GESTÃO, CIÊNCIA & SAÚDE
REVISTA DA FUNDAÇÃO EZEQUIEL DIAS
Volume 5, número 2, julho/dezembro de 2009
Funed – Fundação Ezequiel Dias
Belo Horizonte
Periódico semestral
Neste número damos continuidade ao enfoque
na biotecnologia no estado de Minas Gerais
com destaque para o trabalho de conclusão do
curso de especialização em Gestão Institucional
pela Universidade Estadual de Montes Claros,
“O aglomerado de biotecnologia de Minas Gerais
e a Fundação Ezequiel Dias”. Essa é a contribuição da Diretoria Industrial da Instituição, que sugere um modelo para a promoção do desenvolvimento do Arranjo Produtivo Local de biotecnologia
de Minas Gerais e propõe, para a Fundação Ezequiel Dias, Funed, o papel de instituição-chave,
atuando como indutora nesse aglomerado para a
melhoria dessa área em Minas Gerais.
Do Núcleo Interdisciplinar sobre Gestão em Organizações (não) empresariais, NIG ONE, do
Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração da Universidade Federal de Minas
Gerais, nos chega o elegante estudo de caso
sobre a priorização da gestão do conhecimento
pela Fundação Ezequiel Dias para obtenção de
vantagem competitiva, buscando a eficiência na
prestação de seus serviços, com destaque para
os conflitos na tomada de decisões gerenciais.
Estudo de grande interesse é o que avalia a aplicação da teoria das representações sociais para
o aprimoramento das políticas setoriais, abordando a proposta da reforma administrativa do Estado com foco nas ferramentas da avaliação do desempenho institucional e o acordo de resultados
aplicados no ambiente da administração pública,
mais precisamente na Superintendência de Vigilância Sanitária do Estado de Minas Gerais.
As ferramentas da qualidade aplicadas nos serviços da Diretoria do Instituto Octávio Magalhães e
da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento estão aqui, bem representadas, com relatos de casos para o diagnóstico laboratorial da rede para
o vírus da imunodeficiência humana, conhecido
como HIV (da sigla em inglês, human immunodeficiency virus), no laboratório de microbiologia de
alimentos e nas atividades de rotina de pesquisa.
A Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento
apresenta dois relevantes estudos: um que tem
como foco a adequação às normas e boas práticas de laboratório, tão necessárias à inovação
biotecnológica, ilustrada pela reestruturação do
banco de células animais, e outro, de grande
aplicabilidade, que avalia a eficiência da proteção do plasma de equinos imunizados para a
produção do soro antirrábico, buscando a autossuficiência deste insumo para a Funed.
A importante atividade de vigilância sanitária executada pela Diretoria do Instituto Octávio Magalhães é apresentada através dos estudos envolvendo amostras comerciais de pimenta-do-reino
e de leites UHT (da sigla em inglês, ultra high temperature), tipo de leite que pode ser consumido
sem fervura, que avaliam as qualidades microbiológica, microscópica e físico-química desses alimentos e a ocorrência de adulterações em amostras coletadas no estado de Minas Gerais.
APRESENTAÇÃO
É
com grande satisfação que anunciamos o início do processo para a indexação da Gestão, Ciência & Saúde
– Revista da Fundação Ezequiel Dias na rede
Scielo (Scientific Eletronic Library Online) e na
Base Lilacs da Bireme (Base de Literatura LatinoAmericana e do Caribe em Ciências da Saúde).
Docentes do Centro Universitário de Caratinga
apresentam um estudo que avalia a atividade
antibacteriana do extrato etanólico da própolis
explorando sua ação sobre bactérias resistentes a antibióticos usando a metodologia da difusão em placa.
A Fundação Centro de Hematologia e Hemoterapia de Minas Gerais, a Hemominas, parceira da
Fundação Ezequiel Dias em várias ações, contribui com relevante estudo que destaca fatores de
risco na transmissão do vírus da Hepatite C, além
daqueles apontados por modelos de investigação
importados de outras culturas e ressalta a importância de medidas próprias para cada contexto.
Convidada a colaborar com a Revista, a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais,
Fhemig, faz uma revisão da literatura em publicações científicas indexadas sobre a ocorrência de erros de medicação em idosos, evidenciando a escassez de publicações nesse tema
no Brasil. Os resultados apontam várias medidas para a melhoria da saúde do idoso e para a
desoneração do nosso sistema de saúde.
Oportunamente, temos o prazer de divulgar que
o Instituto para práticas seguras no uso de medicamentos (ISMP Brasil) realizará, no Centro de
artes e invenções da Universidade Federal de
Ouro Preto, no período de 22 a 25 de setembro
de 2010, o III Fórum Internacional sobre segurança do paciente: erros de medicação, assim
como a reunião anual do Internacional Medication Safety Network. Maior detalhamento será informado no próximo número da Gestão Ciência
& Saúde – Revista da Fundação Ezequiel Dias.
