este relato, assim como muitos outros desta
antologia que também são narrados em primeira pessoa por autores
que eram muito jovens, adolescentes e, alguns deles, inclusive crianças
quando a guerra ocorreu. Seus contos são imbuídos de percepções que
naquele momento eles não puderam captar bem e agora, no intento
artístico, evidenciam a busca de algum tipo de sentido para o
acontecido.
Além de humanizar a contenda, estes microrrelatos representam as
Malvinas como uma tragédia. Neste universo, a guerra importou mais
do que a derrota argentina por uma força estrangeira: significou perder
seres queridos, “garotos do bairro”, pessoas “iguais a nós”, alguém que
74
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
“nós costumávamos ver parado na esquina”. Com esta aproximação, a
operação linguística que os autores parecem fazer é que qualquer um
poderia ter sido mais um morto ou ferido na guerra, e que as vítimas
fomos todos.
Em abril daquele ano estourou a Guerra das Malvinas. Eu não quero
falar de política, de imperialismo ou das manobras de um lado e do
outro para reter o poder. Eu quero falar do Tatu e do Yagu. Os
governantes de lá e de cá, os que tomaram as decisões, estão nos
livros de História. Yagu e Tatú, não. Deles, se eu não falar, ninguém fala
(Inés Garland, 2012).
Eles analisam a necessidade de dar um nome próprio – como Borges,
como Fogwill – àqueles que não foram mencionados pelos poderes de
plantão. Como explica o historiador Federico Lorenz (2006), no pósguerra da pós-ditadura, o campo da política procurou “desmalvinizar” o
país, apagando qualquer referência ao passado imediato em prol do
que se propunha como a construção de uma nova época. Por que se
procurou esquecer tudo aquilo que se relacionava com as Malvinas?
Porque a primavera democrática pretendia se desfazer de tudo aquilo
que se relacionasse com o mandato autoritário que exerceu uma das
ditaduras mais sangrentas da história argentina de 1976 a 1983. Se os
militares tentavam aglutinar a cidadania argentina com a “questão das
Malvinas”, com reiteradas chamadas à ação por meio do nacionalismo e
do patriotismo, e com a desculpa de que a recuperação das ilhas
significava um ponto de acordo e encontro de todos os argentinos, o
alfonsinismo e o menemismo exerceram uma política do esquecimento
para não se vincular com medidas militaristas.
Nessa “desmalvinização”, tudo o que foi calado durante décadas no
país (com o ocultamento sistemático e a falta de reconhecimento dos
ex-combatentes) conseguiu uma revanche simbólica na literatura: as
vozes dos caídos e dos mortos podem ser silenciadas, ignoradas e não
reconhecidas, mas encontram seu lugar nas ficções.
Somente hoje, trinta anos depois, o país está se “remalvinizando” com
75
Romina Mariana Marcaletti
medidas concretas, desde a homenagem aos tombados na guerra com
a instauração do dia 2 de abril como feriado nacional, até a insistência
na ONU e em outros organismos de direitos humanos sobre a soberania
argentina das Ilhas Malvinas, algumas das várias ações do governo de
Cristina Fernández de Kirchner que vão além desta análise.
Os contos de Las otras islas mostram os ignorados na
“desmalvinização”. São as vozes dos que foram negados: primeiro, por
serem meros objetos de políticas arquitetadas em outras esferas,
segundo, por voltarem derrotados da guerra, famélicos e perdedores.
Estas ficções retomam, como as predecessoras, a dimensão humana
das Malvinas.
Não era uma notícia no jornal, não era um número anônimo e distante,
era o “Gaby”, aquele que tinha me colocado como titular num jogo
contra o Dock Sud (Pablo Ramos, 2012).
Esta estratégia se repete: “eu o conhecia”, “não era alguém anônimo”,
“era meu vizinho, meu amigo, meu irmão”. “Aconteceu com alguém
próximo”, logo “poderia ter acontecido comigo”. O que se consegue
com este tipo de recursos é que a história, em vez de ser ensinada
através de livros de textos ou de compilações de reportagens que
agrupam dados e sentidos desprovidos de dimensão humana, torne-se
uma materialidade tangível, que se aproxime da realidade, seja
verossímil, convincente e dolorosa.
Como explica Andreas Huysseen (2002), a ficção pode ser uma forma
efetiva de elaboração da memória quando se trata de construir uma
narração que contribua para o conhecimento e a superação do
passado. Quando o crítico cultural analisa a série televisiva
estadunidense Holocausto, transmitida pela NBC em 1978, lançada na
Alemanha no ano seguinte, Huysseen se pregunta por que este
programa foi capaz de despertar uma “superação do passado”
(Vergangenheitsbewältigung) que outras formas artísticas não
conseguiram.
O que é realmente a Vergangenheitsbewältigung (superação do
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Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
passado) e qual era seu significado na Alemanha do pós-guerra? No
livro Die Unfähigkeit zu trauern (1967), Alexander e Margarete
descreveram a Vergangenheitsbewältigung – da qual o Holocausto é
um componente essencial mas não o único – como o processo
psíquico de relembrar, repetir e atravessar; um processo que deve
começar no individuo, mas que somente pode se completar com
sucesso se sustentado por uma instância coletiva, por toda a
sociedade. O teatro, a mídia e as instituições educativas poderiam ter
colaborado na criação de uma Vergangenheitsbewältigung coletiva se
a Alemanha tivesse dado prioridade política e social à confrontação
com o passado. No entanto, aconteceu exatamente o contrário”
(Huyssen, 2002).
Durante o período posterior ao Holocausto, a sociedade alemã atribuiu
as culpas pelo extermínio à mentalidade irracional dos dirigentes nazis,
especialmente de Adolf Hitler, e com esta interpretação esquivou sua
responsabilidade no processo. Não reconhecendo a cumplicidade e a
participação do povo alemão na matança, ela se autoeximiu e se liberou
do pecado, omitindo o papel que a comunidade teve ao legitimar os
crimes que estavam sendo cometidos. Ressalvando as diferenças, algo
similar acontece na Argentina quando se atribui à ditadura a loucura de
alguns oficiais, deixando de lado a ativa colaboração de muitos setores
que apoiaram o regime no país. Com as Malvinas, ocorre o mesmo: a
guerra não foi consequência somente de uma política militar
sistemática de destruição dos direitos humanos, mas também o
resultado de um consenso social amplo que legitimou a contenda e
favoreceu sua realização com apoio ativo e emocional.
Huyssen reconstrói como alguns gêneros documentais da indústria
cultural, o teatro e a educação tentaram debater o passado recente e
mostrar como os judeus foram assassinados devido a uma política
antissemita ativa. No entanto, suas estratégias não foram suficientes
para contribuir para a construção de uma memória compartilhada que
permitisse uma revisão crítica do acontecido, pois recorreram a formas
narrativas racionais, privilegiando um ponto de vista que identifica a
audiência com os criminosos, uma posição difícil de assumir. Pelo
77
Romina Mariana Marcaletti
contrário, com o melodrama afetivo Holocausto, ele transformou a
history (os fatos que aconteceram na realidade) em story (relato
ficcional): a partir da história de uma família de judeus, ele permitiu que
os telespectadores se colocassem no lugar das vítimas e, com a
identificação sentimental, possibilitou-lhes a compreensão do terror
que significou o Holocausto. Graças a uma narração focada no afetivo,
com personagens que representavam os oprimidos, o público pôde
compreender o drama histórico por situar-se do lado dos vencidos. O
que a informação dura e real não conseguiu foi, assim, alcançado por
uma ficção sem maiores aspirações do que conseguir pontos de
audiência.
E no caso da literatura argentina, configura-se uma memória da guerra
que escolhe como protagonistas não os grandes personagens da
história, mas os seres anônimos que a viveram da forma mais trágica e,
deste modo, a guerra se torna mais próxima, mais humana e mais
(in)compreensível por meio da identificação emocional com a narração
humanizada.
Talvez a única exceção a esta construção dominante seja o livro
Malvinas, la ilusión y la pérdida, de Silvia Plager e Elsa Fraga Vidal, um
romance histórico de 444 páginas que tem como protagonistas Luis
Vernet (o governador argentino nas ilhas que foi expulso pelos ingleses
em 1833) e sua esposa María Sáez. Neste caso, as personagens são
políticos da época que “povoaram” as Malvinas e se apropriaram de um
espaço que, antes de sua chegada, era representado na história como
vazio e inóspito. Embora os personagens sejam funcionários públicos
também citados em livros de história e relevamentos jornalísticos, o
registro emocional também se apropria da narração.
Com múltiplas alusões sobre a dureza da vida nas ilhas em virtude do
frio, da carência de facilidades culturais e da ruralidade da existência, a
narração é permeada de dramas familiares (sobretudo os relacionados
com o “dever ser”, os bons costumes e a vida cotidiana) para
demonstrar que a população autóctone argentina foi deslocada das
Malvinas por uma invasão inglesa.
78
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
O tom emocional dos protagonistas quando falam das ilhas não oculta o
verdadeiro sentido que estas têm para eles: além de terem sido seu lar,
o lugar onde nasceu a pequena Malvinita e onde brincaram as crianças
na infância, as Malvinas são um recurso estratégico. Em várias
conversas particulares e políticas dos personagens, menciona-se a
“pátria”, a necessidade de “defender” a Nação, o amor pela terra
própria, a proteção dos recursos naturais, a passagem estratégica para
a Antártida e os oceanos Pacífico e Atlântico, entre outros valores
atribuídos às ilhas. As Malvinas são descritas como solo argentino,
território próprio, como parte da identidade do país que foi saqueada.
As ilhas são concebidas como um “pedaço da pátria” que foi roubado
por uma grande potência mundial à custa do governo de Juan Manuel
de Rosas, que foi condescendente com os ingleses e pediu ao
governador argentino das ilhas que ele se retirasse a tempo, antes de
ser derrotado.
No teatro: Malvinas, um assunto pendente
Beatriz Sarlo (1987) defende a hipótese de que, quanto menos
massivas as produções culturais, mais chances elas têm de ser
provocadoras ou arriscadas. Em sua análise da literatura durante a
ditadura, a acadêmica conclui que são as obras com público mais
reduzido e minoritário (o teatro, a literatura) as mais propensas a
questionar convenções e fatos que são naturalizados pelas formas de
expressão mais massivas (o jornalismo gráfico comercial, a televisão).
No teatro, não houve nenhuma hesitação em retratar a “questão
Malvinas” da forma mais crua e selvagem. Desde a cena do estupro de
um pai a seu filho na versão do diretor Alejandro Tantanián do romance
Las islas, de Carlos Gamerro, ou da entrega de cartas reais pelos
protagonistas de Las islas de la memoria com seus testemunhos e
experiências pessoais, até a terrível experiência de dois soldados que
fazem plantão à frente da batalha em Queen Malvinas, o teatro tratou
da maneira mais explícita a intimidade da guerra, a partir da expressão
de dilemas particulares que aludem ao conflito em geral.
79
Romina Mariana Marcaletti
Em Las Islas, estreada em 2010 no teatro San Martín, são exploradas as
consequências da guerra, estimulando a audiência a repensar nos
resultados do passado recente. Ambientada nos anos noventa, o
protagonista da peça é o rico homem de negócios Fausto Tamerlán, que
convoca o hacker Felipe Félix para que ele descubra o que aconteceu
com seu amado filho, que desapareceu durante a Guerra das Malvinas.
Na obra, Félix realiza a tarefa que lhe foi encomendada e conhece, no
caminho, o outro filho de Tamerlán, um homossexual que acaba traindo
seu pai, e a esposa de um ex-combatente que foi sequestrada e
torturada durante a última ditadura. O romance de seiscentas páginas,
escrito durante o governo menemista, retratada a relação de um pai
com seu filho perdido e de vários personagens que também enfrentam
muitos lutos: o de sua integridade pessoal, o de seus direitos humanos,
o dos seres que se foram, o da guerra que os derrotou.
Tamerlán condensa o pior do neoliberalismo, mas tem uma fraqueza:
perdeu um filho. Pior do que isso: seu filho desapareceu. Este
personagem detestável sofre uma dor profunda, e isso o torna mais
humano e menos odiável. Se nos dissessem que “os militares são
pessoas más”, e estivéssemos de acordo e deixássemos de pensar,
qual seria o sentido disto? Teríamos que analisar o que isso implica. O
mesmo acontece quando dizemos “as Malvinas são argentinas”.
Simplesmente o aceitamos, como se fôssemos os cachorros de
Pavlov, e Las islas tenta se opor a qualquer tipo de dogmatismo
(Alejandro Tantanián).
Apesar de evitar qualquer tipo de adesão ideológica, a peça toma uma
posição: ela recorre à provocação constante para gerar reações no
público, com o intuito de que ninguém fique indiferente. Não há uso de
metáforas: pelo contrário, abundam as referências literais numa série
de micro-histórias explícitas, fortes, dolorosas, baseadas na realidade.
Em Queen Malvinas, escrita por Agustín María Palmeiro, também são
retomadas cenas escabrosas da guerra para que os espectadores se
relacionem com a teatralização: aqui dois jovens soldados se escondem
na trincheira enquanto ocorre a batalha de Monte Longdon, dois dias
antes da rendição argentina. Eles confessam seus desejos
80
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
adolescentes, falam da fome, do frio, de suas famílias e mostram um
ódio forte aos oficiais que os maltratavam e torturavam, quando um dos
personagens admite que tem mais vontade de matar um militar
argentino do que um soldado inglês.
O que me interessa ressaltar é o companheirismo entre os jovens
soldados. Eu fui recrutado para a guerra mas não combati, sou um dos
que ficou na Terra do Fogo. Mas senti e me contaram como numa
situação tão extrema como a guerra você se une a desconhecidos para
se proteger. Você se agrupa até por questões banais, como um
chocolate, um mantecol, por tudo o que sente saudade. Não é à toa
que o Che Guevara costumava dizer que o maior sintoma da nostalgia
é a comida. Você fica amigo de gente que não volta a ver (Agustín
María Palmeiro).
Os laços fraternais construídos numa situação limite são os que
predominam na peça, como refúgio de uma série de hostilidades
externas: o frio, o desamparo, a solidão, a morte iminente. Como em
Los Pichiciegos, os jóvenes de Queen Malvinas sabem que seu destino é
fatal e narram, com suas próprias palavras, todos os detalhes da
experiência da guerra para dar um nome e uma história a todos e cada
um dos atores do conflito. Neste gesto, dá-se visibilidade aos excombatentes, um grupo social negado durante mucho tiempo.
Esta é a mesma busca de Las islas de la memoria, peça que
individualiza e reconhece os ex-combatentes. A memória, nestas duas
obras, consiste em não esquecer as vítimas da guerra, porque em
homenagem às suas ações é que hoje é preciso fazer algo com relação
à recuperação das Malvinas.
Em Las islas de la memoria, que estreou em 2012 no teatro Cervantes,
um grupo de atores interpreta vários personagens (soldados, kelpers,
professoras de ensino fundamental, funcionários públicos e até a
própria Margaret Thatcher) que narram de forma muito participativa
(olhando nos olhos dos espectadores e fazendo-os interagir com os
conteúdos da peça) a história das Malvinas, desde a conquista da
81
Romina Mariana Marcaletti
América até o final da guerra. Esta peça recorre à parodia e às
metáforas para inferir algumas noções sobre o conflito bélico. Como as
outras, ela também particulariza para chegar ao fundo, a um significado
mais global.
A arte não pode falar de ninguém de forma geral. Quando
representamos os ingleses como piratas ou Margaret Thatcher como o
próprio diabo, estamos lidando com ideais, com arquétipos. A paródia
não transforma Margaret Thatcher em demônio, mas a humaniza. É
uma forma de contar nosso conto de uma forma mais simples e que
fazer com que ele seja mais compreensível para a audiência. Sempre
associamos os ingleses com piratas, por exemplo, porque é como os
vimos sempre politicamente (Lucía Adúriz).
Com a compilação de dados históricos e de histórias de vida
sistematizados pelo Observatório das Malvinas da Universidade de
Lanús (UNLA), o grupo trabalhou com um conjunto interessante de
pequenas experiências subjetivas relacionadas com a guerra e com as
Malvinas – a de um soldado argentino que se apaixona por uma kelper,
outro jovem que pulou de um barco para salvar um amigo que tinha
caído, um veterano que trocava cartas com uma professora com quem
casou ao voltar, a fuga das balas inimigas de vários companheiros
quando tentavam proteger um ferido.
As histórias vão acontecendo num sem-fim de narrações contadas por
narradores vários que reproduzem cada detalhe, cada sentimento,
cada lembrança. Falam de amor, irmandade, esperança, amizade e,
deste modo, tocam momentos muito pessoais: a solidão, a distância, a
saudade dos seres queridos. Ao personalizar, Las islas de la memoria
aproxima.
Enfocando estes personagens e suas vivências, a peça indaga o que
significou as Malvinas para a sociedade:
O que a peça expressa é que as Malvinas foram, são e continuarão
sendo sempre argentinas. Não reivindicamos a guerra, pelo contrário.
Mas sim a recuperação das ilhas, porque o sonho das Malvinas está
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Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
sempre no horizonte. Indo além da reclamação territorial, as Malvinas
são um elemento simbólico de disputa que orienta nossos
pensamentos. Para nós, a realidade que a ilha nos mostra é colonial:
ela nos lembra que há poderes colonialistas, os dominantes, e que nós
estamos do outro lado. Falar das Malvinas é falar da Argentina. E não é
só isso: é falar da América do Sul (Julio Cardoso).
As Malvinas, aqui também, carregam a marca originária de um roubo,
são a perda, o lugar do mapa que teve que ser apagado, uma ferida que
deixa marcas. As Malvinas nos lembram da nossa posição de terceiro
mundo, jogando pela janela as fantasias da Argentina como poder
mundial. Elas nos ressaltam o sentido das palavras “impotência” e
“injustiça”. As Malvinas são, mais uma vez, a falta, mas, ao mesmo
tempo, carregam consigo a possibilidade e a esperança.
Na mídia: das pequenas histórias ao grande relato unificador
A lógica dos meios de comunicação obedece ao paradigma da dosagem
da informação, da atualização constante e da construção de notícias
que são oferecidas a cada edição. Nenhum artigo jornalístico é
definitivo, mas é lido em relação a outros similares, prévios e
posteriores, os quais dão uma noção de sistema a partes que, isoladas,
perdem sentido. Por isso, ler a “cobertura” jornalística sobre as
Malvinas escolhendo artigos ou conteúdos audiovisuais ajuda a
aprofundar determinadas questões, mas perde de vista o significado
global de várias produções analisadas em conjunto. Se tomarmos os
exemplos da cobertura especial do site do jornal La Nación
(lanacion.com) e do documentário amador Malvinas 30, é possível
coletar um leque de pequenos relatos unidos por conceitos
aglutinadores que dão coerência interna e união a fragmentos que, de
outro modo, seriam inconexos.
No primeiro exemplo, o site do La Nación lançou um especial
3
multimídia em que privilegiou as narrações em primeira pessoa, as
histórias de vida e as experiências do passado, procurando construir
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Romina Mariana Marcaletti
um olhar sobre a guerra que vai além da cobertura do “dia a dia” e em
“tempo real” da atualidade do país (que também foi muito cuidada) e,
assim, aprofundando em aspectos pouco explorados da guerra.
A seção principal foi a “Combatentes”, que continha memórias
diferenciais sobre a guerra diretamente na voz de seus protagonistas.
Além das entrevistas e artigos,4 produziu-se uma série de curtas
5
audiovisuais nos quais veteranos de guerra voltavam às Ilhas e se
reencontravam com objetos, lugares, que serviram como disparadores
de lembranças compartilhadas. Outras seções mais tradicionais foram
“Funcionários” (cobertura da atualidade política), “Curiosidades”
(detalhes da vida cotidiana nas Ilhas e curiosidades) e “Cronologia”
(retrospectiva de eventos passados).
Este especial focalizou as experiências, as vivências particulares dos
ex-combatentes. Eles mesmos falaram diante das câmeras e por meio
de reportagens. Nas produções audiovisuais, predominaram os
abraços, os pontos de vista subjetivos sobre o acontecido, a música de
fundo e as palavras entrecortadas à beira das lágrimas, utilizando
recursos ficcionais para tratar uma história real que é apresentada
como conteúdo jornalístico para, deste modo, alcançar um impacto
emocional por meio das notícias (Eco, 1987).
Na cobertura do site, são tomados certos elementos da ficção para que
a realização multimídia seja o mais próxima possível do universo dos
usuários. Eles, talvez, não se identifiquem tanto com as notícias “duras”
do site, mas sim com os conteúdos mais lúdicos, interessantes e
novelados deste conjunto de microrrelatos sobre a guerra.
Nunca tinha andado de avião, nunca tinha tido uma arma em minhas
mãos, de repente me vejo no frio de Chubut. A instrução durou quinze
dias e eu estive na logística, lembra (Rubén).6
Estava nevando, todos estávamos congelando, tínhamos fome,
estávamos sujos, sem munições, nem comida, nem nada, rememora
(Davies).7
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Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
As ilhas eram uma grande desorganização. Puerto Argentino não tinha
um cais para suportar o descarregamento das 3500 toneladas que
levávamos e demorou-se quinze dias descarregar um barco que tinha
sido carregado em seis dias.8
As palavras que mais se repetem nestas histórias são o verbo “lembrar”,
o substantivo “secreto” e a ação midiática de “revelar”. O que o
conjunto de testemunhos procura “dar a conhecer” é a experiência
subjetiva dos atores da guerra, que, recorrendo à lembrança, narram
como foi sua experiência traumática e o que puderam tirar dela. Nestas
micro-histórias, abundam detalhes sobre a fome, o medo, a injustiça e
o drama humano da nostalgia, a perda, o desespero.
No documentário multimídia Malvinas 30 estas vozes não foram usadas
como fonte principal, mas foram os comentários dos ex-combatentes
que abriram a participação e a interação que os realizadores deste
especial esperavam. Malvinas 30, criado por um grupo de jornalistas,
9
programadores e web designers, foi pensado com o objetivo de
reconstruir, em tempo real, o que acontecia na guerra das Malvinas
trinta anos atrás. Para isso, basearam-se numa grande quantidade de
material de arquivo e integraram os conteúdos da página web com
redes sociais.
A resposta dos usuários superou as expectativas dos produtores.
Valendo-se da memoria, a audiência também se apropriou do conflito
social e geral de uma forma muito individual e personalizada.
A partir de elementos que propúnhamos, formamos uma narração
coletiva que foi personificada por nosso personagem no Twitter
(@soldadoM30).10 Os usuários fazem perguntas, participam, as
pessoas relembram e compartilham o que fizeram em 1982.
Queríamos colocar coisas dos usuários no site. O mais louco é que
chamamos alguns ex-combatentes. Um veterano enviou um e-mail
sobre sua experiência nas ilhas e a publicamos. Aliás, ele criou um
usuário no Twitter e fez catarse: publicou suas lembranças, sentiu que
há uma comunidade que o lê, que o acompanha (Álvaro Liuzzi).
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Romina Mariana Marcaletti
De fato, Gabriel Beber, a pessoa real por trás do personagem de ficção
virtual de @dosdeabril, contou numa entrevista que fazer parte deste
documentário teve, para ele, poder curador: escrever e compartilhar
por meio de um usuário anônimo que, portanto, dava-lhe um ar de
ficção, permitiu a ele uma maior aproximação e uma compreensão
diferente de sua experiência nas Ilhas, através de uma classificação da
correspondência com seus familiares em 1982.
Este ano, a releitura das cartas foi um exercício terapêutico. Twittear foi
para mim, uma espécie de jogo de papéis com esse eu de 18 anos,
tentando me colocar naquele lugar como se eu não soubesse o final e
ser fiel ao que lia, bem como ao que a leitura das cartas provocava em
minha memória. Limitação óbvia é que meu uso das redes não é o de
alguém de 18 anos. Quando fiquei sabendo sobre o Malvinas 30,
divulguei-o para outros ex-combatentes, mas dá para perceber que o
chamado ecoou em mim, mas não em outros, queria tê-los encontrado
11
na interação (Gabriel Beber).
Este espaço permitiu a Beber repensar suas vivências num ambiente
social: para ele, não era a mesma coisa ler estas cartas sozinho do que
compartilhá-las com uma comunidade. Segundo conta, ele gostaria de
ter conhecido mais pares que fizessem o mesmo que ele fez: colocar à
disposição do público coisas que são supostamente privadas. Sua
memória da guerra, essas lembranças seletivas que acordam quando
ele convoca este fato do passado, é permeada de interpretações
próprias, subjetivas, mas isso não implica que elas não possam ser
sociais – a partir de seu caso individual, muitos outros podem se sentir
refletidos e identificados. O que se tenta é que a memória literal (única,
pessoal e intransferível) seja transformada em memória exemplar
(social e compartilhada e, portanto, reparadora, como explica Jelin,
2002).
Para Beber, sua memória teria que ser social e geral para poder discutir
com seus pares as implicações e os sentidos de sua trajetória. Os
microrrelatos, que parecem sinais da pós-modernidade e do
desmoronamento dos grandes princípios explicativos que ordenavam o
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Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
pensamento, só ganham magnitude quando são comparados e, deste
modo, se transformam num grande relato que tenta dar algum tipo de
explicação intersubjetiva para o acontecido.
O Estado procurou construir um grande relato que proporcionasse um
quadro teórico e conceitual, amparado em categorias históricas,
geográficas e ideológicas, para explicar a “questão das Malvinas”. Para
compreender melhor o conteúdo desse relato consensual, analisarei o
tratamento que os organismos estatais deram às Malvinas em suas
12
produções audiovisuais. Para isso, recorrerei ao episódio La asombrosa
excursión de Zamba en las islas Malvinas, realizado pela produtora
independente El perro en la calle e emitido pelo Paka Paka e o
Encuentro, canais públicos que dependem do Ministério da Educação
da Argentina.
Neste capítulo, que faz parte de uma série de episódios em que uma
criança revive fatos históricos do país para aprender com eles, Zamba
viaja no tempo e chega até as Ilhas Malvinas em 1982. Nesta jornada,
ele conhece Sapucai, um soldado argentino, jovem, nortista, valente,
patriótico. Lá, presencia a batalha de Monte Longdon, uma das mais
sangrentas da guerra, e observa uma quantidade de soldados
argentinos que passavam fome, frio e estavam mal equipados virarem
cruzes (que simbolizam a morte material). Zamba também se encontra
com um soldado inglês, que tem armas melhores, é agressivo e
dominante.
Sapucai representa todos os soldados que combateram. Queríamos
colocar os soldados em cena para recuperar o contexto no qual eles
lutaram. Não nos esqueçamos de que Zamba sempre trata de
efemérides: este capítulo foi pensado para homenagear os tombados
em dois de abril. Foi um desafio: como recuperar o heroísmo dos
soldados num desenho animado? Sapucai simboliza este heroísmo.
No final do capítulo, Sapucai reencarna num professor, pois queríamos
demonstrar que os veteranos tiveram vida após a guerra. Por sua vez,
o soldado britânico personifica o soldado britânico profissional. Os
ditadores são representados em preto e branco, e seu rosto pode ser
87
Romina Mariana Marcaletti
visto claramente pelo registro quase fotográfico. Fizemos isso para
que as crianças identifiquem estas pessoas se as veem nos jornais
(Sebastián Mignona).
Esta edição foi a única que lidou com um fato histórico recente (o resto
trata de acontecimentos do século XIX). Qual é o objetivo desta
produção? Segundo o realizador, é “aproximar as crianças dos assuntos
delicados: o da ditadura militar e da Guerra das Malvinas, um conflito
muito traumático para a história argentina”. Para conseguir isto,
tiveram que transformar uma interpretação da história recente em
fragmento de ficção. “Foi complicado porque até mesmo para o Estado
é difícil organizar este relato. Tivemos que sintetizá-lo e realizar uma
análise suficiente para satisfazer as demandas do público infantil, que
está muito treinado na aquisição de competências audiovisuais”.
Embora seja verdade que as crianças fazem diferentes interpretações
de Zamba, também é verdade, como explica Umberto Eco, que há uma
clausura do sentido no texto. São produções culturais que não podem
ser interpretadas de qualquer forma, mas, pelo contrário, sugerem
várias assimilações que serão decodificadas de formas diferentes pelo
público. No caso de Zamba, o relato construído é muito uniforme e
contundente: as Malvinas são argentinas.
O que você aprendeu hoje, Zamba? Descobri que as Malvinas são
argentinas e que os ingleses as ocuparam faz muito tempo e que não
querem devolvê-las. Também fiquei sabendo que nossos soldados
combateram muito, foram realmente valentes e lutaram por nossa
soberania. A guerra é triste. Nunca vou me esquecer desta história
(Zamba).
O capítulo sintetiza uma visão muito clara do que as Malvinas significam
e do que ele pretende incutir: as ilhas nos lembram, mais uma vez, um
saqueio de outrora cujas consequências ainda perduram e que, por
isso, não deve ser esquecido. A questão da memória é sugerida
novamente e as Malvinas são, afinal de contas, a representação de uma
violência contra a argentinidade, a evidência de uma falta e a
esperança de uma recuperação – talvez ter de novo as Malvinas seja,
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Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
neste imaginário, uma forma de devolver certos aspectos da
identidade.
Assim sendo, há uma construção, encaminhada pelo Estado, mas
retomada e assumida como própria por diferentes setores sociais, das
Malvinas como um sonho, como terra prometida que nos proporciona
elementos para percebermos o que poderíamos ter sido como nação e
não fomos. É a perda, a castração, o roubo, o crime, a impotência, a
falta, mas também é a possibilidade de recuperar aquilo de que
sentimos falta. As Malvinas são uma metáfora da argentinidade.
Mas quanto representa a “questão das Malvinas” para os argentinos?
13
Segundo uma enquete binacional realizada pela Ibarómetro sobre
uma amostra representativa de argentinos e ingleses, 86% dos
entrevistados do nosso país respondeu que a questão das ilhas
Malvinas é “importante” para Argentina, enquanto 65% dos britânicos
pensa o mesmo quanto a seu país. Quando inquiridos sobre a
“legitimidade” da reclamação argentina pela soberania das ilhas, 89%
dos argentinos respondeu que ela é “legítima”, enquanto a metade dos
britânicos opinou que é “ilegítima” (quando 80% dos argentinos acham
que as demandas britânicas são ilegítimas).
Além disso, 89% dos argentinos disse concordar com a postura de que
o governo argentino e o britânico sentem para dialogar sobre a
soberania. Sobre a guerra, 77 % da população argentina pensa que foi
uma decisão do governo militar para esconder seus problemas políticos
e 60% declara que não apoiaria um novo conflito armado para
recuperar as ilhas. Embora somente 33% acredite que a resolução do
conflito será favorável à soberania argentina, 66% espera que assim
seja.
Uma pesquisa exploratória do geógrafo cultural britânico Matt Benwell
revela que, de fato, uma parte da população, os jovens, acreditam e
estão dispostos a reconhecer que “as Malvinas são argentinas.”
Contudo, ele diz que, embora esta adesão esteja presente em todas as
suas entrevistas, as formas que os adolescentes escolhem para falar
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Romina Mariana Marcaletti
sobre o assunto são difusas, pouco claras, e ainda não têm elementos
para formar um juízo de valor próprio.
Eles têm uma sensação de incomodidade, falam da confusão e da
sensação desagradável que sentem quando viajam e elas são
chamadas de Falklands. Os jovens são muito conscientes do que as
ilhas significam em relação à presença britânica: elas têm conotações
colonialistas. Não há unidade em todas as entrevistas, há diferentes
perspectivas. Mas o que posso notar na maioria dos entrevistados é
que há um laço emocional que os une com este território (Matt
Benwell).
A relação dos jovens com as Malvinas não é um dado acessório, pois
dela depende a forma como as próximas gerações tratarão o assunto. O
que esta sondagem e as representações estudadas sugerem sobre a
forma como a “questão das Malvinas” é elaborada hoje na Argentina é
que, apesar da pluralidade de opiniões, as Ilhas são tidas como uma
parte importante da nossa idiossincrasia como país que foi invadida,
corrompida e disposta por mãos alheias.
Esta forma de pensar o conflito não é inovadora, podendo ser rastreada
nas origens da “questão das Malvinas” na literatura. A metáfora das
ilhas como “irmãzinha perdida” 14 é constante. Seu precursor foi
José Hernández15, que, em artigo publicado no jornal El Río de la Plata
em novembro de 1869, concebe as Ilhas como parte do corpo da nação
que foi roubada.
Os argentinos, especialmente, não puderam esquecer que se trata de
uma parte muito importante do território nacional, usurpada devido a
circunstâncias desfavoráveis […]. Os povos precisam do território que
os fizeram nascer para vida política, assim como precisamos do ar
para a livre expansão dos nossos pulmões. Absorver um pedaço de
seu território é como arrancar-lhes um direito, e esta injustiça
representa um duplo atentado, pois não só é o despojamento de uma
propiedade, mas também a ameaça de uma nova usurpação (José
Hernández, 1869).
90
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Neste imaginário, a “questão das Malvinas” também é tratada de um
ponto de vista subjetivo, que vincula a perda do território à mutilação
de parte da integração nacional. Este roubo fere não só a soberania,
mas também o orgulho patriótico, evidenciando que o laço que une a
argentinidade com as Ilhas foi quebrado por uma força estrangeira. No
fundo, o vínculo com as Ilhas é mais do que político, histórico e
geográfico: é de tipo emocional – as Malvinas nos lembram duma
derrota, uma usurpação, uma ferida ao narcisismo autóctone, um
flagelo a nosso senso de identidade.
Nestas elaborações literárias das Malvinas, há muitas diferenças e
matizes, mas também há sentidos em comum que superam o universo
literário, teatral, jornalístico e audiovisual, apropriando-se de
significados que circulam pela sociedade neste momento histórico de
efervescência da temática em seu 30º aniversário. O que as Ilhas
representam para a Argentina? Essa é a pregunta que estas ficções
procuram responder.
Em primeiro lugar, elas são o símbolo de um roubo. Esta usurpação de
um pedaço de território revela várias questões: os invasores foram uma
potência estrangeira, o que deixa em evidência a fraqueza da Argentina
como país de terceiro mundo. A este despojamento, acrescenta-se a
conivência de vários governos: primeiro o de Rosas, que com um gesto
conciliador esconde a clara entrega de parte do território local a outro
país; depois a da ditadura militar, que embarcou os “garotos da guerra”
num pesadelo real de consequências devastadoras; depois a do silêncio
e o esquecimento da primavera alfonsinista e do menemismo; e que só
agora, com o mandato de Cristina Fernández de Kirchner, está
começando a mudar.
As Malvinas, nestas ficções, aconteceram com alguns (os sujeitos
próprios das histórias), mas aconteceram com todos nós (cidadãos
argentinos). A experiência não é distante, é próxima. Não é objetiva, é
subjetiva. Não é racional, é emocional. Não tem grandes personagens,
eles são múltiplos e são parecidos a nós. As Malvinas sangram, latejam
91
Romina Mariana Marcaletti
com a lembrança de um dano passado que nos diz hoje o que não
somos, o que não pudemos ser. Destroem o sonho da “Argentina
potência”, machucam a autoestima nacional, oferecem-nos um
panorama do que deixamos que nos fizessem. As Malvinas, no fundo,
são uma ferida aberta. As Malvinas somos nós, atravessados por uma
história que ainda tem consequências no presente.
Notas
1 - Entrevista completa com Fogwill em
http://www.palabrasmalditas.net/archivo/content/view/614/2/.
2 - Texto completo de Beatriz Sarlo, “No olvidar la guerra. Sobre Cine, Literatura e
Historia”, em http://www.literatura.org/Fogwill/fsobpich.html.
3 - O especial multimídia do La Nación sobre as Malvinas está disponível em
http://especiales.lanacion.com.ar/multimedia/item.asp?m=162.
4 - “Volver a Malvinas 30 años después: la guerra contada por un protagonista” é o
artigo que apresenta a série de curtas-metragens produzidos para este especial:
http://www.lanacion.com.ar/1459019-volver-a- malvinas-30-anos-despues-de-pelearen-la-guerra.
5 - Trecho extraído de: http://www.lanacion.com.ar/1249377-malvinas-una-guerracon-dos-finales- muy-distintos.
6 - Idem 5.
7 - “El recuerdo de los civiles que burlaron el bloqueo inglés”, em
http://www.lanacion.com.ar/1475372-el- recuerdo-de-los-civiles-que-burlaron-elbloqueo-ingles.
8 - Site do especial Malvinas 30: http://www.malvinastreinta.com.ar/. Os realizadores
são Álvaro Liuzzi, Guadalupe López, Ezequiel Apesteguía, Tomás Bergero Trpin e
Romina Vázquez (http://www.malvinastreinta.com.ar/autores).
9 - Este usuário do Twitter foi inventado pelos realizadores para contar as vivências da
guerra em primeira pessoa. Desta forma, eles se apropriaram de um recurso ficcional
para contar uma história real do ponto de vista de um soldado. Pouco tempo depois
do lançamento do especial, um soldado “real” (@dosdeabril) criou seu próprio usuário
no Twitter para contar, ele mesmo, o que tinha vivido na guerra.
10 - Carta de Gabriel Beber publicada em Malvinas 30:
http://www.malvinastreinta.com.ar/twittear-fue- como-un-juego-de-roles.
11 - Não vou me estender sobre a peça publicitária lançada pelo Governo Nacional e
criada pela agência Young & Rubicam. Protagonizada por Fernando Zylberberg, ela
contém a legenda “Para competir em solo inglês, treinamos em solo argentino”, em
referência aos Jogos Olímpicos de Londres 2012. Estudar a imbricação entre políticas
e a questão das Malvinas não é o objetivo deste ensaio.
12 - Publicada em
http://demo.ibarometro.com/advf/documentos/4f843e548c9600.83406845.pdf.
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Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
13 - Metáfora que condensa a famosa canção folclórica de Atahualpa Yupanqui e Ariel
Ramírez.
14 - O artigo completo de José Hernández sobre as Malvinas está disponível em:
http://www.elhistoriador.com.ar/articulos/dictadura/jose_hernandez_y_la_soberania_s
obre_malvinas.php.
Fontes
Entrevistas pessoais
Lucía Adúriz, atriz da peça de teatro “Las islas de la memoria”.
Matt Benwell, geógrafo cultural inglês, pesquisador sobre a relação entre as Malvinas
e os jovens.
Raúl Cardoso, escritor e director da peça de teatro “Las islas de la memoria”.
Álvaro Liuzzi, realizador do webdocumentário “Malvinas 30”.
Agustín María Palmeiro, escritor da peça de teatro “Queen Malvinas”.
Sebastián Mignona, diretor de El perro en la calle, produtora independente da série
“Zamba” para o canal Paka Paka.
Alejandro Tantanián, diretor da peça “Las islas”, escrita por Carlos Gamerro.
Literatura
Borges, Jorge Luis, “Juan López y John Ward”, em Los conjurados, Madri, Alianza,
1985. Endereço URL: http://www.poesi.as/jlb1340.htm
Fogwill, Rodolfo, Los pichiciegos, Buenos Aires, Editora El Ateneo, 2012.
Hernández, José, “Relación de un viaje a las Islas Malvinas”, jornal Río de la Plata, n°
86, Buenos Aires, 19 de novembro de 1869. Endereço URL:
http://www.elhistoriador.com.ar/articulos/dictadura/jose_hernandez_y_la_soberania_s
obre_malvinas.php
Plager, Silvia e Elsa Fraga Vidal, “Malvinas, la ilusión y la pérdida. Luis Vernet y María
Sáez, una historia de amor”, Buenos Aires, Sudamericana, 2012. Antología. Las otras
islas, Buenos Aires, Alfaguara, série vermelha, 2012.
Teatro
Las islas (Teatro San Martín)
Las islas de la memoria (Teatro Cervantes) Queen Malvinas (Pan y arte)
Webjornalismo
Documentário Malvinas 30: http://www.malvinastreinta.com.ar/.
Especial Malvinas, La Nación: http://www.lanacion.com.ar/a-30-anos-de-malvinast48007.
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Romina Mariana Marcaletti
Audiovisual
La asombrosa excursión de Zamba en las islas Malvinas (El perro en la calle, para o
canal Paka Paka).
Bibliografia
Huyssen, Andreas, “La política de la identificación: Holocausto y el drama de Alemania
occidental”, em Después de la gran división, Modernismo, cultura de masas,
posmodernismo, Buenos Aires, Adriana Hidalgo, 2002.
Foucault, Michel, Genealogía del Racismo, Buenos Aires, Altamira, 1996.
Lorenz, Federico G., Las guerras por Malvinas, Buenos Aires, Edhasa, 2006.
Jelin, Elizabeth, “Las luchas políticas por la memoria” en Los trabajos de la memoria,
série Memoria de la represión n° 1, Madri, Siglo XXI, 2002.
Peirce, Charles Sanders, Fragmentos de Obra Lógica Semiótica, Madri, Taurus, 1987.
Sarlo, Beatriz, “Política, ideología y figuración literaria”, em Balderston, Daniel, Ficción
y política: la narrativa argentina durante el proceso militar, Buenos Aires, Alianza,
1987.
Sarlo, Beatriz, “No olvidar la guerra: sobre cine, literatura e historia”, Punto de Vista
n° 49, Buenos Aires, agosto de 1994. Endereço URL:
http://www.literatura.org/Fogwill/fsobpich.html.
94
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Menção especial
MALVINAS: “DOCE DE LEITE
ESTILO COLONIAL”
Carlos Sebastián Ciccone
Carlos Sebastián Ciccone
MALVINAS: “DOCE DE LEITE ESTILO COLONIAL ”
1
Carlos Sebastián Ciccone2
O nome destas ilhas evoca em todo argentino um inefável
sentimento, parecido com o do pai cujo filho pequeno escapou.
Não o viu mais, mas sabe que ele ainda vive e convalesce, apesar
de que a imagem se desfaça, lá longe, há tempos.
Raúl A. Ringuelet-1
Estamos transitando os primeiros passos de um novo século e, no
entanto, é possível encontrar nele vestígios de séculos anteriores. Entre
1 O “doce de leite estilo colonial” é um doce de leite condensado muito conhecido na Argentina. O
“estilo colonial” é uma de suas variedades, de consistência espessa, porém cremosa, obtido a partir da
mistura de uma quantidade maior de caramelo com o leite. Acredita-se que a receita original do doce
de leite da primeira metade do século XX tinha um sabor similar.
2
Sebastián Ciccone é estudante da Universidade Nacional do Sul e reside em Bahia Blanca.
96
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
estes, encontra-se a perduração de casos de colonialismo, modelo
expansionista que beneficiou política e economicamente as potências
europeias e, posteriormente, os Estados Unidos. O controle das Ilhas
Malvinas por parte da Grã Bretanha é um claro exemplo disto.
Com o passar dos anos, a disputa entre a Argentina e a Grã Bretanha
pela soberania das ilhas ganhou tanta importância que acabou por
transbordar as fronteiras da esfera política, instalando-se em todos os
âmbitos da sociedade. Basta observar um jogo de futebol, esporte
popular por excelência na Argentina, para perceber isso.
Em primeiro lugar, por meio de uma revisão dos argumentos
geográficos e históricos que se constituíram, ao longo do século XX, nas
bases da reclamação de soberania do Estado argentino, procurarei
representar o panorama atual da “questão das Malvinas” com o
objetivo de entender por que é necessário buscar novos argumentos.
O que vou expor neste ensaio é um plano de ação baseado na aplicação
conjunta de três estratégias: a política de aproximação à população, a
elaboração de um projeto de integração a partir do caso de Hong Kong
– reconhecendo que, no arquipélago, a Constituição vigente é a
promovida pelo Reino Unido – e a reforma da Constituição Argentina
como ferramentas para tornar efetiva a soberania argentina sobre as
ilhas. O projeto aqui proposto se relaciona diretamente com a busca e a
construção de um processo de integração das Malvinas e de seus
habitantes, com aceitação de sua realidade jurídica, histórica, social e
política. Portanto, a análise em linhas gerais do contexto prévio visa à
compreensão de que, embora as Malvinas pertençam por inúmeros
direitos à Argentina, elas são habitadas por pessoas que, em sua
maioria, identificam-se com a Grã Bretanha, seja por laços sanguíneos
ou por posicionamentos ideológicos.
Bases da reivindicação
Ao longo da história, a Argentina tentou, de diversas formas, recuperar
um espaço que reclama como parte de seu território: as Ilhas Malvinas.
97
Carlos Sebastián Ciccone
Os argumentos para a reclamação de soberania são vários e, embora
muitos de seus direitos sejam legítimos, são frequentemente
confrontados e desacreditados como inválidos no concerto
internacional.
O primeiro dos fundamentos é geográfico e se baseia tanto no
pertencimento das ilhas à plataforma continental argentina como em
sua proximidade com o continente americano. As Ilhas Malvinas são
um arquipélago localizado numa das regiões mais austrais do Atlântico
Sul, composto por mais de cinquenta ilhas (as duas maiores são a
Grande Malvina e a Soledad) e uma centena de ilhotas de menor
tamanho. Em termos geológicos, diz-se que estas ilhas são uma
prolongação do continente americano e da cordilheira dos Andes,
conformando “um arco que começa na primeira destas ilhas e que
2
conclui nas terras de San Martín”.
Além disso, a proximidade geográfica entre as ilhas e a Argentina é
notória. A Ilha dos Estados, próxima à Terra do Fogo, encontra-se a
somente 345 quilômetros da Grande Malvina; Río Gallegos, a 760
quilômetros de Puerto Argentino; e a Cidade de Buenos Aires, a
aproximadamente dois mil quilômetros.
A herança do território insular ora pertencente à Coroa espanhola foi (e
continua sendo) o argumento principal no qual se apoia o Estado
argentino. Seu fundamento reside nos seguintes pontos: a atribuição
do descobrimento a navegantes a serviço da Espanha, as bulas papais
do século XV, o tratado de Tordesilhas de 1494 e a ocupação efetiva das
ilhas.
O descobrimento das Ilhas representa um fato controverso para a
historiografia mundial, já que Portugal (Américo Vespúcio, em
1501/1502), a Espanha (Fernão de Magalhães, em 1520; Alonso de
Santa Cruz, em 1540), a Inglaterra (Davis, em 1541; Hawkins, em
1594) e a Holanda (Sebald de Weert, em 1600) disputam a façanha. No
entanto, é quase impossível determinar com exatidão quem foi seu
verdadeiro descobridor.
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Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Durante a Idade Média, segundo a palavra de Santo Agostinho, o
mundo era propriedade de Deus, sendo o Papa, seu representante na
terra, o encarregado de administrar suas posses. Por isso, com a Inter
caetera de 1493, Alexandre VI concedeu a Castilha e a Portugal o
direito de conquistar e colonizar todas as terras e as ilhas que
descobrissem, fixando como limite entre as potências uma linha
imaginária traçada a 100 léguas ao oeste de Cabo Verde e dos Açores –
transferida, posteriormente, para 270 léguas no sentido oeste com o
Tratado de Tordesilhas. Nesta bula, além disso, ambas as partes se
comprometiam a não se intrometer no território da outra.4
A legitimidade papal começou a ser questionada no contexto da
Reforma, quando os príncipes não católicos desconheceram a validade
das bulas e se opuseram ao monopólio hispano-português sobre o
continente americano. Assim, a necessidade de colonizar esses
territórios se transformou num novo argumento legitimador de
soberania.
Agindo em função desta nova doutrina, a França estabeleceu a primeira
colônia nas Malvinas. Assim, no dia 17 de março de 1764, Bougainville
fundou Port Louis, em nome de (e em homenagem a) Luís XV. A colônia
e seus trinta habitantes, que se estabeleceram na Ilha Soledad, ficaram
a cargo de Nerville, ao passo que Bougainville regressou à França para
voltar, no ano seguinte, com reforços para a colônia.
Diante deste fato, a Espanha respondeu diplomaticamente com uma
indenização para o empresário francês; assim, a Coroa espanhola
conseguiu, em 1767, tornar efetivo seu domínio sobre as Malvinas. A
partir daquele momento, exerceu a administração absoluta e
ininterrupta do arquipélago até fevereiro de 1811, quando os espanhóis
instalados nas ilhas foram transferidos para Montevidéu a fim de
concentrar forças militares para combater a revolução rio-platense.
Com a nomeação do primeiro governador das Malvinas, representante
da Coroa espanhola, “as Ilhas foram declaradas dependentes e
subordinadas à Capitania-Geral de Buenos Aires, o que significou sua
5
integração ao território do Rio da Prata”.
99
Carlos Sebastián Ciccone
Um dado importante que não deve ser esquecido na análise do
processo de ocupação das Ilhas é a presença britânica. Em 1765, o
inglês John Byron aportou nas Ilhas, declarando-as propriedade do rei
da Inglaterra e fundando Port Egmont na Ilha de Saunders (Ilha da
Trindade, para a Argentina) sem estabelecer ali nenhuma colônia. No
ano seguinte, os representantes ingleses formaram uma colônia em
Port Egmont, que conviveu nas Ilhas com a colônia francesa durante
um curto período.
Quando a notícia da presença inglesa chegou à Espanha, Carlos III
ordenou ao governador portenho sua expulsão. Para estes fins, o
funcionário espanhol enviou uma carta a Hunt, que desde 1767
comandava os colonos britânicos, advertindo-lhe que devia se retirar
das Ilhas. A resposta inglesa foi negativa e, além disso, exigia à
população hispânica que abandonasse o assentamento. Após vários
enfrentamentos, as potências pactuaram em Londres (em 1770) voltar
ao statu quo, reafirmando, ambas, seus direitos sobre as ilhas.6
O abandono derradeiro ocorreu em 1774, quando a Coroa inglesa, sem
tentativas posteriores de voltar a se estabelecer nas Ilhas, alegando
que a colônia gerava muitos gastos, decidiu delas se retirar, deixando
nas proximidades do forte uma placa com a inscrição de que “the
Falkland islands” se mantinham sob sua propriedade. Após o abandono
britânico das Ilhas, consolida-se a posse efetiva e incontestada da
Espanha de 1767 a 1810. Curiosamente, durante esses anos, foi
firmado um dos acordos que garantem a não intromissão política da
Inglaterra na região. Estamos nos referindo à Convenção de São
Lourenço, mais especificamente a seu artigo sexto, que proibia o
estabelecimento de ingleses nas costas oriental e ocidental da América
do Sul e de suas ilhas adjacentes, embora lhes desse a liberdade de
nelas desembarcar e construir cabanas para fins de pesca.
Com a separação das Províncias Unidas do Rio da Prata da Espanha,
estas se constituíram, segundo as normas internacionais, em herdeiras
natas de todos os direitos e deveres que a Mãe Pátria tinha com relação
àquelas terras.
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Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Em 1820, quase dez anos após a partida dos espanhóis que habitavam
as ilhas, as Províncias Unidas do Rio da Prata enviaram uma fragata sob
o mando do Coronel Jewett, formalizando a posse em nome do governo
rio-platense em seis de abril daquele ano. O ato se apoiou no princípio
do uti possidetis, segundo o qual a soberania é definida com base nos
antigos limites administrativos coloniais. No entanto, o
estabelecimento efetivo nas Ilhas só foi realizado em 1826, com Vernet.
A irrupção inglesa não se produziu senão em 1833, quando o
comandante Onslow hasteou a bandeira britânica e obrigou os
argentinos estabelecidos nas Malvinas a abandonar o solo insular. Seis
3
meses depois desse episódio, um grupo de criollos que trabalhavam na
região se rebelou contra a nova situação: seu líder era o mítico gaúcho
Antonio Rivero. Vários meses depois, a rebelião foi sufocada e seus
protagonistas, ajuizados.
O ano de 1833 marcou o início de uma contínua presença britânica nas
Ilhas do Atlântico Sul, reforçada por uma política de colonização do
espaço por meio do transplante populacional. O estabelecimento de
cidadãos ingleses em território malvinense, feito de forma estratégica,
transformou-se no principal argumento da Inglaterra para legitimar seu
direito sobre as Ilhas, orientado, posteriormente, pela ideia da
“autodeterminação”.
O transplante populacional pode ser uma faca de dois gumes para a
potência europeia: pelo simples fato de os habitantes não serem
originários das Malvinas, fica descartada uma possível reclamação de
9
autodeterminação, o que é ainda mais ilógico se considerarmos que
tanto os órgãos governamentais – administrativos e legais – como a
saúde e a economia do arquipélago são claramente influenciados pelas
decisões do Parlamento.
10
De acordo com o especialista em filosofia política Ernesto Laclau, de
cujo ponto de vista compartilhamos, a autodeterminação fica
descartada porque os habitantes das ilhas não são parte de uma etnia.
Das 3000 pessoas que nelas se encontram, a maioria – 2500 – é de
101
Carlos Sebastián Ciccone
ingleses, embora haja também um grande número de chilenos e, em
menor medida, de uruguaios. Além disso, uma boa parte dos
habitantes de cultura britânica decide, uma vez aposentada, continuar
sua vida no sul da Inglaterra, não se podendo, portanto, dizer que
exista uma cultura malvinense.
A tentativa de conquista da autodeterminação é uma estratégia
clássica empregada pelas metrópoles para a imposição de um
neocolonialismo sobre suas colônias já independentes. Ela se baseia no
controle da economia e dos recursos naturais por parte das potências e,
como é bem sabido, o controle econômico limita a autonomia política
dos novos Estados.
Status jurídico das ilhas
Conforme já foi destacado, elaborar um projeto que omita a situação
atual das Malvinas é incorrer no erro de empreender propostas
idealistas, totalmente absortas da realidade. Por isso, devemos
considerar os seguintes aspectos: há vários anos, as ilhas fazem parte
da Commonwealth of Nations, organização de países independentes
que possuem laços históricos com a Coroa britânica e que tem como fim
a cooperação internacional no âmbito político e econômico.
Atualmente, cinquenta e três países integram esta organização (desde
1950, fazer parte dela não implica submissão alguma à coroa), sendo
Moçambique o único deles que não tem vínculos históricos com a Grã
Bretanha.
Através da Comunidade de Nações, a Inglaterra exerce uma grande
influência em todo o mundo, pois a organização congloba
aproximadamente um bilhão e 922 milhões de pessoas nos cinco
11
continentes (quase um terço da população mundial). As Ilhas fazem
parte do “Território Britânico Ultramarinho”, circunscrição que se
encontra sob a soberania do Reino Unido, mas que não faz parte do
reino, como é o caso da Grã Bretanha ou da Irlanda do Norte.
102
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Outro aspecto que é necessário considerar é que a Grã Bretanha foi
capaz de dotar aos “Falkland islanders” de uma constituição. Há mais
de duas décadas que os habitantes das ilhas têm sua própria Carta
Magna, que entrou em vigência em 1985, sendo reformada em 1997 e
em 2008. Nela, estabelece-se que os habitantes gozam de um governo
próprio; no entanto, sua máxima autoridade, o governador (que, de
acordo com o artigo 37 da constituição das Ilhas, possui superpoderes)
é eleito pela rainha Isabel II. Além disso, é o Reino Unido que se
encarrega da proteção, das relações exteriores e dos assuntos de
negócios das Malvinas. É preciso esclarecer que as leis votadas pela
Câmara são sujeitas à aprovação da Rainha, representada pelo Ministro
das Relações Exteriores.
Desta forma, o grau de autonomia do qual os habitantes das Ilhas falam
é limitado. Além de estarem sujeitos às decisões da Grã Bretanha, não
existem partidos políticos (não há nem mesmo um regime de partido
único), sendo o governo ocupado por cidadãos independentes.
Diante do exposto, somado a que os malvinenses não gozam de
representação no Parlamento britânico, podemos dizer que as Ilhas
Malvinas se encontram “numa situação de dependência total própria
dos territórios não autônomos do artigo 73 12 da Carta das Nações
Unidas, conhecidos como colônias” .13
Projetar é pensar no futuro
O Dicionário da Real Academia Espanhola define “projeto” como “plano
e disposição que se forma para a realização de um tratado ou para a
execução de algo importante”.14 Tal como se pode apreciar na definição,
fazer um projeto implica construir um plano, isto é, uma base ou
estrutura sobre a qual se assenta um tratado ou algo importante: são
estes os alicerces que sustentam as ações ou consequências futuras.
A elaboração de um projeto sobre as Ilhas Malvinas que aborde
aspectos sociais, jurídicos, administrativos, econômicos e culturais
103
Carlos Sebastián Ciccone
permitiria à Argentina estar preparada para enfrentar melhor um
processo de incorporação das Ilhas a seu circuito econômico e político,
mas, principalmente, de integração entre as populações do continente
e da ilha, respeitando as peculiaridades de cada comunidade.
Considerando que a diplomacia argentina tem se focado na reclamação
de soberania com objetivos que têm apontado, basicamente, para um
presente ou um futuro imediato, um antecedente que poderia servir de
referência para a construção de um projeto de médio ou longo prazo é a
política de aproximação com os malvinenses, iniciada no fim dos anos
sessenta e interrompida com a morte do general Juan Domingo Perón,
cujo sucesso se refletiu na proposta britânica de soberania
compartilhada.15
Desde o fim dos anos sessenta, o Estado argentino se propôs construir
laços que propiciassem um contato fluido com a comunidade
16
kelper, colocando à sua disposição direitos e serviços que, pouco a
pouco, geraram uma mudança na visão da população insular sobre a
Argentina. Por isso, a partir de 1969 – porém, com maior ênfase depois
de 1971 –, foram dados os primeiros passos para o estabelecimento de
comunicações diretas entre o continente e o arquipélago: linhas
marítimas e aéreas, incorporação de professores de espanhol à
educação dos habitantes das ilhas, acesso dos habitantes insulares às
instituições educacionais da Argentina, visitas de barcos turísticos,
ampliação das facilidades do único aeroporto, abastecimento de
combustível (com a instalação da YPF na Ilha), entre outras facilidades
hospitalares para melhorar suas condições de vida, demonstrandolhes, assim, os benefícios de fazer parte de um Estado localizado a
menos de treze mil quilômetros de distância.
Graças às conquistas alcançadas, uma grande quantidade de países de
diferentes lugares do mundo elogiou a iniciativa do governo argentino.
A Resolução 3160, elaborada no dia 14 de dezembro de 1973 pelas
Nações Unidas, é a máxima expressão de “reconhecimento pelos
contínuos esforços realizados”.17 Uma das consequências mais
importantes desta resolução foi a proposta realizada pelo governo
104
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
britânico em 1974, que previa o estabelecimento de uma administração
conjunta e de uma soberania compartilhada sobre as Ilhas durante
vinte e cinco anos; uma vez finalizado este prazo, a soberania seria
argentina. Convém assinalar que a aceitação por parte da Argentina foi
adiada porque os conflitos internos eram cada vez maiores, e
finalmente descartada com a morte do general Juan Domingo Perón.
A construção de boas relações – baseadas, principalmente, no
oferecimento de benefícios que melhorem as condições de vida da
população insular – favorecerá uma nova percepção dos falklanders de
que o Estado e a sociedade argentina não têm más intenções para com
eles, ajudando-lhes a deixar de lado todos os preconceitos que a guerra
de 1982 e a propaganda do governo britânico instalaram no imaginário
que eles têm dos “argentinos”. Este seria um primeiro grande passo: o
contato fluido com os habitantes das Ilhas será um incentivo para que o
Estado argentino considere a possibilidade de incorporá-los como um
terceiro ator na disputa, deixando de lado a necessidade de depender
do bilateralismo e da existência ou não de disposição para o diálogo por
parte da Grã Bretanha (algo que o embaixador Argüello e seu It takes
two to tango consideram fundamental).
Na elaboração deste tipo de projetos, os acontecimentos passados
podem funcionar não só como uma ferramenta legitimadora de
soberania, mas também como um instrumento capaz de proporcionar
conhecimentos sobre a resolução de conflitos produzidos pela
“descolonização”, isto é, pela retirada dos velhos impérios de terras
coloniais. Não é só a história argentina que pode servir de exemplo.
Pelo contrário, é indispensável ampliar a visão e observar como o resto
dos Estados que foram vítimas do colonialismo enfrentaram a invasão
estrangeira. Com relação a isto, um caso que pode ser tido como
referência é o de Hong Kong.
Ampliando horizontes: o caso de Hong Kong
Com o objetivo de encontrar uma proposta viável para resolver a
105
Carlos Sebastián Ciccone
“questão das Malvinas”, intelectuais de todo o mundo fizeram extensas
comparações com diversos exemplos de colonialismo, chegando a
diferentes propostas sobre o status jurídico que ela deveria adquirir.
Assim, podemos encontrar análises sobre as semelhanças e diferenças
entre as Malvinas e as Ilhas Alanda, arquipélago que pertence à
Finlândia, situado geograficamente no mar Báltico, entre a costa
finlandesa e a Suécia, com população majoritária de origem sueca. O
conflito nestas ilhas bálticas foi solucionado quando, em 1922, o
governo finlandês concedeu um alto grau de autonomia política e de
respeito à cultura local em troca do desconhecimento das
reivindicações suecas.
Outro caso é o paralelo estabelecido entre as ilhas do Atlântico Sul e
Gibraltar, estando ambos os conflitos sem solução até o momento.
Esses territórios “refletem um mesmo processo: a árdua transição
vivida por alguns domínios imperiais quando quiseram passar do
mundo dos impérios para o das nações”. 18
O último exemplo, considerado o mais apto para estabelecer uma
comparação com o caso das Malvinas, é o de Hong Kong. As
semelhanças entre o caso de Hong Kong e o das Malvinas são várias. O
primeiro aspecto a ser salientado é que ambos os territórios se
encontram a uma considerável distância da Grã Bretanha e, no entanto
– como consequência da política imperialista britânica, mantida
durante todo o século XIX –, foram apropriados pela Inglaterra (apesar
de que, como veremos mais adiante, Hong Kong foi devolvida à China
recentemente). Com o passar dos anos, a colônia asiática se
19
transformou na “pérola do Oriente”, foco de desenvolvimento
econômico, industrial e financeiro na região; já as Malvinas, devido à
sua grande variedade de recursos marinhos, mas principalmente por
seus recursos petrolíferos, pode se transformar, em poucos anos, numa
importante fonte de riquezas para o Reino Unido, na “pérola
americana” .20
Embora as semelhanças ora apontadas devam ser consideradas, é
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Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
indispensável salientar que tanto as Malvinas como Hong Kong se
transformaram em símbolos formadores de identidade, tendo a
reclamação de soberania de ambos os territórios adquirido um caráter
nacionalista.
O caso de Hong Kong, tradicionalmente considerado parte do território
chinês, “representou um desvio na tendência das antigas colônias
britânicas, como a Índia e a África do Sul, a buscar a independência e
ter um governo autônomo após um regime colonial”.21 Assim como as
Malvinas para o povo argentino, os chineses consideraram que “o
retorno de Hong Kong foi uma questão de orgulho nacional e de direito
22
soberano”.
Ocupado pela Grã Bretanha em 1841, após a Primeira Guerra do Ópio,
Hong Kong foi formalmente cedido pela China no ano seguinte no
Tratado de Nanquim. Em 1898, a Convenção de Pequim determinou
seu arrendamento por um período de 99 anos. Durante as duas últimas
décadas do século XX, ambos os países entabularam negociações para
chegar a um acordo.
No dia 19 de dezembro de 1984, foi firmada a Declaração Conjunta
Sino-Britânica, por meio da qual se pactuou que todos os territórios
cedidos seriam devolvidos à República Popular da China em 1° de julho
23
de 1997. Deste modo , previa-se uma transição política que
respeitasse, ao mesmo tempo, o sistema econômico capitalista que o
Reino Unido tinha estruturado naquele território.
Em 1997, após o processo de descolonização, Hong Kong se
24
transformou numa Região Administrativa Especial da república
asiática. Desta forma, por um período de cinquenta anos, também
estipulado de antemão, “Hong Kong se configuraria como uma
administração especial, com independência de seus poderes executivo,
legislativo e judiciário em relação ao governo central da República
Popular da China, ao passo que sua política exterior e sua defesa
dependeriam do governo comunista”.25 Em outras palavras, o território
gozaria de um alto grau de autonomia, tanto em assuntos políticos e
107
Carlos Sebastián Ciccone
econômicos como no resguardo dos direitos humanos e do império da
lei, graças à entrada em vigência de uma Lei Fundamental (documento
análogo a uma Constituição) regida por três princípios fundamentais, a
saber: “um país, dois sistemas”, “alto grau de autonomia para Hong
Kong” e “Hong Kong a cargo dos cidadãos de Hong Kong”.
Hoje, há mais de duas décadas desde sua promulgação, a legislação do
Congresso Nacional da China Popular – a Lei Básica – se transformou no
roteiro de longo prazo para o desenvolvimento democrático de Hong
Kong. Assim, ela oferece segurança constitucional, dotando a excolônia de autonomia, direitos humanos e império da lei, ao passo que
serve como garantia para outros Estados na realização de acordos
internacionais.
Vários anos após sua integração ao território chinês, Hong Kong se
apresenta como “um dos núcleos mais importantes da economia
26
internacional”, superando todos os temores gerados pelo convívio
de um sistema capitalista imerso num sistema comunista, por um lado,
e pela desconfiança com relação a uma possível submissão da
população da Região Administrativa Especial às leis e à cultura chinesa,
por outro. Os indicadores a seguir nos permitem apreciar que sua
incorporação ao Estado chinês não trouxe limitações para o progresso
econômico de Hong Kong:
Crescimento médio do PIB real de 8,5% de 1974 a 1984, e de 6,0% de
1984 a 1994; PIB per capita de aproximadamente 22.000 dólares em
1995, superior ao da Grã Bretanha, Austrália e Japão, o segundo mais
alto da Ásia Oriental; Maior porto de contêineres em termos de tráfego,
encontrando-se entre os principais centros financeiros do mundo em
transações bancárias externas e capitalização do mercado de valores.27
Como bem expressa o Relatório da Comissão ao Conselho e ao
Parlamento Europeu em 2008, “o princípio de um país, dois sistemas foi
respeitado e funciona bem para os habitantes de Hong Kong. É
importante que o governo da RAE de Hong Kong continue gozando de
grande autonomia em matéria econômica, comercial, fiscal, financeira
108
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
e normativa”. 28
Considerações finais: “a República não esquece que num
29
pedaço de seu território não se hasteia a bandeira nacional”
O que tentamos propor neste ensaio é a aplicação conjunta das três
políticas já expostas, isto é, a de aproximação à população, a de
elaboração de um projeto de integração baseado no caso de Hong Kong
que reconheça a vigência no arquipélago de uma Constituição
promovida pelo Reino Unido, e a de reforma da Constituição Argentina.
A primeira das políticas recomendadas, isto é, a construção de laços
com a comunidade kelper, foi uma das ferramentas que melhores
resultados trouxe para o Estado argentino. Seria interessante
conseguir, como nos primeiros anos da década de setenta, uma
aproximação que possibilite aos habitantes insulares obter os
benefícios que o território continental pode lhes oferecer,
demonstrando-lhes, desta forma, o quão vantajosa pode ser uma
relação fluida com a Argentina.
Um claro exemplo disso é a proposta de criação de um programa de
bolsas de estudo para jovens malvinenses que desejem fazer cursos de
graduação, pós-graduação, licenciaturas ou cursos técnicos na
Argentina. Com o tempo, surgirão muitas ideias como esta, tendentes a
alcançar esta aproximação, esta troca mútua fundamental para a
geração de consenso em ambas as populações.30
A segunda pode ser uma ferramenta útil para a diplomacia argentina.
Trata-se de um projeto, elaborado de antemão, que estipule a
incorporação das Malvinas como parte do território de soberania
argentina, bem como a possibilidade de que a população kelper se
integre à sociedade argentina com um marco legal que respeite suas
leis e sua cultura. É fundamental salientar que as principais
características da sociedade argentina, cujas fontes principais de
integração populacional são a diversidade e a plurietnicidade, dão
maior viabilidade para este tipo de projetos.
109
Carlos Sebastián Ciccone
A incorporação de um território sem considerar que nele existe uma
população é um descuido que deve ser evitado, um erro que a história
argentina já experimentou e que gerou polêmica, tanto no âmbito
interno como externo: referimo-nos especificamente à equivocamente
chamada “Campanha do Deserto”, na qual “deserto deve ser entendido
como sinônimo de barbárie ou, em outras palavras, como vazio de
civilização”.31 Nesta campanha, como sua própria denominação
demonstra, as comunidades que habitavam o solo patagônico não
foram respeitadas; tampouco sua forma de organização política e
econômica. Os militares, influenciados pela concepção ideológica
hegemônica na época, o positivismo, empreenderam o massacre, a
marginalização e a exclusão das comunidades indígenas com o objetivo
de “ocupar” a Patagônia com população branca de origem europeia.
Recuperar a soberania das Ilhas não significaria obrigar os habitantes a
mudar sua forma de vida e muito menos impor-lhes uma cidadania,
pois a soberania se exerce sobre um território, e não sobre uma
população. Considerando que muitos argentinos possuem dupla
cidadania, seria coerente a possibilidade de que os falklanders
conservassem a cidadania britânica, podendo também ter acesso à
argentina.
A última estratégia proposta tem a ver com a Constituição argentina.
Contraditoriamente à importância do assunto, a questão das Malvinas é
tratada na Constituição somente numa das Disposições Transitórias,
32
mais exatamente, na primeira. Cumpre esclarecer que, conforme
estabelecido na Constituição argentina, os malvinenses habitam um
território que faz parte da província da Terra do Fogo e Ilhas do
Atlântico Sul, sendo considerados sujeitos de direito como o resto dos
habitantes da Argentina.
Atualmente, aproveitando o amadurecimento que os argentinos
alcançaram na esfera civil e política, é pertinente considerar, como
ponto de partida, a ideia de se adaptar a Constituição nacional para
que, agindo dentro dos marcos da lei, seja possível empreender um
projeto de características similares às do elaborado pela China e a Grã
110
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Bretanha para a integração de Hong Kong ao território da república
comunista. Para isso, o artigo 31 da Constituição da República Popular
da China pode servir como referência, pois é iminente incorporar a
noção de Região Administrativa Especial.
A proposta ora lançada tem vantagens sobre uma suposta incorporação
das Ilhas com o status de “província”.33 Ser apenas mais uma
divisão do território argentino pode ser interpretado pelos malvinenses
como uma subjugação ao Estado argentino e, de certo modo, como
uma “perda de liberdades” (algo que hoje eles não têm).
Se o que se quer é terminar com o predomínio de uma potência
europeia no continente americano, devemos abrir nosso horizonte de
análise e considerar os acontecimentos e a história de todos os
Estados; mais especificamente, como se deu a luta contra o
imperialismo no resto do mundo. Por isso, é necessário começar a
observar como a China, que dia após dia se reafirma como potência
mundial, conseguiu superar essas adversidades. O contexto da
atualidade pode ser propício para isto, já que a Argentina construiu
boas relações com a potência asiática; no entanto, o Estado argentino
não pode incorrer no erro de limitar essa relação à concreção de
acordos econômicos e políticos, devendo, pelo contrário, ampliar a
diplomacia aos âmbitos da educação e da cultura.
A sociedade civil e política argentina deve deixar de lado uma das ideias
que condicionou a política exterior argentina: depender da aceitação
ou não do governo britânico para dialogar sobre a questão da
soberania. Pensar que a participação da Grã Bretanha na solução do
34
conflito é indispensável significa uma leitura incompleta da realidade.
O Estado argentino deve, de uma vez por todas, propor as regras do
jogo com base em dois fatores fundamentais: o primeiro deles é ter
conseguido fazer da problemática das Malvinas uma “causa nacional”,
isto é, que os principais partidos políticos do país adotassem uma
política unificada com relação à reclamação internacional de soberania
sobre o arquipélago. As Ilhas Malvinas foram um dos pilares
111
Carlos Sebastián Ciccone
fundamentais da identidade argentina, “o lugar onde, ao fim e ao cabo,
os argentinos voltavam a se juntar como nação, isto é,
independentemente das bandeiras ideológicas e políticas”,35por isso,
hoje (em 2012) a sociedade civil e política argentina superou suas
divergências. O segundo fator fundamental, por sua vez, é pela
primeira vez na história ter obtido o apoio de todos os países da
América do Sul (aliado a um dos países a caminho de se tornar uma
potência: o Brasil).
Assim como o doce de leite, as Malvinas são um dos símbolos de
identidade mais importantes e representativos do povo argentino. Sua
perpetuação como colônia britânica significa uma dívida pendente,
uma ferida no orgulho não só de cada um dos habitantes do nosso país,
mas também de cada latino-americano. Recuperar nossa querida
36
“irmãzinha perdida” e romper os laços do imperialismo só depende de
nós.
Notas
1 - Doutor em Ciências Naturais e pesquisador argentino falecido em 1982 sem ter
podido estudar a fauna malvinense.
2 - Pablo CAMOGLI, Batallas de Malvinas. Todos los combates de la Guerra del
Atlántico sur, Aguilar, 2007, p. 22.
3 - Pelo contrário, Londres, a capital do Reino Unido, encontra-se a uma distância
considerável: 14.000 quilômetros.
4 - “O direito público europeu reconhecia no Sumo Pontífice a autoridade necessária
para dispor dos territórios não sujeitos a príncipes cristãos e atribuí-los, em plena
soberania, a quem neles pudesse difundir a relegião católica”, Dictamen de la
Academia Nacional de la Historia: Los derechos argentinos sobre las Islas Malvinas,
em Los derechos argentinos sobre las Islas Malvinas, Buenos Aires, 1964, págs. 6386.
5 - Mario Hernández SÁNCHEZ BARBA, “Las islas Malvinas en la órbita del Imperio
británico”, Cuenta y razón, nº 7, Buenos Aires, 1982, págs. 111-118.
6 - Na historiografia, muito já se falou sobre um acordo secreto no qual se pactuava
que, uma vez reparada a honra de Sua Majestade Britânica com a restituição de Port
Egmont, os ingleses deveriam abandonar a ilha. Para mais informações, vide: Julius
GOEBEL, La pugna por las Islas Malvinas. Un estudio de la historia legal y diplomática,
Buenos Aires, 1951.
7 - Para mais informações sobre a “herança da Mãe Pátria”, vide: Ricardo ZORRAQUIN
BECÚ, “Aspectos jurídicos y morales en la historia de las Malvinas”, em Los derechos
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Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
argentinos sobre las Islas Malvinas, Buenos Aires, 1964, págs. 47-60.
8 - A intervenção britânica em território sul-americano revelou vários aspectos da
política internacional, entre eles o quão ambígua e relativa era a Doutrina Monroe,
principalmente devido à não intervenção dos Estados Unidos.
9 - Tudo isso invalida a possibilidade de realização de um plebiscito para que os
kelpers decidam entre a autodeterminação e o pertencimento ao Estado inglês ou ao
Estado argentino. Conforme bem expressado pelo cientista político argentino Bruno
Bologna em sua palestra “Malvinas: política de Estado”, ministrada nas “Primeiras
jornadas interdisciplinarias sobre a questão das Malvinas na UNS”, realizadas de 4 a 8
de junho de 2012 na cidade de Bahia Blanca, “se a Argentina enviasse 3000
argentinos para viver nas ilhas, o plebiscito seria totalmente favorável ao nosso país”.
10 - Jornal Tiempo Argentino, “Mi posición es la opuesta”, entrevista com Ernesto
Laclau, 25/02/2012. Endereço URL:
http://tiempo.infonews.com/2012/02/25/argentina-68642-mi-posicion-es-laopuesta.php [Consulta realizada no dia 22 de julho de 2012].
11 - Para mais informações sobre o status jurídico das ilhas, vide María Florencia
CASIM, “El estatus jurídico de las Islas Malvinas según el ordenamiento jurídico
británico”. Endereço URL: http://www.ara.mil.ar/archivos/Docs/79Florencia.pdf
[Consulta realizada no dia 17 de julho de 2012].
12 - “Artigo 73. Os Membros das Nações Unidas, que assumiram ou assumam
responsabilidades pela administração de territórios cujos povos não tenham atingido a
plena capacidade de se governarem a si mesmos, reconhecem o princípio de que os
interesses dos habitantes desses territórios são da mais alta importância, e aceitam,
como missão sagrada, a obrigação de promover no mais alto grau, dentro do sistema
de paz e segurança internacionais estabelecido na presente Carta, o bem-estar dos
habitantes desses territórios e, para tal fim, se obrigam a: a) assegurar, com o devido
respeito à cultura dos povos interessados, o seu progresso político, econômico, social
e educacional, o seu tratamento equitativo e a sua proteção contra todo abuso; b)
desenvolver sua capacidade de governo próprio, tomar devida nota das aspirações
políticas dos povos e auxiliá-los no desenvolvimento progressivo de suas instituições
políticas livres, de acordo com as circunstâncias peculiares a cada território e seus
habitantes e os diferentes graus de seu adiantamento; c) consolidar a paz e a
segurança internacionais; d)promover medidas construtivas de desenvolvimento,
estimular pesquisas, cooperar uns com os outros e, quando for o caso, com entidades
internacionais especializadas, com vistas à realização prática dos propósitos de ordem
social, econômica ou científica enumerados neste Artigo; e e)transmitir regularmente
ao Secretário-Geral, para fins de informação, sujeitas às reservas impostas por
considerações de segurança e de ordem constitucional, informações estatísticas ou de
outro caráter técnico, relativas às condições econômicas, sociais e educacionais dos
territórios pelos quais são respectivamente responsáveis e que não estejam
compreendidos entre aqueles a que se referem os Capítulos XII e XIII da Carta.
Endereço URL: http://www.un.org/spanish/aboutun/charter.htm#Cap11 [Consulta
realizada no dia 17 de julho de 2012].
13 - María Florencia CASIM, “El estatus jurídico de las Islas Malvinas según el
113
Carlos Sebastián Ciccone
ordenamiento jurídico británico”, p. 87.
14 - Diccionario de la Lengua Española, Vigésimo segunda edição. Endereço URL:
http://lema.rae.es/drae/?val=proyecto [Consulta realizada no dia 16 de julho de
2012].
15 - É preciso descartar as políticas de aproximação que tendem a um contato
superficial com os habitantes das Ilhas, como, por exemplo, a implantada por Menem
e o chanceler Di Tella (baseada em presentes de Natal, livros, etc.): “Infelizmente, a
consequência de todos estes esforços foi que não só não ajudaram a que os
habitantes das Ilhas revissem sua posição sobre as relações com o continente e a
possibilidade de que a Argentina se aproximasse de seu objetivo, mas, pelo contrário,
fizeram aumentar a rejeição para com o ministro das Relações Exteriores, que (apesar
de seu cargo) foi impedido de visitar as Ilhas, e para com o governo argentino em
geral”, Sebastián GIL, Las islas Malvinas y la política exterior argentina durante los
'90s: Acerca de su Fundamento Teórico y de la Concepción de una Política de Estado,
Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales, Serie de Documentos de
Trabajo en Internet (DTI), DTI n°: 1, 1999, págs. 8-9.
16 - Os insulares têm esse apelido porque as ilhas são rodeadas por grandes algas
marinhas chamadas kelp.
17 - Resolução 3160 das Nações Unidas. Endereço URL:
www.dipublico.com.ar/instrumentos/136.pdf [Consulta: 17 de julho de 2012].
18 - Mariano GRONDONA, “Malvinas, Hong Kong y Gibraltar”, La Nación, Buenos
Aires, 5 de abril de 2012.
19 - María Victoria LÓPEZ LÓPEZ, “El estatuto jurídico-político de Hong Kong en la
República Popular de China”, p. 293.
20 - O Brasil chamou o Atlântico Sul de “Amazonas azul”.
21 - Robert GAGE, “Hong Kong: una perspectiva de interconexión sobre la Región
Administrativa Especial de China después de su primer aniversario”, Gestión y Política
Pública, primeiro semestre, ano/volume X, n° 1, p. 127.
22 - Ibidem.
23 - “Em 19 de dezembro de 198, a primeira ministra inglesa Margaret Thatcher e seu
homólogo chinês Zhao Ziyang firmaram a Declaração Conjunta, cujo propósito era o
estabelecimento do marco jurídico dentro do qual seriam realizadas tanto a reversão
de Hong Kong à soberania chinesa como o próprio governo dos territórios a partir de
então”. Arturo SANTA CRUZ, “Un país, dos sistemas, ¿por cuánto tiempo?”, México y
la Cuenca del Pacífico, vol. 5, núm.16, maio/agosto de 2002, p. 22. Endereço URL:
http://148.202.18.157/sitios/publicacionesite/pperiod/pacifico/Revista16/04Arturo.pdf.
24 - Artigo 31 da Constituição da República Popular da China: “O Estado pode criar
regiões administrativas especiais sempre que necessário. Os regimes a instituir nas
regiões administrativas especiais deverão ser definidos por lei a decretar pelo
Congresso Nacional Popular à luz das condições específicas existentes”.
25 - María Victoria LÓPEZ LÓPEZ, “El estatuto jurídico-político de Hong Kong en la
República Popular de China”, p. 292.
26 - Ibidem.
27 - Juan Antonio CLEMENTE SOLER, “El proceso de descolonización de la Región
Administrativa Especial de Hong Kong”, Anales de Derecho, Núm. 27, 2009, p. 278.
114
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
28 - Relatório da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu. Relatório Anual
Hong Kong 2008. María Victoria LÓPEZ LÓPEZ, “El estatuto jurídico-político de Hong
Kong en la República Popular de China”, p. 304.
29 - Ricardo CAILLET-BOIS, Una tierra argentina: las islas Malvinas, Buenos Aires,
1948.
30 - “Senado: Proponen implementar becas de estudio para jóvenes malvinenses”,
Sur54.com. Endereço URL: http://sur54.com.ar/senado-proponen-implementar-becasde-estudio-para-jovenes-malvinenses.
31 - Susana BANDIERI, “Ampliando las fronteras: La ocupación de la Patagonia”,
Nueva Historia Argentina. El progreso, la modernización y sus límites (1880-1916),
tomo V, Buenos Aires, Sudamericana, 2000, p. 129.
32 - “A Nação Argentina retifica sua legítima e imprescritível soberania sobre as Ilhas
Malvinas, Georgias do Sul e Sandwich do Sul e os espaços marítimos e insulares
correspondentes, por serem parte integrante do território nacional. A recuperação de
tais territórios e o exercício pleno da soberania, respeitando o modo de vida de seus
habitantes, e conforme aos princípios do direito internacional, constituem um objetivo
permanente e irrenunciável do povo argentino”.
33 - “Sobre cómo podría ser la incorporación legal de Malvinas a la Argentina”.
Endereço URL: http://comunicacionpopular.com.ar/sobre-como-podria-ser-laincorporacion-legal-de-malvinas-a-la-argentina/.
34 - Atualmente, as numerosas resoluções da ONU que exigem que ambos os países
retomem o diálogo para chegar a um acordo são passadas por alto, sendo
consideradas como “letra morta”.
35 - Alejandro GRIMSON; Mirta AMATI e Kaori KODAMA, “La nación escenificada por
el Estado. Una comparación de rituales patrios”, Pasiones nacionales. Política y
cultura en Brasil y Argentina. Edhasa, 2007, p. 438.
36 - Forma como o cantor argentino Atahualpa Yupanqui chamou as ilhas.
115
116
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Menção especial
A FALKLANDS FORTRESS
A construção da questão das Malvinas como questão
latino-americana ante o paradigma neocolonial britânico
no Atlântico Sul
Federico Martín Gómez
Federico Martín Gómez
A FALKLANDS FORTRESS
A construção da questão das Malvinas como questão
latino-americana ante o paradigma neocolonial britânico
no Atlântico Sul
Federico Martín Gómez1
O fim da guerra no Atlântico Sul, em 14 de junho de 1982, fez nascer
um sério debate sobre o futuro militar das Ilhas Malvinas no seio do
governo britânico. Esta discussão se centrava em duas instâncias: por
um lado, na situação de enfrentamento e de ameaça em função do
conflito latente com a República Argentina, e por outro, na projeção das
Ilhas como posição estratégica no tabuleiro da Guerra Fria.
1 Fernando Gómez é bacharel em Ciências Políticas e Relações Internacionais pela Universidade Católica
Argentina (Regional La Plata) e atualmente cursa o mestrado em Relações Internacionais no Instituto de
Relações Internacionais da Universidade Nacional de La Plata (UNLP). É secretário e membro
pesquisador do Departamento das Ilhas Malvinas, Antártida e Ilhas do Atlântico Sul (IRI - UNLP).
118
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Estas duas instâncias de caráter político-militar formaram o
embasamento necessário para que o governo britânico de 1982, sob a
liderança de Margaret Tatcher, tomasse a decisão de construir a maior
base militar do hemisfério sul, fincada no Atlântico Sul, conhecida como
Falklands Fortress.
O objetivo deste trabalho é realizar uma aproximação sobre a origem e
o desenvolvimento político-militar desta base a partir de uma dimensão
histórico-diplomática, começando o estudo em meados da década de
1980 e advertindo sua potencialidade como fator político-militar, até
chegar à posição construída pela Argentina com seu posicionamento
estratégico de denúncia, bem como à solidariedade latino-americana
contra este enclave colonial militar britânico no Atlântico Sul.
O paradigma militar britânico no Atlântico Sul
Com o fim da guerra no Atlântico Sul, em 14 de junho de 1982, o
Governo britânico tomou a decisão de iniciar o fortalecimento militar
defensivo das Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul por
meio da construção de uma base aérea com projeções em toda a região
em conflito e, potencialmente, em todo o Atlântico Sul.
A decisão do governo de Margaret Tatcher de dar início a essa
construção seria baseada numa iniciativa para o desenvolvimento da
economia das Ilhas, de acordo com as recomendações obtidas do
Relatório Shackleton.1
No entanto, a potencialidade da base dentro do esquema da Guerra
Fria haveria de trazer consigo uma nova variável: a projeção do conflito
leste-oeste no Atlântico Sul. Assim, Rodolfo Terragno descreve a
translação do conflito leste-oeste para o hemisfério sul, detalhando as
características da nova base militar, que coordenaria esforços com
outras bases militares do Reino Unido e da OTAN como a da Ilha de
Ascensão.