Dedicada à publicação de conteúdo técnicocientífico nas áreas das ciências da saúde e da
gestão, a Gestão, Ciência & Saúde – Revista
da Fundação Ezequiel Dias convida toda a comunidade científica a colaborar e se mantém
firme no propósito de atingir leitores de todo o
país através de sua divulgação!
Thais Viana de Freitas
Coordenação Editorial
Coordenação Editorial
Editora: Thais Viana de Freitas
Representante da Fundação Ezequiel
Dias: Carlos Alberto Pereira Gomes
EXPEDIENTE
Conselho Editorial Científico
Anna Bárbara de Freitas Carneiro Proietti
Presidente da Fundação Centro de
Hematologia e Hemoterapia de Minas
Gerais (Hemominas)
Armando da Silva Cunha Júnior
Professor do Departamento de
Produtos Farmacêuticos da Faculdade
de Farmácia da Universidade
Federal de Minas Gerais
Benedito Scaranci
Superintendente de Epidemiologia
da Secretaria de Estado de Saúde de
Minas Gerais
Carlos Alberto Pereira Tavares
Pró-Reitor de Pesquisa da
Universidade Federal de Minas Gerais
Carlos Alberto Tagliati
Professor do Departamento de
Análises Clínicas e Toxicológicas da
Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais
Edson Perini
Professor do Departamento de
Farmácia Social da Faculdade de
Farmácia da Universidade Federal de
Minas Gerais
Eugênio Vilaça Mendes
Consultor da Secretaria de Estado de
Saúde de Minas Gerais
Evaldo Ferreira Vilela
Secretário Adjunto da Secretaria de
Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais
Francisco de Assis Acurcio
Professor do Departamento de
Farmácia Social da Faculdade de
Farmácia da Universidade Federal de
Minas Gerais
Geraldo Luchesi
Consultor da Câmara dos Deputados
Federais
José Geraldo de Freitas Drumond
Secretário Municipal de Saúde de
Montes Claros
Josiano Gomes Chaves
Diretor de Desenvolvimento Estratégico
e Pesquisa da Fundação Hospitalar do
Estado de Minas Gerais (Fhemig)
Lin Chih Cheng
Professor do Departamento de Engenharia
de Produção da Faculdade de Engenharia
da Universidade Federal de Minas Gerais
Luiz Fernando Lima Reis
Diretor de Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês
Mário Neto Borges
Presidente da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig)
Orenzio Soler
Consultor da Organização
Pan-Americana da Saúde
Paulo Eduardo Mayorga Borges
Professor do Departamento de Produção e
Controle de Medicamentos da Faculdade
de Farmácia da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul
Paulo Lee Hoo
Diretor do Centro de Biotecnologia do
Instituto Butantan
Rosane Marques Crespo Costa
Presidente da Fundação de Educação para
o Trabalho de Minas Gerais (Utramig)
Comitê Editorial Executivo
Marina de Castro Figueiredo
– Assessora de Comunicação Social da
Fundação Ezequiel Dias
Anna Maria Leite Pereira de Andrade –
Chefe do Centro de Informação Científica,
Histórica e Cultural da Fundação
Ezequiel Dias
Revisores contribuintes
Adriana de Oliveira Petrocchi
(Secretaria Municipal de Saúde de Belo
Horizonte)
Alzira Batista Cecílio
(Fundação Ezequiel Dias)
Antônio Lourenço Júnior
(Tecsystem – Gestão Empresarial)
Ari de Pinho Tavares
(Universidade Federal de Minas Gerais)
Carolina Paula de Souza Moreira
(Fundação Ezequiel Dias)
Célia de Fátima Barbosa
(Fundação Ezequiel Dias)
Consuelo Latorre Fortes Dias
(Fundação Ezequiel Dias)
Edson Perini
(Universidade Federal de Minas Gerais)
Fabiana de Oliveira Martins
(Universidade Tecnológica Federal do Paraná)
Francisco Carlos de Souza
(Fundação Hospitalar do Estado de Minas
Gerais)
Gernot Roque Muller Júnior
(Buenos Muller Consultoria e Treinamentos)
Juliana Sampaio Rigueira
(Universidade Federal de Minas Gerais)
Lissandra Cementoni Teixeira
(Fundação Ezequiel Dias)
Luciana Janzkovski
(Polícia Civil do Estado de Minas Gerais)
Maria Aparecida Galvão
(Fundação Ezequiel Dias)
Maria Auxiliadora Parreiras Martins
(Faculdade Pitágoras)
Maria Helena Martini
(Instituto Adolfo Lutz – Regional de Campinas)
Maria Helena Savino
(Fundação Ezequiel Dias)
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(Fundação Ezequiel Dias)
Simone Alencar Renault
(Inova Biotecnologia – Hertape Calier
Saúde Animal S/A)
Sophie Yvette Leclercq
(Fundação Ezequiel Dias)
Vanessa Andréia Drumond Morais
(Fundação Ezequiel Dias)
Gestão, Ciência & Saúde – Revista da
Fundação Ezequiel Dias
É um periódico semestral dedicado à
publicação de conteúdo técnico-científico
com informações que contribuam
significativamente para o conhecimento
nas ciências da saúde e gestão, aberto à
contribuição da comunidade científica e
distribuído a leitores de todo o país.
Criação, Editoração Eletrônica e
Produção Gráfica
Rodrigo Cardoso de Araújo
Impressão
Autêntica Editora
Tiragem
800 exemplares
Endereço para Correspondência
Conselho Editorial Científico da Gestão,
Ciência & Saúde – Revista da Fundação
Ezequiel Dias
Centro de Informação Científica, Histórica
e Cultural
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80, Bairro Gameleira
30 510-010, Belo Horizonte/MG
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O aglomerado de biotecnologia de Minas Gerais e a Funed: uma proposta de crescimento
e desenvolvimento
Roberta Márcia Marques dos Santos
Antônio Lourenço Jr. ------------------------------------------------------------------------------------------------ 7
Combinação e troca de conhecimentos: a experiência da Fundação Ezequiel Dias
Epaminondas Bittencourt ----------------------------------------------------------------------------------------- 31
SUMÁRIO
Representações sociais: instrumento de avaliação das políticas gerenciais na
vigilância sanitária do estado de Minas Gerais
Milton Cabral de Vasconcelos Neto
Anna Edith Bellico da Costa-------------------------------------------------------------------------------------- 43
Ensaio de proficiência em HIV: uma ferramenta na melhoria da qualidade do
diagnóstico laboratorial da rede de HIV de Minas Gerais
Aline Magalhães de Matos da Silveira
Luciana Ramos de Almeida
Rodrigo de Souza Leite
Adriane Zacarias Nunes
Maria Helena Savino Corrêa
Jovita Eugênia Gazzinelli Cruz Madeira----------------------------------------------------------------------- 49
Importância da implantação da qualidade em laboratórios de saúde pública:
experiência do Laboratório de Microbiologia de Alimentos, Fundação Ezequiel Dias
Milton Cabral de Vasconcelos Neto
Carolina Araújo Vieira
Gracielle Alves Carlos---------------------------------------------------------------------------------------------- 57
Desafios e perspectivas para a implantação do Sistema de Gestão da Qualidade
na Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento da Fundação Ezequiel Dias
Heloisa Helena Marques Oliveira
Elaine Henriques Teixeira Pereira
Gustavo Baptista Naumann
Luciene Silva de Souza Meira
Tatiana Kelly Silva--------------------------------------------------------------------------------------------------- 67
Reestruturação do banco de células animais da Fundação Ezequiel Dias
Juliana Rey Canuto Sant’ana Pereira
Josiane Barbosa Piedade
André Castro
Sabrina Sidney Campolina
Thais Soares do Carmo
Luciana Maria Silva------------------------------------------------------------------------------------------------- 73
Estudo da soroconversão de equinos imunizados com o antígeno rábico e
eficiência de proteção do plasma hiperimune
Sophie Yvette Leclercq
Mônica Oliveira Souza
Cláudio Fonseca de Freitas-------------------------------------------------------------------------------------- 85
SUMÁRIO
Qualidade microbiológica e microscópica de amostras comerciais
de pimenta-do-reino (Piper nigrum L.)