119
Federico Martín Gómez
Além disso, Terragno assinala que as variáveis operacionais desta base
não se encontravam em outras instaladas pelo Reino Unido no resto do
globo:
A Grã Bretanha não tem outra base semelhante. Além das forças
estacionadas na Alemanha Ocidental, somente em Hong Kong há um
contingente militar britânico tão numeroso. Em relação ao número de
habitantes, o das Malvinas é único: 7000 soldados cuidam de 1800
habitantes.2
Assim, tomada a decisão de construir esta nova base nas Ilhas, teria
início um processo de concentração de forças militares de última
geração, dando lugar a um novo paradigma de segurança e de
presença imperial britânica no Atlântico Sul.
Construção e características da base militar de Mount
Pleasant (1982 a 1985)
A política de segurança militar para os habitantes insulares adotada
pelo Reino Unido, que criou uma instância física de defesa, foi
concebida como uma necessidade imperiosa diante da situação de
enfrentamento e da falta de declaração de cessar-fogo por parte da
República Argentina, a qual só ocorreu nos anos noventa.
A construção desta base exigiria a presença de pessoal acorde às
diversas etapas de construção e às quantidades requeridas; é por isso
que o contingente de pessoal durante sua construção nunca foi menor
do que três mil soldados, sem contar os que estavam embarcados em
navios que circundavam as águas das Ilhas.
Desta maneira, o governo britânico estimou um investimento inicial de
trezentos milhões de libras esterlinas para a construção da nova base
área, índice da magnitude de seu esforço orçamentário final. Esta base
substituiria o aeroporto próximo a Puerto Argentino, o qual, como
consequência do conflito, finalizara suas operações após os
bombardeios britânicos contra a presença de aeronaves e pessoal
120
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
militar argentino.
A construção deste novo aeroporto, com arquitetura de uma base
militar, teria duas projeções claras para as Ilhas e a população: a
primeira delas era o contato entre os habitantes das ilhas e o Reino
Unido, já que o aeroporto era apto para a aterrissagem de aeronaves de
transporte; a segunda, por sua vez, referia-se a seu potencial como
elemento de dissuasão para a Argentina. Com efeito, o próprio governo
argentino, sob o comando do Dr. Raúl Alfonsín, planejou a estratégia de
adotar “um estado de tensão suficientemente alto para que esta (a Grã
3
Bretanha) construísse uma base com alto custo de manutenção”. De
acordo com a análise realizada por Gustafson (1988), a estratégia
seguida pelo governo radical de Alfonsín foi abandonada no início de
1984, diante da atitude britânica de continuar com os investimentos
para a construção e a finalização da base, demonstrando sua
predisposição para enfrentar tais dispêndios.
No processo de construção da base, a presença aeronaval nas Ilhas era
exorbitante, chegando a cerca de doze navios, entre fragatas e
destróieres, de um total de cinquenta embarcações em condições reais
de enfrentar um conflito, além de cinco dos quatorze submarinos de
propulsão pertencentes à marinha britânica. Com relação ao poder
aéreo, contava-se com quatro interceptores F4 e entre quatro e seis
Sea Harriers, além dos aviões de reabastecimento aéreo e de
reconhecimento marítimo do tipo Hércules, bem como dos helicópteros
Chinook, Sea King, Lynx, Scouts e Gazelles.
As unidades antiaéreas eram compostas por unidades Rapier e
Blowpipe e contavam, como apoio na identificação de objetos, com três
estações de radares dispostos em linha, além de linhas de comunicação
e de um sistema informático de alerta precoce.
Em declarações realizadas para a imprensa britânica naquele
momento, o subsecretário adjunto John Peters afirmou:
[…] embora o aeroporto atual seja adequado para os aviões da
121
Federico Martín Gómez
guarnição, podendo servir como terminal de uma ponte aérea [...], é
necessário dispor de pistas mais longas para o transporte estratégico
às (e a partir das) ilhas.4
Com o objetivo principal de realizar sua pronta inauguração, como base
estratégica das forças armadas britânicas, o governo de Margaret
Tatcher prosseguiu a reestruturação financeira para arcar com os
insumos necessários.
Pouco antes da inauguração, o ministro das Relações Exteriores
argentino Dante Caputo ideou uma estratégia de denúncias múltiplas
em todos os organismos regionais e internacionais possíveis, bem
como nos foros onde se pudesse denunciar a ameaça que, com o
posicionamento do conflito leste-oeste nesse setor do hemisfério, a
Fortaleza Falklands representava para a paz institucionalizada da
região. Vários analistas interpretaram e refletiram sobre a questão em
duas grandes dimensões: uns consideravam a presença de tropas de
um país alheio à região como uma ameaça, outros, que a condição
política do Reino Unido se devia a um condicionamento estabelecido
pela Argentina, que lhe negava transporte e logística para dar
seguimento ao desenvolvimento das Ilhas.
Com a inauguração da base aérea e de suas instalações, seu potencial e
sua projeção começavam a se revelar.
A modificação do modo de proceder do governo argentino na esfera
ictíica de negociações, bem como no gerenciamento do assunto,
acarretou um endurecimento ante qualquer variável que introduzisse
uma modificação no status da questão.
Um exemplo disso, no qual são visíveis duas instâncias, uma militar e
outra diplomática, foi o incidente com um navio pesqueiro de origem
taiwanês que desconheceu a soberania argentina sobre as Ilhas e suas
águas circundantes. Diante das negociações dilatadas por sua
tripulação, ele foi afundado pela Guarda Costeira Argentina,
5
produzindo o falecimento de um de seus tripulantes; este incidente
122
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
acabou por derivar na instância militar e foi denunciado pelo governo
inglês como “patrulhamento agressivo”.
Com relação à instância diplomática, a criação de uma zona de exclusão
unilateral chamada Zona Interina de Conservação e Administração
Pesqueira (FICZ) compreenderia, se concretizada, uma área
circundante às ilhas de 150 milhas. O protesto argentino não demoraria
a chegar. A ação unilateral britânica foi consequência dos acordos de
licenças de pesca realizados entre a Argentina e a URSS, que permitiam
a esta ter acesso às zonas pesqueiras em conflito.
Dali em diante, em vez de um continuum de negociações pacíficas,
gerar-se-ia um impasse entre o governo de Raúl Alfonsín e os governos
de Margaret Tatcher e de seu sucessor.
O começo de uma consciência regional sobre a importância do
Atlântico Sul. A Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul
A constituição da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZPCAS),
aprovada em 27 de outubro de 1986 pela resolução 42/16 das Nações
Unidas, tinha em vista a busca de uma área livre de conflituosidade
onde os materiais e armas nucleares fossem proibidos. A Argentina fez
referência exata à potencial impossibilidade de existência dessa
instância temporal-espacial devido à presença militar britânica no
próprio Atlântico Sul, bem como às notícias e denúncias crescentes,
realizadas por ONGs e cientistas da Europa – porém sem comprovação,
6
ao menos até aquela época –, sobre a existência de material nuclear
nos navios que tinham sido afundados pelos ataques da Força Aérea
Argentina e da aviação da Marinha argentina. Por ocasião da sexta
reunião da ZPCAS, celebrada na cidade de Luanda (Angola) em 2007,
os países membros da organização introduziram uma temática
relacionada à questão nuclear, especificamente sobre seu uso militar.
Entre seus pontos principais, a Declaração de Luanda 7 contém o
seguinte item: Paz, estabilidade e segurança, inclusive na prevenção de
123
Federico Martín Gómez
conflitos e na consolidação da paz na Zona.
No documento final da reunião, observa-se um giro na percepção da
questão nuclear:
O direito inalienável de desenvolver a pesquisa, produção e utilização
da energia nuclear com fins pacíficos foi afirmado. É claro que a não
proliferação de armas de destruição em massa foi reforçada como
objetivo comum. [...] A presença da energia nuclear com fins pacíficos
no documento da reunião demonstra a vontade dos países de
desenvolver esta tecnologia e utilizá-la em outros meios que não as
armas.8
Esta declaração tem como antecedente a Declaração de
Desnuclearização do Atlântico Sul. Como anexo ao documento final da
reunião de Brasília (a terceira da ZPCAS), foi introduzido o seguinte
conteúdo:
- Avançar no processo de desarmamento das armas nucleares e de
destruição em massa;
- Necessidade de prevenção da proliferação de armas nucleares para
provas, uso, fabricação, produção, aquisição, recepção, remontagem,
instalação e posse.
Desta maneira, o documento incentiva a criação de uma zona livre de
armas nucleares no Atlântico Sul e lança um olhar sobre a presença
nuclear britânica na região.
A continuação das ações militares em Mount Pleasant
Já entrado o ano de 1988, o Ministério da Defensa britânico formulou e
divulgou a realização de um exercício militar de combate das três forças
em conjunto, previsto para o mês de março. Adotando o nome de Fire
Focus, o exercício envolveria o deslocamento de tropas e a
implementação de um sistema defensivo moderno contra supostos
124
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
ataques armados provenientes de territórios próximos. Este foi o
objetivo principal do Fire Focus: dissuadir toda e qualquer tentativa
militar de uso da força, empregando, para isso, o potencial defensivo e
de contra-ataque próprio da base, num exercício em que cada uma das
três forças cumpriria sua função. Em números, a presença do Exército
Real britânico se traduziu nas ações de mil homens da força, além dos
aviões próprios da base, que empregavam as armas da Força Aérea e,
completando a terceira arista do exercício militar, das embarcações
envolvidas nas manobras, proporcionadas pela Marinha Real.
Frente a esta intervenção e à modificação do status, contrários às
resoluções das Nações Unidas, o Ministério das Relações Exteriores
argentino iniciou, por ordem do Poder Executivo, um processo
sistemático de denúncias nos organismos internacionais. A OEA e as
Nações Unidas foram um âmbito propício para a reivindicação histórica
argentina, tendo servido como canalizadores para a denúncia das
ações britânicas. As posições adotadas pelos Estados latinoamericanos, embora divergentes, indicavam o início de uma tomada de
consciência sobre a presença desta ameaça.
O ministro das Relações Exteriores Dante Caputo apresentou tais
denúncias, descrevendo que “a situação criada no Atlântico Sul pela
decisão do governo do Reino Unido de realizar manobras militares nas
9
Malvinas (...)” representava uma fratura da vontade argentina de abrir
o caminho do diálogo e da paz, proposta pelo governo de Alfonsín.
Além disso, o governo argentino ordenou a mobilização de tropas em
resposta à realização desses exercícios.
Década de noventa: sedução e bilateralidade
O início do governo de Carlos Menem e sua política exterior com relação
à questão das Malvinas se caracterizam pela concreção dos acordos de
Madri I (dezembro de 1989) e Madri II (fevereiro de 1990). Com eles, as
relações diplomáticas com o Reino Unido foram reestabelecidas por
meio da engenharia diplomática do “guarda-chuva de soberania”, isto
125
Federico Martín Gómez
é, “a proteção dos direitos de cada parte no que concerne aos
arquipélagos e espaços marítimos circundantes, mas, ao mesmo
tempo, a retomada das relações diplomáticas, consulares e
10
econômicas”.
Estes acordos gerariam instâncias de distensão na esfera militar,
abrindo o caminho para os instrumentos diplomáticos e políticos, tais
como o monitoramento e o aviso prévio sobre o trânsito de navios
militares de ambos os Estados pela zona, entre outras medidas de
coordenação e geração de confiança entre ambas as nações.
A vinculação com os Estados Unidos por meio das “relações carnais”
trouxe a melhora das relações com o Reino Unido e a busca de acordos
e de cooperação, gerando uma instância temporal-espacial de
concreção de acordos em matéria de hidrocarbonetos e de pesca.
Somado a isso, a finalização do projeto Condor II, bem como a
participação argentina como sócio extra-OTAN, gerariam vínculos de
confiança mútua com o Reino Unido.
A Declaração conjunta argentino-britânica de 1995, sobre a
cooperação em atividades off-shore no Atlântico Sul-Ocidental, teve
uma grande repercussão no âmbito nacional e foi duramente atacada
pela oposição política, que denunciou os mínimos benefícios e os
prejuízos que o acordo traria. A questão pesqueira foi abordada com a
criação de uma comissão científica, a qual velaria pela proteção e o
estudo dessa riqueza, com vistas a seu aproveitamento sustentável,
por meio de missões conjuntas e de uma administração responsável na
expedição de licenças para exploração.
Com a Reforma Constitucional de 1994, incorporou-se, pela primeira
vez, a questão das Malvinas ao texto constitucional. Assim, a Primeira
Disposição Transitória é um mandato nacional que declara a soberania
argentina sobre as Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul e
suas águas circundantes como legítima e imprescritível, posicionandoa como um objetivo permanente e irrenunciável do povo argentino. Na
metade do segundo governo de Menem, a política de sedução dos
126
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
habitantes insulares começava a demonstrar claramente as
características paupérrimas de abordagem da questão. Motivado por
estas consequências, o governo escolheu dois caminhos: o
reposicionamento da questão nos foros internacionais e a possibilidade
concreta de iniciar a promoção do assunto por meio de ações judiciais e
de indenizações aos kelpers; esta última opção logo se descartou por
não ter nenhum sustento.
No fim do governo de Menem, a concreção do acordo de voos de
conexão e comunicação entre o continente e as Ilhas, celebrado em
julho de 1999, foi não só resultado das negociações empreendidas pelo
governo, mas também consequência de um acontecimento
internacional: a detenção de Augusto Pinochet por parte do governo
britânico, que causou a interrupção dos voos que saíam do Chile para as
Ilhas. Assim, com a consecução deste acordo, os cidadãos argentinos
poderiam voar novamente para as Ilhas se cumprissem certos
requisitos, entre eles, a utilização de passaporte.
O reposicionamento da base de Mount Pleasant na década de
noventa
Descrita, a modo de aproximação, a política exterior dos anos noventa
com relação à questão das Malvinas, devemos interpretar a projeção
que a Fortaleza Falklands adquire na nova ordem mundial pós União
Soviética, em sua função de comunicação das Ilhas com o mundo.
Quais deveriam ser sua projeção e desenvolvimento? Estes seriam os
interrogantes, naqueles anos, do governo britânico no poder.
A necessidade de reposicionar a base em função das necessidades de
desenvolvimento econômico, social e político das Ilhas projetaria novas
instâncias de formulação. Assim, como instrumento comunicacional
dos habitantes das Ilhas com o continente e como ator estratégico, a
base iniciaria um novo processo de composição interna,
transformando-se numa estação itinerante de oficiais das Forças
127
Federico Martín Gómez
Armadas britânicas, ponto nodal das comunicações das Ilhas e novo
paradigma da presença militar estrangeira na América Latina.
O próximo objetivo seriam os recursos naturais.
A Alianza: diplomacia multilateral e instâncias de confiança
mútua
A construção de um arcabouço diplomático sobre a questão das
Malvinas durante o governo da Alianza foi estruturada pelo Instituto
Programático da Alianza. Constituído por grandes diplomatas, políticos,
11
acadêmicos e especialistas na questão, ele se tornou o think tank a
partir do qual se gerariam as pulsões necessárias para a construção de
uma abordagem sobre a questão das Malvinas.
A decisão de recolocar o assunto na agenda internacional, tanto nos
foros como nos âmbitos nos quais a questão seria tratada,
contrapunha-se ao processo anterior, abandonando a sedução e
impulsionando, mais uma vez, a histórica resolução 2065 das Nações
Unidas.
Com relação à construção de confiança entre ambos os governos, a
crescente cooperação e diálogo foram traduzidos em vários gestos e
ações simbólicas, bem como na retirada da guarnição militar britânica
das Ilhas Géorgia, ativa desde o fim da guerra, num gesto que foi
aplaudido pelo governo argentino. Somado a esta retirada militar, após
duras negociações e diálogos, o levantamento do veto para que a
Cidade de Buenos Aires se transformasse na sede do Tratado Antártico
seria a culminação de anos de negociações sobre a questão. A
cooperação para a realização do estudo de viabilidade da remoção das
minas terrestres nas Ilhas Malvinas, estabelecida no Tratado de Ottawa
de 1997, do qual ambos os Estados são parte, ficaria latente ante a
convulsão interna que o governo argentino sofreria, com sua posterior
queda, a crise e a eclosão nacional de dezembro de 2001.
O início da evolução da Fortaleza Falklands: a segunda Ordem
128
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Mundial pós 11 de setembro
Os ataques realizados contra os Estados Unidos no dia 11 de setembro
de 2001 e os ataques posteriores em Londres e em Madri, realizados
por grupos islâmicos vinculados com a rede de Osama Bin Laden,
produziriam uma evolução própria da base com a decisão do governo
de Tony Blair de ser partícipe da cruzada contra o terrorismo islâmico
internacional.
Com o início do governo de Néstor Kirchner, as relações entre a
Argentina e o Reino Unido se esfriariam drasticamente como
consequência de diversas medidas adotadas por ambos os Estados.
Em 2004, a decisão do governo britânico de reposicionar sua projeção
no Atlântico Sul se materializou na concreção do translado do Comando
Naval do Atlântico Sul, com sede até aquele momento no Reino Unido,
para as instalações militares de Mare Harbour e Mount Pleasant.
A reclamação de soberania nacional teria como porta-voz o ministro das
Relações Exteriores Rafael Bielsa, que exerceu suas funções na XXIII
Reunião da Comissão de Pesca do Atlântico Sul (2003) e também em
foros internacionais, como o Comitê de Descolonização das Nações
Unidas, a OEA e o Mercosul.
A posição intransigente do governo britânico diante da recusa dos
habitantes insulares a não admitir voos de bandeira argentina para as
Ilhas levou à interrupção dos voos charters permitidos até aquele
momento pela Argentina, ficando autorizados somente os voos
estabelecidos no acordo de julho de 1999.
No que tange à questão ictíica, o claro deterioramento do recurso
devido à superexploração e às excessivas vendas de licenças
pesqueiras, realizadas de maneira unilateral pelo governo das Ilhas,
produziu atritos, prejudicando as negociações nessa matéria.
Resultado disso seria a interrupção das reuniões da Comissão de Pesca
do Atlântico Sul e do Subcomitê Científico para a Preservação do
129
Federico Martín Gómez
Recurso.
Na instancia de negociação humanitária, a construção do cenotáfio no
cemitério, concluída em 2005, abriu uma nova instância de negociação
para sua inauguração. Dentro da mesma esfera, o diálogo para a
concreção do estudo de viabilidade da remoção das minas terrestres
nas Ilhas apresentaria grandes avanços, em função das datas-limite
impostas pelo Tratado de Ottawa aos Estados partes.
Com a mudança de ministro das Relações Exteriores e a ascensão de
Jorge Taiana à pasta, a continuidade da política exterior com relação às
Malvinas, com suas características e variáveis, seria acrescentada.
Em 2007, ano de comemoração do vigésimo quinto aniversário do fim
do conflito do Atlântico Sul, a decisão de dar por encerrada a
Declaração conjunta argentino-britânica de 1995, sobre a cooperação
em atividades off-shore no Atlântico Sul-Ocidental, foi o reflexo da
política exterior quanto à questão das Malvinas durante o governo de
Néstor Kirchner. Naquele momento, o ministro Taiana declarou que “o
Reino Unido não poderá mais pretender justificar, a partir da letra e do
espírito do acordo, suas ações unilaterais ilegítimas em nossa
plataforma continental, que levaram à paralisação, faz já sete anos, da
12
comissão bilateral criada pelo entendimento”.
Esta decisão foi motivada pelas constantes ações unilaterais dos
insulares que, com o apoio britânico, desenvolviam políticas tendentes
à exploração dos potenciais recursos petrolíferos nas águas
circundantes às Ilhas, provocando efeitos negativos para os interesses
argentinos.
Naquele momento, diversos meios de comunicação argentinos e
britânicos, por ocasião do 25° aniversário do conflito de 1982, viajaram
até as Ilhas e puderam contemplar a magnitude e a importância
estratégica da base, bem como sua potencial projeção militar na
América do Sul, no Atlântico Sul e sobre uma porção do continente
antártico. Foi então que se apreciou o verdadeiro potencial da base.
130
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Em diversas publicações e programas jornalísticos, fazia-se referência
às instalações militares, que eram próprias de uma base da OTAN e
muito mais avançadas do que as bases militares dos países latinoamericanos.
O potencial da Fortaleza Malvinas no novo sistema
internacional: sua projeção na região
O governo de Cristina Fernández de Kirchner significou a continuação
da política de governo que seu antecessor, Néstor Kirchner, havia
estruturado, elaborado e executado no que se refere à questão das
Malvinas, com a continuidade de uma agenda de exposição do assunto
em diversos foros regionais e internacionais. Além disso, as diversas
instâncias de encontros bilaterais com o primeiro-ministro britânico,
Gordon Brown, foram propícias para destacar a reclamação argentina
sobre as Ilhas e suas águas circundantes.
Observando o sistema internacional e a realidade regional atual, a
análise de uma instância não superior a dois anos nos permite
constatar que a estrutura militar se projetou, enquanto que outras
variáveis, como a economia, a diplomacia e a cooperação, mantiveramse no mesmo patamar ou diminuíram.
A atual situação de complexidade referente a questões de segurança,
desenvolvimento econômico estratégico, desenvolvimento energético
potencial e exploração off shore de recursos próprios posicionou o
Brasil como um ator, não já regional, senão continental. Este fato
potencializa a visão que ele mesmo tem da projeção do Atlântico Sul em
curto e médio prazo.
A agenda atual da cooperação Sul-Sul, que cria novas instâncias de
encontro, tais como a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul,
revela-nos que o desenvolvimento de novas energias (como a nuclear
para uso pacífico) e a cooperação para a conservação e o
desenvolvimento dos recursos ictíicos não são concordantes com a
131
Federico Martín Gómez
presença militar britânica no Atlântico Sul.
Devemos analisar claramente o comportamento dos Estados Unidos
nesta equação. Há dois anos, o governo norte-americano reativou a IV
Frota – criada em 1943 com o objetivo de contra-arrestar a presença de
navios do eixo nazifascista durante a Segunda Guerra Mundial –,
alegando ter como propósito proporcionar assistência humanitária nas
regiões do Hemisfério Sul que a requererem. A potencialidade real da
IV Frota se relaciona com uma maior presença norte-americana na
região para, deste modo, observar os fluxos navais dos Estados
ribeirinhos do Atlântico.
Em meados de maio de 2009, a Direção Geral de Políticas Externas da
União Europeia, pertencente ao Parlamento Europeu, lançou um
documento sobre questões de segurança e defesa da União Europeia.
Embora ele seja uma sentença não reservada que ganhou difusão, suas
páginas demonstram o real significado que as Ilhas Malvinas e a base
de Mount Pleasant têm para a União Europeia e o Reino Unido.
Este documento, intitulado “The Status and Location of the Military
Installations of the Member States of the European Union and their
Potential Role for the European Security and Defense Policy (ESDP)”,
faz uma grande e explícita descrição das bases dos Estados-membros
da União Europeia em todo o globo, destacando a necessidade de
satisfazer e fortalecer a defesa e a segurança do bloco e, além disso,
europeizando as bases, que em sua maioria são de domínio britânico e
francês.
O Ministério das Relações Exteriores argentino rejeitou
categoricamente esta apresentação e o relatório, alegando que os
Estados-membros da União Europeia são, antes, membros das Nações
Unidas, devendo, portanto, respeitar as resoluções concernentes à
existência de um conflito sobre a soberania das Ilhas. Uma passagem
do mencionado relatório faz referência à necessidade desta conduta, já
que “num mundo cada vez mais multipolar, dar um enfoque renovado
para estas bases é uma prioridade premente para a Europa,
132
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
13
principalmente numa época de crescente competição geopolítica” .
Este repúdio argentino se soma ao realizado em 2004, quando a
Argentina protestou nas Nações Unidas contra a rehierarquização da
base nas Ilhas, e às denúncias de ensaios de mísseis e de testes de
mísseis em Puerto Enriqueta, realizadas em 2008 e 2009.
A ameaça neocolonial no Atlântico Sul. Potencialidades e
projeções das bases de Mount Pleasant e Mare Harbour
Num sistema internacional de grande procura por recursos energéticos
não renováveis (como é o caso do petróleo) e de busca de recursos
essenciais para garantir a vida da população (alimentos e água), há
uma corrida pelas fontes de recursos vitais e estratégicos para os
Estados.
As potências globais ou regionais demarcam e potenciam sua presença
nos mares e oceanos do mundo (a IV Frota norte-americana, por
exemplo), expressando sua vocação de exercer o poder global;
enquanto isso, os Estados ribeirinhos têm a seu alcance ferramentas
jurídicas como a petição às Nações Unidas para a expansão da
soberania sobre cada mar em particular a 350 milhas. Além disso, as
ações específicas de cada Estado, exercendo presença e poder sobre
seus mares, são a ferramenta ideal. Um exemplo disso é a busca de
recursos de hidrocarbonetos no Atlântico efetuada pelo Brasil, bem
como seu desenvolvimento em curto prazo de submarinos (um deles,
nuclear), em conjunto com a França, para se posicionar neste novo
sistema internacional.
A defesa das Ilhas e sua projeção no Atlântico Sul são tarefa da British
Forces South Atlantic (BFSA). Sediada na Fortaleza Falklands,
localizada em Mount Pleasant, hoje ela é uma realidade, e não uma
potencialidade militar. O complexo, construído com o intuito de
persuadir a Argentina, é, sem dúvida, o legado mais imponente da
guerra.14
133
Federico Martín Gómez
Localizada a 60 quilômetros de Puerto Argentino, ela tem uma
significativa extensão de avenidas que comunicam cada uma das
dependências da base, somada a uma rede de túneis que comunicam
hangares, quartéis, centros de operações, centros logísticos e galpões.
A base conta com duas pistas aéreas, uma de 2590 metros de longitude
e outra, perpendicular à primeira, de 1525 metros de extensão, sendo
ambas apropriadas para a aterrissagem de aviões de grande porte,
bem como de aviões militares capazes de realizar voos transatlânticos.
Além disso, tanto a pista como a base aérea pertencem a um grupo
reduzido de bases aptas para a aterrissagem de naves espaciais, como
o Endeavor. A OTAN destina 7% de seu orçamento à base de Mount
Pleasant.15
A projeção regional da base no continente é manifesta, haja em vista
sua potencialidade bélica. Entre suas aeronaves de combate,
encontram-se quatro aviões Typhoon de última geração, enviados para
substituir os Panthom que se encontravam nas Ilhas desde 1982.
Somados a eles, encontramos aviões-tanque Hércules para
reabastecimento em voo, além de aeronaves para transporte de tropas
e de diversos helicópteros de ataque e transporte de tropas que
completam o equipamento aéreo.
Os sistemas de alerta precoce, materializados nos três radares
instalados em 1984, são capazes de detectar aviões em voo a várias
milhas para dentro do continente. Sistemas de comunicações de última
geração completam o equipamento para aproximadamente 1500
tropas permanentes nas Ilhas e outras 1500 rotativas, já que o local
serve como base de treinamento para o combate no Iraque e no
Afeganistão. A capacidade antiaérea da base nas Ilhas é representada
no sistema de mísseis antiaéreos como posições de artilharia antiaérea
capazes de triangular o fogo e de dissuadir qualquer ataque.
Na comemoração do 25º aniversário da Guerra das Malvinas, em
função da presença de jornalistas e de meios de comunicação de massa
nas Ilhas durante os meses de março e abril, as autoridades militares de
Mount Pleasant decidiram permitir a realização de um tour na base
134
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
militar. Nele, os seis jornalistas argentinos autorizados tiveram a
oportunidade de participar da vida cotidiana do local por algumas horas
e observar o grau de avanço tecnológico da base, não só em questões
da vida diária, mas também no quesito militar. O responsável de
imprensa naquele momento, o capitão Lloyd Owen, além de explicar
diversas facetas da base, levou os jornalistas a uma demonstração de
armamento no fim do dia.
Nessa demonstração, que contou com a presença do comandante da
Marinha Real, Chris Moory, o discurso proferido por todos os
interlocutores foi similar: alegaram que o objetivo da base e que sua
missão eram “desterrar qualquer ameaça de agressão militar na zona”
16
e “prestar assistência aos movimentos econômicos na região”. À
margem da demonstração tecnológica posterior, que contou com uma
detecção de ameaça aérea, com o voo rasante de um Tornado F-3 (hoje
substituído pelo Eurofighter Typhoon), detectado por uma bateria de
mísseis Rapier, o essencial aqui foi a mensagem enviada. Ao permitir o
acesso dos jornalistas argentinos à base britânica nas ilhas Malvinas,
desejava-se demonstrar poderio militar de maneira objetiva, dando
continuidade à mensagem dissuasiva. No entanto, as declarações vão
um pouco além e se referem à “prestação de assistência aos
movimentos econômicos na região”, ou seja, a uma projeção britânica
no Atlântico Sul que não é somente de manutenção de uma posição
defensiva, mas que, pelo contrário, adquire características claramente
ofensivas.
A vinculação com Mare Harbour, outra área militar de suma importância
nas Ilhas, realiza-se através de estradas e túneis que conectam e
mantém os acessos livres em casos de emergência. Mare Harbour é
apta para a recepção de navios militares como o HMS Endurance ou o
HMS Clyde, bem como de submarinos de estadia não permanente nas
Ilhas – embora atualmente eles se encontrem ali, em resposta ao
conflito ocasionado pelo envio de uma plataforma de exploração
petrolífera.
135
Federico Martín Gómez
A presença de submarinos nucleares se deve à necessidade britânica
de realizar patrulhas não só nas águas circundantes das Malvinas, mas
também das ilhas Geórgia e Sandwich do Sul.
As instalações militares em Mare Harbour, de dimensões e
equipamento similares às de Mount Pleasant, têm capacidade para
receber grande quantidade de navios militares e de coordenar qualquer
tipo de ação, defensiva ou ofensiva, contra ameaças externas às Ilhas.
Além disso, nelas se realizam reparações navais, reequipagem e
projeção naval do poder militar britânico no Atlântico Sul.
Uma terceira instalação militar, especificamente de polígonos de tiro, é
a que se encontra em Puerto Enriqueta, na Ilha Soledad. Nela,
desenvolvem-se todos os testes e demonstrações de nova tecnologia
missilística.
É nesta base, que carece de denominação formal, onde se registrou o
último conflito diplomático entre a República Argentina e o Reino Unido,
quando da posta à prova dos mísseis terra-ar Rapier.
No mês de fevereiro, a República Argentina realizou uma apresentação
ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, na qual demonstrou as
constantes violações que o Reino Unido realiza no Atlântico Sul, não só
das resoluções das Nações Unidas, mas de diversos acordos
internacionais, entre eles o de Tlatelolco, bem como as contravenções
às regulações ambientais e de segurança humana, criadas por
organizações internacionais como a Organização Marítima
Internacional (OMI).
Conclusões
Reflexão sobre o passado
A capacidade militar da base nas Malvinas é uma questão que excede
claramente esta análise, da mesma maneira como a abordagem
necessária para representar a realidade de uma ação de dissuasão
contra a Argentina ante uma tentativa manu militari desta de recuperar
136
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
a soberania das Ilhas e de suas águas circundantes. Nas declarações
formuladas pelo oficial a cargo do exercício, Mayor Fieldhouse,
responsável pelas operações e exercícios militares realizados no mês de
dezembro de 2009, o objetivo fundamental do exercício é assim
apresentado: “Estamos aqui em apoio à missão que as forças britânicas
devem cumprir no Atlântico Sul, que é dissuadir de uma agressão
18
militar contra estas Ilhas”.
A observação dos exercícios, no entanto, nos permite interpretar que
sua configuração não era de defesa, mas de um desembarque similar
ao produzido em maio de 1982 na baía de San Carlos.
A potencialidade energética da região, tanto do Brasil, com suas
descobertas na costa de novos núcleos de petróleo, como da Bolívia,
com seus recursos de gás, e da Venezuela, somados ao potencial do
próprio Atlântico Sul, representam o verdadeiro objetivo da presença
militar britânica na região. A diversidade dos recursos naturais do
subcontinente é o objetivo pontual da existência da Falklands Fortress,
seja para sua acessibilidade e/ou para seu futuro resguardo.
A base militar nas Malvinas representa, hoje, uma ameaça para a
República Argentina e um grande desafio para a comunidade sulamericana, já que ela se encontra na esfera de projeção e está ao
alcance das potencialidades militares da base.
Conforme comentado por Juan Carlos Puig, ex-ministro das Relações
Exteriores argentino, num artigo de 1985, “a Falkland Fortress se
transformaria, dentro de um prazo (dois anos, aproximadamente), na
19
base aeronaval mais poderosa do Atlântico” . É preciso destacar esta
frase, reconhecendo a existência da Ilha de Ascensão, ilha sob domínio
britânico, alugada aos Estados Unidos como base aérea, a partir da
qual, no conflito de 1982, os britânicos se reaprovisionavam e se
preparavam para continuar sua viagem até o Atlântico Sul.
Continuando seu artigo, o próprio Puig se pergunta se, decorrido um
tempo desde as negociações, “será possível desandar o caminho e
137
Federico Martín Gómez
desmantelá-la para chegar a uma solução”.20 Na conjuntura atual isso é
impossível, tendo em vista o statu quo britânico, que se nega a dialogar
com a República Argentina e dá continuidade às suas ações unilaterais.
21
Devemos somar a experiência da Ilha Diego Garcia como exemplo
disto.
Para concluir, trazemos à colação a reflexão do próprio Juan Carlos
22
Puig, que, tomando uma ideia do Dr. Pablo Tello, lança a seguinte
advertência em forma de pergunta:
A presença militar e militante das grandes potências ocidentais será
admitida numa zona que, até agora, todos os governos latinoamericanos procuraram manter à margem das confrontações
operativas interblocos? Esta é agora a questão, não se trata de
debater sobre a soberania do arquipélago, mas de reorientar a política
internacional da Argentina e, em geral, da América Latina.23
Interpretações sobre o presente
A atual situação de confrontação devido à presença de plataformas de
exploração e de prospecção petrolífera nas águas circundantes das
Malvinas, bem como à realização de testes de mísseis terra-ar para a
24
defesa dos interesses britânicos no Atlântico Sul, permite-nos perceber
o quão importantes são os territórios em questão para o Reino Unido e
a União Europeia.
Num sistema internacional no qual os recursos naturais não renováveis,
sejam eles energéticos ou alimentícios, são os detonantes de conflitos
regionais, a localização estratégica dos arquipélagos das Malvinas,
Geórgia do Sul e Sandwich do Sul há de se configurar, em curtíssimo
prazo, se é que já não o fez, numa área de posicionamento
geoestratégico fundamental, tendo em vista a navegabilidade e a
acessibilidade a tais recursos.
Os processos de integração e de vinculação regional na esfera política
na América Latina se transformarão nos âmbitos necessários de
138
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
posicionamento na agenda da ameaça que a presença britânica
representa no Atlântico Sul, não só para a República Argentina, mas
também para a região sul-americana e para seus interesses em curto
prazo.
A descoberta de novos poços na costa do Brasil, somados às outras
fontes de riquezas naturais do país, tanto energéticas como
alimentícias, vão posicionar o gigante sul-americano como um novo
ator de relevância regional e internacional.
No relatório oficial apresentado pela Comissão Nacional do Limite
Exterior da Plataforma Continental (COPLA), organismo oficial criado
para realizar o relevamento da totalidade da superfície territorial
submersa, divulgou-se a cifra de 10.400.000 km2. Do total relevado, os
territórios das ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul, bem
como suas águas circundantes, equivaleriam a um total de 3.000.000
km2. A totalidade desse território se encontra sob domínio britânico,
tanto político como militar; o que equivale a 30% do território relevado.
Isto não é uma ameaça, mas a consumação de fatos e a sustentação
ilegal de um status neocolonial já entrado o século XXI.
A água potável é o recurso estratégico do século XXI e será causa
26
permanente de conflitos no futuro imediato.
A Carta Mundial da Natureza, adotada pela Assembleia Geral das
Nações Unidas em outubro de 1982, convoca as nações do sistema
internacional com uma advertência: “a disputa pela apropriação de
recursos escassos é causa de conflitos”. Não há dúvidas de que a água é
um bem e um recurso escasso. Somente 2,5% do total da água do
mundo é consumível, o resto (isto é, 97,5%) se encontra nos mares e
oceanos.
Hoje, as ilhas Malvinas, Geórgia e Sandwich do Sul e suas águas
circundantes são a porta de entrada para o reservatório bioalimentício
da humanidade, a Antártida. Esta, com sua riqueza em águas, minerais
e produtos biológicos, será uma área de conflito internacional. O
139
Federico Martín Gómez
relatório das Nações Unidas sobre a situação dos recursos hídricos
globais, apresentado em 2003 e ratificado em 2006, revelou que 20%
dos recursos já foram contaminados ou afetados de alguma maneira.
As cifras são alarmantes: para o período 2020/2030, com uma
população global estimada de oito bilhões de seres humanos, 87%
deles não terão acesso a fontes hídricas potáveis.
A América Latina e o Caribe, que representam 11% do território e 6%
da população mundial, possuem 27% da água doce do planeta e 40%
de sua biodiversidade, isto é, de suas plantas, insetos e animais. Os
Estados latino-americanos concentram 11% das reservas petrolíferas
mundiais e produzem 15% do petróleo extraído, contando, além disso,
com 6% das reservas globais de gás natural, bem como com grandes
reservas de carvão, as quais fariam sustentável o consumo energético
durante duzentos e cinquenta anos, e 20% do potencial
27
hidroenergético mundial.
Uma última porcentagem nos proporcionará uma dimensão muito mais
integral sobre a importância destes recursos: 7% do orçamento da
28
OTAN é destinado à manutenção da base de Mount Pleasant.
Perspectivas sobre o futuro
Em virtude de suas características polissêmicas, a questão das Malvinas
comporta múltiplos interrogantes de natureza diversa. Alguns deles,
por sua complexidade política, deixam-nos um campo de revisão
permanente.
A primeira perspectiva, a modo de introdução, é afirmar mais uma vez
que é imprescindível manter uma estratégia como Estado-nação, em
termos de uma política de Estado perdurável e sustentável no tempo.
As Malvinas são um ponto de inflexão que eleva, em sua máxima
expressão, a contradição entre liberdade/desenvolvimento e
neocolonialismo/subdesenvolvimento. Os acontecimentos que a seu
140
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
respeito sucedem, tanto em sua cotidianidade como em sua
perspectiva, fazem com que elas sejam de vital importância para os
destinos não só do nosso país, mas da região do Cone Sul.
Evidentemente, não se trata de uma reclamação caprichosa de um
pequeno território de 11.700 km2 e de suas águas circundantes, mas
de uma disputa que adquire maior transcendência dia após dia, dada
sua intrínseca relação com o terceiro maior território do sistema
internacional, entendendo como tal o conjunto de terra-água-ar que
compõe nossa soberania.
Expusemos algumas razões e, consequentemente, também nos vemos
obrigados a expressar nossa visão sobre o que fazer diante do próprio
conflito, o que fazer frente a esta realidade em que vivemos, até então
desconhecida ou pouco conhecida.
Acreditamos, pois, que o melhor seria ou deveria ser uma estratégia
única, sendo este um dos problemas a resolver. Pensamos que esta
estratégia só poderá ser possível se nossa democracia se consolidar dia
após dia, crescendo em conteúdo e em discussão, incorporando esta
temática na agenda dos grandes assuntos nacionais. Assim, cada um
dos argentinos deverá poder participar, convencendo-se da
legitimidade desta reivindicação e da importância deste acordo que
todos nós devemos nos propor.
Os diferentes governos que administrarem e conduzirem as políticas da
União devem trabalhar para solidificar uma política de Estado capaz de
modernizar e aprimorar seus argumentos com relação às reclamações
argentinas sobre o Atlântico Sul e os territórios das Ilhas Malvinas,
Géorgia e Sandwich do Sul.
Se cada estamento do país e do continente, em todos os púlpitos
acadêmicos, escolares, sociais, políticos ou pertencentes a
representantes da sociedade civil, se propuser condenar as bases
militares que o Reino Unido mantém nas Ilhas Malvinas, tanto a de
Mount Pleasant como a de Mare Harbour, o debate e a discussão serão
141
Federico Martín Gómez
enriquecedores.
Se a comunidade regional, representada pela União de Nações SulAmericanas (Unasul), o Mercado Comum do Sul (Mercosul) ou a
Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac),
continuar a unir os vínculos dia a dia, condenando a presença
neocolonial do Reino Unido na região, o aprofundamento do
conhecimento internacional sobre a questão será potencialmente
projetado.
Se as Nações Unidas não só condenassem por meio de cada uma de
suas resoluções, mas também impusessem limites mais precisos às
ações unilaterais que o Reino Unido exerce a seu bel-prazer, ignorando
todos os chamados da Assembleia Geral e do Comitê de
Descolonização, expressados na resolução 2065, seria o início de uma
nova instância temporal no sistema internacional.
As Nações Unidas deveriam convencer e exigir do Reino Unido o
cumprimento de um calendário de debate múltiplo que inclua a questão
da soberania, bem como a dos recursos naturais, de acordo com os
tempos que as democracias modernas estabelecem como forma de se
relacionar para solucionar diferenças de qualquer tipo.
Observamos uma maior compreensão desta problemática na
Argentina, e em toda a região há suficientes demonstrações de
solidariedade à questão, que goza de hierarquia constitucional. Mas,
além disso, vemos que este é um caminho inesgotável de propostas e
de ações que os argentinos e os latino-americanos devemos
empreender para, deste modo, ser portadores de ideias e iniciativas
que envolvam cada um de nós, em todas as formas nas quais nos
sentimos representados e organizados.
Diversas resoluções aprovadas pelo Mercosul, a Unasul, o Conselho
Sul-Americano de Defesa e a Celac abordaram o processo de
remilitarização iniciado pelo Reino Unido nos últimos anos. Nesse
período, o Reino Unido enviou novos navios com tecnologia steel ou
142
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
capacidade nuclear, fez substituições e modificações em aeronaves,
testou nova tecnologia missilística ou mesmo enviou um representante
da coroa britânica para, simbolicamente, infundir seu poder na região.
Devemos antepor a paz como condição essencial, básica e universal do
respeito à vida, aos seres que habitam o planeta e aos ecossistemas.
Devemos ser forjadores de um tempo novo que leve o planeta em
consideração, respeite a soberania dos povos e condene o militarismo,
que afeta o futuro de cada ser vivo com o pretexto de defender o
interesse das corporações, as quais só priorizam a si mesmas em
detrimento da vida dos povos.
Entendemos também que não pode existir uma só conclusão sobre este
tipo de trabalhos, embora tenhamos certeza de que devemos promover
este debate. Em todo caso, ele é um convite para pensar que cada
proposta sobre a existência de bases militares estrangeiras na região
representa uma tensão que nos condiciona, levando-nos a tempos em
que a humanidade padeceu guerras, perdas humanas, alterações
climáticas, poluição dos recursos que garantem a existência dos seres
vivos deste planeta.
Este é o desafio e a proposta na busca pela abertura para o debate, a
investigação, a discussão, a formulação de novas ideias e posições e,
finalmente, para instâncias de reflexão que se dirijam à consecução da
Disposição Transitória n° 1 da Constituição Argentina.
Notas
1 - Também conhecido como Falklands Islands Economic Survey, é um documento
elaborado a partir de uma pesquisa realizada em meados da década de 1970, em
função da crise do petróleo que afetou o sistema internacional, a qual tinha em vista
a busca de novas fontes de recursos petrolíferos.