Milton Cabral de Vasconcelos Neto
Carolina Araújo Vieira
Ana Cláudia Brandi Ferreira
Maria Crisolita Cabral da Silva
Virgínia Del Carmem Troncoso Valenzuela
Flaviane Cristina Lopes Matosinhos
Regina Márcia Bahia Paiva
Wilson Aparecido Moreira
Maria Eloiza Sampaio----------------------------------------------------------------------------------------------- 93
Leite UHT: qualidade físico-química e ocorrência de adulterações em
amostras coletadas no estado de Minas Gerais
Cláudia Aparecida de Oliveira e Silva
Sara Araújo Valladão
Cristiane Lúcia Goddard
Flávia Silva Paula Coimbra
Maria de Fátima Gomides
Mariem Rodrigues Ribeiro Cunha
Renata Adriana Labanca------------------------------------------------------------------------------------------- 99
Atividade antibacteriana do extrato etanólico da própolis frente a bactérias
resistentes a antibióticos
Wemerson de Castro Oliveira
Elsa Fernandes da Silva ------------------------------------------------------------------------------------------ 105
Diversidade de fatores de risco associados à infecção pelo vírus da Hepatite C (HCV)
Maria Regina Dias-Bastos
Cláudia Di Lorenzo Oliveira
Anna Bárbara de Freitas Carneiro-Proietti------------------------------------------------------------------- 113
Erros de medicação em idosos: uma revisão de literatura
Solange Almeida de Medeiros Costa
Hessem Miranda Neiva------------------------------------------------------------------------------------------- 123
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
7
O AGLOMERADO DE BIOTECNOLOGIA DE MINAS GERAIS E A FUNED:
UMA PROPOSTA DE CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO*
THE BIOTECHNOLOGY AGGLOMERATE IN MINAS GERAIS STATE AND FUNED:
A PROPOSITION OF GROWING AND DEVELOPMENT
Roberta Márcia Marques dos Santos1, Antonio Lourenço Jr.2
1 Doutora em Bioquímica pela Universidade Federal de Minas Gerais, Responsável pelo Serviço de
Desenvolvimento Biotecnológico da Fundação Ezequiel Dias, Funed, [email protected];
2 Engenheiro Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Mestre em Administração pela
Fundação Mineira de Educação e Cultura, FUMEC, Doutorando em Gestão pela Universidade
Tras-os-Montes Alto Douro, UTAD-PT
RESUMO
ABSTRACT
Aglomerado é uma concentração geográfica de empresas, indústrias, universidades, instituições e associações, todas interconectadas em torno de um
negócio específico; também é chamado de “cluster”
ou Arranjo Produtivo Local. A biotecnologia pode ser
definida como a aplicação de organismos vivos, suas
partes e moléculas para obtenção de bens e serviços.
Desde o seu surgimento, a biotecnologia moderna tem
se aprimorado a cada dia e é aplicada a diferentes áreas como agricultura, saúde, meio ambiente e outras. O
número de empresas de biotecnologia tem aumentado
em todo o mundo e os aglomerados nesse setor são
comuns em alguns países e são considerados importantes para se obter inovação e desenvolvimento. No
Brasil, apesar dos avanços ocorridos nesse campo, é
preciso melhorar em alguns pontos, como a inovação.
O Arranjo Produtivo Local de biotecnologia da região
metropolitana de Belo Horizonte é considerado um
dos mais importantes do país nesse setor. A Fundação
Ezequiel Dias está, geograficamente, inserida nesse
aglomerado e trabalha com biotecnologia nas áreas de
pesquisa, desenvolvimento e produção. Esse trabalho
é o segundo da Fundação Ezequiel Dias em uma série
de pesquisa em gestão relacionada ao tema biotecnologia e sugere um “modelo de indução” para promover
o desenvolvimento do Arranjo Produtivo Local de biotecnologia de Minas Gerais e propõe que a Fundação
Ezequiel Dias tenha um papel de instituição-chave atuando como indutora nesse aglomerado. Também discute o papel do governo do estado para contribuir para
a melhoria dessa área em Minas Gerais.
Agglomerate is a geographic concentration of firms,
suppliers, related industries, universities, institutions,
all interconnected in specific business; it can be called
clusters or Local Productive Arrangement. Biotechnology can be defined as the application of living organisms, as well as parts, and molecules, to obtain goods
and services. Since the “modern biotechnology” has
arised, has improved each day, and, nowadays, is applied in different areas as agriculture, health, environment, etc. The number of biotechnology companies
has increased around the world and the agglomerates
of biotechnology are common in some countries, and
are important to get innovation and development. In
Brazil despite some advances in biotechnology, the
country needs to improve some issues, as innovation.
The Biotechnology Local Productive Arrangement at
the metropolitan region of Belo Horizonte is one of the
most important of the country in this area. Ezequiel
Dias Foundation is, geographically, inserted in the
Biotechnology Local Productive Arrangement of Belo
Horizonte, and works with biotechnology in research,
development and production areas. The present study
is the second of Ezequiel Dias Foundation in a sequence of research in biotechnology management and
suggests an “induction model” to promote the development of the Biotechnology Local Productive Arrangement of Minas Gerais, and propose the Funed as the
core-institution inside this agglomerate. Also discusses
the role of the government to improve this area in Minas Gerais state.
Palavras-chave: Biotecnologia, Aglomerados, Arranjo
Produtivo Local, clusters, Funed
Keywords: Biotechnology, Agglomerate, Local Productive Arrangement, cluster, Funed
* Parte da monografia apresentada por Roberta Márcia Marques dos Santos à Universidade Estadual de Montes Claros, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Especialista em gestão Institucional, em dezembro de 2009.