2 - Rodolfo H. TERRAGNO “Des-militarizar”. Memorias del presente. Buenos Aires,
Editorial Nueva Información, 1985, págs. 267-275.
3 - Historia General de las Relaciones Exteriores de la República Argentina. Capítulo
58: “Las relaciones anglo-argentinas después del conflicto de Malvinas. Julio de 1982
a julio de 1989”. Obra dirigida por Carlos Escudé e Andrés Cisneros. Grupo Editor
143
Federico Martín Gómez
Latinoamericano. 2000. Endereço URL: http://www.argentinarree.com/home_nueva.htm [Consulta realizada entre os dias 2 e 28 de março de
2010].
4 - Rodolfo H. TERRAGNO “Des-militarizar”. Memorias del presente. Buenos Aires,
Editorial Nueva Información, 1985, págs. 269.
5 - O incidente é desenvolvido detalhadamente em Historia General de las Relaciones
Exteriores de la República Argentina. Capítulo 58: “Las relaciones anglo-argentinas
después del conflicto de Malvinas. Julio de 1982 a julio de 1989”. Obra dirigida Por
Carlos Escudé e Andrés Cisneros. Grupo Editor Latinoamericano. 2000. Endereço URL:
http://www.argentina-rree.com/home_nueva.htm [Consulta realizada entre os dias 2
e 28 de março de 2010].
6 - Durante o governo do expresidente Néstor Kirchner, o Primeiro Ministro britânico
reconheceu a existência e a potencial ameaça de armamento nuclear no Atlântico Sul.
O reconhecimento britânico faz referência aos navios que estiveram dentro da zona
de conflito, os quais estivavam cargas de profundidade não convencional. O
reconhecimento foi feito por meio de um comunicado no dia 5 de dezembro de 2003.
7 - Documento final da VI Reunião da ZPCAS. Plano de Ação de Luanda, “INICIATIVA
LUANDA”. Declaração Final de Luanda. A/61/1019, 7 de agosto de 2009.
8 - Ibidem (tradução nossa).
9 - Carta dirigida ao Presidente do Conselho de Segurança das Nações Unidas na
semana de 11 a 18 de fevereiro de 1988.
10 - Entrevista ao Dr. Alejandro Simonoff, “Guerra de Malvinas. Veinticinco años
después”, Cuadernos Argentinareciente, N.°4/ julho-agosto 2007, págs. 142-147.
11 - Alguns dos membros deste núcleo epistêmico da Alianza eram Raúl Alfonsín,
Graciela Fernández Meijide, Carlos Álvarez, Rodolfo Terragno, Fernando De La Rúa,
Horacio Jaunarena, José Luis Machinea, Lucio García del Solar, Oscar Shuberoff, Nilda
Garré e Dante Caputo.
12 - Jorge TAIANA, “El diálogo como único camino posible”, Clarín, 1 de abril de 2007,
p. 35.
13 - “Malvinas: el Parlamento europeo estudia 'europeizar' la base militar”. La Nación,
26 de maio de 2009.
14 - “Mount Pleasant: así es la principal base militar de la Isla”, El Observador. Perfil.
1º de abril de 2007, p. 6.
15 - “La OTAN y las Malvinas”. Publicação realizada pelo Movimento pela Paz, a
soberania e a solidariedade entre os povos, março de 2009, p. 2.
16 - “Una fortaleza militar con aviones superveloces y helicópteros artillados",
Malvinas, 25 años después, Clarín, 7 de abril de 2007, p. 10.
17 - Apresentação do governo argentino relativa à militarização do Atlântico Sul por
parte do Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte.
18 - “Ejercicio militar británico de disuasión a las amenazas extranjeras”. Boletín n°
11, dezembro de 2009. Departamento das Ilhas Malvinas, Antártida e Ilhas do
Atlântico Sul. IRI. UNLP.
19 - Juan Carlos PUIG, “Malvinas: tres años después”, Revista Nueva Sociedad, n° 77,
maio-junho de 1985, págs. 13-20.
20 - Ibidem.
21 - Ibidem.
144
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
22 - Ángel TELLO, “L´Argentine et les iles Malouines”, Polítique Etrangére, n° 4, 1982.
23 - Juan Carlos PUIG, “Malvinas: tres años después”, Revista Nueva Sociedad, n° 77,
maio-junho de 1985, págs. 13-20.
24 - O último foi realizado entre os dias 19 e 27 de julho deste ano. O Ministério das
Relações Exteriores argentino emitiu um comunicado no qual denunciou e repudiou as
ações britânicas. Endereço URL:
http://www.mrecic.gov.ar/portal/ver_adjunto.php?id=4280.
25 - Tanto a informação como os dados foram proporcionados pelo ministro Guillermo
Rossi, membro da Diretoria Geral das Malvinas, em sua exposição “La Cuestión de las
Islas Malvinas, situación actual y Perspectivas”, no Fórum “Malvinas, Argentina hacia
el Bicentenario”, realizado na cidade de Rio Grande, Terra do Fogo, nos dias 6 e 7 de
novembro de 2010.
26 - Elsa BRUZZONE, Las guerras del agua. América del Sur, en la mira de las grandes
potencias, Capital Intelectual, 2009. p. 17.
27 - Informação estatística obtida no documentário No Bases. Latinoamérica región
de Paz, II Conferência Internacional pela Abolição das Bases Militares Estrangeiras,
APDF, MOPASSOL, SERPAJ. 2010.
28 - Informação obtida em “La fortaleza militar de la OTAN en Malvinas (Base Aérea
Mount Pleasant y Estación Naval Mare Harbour)”. Centro de Estudos e Documentação
sobre Militarização. Mopassol. Buenos Aires. Outubro de 2009.
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146
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Menção especial
A REATUALIZAÇÃO DOS
SIGNIFICADOS HISTÓRICOS
PARA A CONSOLIDAÇÃO
DA SOBERANIA NO
ATLÂNTICO SUL
Marcelo E. Lascano
Marcelo E. Lascano
A REATUALIZAÇÃO DOS SIGNIFICADOS HISTÓRICOS PARA A
CONSOLIDAÇÃO DA SOBERANIA NO ATLÂNTICO SUL
Marcelo E. Lascano 1
Introdução
A história vivida é fonte de pacífica soberania da Argentina no Atlântico
Sul. Os historiadores nos trazem os fatos que definiram nossa chegada
e estabelecimento permanente. Sua obra coloca à nossa disposição um
produto organizado e sintético da informação que se encontra dispersa,
confusa e incompleta em arquivos, documentos e outras fontes. Os
livros de Ricardo Caillet Bois (1952), Ernesto Fitte (1960, 1966) e Juan
1
Marcelo Lascano é geógrafo pela Universidade de Buenos Aires e trabalha na Faculdade de
Engenharia como professor do curso “Território e transporte”, ministrado pela Escola de PósGraduação em Engenharia Ferroviária.
148
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Carlos Puig (1960) provavelmente sejam as contribuições melhor
acabadas neste sentido. Eles formam um acervo insubstituível da
história territorial argentina, tendo contribuído para a construção da
identidade nacional.
O passo seguinte à pesquisa e à síntese histórica é traçar o seu
significado no presente. No caso do Atlântico Sul, a história é um
insumo fundamental para o desenvolvimento do trabalho diplomático
que dá sentido a esses significados.
A ponte entre a história e a diplomacia deve ser transitada
permanentemente, como um itinerário que, de tão repetido, nunca é
redundante. Isto é particularmente relevante para o Atlântico Sul. O
cenário internacional determinou a modificação ou substituição por
completo de argumentos que vigoravam há algumas décadas. O
objetivo deste trabalho é assinalar a renovada importância de alguns
aspectos da história da Argentina no Atlântico Sul, bem como sua
relação com o cenário diplomático atual. Revisando esta questão,
aparecem dois fatores principais: o povoamento e a preservação dos
recursos naturais. Estes são os dois assuntos que analisaremos aqui.
Cumpre esclarecer que, embora por motivos diferentes, tanto na
história mais profunda como no presente mais imediato há um caráter
de unidade no Atlântico Sul. As ilhas Malvinas, as ilhas do Arco de Scotia
(Aurora, Geórgia do Sul e Sandwich) e o Setor Antártico têm, em
grande parte, antecedentes históricos comuns na etapa prévia a 1833.
Já no presente, conforme veremos, a diplomacia caminha em direção à
aplicação dos mesmos princípios em toda a área. Não analisaremos
aqui os motivos pelos quais tais assuntos são conduzidos por canais
internacionais diferentes. De qualquer forma, refletir sobre a história
comum a ambos é, pelo menos, uma contribuição à coerência desses
canais.
Nossa identidade também se constrói a partir do território (Daus,
1957). O território é uma entidade integral, e nossa história se estende
sobre todo o Atlântico Sul. Assim, Puig ressalta, de maneira acertada, o
149
Marcelo E. Lascano
caráter integral do Atlântico Sul do ponto de vista histórico e jurídico.
Em seu clássico livro, ele afirma:
[…] a República Argentina conserva, até os dias de hoje, os direitos de
que foi privada por uma ocupação violenta. Sem dúvida, estes direitos
não recaem somente sobre as Ilhas Malvinas, mas sobre todos os
territórios que eram administrados por elas”.1
Partindo de uma vivência espontânea do território, a proximidade
geográfica gerou uma massa crítica de antecedentes de soberania ao
longo do tempo, de maneira que, em 1833, nosso país já tinha nele
presença permanente. Esta apresentação tem como intuito aprofundar
esta perspectiva, isto é, interpretar politicamente a história.
Começaremos este trabalho considerando o povoamento das Malvinas.
Após 1982, a restituição da soberania, incluindo a do Arco de Scotia,
parece girar exclusivamente em torno deste assunto, interpretado
sempre segundo o paradigma da insolubilidade. Primeiramente,
mostraremos que o problema não é este, tarefa em que os significados
Figura 1
150
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
da história serão um insumo fundamental. Na segunda parte,
aprofundaremos a análise do passado para abordar o posicionamento
do nosso país na diplomacia dos recursos naturais, que está cada vez
mais vigente no Atlântico Sul. Por último, encerraremos o trabalho
propondo algumas reflexões.
Figura 1. Mapa bicontinental da Argentina. Esquerda: cronologias de
permanência histórica em setores do Atlântico Sul. Direita: extensão
da Zona Econômica Exclusiva e de sua ampliação sobre os recursos
do leito e do subsolo. O assunto tratado nestas páginas mostra como a
Lei Nº 26.651, de 2010, foi um acerto do Instituto Geográfico Nacional
(ex-IGM).
1. A atualidade de 1833
O povoamento das Malvinas é um processo interrompido. Seus
habitantes atuais pisam sobre as marcas de uma história cerceada. Há,
necessariamente, dois planos paralelos no tempo: o da violência de
1833, que ecoa, inalterada, até os nossos dias, e o dos descendentes
dos britânicos levados às Ilhas depois de 1842. Ambos os
povoamentos, no entanto, têm nas Ilhas seu canto no mundo.
Talvez fosse necessária a ajuda do cinema para retratar, com toda a
densidade que o assunto merece, o significado da violência empregada
pela Grã Bretanha nos primeiros dias de 1833. A autoridade política
argentina é obrigada a se render, e pessoas que acordaram acreditando
que aquele seria um dia como qualquer outro são forçadas a subir num
barco, deixando lá seus pertences, inclusive suas moradias e seu gado.
Não é a simples proximidade que explica a integração das Malvinas em
nosso território. As Ilhas são argentinas porque o processo histórico da
Espanha no Atlântico Sul chegou até elas, e porque houve argentinos
que as escolheram como lugar para viver. Se a distância pesa hoje, ela é
acompanhada pela história, acompanhada pelo tempo, e este é o
primeiro significado que é preciso reatualizar. Neste ponto, as grandes
obras de Fitte, Caillet-Bois e Destéfani revelam todo o seu valor.
151
Marcelo E. Lascano
Cumpre fazer uma breve reflexão sobre a articulação do significado de
1982 com o resto da cronologia da região. No que se refere ao reforço
do meio diplomático como canal para a recuperação da soberania,
nossa proximidade no tempo à recuperação das ilhas influenciou na
consciência histórica sobre o Atlântico Sul. A guerra de 1982 teve
muitas facetas, tantas que basta o número (“1982”) para fazer nossa
imaginação disparar em múltiplas direções, mas esta pode ser uma de
suas facetas mais insuspeitas. Parece que 1982 transformou o sentido
do tempo, não só relegando ao segundo plano a densidade que o
entendimento histórico da questão das Malvinas vinha adquirindo com
a contribuição dos investigadores mencionados, mas também, não
podemos descartá-lo, substituindo 1833. Se não considerarmos a
expulsão de argentinos que a Grã Bretanha efetuou naquele então, só
vamos dispor de argumentos que esgotam a questão no presente. Isso
seria um salto no vazio.
Segundo Puig, em opinião que compartilhamos, se não partirmos de
1833 como o principal axioma a partir do qual elaboramos a reclamação
de soberania, só nos restará nos apoiarmos em dois símbolos
conceituais criados pela Grã Bretanha: o do pequeno encurralado pelo
grande, a “colônia” com ou sem pretensões de autodeterminação; e o
da proximidade geográfica ou geológica novecentista, desconectada
da história, que há quase cento e oitenta anos parece não dissuadir o
ocupante nem fazê-lo pensar numa retirada.
Nada melhor do que 1982 para tornar realidade a analogia do gato e do
rato fazendo com que o gato desapareça. Isto só é possível, é claro, se
aceitarmos que, na disputa de soberania, a Grã Bretanha não estaria
representando a si própria, mas somente cumprindo a função de
advogada de um pequeno grupo de pessoas com as quais não tem um
vínculo claramente definido. Aqui, pode-se reconhecer uma persistente
ausência do representado. Quando a Argentina foi bloqueada durante a
década de 1840, dos três países que participavam do jogo, dois eram as
principais potências mundiais, dois gatos, e um estava em plena
gestação política. Quem é o grande e quem é o pequeno? Quem tem
152
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
hoje poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas, bem
como uma rede de bases em todo o mundo? É este o poder político
presente nas Malvinas, sem fissuras nem parcializações. É ele quem
financia os dois mil homens posicionados nas Ilhas depois de 1982. O
objetivo desta despesa militar são as Ilhas como nodo, como posição
no tabuleiro dos oceanos.
A vida dos malvinenses na década de 1930 foi retratada por Juan Carlos
Moreno. Hoje, as condições de vida melhoraram radicalmente. Os
habitantes das ilhas se beneficiam com esta nova presença militar, que
eles não geraram e cujos custos não podem cobrir. A história tornará
evidente a seletividade com a qual se aplica a divisão de um todo em
dois papéis, o do representante presente e atuante, e o do
representado cuja falta de participação explícita parece se justificar
pelo suposto benefício trazido pelo representante. Afinal de contas, não
foi por um pedido dos malvinenses que a Grã Bretanha decidiu se lançar
no Atlântico Sul em 1982, da mesma forma como ela não se fez
presente em 1833 por um pedido dos habitantes das Ilhas naquele
então. E 1982 não foi em honra à conservação do “modo de vida” de
alguns britânicos, aos quais, até então, a Grã Bretanha negava
qualquer tipo de cidadania. Com isto, passamos à segunda parte da
questão.
Até antes de meados da década de 1980, teria tido algum fundamento,
mesmo que fraco, o reconhecimento legal da emergência de um matiz
de identidade local, falklander, novo, surgido da substituição
populacional que começou em 1842 e se completou nas décadas
2
posteriores. No entanto, hoje esta questão está encerrada: as Ilhas são
3
habitadas por cidadãos britânicos. Atualmente, caso esse matiz
existisse, ele pertenceria ao plano cultural, ao meramente anedótico.
Contudo, mesmo neste nível de análise, há sérias dúvidas sobre sua
existência. Em primeiro lugar, do ponto de vista da continuidade
temporal. Betts assinala que o modo vida que conheceu durante sua
vida nas Malvinas desapareceu, observação que traz profundas
consequências. Em segundo lugar, caso a emissão de passaportes não
153
Marcelo E. Lascano
bastasse, o afã pelo isolamento em relação à Argentina, seja ele próprio
ou provocado, produziu uma superatuação ou, melhor, uma
superafirmação do apego à identidade britânica. Keep the Falklands
British foi um dos lemas esgrimidos, hoje menos ressoante. Este tipo de
síntese já é, por si mesma, o próprio veredito dos habitantes, mas
podemos indagar em aspectos menos imediatos, porém igualmente
essenciais. Se a distância, se o caráter de “isolamento” podem, com o
tempo, favorecer a aparição de diferenciações em costumes e cultura,
isso ocorre à base de espontaneidade, com um efeito acumulativo no
tempo. Mas a ausência de espontaneidade tem sido,
permanentemente, a nota característica das circunstâncias que
permeiam estes e outros habitantes de fala inglesa das Ilhas. No
entanto, a manutenção do status atual tem como principal objetivo
anular o peso espontâneo da distância. Em seu livro, Moreno (1950)
mostra costumes e trabalho, sem contar o idioma, dificilmente
distinguíveis dos que existiam nas ilhas do norte de Escócia. Além disso,
ele ressalta os fortes mecanismos de controle social exercidos pelo
governador e a Falklands Is. Company, férreos representantes de
Londres. O caso mais ilustrativo disso é o do kelper que, integrando o
conselho local, reagiu contra uma arbitrariedade de Londres
declarando que preferia uma administração argentina nas Ilhas. Ele foi
imediatamente afastado do cargo. Este era, então, o alcance da
autodeterminação. Não existem sintomas de que ela tenha
aumentado.
Atualmente, o afã de anular a distância continua. Num mundo onde o
espanhol é cada vez mais estudado, os habitantes das Ilhas estão
autoimpedidos de cultivar um eventual interesse pelo idioma devido ao
repúdio à Argentina, alegado em foros políticos e sinalizado com uma
das maiores bases militares do hemisfério Sul. Sim, pensando bem,
este é o matiz que poderia separá-los de outros britânicos, dos
britânicos do hemisfério Norte, que nascem, vivem e morrem sem ter
notícias da existência da Argentina, exceto pelo futebol. O único traço
que permite diferenciar os britânicos que habitam as Malvinas dos
outros é o transcorrer de sua existência em permanente tensão com
154
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
nosso país. Para vários deles, deve ser um dilema ter uma das principais
capitais do mundo a somente duas horas e meia de voo, inacessível por
decisão própria. Um fim de semana em Buenos Aires. Possível, mas
impossível. A identidade cultural local é, então, o resultado de um
contexto em que o controle externo é a nota distintiva. Alexander Betts
menciona a “sensacional” sensação de liberdade que experimenta
morando na Argentina.
A análise dos habitantes atuais também pode ser realizada do ponto de
vista demográfico. O censo de 2006 indica um forte componente de
migrantes temporários que engrossam o total da população. Portanto,
os habitantes arraigados, para quem as Malvinas têm um significado
afetivo, são muito menos de três mil: o anômalo predomínio de pessoas
de entre 30 e 60 anos de idade, combinado com altas taxas de
população masculina, mostra que uma porcentagem significativa do
4
total da população civil é forânea. Por outro lado, as Ilhas têm sido um
território de permanente emigração da população, o que enfraquece,
sem anular, o argumento das famílias de várias gerações. É provável
que, se seguirmos o critério da “geracionalidade”, encontremos a maior
parte dos nascidos nas Malvinas no resto do mundo. Em seu livro, Betts
descreve, com propriedade, a antropologia do desterro e da emigração
à qual as Ilhas estão sujeitas devido à sua insólita distância. Nessa
contabilidade não deveriam entrar os “islenhos”, os de 1833, oposto
inseparável da palavra “islenhos”, que a transforma em polissemia
contraditória e anula por completo seu valor como fator para a análise
5
do status quo. Cumpre perguntar se os intelectuais argentinos que, em
2012, desconhecendo os dados mais básicos da história, afirmaram
que os islenhos são sujeito de direito, também estavam se referindo aos
islenhos. No Atlântico Sul, o significado das palavras é dado pela
história. Ressaltar os direitos de alguns, nunca negados por nosso país,
não pode implicar a negação dos direitos de outros no plano histórico.
As pessoas que hoje habitam as Ilhas estão nelas arraigadas, e isto
deve ser respeitado. A restituição da soberania as colocará numa
situação nova que, como toda mudança, terá um custo. A Argentina
155
Marcelo E. Lascano
terá a grande responsabilidade de canalizar uma transição. Mas, ao fim
e ao cabo, será preciso resolver um problema que o país não criou. A
Grã Bretanha, ao tomar pela força um grupo de ilhas localizado a doze
mil quilômetros de Londres, instalando nelas sua população, é a
criadora das tensões atuais. O agravo de 1833 e a expulsão dos
habitantes não mudaram com a situação criada pela Grã Bretanha
posteriormente. Neste quesito, também há uma transferência de
significados. É improvável que a parte que gerou o povoamento em
condições irregulares seja o melhor advogado da parte que as padece.
Neste ponto, a tradição multicultural da Argentina mostra que o
problema da identidade ou cultura dos britânicos das Ilhas deve ser
dimensionado sem excessos.
Apesar de nossas turbulências, vemos que migrantes de países
considerados estáveis vêm morar em Buenos Aires. Este exemplo
mostra que não é necessário se remeter à Argentina oitocentista dos
anos 20 para comprovar o espontâneo cosmopolitismo, hoje intacto,
que constitui nossa identidade. Portanto, com a restituição das ilhas, é
necessário criar opções para os britânicos, sem com isso relegar o
verdadeiro problema, que é a soberania no Atlântico Sul. A presença de
população arraigada, concorrente com o problema da soberania, não é
uma circunstância de impossível solução e, definitivamente, não é mais
importante do que os fatos de 1833.
O comportamento da Argentina com relação aos britânicos das Ilhas
será necessariamente superior ao da Grã Bretanha em 1833. O
problema não somos nós, os argentinos. O problema que subsiste é o
comportamento da Grã Bretanha em dois de janeiro de 1833. E subsiste
tanto para os argentinos como para os britânicos que vivem em meio a
uma incômoda geopolítica. Eles também deverão ter a possibilidade de
resolver esta herança com seu governo: permanecer na terra onde se
arraigaram, num país diferente ao de sua origem, replicando hoje a
vivência da imigração europeia do século XIX. Dar prioridade parcial ou
uma prioridade absoluta à sua identidade britânica. Em algum sentido,
1833 também é um problema para os malvineses atuais: ter uma
156
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
identidade por fora do domínio geográfico de origem.
O progressivo retorno ao contexto do século XVIII: a atual
diplomacia dos recursos naturais no Atlântico Sul
As obras sobre a diplomacia ou a história das Malvinas começam
enumerando as circunstâncias que levaram ao descobrimento e,
posteriormente, ao fortalecimento da presença espanhola a partir de
1767. Porém, depois disso, elas dão um salto até 1833. O que parece
sugerir esta lacuna é que a Argentina precisa fortalecer sua vivência da
própria história nas Malvinas. Isto implica reduzir uma espécie de
tendência a compreender esta parte do nosso território em função da
tensão com outro país. Entre 1767 e 1833, as Ilhas fizeram parte do
território rio-platense de forma plena. Tempo suficiente para se dar um
significado próprio às palavras “Malvinas” e “Atlântico Sul”.
A partir do século XVIII, a história do Atlântico Sul se entrelaça com a da
Argentina. Nossa presença se insere no processo de estruturação dos
territórios estatais no continente americano: as fronteiras foram
fixadas a partir do deslocamento espacial durante as etapas
fundacionais.6 Esta origem, relacionada com as independências
nacionais, contrasta fortemente com a alternância dos limites
territoriais europeus, associados a conflitos bélicos e a irredentismos
seculares. Na América, especialmente na América do Sul, as fronteiras
foram fruto da paz e, se houve disputas, elas não tiveram um alcance
maior do que as definições de limites locais ou de faixas periféricas, não
existindo hoje reivindicações de um país sobre territórios inteiros em
outro. 7
As obras mais significativas vão além dos marcos de 1767 e 1833,
trazendo informações sobre como se desenvolvia a presença rioplatense. Sua leitura mostra que ela reveste uma importância bastante
desproporcional. Em especial, chama muito a atenção o protagonismo
quase imediato que o aproveitamento e a proteção dos recursos
naturais ganharam. Podemos encontrar um relato dos principais
episódios de detenção de navios na extensa nota que o governo
157
Marcelo E. Lascano
argentino dirigiu, em 1887, ao governo dos Estados Unidos, o chamado
Memorial de Quesada, reproduzido por Fitte. O documento é de difícil
leitura, mas comprova, de forma incontrovertível, a continuidade da
fiscalização da pesca sobre o terreno. Callet-Bois também assinala o
trabalho das administrações bonaerenses neste sentido. No tratamento
desta questão, o livro que mais se destaca é o de José Raed Lallemant
(1987), que chamou a atenção para sua importância política capital
para as Malvinas, quando o assunto parecia se relacionar somente com
o território antártico. Segundo o critério de Puig, citado na introdução, é
preciso superar este fracionamento da história. Com efeito, o controle e
a fiscalização da pesca e da caça nas Malvinas foi um assunto
recorrente desde o século XVIII. Este aspecto se alinha, mais de
duzentos anos depois, com o atual crescimento de uma diplomacia dos
recursos naturais no Atlântico Sul. Como se os rio-platenses fundadores
tivessem intuído os tempos atuais, sua ação pioneira pela preservação
dos recursos naturais é um antecedente inquestionável para o país e
que, além disso, teve um custo político: a expulsão das Malvinas.
Assim, a Argentina se posiciona como pioneira do que hoje é matéria de
diálogo entre os Estados.
Geralmente, a reclamação pelas Ilhas Malvinas, Geórgia e Sandwich do
Sul não é associada com a proteção dos recursos subantárticos. No
entanto, a diplomacia da preservação antártica e subantártica passou a
ultrapassar os 60º S do Tratado Antártico. A ênfase nos recursos
marítimos e a emergência do conceito de antartic convergence e
southern ocean se projetam em vários graus de latitude no sentido do
equador, sobretudo ao leste da Passagem de Hoces (Drake). Como no
século XVIII, a diplomacia dos recursos naturais volta a ser o eixo
condutor do diálogo entre os Estados nesta região do globo.
Assim como o domínio do Rio da Prata chegou pacificamente até as
Malvinas no século XVIII, é preciso considerar também o
estabelecimento do nosso país nas Órcadas, em 1904. Num trabalho
pouco conhecido, Laurío Destéfani enumera minuciosamente a trocas
8
de pessoal realizadas na base desde aquele ano. O trabalho exaustivo
158
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
do autor, que à primeira vista poderia parecer desnecessário, é
fundamental. Ele permite vislumbrar, em todo o seu significado, a
continuidade da presença argentina no tempo em sua faceta mais
tangível. Assim, não resta dúvida de que, com as Órcadas, a Argentina
volta ao mais profundo do Atlântico Sul, marcando o nascimento do
Setor Antártico. Nosso país lá permaneceu como guardião solitário
durante mais de quarenta anos. Somente depois da Segunda Guerra
Mundial é que houve a chegada de um segundo país ao continente.
Deste modo, a ressignificação da história se articula na linha do tempo,
porém em dois planos: o dos recursos naturais e o da permanência no
tempo.
Atualmente, é improvável que nossa presença no Atlântico Sul enfrente
agressões como as de 1833. Contudo, este território continua sendo
visto com especial interesse em virtude de seus recursos naturais. No
fim do século XVIII, as frotas de caça e pesca, que o governo do Rio da
Prata tentou regulamentar, conduziram a uma exploração sem limites.
Assim, o destino nos fez pioneiros na conservação. Hoje, a Argentina
deve continuar defendendo os recursos naturais da região nas
instâncias diplomáticas de forma integral. As diretrizes que a história
deve continuar abordando estão presentes no plano da política
internacional de proteção dos recursos naturais. Nosso país deve fazer
uma leitura muito específica e própria deste cenário.
Este também é um contexto fundamental no qual a questão do
Atlântico Sul se insere. Trataremos dele de forma comparativa. Para
isso, nos referiremos à aceleração dos processos de delimitação
territorial que vêm ocorrendo no Ártico continental e oceânico durante
a última década. Identificaremos os critérios adotados pela
jurisdicionalização e pela preservação dos mares polares do hemisfério
Norte, comparando-os com os que vigoram atualmente na zona polar
do hemisfério sul. Aqui também veremos emergir o significado atual de
nossa história territorial.
Do Atlântico Sul ao Ártico: contrastes
159
Marcelo E. Lascano
No final da década de 1990, as Nações Unidas definiram uma série de
critérios para que cada país com costa marítima estendesse sua Zona
Econômica Exclusiva (ZEE) sobre o leito e subsolo marinhos (isto é,
excluindo a espessura de água suprajacente). Assim, cada país teve
que analisar a extensão que a faixa adicional às duzentas milhas
alcançava em sua costa. As apresentações podiam ser realizadas até
2009.
A Rússia foi, em 2001, um dos primeiros países a apresentar seus
resultados, ilustrados na figura 2. A apresentação russa deixou
entrever a importância da história na construção dos limites
internacionais, indo além dos critérios numéricos e geológicos das
Nações Unidas. Nesta etapa da filosofia política mundial, na qual
estamos acostumados a ver sempre os mesmos contornos da geografia
política, o processo de definição de soberanias territoriais no Polo Norte
é altamente significativo.
A jurisdicionalização do Polo Norte alcançou a esfera pública massiva
alguns anos depois, quando um submarino russo, com dois senadores a
bordo, colocou uma bandeira de metal russa no fundo do Oceano Ártico
a 90º N, a latitude do polo geográfico. A imagem de atores políticos
pousando com uma bandeira no fundo do mar, com o simpático detalhe
de terem navegado por debaixo da calota ártica, teve ampla difusão
televisiva. Em pouco tempo, o Reino Unido anunciou que em breve faria
uma apresentação na ONU para a extensão de suas ZEE. O ponto
central para a Argentina foi a inclusão de uma reivindicação de direitos
num setor de leito e subsolo oceânicos adjacente à Antártida. Isto
aconteceu quando nosso país entrava numa etapa de grande
efervescência, antes da eleição presidencial de 2007. Salvo a reação de
alguns integrantes da Câmara dos Deputados, a apresentação inglesa
não causou maior interesse público.
A análise dos fatos recentes no Ártico, bem como uma breve
recapitulação sobre a definição dos interesses dos Estados árticos na
zona, podem servir para ampliar os argumentos e elementos com os
160
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
quais nosso país enfoca seus interesses no Atlântico Sul. A insistência
sobre a individualidade dos britânicos das Malvinas poderia perder
espaço ou se combinar com a carga conceitual dos recursos naturais
marítimos e antárticos.
O caráter territorial dos processos de soberania na região
ártica
A edição de março/abril de 2008 da revista Foreign Affaires incluiu um
artigo sobre a questão ártica, escrito por um ex-chefe do que viria a ser
9
a Guarda Costeira dos Estados Unidos. Acreditamos que a filiação
temática do autor não é casual e nos daremos o trabalho de analisá-la,
pois ela ilustra os termos nos quais a questão do Ártico é explicada e
apresentada ao público, seja ele especializado ou não.
O autor do artigo começa seu relato fazendo referência à contração
permanente da calota ártica, bem como ao significado deste fato para a
Guarda Costeira dos Estados Unidos na região. Desta forma, o assunto
é colocado no plano do que poderíamos chamar de “oceânico”. Em
contraste com uma reclamação de terras emersas, uma reclamação
jurisdicional sobre um oceano – e, além disso, restrita ao leito e ao
subsolo – é, à primeira vista, menos absoluta: a navegação em principio
é livre, como nas atuais ZEE, deixando a porta aberta (mesmo que
simbólica) para os outros países ao acesso livre e irrestrito.
Considerando a posição do Ártico, é duvidoso que outros países que
não os vizinhos tenham necessidade de transitar sua eventual extensão
oceânica (uma vez que a calota desapareça, o que não aconteceu).
Nos atlas e enciclopédias antigos, os mapas indicam o Oceano Glacial
Ártico. Mas o Ártico é um âmbito geográfico integral, definido pela
influência que o clima, altamente restritivo, teve em sua ocupação.
Esse âmbito corresponde às faixas territoriais ao norte do Canadá, aos
Estados Unidos (Alaska), à Rússia, a toda a ilha da Groenlândia e uma
série de ilhas, incluindo também o Oceano Glacial Ártico. A análise
geográfica reconhece a diminuição, graças à tecnologia, da influência
161
Marcelo E. Lascano
das condições ambientais para a instalação do homem e o
desenvolvimento de suas atividades. No entanto, isso não aconteceu
nos climas e ambientes extremos: o Saara e a Antártida continuam
desabitados. A costa leste das Filipinas e de Madagascar, atingida
frequentemente por ciclones e tornados, mostra também uma
chamativa ausência do homem. A fim de evitar uma confusão
frequente, salientamos que, embora desabitados, nem o Saara nem a
Antártida estão fora da História, assunto que retomaremos mais
adiante. Na Argentina, há um excelente estudo sobre o limite climático
do Ártico, publicado pela Academia Nacional de Geografia em
10
1994. Acrescente-se que a definição do Ártico feita pelo Conselho do
Ártico,11 embora imprecisa, inclui os âmbitos territoriais aqui
mencionados. O Circumpolar Arctic Vegetation Map, que “representa a
vegetação do Ártico inteiro”, publicado pelo serviço de pesca e vida
silvestre dos Estados Unidos em 2003, prova que os ecossistemas
12
polares terrestres também são suscetíveis de soberania. Por último, a
definição que consta do Merrian-Webster Geographical Dictionary, um
dos mais completos de sua categoria, também inclui as zonas aqui
mencionadas, coincidindo no duplo caráter continental e oceânico da
região.
Figura 2. Limite preliminar da ZEE estendida, proposto pela Rússia em
2001. Modificada a partir do mapa disponível no site da Convenção
das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Elaboração própria
baseada na cartografia apresentada pela Rússia às Nações Unidas.
Deste modo, a questão do Ártico é integramente territorial e começou
nos confins da história europeia, com a expansão do povoamento para
o norte dos países escandinavos. Posteriormente, houve etapas
intermediárias, que repetem o mesmo processo na Groenlândia e no
norte da América. E, hoje, entramos num momento de definição das
linhas geodésicas que dividem juridicamente o setor marítimo.
Portanto, a questão do Ártico não é somente oceânica e não começou
no final do século XX, nem quando a Rússia colocou a bandeira no polo
geográfico norte submarino e subglacial. Hoje o Ártico é, pois, cenário
162
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Figura 2
do simples devir histórico que, em cada lugar e a partir de uma
combinação singular de circunstâncias, tem desenhado os limites das
soberanias territoriais em todo o mundo. Se tivermos uma concepção
acumulativa da história, poderemos evitar cair no excepcionalismo do
presente, erro mais do que frequente, pelo simples fato de sermos
contemporâneos.
Esta concepção acumulativa da história deve ser resgatada para o
Atlântico Sul, onde a crença no excepcionalismo do presente, muitas
vezes, aparece misturada com elementos ambientais, expressos em
conceitos das ciências naturais e na assepsia da atividade científica. O
Oceano Atlântico Sul e a Antártida são âmbitos da política mundial e da
história na mesma medida que o Ártico, salvo que a compreensão
política se situe exclusivamente no plano dos desejos. Um cientista
disse acreditar que “na Antártida, as pessoas se comportam de outra
maneira, há outra consciência”. Suas palavras traduzem generosidade,
mas, tendo vista o que acontece no hemisfério norte, nada mais podem
do que sofrer um decepcionante contraste com a realidade. E, sem
querer, elas são funcionais a uma aparente indeterminação jurisdicional
163
Marcelo E. Lascano
do Atlântico Sul.
O aquecimento climático e a demanda de recursos naturais
Continuando a análise do artigo da Foreign Affaires, pode-se também
considerar o peso do aquecimento global na última etapa jurisdicional
do Ártico. Borgersson aponta que a retração permanente da calota do
oceano glacial amplia a área de patrulha, demandando maiores
recursos da Guarda Costeira dos Estados Unidos. Esta ideia reflete um
critério repetido em diversas fontes de informação acadêmicas e
jornalísticas. Em outubro de 2007, a questão do Ártico é capa da Time,
revista que, apesar de ter perdido certa importância, ainda conserva
um lugar privilegiado em todas as bancas de revista do mundo
desenvolvido e, portanto, pelo menos a manchete da capa é altamente
visível para o público. O subtítulo diz: “à medida que o aquecimento
global provoca o derretimento do gelo a níveis recorde, cresce a batalha
global pelos recursos”.13 A ênfase no derretimento/retração do
congelamento oceânico atribui suas causas à natureza, mesmo
quando, na explicação do fenômeno, persiste o problema da
contribuição posterior do homem para o aquecimento climático
recente. Neste ponto, a compartimentação jurisdicional entre os
Estados Árticos nada mais é do que uma reação iniludível da diplomacia
diante de um fenômeno que se apresenta como exógeno,
independentemente do status quo político já atingido. Aqui, poderia
surgir a pergunta: a mudança climática é responsável pelo grande
aumento do consumo de minerais e de combustível na Índia e na
China? A avançada geopolítica sobre o Ártico não pode ser dissociada
da sempre crescente valorização dos recursos naturais.
O aquecimento global não é a origem nem da questão levantada pela
Rússia em 2001, nem da reação que ela gerou em outros países.
Mesmo que o derretimento permanente do gelo seja uma novidade que
facilita a logística, ele é somente um fato concorrente. Nada indica que,
se houvesse um ciclo de expansão da calota, os países do Ártico teriam
adiado a compartimentação jurisdicional.
164
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
A questão da mudança climática naturaliza o tratamento do assunto,
atribuindo à aleatoriedade do clima fatos e ações que são resultados de
decisões políticas e, portanto, implicam em responsabilidade. No caso,
trata-se de uma política de partilha jurídica de recursos naturais através
da diplomacia. Foi o que expressou o ministro dinamarquês da Ciência e
Tecnologia no mesmo artigo da Time, o qual declarou: “quando
falamos de recursos [naturais], também falamos de política (politics)”.
É interessante notar que as palavras são de um ministro da Ciência e
Tecnologia. Aqui parece se confirmar o entrecruzamento entre a
linguagem ascética das ciências naturais e a das relações
internacionais. Em vez de um ministro das Relações Exteriores, é o
ministro da Ciência quem explica os critérios de seu país. No hemisfério
sul, este transbordamento da diplomacia é particularmente acentuado.
Para a grande zona polar do sul, que inclui o Atlântico Sul, a presença da
diplomacia no campo da linguagem científica e da cooperação foi
assinalado precocemente por Quadri. As atividades de investigação,
estritamente no campo das ciências naturais, transformam-se no canal
de comunicação principal e se desenvolvem de forma não proporcional
às vias tradicionais de vinculação entre os países. A diplomacia passa,
assim, a se expressar em outro idioma.
Também no que se refere ao hemisfério sul, esta característica vai além
dos assuntos relacionados diretamente com a Antártida. Com efeito, o
hiperdesenvolvimento da diplomacia dos recursos naturais tem levado
à adoção progressiva do conceito de limite biológico circumpolar. As
atividades científicas são, então, o código de comunicação também ao
norte do perímetro antártico (60º S). O limite biológico selecionado
como limite natural ou funcional da Antártida é chamado de antartic
convergence, definindo-se como uma estreita faixa na qual há uma
rápida mudança de temperatura na água no sentido norte-sul. Sua
posição média no Atlântico Sul é mostrada na figura 3.
O conceito de antartic convergence superou o seu campo de criação, as
ciências naturais, e se transformou numa categoria jurídica. A partir de
sua posição média anual, criou-se o limite norte para a aplicação da
165
Marcelo E. Lascano
Convenção sobre a conservação dos recursos vivos marinhos
antárticos, conhecida também como Camberra, concluída em 1980 e
ratificada pela Argentina em 1983. Nela, vincula-se um limite de
convenção jurídica com um limite ecológico ou definido pelas ciências
14
naturais, a antartic convergence. Como se observa na figura 3, ela inclui
as ilhas Geórgia e Sandwich do Sul. É possível afirmar que este limite,
estabelecido numa convenção sobre recursos antárticos, excede
amplamente os 60º S. Assim, o regime da indeterminação jurisdicional
está se projetando cada vez mais no Atlântico Sul. Aquilo que tinha sido
criado Antártida começa a ir além do perímetro do continente, os 60º S,
chegando agora até o Arco de Scotia.
Nas Malvinas, a questão dos recursos naturais poderia se superpor à da
identidade dos habitantes atuais. Mesmo se alcançasse só um segundo
plano, ela poderia ser uma reserva argumentativa caso o primeiro se
esgotasse. Mas as ilhas Geórgia e Sandwich do Sul, onde não vigora a
semântica da identidade britanizante, os recursos naturais assumem
plena vigência, sendo um flanco diplomático de múltiplos potenciais.
Com efeito, estas ilhas do Atlântico Sul foram colocadas dentro do limite
jurídico associado à antartic convergence. A diplomacia dos recursos
naturais, surgida como ferramenta exclusivamente antártica, avança
para o norte, englobando nossas ilhas sem limites conceituais.
Enquanto, no hemisfério norte, os países rumam para uma delimitação
jurisdicional precisa, no Atlântico Sul parece se aprofundar a tendência
à aplicação de regimes legais indeterminados, mistos e de ambíguas
implicâncias.
A criação de um perímetro antártico expandido, em termos gerais, a
partir de uma representação funcional específica da biologia marinha,
traz como consequência um fortalecimento da diferenciação entre as
porções oceânicas resultantes para o norte e para o sul. Com efeito, a
adoção da antarctic convergence como objetividade, superpõe-se à
delimitação aceita do Oceano Atlântico, que chega até a costa do
continente antártico e atravessa seu setor sul. A literatura das ciências
naturais, perseguindo sua tradicional meta de gerar conhecimento, por
166
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
fora de qualquer finalidade política, tem cunhado o conceito de
southern ocean para individualizar o âmbito biológico ao sul da
antarctic convergence. A posição, ou mesmo a presença ou ausência,
estacional ou episódica, de um gradiente latitudinal de temperatura é
uma das facetas do território. O caráter jurídico do território nasce do
desenvolvimento reiterado e regular das atividades do homem e de sua
presença. Foi com a expansão da presença europeia no Ártico que se
estabeleceram os limites geográficos entre as unidades políticas. É
importante considerar que este processo foi anterior à elaboração de
um inventário dos recursos naturais. A extensão das ZEE no Oceano
Glacial Ártico é um processo orientado pelos recursos existentes, mas
eles são recursos supostos. É a atribuição jurídica de um tipo de
soberania que levará à elaboração do inventário.
No Ártico, os critérios para a extensão das ZEE são estáticos.
Proporcionados pela geologia, eles se baseiam em dados obtidos de
amostras de um fundo marinho fixo. Para a região polar sul, pretendese adotar um critério apresentado como funcional. Proporcionado pela
biologia, ele se basearia em dados obtidos de amostras de um
elemento móvel persistente, mas não necessariamente permanente.
Deste modo, há uma diferença substancial com relação aos critérios
geológicos. No Ártico, o perímetro médio estival da calota tem uma
funcionalidade similar à da antarctic convergence. No Ártico, esta ideia
serviria para a identificação de um meio biológico de relevância global e
fragilidade biológica. Esta é uma das características mais atribuídas à
Antártida, as quais fundam o paradigma da intangibilidade absoluta de
seus recursos naturais. No polo norte, os critérios geológicos, mesmo
sendo fruto de uma convenção, tornam objetivos os limites geográficos
legais associados aos Estados historicamente presentes na área.
Conforme exposto anteriormente, ao circunvalar a Antártida, a
antarctic convergence atravessa o Oceano Atlântico de um lado até o
outro. Quando sua posição média anual amostral é representada
cartograficamente, a carga conceitual da objetividade que se atribui à
funcionalidade biológica tem um efeito visual delimitador. Deste modo,
167
Marcelo E. Lascano
sustentou-se a diferenciação de um novo espaço oceânico ao sul com a
denominação de southern ocean. Questão relevante é a contração
geográfica do Oceano Atlântico, que deixaria de existir ao sul da
antarctic convergence. A extensão do Atlântico ficou estabelecida já na
primeira edição do Atlas de limites de oceanos e mares, publicado em
1929 pela Organização Hidrográfica Internacional (OHI), quando seu
uso internacional na navegação já estava consolidado há séculos. Na
15
última edição não houve mudanças a este respeito.
Quadri descreve, com riqueza de detalhes, a acelerada transferência da
diplomacia à linguagem das ciências naturais durante a década de 1970
e início dos anos 1980, principalmente no que se refere aos recursos do
mar. Pouco depois, esta ativa “política da biologia” teve um de seus
ecos mais fortes: foi no ano 2000, quando a OHI realizou uma consulta
aos seus membros sobre a necessidade de se estabelecer oficialmente
os limites do southern ocean. A Argentina, obviamente, se opôs à
segadura do Atlântico. Devido à maior proximidade da Argentina com a
zona, a proposta de um novo nome, no caso do nosso país, cerceia um
espaço histórico que foi vivido com intensidade excepcional entre os
países do hemisfério sul. A Austrália também apresentou reservas
sobre o limite norte, que, segundo estima, deveria chegar até a costa
sul de seu território (REF). Essa geometria, que é a mesma de que
nosso país precisa, não criaria dois setores onde há um único espaço de
vivência histórica, deixando completamente de lado a mudança da
temperatura da água como critério absoluto. Neste plano, é preciso
aprofundar os pontos de vista em comum com a Austrália, a modo de
colaboração entre os dois países, que têm décadas de protagonismo na
logística antártica.
O antecedente do limite norte da Convenção de Camberra e a consulta
da OHI reforçaram a concepção do Atlântico Sul como um espaço
geográfico de significado somente biológico, excluindo de forma
persistente os significados da história.
Figura 3: Limite da área de aplicação da Convenção de Camberra
sobre a conservação dos recursos vivos marinhos antárticos, setor
168
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Atlântico Sul. Mapa oficial. Disponível em
http://www.ccamlr.org/en/organisation/convention-area
Figura 3
Conclusões
Tentamos destacar, até aqui, a importância de nossa história territorial
para nossas relações internacionais. Os dois assuntos tratados têm algo
em comum: eles são eixos conceptuais que deixam de lado e
substituem a história por completo. A identidade local e a linguagem
científica funcionaram como universos que se esgotam em si próprios,
sem conexão com o passado.
A Argentina deve assegurar a vigência da história no Atlântico Sul.
Somos o único país que pode alegar a mais sólida das fontes de
soberania, isto é, a que se deriva do estabelecimento pacífico, a
permanência tranquila e o racional uso histórico dos recursos naturais.
169
Marcelo E. Lascano
O desenvolvimento de atividades científicas em todo o Atlântico Sul
abriu novos canais de diálogo e possibilitou que a Argentina se
transformasse num sócio fundamental na cooperação antártica, sendo
fornecedora de logística e transportando equipes científicas de todo o
mundo. No entanto, o significado da história deve ser totalmente
incorporado no entendimento que nosso país tem de sua soberania.
Neste sentido, é importante seguir de perto os acontecimentos no
Ártico, pois eles dimensionam, de forma acessível, o significado atual
de nossa história no Atlântico Sul: enquanto houver recursos naturais,
ele será um âmbito da política e da história. É desejável que o Atlântico
Sul tenha o mesmo cuidado da paisagem e dos sistemas ecológicos que
o Ártico. Ao fim e ao cabo, é o cuidado desejável para qualquer região
do mundo. A questão pode ser encarada de diversas maneiras, mas
acreditamos que sempre será preferível enfrentá-la a evadi-la: o
estabelecimento explícito de restrições absolutas ao uso dos recursos
naturais no Atlântico Sul, em um mundo que presta cada vez mais
atenção nos recursos naturais, cria um plano de tensão, e de tensão
crescente com o tempo. Se o plano discursivo explícito exclui a história,
a política não deixa de existir e de incidir em nenhum momento. A
política dos recursos naturais passa, então, ao plano subterrâneo: será
este o melhor cenário para uma utilização ordenada dos recursos
antárticos? O que poderá surgir no Atlântico Sul quando as tensões
subterrâneas acumuladas forem liberadas? No que se refere à
segurança do país, isso pode levar à aparição de um foco de conflito no
sul. Já o Reino Unido, com a autorização simbólica da repercussão das
ações da Rússia, demonstrou um proceder inovador nas Nações
Unidas. Ao mesmo tempo, a Noruega aumenta a produção de petróleo
e gás nas Ilhas Svalbard, a 78º N, e a Rússia inaugurou, em 2008, um
porto petrolífero no Mar de Barents, em pleno Ártico (68º 45’ N), com
um investimento de quatro bilhões de dólares. Em sentido oposto, o
limite jurídico que restringe a utilização dos recursos marinhos vem
sendo ampliado no Atlântico Sul. É provável que a Noruega, em seus
territórios a 78º N, e a Rússia, nos que se encontram a 68º N,
conduzam investigações científicas. O interrogante é: que margem
170
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
resta à Argentina para que, em seu território de igual latitude, ela possa
realizar outras atividades que não a investigação científica? Isso
ocorreu em nosso passado territorial, aliás, com a introdução de
medidas de preservação na área, que suscitaram a invasão de outros
países.
Assim sendo, cabe aos argentinos dar valor à sua própria história
territorial. É positivo recordar, com sobriedade, as conquistas de nossos
antepassados, evitando a pompa literária com que alguns países
relatam sua história. Mas se a sobriedade é virtude, o esquecimento é
irresponsabilidade. Os acontecimentos atuais no hemisfério norte nos
oferecem, em nossa opinião, um dimensionamento adequado da
questão do Atlântico Sul, recolocando-a no contexto mundial, do qual
parece estar simbolicamente isolada pela aplicação de um regime
jurídico ad hoc sem paralelo em todo o planeta. Deste modo, os
acontecimentos recentes no Ártico nos explicam o que lá está
acontecendo, mas também contextualizam o que está acontecendo no
hemisfério sul. Embora o Conselho do Ártico não seja uma instância
juridicamente vinculante,16 a Argentina se beneficiaria se participasse
dele como observador. É interessante mencionar que, se assim o
fizesse, seria em caráter de non-arctic state, categoria inexistente no
sistema do Tratado Antártico, onde a designação dos países
participantes generaliza muito mais sua associação geográfica e
histórica com a Antártida.
Se o Ártico nos parece longínquo e frio, podemos considerar o modo
como o Brasil entendeu e respondeu às sugestões de
internacionalização da Amazônia, região um tanto mais tropical. Esta
questão, embora possamos compreender em parte sua lógica de
sustentação, é desconhecida em nosso país. No entanto, dela muito se
falou no hemisfério norte, nem tanto pelo assunto em si, mas a partir do
consenso social alcançado sobre a questão das emissões de dióxido de
carbono (CO2) e da hipótese de uma mudança climática
antropogênica. A ideia de que o homem pode incidir no balanço
atmosférico do CO2 está mais que instalada na Europa e nos Estados
171
Marcelo E. Lascano
Unidos, e a selva Amazônica passa, desta maneira, a cumprir um papel
funcional global. Deste ponto de vista, haveria motivos objetivos para
cercear a soberania do Brasil: um país não deveria decidir sozinho o que
fazer com a selva. Em 2000, quando inquirido sobre a questão por um
estudante numa universidade dos Estados Unidos, um senador do
Brasil afirmou que, se a Amazônia é importante para o mundo todo,
também o petróleo o é, assim como o patrimônio do Louvre, e,
portanto, eles também deveriam ser internacionalizados. Esta resposta
do senador Cristovam Buarque, que foi mais longa e cujo conteúdo
recomendamos, teve impacto mundial, sendo transformada num artigo
17
que saiu no jornal O Globo e mereceu a inclusão no livro Cem discursos
históricos brasileiros. A ironia do senador deixou em evidência a
impossibilidade da negação da história e destacou, além disso, a
assimetria com que determinados critérios são aplicados na análise
estratégica dos recursos naturais. Essa assimetria se deve a uma
questão política. Esta é uma lição que a Argentina deve aprender para
encarar, com renovado vigor, a gestão de seus interesses no Atlântico
Sul. E a assimetria que para o Brasil existe com relação à selva
Amazônica, para a Argentina se relaciona com o Atlântico Sul.
A Argentina deve conhecer bem seus interesses e sua própria história.
Assim como a reclamação pelas Malvinas e as Ilhas do Atlântico Sul se
ampara no caráter coercitivo da expulsão em 1833, os interesses
argentinos em todo o Atlântico Sul também fazem parte da história de
nossos antepassados, que ali se instalaram pacificamente no século
XVIII.
Buenos Aires, 30 de junho de 2012.
Notas
1 - Puig, J.(1960). La Antártida argentina ante el derecho. Depalma. Buenos Aires.
2 - Destéfani, L. (1982). Malvinas, Georgias y Sandwich del Sur ante el conflicto con
Gran Bretaña. Edipress. Buenos Aires
3 - Segundo a British Overseas Territories Act 2002, eles têm um tipo de cidadania
britânica que lhes confere o direito à requisição da cidadania plena – que será
172
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
concedida caso o governo considere adequado (sic) –, e a viver em qualquer lugar do
Reino Unido. Esta restrição indica que a opção pela britaneidade, a autodeterminação,
é restrita às Ilhas. Numa entrevista que concedeu em 2007, Alexander Betts
confirmou o peso dessas restrições.
4 - Dados disponíveis na internet. Isto indica que o efeito demográfico do
investimento militar é superior ao número do pessoal civil realmente vinculado à base.
Isto sugere que, de outro modo, a população das Ilhas teria continuado numa lenta,
porém persistente tendência negativa.
5 - Betts, A. (1987). La verdad sobre las Malvinas, mi tierra natal. Emecé. Buenos
Aires.
6 - Daus, F. (1957). Geografía y unidad argentina. Nova. Buenos Aires.
7 - Domínguez, J. editor (2003) Conflictos territoriales y democracia en América
latina. Siglo XXI Editores. Buenos Aires.
8 - Destéfani, L. (1981). Historia antártica. XVI Curso de temporada Antártida
Argentina. Universidad Nacional de Córdoba. Córdoba.
9 - Borgersson, S. (2008). Arctic meltdown. The economic and security implications of
global warming. Foreign Affaires March/April. Disponível em
http://www.foreignaffairs.org/20080301faessay87206/scott-g-borgerson/arcticmeltdown.html [Consulta realizada no dia 15/5/08].
10 - Bruniard, Enrique (1994). La discontinuidad climática ártica y el límite del
bosque. Anales de la Academia Nacional de Geografía 18, 215-293.
11 - Foro integrado pelos Estados árticos (sic) de caráter não vinculante, conformado
pelos países cujos territórios integram o âmbito ártico e do qual participam países e
ONGs como observadores. Ver: Bloom, E. (1999). Establishment of the Arctic Council.
The American Journal of International Law 93, no.3, 712-722.
12 - CAVM Team. (2003). Circumpolar Arctic Vegetation Map. (1:7,500,000 scale),
Conservation of Arctic Flora and Fauna (CAFF) Map No. 1. U.S. Fish and Wildlife
Service.
13 - Graff, J. (2007) “Fight for the top of the world” en Time 170, no 14, 28-36.
14 - Colacrai, M. (1988). La cuestión del medio ambiente antártico. Posiciones
extremas desde fuera del sistema antártico. En Moneta, C. La Antártida en el sistema
internacional del futuro. Grupo Editor Latinoamericano. Buenos Aires.
15 - Organización Hidrográfica Internacional (1953). Limites de oceanos e mares (em
inglês). 3ra edição. Publicação especial nº 28. Mônaco. Disponível em
http://www.iho.int/iho_pubs/standard/S-23/S23_1953.pdf [Consulta realizada no dia
25/7/12].
16 - Bloom, E. (1999). Establishment of the Arctic Council. The American Journal of
International Law 93, no.3, 712-722.
17 - Buarque, C. (2000) A internacionalização do mundo. Jornal “O
Globo”,10/10/2000. Disponível em
http://cristovam.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=546&Itemid=
2 [Consulta realizada no dia 20/7/12]. Também em Figueredo, E. (2002) 100
discursos históricos brasileiros. Leitura. Belo Horizonte.
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Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Menção especial
AS MALVINAS E SUA
PROJEÇÃO CONTINENTAL
A questão das Malvinas e das Ilhas do Atlântico Sul e sua
projeção na Antártida sul-americana como problema
continental
María Pilar Llorens e Eduardo José Pintore
María Pilar Llorens e Eduardo José Pintore
AS MALVINAS E SUA PROJEÇÃO CONTINENTAL
A questão das Malvinas e das Ilhas do Atlântico Sul e sua
projeção na Antártida sul-americana como problema
continental
María Pilar Llorens e Eduardo José Pintore
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Pode parecer provocativa a afirmação de que a Guerra das Malvinas,
desencadeada em 1982, foi a primeira guerra travada pela Antártida.
Não é nossa vontade pecar por provocadores, mas refletir sobre a
projeção e a importância que o conflito de soberania sobre as Malvinas
e Ilhas do Atlântico Sul tem não só para a Antártida argentina, mas para
toda a Antártida sul-americana e, em geral, para as relações dos
diversos Estados sobre o continente branco. Deste modo, as projeções
1 Eduardo José Pintore é doutor em Direito pela Universidade Nacional de Córdoba. María Pilar Llorens
é advogada pela mesma Universidade.
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Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
da questão das Malvinas na Antártida afetam os direitos e interesses
tanto de Estados do continente americano, especialmente de sua
região meridional, como do continente europeu, considerando os
interesses que a Grã Bretanha, em particular, e a União Europeia, no
geral, têm sobre estes espaços. Nesta perspectiva, a questão das
Malvinas irradia seus efeitos sobre três continentes, e sua solução
dependerá, em grande medida, das relações que se estabelecerão
entre eles.
É a esta afecção tricontinental da questão das Malvinas que queremos
dedicar os parágrafos seguintes para, assim, começar a avaliar e
repensar a verdadeira importância desta questão para o futuro da
Argentina e de toda a América Latina.
Antes de entrar propriamente nesta análise, é necessário lembrar que a
Antártida se encontra sujeita a um regime de direito peculiar conhecido
como Sistema Antártico. Este nome é usado para designar um
complexo de acordos, entre os que se destaca o Tratado Antártico de
1
1961, e de normas que têm como objetivo coordenar as relações entre
os Estados no continente branco. O direito que rege na Antártida em
virtude dessas normas jurídicas trata sobre a investigação, a
conservação da flora e da fauna e a mineração, entre outros aspectos
relevantes. Um dos pontos essenciais deste sistema é, não obstante, a
regulação das reclamações de soberania que vinham realizando alguns
Estados com anterioridade à firma do Tratado Antártico. Para deixar de
lado os conflitos que estas reclamações de soberania geravam, optouse por uma solução drástica: o artigo IV do Tratado Antártico
estabelece o que se conhece como “cláusula de congelamento” de
todas as reclamações antárticas. Esta cláusula consagra um statu quo
na Antártida, estipulando que nenhuma das disposições do Tratado
Antártico (e também dos acordos posteriores) será interpretada como
uma renúncia aos direitos de soberania territorial ou às reclamações
territoriais que as partes no Tratado tivessem feito anteriormente e, da
mesma maneira, que as atividades ou os atos por elas realizados no
continente também não servirão de base para futuras reclamações
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María Pilar Llorens e Eduardo José Pintore
territoriais. De acordo com o Tratado Antártico, não haverá novas
reclamações de soberania territorial nem ampliações das reclamações
anteriores enquanto o instrumento estiver em vigência. O Tratado
Antártico tem duração indefinida, mas não eterna. Levando em
consideração os interesses concretos de diversos Estados na Antártida,
consideramos que é útil e necessário, para os argentinos em particular
e os latino-americanos em geral, repensar e avaliar as projeções da
questão das Malvinas no continente branco. A importância das reservas
de recursos naturais que existem em (e ao redor) da Antártida faz com
que seja absolutamente pensável um cenário sem o Tratado Antártico,
com grandes conflitos pela consecução e o asseguramento, por parte
dos Estados, de setores de exploração desses recursos.
Esclarecida esta questão, é preciso assinalar que o conflito de
soberania das Malvinas e as Ilhas do Atlântico Sul tem projeções
jurídicas, diplomáticas e estratégicas, entre outras. O plano jurídico se
manifesta na teoria dos setores, nos princípios de contiguidade e
continuidade, no princípio do uti possidetis iuris, de 1810, e nas
projeções que a disputa jurídica sobre as Malvinas podem ter para as
antigas Falkland Dependencies na posição britânica.
Analisemos, pois, a projeção jurídica que a questão das Malvinas tem
no continente branco. Ela se dá em diversos aspectos do conflito sobre
as Malvinas, bem como nos títulos, princípios e teorias que sustentam
os direitos a reclamações soberanas sobre a Antártida. Vejamos, a
seguir, alguns deles.
Adotando a teoria dos setores, a República Argentina reclama sua
porção de território sobre a Antártida do Polo Sul até o paralelo 60º
latitude sul, no espaço limitado a oeste pelo meridiano 74º O, que
passa pelo extremo ocidental do território nacional nas proximidades
do cordão Mariano Moreno, e a leste pelo meridiano 25º O, que
corresponde à parte mais oriental do território argentino, passando
pelo extremo oriental das Ilhas Sandwich do Sul. Como estas se
encontram, conjuntamente com as Malvinas, sujeitas à disputa de
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Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
soberania com o Reino Unido, a perda destas ilhas significaria, de
acordo com a teoria dos setores, sustentada por nosso país, uma perda
de massa territorial projetável até a Antártida argentina. Em outras
palavras, a perda das Ilhas do Atlântico Sul significaria uma correção
automática para o oeste do limite leste da Antártida argentina, com a
conseguinte perda de território no continente branco. Devido a este
fato, o futuro da Argentina na Antártida está indissoluvelmente ligado à
evolução do conflito pelas Malvinas e as Ilhas do Atlântico Sul. É claro
que a República Argentina não fundamenta seus direitos soberanos
sobre uma porção da Antártida somente na teoria dos setores – ela
possui também outros títulos, derivados da geografia e da história, que
serão mencionados a seguir. No entanto, a importância da teoria dos
setores para fixar os limites do espaço argentino no continente branco é
2
indiscutível. A mesma teoria é seguida pela República do Chile para
fixar os limites de seu setor entre os meridianos 53º O e 90º O. Esta
teoria parece ser a seguida pelo Tratado Interamericano de Assistência
Recíproca de 1947, embora ele não a declare abertamente. Este
tratado, de caráter defensivo, estabelece no artigo 4º uma zona de
segurança americana que inclui a porção da Antártida mais próxima à
Argentina e ao Chile, isto é, a Antártida sul-americana. Este setor,
considerado americano para efeitos da defesa continental, é fixado
neste tratado pelos meridianos 24º O, em seu limite oriental, e 90º O,
em seu limite ocidental.
Outra projeção jurídica da questão das Malvinas e as Ilhas do Atlântico
Sul na questão territorial da Antártida é o princípio da contiguidade,
que, embora não seja capaz de constituir título sobre um território por
si só, se coadjuva com os restantes títulos. Segundo este princípio, os
territórios contíguos ao território de um Estado que não pertençam a
nenhum Estado devem pertencer ao Estado do território mais próximo.
Diz-se que tal princípio se baseia em ponderações de defesa nacional,
já que tem por objetivo evitar a presença de um poder estrangeiro nas
proximidades do território próprio. Pensemos, no caso das Malvinas, no
perigo que representa a presença militar britânica a menos de
quatrocentos quilômetros da costa argentina. Outro tipo de
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ponderações são as de caráter econômico, já que o Estado mais
próximo do território em discussão é o que se encontra melhor
posicionado para mantê-lo e desenvolvê-lo. No caso das Malvinas, é
possível observar a conveniência para o arquipélago de possuir
comunicações de todo tipo com (e a partir de) o território argentino. Por
isso, um dos fundamentos esgrimidos pela Argentina em sua disputa
pelas Malvinas e as Ilhas do Atlântico Sul é a contiguidade destes
arquipélagos com o território continental argentino. Pois bem, este
argumento é também apresentado, conjuntamente com outros, tanto
pela Argentina como pelo Chile com relação a seus territórios
antárticos. Constata-se o embasamento na realidade deste argumento
considerando a importância que os portos da América do Sul têm para a
realização de diferentes atividades na Antártida. Referimo-nos,
concretamente, aos portos de Ushuaia (Argentina) e de Punta Arenas
(Chile), que são a “porta de entrada para o continente branco”. O
princípio da contiguidade, por outro lado, é a base da teoria dos
setores: somente os Estados que são contíguos ao continente branco
têm o direito preferencial de projetar sua soberania sobre ele, de
acordo com a projeção de seus pontos extremos a leste e a oeste.
Tendo em vista a identidade de fundamentos entre a posição argentina
com relação às Malvinas e as Ilhas do Atlântico Sul e a posição
argentino-chilena sobre a Antártida sul-americana, ambas baseadas no
princípio da contiguidade, o desconhecimento da vigência de tais
fundamentos na questão das Malvinas faria com que sua força
argumentativa se debilitasse nas reclamações argentino-chilenas sobre
o território antártico.
O mesmo raciocínio é válido com respeito ao princípio da contiguidade,
também sustentado pela Argentina no caso das Malvinas. Assim como
as Ilhas Malvinas e as Ilhas do Atlântico Sul nada mais são do que uma
continuidade da massa continental argentina, a porção do território
antártico reclamada pela Argentina e o Chile são, em grande medida,
somente a continuidade do continente sul-americano. Isso ocorre por
meio do Arco Antilhano Austral e da Península Antártica, que são uma
prolongação da Cordilheira dos Andes. Do mesmo modo, o
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Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
desconhecimento do princípio da contiguidade na questão das
Malvinas destruiria o valor argumentativo deste princípio na questão da
Antártida sul-americana.
É preciso salientar que os direitos soberanos sobre uma porção da
Antártida, tanto os da Argentina como os do Chile, não se
fundamentam somente na teoria dos setores nem no princípio da
contiguidade e da continuidade. A par destes argumentos jurídicos de
base geográfica, ambos os Estados têm argumentos jurídicos de base
histórica. Trata-se dos direitos soberanos que a Espanha possuía sobre
todos estes espaços, direitos que foram herdados pela Argentina e pelo
Chile em face do princípio da sucessão de Estados. Assim, há uma
conexão jurídica entre a questão das Malvinas e as disputas
relacionadas com a Antártida, pois o argumento, em ambos os casos,
funda-se no princípio do direito internacional do uti possidetis, de 1810.
O uti possidetis iuris é reconhecido pela Corte Internacional de Justiça,
3
no caso relativo à disputa fronteiriça entre Burkina Faso e o Mali, como
uma norma internacional de alcance geral. Segundo este princípio, os
novos Estados emancipados se constituem com os limites
administrativos que possuíam na época colonial. Em nosso hemisfério,
portanto, todos os territórios que pertenciam à Coroa Espanhola foram
transmitidos às repúblicas americanas emancipadas da metrópole de
acordo com as divisões administrativas existentes na época colonial.
Em virtude deste princípio jurídico, tanto a Argentina como o Chile
sucederam à Coroa espanhola em seus direitos soberanos sobre os
espaços do Atlântico e do Pacífico Sul, inclusive a terra australis. O reino
da Espanha possuía direitos soberanos sobre as ilhas e terras do Sul,
incluindo a Antártida, em virtude das Bulas Alexandrinas de 1493, do
Tratado de Tordesilhas, celebrado em 1494 com o reino de Portugal, e
de uma série de tratados internacionais sucessivos nos quais as outras
potências europeias, entre elas a Grã Bretanha, haviam reconhecido o
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domínio exclusivo da Espanha sobre todo este espaço. Como o princípio
do uti possidetis iuris é a base jurídica fundamental das reclamações de
soberania da Argentina sobre as Malvinas e as Ilhas do Atlântico Sul,
um indeferimento deste princípio neste caso significaria,
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María Pilar Llorens e Eduardo José Pintore
implicitamente, sua denegação na questão da Antártida, afetando
gravemente os direitos soberanos da Argentina e do Chile nesta região.
Deste modo, o desconhecimento deste princípio jurídico na questão
das Malvinas criaria um precedente jurídico nefasto para a defesa da
Antártida sul-americana.
Analisemos agora qual poderia ser, para a posição inglesa, a projeção
jurídica da questão das “Falklands” no resto das Ilhas do Atlântico Sul e
na porção da Antártida que constituía as Falkland Islands
Dependencies. É de se notar de imediato que, devido à carência de
títulos suficientes para sustentar juridicamente a ocupação militar das
Ilhas Malvinas, a Grã Bretanha procura fracionar o espaço de soberania
em disputa para evitar, justamente, a projeção de um resultado
desfavorável na questão das Malvinas sobre as outras Ilhas do Atlântico
Sul e suas pretensões na Antártida. Lembremos que a Grã Bretanha
incorpora os grupos de ilhas conhecidas como Geórgia do Sul,
Sandwich do Sul, Shetland do Sul, Orcadas do Sul e uma porção do
continente antártico (Graham’s Land) à sua administração, ao menos
6
5
formalmente, através das Letters Patent de 1908 e 1917. As Letters
Patent de 1908 7 e 1917 não incorporavam estes territórios à
administração direta de Londres, mas à administração das Ilhas
Malvinas, mais especificamente ao governador. Por esta razão, todos
eles passaram a ser dependências das Ilhas Malvinas (Falkland Islands
Dependencies), embora a Grã Bretanha se esmere em esclarecer, em
sua apresentação na Corte Internacional de Justiça, que a vinculação
entre as Malvinas e os outros territórios mencionados era meramente
administrativa, sendo os títulos britânicos sobre cada um deles
8
separados e independentes uns dos outros.
É claro que o pretenso exercício de soberania da Grã Bretanha sobre as
Ilhas do Atlântico Sul e a porção da Antártida por ela reclamada era
executado pela própria autoridade colonial, que exercia a soberania
sobre as Malvinas. Deste modo, o exercício de soberania sobre as
Falkland Islands Dependencies ficou indissoluvelmente vinculado à
legalidade internacional da presença britânica nas Malvinas, bem como
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Malvinas na UNIVERSIDADE
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da autoridade por ela estabelecida.
Pois bem, se a dependência de todos esses arquipélagos e do território
antártico em relação ao governo colonial britânico das Malvinas era
somente administrativa, como defende a posição oficial britânica em
sua apresentação na Corte Internacional de Justiça, o resultado
incontestável da questão é que, caso essa presença seja categorizada
como ilegal do ponto de vista internacional, os pretensos “atos de
soberania” sobre os outros territórios – isto é, sobre as Falkland Islands
Dependencies – que tiverem sido realizados pelo governo posto por
essa presença ilegal seriam, no mínimo, questionáveis para o direito
internacional, já que seu efeito como suposto exercício de soberania
por parte da Grã Bretanha estaria viciado. Isso significa que, se um
tribunal internacional determinar no futuro a ilicitude da administração
britânica nas Malvinas, os atos realizados por essa administração nas
Falkland Islands Dependencies terão sido executados por uma
administração estabelecida em contravenção às normas do direito
internacional. Neste caso, seria difícil afirmar que uma administração
ilegal, qualificada como colonial pela Resolução 2065 (XXV) da
Assembleia Geral das Nações Unidas, possa exercer legalmente a
soberania sobre os territórios sob sua administração porque os títulos
britânicos sobre esses territórios eram diversos e independentes uns
dos outros.
Como a ilicitude da presença britânica nas Malvinas se origina com a
apropriação pela força do arquipélago, a expulsão de seus habitantes e
a ocupação do espaço com população própria, é claro que ela começa
em dois de janeiro de 1833. Em virtude disso, todos os atos realizados
pela administração britânica das Malvinas sobre as terras e os mares do
Atlântico Sul, inclusive antes das Letters Patent de 1908, padecem do
vício de terem sido executados por um governo oriundo de uma
ocupação ilícita para o direito internacional. É muito provável que,
considerando toda esta situação anômala, a política de fragmentação
do espaço em disputa tenha sido impulsionada por Londres para evitar
a projeção nefasta que uma solução conforme a direito da questão das
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María Pilar Llorens e Eduardo José Pintore
Malvinas poderia ter para os interesses britânicos. Assim, o South
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Georgia and South Sandwich Islands Order de 1985 retira esses
arquipélagos – que, de acordo com as Letters Patent de 1908 e 1917,
faziam parte das Falkland Islands Dependencies – da administração das
Malvinas, outorgando-lhes uma administração autônoma que depende
diretamente de Londres. O mesmo ocorreu com o British Antarctic
Territory, que embora tenha sido criado em 1962, deixou de depender
administrativamente das Malvinas em 1989, quando ganhou uma
administração própria executada também a partir de Londres.
Dando continuidade à análise proposta neste trabalho, analisaremos
agora a projeção diplomática que a questão das Malvinas suscita na
Antártida com relação a alguns Estados que, embora não tenham
reclamado soberania antes da firma do Tratado Antártico de 1959,
formularam reserva de direito em seu ato de adesão a este instrumento
internacional, como é o caso da República Federativa do Brasil e da
República Oriental do Uruguai. Com efeito, a amplitude das pretensões
brasileira e uruguaia é determinada pela “teoria da defrontação”, isto é,
pela projeção sobre a Antártida dos meridianos extremos leste e oeste
das costas destes países, incluindo suas ilhas. Neste sentido, o Brasil
formulou uma reserva de seus direitos sobre a Antártida ao se aderir ao
Tratado Antártico.10 A República Federativa do Brasil sustenta que sua
zona de interesse está localizada entre os meridianos 53º 22’ (Arroio
Chuí) e 28º 48’ O (Ilha Martim Vaz), fazendo vértice no Polo Sul e tendo
como limite norte o paralelo 60º S. Com isso, sua zona de interesse se
encontra totalmente dentro do Setor Antártico Argentino e do
pretendido pela Grã Bretanha. Consequentemente, para a solução do
conflito sobre as Ilhas Malvinas e as Ilhas do Atlântico Sul, o Brasil
deverá, num futuro próximo ou distante, ter a Argentina ou a Grã
Bretanha, conjuntamente com a União Europeia, como principais
negociadores sobre seus interesses na Antártida. Expliquemos
brevemente esta problemática: a eventual perda dos direitos
soberanos da Argentina sobre as Ilhas Malvinas e as Ilhas do Atlântico
Sul implicaria, necessariamente, a perda de sua projeção Leste (25º O),
conforme explicamos anteriormente. Neste caso, o Brasil teria que
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negociar seus interesses territoriais na Antártida com a Grã Bretanha –
11
e, a partir do Tratado de Lisboa, com toda a União Europeia – no que se
refere a seu limite leste e, ao mesmo tempo, com estes e a Argentina no
que concerne a seu limite oeste. Se, pelo contrário, a República
Argentina obtiver o reconhecimento definitivo de seus direitos
soberanos sobre as Ilhas Malvinas e as Ilhas do Atlântico Sul, mantendo
e fortalecendo sua projeção sobre o continente branco, a Argentina e o
Brasil poderão, tal como vem sendo feito com o Chile, defender juntos
uma Antártida sul-americana até o meridiano 25º O (pretensão
argentina máxima a leste), deixando para futuras negociações
bilaterais a questão da zona de interesse brasileiro na Antártida. É óbvio
que esta situação seria muito mais favorável do que a primeira para o
Brasil, já que se trataria de uma negociação entre iguais. O que foi dito
aqui com relação à República Federativa do Brasil vale para a Antártida
12
uruguaia, pois, assim como o Brasil, o Uruguai formulou uma reserva de
13
direitos ao se aderir ao Tratado Antártico.
Por último, a questão das Malvinas tem uma projeção estratégica na
Antártida, a qual procuraremos esboçar nas seguintes linhas.
Para a Grã Bretanha, as Malvinas não têm só o grande valor estratégico
de estarem localizadas nas proximidades da única passagem natural
entre o Atlântico e o Pacífico: se o Reino Unido perdesse a ocupação
ilegal das Malvinas, perderia uma base territorial fundamental para a
logística de uma futura exploração dos recursos naturais do continente
branco. Se observarmos o mapa mundi, no extremo onde se encontra a
Europa, no hemisfério norte, e dirigirmos o olhar para a Antártida, no
hemisfério sul, notaremos que a rota obrigatória da Inglaterra de (e
para) a Antártida é o Oceano Atlântico, passando necessariamente não
só pela Ascension Island, dependência britânica localizada entre o
Brasil e a África, mas também pelas Falkland Islands, porta que se abre
nas bordas da convergência antártica.
A projeção estratégica das Malvinas na Antártida, para a situação
particular da Grã Bretanha como potência do hemisfério norte, pode ser
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María Pilar Llorens e Eduardo José Pintore
entrevista já nos primeiros documentos britânicos sobre o continente
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branco. Com efeito, nas Letters Patent de 1908 e 1917, antes
mencionadas, o Estado britânico batiza os territórios pretendidos na
Antártida de The Falkland Islands Dependencies. Nas Letters Patent
não se estabelece uma vinculação de títulos entre as Malvinas e os
territórios pretendidos na Antártida, mas uma dependência
administrativa que sujeitava estes últimos às posses nas Malvinas. A
explicação para isso é lógica: as Malvinas eram o último assentamento
britânico permanente no extremo sul de sua área de influência. É por
isso que, para a Grã Bretanha, a ocupação ilegal do arquipélago
representa uma base territorial permanente no Atlântico Sul. O
território malvinense, base da presença britânica na região, vizinha da
passagem natural entre o Atlântico e o Pacífico, constitui-se, assim, no
trampolim necessário para lançar a exploração dos recursos naturais da
Antártida. Deste ponto de vista, é possível afirmar, como o fizemos no
começo destas reflexões, que a Guerra das Malvinas significou, ao
menos para a Grã Bretanha, a primeira guerra pela Antártida. Talvez
isto nunca tenha sido suficientemente analisado por nós, argentinos,
mas é importante que consideremos a projeção estratégica das
Falkland Islands no British Antarctic Territory para, assim, compreender
o valor que a potência ocupante atribui às Ilhas Malvinas e Ilhas do
Atlântico Sul, por ela ocupadas. É preciso lembrar que todos os
assuntos de importância estratégica para a Grã Bretanha o são também
para a União Europeia, o que explica a inclusão das Ilhas Malvinas e
Ilhas do Atlântico Sul e do Território Britânico como territórios
associados ao bloco, de acordo com o estabelecido no Anexo II do
Tratado de Lisboa.
A Europa, assim como o Japão, é um espaço muito desenvolvido
tecnologicamente e com supercapacidade industrial, porém pobre em
recursos naturais. A China acrescenta seus índices de produção, que se
encontram muito acima dos recursos naturais próprios disponíveis, e os
Estados Unidos, por sua vez, mantêm níveis de produção superiores às
matérias primas que podem ser obtidas em seu próprio território.
Assim, a característica comum dessas potências é que todas elas
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Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
precisam cada vez mais de recursos naturais, sobre tudo energéticos,
que elas próprias não têm. Isso gerou um aumento progressivo dos
preços dos recursos naturais em geral, que chegaram a níveis
históricos. Para dar um exemplo, um barril de petróleo que não chegava
a U$S 10 no começo da década de setenta, em 2003 custava U$S 30 e,
hoje, ronda os U$S 100. Como consequência desta evolução, as
reservas de recursos naturais que antes não eram rentáveis devido à
sua constituição e localização, passaram a sê-lo hoje e serão ainda mais
nos próximos anos. Numerosas dessas reservas se encontram na
região dominada pelas Ilhas Malvinas, por outras Ilhas do Atlântico Sul
e pela própria Antártida.
Neste sentido, é possível observar que tanto a Ascension Island,
incluída no Anexo II do Tratado de Lisboa como território britânico de
ultramar associado à União Europeia, como as Falkland Islands são os
pilares fundamentais da ponte logística para a conexão EuropaAntártida. Se a Europa perder as Falkland Islands, como chegará à
Antártida se não for pela Argentina?
A par da questão estratégica dos recursos naturais do Atlântico Sul, há
outra relacionada com a vizinhança dos Estados americanos e os
Estados europeus no sul do planeta: a questão das Malvinas
determinará se os países da parte sul do continente americano se
transformarão definitivamente em Estados contíguos à União Europeia,
com a conseguinte presença militar da OTAN em todo o setor
correspondente às Ilhas Malvinas e às Ilhas do Atlântico Sul. Com
respeito à Antártida sul-americana, a questão das Malvinas
determinará não só a própria vizinhança com a Europa – já que a leste
da Antártida sul-americana, entre 25 º O e 20º O, existe um setor
britânico remanescente, e a oeste dele está todo o setor reclamado
pela Noruega –, mas a magnitude dessa vizinhança, isto é, o tamanho
do espaço europeu no continente branco, que dependerá do meridiano
no qual se traçará o limite entre cada uma das zonas de presença. Este
meridiano, conforme já mencionado, é fixado no ponto extremo
oriental da República Argentina nas Ilhas Sandwich do Sul.
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María Pilar Llorens e Eduardo José Pintore
Em virtude das reflexões realizadas, a questão das Malvinas afeta, do
ponto de vista estratégico, três continentes: o americano, pois que em
sua parte sul se encontram os Estados que possuem direitos soberanos
e proximidade geográfica com a Antártida; o europeu, pelos interesses
que a União Europeia tem nos recursos desta região; e o antártico, pela
projeção do conflito das Ilhas Malvinas nas diferentes áreas aqui
analisadas.15
A conclusão à qual chegamos após estas reflexões é que o conflito pelas
Ilhas Malvinas e as Ilhas do Atlântico Sul rege o destino da Antártida
argentina e de sua configuração. Da questão das Malvinas depende
também o futuro de toda a Antártida sul-americana, o qual envolve não
só a Argentina e o Chile, mas também o resto dos países da região.
Além disso, a questão das Malvinas determinará, em grande medida, o
tipo de presença que tanto a Grã Bretanha como a União Europeia vão
ter nas próprias Ilhas do Atlântico Sul e no continente antártico. Com
suas projeções na Antártida, a questão das Malvinas se encontra no
ponto de ruptura entre os interesses de dois blocos regionais. A Grã
Bretanha não está sozinha, a Argentina também não.
Face ao exposto, a questão das Malvinas não pode ser pensada
isoladamente da questão antártica. Da mesma forma, estas questões
não podem ser pensadas individualmente – isto é, com uma visão
meramente nacional– mas, pelo contrário, devem ser pensadas em
termos regionais. Assim, a questão das Malvinas constitui um problema
que repercute, necessariamente, no futuro dos países latinoamericanos no continente branco e de suas relações com a Europa.
Notas
1 - O Tratado Antártico foi adotado em 1º de dezembro de 1959 e entrou em vigor
em 23 de junho de 1961.
2 - Sobre a importância da teoria dos setores na Antártida sul-americana, vide Oscar
PINOCHET De La BARRA, La Antártica Chilena, Santiago do Chile, 1955, p. 123 e ss.
3 - Case concerning the frontier dispute (Burkina Faso/Republic of Mali) ICJ Reports
(1986), p. 554.
4 - Entre os tratados que podem ser mencionados, encontramos o Tratado de Paz de
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Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
1604 entre a Espanha e a Inglaterra, que põe fim à guerra anglo-espanhola e
determina o retorno ao statu quo ante bellum, deixando sem efeito os direitos
adquiridos com posterioridade à deflagração da guerra; o Tratado de Madri de 1670,
por meio do qual a Espanha reconhece as posses inglesas na América do Norte e, em
contrapartida, o Reino da Grã Bretanha se compromete a não navegar nem comerciar
nos lugares que a Espanha possuía nas Índias Ocidentais; o Tratado de Madri de
1713, por meio do qual a Coroa Britânica se compromete a não deixar que seus
navios ultrapassem nem comerciem nos mares do Sul, nem que trafiquem em
nenhuma outra paragem das Índias espanholas, disposição ratificada no Tratado de
Utrecht de 1713; e a Convenção de São Lourenço de 1790, através da qual se
estabelece um statu quo com relação às zonas que já estavam ocupadas,
impossibilitando, assim, a fundação de novas colônias na América. Para mais
informações, é possível consultar o discurso pronunciado pelo representante
argentino José María Ruda no Subcomitê III do Comitê Especial encarregado de
examinar o estado de aplicação da Declaração sobre a concessão da independência
aos países e povos coloniais, de 9 de setembro de 1964. Conhecido também como
Alegato Ruda (“Arrazoado Ruda”), o documento está disponível em:
http://constitucionweb.blogspot.com.ar/2012/03/alegato-ruda-1964.html [Consulta
realizada no dia 24/06/2012].
5 - Letters Patent of 21 July 1908, publicado em The Falkland Islands Gazette, de 1º
de setembro de 1908, e no British and Foreign State Papers, 1907-08, Vol. 101
(London, 1912), págs. 76 e 77.
6 - Letters Patent of 28 March 1917, publicado em The Falkland Islands Gazette, de 2
de julho de, e no British and Foreign State Papers, 1917-18, Vol. 111 (London, 1912),
págs. 16 e 17.
7 - Na Letters Patent de 1908, lê-se: “2. And we do hereby further declare that from
and after such publication as aforesaid the Governor and Commander-in-Chief of our
Colony of the Falkland Islands for the time being (hereinafter called the Governor)
shall be the Governor of South Georgia, the South Orkneys, the south Shetlands, and
the Sandwich Islands, and the territory of Graham´s Land (all of wich are hereinafter
called the Dependencies); and we do hereby vest in him all such powers of
government and legislation in and over the Dependencies as are from time to time
vested in our said Governor in and over our Colony of the Falkland Islands”.
8 - Antarctica Cases (United Kingdom v. Argentina; United Kingdom v. Chile), ICJ,
Pleadings, oral arguments, documents, 1956, p. 2, especialmente a nota de rodapé no
2 desse parágrafo.
9 - Vide The South Georgia and South Sandwich Islands Order 1985. Este documento
pode ser encontrado em
http://www.sgisland.gs/download/legislation/SGSSI%20Order%201985.pdf [Consulta
realizada no dia 24/06/2012].
10 - Ato de adesão do Brasil ao Tratado Antártico, realizado no dia 16 de maio de
1975.
11 - Isto se deve a que o Tratado de Lisboa (Tratado da União Europeia de 2007)
inclui, em seu Anexo II, o “Território Antártico Britânico”. Assim como os outros
191
María Pilar Llorens e Eduardo José Pintore
territórios mencionados no Anexo II, este território é “associado” à União Europeia
com o intuito de estabelecer entre eles “estreitas relações econômicas” (vide o art.