8
Gestão, Ciência & Saúde
1. INTRODUÇÃO
A biotecnologia, que tem como seu fundamento
principal a utilização de seres vivos para obtenção
de produtos e serviços, já era utilizada há séculos. No entanto, foi a partir do desenvolvimento
de tecnologias que permitiram a manipulação do
material genético, ocorridas na década de 1970,
que se deu a mudança radical na biotecnologia.
A partir de então, tornou-se possível a obtenção,
em larga escala e por meios mais seguros, de certos medicamentos como a insulina e o hormônio
do crescimento, além de inúmeras outras possibilidades de aplicação (35). Nas últimas décadas,
tem havido incremento no número de empresas de
biotecnologia em todo o mundo, as quais representam importante fatia no mercado da indústria
farmacêutica. Também se observou que, em países nos quais a biotecnologia mais se desenvolveu, há concentração de empresas e instituições/
centros de pesquisa e desenvolvimento em uma
região, caracterizando um aglomerado de biotecnologia (1,20). A multidisciplinaridade de conhecimentos exigidos para o alcance de inovação na
biotecnologia contribui para o aumento desses
aglomerados, fortalecendo, assim, as relevantes
redes colaborativas (33).
No Brasil, apesar dos avanços em biotecnologia
alcançados nos últimos anos, observam-se ainda
pontos de melhoria como, por exemplo, a necessidade tanto de acompanhamento dos avanços tecnológicos quanto de desenvolvimento do potencial
de inovação. Essa deficiência em inovação também é observada em outras áreas da economia e
reflete na balança comercial do país e do estado
de Minas Gerais, que tem como fonte principal de
suas exportações produtos de média-baixa tecnologia (produtos metálicos, ferro e aço, entre outros) (28). Entre outros fatores, considera-se que
o baixo investimento das empresas brasileiras em
Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) contribui para
esse quadro. A ciência, a tecnologia e a inovação
são, no cenário mundial contemporâneo, elementos fundamentais para o desenvolvimento, o crescimento econômico, a geração de emprego e renda e a democratização de oportunidades. Ciente
desse fato, o governo brasileiro considera relevante incentivar o desenvolvimento de áreas, como a
biotecnologia e a nanotecnologia, consideradas
como portadoras de futuro (28).
Diante da necessidade de ampliação do setor produtivo de maior intensidade tecnológica, o governo
de Minas considera como preponderantes ações
para o desenvolvimento de novos negócios de elevado conteúdo tecnológico, como a biotecnologia.
Na área de inovação tecnológica mineira, o principal desafio a ser superado consiste na baixa articulação entre o setor produtivo e as redes de pesquisa (29). Minas Gerais abriga um aglomerado de
biotecnologia localizado na região metropolitana
de Belo Horizonte, que é considerado um dos principais do país. No entanto, a análise da balança
comercial do estado sugere que esse setor produtivo ainda não contribui de forma significativa para
a economia mineira, apesar das previsões, feitas
em 2000, pela Federação das Indústrias de Minas
Gerais, de duplicação do faturamento do aglomerado de biotecnologia nos três anos seguintes (9).
Diante disso, o governo de Minas Gerais considera
ser o fomento aos Arranjos Produtivos Locais, dentre eles o de biotecnologia, uma das ações para o
favorecimento do desenvolvimento do estado (29).
A Fundação Ezequiel Dias (Funed) está localizada
geograficamente nesse aglomerado, embora não tenha sido formalmente enquadrada no último estudo
sobre as empresas de biotecnologia do Brasil, publicado em 2007, pela Fundação Biominas. Ao longo dos seus mais de 100 anos de existência voltada
para a saúde pública, tem realizado ações referentes
à biotecnologia, tanto na área de pesquisa quanto na
de produção. É parte integrante de várias redes de
pesquisa do estado e estabelece parcerias com várias outras instituições e centros de pesquisa. Além
disso, é uma instituição de destaque na área de saúde humana em âmbito estadual e nacional, na qual
se identifica potencial capacidade de atuação como
indutora no aglomerado de biotecnologia de Minas
Gerais, potencial esse que merece maior exploração.
Diante da importância do setor de biotecnologia
para o estado e o não desenvolvimento do aglomerado conforme o esperado, haveria uma forma
de superar os desafios nessa questão, como a dificuldade de articulação entre o setor produtivo e os
centros de pesquisa? Seria possível estabelecer e
ampliar as redes colaborativas de forma a aumentar a competitividade desse aglomerado? Haveria
instituição com características e diferenciais para
desempenhar papel de indutora? Como seria a
participação do governo de Minas nessas ações?
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
Tendo como ponto de partida o exposto anteriormente, o presente trabalho tem como objetivo propor um modelo de indução para o desenvolvimento
do aglomerado de biotecnologia de Minas Gerais,
considerando a Funed como instituição-chave nesse processo para desempenhar o papel de indutora em biotecnologia na pesquisa, produção e inovação, dentro de uma rede de colaboração com os
demais participantes do aglomerado. A metodologia utilizada neste trabalho foi um Estudo de Caso
da Funed, dentro do contexto de um aglomerado
de biotecnologia no estado de Minas Gerais, utilizando como ferramentas a pesquisa bibliográfica e
a análise documental.
2. OS AGLOMERADOS
Na virada do século XXI, o mundo presenciou mudanças em termos de comunicação e transporte
que, juntamente com a globalização, desencadearam transformações na economia global. Dessa
forma, tornou-se mais fácil e ágil a negociação
entre empresas localizadas distantes umas das
outras. Paradoxalmente, nos idos de 1990, havia
sido verificado algo intrigante: uma altíssima capacidade competitiva dos agrupamentos de empresas e redes de negócios. Porter (30), neste mesmo
período, destacou o papel dos “aglomerados” na
competitividade nacional, estadual e local. O termo
“aglomerados” é definido pelo autor como
9
[...] concentrações geográficas de empresas inter-relacionadas, fornecedores especializados,
prestadores de serviços, empresas em setores
correlatos e outras instituições específicas (universidades, órgãos de normatização e associações comerciais), que competem, mas que
cooperam entre si. (PORTER,1999, p. 209).
Em 1990, Porter (32), em A vantagem competitiva
das nações, concluiu que a concentração geográfica dos negócios para produzir determinado produto está associada à vantagem competitiva para
as respectivas cidades, atestada pelo seu sucesso
na competição mundial. O já consagrado modelo
de “Diamante de Porter”, apresentado na Figura
1, esquematiza as interações existentes entre as
várias partes interessadas de um aglomerado,
que, por conseguinte, têm ação na produtividade
e competitividade daquele aglomerado. Os aglomerados podem ser classificados como clusters
e Arranjos Produtivos Locais, conhecidos como
APLs. Há interpretações diferentes acerca dos
conceitos desses dois termos (8), e, uma vez que
não é o foco deste trabalho discutir conceitualmente os termos cluster e APLs, será utilizado, na
maior parte do texto, o termo aglomerado segundo
a definição de Porter descrita anteriormente. No
entanto, algumas vezes, em respeito à citação dos
autores pesquisados, serão utilizados os termos
clusters e APLs, conforme originalmente descrito
na literatura citada.
FIGURA 1 – Modelo de Diamante de Porter – Fonte da vantagem competitiva da localização – Fonte: (30).
10
Gestão, Ciência & Saúde
Os aglomerados estão amplamente distribuídos
e existem em países desenvolvidos e em desenvolvimento, variando em tamanho, amplitude e
estágio de desenvolvimento. Alguns aglomerados giram em torno de pesquisas universitárias,
enquanto outros mal aproveitam os recursos das
instituições tecnológicas disponíveis. Aqueles
que estão em estágios de desenvolvimento mais
avançado possuem interações mais fortalecidas
com os fornecedores, entre as empresas parceiras e as concorrentes, bem como com as instituições de apoio (30). Segundo Di Serio (8), as vantagens obtidas por empresas nos aglomerados
estão associadas à produção (fácil acesso à mão
de obra com conhecimento técnico especializado
e a fornecedores de produtos e serviços necessários à operação e ao favorecimento de acordos
cooperativos verticais e horizontais) e à demanda
(maior fluxo de consumidores; rapidez de resposta às ações estratégicas dos concorrentes e benefício de seus investimentos).
Uma característica importante dos aglomerados
é a competição. A intensidade da competição sofre influência de três maneiras amplas: primeiro,
pelo aumento da produtividade das empresas ou
de setores componentes; segundo, pelo fortalecimento da capacidade de inovação e, em consequência, pela elevação da produtividade; terceiro, pelo estímulo à formação de novas empresas,
que reforçam a inovação e ampliam o aglomerado. Assim, os aglomerados podem ser caracterizados como “um sistema de empresas e instituições inter-relacionadas, cujo valor como um todo
é maior do que a soma das partes” (30).
Para Zaccarelli et al. (38), a cooperação é outro
fundamento importante dos aglomerados que tem
impacto direto na competitividade deste. Essa
cooperação que se deve a transferências e desenvolvimento de competências compartilhadas
entre as partes leva ao aumento da capacidade
competitiva do aglomerado, de forma integrada.
Além disso, os participantes de aglomerados
compartilham muitas necessidades e oportunidades comuns e enfrentam muitas limitações e obstáculos coletivos à produtividade. Dessa forma,
potencializam-se as oportunidades de coordenação e de aprimoramento em áreas de interesse
comuns, e os investimentos públicos e privados
para a melhoria das condições dos aglomerados
beneficiam muitas empresas e instituições (30).