198 do Tratado de Lisboa).
12 - Vide Julio C. MUSSO, Antártida Uruguaya, Documentos El País, Montevidéu,
1970.
13 - Ato de adesão do Uruguai ao Tratado Antártico, realizado no dia 11 de janeiro de
1980.
14 - Gough menciona, como causa de longo alcance deste documento, o desejo de
controlar os assuntos comerciais das Malvinas e de suas dependências. Barry M.
GOUGH, The Falkland Islands/Malvinas. The contest for empire in the South Atlantic,
Londres, 1992, p. 147.
15 - Existem projeções da questão das Malvinas na Antártida a partir de outros
pontos de vista, como, por exemplo, o econômico, o econômico-logístico e o do
tráfego marinho na região da convergência antártica com o Pacífico, ao sudoeste da
América do Sul, e com o Atlântico, ao sudeste, entre outros. Esta análise, no entanto,
excederia em muito o marco e o objeto deste ensaio.
192
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Menção especial
A MORTE EM CONTEXTO:
DIFERENTES FORMAS DE DAR SENTIDO À MORTE
NA GUERRA DAS MALVINAS
Laura Marina Panizo
Laura Marina Panizo
A MORTE EM CONTEXTO: DIFERENTES FORMAS DE
DAR SENTIDO À MORTE NA GUERRA DAS
MALVINAS
Laura Marina Panizo 1
Introdução
Embora toda sociedade ou comunidade possua formas específicas de
se relacionar com a morte e com os mortos, de acordo com suas
tradições culturais e religiosas, o sentido dado à morte de uma pessoa
depende, também, do contexto histórico e das circunstâncias
particulares desse acontecimento. Desta forma, as diferentes
categorias de mortos e de seus próximos, propõem formas alternativas
1 María Laura Panizo é doutora em Ciências Antropológicas e pesquisadora do Instituto de Altos
Estudos Sociais da Universidade Nacional de San Martín (IDAES-UNSAM).
194
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
de se aproximar ao falecido e diferentes formas de homenagem e
rememoração.
O caso da morte na guerra, por exemplo, pode produzir uma ruptura
nas formas habituais de enfrentá-la, provocando mudanças
significativas nas condutas rituais dos familiares e amigos do falecido.
Por sua vez, os mortos têm diferentes tipos de pessoas próximas, já que
eles não são apenas filhos, pais, irmãos e cônjuges, mas também
companheiros de batalha dos sobreviventes. No caso dos familiares,
em que há uma relação de parentesco estabelecida ao longo do tempo,
a morte, resultado da guerra, produz uma ruptura repentina nas
relações sociais da vida cotidiana. Pelo contrário, a relação estabelecida
entre o tombado na guerra e seu companheiro de batalha se refere
diretamente à experiência da guerra, como marca de identidade. Esta
remete não só às experiências comuns em situações limite, mas
também ao enfrentamento “cara a cara” que os ex-combatentes
tiveram com a morte, ora por terem suas vidas ameaçadas durante o
conflito, ora por terem presenciado a morte de seus companheiros, de
quem em muitos casos tiveram que se despedir e enterrar.
Neste sentido, o significado que os familiares ou companheiros de
batalha dão às perdas de seus próximos vai depender, principalmente,
do tipo de relação estabelecida, pois os diversos tipos de relações com
os mortos podem envolver formas diferentes de significar e dramatizar
1
a morte. No caso da Guerra das Malvinas, é necessário salientar que ela
ocorreu no contexto da última ditadura militar (1976-1982), momento
no qual os direitos humanos foram sistematicamente violentados pelas
Forças Armadas, responsáveis pela detenção clandestina, o
desaparecimento e a morte de milhares de cidadãos. Assim, nasceram
na Argentina diferentes organizações de direitos humanos que tinham
como objetivo a busca da verdade e da justiça para os desaparecidos,
apontados por elas como vítimas da ditadura militar. Neste sentido, a
análise das várias formas de significação da morte na guerra não pode
deixar de considerar as interpretações dos sujeitos sociais sobre o que
ocorreu durante o terrorismo de Estado.
195
Laura Marina Panizo
Assim, são vários os fatores que fazem com que os sujeitos sociais
encontrem formas muito peculiares de evocar e lembrar seus mortos
nas Malvinas. Neste texto, analisaremos dois grupos de pessoas
próximas aos tombados na guerra: os familiares que integram a
comissão Familiares dos Tombados nas Malvinas e nas Ilhas do
Atlântico Sul, por um lado, e os ex-combatentes do Centro de ExCombatentes de La Plata (CECIM), por outro.
Para poder entender as formas como os membros desses organismos
enfrentam a problemática da morte na guerra, falaremos em marcos
simbólicos de interpretação. Estes são repertórios simbólicos que,
através de uma ideologia em particular, orientam a forma como os
sujeitos sociais dão sentido à morte no contexto da guerra, bem como o
modo como as práticas rituais devem ser realizadas, tanto no âmbito
público como no privado. É por meio desses repertórios, mais ou menos
hegemônicos, que os familiares e ex-combatentes entendem os fatos
ocorridos na guerra, identificando-se entre si como membros deste
grupo social determinado.2
Desta forma, a integração do indivíduo aos grupos possibilitou um
processo de socialização, entendida por muitos sujeitos sociais como
um processo de aprendizagem e negociação no que concerne à
elaboração do sentido da morte na guerra. A seguir, descreveremos
brevemente o marco simbólico de cada grupo e veremos como eles
encontram formas muito diferentes de entender as mortes na guerra,
no contexto da última ditadura militar na Argentina.
Familiares de Tombados nas Malvinas e nas Ilhas do Atlântico
Sul versus ex-combatentes do Centro de Ex-Combatentes de
La Plata (CECIM)
As denúncias de maus-tratos realizadas pelos ex-combatentes contra
seus superiores, a par das duríssimas condições de vida sofridas por
eles durante a guerra, fizeram com que os questionamentos aos
militares se assimilassem aos relacionados com os direitos humanos.
196
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Nesta lógica, a sociedade argentina começou a interpretar o conflito
como de exclusiva responsabilidade das Forças Armadas, motivo pelo
qual os ex-soldados foram identificados com os desaparecidos e vistos
como vítimas da ditadura militar (Guber, 2004; Lorenz, 2006). Ao
contrário dos ex-soldados, os tombados na guerra foram considerados
pelos governos democráticos posteriores à ditadura como seres que
sacrificaram sua vida pela pátria.
Da mesma forma como nasceram as organizações de direitos humanos
para reclamar pelos desaparecidos, foram criadas, com o fim da Guerra
das Malvinas, diferentes organizações não governamentais, tanto civis
como de ex-soldados. Elas foram se agrupando por regiões do país e,
atualmente, também se diferenciam pelo tipo de ex-soldados que as
integram. Assim, enquanto alguns centros convocam tanto exsoldados recrutas como de carreira, outros grupos aceitam apenas a
participação dos ex-combatentes que participaram da guerra como
recrutas. Da mesma maneira, cada organização tem sua própria forma
de dar sentido à Guerra e, portanto, seus modos de agir na arena
pública respondem aos marcos simbólicos de cada uma. Dentro da
variedade destes grupos, trabalharemos aqui com os depoimentos de
alguns ex-combatentes do Centro de Ex-Combatentes de La Plata
(CECIM).
Apesar de alguns familiares colaborarem ou participarem atualmente
das organizações de ex-soldados ou de outras referidas à Guerra, a
única comissão oficial que reúne familiares desde o pós-guerra até os
dias de hoje é a Familiares dos Tombados nas Malvinas e nas Ilhas do
Atlântico Sul.
A organização nasce com um grupo de familiares que, com o fim da
guerra, começa a se reunir devido à necessidade que cada um tinha de
se encontrar com outras pessoas que também tinham perdido seus
entes queridos no conflito e, além disso, movidos pela necessidade de
honrar os mortos, de conhecer as Ilhas Malvinas e de construir um
monumento no cemitério de Darwin, na Ilha Soledad. Assim, a
197
Laura Marina Panizo
instituição é conformada principalmente por irmãos, pais e mães de
tombados na guerra, sejam eles soldados recrutas ou de carreira das
três forças (Exército, Marinha e Aeronáutica).
O grupo adquire o caráter de comissão em 1994, na capital do país,
com o intuito de honrar publicamente seus entes queridos mortos na
Guerra, de reafirmar os direitos de soberania sobre as Ilhas Malvinas e
de organizar atividades que, entre outras coisas, reafirmassem, em
suas palavras, o “conceito de argentinidade” e “os valores culturais,
espirituais e sociais que caracterizam o povo argentino”. Assim, dentro
da trama simbólica da história argentina e dos símbolos associados à
unificação da diversidade cultural – tais como os símbolos pátrios, os
religiosos e as figuras dos próceres –, os familiares das Malvinas
reivindicam o compromisso com a bandeira, reapropriam-se da
imagem da Virgem de Luján (um forte símbolo da identidade nacional)
e identificam seus familiares com os heróis nacionais consagrados pela
história oficial. Como, nas representações associadas à história
recente, a vitimização e a denúncia de violações dos direitos humanos
são associadas ao desaparecimento de pessoas, a elaboração de
sentidos para a morte dos tombados na guerra, inserida também no
contexto da última ditadura militar, não foi sustentada pela denúncia
social, mas recorrendo à ideia da unidade nacional. Deste modo,
fazendo referência à mitologia heroica nacional oficial, este organismo
ressalta a “argentinidade” como conceito que sintetiza uma nação
unificada por valores, crenças e práticas religiosas católicas, que eles
entendem como tradicionais e características do povo argentino. Da
mesma forma, os familiares enfatizam a figura do herói, e não a da
vítima, procurando abstrair a guerra do terrorismo de Estado e
propondo a inclusão dos tombados na guerra no panteão dos grandes
cidadãos nacionais. Assim, para eles, os heróis das Malvinas, a par de
outros heróis nacionais, distinguem-se de outros mortos como os
desaparecidos, já que estes não morreram em defesa de um território
nacional ameaçado por forças estrangeiras:
Além disso, a diferença que nós temos com a Hebe de Bonafini é que
198
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
seus filhos morreram lutando contra seus próprios irmãos. Meu irmão
não foi morto por um militar, ele foi morto por uma bomba inglesa, e
morreu defendendo os subversivos, os militares, os católicos, os
judeus, todos aqueles que vivem nesta pátria. Esta é a grande
diferença: que a morte deles tenha valido e que seja valiosa porque ela
foi além da ditadura. (María Fernanda, 03/04/09).
Morreram pela pátria, foram levados legalmente, não de forma oculta,
essa é a diferença entre os desaparecidos e os nossos. Um povo
aplaudiu, no dia dois de abril a praça ficou lotada. (Delmira, 03/09/09).
Com a ideia de que os tombados deixaram seu sangue em território de
todos por uma causa nacional, os familiares se valem de uma metáfora
orgânica para entender a nação como uma comunidade moral que vai
além de seus governantes. Essa associação simbólica corpo-nação,
presente nas representações de todos os familiares, legitima a
incorporação dos tombados nas Malvinas à linhagem dos ilustres
cidadãos nacionais, já que seus entes queridos deram a vida pela pátria
e foram, por sua vez, consagrados pelo Estado argentino como heróis
3
nacionais mediante a Lei nº 24.950. O objetivo principal da Familiares
das Malvinas foi, desde o início, a preservação da memória dos
tombados como heróis nacionais e a promoção de uma atitude social de
homenagem pública a eles, como aconteceu com outros mortos ilustres
que os antecederam.
A categoria de herói remete, nestes casos, a vidas tragicamente
interrompidas por uma causa nacional e que, portanto, são
consideradas merecedoras de um peculiar reconhecimento social. Para
os familiares, o ato heroico, inserido num marco simbólico que
4
podemos chamar de nacionalista, significa o sacrifício pela pátria e um
ideal de valores que incluem a ideia de cumprimento da palavra dada.
Desta forma, muitos familiares reivindicam o fato de os tombados
terem cumprido com o juramento à bandeira no Serviço Militar:
Ele se comprometeu com a situação. Por quê? Por causa de seus
valores. Então, como ele voltaria com seus companheiros que
tivessem morrido e tudo mais? Iria para uma sala de aula falar da
199
Laura Marina Panizo
pátria, de San Martín e de Belgrano? (Delmira, 03/09/09).
O que Delmira está querendo nos indicar, junto com outros familiares,
são os valores de responsabilidade social que relacionam os princípios
morais do soldado tombado nas Malvinas com os de San Martín e
Belgrano, pais fundadores da Pátria. Ativando, assim, os símbolos que a
história nacional oferece, os familiares constroem um novo panteão de
heróis e uma memória sobre a guerra, que reclama “não esquecer” os
atos heroicos dos soldados. Para isso, as passagens no campo de
batalha os enaltecem como pessoas especiais, escolhidas:
O soldado inglês reconhece o valor desse soldado, com sua tenra
idade e falta de preparação, como eles se defenderam [...]. Eu sei que
houve maus-tratos em Monte Longdon [...] houve estaqueamentos,
houve sim. Paremos de revirar tanta sujeira, resgatemos a coragem
desses garotos que, assim mesmo, não são vítimas, mas duplamente
heróis, pois além de esperar pelo inimigo, eles conviviam com o
inimigo ao lado; eu não os chamaria de vítimas, mas de duplamente
heróis (María Fernanda, 26/06/07) [grifo meu].
O relato de Maria Fernanda sobre a experiência da guerra é relevante,
pois esta forma “duplamente heroica” de entender o sofrimento dos
maus-tratos e das más condições de vida durante o conflito transforma
a violência sobre os corpos num sacrifício patriótico e num exercício
simbólico de cidadania. É também bastante frequente que os familiares
façam referência às condições sub-humanas que os seus parentes
sofreram como próprias da situação. Essa violência sobre os corpos
entendida como “cidadania heroica” pelos familiares é, no entanto,
considerada como uma “violação dos direitos humanos” por muitos
soldados, como veremos a seguir. É relevante apontar um contexto
social no qual é indispensável diferenciar os tombados na guerra das
vítimas da ditadura, cujos responsáveis pelos desaparecimentos e
mortes estão ainda sendo ajuizados por seus crimes. Assim, para que a
5
Causa das Malvinas não ficasse desprestigiada pelas condutas
condenáveis dos militares com relação aos desaparecidos, muitos
familiares tentaram separar a guerra do fato de ela ter sido conduzida
200
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
por uma ditadura militar responsável pelo desaparecimento de pessoas
e pela apropriação ilegal de bebês nascidos em cativeiro. Maria
Fernanda, cujo irmão foi, assim como o filho de Delmira, um dos
soldados mortos nas Malvinas, ressalta o papel de seu familiar que,
enquanto cidadão, foi defender um território que “pertence a todos
nós”, sem importar as diferenças partidárias próprias do momento.
Assim, o tombado nas Malvinas unifica todos os argentinos contra o
inimigo externo.
Pelo contrário, os ex-combatentes do Centro de Ex-Combatentes de La
Plata (CECIM) destacam, da experiência da guerra, não o inimigo
externo, mas o interno, a condução militar. Assim, enquanto a
Familiares das Malvinas não se constitui tendo por base as reclamações
e protestos, uma das características do CECIM é seu permanente
compromisso com a política de investigar as torturas e maus-tratos que
os soldados sofreram por parte dos seus superiores durante a guerra
(os estaqueamentos, a omissão de socorro, a morte por inanição, e a
redução a condição análoga à de escravo, por exemplo):
Uma das coisas que sempre fizemos é tentar mostrar todas as coisas
que aconteceram durante a guerra. Isto foi muito difícil para o CECIM,
mas ele defendeu sua marca, isto é, este é um Centro que foi crítico,
contestatário, opositor à ditadura militar primeiro e, depois, à falta de
políticas de atendimento ao setor (Rodolfo, 06/09/06 CECIM, La
Plata).
Desta forma, no Centro de Ex-Combatentes das Ilhas Malvinas de La
Plata (CECIM), o pessoal de carreira – isto é, militares, ex-militares ou
ex-soldados das Malvinas que foram militares antes da Guerra – não
pode se associar. Esta política se deve não só ao repúdio pelo
comportamento das forças armadas durante o conflito, mas também
pela repressão ilegal que elas exerceram sobre a sociedade com o
desaparecimento de pessoas. Neste sentido, eles têm um marco
simbólico de interpretação da história argentina recente em que os excombatentes da Guerra são considerados vítimas da ditadura tanto
quanto os desaparecidos. Assim, os ex-combatentes de La Plata, a
201
Laura Marina Panizo
partir de um marco simbólico que enfatiza os direitos humanos,
trabalham pela formação de uma memória da guerra que, dentre
outras coisas, posicione aqueles que nela participaram como vítimas da
ditadura militar:
Para nós, membros do CECIM, as violações dos direitos dos soldados
na guerra são um crime; e esse conceito, segundo entendemos, não é
um problema de pouca relevância, uma vez que ele diz respeito à
dignidade do combatente que defende sua Pátria. Nas Malvinas foram
comprovados mais de cem atos de estaqueamento, maus-tratos e,
também, vexações e assassinatos de soldados (Rodolfo, 03/07/10
CECIM, La Plata).
A seguir, veremos como estes dois marcos simbólicos de interpretação
– o nacionalista dos Familiares das Malvinas e o que enfatiza os direitos
humanos dos ex-combatentes do CECIM – são dramatizados na mostra
organizada pelo Ministério da Defesa em comemoração aos 25 anos da
Guerra das Malvinas.
Conflito de interpretações
Um dos objetivos da mostra foi, segundo a ministra Nilda Garré, que os
diversos atores sociais relacionados com a guerra pudessem
apresentar suas diferentes perspectivas sobre ela. Portanto, o
Ministério mostrou diferentes objetos utilizados pelas Forças Armadas
durante a Guerra, dando espaço para que ex-combatentes e familiares,
como os Familiares das Malvinas e o CECIM, pudessem expor sua visão
sobre ela. Nesta performance, os ex-combatentes do CECIM
apresentaram seu ícone de identidade principal: um boneco deitado,
com as pernas e mãos abertas, representando um soldado estaqueado
durante a guerra:
O boneco foi um símbolo que expressou uma realidade oculta por
muitos anos. Depois de 25 anos desde o fim da guerra, a política formal
do Estado reconhecia, no próprio seio das Forças Armadas, que houve
estaqueamento de soldados. Considero que este foi um passo adiante
202
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
para a democracia, o reconhecimento daquilo que, por muitos anos, os
soldados de diferentes forças tinham denunciado (Rodolfo, 03/07/10,
CECIM, La Plata).
O boneco estaqueado é a representação mais evidente do que a
ideologia dos militares levou às Malvinas, é colocar o preto no branco.
(Ernesto, 05/07/10, CECIM, La Plata).
O boneco estaqueado representa o conflito interno e a diversidade em
face de outros símbolos identificadores dos Familiares como a Virgem
de Luján, que se relaciona com a unidade e a fraternidade entre todos
os argentinos, indo além das diferenças e desigualdades. Pelo
contrário, a denúncia, a reflexão crítica, a oposição ao nacionalismo
militar e à ditadura são essenciais no modelo interpretativo por meio do
qual os ex-combatentes do CECIM dão sentido às experiências vividas
durante a guerra.
Neste sentido, é importante ressaltar que a Ministra faz parte de um
governo cuja política de promoção dos direitos humanos se apresenta
como a antítese da ditadura.7 Assim, o quadro interpretativo do governo
sobre a história recente é coerente com as demandas do CECIM, dado
que o boneco estaqueado mostra um tipo de tortura entre as várias
sofridas por muitos ex-combatentes durante a guerra:
Fala-se do estaqueamento como o caso mais claro de tortura dentro do
funcionamento das forças armadas, mas também houve outros casos,
outras situações, como quando pegavam os lábios dos garotos com
pinças. Havia outros padecimentos, como fazer você tirar a roupa do
torso ou ficar de camiseta, ou sem ela, ou fazer você ficar descalço e
enfiar os pés numa poça, às três ou quatro da manhã, com uma
sensação térmica de 15 graus abaixo de zero, tudo isso sempre na
mira de um fuzil, não é? (Gastón, 06/09/06, CECIM, La Plata).
Com o boneco estaqueado, dramatiza-se a construção da política de
Estado com relação à violência sobre os corpos, corporificando os
maus-tratos sofridos nas mãos dos superiores. A exposição do corpo
“sofredor” do soldado, violentado na guerra pela ditadura militar, vem
203
Laura Marina Panizo
ao encontro das demandas da organização Familiares de
Desaparecidos e de outros organismos de direitos humanos, no que se
refere à violência exercida também sobre os corpos dos desaparecidos
pelo terrorismo de Estado. Neste sentido, as narrativas do CECIM se
contrapõem ao marco simbólico de interpretação dos Familiares das
Malvinas, já que eles propõem uma memória da guerra que faz ênfase
na vitimização dos soldados:
Nós assumimos o compromisso de reivindicar os tombados na guerra
desde o primeiro dia em que voltamos para o continente. Eles
morreram certamente por uma causa justa, que é a de defender a
soberania. Seu uniforme foi manchado de sangue inimigo, o dos
ingleses, não de compatriotas, como o uniforme de alguns militares.
Por isso, as mortes das Malvinas, de jovens de 19, 20 anos, somam-se
às dos jovens que morreram durante a ditadura” (Ernesto, 05/07/10,
CECIM, La Plata).
Desta forma, os desaparecidos são igualados aos ex-soldados como
vítimas da ditadura. Neste sentido, é ilustrativo que o boletim oficial do
CECIM se chame Anti-heróis, em referência, justamente, à posição do
grupo sobre a heroicização dos soldados, ressaltando o fato de que os
corpos que voltaram vivos são testemunhas dessa violência: “Para
aqueles que, como eu, tiveram a sorte de sobreviver, seria
contraproducente nos glorificar porque isso te desumaniza, você não
tem mais sentimentos, nem necessidades, nem sofrimentos” (Ernesto,
05/07/10, CECIM, La Plata).
Voltando à questão da mostra, os Familiares acharam incorreto que a
ministra não mostrasse uma visão oficial, homogênea e, certamente,
unilateral. Sentiram-se ofendidos com a performance do CECIM e se
retiraram do evento. Para os Familiares das Malvinas, a experiência da
guerra como ato patriótico faz com que essa pessoa deva ser
considerada “honorável”. A recompensa esperada por eles pela
conduta de seus entes queridos é a homenagem aos heróis por meio de
demonstrações de respeito por parte da sociedade. Esta postura
implica uma posição determinada sobre como lembrar a guerra, uma
204
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
vez que, para os familiares, ela deve ser lembrada e transmitida pelo
reconhecimento dos atos heroicos dos soldados, e não pelas
humilhantes situações vividas por eles, para não desonrar sua
memória, da qual os familiares se sentem orgulhosos:
O que diria hoje o meu irmão se estivesse sentado aqui? Vítima do quê,
irmã? Eu fui dar a vida para defender a pátria. Vítimas são as do
Cromagnón , vítimas foram os desaparecidos [...]. Mas o meu irmão foi
morto pelo inimigo, pelos ingleses, não por um irmão, ele foi defender
os seus irmãos, e essa é a diferença entre vítima e herói. Dói muito
quando os nossos heróis são tratados como vítimas, e mais ainda
como vítimas da ditadura (María Fernanda Araujo, 26/06/07,
Familiares das Malvinas).
Então, a forma que os Familiares têm de lembrar a guerra, como
instituição, é a de resgatar a coragem dos soldados que foram à guerra
para defender a Pátria, e não por meio da vitimização. Assim, num
contexto histórico que muitos familiares percebem como de
desmalvinização, diante da necessidade de legitimar socialmente a
causa das Malvinas, a Familiares das Malvinas se empenha em
reconhecer os atos heroicos de soldados e militares. Por isso, Mohamed
Alí Seineldín foi considerado pela comissão como um militar exemplar
na guerra:
Assim como estamos falando da má condução que meu irmão teve,
também houve outras boas. Eu lhe falava sobre Seineldín. Veja,
quando Seineldín entrava na fila da comida com os meninos, ele fazia
questão de ficar no último lugar. E eu explicava para ela a diferença
entre os militares e os milicos (María Fernanda, 26/06/07, irmã de um
tombado na guerra e membro da comissão Familiares das Malvinas).
Quando o Héctor me disse “vem cá, que amanhã temos uma reunião
com o Sr. Seineldín”. “Com esse?” – respondi, às vezes a gente erra
sem conhecer a pessoa, e você não sabe que maravilha [...] O senhor
Seineldín disse umas palavras, gostei de tudo, de tudo, de como ele
falou, do seu discurso. Porque para muita gente ele era ruim (Lita
25/11/09).
205
Laura Marina Panizo
No entanto, considerar exemplar a conduta de um militar que fez parte
do aparato repressivo que funcionou durante a década de setenta,
protagonizando levantamentos militares contra a democracia em 1988
8
e 1990, contrapõe-se à postura do CECIM, que busca formas
antimilitaristas para formar a memória das Malvinas na arena pública.
Assim, considerando que sua iniciativa não é uma desonra para seus
companheiros, eles resolveram fazer uma mostra que focasse a
atenção nas conflituosas situações vividas pelos combatentes durante
o enfrentamento. Sua finalidade é, além disso, honrar os tombados por
meio da reconstrução da experiência da guerra e de uma memória que
revalorize, além do sacrifício de dar a vida, as situações limite
vivenciadas:
Os nossos companheiros tombados são honrados com a memória
permanente, reconstruindo sua vida, revalorizando todos os
momentos difíceis que vivemos com eles (ênfase minha), e é quase
certo que se hoje estivessem vivos, teríamos os mesmos objetivos
(Ernesto, 05/07/10, CECIM, La Plata).
Tal como citei anteriormente, para os ex-combatentes de La Plata, falar
das violações dos direitos humanos dos mortos implica dar-lhes a
“dignidade” que merecem por ter dado a vida pela Pátria. Assim, onde a
figura da vítima, e não a do herói, torna-se a identidade principal, o
boneco estaqueado implica – paradoxalmente – honra, esclarecendo,
evidenciando o conflito e, assim, contribuindo para a reconstrução da
história de vida do falecido:
Sabemos que, em muitos casos, várias das mortes de companheiros
não aconteceram por motivos próprios do combate, como nos casos
de congelamento, morte por inanição, assassinatos [...]. As forças
armadas mentiram aos familiares com falsas certidões de óbito. Nós
somos testemunhas, na maioria dos casos, de como morreu cada
soldado nas Malvinas (Ernesto, 05/07/10, CECIM, La Plata) [grifo
meu].
No entanto, para os Familiares das Malvinas, a figura do herói, e não a
de vítima, é enaltecida como a identidade principal que constrói o
206
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
sentido da morte; o boneco estaqueado indica desonra, pois ele é
associado à humilhação, à vitimização e à morbidez:
Embora tenham existido, acho uma chacota para os familiares ensinar
que seu filho talvez tenha sido estaqueado. A gente já sabe tudo o que
pôde ter acontecido na guerra. Não é necessário que você ou um
escolar vá ver um soldado estaqueado. Sabemos que isso talvez tenha
acontecido, certamente. Sabemos pelos soldados, os veteranos, mas
achamos isso mórbido, não é necessário, acho que não é necessário
(Delmira, 03/09/09, Familiares das Malvinas).
Deste modo, para os Familiares, os ex-combatentes estariam, com um
gesto “desmalvinizador”, negando aos heróis a merecida honra. Então,
a honra é uma noção que vai de mãos dadas com as práticas sociais que
estabelecem relações específicas dos sujeitos sociais com a história e a
ditadura. Para os Familiares, a homenagem aos tombados estabelece
práticas de glorificação que relacionam os mortos com outros heróis
nacionais e com a Pátria. Por sua vez, para os ex-combatentes do
CECIM, a homenagem aos mortos estabelece práticas de vitimização
que os relacionam com os desaparecidos da ditadura militar. Assim,
diferentes formas de homenagem contrapõem familiares orgulhosos
pelos atos heroicos, por um lado, a companheiros de batalha que se
sentem na responsabilidade de denunciar a violência do Estado sobre
os corpos, pelo outro. Desta forma, os marcos simbólicos de
interpretação dos grupos moldaram a forma como se deve
homenagear os heróis, expressando suas rivalidades.
Então, neste conflito interpretativo, o modelo de vitimização dos
soldados durante a guerra, que enfatiza a conjuntura histórica na qual
foi conduzida, não exclui o modelo heroico dos tombados. No entanto,
conforme o modelo interpretativo nacionalista, a lembrança do fato
heroico exclui o olhar sobre as conflituosas situações vividas,
focalizando a unidade nacional e procurando abstrair a guerra do seu
contexto geral. Pelo contrário, o quadro interpretativo do CECIM faz
ênfase nas violações dos direitos humanos cometidas durante a guerra,
traçando uma continuidade entre elas e as práticas que levaram ao
207
Laura Marina Panizo
desaparecimento de pessoas. Ao contrário do primeiro modelo
interpretativo, este último ressalta, dentro da guerra, o inimigo interno
(os militares argentinos), vindo a público com uma performance
provocadora que leva à reflexão e pede pela verdade e a justiça. Dentro
destes dois quadros interpretativos é que se discute a violência sobre os
corpos, uma vez que, conforme mencionado, enquanto os Familiares
das Malvinas a consideram um sacrifício patriótico e um exercício
simbólico da cidadania, os ex-combatentes do CECIM a veem como
uma conduta condenável que motiva suas reclamações de justiça para
estes corpos violentados e negados pelo Estado.
Voltando ao contexto da mostra, o que os Familiares questionam é o
fato de a Ministra da Defesa não ter adotado a forma que eles
consideram veraz:
Não podemos deixar de lhe manifestar a nossa mais profunda tristeza
e desagrado diante da mostra que vossa pasta organizou [...]
Entendemos que podem existir muitos olhares sobre as Malvinas,
nossa entidade não nega nenhum deles, embora tenhamos escolhido
aquela que entendemos como a mais valiosa para construir o futuro da
nossa Nação.9
O fato de a Ministra não ter legitimado essa visão sobre a guerra
implica, para os familiares, uma ameaça ao trabalho que eles vêm
desenvolvendo há vinte e sete anos:
Desde que nasceu, a Comissão [...] vem lutando para enaltecer a
memória de seus Heróis [...] a União, como expressão de conjunto,
tem a obrigação de buscar uma síntese superadora desses diferentes
olhares, já que sua finalidade é o bem comum. Não é um simples
cenário para instalar contradições, mas para resolvê-las. Pelo
contrário, vossa pasta – com a legalidade que o sistema de
representação formal oferece – resolveu dar prioridade a uma visão
profundamente desmalvinizadora [...] A mostra organizada pela
senhora propicia a confusão, desonra a memória de nossos Heróis,
reduz a complexidade a um olhar preconceituoso e afastado da
208
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
verdade dos fatos [...] Portanto, informamos-lhe que decidimos não
participar do evento, apesar de nossa disposição inicial, fundada na
esperança útil de encontrar nela um olhar compreensivo, prudente e
inclusivo. Lamentamos comprovar o contrário [grifo meu].10
Todo o esforço realizado por esta instituição com cada um dos
familiares para reconhecer não apenas o esforço de nossos entes
queridos, mas também o daqueles que voltaram é jogado fora em
quarenta minutos (Leandro 22/10/09, Familiares das Malvinas).
O que pode ser ameaçante para os Familiares é que, devido ao grau de
autoridade da Ministra e à legitimidade do Estado, sua postura possa
acabar se arraigando na arena pública. Segundo eles, esta é uma
posição “desmalvinizadora” que põe em jogo o marco simbólico de sua
organização, visto que, nesta encenação de visões contraditórias sobre
o conflito, a posição das autoridades fica clara. Então, para fazer frente
ao quadro interpretativo da autoridade do Estado, os Familiares
posicionaram as mães como o setor ofendido, já que, como foi
mencionado, a morbidez e a ofensa da performance do CECIM se
amplificaram por sua presença. Assim, três mães apresentaram um
documento que explica a saída dos integrantes dos Familiares,
apelando para o discurso da maternidade a fim de reclamar sobre o
acontecido.
A disputa sobre como a guerra deveria ser lembrada na mostra veio
aparelhada, além disso, com outra discussão permanente entre os
membros do CECIM e dos Familiares: a das exumações. De fato, vários
familiares declararam, no contexto do conflito da mostra, que eles não
concordavam com a exumação dos corpos que jazem no cemitério de
Darwin. A possibilidade de que eles sejam exumados para futuras
11
identificações é um tópico que, segundo alguns interlocutores, surge
como iniciativa dos ingleses, que tiveram várias intenções de
“repatriar” os corpos à Argentina continental. No entanto, a par dessas
iniciativas inglesas, os ex-combatentes do CECIM solicitam as
exumações para reconhecer a identidade dos mortos:
Os mortos das Malvinas são mortos da Pátria e estão num território
209
Laura Marina Panizo
usurpado que é parte da nossa Pátria. Eles estão na Pátria e muitos, a
maioria, ainda não foram identificados. [...] Nós, que fomos à guerra
como soldados, tínhamos uma identidade, e a identidade faz parte do
direito à verdade. Os mortos das Malvinas tinham pai, mãe, namorada,
bairro, escola, amigos e sonhos de vida. É por tudo isso que não
aceitamos que eles não tenham identificação, nem [...] que nos seja
negado o direito à identidade de nossos companheiros (Rodolfo,
03/07/10, CECIM, La Plata) [grifo meu].
Membros dos Familiares interpretam esta perspectiva do CECIM como
parte de uma política dos ingleses de tirar os corpos das Malvinas, isto
é, de liberar de corpos argentinos essa terra em disputa:
Com o pseudocomprometimento do direito humanista, eles
pretendiam exumar os cadáveres de forma individual ou grupal, e nós
entendemos que nossos mortos estão no lugar que lhes é devido.
Aqueles que tomaram nas Malvinas e que lá estão sepultados,
sabemos que há um campo santo de que ninguém mais do que nós
deve tomar conta para que as coisas fiquem em ordem [...] Alguns mal
intencionados [...] o único que estão fazendo é servir ao império, pois
há um setor do Reino Unido que só quer remover qualquer vestígio do
conflito de 1982, e nós não vamos cumprir com isso (Héctor, 25/05/09,
Familiares das Malvinas) [grifo meu].
Pode até haver familiares que precisem da confirmação de que seus
entes queridos estão lá, mas isso se condiz com um objetivo muito
maior. Que são cúmplices, estes jovens, que é juntar os restos dos
nossos entes queridos para trazê-los ao continente. E com esse
objetivo [...] o assunto é que não há precisão, apenas a precisão
daqueles que lá tombaram (Leandro, 22/10/09) [grifo meu].
No entanto, ex-combatentes do CECIM manifestam a importância das
identificações como forma de exercer soberania sobre o território:
Nós fomos para lá fazendo parte de um exército regular, identificado,
sabendo em que lugar estava cada um. Nossos companheiros devem
pertencer ao cemitério de Darwin, mas identificados. Devolver a
identidade é exercer soberania (Ernesto, 05/07/10, CECIM, La Plata).
210
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Nossa interpretação das práticas e narrativas é que quem tem
legitimidade para dar sua opinião sobre os mortos, bem como sobre o
tipo de homenagem que lhes deve ser feita, são os familiares, já que a
linhagem de parentesco vem a se enaltecer como categoria principal:
A verdade é que, neste sentido [...] estes jovens não têm nem direito a
falar do assunto, pois não fazem a menor ideia do que a gente vive [...]
porque, realmente, não analisaram nem perguntaram sobre esta
circunstância a cada um dos familiares [...]. A manipulação deste tipo
de coisas é, para os pais, insustentável [...] Olha só, eu posso fazer
este tipo de trabalho se as ilhas estão sob jurisdição argentina, e
quando todos estiverem mortos, no mínimo os pais, pois você não
sabe o que isso provoca nos familiares. Então você pode propor isso
quando não houver mais familiares diretos vivos (Leandro 22/10/09)
[grifo meu].
Entretanto, os ex-combatentes do CECIM reclamam certos direitos em
sua condição de companheiros de batalha dos mortos:
Nós fomos testemunhas da morte de muitos companheiros e, em
muitos casos, nós os sepultamos e os auxiliamos, e compartilhamos
os últimos momentos com eles, temos direito a dar nossa opinião e a
tomar posição (Ernesto, 05/07/10, CECIM, La Plata).
Neste sentido, eles exigem participação na administração do cemitério,
que depende dos Familiares das Malvinas, bem como na discussão
sobre as identificações:
Nosso entendimento é de que os mortos não são de propriedade de
nenhuma ONG, por mais que ela use um nome afim, achar-se
proprietário disto nos parece um ato mesquinho e, de certa forma,
desmalvinizador (Rodolfo, 03/07/10, CECIM, La Plata).
Embora, em entrevistas realizadas antes da mostra no Ministério da
Defesa, alguns dos familiares tenham comentado sobre a necessidade
de encontrar os corpos:
Eles foram lá totalmente convictos e cheios de orgulho para defender
211
Laura Marina Panizo
este pedaço de solo, e a gente acha que o mais sensato é que eles
fiquem lá todos juntos [...], mas acho que [...] isso depende de cada
família [...] mas, pessoalmente, sim [...] poder nem que seja dizer “está
aqui”. Nem que seja só isso, o que eu te digo , um dedo
12
(26/06/07) [grifo meu].
Após o conflito produzido pelo boneco estaqueado, eles quiseram me
reiterar sua posição sobre a questão das exumações, privilegiando as
identidades grupais e as necessidades que eles consideram nacionais,
acima das identidades individuais e privadas:
O que deve ser feito para encontrá-lo? Escavar os túmulos, tirar os
ossos. E o que a gente faz com esses ossos? Eles devem ser trazidos
para o continente, pois nas Malvinas não há laboratórios de estudo de
DNA. Você pensa que depois eles voltam às Malvinas. Tudo bem, sou
egoísta, trago meu familiar para cá, inteiro, um dedo, a cabeça, veja só
o que estou te dizendo, coloco ele no cemitério [...] onde estão todos os
familiares. Vão lá minha mãe, meu pai. Eles vão morrer, depois eu é
que vou visitar, meus filhos irão de vez em quando, nos primeiros anos,
depois não vai mais ninguém [...]. O cemitério de lá desaparece, isto é,
tudo o que fizemos e tudo o que eles fizeram por esse pedaço de solo,
vai tudo para o beleléu. Não, eles vão ficar lá, no cemitério argentino,
porque quem passar por lá vai se lembrar. Por quê? De que cultura
13
eles vêm? Quem enterra os corpos onde eles estiveram? (09/10/09).
Desta forma, o conflito desencadeado pelo boneco estaqueado deixou
em evidência a existência de contradições em alguns familiares: apesar
de, no princípio, suas necessidades coincidirem com as demandas do
CECIM, eles não quiseram ficar ligados publicamente a uma postura
interpretativa que leva a práticas públicas que, segundo eles,
“desonram os mortos”. Assim, eles tentam eliminar ou minimizar as
diferenças dentro da instituição, salientando as divergências entre a
comunidade dos Familiares e outros grupos sociais como o CECIM.
Desde modo, as experiências e interesses pessoais relacionados com o
sentido dado à morte e ao lugar do corpo morto são neutralizados por
práticas corretivas, mediante um processo de homogeneização que fica
evidenciado nas entrevistas. Neste sentido, muitos dos familiares que,
212
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
logo após a guerra, tiveram atitudes de protesto e repúdio à instituição
responsável pelo conflito e pela morte de seus familiares, manifestaram
que, com o passar do tempo e graças à comissão, entenderam que
existia outra forma de dar sentido a essas mortes, conforme já
mencionado.
Voltando à questão das exumações, esta deixou de ser uma
preocupação para os familiares a partir do momento em que a Lei nº
26.498 declarou o cemitério de guerra dos Tombados nas Malvinas e
nas Ilhas do Atlântico Sul, localizado em Darwin, como lugar histórico:
A Comissão de Familiares dos Tombados nas Malvinas e nas Ilhas do
Atlântico Sul informa, com imensa alegria, que anteontem foi aprovada
pelo Senado da Argentina a lei que declara O CEMITÉRIO DE
GUERRA dos Tombados nas Malvinas e nas Ilhas do Atlântico Sul,
localizado em Darwin, na ilha Soledad [...], como LUGAR HISTÓRICO.
Desta forma, fica concluído o processo iniciado em dezembro de 2008
com a promulgação do Decreto Federal nº 2131. Ele foi o primeiro
reconhecimento oficial dado ao trabalho realizado pelos Familiares
dos 649 Heróis Nacionais, e permitirá preservar e proteger o
Monumento aos Tombados nas Malvinas e nas Ilhas do Atlântico Sul,
que hoje em dia faz parte do conjunto do Cemitério de Guerra de
Darwin [...]. Segundo a lei, qualquer iniciativa que se pretenda
desenvolver no Cemitério de Darwin no futuro terá de ser consultada
com a Comissão de Familiares dos Tombados nas Malvinas, bem
como com a Comissão Nacional de Museus, Monumentos e Lugares
Históricos. Esta medida traz uma enorme tranquilidade para todos
aqueles cujos entes queridos jazem sepultados no Cemitério de
Darwin, uma vez que, ao longo de vinte e sete anos de pós-guerra, não
faltaram setores ou indivíduos que tentaram profanar o bem hoje
protegido legalmente, com argumentos pseudohumanitários como a
proposta de identificar os cadáveres ou de colocar placas com seus
nomes, etc.14[grifo meu].
A associação entre as exumações/identificações e a profanação faz
referência, no nosso entender, à potestade da instituição Familiares das
Malvinas sobre os mortos, uma vez que:
213
Laura Marina Panizo
A Comissão Nacional de Museus e de Monumentos e Lugares
Históricos, que depende da Secretaria da Cultura da Nação,
instrumentará tudo o que se relaciona com o cumprimento desta lei e
pactuará com a Comissão de Familiares dos Tombados nas Malvinas e
nas Ilhas do Atlântico Sul as medidas pertinentes, com o intuito de
assegurar a custódia, conservação, reparação e restauração do local
histórico nacional declarado por esta lei.15
Por outro lado, a associação também faz referência à irrupção do
exercício soberano dos tombados que, num espaço sagrado, em
detrimento das identidades individuais, representam um cidadão
nacional coletivo. Aquilo que, na perspectiva do CECIM, seria respeito
pela “verdade”, a “identidade” e a “cidadania” em defesa dos direitos
humanos, para os Familiares seria uma violação à “missão sagrada” dos
tombados e à autoridade da instituição sobre os mortos, faculdade
reconhecida oficialmente e conquistada após muitos anos de trabalho.
Observamos, então, que os corpos dos mortos se transformam em
símbolos políticos, condensando significados contraditórios segundo o
marco simbólico no qual são significados. Vemos, então, duas formas
de se construir a soberania sobre as Ilhas por meio dos mortos: uma
por meio de um coletivo nacional, e outra reclamando a identidade
individual como direito cidadão.
Considerações finais
Ao longo destas páginas, observamos que os significados que a morte
de uma pessoa pode ter no seio da sociedade dependem dos contextos
histórico-culturais, das circunstâncias do falecimento e dos marcos
simbólicos dos grupos. Da mesma forma, no que respeita à Guerra das
Malvinas, conforme as diferentes categorias de pessoas próximas dos
falecidos – os familiares, por um lado, e os ex-companheiros de
batalha, por outro –, há diferentes formas de interpretação da morte e
diferentes práticas de homenagem aos mortos. Essas práticas
evidenciam relações específicas entre os sujeitos sociais
homenageantes e a ditadura. Apelando para o parentesco ou para a
214
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
camaradagem, associam-se aos corpos mortos ideias relativas à
proteção, a soberania nacional, a reivindicação de posturas políticas e
ideológicas, as lutas pelos direitos humanos, a prova de crimes, a
denúncia ou a acusação.
Em ambos os quadros interpretativos, os corpos mortos condensam
diversos significado. Por este motivo, o modo de sua presença física e
as práticas mortuárias que devem ser exercidas sobre eles e com eles
são entendidos de acordo com as características sociais associadas com
os mortos e com as pretensões de domínio, legitimação e autoridade
dos grupos. Assim, as diferentes formas de dar significado aos mortos
originam, também, diversas maneiras de entender as violências
exercidas sobre os corpos. Desta forma, as discussões sobre as
exumações e as práticas que deveriam ser exercidas sobre os corpos
(tipo de ritual mortuário, etc.) são uma questão fundamental que se
instala na arena pública como ponto de discussão, disputa e identidade.
Neste sentido, as experiências aqui citadas propõem uma espécie de
reflexão sobre o lugar que a morte na guerra deve ocupar na história,
tanto recente quanto antiga. Uma história marcada pela violência e
pelo terror, mas resignificada constantemente por meio de múltiplas e
surpreendentes interpretações.
Notas
1 - Daqui em diante, chamaremos de Guerra das Malvinas o conflito bélico entre a
Argentina e a Grã Bretanha ocorrido entre os dias dois de abril e 14 de junho de 1982.
2 - Este conceito foi elaborado considerando as contribuições de María Julia Carozzi
(1998),Michael Pollak (2006) e Elizabeth Jelin (2002). Para aprofundar sobre o
assunto, ver Panizo (2011).
3 - A Lei n° 24.950, promulgada no dia 3 de abril de 1998, declara heróis nacionais os
combatentes argentinos falecidos em defensa da soberania nacional sobre as Ilhas do
Atlântico Sul no conflito de 1982.
4 - Embora eu não ignore a heterogeneidade de ideias acerca do que é nação e a
diversidade de formas como diferentes grupos sociais podem ser entendidos como
nacionalistas, considero esta forma de perceber a morte como nacionalista, pois eles
dão ênfase à ideia da nação como uma comunidade que unifica os cidadãos por meio
de diferentes símbolos e práticas culturais em escala nacional, fato que os diferencia
dos estrangeiros.
215
Laura Marina Panizo
5 - Para os Familiares, a causa das Malvinas inclui a reivindicação dos ex-combatentes
e dos tombados na guerra, bem como a reafirmação dos direitos soberanos
argentinos sobre as Ilhas.
6 - Comunicado do Ministério da Defesa, comunicação de imprensa nº 112/07,
Buenos Aires, 14 de maio de 2007, em
http://www.mindef.gov.ar/info.asp?Id=1151&bus=3.
7 - O falecido presidente Néstor Kirchner, que governou o país entre 2003 e 2007,
assumiu, como política de Estado, a condenação às violações dos diretos humanos
ocorridas durante a última ditadura militar. Dando continuidade a essa política de
Estado, o governo da atual presidenta, Cristina Fernández de Kirchner, sua esposa e
sucessora, é caracterizado pelo apoio às demandas das organizações de direitos
humanos na Argentina e por impulsionar políticas de memória com relação aos
desaparecidos. Com este governo, que demonstra também seu comprometimento
com a causa das Malvinas, alguns grupos de ex-combatentes se sentem
representados, como é o caso do CECIM.
8 - Ações pelas quais foi exonerado do Exército, condenado a prisão perpétua e
depois, no governo de Carlos Menem, indultado.
9 - Da nota que Delmira de Cao, Jorge Medina e Héctor Cisneros entregaram à
ministra Nilda Garré em nome da Comissão, dando explicações pela saída do evento.
10 - Ibidem.
11 - Das 469 vítimas neste conflito, no Cemitério de Darwin há sepultadas apenas
238. 123 possuem lápidas com a inscrição "Soldado apenas conhecido por Deus" e
107 têm lápidas com nome e sobrenome dos sepultados.
12 - Preservamos a identidade deste familiar para não comprometer sua adesão à
instituição.
13 - Idem.
14 - Parágrafos do comunicado divulgado pela Comissão de Familiares dos Tombados
nas Malvinas e nas Ilhas do Atlântico Sul em maio de 2009.
15 - Artigo 2° da Lei n° 26.498.
Bibliografia
CAROZZI, María Julia (1998), “El concepto de marco interpretativo en el estudio de
movimientos religiosos”, Sociedad y Religión 16/17, págs. 33-51.
GUBER, Rosana (2004), De chicos a veteranos. Memorias argentinas de la guerra de
Malvinas, Argentina, Antropofagia.
JELIN, Elizabeth (2002), Los trabajos de la memoria, Madri, Siglo XXI.
LORENZ, Federico (2006), Las guerras por Malvinas, Buenos Aires, Edhasa.
PANIZO, Laura Marina (2011). “Donde están nuestros muertos: experiencias rituales
de familiares de desaparecidos de la última dictadura militar en Argentina y familiares
de caídos en la Guerra de Malvinas”, Tese de doutorado, Universidade de Buenos
Aires, Faculdade de Filosofia e Letras.
POLLAK, Michael (2006). Memoria, olvido, silencio, em Ludmila da Silva Catela
(comp.), La Plata, AI Margen.
216
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Menção especial
MALVINAS: DECÁLOGO DE
UMA ESPOLIAÇÃO
Carlos Mariano Poó
Carlos Mariano Poó
MALVINAS: DECÁLOGO DE UMA ESPOLIAÇÃO
Carlos Mariano Poó
1
Os povos precisam do território que os fizeram nascer para a vida
política, assim como precisamos de ar para a livre expansão
dos nossos pulmões. Absorver um pedaço de seu território é
arrancar-lhes um direito, e esta injustiça representa um
duplo atentado, pois não só é a espoliação de uma propriedade,
mas também a ameaça de uma nova usurpação.
O antecedente de injustiça é sempre o temor à injustiça,
pois se a conformidade ou a indiferença do povo
ofendido consolida a conquista da força, quem o defenderá
amanhã contra uma nova tentativa de despojo, ou de usurpação?
José Hernández, novembro de 1869.
1 Carlos Mariano Poó é professor de História na Universidade Nacional do Centro da Província de
Buenos Aires e é coordenador, em Tandil, do Programa Nacional “Aprender ensinando”, do Ministério
da Educação.
218
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Introdução
Quando decidi escrever um ensaio sobre as Malvinas, pareceu-me
conveniente falar sobre a história do arquipélago. Um ensaio históricopolítico-jurídico no qual daria rédea solta a uma pena desejosa de
plasmar uma pesquisa sobre o assunto.
No entanto, depois de ter me atirado e submergido nas profundezas de
tão extensa bibliografia, tive uma estranha sensação: não estar
encarando o assunto da maneira que, mais por intuição do que por
conhecimento, eu sentia que deveria fazer.
De fato, a sensação de pesar por aquilo que eu percebia como um erro
me travou. A impotência fez-se insuportável. A inconformidade com a
tarefa realizada rebelou-se com potência. Sobretudo quando percebi
que, diante dos meus olhos, ainda havia uma folha em branco depois de
tanto procurar em prateleiras e estantes de bibliotecas; de ter lido
diferentes autores; de ter analisado seus divergentes pontos de vista;
de ter tentado ponderar os interesses em jogo em cada obra; e de ter
escrito algumas páginas sobre a história das Malvinas.
Naquele momento, senti que o projeto podia sucumbir. Naufragar como
tantos navios que intrepidamente singraram, durante séculos, as
intempestivas águas dos mares do sul. Pensei que tudo estivesse
perdido.
Entretanto, de repente e quase tateando, como aqueles navegantes
espanhóis, holandeses, franceses e ingleses, vi o penhasco. Aquela
pequena ilha – entre a densa bruma dos invernos austrais – que
indicava a possível presença de terra firme para me colocar a salvo do
naufrágio literário-investigativo.
Não tive mais dúvidas: uma história das Malvinas devia ser a história de
sua espoliação.
Uma espoliação reiterada ao longo dos séculos. Realizada, ao menos
nos últimos 179 anos, pelos ingleses, mas do qual não se abstiveram de
219
Carlos Mariano Poó
participar governos de diversas nacionalidades. Uma espoliação que
consistiu não só em tirar-nos nossas ilhas, arrancando-nos pela raiz um
pedaço de nosso território e violentando nossa soberania, mas
também, além disso, em se abater sobre a fauna e a flora austral: não
escaparam de tamanha ação de rapina os anfíbios, as baleias, as algas,
nem mesmo as raposas.
Em síntese, atrevo-me a afirmar que a história das Malvinas é esta. A
história de uma espoliação seguida por tantas outras ou, se o leitor
assim o compreender, a de um roubo prolongado contra nossa pátria e
nosso povo, realizado, inclusive, muito antes de que nós, argentinos,
nascêssemos como povo e pátria soberanos.
Jorge Luis Borges, em História universal da infâmia, recorreu a uma
série de personagens atrozes e instáveis, assassinos e pistoleiros.
Baseando-se em casos reais que nutriram ferozes crônicas distantes
com tão singular regador de iniquidades.
Realmente, uma ironia. Ou um despropósito. Nosso grande mestre das
letras recorrendo a paragens tão distantes como o sinuoso rio
Mississipi, as densas águas do Mar Amarelo ou a triste solidão do
deserto do Turquestão para procurar aqueles bandidos que povoaram
as páginas de sua inigualável obra. Logo ele, o mais britânico de todos
os argentinos ou o mais argentino de todos os britânicos; dependendo
do ponto de vista.
Seja como for, não quero ser injusto com o autor de O homem da
esquina rosada. Afinal, Borges nos legou um título que cabe
tranquilamente em qualquer livro que narre a história de nossas
Malvinas, Geórgias e Sandwich do Sul. Em outras palavras: o decálogo
de uma espoliação que acabou sendo nada mais e nada menos do que a
nossa.
Situadas dentro da plataforma continental argentina, a distância mais
curta que nos separa das Malvinas é de 346 quilômetros. Os que vão de
Cabo Belgrano, localizado no extremo sudeste da Grande Malvina, até a
220
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Ilha dos Estados (Destefani: 27).
Uma distância menor à que separa Tandil, no centro bonaerense, de
Buenos Aires ou Bahia Blanca.
As Malvinas estão cravadas no fundo marinho que rodeia a costa
argentina. Unidas inseparavelmente ao continente americano.
No entanto, elas não são unidas apenas pela geografia. Com uma
superfície de quase 12.000 quilômetros, sua geologia se parece à
patagônica. A suave paisagem serrana, de formas pouco elevadas e
coberta de grama, é apenas cortada por uma modesta hidrografia de
riachos e arroios que dão para o mar. Não há grandes rios. Há sim
muitas lagoas, além de uma curiosa e característica rede de rios de
pedra formados por pequenos cascalhos e grandes blocos líticos.
Antigos leitos que, em algumas ocasiões, alcançam um quilômetro e
meio de largura.
Terra estéril, privada de bosques. Nas Malvinas não crescem nem
arbustos, apenas matagal, principalmente a grama tussock, que pode
alcançar até dois metros de altura com uma espessa mata de bambus.
A fauna malvinense é fundamentalmente anfíbia. O único animal
terrestre foi o guará ou lobo-das-malvinas, extinto na metade do século
XIX por disposição do invasor inglês. Extermínio decretado para a
prosperidade dos produtores de lã, principalmente a do maior
latifundiário das ilhas: a Falkland Islands Company.
Com clima frio, úmido, um céu habitualmente nublado e ventos do
oeste-nordeste que sopram geralmente, podemos afirmar que o rigor é
outra de suas características.
Há um consenso geral em atribuir a descoberta das Malvinas ao
navegante holandês Sebald de Weert no dia 24 de janeiro de 1600,
quando seu navio chamado Geloof se deparou com terra desconhecida
a 50º40” de latitude sul e aproximadamente 60 léguas do continente.
Ele e sua tripulação vislumbraram claramente três ilhas povoadas de
221
Carlos Mariano Poó
focas e pinguins que se orientavam do nordeste para o sudeste. A
tripulação não pôde descer do Geloof, porém este fato ficou registrado
em seu diário de navegação. O arquipélago descoberto recebeu o nome
de Iles de Sebald de Weert em homenagem ao capitão e, a partir de
então, elas passaram a aparecer nas relações e cartas geográficas
como Islas Sebaldes ou Sebaldinas (Groussac: 106).1
A sorte quis que os encarregados de confirmar a descoberta realizada
por Sebald de Weert fossem os holandeses. No dia 18 de janeiro de
1616, a expedição a bordo do Eendracht, comandada por Wilhelm
Schouten e Jacob Le Maire, avistou as Sebaldinas, registrou o fato em
seu diário e fixou a posição.
No entanto, as viagens ao Pacífico diminuiriam. Segundo Groussac,
após as expedições holandesas, não há registros de que as Sebaldinas
tenham sido frequentadas por naus que cobrissem aquela rota. Apenas
no final do século XVII o tráfego foi retomado com maior frequência,
principalmente graças aos marinheiros de Saint-Maló e a um corsário
inglês: o capitão John Strong.
No dia 27 de janeiro de 1960, o capitão Strong, no comando do Welfare,
avista terra. Envia uma canoa que volta repleta de focas, pinguins e
aves marinhas. Durante quatro dias, a nau esteve penetrando e
sondando um canal de umas dezessete léguas de comprimento que foi
batizado de Falkland Sound e que nós chamamos de estreito de San
Carlos.
Muitos anos mais tarde, Macbride, capitão inglês no comando da
corveta Jason, chegaria às ilhas com ordens de fundar um
assentamento em terras que a Inglaterra reconhecia como espanholas:
o litigioso e conflituoso Port Egmont. Macbride começaria a profanação
tirando o nome de Sebaldes e impondo em seu lugar o de Ilhas Jason.
A visão etnocêntrica e europeizante dos conquistadores quase
conseguiu apagar da história a possibilidade de que os primeiros a
avistar e pisar o solo malvinense tenham sido os yamanas, povo
222
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
originário da Terra do Fogo, que teriam chegado até elas de canoa.
Segundo Ian Strange, pesquisador inglês residente nas ilhas, o guará
não seria um mamífero originário das Malvinas, mas, pelo contrário,
teria sido introduzido pelos yamanas da Terra do Fogo (Solari Yrigoyen:
127).
O certo é que os yamanas, presentes na região há seis mil anos,
domesticaram um canino chamado cachorro fueguino.
O guará recebeu esse nome dos gaúchos rio-platenses – provenientes
de Buenos Aires e da Banda Oriental – estabelecidos nas Malvinas entre
os séculos XVIII e XIX. Seu nome deriva do aguará guazú, que em
guarani significa “raposa grande”. Uma pesquisa recente dirigida pelo
cientista Graham J. Slater, da Universidade da Califórnia, estabeleceu
um parentesco muito próximo entre ambos os canídeos.
II
Além de oficial do exército, Bougainville foi testemunha do
desmoronamento do poder da França na América do Norte. Nele, as
ideias sobre a importância dos mares do Sul – esgrimidas pelo
almirante britânico Anson – tiveram repercussão singular.
Embora as Malvinas não fossem o Canadá, Bougainville compreendeu
que uma forma de compensar as perdas francesas era fundando uma
colônia naquele arquipélago, já que sua posição estratégica na rota do
Atlântico ao Pacífico daria à França o benefício e proveito mercantil
correspondente.
Ele logo comunicou seus planos ao governo da França. Este, advertindo
que não poderia patrocinar tal expedição, não deixou de alentar o
marinheiro.
A ideia fascinava especialmente Choiseul, ministro da Corte de Luís XV
que, logo após a firma do Tratado de Paris, começou a fortalecer e a
223
Carlos Mariano Poó
estreitar vínculos com a Espanha. Seu objetivo: conseguir a revanche
diante da gigantesca derrota que a Inglaterra havia propiciado às
potências borbônicas.
Bougainville chegou às Malvinas no dia 31 de janeiro de 1764, com
escala prévia em Montevidéu. Cinco meses depois, voltou à França e
informou sobre a tomada de posse do arquipélago.
Cumprindo ordens, o conde de Fuentes, embaixador espanhol em
Paris, solicitou precisões sobre o objetivo da viagem das naus francesas
aos mares do sul.
Choiseul garantiu a Fuentes que a expedição francesa havia partido
com o objetivo de descobrir alguma ilha que facilitasse a passagem do
cabo Horn e que haviam encontrado uma deserta perto da ilha de
Tristán de Acuña. Sabendo a impressão que a notícia de um
assentamento francês em terras de Carlos III causaria na Espanha, e
conhecendo que se tratava das Malvinas, ele disse a Fuentes que a ilha
descoberta por Bougainville era vizinha àquela.
No entanto, Choiseus não parecia ser tão hábil em geografia como o era
em diplomacia. O grosseiro deslize não contemplou que a proximidade
aludida era de aproximadamente 3500 quilômetros, nem que os
espanhóis suspeitariam de uma expedição que tinha como rota as
adjacências da ilha de Tristán de Acuña e que terminou em Montevidéu
devido a uma terrível travessia. Tal porto ficava muito por fora da rota
referida.
A Espanha não podia tolerar a presença francesa nas Malvinas. E menos
ainda se, em seu lugar, a ocupante era a Inglaterra. Pois se assim fosse,
os espanhóis podiam renunciar definitivamente ao controle dos mares
austrais, ao comércio com as Filipinas, à pesca, etc. Ou pior ainda,
Buenos Aires podia cair em mãos inimigas. A sempre latente ameaça
terrestre portuguesa se somaria à não menos possível ameaça
marítima inglesa estabelecida nas Malvinas.
224
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
A resposta espanhola não se fez esperar. Enquanto, na arena
diplomática, ela se negou a consentir a fundação de uma colônia
francesa com o argumento de que isso alimentaria expectativas
inglesas, repudiando o proceder de Choiseul; ao mesmo tempo,
enviava aos governantes na América uma ordem real em que
manifestava a persistência de leis que proibiam às embarcações
estrangeiras negociar ou ser admitidas em portos americanos, salvo em
casos de força maior; advertindo a seus representantes que a aliança
com a França não implicava, sob nenhum ponto de vista, uma exceção
a favor dos súditos de Luís XV (Gil Munilla: 284 e 285).
Diante de uma reclamação tão enérgica, a França não teve outro
remédio do que ceder. E o fez em agosto de 1765, quando Bougainville
retornou à sua pátria. Reconhecendo a soberania da Espanha.
Carlos III delegou a tarefa de controle na capitania-geral de Buenos
Aires, tentando fazer das Malvinas uma muralha impenetrável para os
inimigos da Espanha e um refúgio para suas naus – comerciais e de
guerra – nos confins do universo. Fato que constituiu, em geral, um
antecedente relevante da progressiva importância dos domínios do Rio
da Prata, e em particular, a concessão a Buenos Aires da custódia e
guarda total dos territórios reais da vertente atlântica sul-americana.
A Espanha só tomou posse das Malvinas no dia dois de abril de 1767.
III
No fim de maio de 1764, chegaram à Espanha notícias preocupantes.
Uma expedição inglesa, rodeada de grandes preparativos e de um
hermético segredo, tomou rumo não especificado sob o comando do
capitão Byron, antigo companheiro do almirante Anson. Suas ordens
eram precisas: dirigir-se às Malvinas e a Pepys, localizadas no Oceano
Atlântico, perto do estreito de Magalhães, e fazer reconhecimentos,
determinando lugares apropriados para um estabelecimento nelas.
As suspeitas espanholas puseram proa aos mares do Sul, como os
225
Carlos Mariano Poó
baixeis que estavam sob o comando do capitão Byron. Após procurar
sem sucesso a ilusória ilha Pepys, em 23 de janeiro de 1765, ele chegou
às Malvinas. Durante a travessia, topou-se com a embarcação de
Boubainville.
Byron enviou seus resultados com outro barco, que chegou a Londres
no dia 21 de junho de 1765. Por sua vez, Bougainville alertou sobre a
presença de ingleses na zona.
Em setembro, a Inglaterra enviou às Malvinas uma nova expedição.
Três barcos sob o comando do capitão Macbride deviam estabelecer
uma missão colonizadora secreta. Os invasores chegaram em janeiro
de 1766.
A importância que o reconhecimento francês do direito de soberania
espanhol teria sobre as Malvinas, implicando uma aceitação de seu
pertencimento à Espanha, constituiu o antecedente fundamental que
legitimaria, no futuro, a propriedade espanhola deste e outros
arquipélagos não habitados ambicionados por outras nações.
O retorno de Byron a Londres exatamente na mesma data do acordo
franco-espanhol, além de rumores de todo tipo, motivaram as
suspeitas do Príncipe de Masserano, embaixador espanhol na cidade,
que protestou oficialmente perante os membros do gabinete inglês,
limitando-se a dizer que seu governo não podia ver com indiferença as
viagens britânicas ao mar do Sul (Gil Munilla: 292).
Os ingleses não foram capazes de manter o segredo. Masserano fez
tudo o possível para revelá-lo detalhadamente. Em julho, informou à
Espanha sobre a chegada de vários navios ingleses às Malvinas, as
características das embarcações e a posição astronômica do
arquipélago. Dias mais tarde, especificava a natureza dos planos
ingleses, de acordo com notícias que obtivera nas conferências
realizadas pelo ministério inglês, bem como com a opinião do conde de
Egmont, lorde maior da Almirantagem: os ingleses haviam afirmado o
proveito de colonizar, sem demora, as Malvinas. Masserano havia
226
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
descoberto a essência dos planos britânicos de conquista (Gil Munilla:
293).
Enquanto isso, as notícias eram confusas em Buenos Aires. No princípio
de agosto de 1766, começou o preparo com urgência da esquadra que
levaria o capitão Felipe Ruiz Puente até as Malvinas.
O ministério inglês compreendeu as vantagens e as desvantagens que
a decisão de colonizar as Malvinas traria. Isso provocou sérias
discussões no seio dos Conselhos. Graffon, primeiro Ministro,
sustentou que tal empreendimento deveria considerar uma provável
guerra contra a Espanha e, inclusive, contra seus aliados.
Por sua vez, o lorde maior da Almirantagem, Egmont, persistente
impulsor da conquista e da colonização, diante dos obstáculos
colocados, optou pela renúncia. Sua impaciência o levou a renunciar
antes do tempo, antes de que a influente perspectiva de Pitt triunfasse
sobre as resistências, e de que a esquadra inglesa destinada a iniciar
uma firme colonização das Malvinas atravessasse os mares.
A Espanha abandonou o terreno para a adoção definitiva de medidas
eficazes contra os usurpadores das Malvinas, dispondo-se a reconvir os
ingleses que estivessem instalados nos domínios espanhóis. Na Ordem
Real de 25 de fevereiro de 1768, foram estabelecidas as pautas pelas
quais se regeria Bucareli, o governador de Buenos Aires: a expulsão à
força em virtude das Leis das Índias.
Em novembro de 1769, uma nova exploração, comandada pelo Capitão
Santos, deparou-se com uma fragata de guerra inglesa ancorada no
estreito de San Carlos, e mais uma expedição foi enviada sob o
comando do Tenente de Infantaria Mario Plata. Em 31 de dezembro de
1769, o governador das Malvinas, Ruiz Puente, enviou os primeiros
detalhes sobre o estabelecimento britânico invasor de Port Egmont.
Em 17 de fevereiro de 1769, a expedição espanhola conduzida por
Rubalcava ancorou em Port Egmont. Ante a supremacia britânica,
227
Carlos Mariano Poó
limitou-se a apresentar os protestos de rigor, observando as
características do forte. Os ingleses desconheceram a soberania
espanhola e se negaram a abandonar a posição. Os espoliadores
sentiam-se impunes.
A notícia com o resultado da expedição chegou a Buenos Aires. Com o
fracasso dos protestos, era necessário usar a força. No dia 26 de março,
Bucareli ordenou ao chefe da Esquadra do Rio da Prata, Madariaga, que
“considerando o constante ânimo do Rei, bem explicado na ordem Real
de 25 de fevereiro de 1768 […], disponha-se V. S.ª a despejar
indefectivelmente os ingleses com as armas, caso as admoestações
que V. S.ª deverá também fazer-lhes à sua chegada não sejam
suficientes”.
No dia 11 de maio, quatro fragatas, um chambequim e um bergantim
zarparam de Montevidéu transportando mais de 1500 homens.
No dia 10 de junho de 1769, após quatro dias de tentativas vãs de
conseguir a evacuação voluntária, Madariaga abriu fogo conta Port
Egmont na quantidade mínima necessária para que o comandante do
posto pudesse afirmar que havia sido expulso. Em seguida, assinou-se
a capitulação. Os invasores abandonaram as Malvinas, mas eles
retornariam (Gil Munilla: 345 e 346).
No dia 22 de janeiro de 1771, após árduas negociações entre espanhóis
e britânicos para evitar a guerra, foi assinado um acordo no qual a
Espanha se comprometeu a salvaguardar a honra do rei inglês e
concedeu o reestabelecimento dos britânicos em Port Egmont, fazendo
constar expressamente que não renunciava sua soberania nas ilhas.
Este ponto não foi objetado pela Inglaterra, que reestabeleceria a
colônia com a promessa de desocupá-la pacificamente, o que de fato
ocorreu em 1774.
IV
228
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
A pesca e a caça de anfíbios era realizada com regularidade por
bandidos ingleses, que, na realidade, jamais se dignaram a respeitar
soberania alguma: nem goda nem criolla.
Com efeito, a exploração ilegal no litoral patagônico e nas Malvinas
nunca foi freada adequadamente pelas autoridades, sejam as do vicereinado ou as dos governos emancipadores que sucederam os
representantes da monarquia espanhola depois de 1810.
Com milhares de quilômetros de praias e um litoral lotados de focas,
lobos marinhos, pinguins e outras aves, bem como milhares de milhas
marinhas repletas de baleias de diferentes tipos e tamanhos, a
Patagônia e os mares do sul ofereciam o amparo de suas vastidões à
rapina imperial inglesa, mas também proporcionava seus favores a
norte-americanos e a franceses que não cediam em seu impulso
saqueador, fosse ele em detrimento da agonizante colônia ou da
nascente república.
Este era o contexto no qual se inseria e do qual surgia a resolução do
governo de Buenos Aires que, com data de 10 de junho de 1829, deu
origem à Comandância Político-Militar das Ilhas Malvinas, função para a
qual foi designado Luis Vernet.
O novo comandante, que alternava a função pública com atividades
privadas nas ilhas, decidiu terminar com a depredação.
Os navios estrangeiros foram advertidos a respeito das disposições
vigentes sobre caça e pesca de anfíbios, que haviam sido impostas
pelas autoridades das Províncias Unidas do Rio da Prata. No entanto,
diante de sua recusa recorrente a cumprir com tais normas, Vernet
apresou a goleta norte-americana Harriett em 30 de julho de 1831. Dias
depois, outras duas naus norte-americanas, Breakwater e Superior,
tiveram o mesmo destino.
Notificado sobre o acontecido, George W. Slacum, cônsul
estadunidense em Buenos Aires, dirigiu um ofício ao ministro das
229
Carlos Mariano Poó
Relações Exteriores rio-platense, Tomás Manuel de Anchorena. Sem
nenhuma vergonha, com termos ofensivos e insultos à nossa
soberania, Slacum desconheceu a autoridade do governo das
Províncias Unidas do Rio da Prata e defendeu o saqueio empreendido
por seus conterrâneos.
No dia 3 de dezembro de 1831, nosso governo respondeu, conforme ao
direito, o insolente e impulsivo ofício de Slacum, afirmando que “o
governo dos Estados Unidos não tem direito algum às ilhas e costas
mencionadas nem a exercer nelas a pesca, ao passo que o direito que
2
cabe a esta República é inquestionável” .
Enquanto Slacum arremetia suas reclamações negando nossa
soberania, o governo norte-americano enviou um barco de guerra, a
corveta Lexington, sob o comando de Silas Duncan. Informado por
Slacum e Davison – capitão do Harriett –, o não menos impulsivo
marinheiro norte-americano exigiu que o governo rio-platense
entregasse Vernet ou que o prendesse e castigasse conforme as leis de
Buenos Aires. O governo negou-se, porém concedeu a liberação do
infrator Davison.
No dia 9 de dezembro de 1831, a Lexington partia de Buenos Aires
tendo como rumo as Malvinas. Um novo saqueio começava a se gestar.
Duncan chegou com sua nau às proximidades de Puerto Luís no dia 28
de dezembro. Flamejando ousadamente a bandeira francesa, entrou
no porto três dias depois executando um covarde e atroz ataque às
autoridades e à população malvinense. A colônia de Puerto Luís foi
destruída e saqueada pelos ianques.
A deplorável ação de Duncan e da tripulação da Lexington é um claro
ato de agressão dos Estados Unidos para com as Províncias Unidas do
Rio da Prata, com as quais não tinham nenhum motivo nem razão que
fosse fonte de discórdia, salvo o incidente de pouca importância dos
baleeiros detidos por Vernet.
230
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Curiosamente, anos depois, produzida a invasão inglesa ao
arquipélago, os norte-americanos tiveram um conflito de interesses
com os invasores britânicos de características similares às que houve
com as Províncias Unidas do Rio da Prata quando, fazendo uso da força,
os britânicos tentaram frear os excessos provocados pelos baleeiros
ianques.
Naquela oportunidade, a diplomacia norte-americana reclamou da
atitude britânica alegando que a soberania das Malvinas era matéria de
discussão com os argentinos, que também a exigiam. Refutação que
mostra os argumentos mentirosos usados pelo ministro das Relações
Exteriores norte-americano, Martín van Buren, que, em seu afã de
negar os direitos de nossas Províncias Unidas, considerou as Malvinas
completamente livres para todas as nações, chegando ao extremo de
reconhecer um suposto direito inglês. Argumentos mentirosos que o
próprio presidente norte-americano Andrew Jackson expôs a seu
parlamento em 1832.
O brutal saqueio foi validado pelo governo dos Estados Unidos, e o
braço executor desse gesto tão repudiável, Silas Duncan, nunca foi
reprovado pela administração norte-americana. No entanto, a Corte
Federal de Massachusetts emitiu um pronunciamento em
desaprovação de sua conduta (Groussac: 45).
V
Como já vimos, a garra espoliadora do império britânico retirou sua
avançada colonizadora de Port Egmont em 1774, cumprindo a
promessa feita à monarquia espanhola. Contudo, embora os ingleses
tenham mantido sua palavra por quase seis décadas, as pretensões
colonialistas sobre esta parte do mundo nunca foram abandonadas.
Nem mesmo dissimuladas.
Em 1806 e em 1807, os britânicos tentaram apropriar-se sem sucesso
de Buenos Aires e de Montevidéu. A firme resistência de seus
231
Carlos Mariano Poó
habitantes derrubaria os planos do invasor e consistiria num dos
fermentos principais das forças revolucionárias que, decididamente,
abriram as comportas para a emancipação e a independência
americanas.
Tempos depois, a Inglaterra viria descobriria que o conflito entre as
Províncias Unidas do Rio da Prata e os Estados Unidos da América
poderia ser muito útil para seus objetivos expansionistas.
Em 29 de novembro de 1829, Woodbine Parish, representante inglês
em Buenos Aires, realizou um protesto contra a soberana decisão do
governo liderado por Martin Rodriguez pela criação da Comandância
Política e Militar para as Ilhas Malvinas.
A agressão norte-americana e os intrigantes jogos da diplomacia
britânica colocaram as autoridades rio-platenses em alerta. O
governador de Buenos Aires, Juan Manuel de Rosas, dispôs a reforma
da escuna Sarandí para que, comandada pelo capitão José María
Pinedo, ela se dirigisse rapidamente ao arquipélago. Além disso,
ordenou que a comandância civil e militar das Malvinas ficasse nas
mãos do sargento-major Mestivier.
Logo após ter tomado posse, Mestivier morre assassinado como
consequência de uma revolta das tropas em Puerto Luís. Os revoltados
foram dominados e capturados pelos peões da estância de Vernet, cujo
capataz era Juan Simón. Eles contaram com a ajuda da tripulação de
um navio francês ancorado perto de Puerto Luís.
Nessas circunstâncias, a desorganização e a confusão imperavam nas
Malvinas. Além da insubordinação da tropa, que fora sufocada, houve
rivalidades entre Juan Simón e Enrique Metcalf, o novo encarregado
dos negócios de Vernet. A escuna Sarandí teve de atracar novamente
em Puerto Luís, e o capitão Pinedo incumbiu-se da crítica situação junto
com seus homens.
A paciência inglesa deu seus frutos e, diante dos excessos que
232
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
reinavam nas Malvinas, as tropas de sua majestade decidiram agir para
consumar o saqueio. A mosca já estava na rede, e a aranha devia
trabalhar com rapidez.
Em dois de janeiro de 1883, o navio de guerra Clío, comandado pelo
capitão Oslow, ancorou em frente a Puerto Luís brandindo o pavilhão
inglês. Sua tripulação estava fortemente armada e disposta a
empreender o ato de rapina. Estranho senso de glória e honra
mostraram os oficiais a serviço de sua majestade britânica ao longo de
toda esta história. No entanto, eles não seriam os únicos.
Oslow se reuniu com Pinedo para informar-lhe que tomaria posse das
Malvinas. As ordens de sua superioridade exigiam que assim fosse.
Pinedo não pôde, não soube ou não quis defender a posição. O certo é
que as tropas inglesas superavam as suas. Porém, após ter organizado
e disposto a defesa de Puerto Luís, ordenou, de maneira repentina, o
embarque na Sarandí e a partida rumo a Buenos Aires, deixando Juán
Simón nas ilhas como comandante político e militar interino. A ordem
que Rosas deu a Pinedo tinha sido bem clara: resistir até as últimas
consequências a qualquer ataque inimigo. Sua atitude, pouco decorosa
e renhida com a valentia, foi julgada pelo governo de Buenos Aires.
No dia três de janeiro de 1833, os patifes de sua majestade britânica,
liderados por Oslow, consumaram a ultrajante espoliação contra nossa
soberania. Afronta que ainda mancha o orgulho e a honra nacional,
submetendo a seu arbítrio e império uma parte de nosso querido
território. Conforme assinalado certeiramente por Pablo José
Hernández e Horacio Chitarroni, o proceder inglês “mostrou seu
verdadeiro rosto imperialista, dissimulado por trás da cortesia de seus
diplomatas. Pouco significado poderia ter, para o florescente império, a
soberania de nações que ele já considerava suas semicolônias”
(Hernández P. J. e Chitarroni H.: 44 e 45).
VI
233
Carlos Mariano Poó
As Geórgias do Sul são compostas por uma ilha grande e outras
menores. Encontram-se a aproximadamente 1342 quilômetros das
Malvinas e 1670 da ilha dos Estados. San Pedro, a maior, tem uma
superfície de aproximadamente 6845 quilômetros quadrados e uma
cadeia de serras chamada San Telmo.
Em 28 de junho de 1756, a tripulação do navio mercante espanhol León
avistou uma massa de terra. No dia seguinte pela manhã, encontraram
uma ilha de umas 20 a 25 léguas. Eles a percorreram durante três dias.
Depois, zarparam rumo às Canárias. (Destéfani: 77).
Em 1775, um ano depois do abandono de Port Egmont, James Cook
redescobre as Geórgias reconhecendo que a descoberta fora realizada
pela tripulação do León.
Com o tempo, as Geórgias se transformaram num centro de caça de
baleias. De outras latitudes, barcos baleeiros de diferentes
nacionalidades chegaram para empreender sua atividade. Os cetáceos
austrais quase foram exterminados, materializando a nova forma que a
espoliação contra nosso país assumia.
Navios e tripulações inglesas, norte-americanas, russas, alemãs,
norueguesas e japonesas usufruíram daquela riqueza da qual nosso
país não pôde tirar melhor proveito.
Em 16 de novembro de 1904, na baía de Cumberland, foi criada a
primeira feitoria baleeira em terra, regida pelas leis argentinas,
instalada pela Companhia Argentina de Pesca. O estabelecimento
contava com dois veleiros e um baleeiro a vapor. Suas atividades
começaram em dezembro.
Entretanto, em 1906 os britânicos impõem seu poderio marítimo e
exigem a todos os baleeiros o pagamento de impostos e direitos para
caçar baleias nas Geórgias. A espoliação sobre os arquipélagos e mares
austrais argentinos aumenta. A desmedida ambição inglesa se
agiganta, enquanto sua vergonha desaparece em relação
234
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
inversamente proporcional.
Em julho de 1908, a Inglaterra declara unilateralmente, por meio da
Real Carta Patente, que “estão sob o seu domínio todas as terras e ilhas
compreendidas em um setor que vai do meridiano 20º O ao meridiano
80º O e abaixo da latitude 50º S ao Polo […] nesse mesmo setor não só
estavam as Geórgias, as Sandwich e as Malvinas, mas também um
pedaço de Santa Cruz, a Terra do Fogo e a província chilena de
Magalhães” (Destéfani: 78).
Diante dos protestos do Chile e da Argentina, os britânicos só reduziram
a área sujeita a sua monárquica espoliação. A superfície compreendida
entre os meridianos 50º e 80º longitude oeste e os paralelos 58º e 80º
latitude sul foi retida, e as fauces do voraz e leonino colonialismo anglosaxão viram reduzido seu apetitoso bocado meridional.
Desde 1917, a Inglaterra reivindica essa zona como própria até o Polo
Sul.
Vale ressaltar que, enquanto sua majestade britânica aproveitava os
frutos da espoliação, a Marinha Argentina deu apoio logístico e de
comunicações por mais de duas décadas em Grytviken. Sua presença
representou o interesse argentino, embora os ingleses tenham imposto
um representante do governo desde 1906, oficializado dois anos
depois.
VII
Situadas a aproximadamente 2500 quilômetros da ilha dos Estados, as
Sandwich do Sul conformam o arquipélago mais oriental da geografia
argentina. As ilhas têm os nomes de Zavodovski, Leskov, Visokoi,
Candelaria, Vindicación, Saunders, Jorge Blanco e o pequeno
arquipélago de Tule do Sul, composto pelas ilhas Cook, Bellingshausen
e Morrell.
235
Carlos Mariano Poó
A origem do arquipélago é vulcânica, sendo comum a atividade
permanente e os tremores sísmicos. Não há temperaturas extremas,
mas ele costuma ser alvo cotidiano de fortes temporais e tempestades.
Normalmente, em uma semana, há bom tempo por um ou dois dias,
momentos nos quais sua superfície é acariciada pelos fracos raios de
um tênue sol.
James Cook descobriu de Candelaria a Tule do Sul em 1775. As três
ilhas do norte – Zavodovski, Leskov e Visokoi – foram encontradas pelo
capitão de navio Fabián Bellingshausen, no comando de uma expedição
russa em 1820.
A Marinha Argentina garantiu a presença de nosso país nas Sandwich
desde 1950, intensificando seus estudos e investigações no
arquipélago. Em janeiro de 1956, o guarda-marinha Ricardo Hermelo
foi desembarcado com os operadores de rádio civis Manuel Ahumada e
Juan Villafañe. Os três permaneceram durante vários dias no refúgio
naval Elizalde cumprindo tarefas científicas e de comunicações. Devido
a uma erupção vulcânica, foram evacuados.3
Em 18 de março de 1977, a Marinha Argentina instalou a estação
científica “Corbeta Uruguay” em Morrell. Com uma casa para
alojamento, uma de emergência e outra de serviços, a estação
forneceria informação meteorológica, geológica, de magnetismo,
estado dos gelos, heliografia, fauna e flora. É naquelas paragens,
consideradas pelo próprio James Cook como os confins das terras às
quais a humanidade poderia pretender se aproximar, que seus ávidos
compatriotas consumavam a espoliação.
VIII
As Malvinas ocuparam a atenção internacional em repetidas ocasiões.
Já na origem do conflito anglo-espanhol do século XVIII, a questão
quase empurrou duas nações a uma guerra de consideração e de
alcance difíceis de medir. Mais ainda se considerarmos que o pacto de
236
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
família teria arrastado a intervenção francesa; e a neutralidade
portuguesa – provocada pela diplomacia britânica –, que a Espanha
tanto desejava, teria sido difícil de manter, o que faria com que os
lusitanos tomassem partido pelos usurpadores das Malvinas, entrando
para a disputa com seus vizinhos continentais borbônicos.
Durante o século XIX, a diplomacia argentina teve que batalhar
simultaneamente em duas frentes. Com a diplomacia norte-americana
– após o ataque da Lexington às Malvinas – e com a diplomacia inglesa
devido à invasão de janeiro de 1833.
Já no século XX, vemos que a questão das Malvinas teve um tratamento
leve, entre 1945 e 1960, no seio da Comissão para a Informação das
Nações Unidas, na Quarta Comissão da Assembleia Geral e, inclusive,
no Plenário da organização. Quanto aos relatórios realizados pelos
representantes britânicos, suas reservas foram questionadas por
delegados argentinos no momento de debater o conteúdo.4
Em 1946, quando a Grã Bretanha apresentou o detalhe dos territórios
sobre os quais informaria de acordo com as disposições da Carta das
Nações Unidas, a delegação argentina fez uma ressalva, não
reconhecendo a soberania inglesa nas Malvinas. A Grã Bretanha
respondeu objetando a nossa.
A partir de 1964, as Malvinas serão, ano após ano, um dos assuntos a
tratar pelas Nações Unidas em todos os órgãos encarregados da
questão da descolonização, respondendo ao mandato da Assembleia
Geral.
A questão das Malvinas ganhou uma transcendência fora do comum.
No quadro do processo de descolonização promovido pelas Nações
Unidas, no dia 16 de dezembro de 1965, foi aprovada a Resolução 2065
(XX) da Assembleia Geral, reconhecendo a existência de um conflito de
soberania entre a Argentina e a Grã Bretanha e convocando-as a
negociar.
237
Carlos Mariano Poó
Em 1967, os britânicos elaboraram uma proposta de referendum para
Gibraltar. Piedosamente, eu o chamo de espoliação plebiscitária. Seu
objetivo era consultar a população do território colonial se ela queria
continuar dependendo de sua majestade ou declarar-se independente.
A manobra foi interpretada como uma tentativa manipuladora da
Resolução 1514 das Nações Unidas. A população de Gibraltar não podia
ser considerada originária, pois havia sido implantada após a ocupação.
Como nas Malvinas. A jogada deu errado, a ultrajante manobra foi
bloqueada e, felizmente, recusada.
No dia 12 de outubro de 1970, as Nações Unidas condenaram, com a
Resolução 2621 (XXV), a continuidade do colonialismo em qualquer
uma de suas formas ou manifestações por constituir um crime que
infringe a Carta de dito organismo.
Durante oito anos, a Argentina tentou negociar com os ingleses. Tudo
era em vão. Além da clássica petulância inglesa, havia o efetivo poder
lobbysta do maior latifundiário da ilha, a Falkland Islands Company,
para impedi-lo.
Em 1973, as Nações Unidas manifestaram, por meio da Resolução
3160, que se sentia gravemente preocupada ao ver que as negociações
estavam paradas, reconhecendo os contínuos esforços do governo
argentino de facilitar o processo de descolonização e incentivar o bemestar da população das ilhas.