Vários são os exemplos de aglomerados de sucesso em todo o mundo, existindo nas mais diversas áreas da economia como, o de calçados
na Itália, de filmes em Hollywood, de produtos
químicos na Alemanha, entre outros (30). O aglomerado bem estruturado contribui para mudanças
na economia de uma localidade, e até mesmo de
uma nação, como aconteceu com o aglomerado
de eletrônica e informática na Costa Rica, que iniciou na década de 1990 com a instalação de uma
planta da Intel Corporation no país. A partir de então, houve uma transformação da economia que
se baseava na agricultura, indústria têxtil e turismo. O governo teve um papel preponderante na
criação das condições necessárias à instalação
e ao crescimento do “Aglomerado de eletrônica e
informática” como, por exemplo, o aprimoramento da infra-estrutura de comunicação de dados
(30,31). Outro exemplo de aglomerado de sucesso, que merece destaque, é o de biotecnologia
de Singapura, cujo governo tomou uma série de
medidas com o objetivo de impulsionar os investimentos públicos e privados na melhoria da educação e da pesquisa para transformar o país em
importante eixo de pesquisa e desenvolvimento
biomédico. Para promover as mudanças necessárias à inserção de Singapura no mercado biotecnológico como centro inovador, ou seja, como
nação de aprendizagem, o governo exerceu papel fundamental através da formulação de políticas tecnológicas e industriais.Todo o processo de
transformação de Singapura de um modelo de nação seguidora para o modelo de nação inovadora
baseou-se no tripé formado pelo Estado, indústria
e academia (representado pelas universidades).
Uma dentre as várias ações tomadas pelo governo foi o incentivo à inovação e ao empreendedorismo para promover a interação entre as universidades locais e as indústrias (27).
No Brasil também foram caracterizados vários e
distintos aglomerados. Em 2007, Di Serio (8) discutiu e apresentou alguns dos APLs identificados
pelo governo brasileiro. A Figura 2 apresenta os
APLs do Brasil por unidade federativa, segundo o
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) (23).
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
11
FIGURA 2 – Arranjos Produtivos Locais (APLs) do Brasil – Fonte: (23)
Como se observa na Figura 2, há mais de 200 APLs
no Brasil identificados pelo MDIC. No entanto, a
maioria é dedicada a áreas da economia de baixa
densidade tecnológica, como agricultura, pecuária,
exploração mineral, turismo, móveis e confecções.
São poucos os casos de APLs que se dedicam a
áreas de maior densidade tecnológica, como os de
tecnologia da informação e biotecnologia.
Segundo Porter (30), um aglomerado precisa ser
percebido como um todo, tanto pelas partes que o
compõem como pelo governo e pela sociedade. A
identificação das partes constituintes do aglomerado exige que se adote como ponto de partida uma
grande empresa, ou a concentração de empresas
semelhantes, para analisar, a partir desse ponto,
a cadeia vertical de empresas e instituições. Na
12
Gestão, Ciência & Saúde
prática, o mais comum é o agrupamento de negócios construir-se a partir de uma empresa bem
sucedida, que serve de referência para a instalação de outros negócios, aproveitando a presença
do polo atrator. A presença de estrutura informal
que assuma a postura de “âncora”, ou seja, que
possua orientação para o comportamento e o desempenho do grupo, incorpora ao aglomerado de
negócios a condição para desenvolver os fundamentos no que se refere à renovação frequente
de tecnologias e à existência efetiva de estratégia de aglomerado (38).
No setor biotecnológico, tentativas de apoiar as
empresas no uso de biotecnologias de ponta
estão sempre a requerer novas investigações e
novas formas de suporte científico. Sendo assim, as formas de organização para incentivo da
utilização de biotecnologia pelas empresas não
podem estar desvinculadas do que Silveira et al.
(34) chamaram de instituições-chave, instituições
que fazem a ponte permanente entre conhecimento científico e desenvolvimento tecnológico,
em um processo incessante de comunicação e de
co-evolução. Silveira et al. (35) consideram que
uma organização-chave ou âncora, seria aquela
com habilidade de assumir uma liderança organizacional e tecnológica no processo de interação
com outros agentes inovadores (em biotecnologia, principalmente, mas não só) em um ambiente local específico. Seria, pois, fundamental para
atrair novas empresas, desenvolver sinergias,
escolas de treinamento de recursos humanos,
desenvolver marketing específico para certo grupo de produtos e atrair investimentos. Essa instituição, que poderia ser pública ou privada, deveria, também, desenvolver competências para o
relacionamento com outras áreas.