Faltava um termo à equação: a Grã Bretanha. Desta forma, o proceder
dos filhos da emancipação e da independência americana era
reconhecido. E os livres do mundo responderam: Ao grande povo
argentino, saúde!
IX
No dia dois de abril de 1982, as Forças Armadas argentinas realizaram
uma operação conjunta denominada “Operativo Rosario”,
desembarcando nas Malvinas.
238
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Após um enfrentamento, as tropas venceram a resistência dos Royal
Marines. O governador inglês apresentou a rendição. Uma bemsucedida operação inicial quebrava cento e quarenta e nove anos de
ocupação colonial britânica. As Malvinas eram recuperadas.
A maior parte das tropas nacionais tomou posições sobre Puerto
Argentino. Uma força de tarefas menor foi enviada para Darwin e
Pradera del Ganso.
A maior parte do povo argentino recebeu a notícia com euforia. Uma
massiva manifestação lotou a Praça de Maio. O apoio popular à
recuperação das Malvinas, Geórgias e Sándwuich del Sur era evidente.
Vale ressaltar que tal expressão, a meu ver, não pode ser traduzida
como um apoio à ditadura.
Porque as Malvinas representam, para os argentinos, a questão
nacional por excelência. O nível mais alto de completitude para
gerações de mulheres e homens que nasceram sob este céu e este sol,
com uma parte de seu território ocupado por uma potência estrangeira.
O tumulto era mais do que justificado. O mesmo usurpador que, no
começo da gesta emancipadora americana, tentou tomar Buenos Aires,
sendo expulso pela heroica força mancomunada de criollos e
espanhóis, novamente havia sido expulso do território nacional.
Após setenta e quatro dias de uma luta épica – principalmente por terra
e por ar – contra uma força militar muito superior em quase todos os
âmbitos, no dia 13 de junho de 1982, nossas tropas foram rodeadas
pelo inimigo em Puerto Argentino.
No dia seguinte, numa manhã cinza e brumosa, com o fogo dos
incêndios provocados pelos disparos da artilharia inimiga, que
carregava ainda mais a já densa atmosfera da capital da ilha, as tropas
nacionais se renderam ante o invasor inglês.
Os heróis que voltaram contam que, abafado o rugir dos canhões, um
silêncio comovedor foi tudo o que se seguiu.
239
Carlos Mariano Poó
Foi a hora em que os sonhos de liberdade desfizeram-se, quebrando em
mil pedaços a esperança de um povo inteiro.
Foi a hora em que brotaram lágrimas dos bravos combatentes
argentinos para continuar regando esse solo... O mais querido, o da
Pátria na extensão.
E a derrota teve, para nós, o sabor de uma fruta amarga. Uma que
Homero Manzi nem mesmo imaginou.
X
No começo dos anos setenta, a crise petroleira internacional teve uma
influência manifesta sobre as Malvinas. Em 1973, a economia
capitalista ocidental foi duramente atingida pela escassez do petróleo,
e o aumento do preço deste produto colocou em evidência as fortes
contradições entre a produção e o consumo. Os países produtores do
ouro negro introduziram medidas tendentes a proteger seu recurso
diante da voraz demanda dos países industrializados, que se lançaram
desesperadamente em busca de novas fontes. Conforme adverte Jorge
Leal lá pelos idos de 1975, os poderosos países desenvolvidos “voltamse agora para zonas que, em seus calados planos, tinham disposto que
fossem mantidas como reservas”.
Será neste contexto que a Inglaterra concretiza uma nova batalha
contra nossa soberania. Da corrida aos mares do sul com objetivo
geopolítico, agora passava a ter prioridade a corrida pelo petróleo.
Os estudos geológicos nos confins austrais atualizaram-se durante a
primeira metade dos anos setenta, e seus resultados foram
conclusivos: sedimentos dos períodos Cretáceo e Eoceno, com uma
espessura que oscila entre 2000 e 8000 metros, comprovaram a
existência de grandes bacias petrolíferas nas adjacências da nossa
querida pérola austral.
240
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
A caríssima perfuração submarina deixou de ser onerosa. Poderíamos
dizer que quase num passe de mágica, se não soubéssemos que não se
tratava de mágica. Em 1974, constantes aumentos de preços no
mercado multiplicaram o valor do petróleo em até sete vezes. A mágica
deu lugar ao capitalismo e às suas regras. A perfuração submarina
começou a ser lucrativa e a Inglaterra, junto com outros países
europeus, empreendeu este tipo de extração no Mar do Norte.
A espoliação começava a ser preparada. A Inglaterra decidiu enviar às
Malvinas, em outubro de 1975, uma comissão com o objetivo de
realizar um relevamento econômico. Os protestos argentinos não se
fizeram esperar. No entanto, a legitimidade, o direito e a razão não
foram barreira intransponível para os ingleses. A fleuma britânica, além
de imperturbável, mostrava-se muito insolente. E em dezembro, a
missão Shakleton foi enviada às Malvinas.
Os progressos alcançados em negociações entre a Argentina e a Grã
Bretanha, promovidas pela forte repúdio internacional ao crime
colonialista, desvaneceram-se no ar. Os esforços e os recursos
argentinos, investidos durante anos com o intuito de aplicar uma
política integradora à tão isolada população malvinense, foram
demolidos. Como quem derruba um castelo de baralho.
As resoluções aprovadas pelas Nações Unidas sobre a existência de um
conflito pela soberania nas Malvinas também não representaram um
obstáculo para a sagacidade da fleumática e desmedida ambição
britânica.
Em 1976, enquanto a Argentina se afundava na escura noite que
representou sua última ditadura militar, a Grã Bretanha decidiu
suspender de forma unilateral as negociações sobre as Malvinas por
considerá-las irrelevantes, provocando uma séria deterioração nas
relações argentino-britânicas. Desta forma, a Inglaterra cuspiu sobre
os avanços alcançados, inclusive sobre recomendações feitas pelas
Nações Unidas, impedindo qualquer possibilidade de discussão sobre o
problema de origem: a questão da soberania sobre as ilhas.
241
Carlos Mariano Poó
Reafirmando, assim, sua tradicional posição de considerar as Malvinas
como colônia britânica (Hernández e Chitarroni: 102).
Após o último conflito armado, a Grã Bretanha conseguiu exercer um
férreo controle sobre as ilhas e os mares adjacentes. Isso não pode ser
considerado simplesmente fruto da derrota militar, uma vez que as
graves concessões à Grã Bretanha realizadas pelo governo de Carlos
Saúl Menem incidiram muito, sendo plasmadas nos chamados
“Acordos” de Madri de outubro de 1989 e fevereiro de 1990.
Compromissos que foram assinados por aquele governo, mas que não
contaram com a devida e correspondente aprovação do Congresso da
Nação Argentina, não gozando, portanto, da categoria de tratados.
Assim, a continuidade da espoliação se materializa com a evidente
recusa da Grã Bretanha a discutir a questão da restituição do território
arrancado à força da República Argentina no dia três de janeiro de
1833, e novamente arrancado em 14 de junho de 1982, ampliando o
exercício de seu domínio ilegal sob o amparo do chamado “guardachuva de soberania”, acentuando a militarização do arquipélago. Além
de suas contínuas e manifestas pretensões sobre o Atlântico Sul e a
Antártida, os ingleses exploraram nossos recursos pesqueiros com
voracidade, avidez à qual agora acrescentam nosso petróleo, saciando
a fome colonialista e continuando esta espoliação canalha em
detrimento da Nação e do povo argentino.
Conclusão
Assim, chegamos ao final deste decálogo de uma espoliação. Tomara
que ele tenha alcançado seu objetivo, pois espero que este trabalho
sirva para os leitores entenderem hoje, um pouco mais, aquilo que não
pudemos compreender em toda sua magnitude trinta anos atrás. Caso
seja assim, poderei sentir a satisfação da tarefa cumprida.
Porém, não quero me despedir sem antes manifestar uma profunda e
242
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
forte convicção: todos nós, argentinos, temos uma obrigação, uma
conta pendente, ou como vocês queiram chamar, com a questão das
Malvinas.
Questão, aliás, motivadora, pois razões nos cabem e sobram.
Ciente de que com queixas lastimosas não chegarei nem chegaremos a
lugar nenhum, quero propor um exercício de reflexão: as Ilhas
Malvinas, Geórgias e Sandwich do Sul são somente uma manifestação
de desejo ou de nossa vontade?
Francamente, não tenho resposta para este interrogante.
Considero, isso sim, que se nossa Nação encontrar uma resposta, ela
recuperará muito mais do que três arquipélagos perdidos nas
imensuráveis e bravas águas do Atlântico Sul.
Só tenho um indício para oferecer. Um que me proporciona um velho
provérbio chinês: as grandes almas têm vontades: as fracas, só
desejos.
Talvez algum dia não muito longínquo, sejamos capazes de estabelecer
as coordenadas precisas, exatas, que orientarão nosso rumo para
resolver esta questão importantíssima. Essas mesmas coordenadas
que hoje situam as Malvinas entre nossa vontade e nosso desejo.
Notas
1 - Com relação a seu descobrimento, nunca foi possível comprovar, efetivamente,
que Américo Vespúcio (1503) ou Fernão de Magalhães (1520) tenham sido os
navegantes que descobriram as Malvinas.
2 - Coleção de documentos oficiais na qual o governo instrui o Corpo Legislativo da
Província sobre a origem e o estado das questões pendentes com a república dos
Estados Unidos sobre as Ilhas Malvinas. Citado por Mário TESLER, Malvinas: cómo EE.
UU. provocó la usurpación inglesa, Buenos Aires, Editora Galerna, 1979, p. 18.
3 - O contra-almirante Destéfani registra que as Sandwich do Sul foram relevadas
durante a campanha antártica anual de 1951/52 pelas fragatas Hércules e Sarandí,
pertencentes à Marinha da República Argentina. Posteriormente, de 1954 a 1959,
foram realizados trabalhos hidrográficos e observações científicas no arquipélago.
4 - Reserva realizada em 23/04/1945 durante a Conferência de São Francisco, que
243
Carlos Mariano Poó
elaborou a Carta da Organização das Nações Unidas. Debate sobre o sistema de
tutela.
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244
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Menção especial
A RECUPERAÇÃO DA
MEMÓRIA DA GUERRA DAS
MALVINAS EM GENERAL
ROCA, PROVÍNCIA DO RIO
NEGRO
Helga Ticac
Helga Ticac
A RECUPERAÇÃO DA MEMÓRIA DA GUERRA
DAS MALVINAS EM GENERAL ROCA, PROVÍNCIA
DO RIO NEGRO
Helga Ticac
1
1 - Introdução
Neste ensaio, relato a situação em que se encontravam milhares de
jovens argentinos – alguns deles, ainda adolescentes – quando, em
abril de 1982, o governo militar de Leopoldo Galtieri impulsionou a
guerra entre a Grã Bretanha e a Argentina no território das Ilhas
Malvinas.
1 Helga Ticac é assistente social pela Universidade Nacional do Comahue. Atualmente, está
trabalhando em seu doutorado em Psicologia na Universidade de Ciências Empresariais e Sociais em
General Roca, na Província do Rio Negro.
246
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
O breve conflito bélico, que durou três meses, produziu centenas de
mortos e milhares de feridos, os quais voltaram ao continente com
diferentes tipos de sequelas.
Em General Roca (Província do Rio Negro), os soldados que voltaram à
cidade experimentaram o desconhecimento social nos âmbitos nos
quais pretendiam se inserir, e os efeitos da guerra apareceram tanto no
âmbito familiar como social.
A situação psicossocial posterior à guerra provocou uma imensa
quantidade de efeitos na vida cotidiana dos soldados, ocasionando
dificuldades na comunicação interpessoal e na continuidade em algum
emprego, por um lado, e estados de ânimo diversos e alguns sintomas
típicos (por exemplo, o transtorno do estresse pós-traumático), por
outro.
A atualidade deste assunto ganha maior significância quando
analisamos as estatísticas sobre suicídios, que ainda hoje continuam
ocorrendo entre os ex-combatentes.
Diferentes autores e pesquisadores analisaram o fenômeno de diversos
ângulos. Aqui, trago à colação aqueles que se associam com a
recuperação da memória como forma de superação das situações
traumáticas e disruptivas.
Neste trabalho, analiso como este grupo de ex-combatentes foi
formando vínculos com a vida por meio da Agrupação de Veteranos de
Guerra, encabeçando a Causa das Malvinas e propugnando a
remalvinização.
Os propósitos se baseiam em três pilares: a mobilização em prol de
benefícios sociais e da reivindicação social, a solidariedade como
máxima expressão da resiliência e a transmissão e divulgação
socioeducativa da memória da Guerra das Malvinas com o apoio dos
programas de voluntariado do Governo Federal, executados pelo
Ministério da Educação e por outros apoios governamentais, a trinta
247
Helga Ticac
anos da Guerra das Malvinas.
2. Desenvolvimento
A população de ex-combatentes é caracterizada pela tarefa que
realizou num momento particular de nossa história nacional. No ano de
1982, eles tinham entre 18 e 20 anos e se desempenharam, de uma ou
outra forma, na Guerra das Malvinas. Hoje, são pessoas de entre 43 e
47 anos, e, de acordo com as funções e a implicação de cada um deles
no conflito, são reconhecidos com diferentes denominações, como excombatentes, veteranos de guerra, recrutas, convocados e mobilizados
1
para o TOAS e o TOM 2.
Os autoconvocados ou mobilizados são ex-soldados que realizaram
tarefas durante o serviço militar obrigatório no continente sem chegar
até as Ilhas Malvinas, defendendo as fronteiras em geral a fim de evitar
o avanço de tropas para a Argentina. Como cada grupo tem
características e implicações diferentes, optei por escolher o grupo de
ex-combatentes que participou diretamente do combate no território
das Ilhas Malvinas.
Os dados sobre as sequelas que este fato deixou na população datam
do ano de 1997 e foram coletados pela Comissão Nacional de Ex3
Combatentes das Malvinas em todo o território nacional. Em linhas
gerais, foram contabilizados os seguintes dados:
No Exército Argentino:
População total: 7816 (7960 - 144 falecidos).
Com incapacidade física maior a 66%: 156.
Com incapacidade física menor a 66%: 145.
Na Força Aérea:
População total: 439 (444 - 5 falecidos).
Sem sequelas visíveis: 414.
Feridos e doentes com deficiências: 15.
248
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Na Marinha Nacional:
População total: 4039 (4180 - 141 falecidos).
Sem sequelas visíveis: 3993.
Feridos com deficiência maior a 65%: 14.
Feridos com deficiência menor a 65%: 32.
Embora esses dados não sejam atualizados, é possível inferir que, dada
a falta de assistência sistemática do Estado para com esta população,
as condições de referência das diversas patologias físicas foram
evoluindo em maior ou menor medida.
Estas sequelas deixam marcas nos corpos dos ex-combatentes, mas
não há relatórios sobre as consequências psicológicas e sociais de sua
participação na gesta das Malvinas.
É possível mencionar algumas das situações às quais estas pessoas
foram expostas. A isso, acrescenta-se que, no momento em que o fato
aconteceu, elas eram jovens, muitas ainda adolescentes, o que
potencializou o impacto na constituição de sua subjetividade.
No relatório anteriormente mencionado, consta que de 70 a 100% dos
entrevistados foram expostos às inclemências do tempo (vestimenta
molhada, frio, hipotermia), longas jornadas sem descanso, falta de
sono. Eles não tinham condições para se higienizar nem contavam com
uma alimentação correta. Outras circunstâncias de ordem psicológica
contribuíram para agravar as demais, como tensão nervosa, falta de
instrução militar e capacitação, situações de estresse, estado
permanente de atenção e alerta sem os devidos descansos, medo e
temores.
De 32 a 69% dos entrevistados foram expostos à linha de fogo,
ingestão de alimentos em mal estado, falta de atendimento médico,
isolamento, ordens confusas, sobrecarga de responsabilidades,
castigos e maus-tratos, trabalhos de extrema pressão, falta de mando,
falta de assistência religiosa ou espiritual.
De 10 a 31% deles foram expostos a diferentes tipos de radiações,
249
Helga Ticac
gases, solventes e outras substâncias perigosas.
Sensações ao voltar das Malvinas:
Alegria, alívio por voltar: 38%.
Desilusão, frustração, sensação de inutilidade: 40%.
Angústia, dor, descontentamento: 34%.
Ódio, raiva, indignação: 29%.
Pode-se inferir que os sentimentos negativos ocasionados pela
situação vivida representam o total da enquete, uma vez que os
positivos referem-se à volta.
No ano de 1991, foi realizado um relevamento na Província do Rio
Negro com a finalidade de iniciar os trâmites para a pensão vitalícia dos
ex-combatentes. Este fato permitiu relevar algumas das situações
expostas a seguir.
De um total de 63 nativos, as principais problemáticas eram: falta de
trabalho, impossibilidade ou dificuldades relacionadas com os
preconceitos para consegui-lo, falta de moradia e necessidade de
capacitação formal (alta incidência de ensino fundamental incompleto
ou analfabetismo), quase nenhum deles contava com cobertura médica
nem recebia assistência de nenhum tipo.
A precarização das condições sociais deste grupo foi se agravando,
deixando-os em situação de dependência da assistência social do
Estado.
O jornal La Nación,4 em sua edição do dia 28 de fevereiro de 2006,
informa que “assim como no caso dos argentinos, há mais soldados do
Reino Unido que tiraram a própria vida do que mortos no conflito”, em
entrevista a Colin Waite, ex-combatente inglês e cofundador da
Falklands Veterans Foundation (Fundação de Veteranos das Malvinas),
uma associação que funciona desde abril de 1997 com o objetivo de
“manter e promover um sentido de orgulho e companheirismo entre
todos os veteranos da campanha do Atlântico Sul”.
250
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Na entrevista, ele revelou que a quantidade de soldados britânicos que
morreram em combate foi de 255. Já em 2002, 20 anos após o conflito,
estimava-se em mais de 250 o número de suicídios desde o fim da
guerra. Além disso, Waite compara os dados das tropas de seu país com
aqueles que participaram da Guerra do Iraque.
Na Argentina, a quantidade de suicídios de ex-combatentes da Guerra
já ultrapassou o número dos que tombaram em combate.
Na guerra, morreram 649 argentinos, 323 durante o afundamento do
Cruzador General Belgrano e 326 no arquipélago. O Estado não conta
com cifras oficiais, mas entre os veteranos haveria entre 350 e 454
casos.
Segundo estatísticas oficiais do Ministério da Saúde do ano de 2004, a
taxa anual de suicídios na Argentina é de 8,2 casos a cada 100.000
habitantes. Estima-se que há por volta de 14.000 sobreviventes do
conflito bélico das Malvinas. De acordo com o Ministério do Interior, que
considera verdadeira a quantidade de 350 casos estimados pelos
próprios veteranos, há mais de 25.000. A taxa anual de suicídios seria
de 108,7 a cada 100.000 habitantes, quase 14 vezes maior do que no
resto da população.
5
Em 2004, o Ministério da Saúde da Província de Buenos Aires publicou
dados estatísticos acerca dos ex-combatentes: 77,9% deles sofrem de
transtornos do sono; 10% reconhecem ter padecido sintomas
psicóticos tais como delírios, alucinações e manifestações paranoicas;
20% afirmam sofrer de algum tipo de fobia e 60% reclamam de
transtornos da memória (esquecer permanentemente nomes, datas,
situações, etc.); 32% declaram ter ideias obsessivas relacionadas com
as Malvinas e sua relação com fatos posteriores; 28% dos excombatentes entrevistados têm ideias recorrentes de suicídio; 10%
reconhecem ter tido tentativas de suicídio em uma ou mais
oportunidades; 37% se reconhecem como violentos; 26% usam
normalmente armas de fogo; 41% completaram o ensino fundamental;
60% não têm uma situação de trabalho estável; 36% padecem
251
Helga Ticac
deficiência física ou psíquica. Embora 99% deles contem com plano de
saúde, 72% não vão ao médico e 91% não recebem atendimento
psiquiátrico e psicológico especificamente; 88% nunca compareceram
a um centro de saúde. Entre 25 e 39% dos ex-combatentes (varia
segundo a área de residência) sofrem de TEPT (transtorno do estresse
pós-traumático).
Os dados da pesquisa anterior foram retirados do artigo “Malvinas: uma
ferida aberta”, de Edgardo Esteban. O autor do artigo, um excombatente da Guerra das Malvinas, manifesta que “o pós-guerra foi
marcado pela indiferença de uma sociedade traumatizada por seu
irrefletido apoio à ditadura e pelo silêncio e o esquecimento imposto
pelos militares”. E afirma: “De alguma forma os ex-combatentes foram
combatidos, pois viraram as costas para eles, obrigando-os à
marginalização e sepultando-os no esquecimento, na indiferença...
Resultado: até o momento, chegam a 400 os ex-combatentes que
cometeram suicídio, muito mais do que os 267 mortos em combate.
Aqueles que ainda vivem padecem de diferentes afecções, graves
consequências incluídas na denominação “transtorno do estresse póstraumático”. Além disso, ressalta que “o final do conflito encerrou o
capítulo da ditadura, sendo um fator decisivo para a reinstauração da
democracia; mas, quanto à guerra, a sociedade não assumiu suas
responsabilidades”. E continua: “As autoridades e a sociedade se
comportavam como se os soldados fossem os responsáveis pela
derrota. Houve um acordo tácito para esquecer a guerra, esconder
aqueles que dela voltavam e apagar as experiências vividas. Para obter
a baixa militar, os oficiais fizeram com que os soldados assinassem uma
declaração jurada na qual se comprometiam calar e, portanto, a
esquecer. Falar da guerra, do que nela tinha acontecido, foi o primeiro
que nos foi proibido. Assim, a dor, as humilhações, a frustração, o
desengano e a raiva ficaram dentro de cada um de nós até se tornar
insuportável em muitos casos.
É que falar, contar, era o primeiro passo necessário para exorcizar
nosso inferno interior e começar a curar as feridas [...] Assim, a volta foi
252
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
cruel, em silêncio, às escondidas, como se fôssemos um grupo de
covardes. As boas-vindas ficaram apenas para o lar [...]”.
6
Moty Benyakar indica que o maior fracasso em termos de resposta a
desastres da Argentina contemporânea é o destino suicida dos excombatentes das Malvinas. Segundo ela, este é o caso de uma
sociedade que não se responsabilizou por aqueles que suportaram um
evento distruptivo. “A sociedade argentina, talvez por causa das
situações de desastre que atravessou, não foi capaz de absorver essas
pessoas que tinham ido lutar pela pátria. Quando a sociedade não
reconhece a dor de uma pessoa que arriscou sua vida como
combatente ou danificado por um desastre, essa dor pode levar ao
suicídio. E este reconhecimento, claro, não pode se limitar a uma
fórmula do tipo “coitados, vejam o que aconteceu com eles [...]”, mas,
pelo contrário, exige políticas ativas de reinserção”.
A situação disruptiva e de desvalimento de uma guerra é evidente e
provoca um maior impacto no sujeito de acordo com a magnitude do
fenômeno e do estado psíquico do receptor. No entanto, a força do
estímulo da “situação bélica” tem, devido à sua magnitude, efeitos
traumatizantes massivos nos envolvidos, independentemente das
pecualiaridades de cada um.
Segundo Benyakar, “todo evento disruptivo causa dor, sofrimento e
raiva; mas não provoca necessariamente uma incapacidade de
elaboração psíquica do que aconteceu: essa incapacidade é o trauma
psíquico”.
No contexto nacional, aconteciam os fatos mais aberrantes da história.
Como produto e consequência da ditadura militar, trinta mil
desaparecidos, um saldo de mais de trezentos mortos em combate e
um número semelhante de suicídios de ex-combatentes após o conflito
– e até hoje em dia – denotam a atualidade do assunto.
As sequelas sociais do genocídio da ditadura e da Guerra das Malvinas
ocasionaram sérias rupturas de laços comunitários e desconfiança nos
253
Helga Ticac
governantes e na Justiça, provocando uma espécie de catástrofe
coletiva.
7
R. Zukerfeld e R. Z. Zukerfeld (2006) definem “entorno disruptivo”
como o contexto onde “o traumático” e “o ominoso” se superpõem,
uma vez que “a fonte disruptiva coincide com a fonte de apoio:
conforme já dito, não há pior ladrão do que um policial; não há pior
abuso do que o incestuoso; não há pior terrorismo do que o do Estado”.
A Guerra das Malvinas provocou crises em diferentes níveis e obrigou
diferentes atores, tanto os soldados e militares envolvidos como todos
os cidadãos argentinos, a rever os significados de “patriotismo”,
“soberania” e “direitos”.
A Guerra das Malvinas e outras guerras “silenciosas” anteriores,
decorrentes da ditadura militar, quebraram códigos, principalmente a
confiança nas instituições e a segurança da população.
Maldavsky, no capítulo “Violência política e processos subjetivos”, do
livro Sobre las ciencias de la subjetividad, afirma que quanto maior é a
violência social exercida pelo poder, menor é o espaço para o vínculo
com o diferente, para o desenvolvimento do subjetivo. A subjetividade
implica nexos com a pulsão, com a realidade.
Os acontecimentos traumáticos e catastróficos, que consistem em
fatos concretos de curta duração e de grande intensidade, modificam o
psiquismo da mesma maneira que os derivados de acontecimentos de
menor intensidade e longa ou constante duração.
O primeiro caso é aplicável à Guerra das Malvinas: os soldados foram
expostos a situações potencialmente traumáticas durante um período
de um a três meses, tempo intenso no qual foram colocadas em risco a
vida e a integridade física e psíquica de jovens e adolescentes
argentinos. Além disso, o processo de adolescência dos soldados em
guerra foi interrompido por um evento desestruturador, haja em vista
seu efeito disruptivo na vida de uma pessoa.
254
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Ser o porta-voz de uma história insuportável para o grupo pode acabar
sendo uma maneira de neutralizar a tentação de se deixar morrer, de
acordo com Maldavsky.
Enquanto isso, a falta de cadáveres das vítimas, os “mortos sem
8
sepultura”, eternizam a tragédia sem possibilidade de solução.
Na medida em que todos estes casos podem gerar um clamor grupal
em prol de algum tipo de reivindicação social, podemos conjeturar que
esta também é uma forma de ligar o trauma, uma tentativa de dar uma
voz, uma expressão, a uma economia pulsional intramitável não ligada
a um universo simbólico e, ao mesmo tempo, um testemunho de
conservação da eficácia de uma modalidade primigênia de conceber o
próprio soma como parte de um corpo pulsional coletivo, não recortado
de um conjunto (Maldavsky, D.: 1994, 239).
O processamento das situações não elaboradas é transferido à
seguinte geração, especialmente quando os protagonistas não
9
“elaboraram” os acontecimentos trágicos que padeceram, ou
quando o fazem em forma de pesadelos ou perpetuando o trauma por
meio de vícios, processos psicossomáticos, violência e conflitos
familiares.
Vicente Palermo, em seu livro Sal en las heridas, faz referência à causa
das Malvinas e afirma que descuidamos dos ex-combatentes. “Eles são
os sobreviventes de uma experiência terrível. Muitos veteranos não
conseguem carregar sozinhos com o fardo de ter sobrevivido, de ter
deixado seus companheiros e amigos mortos nas Ilhas. O passado não
elaborado volta sempre e esmaga quem não pode aliviar seu peso com
essa elaboração”.
“Muitos veteranos não participam de nenhuma das organizações e não
adotaram a retórica da causa, mas contaram com outros recursos para
suportar o terrível fato de ter sobrevivido lá quando outros morreram,
para realizar uma elaboração pessoal que lhes permita suportar essa
experiência” (Palermo, 2007).
255
Helga Ticac
Segundo M. Enriquez,10 em toda pessoa persiste um afã de
rememoração e insistência em investigar o passado. “O esquecimento,
o apagamento das marcas e a desinvestidura enquanto expressão do
sono sem sonhos e do componente destrutivo da pulsão de morte são
os piores inimigos da atividade de rememoração e de ligamento”.
“A historicidade é um processo de rememoração compartilhado com
outros. Para que o esforço da criação da história se mantenha, sua
participação na rememoração é fundamental” (Enriquez, M.: 2004,
107).
A atualidade deste assunto adquire maior significado com as
estatísticas sobre os suicídios que continuam ocorrendo no grupo dos
ex-combatentes.
Além do fato real e concreto da existência de uma “campanha de
desmalvinização” graças à qual os acontecimentos catastróficos da
guerra foram mantidos em silêncio por mais de vinte anos, alguns dos
direitos dos veteranos foram reconhecidos somente uma década após o
enfrentamento.
O assunto foi estudado por especialistas como o Dr. Enrique Stein,
presidente do capítulo de Psicotraumatologia da Associação de
Psiquiatras Argentinos (APSA). Segundo ele, o estresse pós-traumático
dos veteranos de guerra é “exagerado”, e estudos demonstraram que o
evento bélico no campo de batalha não foi tão estressante quanto o que
aconteceu na volta para o continente.
De acordo com o autor, as políticas de desmalvinização foram, para
muitos veteranos, o maior dos danos e da dor, ou um sofrimento maior
11
do que o provocado pelo combate. Segundo ele, a “remalvinização, no
sentido histórico da gesta, poderia ser parte de uma contribuição para
evitar que continuemos a ler na crônica cotidiana os suicídios dos VGM
(Veteranos de Guerra das Malvinas) como expressão última da dor não
resolvida por muitos deles”.
256
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Para Stein, quando o assunto é a saúde mental dos VGM, há uma
tendência a se focalizar exclusivamente o TEPT (transtorno do estresse
pós-traumático) em referência às consequências das experiências no
campo de batalha. Além disso, segundo ele, a decisão políticogovernamental – apoiada por setores civis desmalvinizadores – era
silenciar, desconhecer, esconder e ignorar os VGM. Assim, sua intenção
era eliminar qualquer possibilidade de reconhecimento para, assim,
retirar qualquer apoio social/grupal ao ex-combatente, afetando as
possibilidades de recuperação plena das situações vivenciadas.
O autor também indica que, à medida que o tempo passa e os excombatentes não obtém respostas para suas reclamações de pensão,
assistência médica, etc., surgem fenômenos de violência
indiscriminada, suicídios, destruição familiar, entre outros.
Ele ressalta que, após a guerra do Iraque, os sintomas traumáticos pósguerra são menores quando atendidos de imediato, segundo o New
York Times de 07/04/07. Assim, Stein afirma que “se no processo de
conformação da subjetividade – aquilo que pensamos, sentimos e
fazemos – de cada um de nós o apoio grupal/familiar/social – Enrique
Pichón Rieviere – é importante, tanto mais deveria sê-lo para aqueles
que acabavam de participar de um combate duríssimo contra o
inimigo”.
Assim, o autor reconhece que a recuperação dos VGM se deve, em
grande parte, à ação de suas organizações de veteranos de guerra.
“[...] Nem todos os VGM têm a constelação sintomática do TEPT, alguns
levam a vida adaptados ativamente ao trabalho, ao estudo e à
manutenção do grupo familiar. Também é verdade que a reinserção
institucional funcionou, para muitos, como âmbito de apoio, o que não
aconteceu com a maioria dos soldados abandonados criminalmente à
sua sorte”. “As possibilidades de desenvolver TEPT reconhecem
também histórias pessoais e familiares prévias à guerra que com ela
eclodem. A possibilidade de pensar “junto com outro ou outros” no
acontecer prévio, simultâneo e posterior à guerra vai favorecer a
257
Helga Ticac
recuperação psicoemocional do VG”. Para Stein, o impacto real do TEPT
na saúde mental dos veteranos de guerra foi exagerado.
“De uma perspectiva psicossocial, existem provas que demonstram que
a qualidade do apoio social, os acontecimentos familiares, as
experiências durante a infância, os traços da personalidade e os
transtornos mentais preexistentes podem influenciar no aparecimento
do TEPT. Entretanto, ele pode surgir em indivíduos sem nenhum fator
predisponente, sobre tudo quando o acontecimento for extremamente
traumático”.
Durante uma reunião de veteranos de guerra provenientes do sul do
país que contou com a participação de Stein, realizada no dia
04/06/2010 numa sala da Faculdade de Direito e Ciências Sociais da
Universidade Nacional do Comahue, eles expressaram suas vivências
posteriores à guerra, disseram ter sentido uma grande angústia,
tristeza, reações de violência, respondiam de mau humor, diziam que
não se sentiam equilibrados: “temos que começar por reconhecer que
temos um problema [...] reconhecer que a gente leva uma cruz e que
vamos ter que levá-la pelo resto da vida”. A guerra criou neles um
aspecto positivo (o sentimento patriótico comum) e algo negativo (a
falta de reconhecimento social e a derrota), alguns dizem: “a derrota é
minha cruz”. As declarações mais positivas foram sobre o fato de eles se
sentirem orgulhosos de ser veteranos de guerra.
Diante das expressões dos veteranos, tendo em vista os efeitos da
política ativa de silenciamento (desmalvinização), que provocou um
dano psíquico posterior maior do que o próprio conflito bélico, Stein
ressalta a necessidade de reestabelecer as relações de confiança. Além
disso, ele esclarece que muitas vezes o SEP (síndrome do estresse póstraumático) serviu para vitimizar e discriminar, pois não todas as
guerras são iguais e nem sempre surgem neuroses de guerra.
O encontro abriu um espaço de reflexão acerca da necessidade de
divulgar os fatos acontecidos nas Malvinas durante e após a guerra e,
além disso, possibilitar o conhecimento e o encontro com o outro,
258
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
permitindo a inclusão do veterano como cidadão na vida social.
3. Conclusões
Neste ensaio, analisei a situação dos ex-combatentes das Malvinas e
diversas informações relacionadas com a conceituação e os debates
vigentes sobre os efeitos psicossociais da guerra nesta população.
Com o intuito de contribuir para o desenvolvimento de mecanismos de
superação da situação descrita com um grupo valioso de docentes,
profissionais e estudantes, e associativamente com a Agrupação de
Veteranos de Guerra das Malvinas de General Roca, realizamos as
seguintes ações reivindicatórias, que promovem o reconhecimento
histórico da gesta dos soldados argentinos nas Malvinas.
No ano de 2007, apresentamos o projeto “Recuperando a História das
Malvinas” na chamada do Programa de Voluntariado Universitário. O
projeto, que foi aprovado, teve como objetivo principal reconhecer os
soldados das Malvinas por meio da narração de suas histórias de vida
antes, durante e logo após a guerra.
O objetivo do Programa, desde sua criação pelo Ministério da
Educação, é que os alunos voluntários aprendam a trabalhar em
setores da comunidade, aplicando os conhecimentos de seus cursos;
aprendendo a filmar, gravar e transmitir os textos das entrevistas; além
de fazer desenhos, apresentações gráficas e audiovisuais, e organizar
eventos relacionados com a temática. Isso possibilita, em todos os
projetos, gerar recursos humanos e profissionais com temáticas atuais
e diretamente focadas na satisfação das necessidades comunitárias.
Com o projeto de Voluntariado Universitário “Recuperando a História
das Malvinas”, chegamos a algumas conclusões preliminares e
12
dividimos nosso nível de análise em dois grandes aspectos: o
desvalimento psicossocial e os direitos vulnerados.
259
Helga Ticac
Desde a firma do documento de rendição de nosso país no conflito das
Ilhas Malvinas e do Atlântico Sul, os sobreviventes voltaram para seus
locais de origem, onde reiniciaram, com múltiplas carências, suas vidas
como cidadãos. Em primeiro lugar, a necessidade básica mais
importante a ser atendida se relaciona com o reconhecimento social de
sua participação no conflito e de tudo o que eles vivenciaram. Neste
sentido, a falta de informação histórico-social “oficial” sobre o fato e a
coleta de dados individuais são duas problemáticas que se conjugam na
falta de um espaço institucional disposto a atendê-las.
Esta primeira experiência levou à publicação, no ano de 2012, de um
livro homônimo (A 30 años de Malvinas) com uma compilação das
entrevistas publicadas pela editora universitária Publifadecs.
Em 2009, apresentamos e obtivemos a aprovação do projeto “Centro
de Documentação para o resgate, a conservação e a recuperação da
Memória da Guerra das Malvinas”, como forma de coletar e divulgar
documentação e materiais que os próprios ex-combatentes
começaram a entregar como contribuição cultural.
Nas chamadas seguintes, apresentamos o projeto “Malvinas nas
escolas” com o fim de divulgar a temática nos diferentes
estabelecimentos educativos da região.
Por último, cabe acrescentar que a exposição dos soldados a situações
extremas de crise, como a Guerra das Malvinas, deixou-lhes sequelas
que afetaram seus âmbitos familiar e social. No entanto, eles
conseguiram desenvolver atitudes resilientes que lhes permitiram
superar a situação de vulnerabilidade, visando à recuperação da
memória e à rememoração das situações vividas.
O pertencimento a um grupo fez com que os veteranos de guerra
desenvolvessem mecanismos de contenção e apoio mútuo que
possibilitaram uma elaboração da situação traumática e disruptiva
experimentada.
260
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Além disso, o apoio do Ministério da Educação contribuiu para a
superação dessas situações, criando bases para novas vinculações
sociais.
Notas
1 - Teatro de Operações do Atlântico Sul: Jurisdição da Plataforma Continental
(estendendo-se mar 12 a 200 milhas), Ilhas Malvinas, Geórgias e Sandwich do Sul e
espaço aéreo e submarino correspondente. Vigência de 7 de abril a 14 de junho de
1982.
2 - Teatro de Operações das Malvinas: Jurisdição das Ilhas Malvinas, Geórgias e
Sandwich do Sul. Vigência de 2 a 7 de abril de 1982.
3 - Ministério do Interior, Comissão Nacional de Ex-Combatentes das Malvinas (julho
1997). Situação Geral dos Ex-Combatentes das Malvinas.
4 - Fonte: Jornal La Nación, Caderno “Política”, terça-feira, 28 de fevereiro de 2006.
“No cesan los suicidios de ex combatientes de Malvinas” e “El cuadro es similar entre
los británicos”. Em: http://www.lanacion.com.ar/politica/nota.asp?nota_id=784519.
5 - Edgardo Esteban é escritor, jornalista, ex-combatente das Malvinas, autor do livro
Iluminados por el Fuego e coautor do roteiro do filme homônimo. Malvinas: una
herida abierta. Agência CTA, pp. 1-8, 6/2/2008. Em:
http://www.agenciacta.org.ar/article7357.html.
6 - Catástrofe de Cromañón. Segundo Moty Benyakar, titular do caderno de desastres
da World Psychiatric: “O atendimento deveria durar pelo menos três anos”.
Entrevistada por Pedro Lipcovich. Publicado em TEA IMAGEN:
http://www.gacemail.com.ar/Detalle.asp?NotaID=6560. Fonte: Jornal Página/12
(www.pagina12.com.ar).
7 - R. Zukerfeld, e R. Z. Zukerfeld, “Vicisitudes de lo traumático: vulnerabilidad y
resiliencia”, em Lo Traumático. Clínica y paradoja, Tomo 2, M. Benyakar e A. Lezica,
2006.
8 - Comillado de Cesio, 1986 citado por D. Maldavsky (1994) em Pesadillas en Vigilia,
p. 233.
9 - Trabalho psicológico em terapia ou por meio de fortes laços familiares, sociais e
comunitários.
10 - M. Enriquez, “La envoltura de la memoria y sus huecos”, em D. Anzieu (ed.), Las
envolturas psíquicas, 2004, p. 102.
11 - E. Stein, “Los veteranos de Malvinas fueron expuestos al lado oscuro de la vida”,
Jornal La Mañana Neuquén, “Sociedad”, 19/04/10.
12 - I. Salerno, H. Ticac e M. Pérez, Projeto Voluntariado Universitário “Recuperando a
História das Malvinas”, Ministério da Educação, Ciência e Tecnologia (2007).
Bibliografia
Anzieu, D. et al., Las envolturas psíquicas, Amorrortu, 2004.
261
Helga Ticac
Beltran, M. e A. Bó de Besozzi, “Cuestiones sobre la especificidad de la asistencia en
situaciones de catástrofes sociales”, em Intervenciones en Situaciones Críticas,
Buenos Aires, Catálogos, 2002.
Benyakar, M. Lo disruptivo. Amenazas individuales y colectivas: el psiquismo ante
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Benyakar, M. e A. Lezica, Lo Traumático. Clínica y paradoja, Tomo 2, Zukerfeld, R. e
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Calafat, A.; H. Ticac e I. Salerno, “Una mirada interdisciplinaria a la Historia de
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Maldavsky, D., Sobre las ciencias de la subjetividad. Exploraciones y conjetura, Buenos
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Salerno, I, Ticac, H., Pérez, M. Projeto de voluntariado universitário “Recuperando la
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Roca, Publifadecs, 2012.
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Malvinas” e “El cuadro es similar entre los británicos”, terça-feira, 28 de fevereiro de
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Agência CTA, “Malvinas: una herida abierta”. Endereço URL:
http://www.agenciacta.org.ar/article7357.html.
262
Malvinas na UNIVERSIDADE
Concurso de Ensaios 2012
Índice
MALVINAS: NA ENTRANHA DOS VIVOS
Prof. Alberto E. Sileoni
5
PREFÁCIO
Carlos Cansanello, Carlos Giordano, María Pía López e Enrique Manson
9
MALVINAS E A LIVRE DETERMINAÇÃO DOS POVOS
Luciano Oscar Fino e Luciano Pezzano
15
AS MALVINAS E A PROVÍNCIA DE SANTA CRUZ:
UMA RELAÇÃO HISTÓRICA CORTADA POR UMA GUERRA
María de los Milagros Pierini e Pablo Gustavo Beecher
39
A “QUESTÃO DAS MALVINAS” A PARTIR DOS SÍMBOLOS:
EXPERIÊNCIA, MEMÓRIA E SUBJETIVIDADE
Romina Mariana Marcaletti
67
MALVINAS: “DOCE DE LEITE ESTILO COLONIAL”
Carlos Sebastián Ciccone
95
A FALKLANDS FORTRESS - A construção da questão das Malvinas
como questão latino-americana ante o paradigma neocolonial britânico
no Atlântico Sul
Federico Martín Gómez
117
A REATUALIZAÇÃO DOS SIGNIFICADOS HISTÓRICOS PARA A
CONSOLIDAÇÃO DA SOBERANIA NO ATLÂNTICO SUL
Marcelo E. Lascano
147
AS MALVINAS E SUA PROJEÇÃO CONTINENTAL - A questão das
Malvinas e das Ilhas do Atlântico Sul e sua projeção na Antártida
sul-americana como problema continental
María Pilar Llorens e Eduardo José Pintore
177
A MORTE EM CONTEXTO: DIFERENTES FORMAS DE DAR SENTIDO
À MORTE NA GUERRA DAS MALVINAS
Laura Marina Panizo
193
MALVINAS: DECÁLOGO DE UMA ESPOLIAÇÃO
Carlos Mariano Poó
217
A RECUPERAÇÃO DA MEMÓRIA DA GUERRA DAS MALVINAS
EM GENERAL ROCA, PROVÍNCIA DO RIO NEGRO
Helga Ticac
245
Download

Malvinas na UNIVERSIDADE Concurso de Ensaios 2012