3. A BIOTECNOLOGIA
O século XX foi considerado como o século da
Física e permitiu avanços grandiosos à sociedade. Há os que dizem que o século XXI será o das
“Ciências Biológicas”, ou “Ciências da Vida”, tendo a biotecnologia como uma das suas principais
referências. Arbix (2) descreve, com certo lirismo,
o seu pensamento a respeito:
Uma revolução inacabada está em curso.
Nem sempre silenciosa. Irreverente às vezes. Insistentemente polêmica. E consistentemente atraente. A biotecnologia contemporânea é um ponto de encontro, onde
distintos personagens conversam de modo
inovador sobre os mais diversos temas.
Com os olhos no futuro e energia suficiente para sacudir os parâmetros das ciências
e disciplinas que ousam estudá-la, tanto
por seus impactos sobre a ética e a moral,
quanto por suas consequências no terreno
da ciência, da sociologia ou da economia.
(ARBIX, 2007, p. 6).
A biotecnologia, de forma ampla, pode ser compreendida como a utilização de organismos vivos
ou parte desses para a geração de bens e serviços. Para tanto, essa disciplina envolve tecnologias diversas, como, por exemplo, os processos de fermentação, as técnicas de manipulação
genética, e ferramentas de engenharia de computação, conhecida como bioinformática. Dessa forma, mostra-se, portanto, essencialmente
transdisciplinar. Além disso, possui vários campos de atuação, podendo ser segmentada nas
seguintes grandes áreas: saúde humana, saúde
animal, agricultura, meio ambiente, bioenergia e
insumos. As principais aplicações na saúde humana, principal alvo da biotecnologia abordado
nesse trabalho, são: a produção de biofármacos,
de imunobiológicos, de reagentes biológicos para
diagnósticos e de hemoderivados (35).
O ponto de partida para o reconhecimento da biotecnologia como uma ciência de grande interesse
se deu a partir de 1970, quando do desenvolvimento da tecnologia do DNA recombinante, que
marcou o início da era da biotecnologia moderna.
Desde então, tem recebido grande atenção tanto
da academia quanto das empresas. Atualmente,
centenas de universidades, centros de pesquisa e
empresas no mundo inteiro têm se empenhado na
pesquisa, desenvolvimento e produção na área
biotecnológica. O avanço da moderna biotecnologia criou uma gama de atividades inovadoras
e novas abordagens para a indústria de saúde e
a medicina. Entre as inovações mais importantes
aplicadas a esta indústria podem-se citar as proteínas terapêuticas, os anticorpos monoclonais, a
terapia genética, as terapias baseadas em células tronco entre outras (10,19).
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
A partir dos avanços da ciência descritos anteriormente, em 1976 foi fundada a “Genentech”, nos
Estados Unidos da América (EUA), marcando a
inauguração da indústria de biotecnologia. Alguns
anos depois, em 1982, a insulina humana, desenvolvida por essa empresa, chegou ao mercado,
consolidando de vez a aplicação industrial dessa
tecnologia (6,10).
Há várias definições para o termo biotecnologia,
bem como para a caracterização de uma empresa nesse setor. Considerando o propósito deste
trabalho, será adotada a definição proposta pela
Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD), para a qual “uma empresa de
biotecnologia pode ser definida como aquela que
está envolvida na biotecnologia por usar pelo me-
nos uma técnica de biotecnologia (Tabela 1) para
produzir bens, serviços e/ou executar pesquisa e
desenvolvimento (P&D)” (26).
Essas empresas podem ser de diferentes tamanhos, podem ser dedicadas ou não à biotecnologia e podem atuar tanto na produção de bens e
serviços quanto em P&D, como representado, esquematicamente, na Figura 3 (26). As empresas
de biotecnologia têm aumentado tanto em número quanto em lucratividade nos últimos anos. Segundo estudo da OECD (26), os EUA têm o maior
número de empresas de biotecnologia, 3.301,
seguidos pelo Japão com 1.007 e pela França,
que possui 824. Quanto à União Europeia, nos 15
países que participaram do estudo, há, ao todo,
3.337 empresas no setor em questão.
TABELA 1 - Técnicas de biotecnologia
DNA/RNA: genômica, farmacogenômica, sondas de genes, engenharia genética, sequenciamento,
síntese e amplificação de DNA/RNA, perfil de expressão genética e uso de tecnologia antisenso
Proteínas e outras moléculas: sequenciamento, síntese e engenharia de proteínas e peptídeos,
melhoria de métodos de liberação de moléculas maiores usadas como medicamentos, proteômica,
isolamento e purificação de proteínas, sinalização, identificação de receptores celulares
Cultura e engenharia de células e tecidos: cultura de células/tecidos, engenharia de tecidos, fusão
celular, vacinas e estimulantes imunes, manipulação de embriões
Técnicas de processos biotecnológicos: fermentação usando biorreatores, bioprocessamento,
bioalvejantes, biodessulforização, biorremediação, biofiltração e fitorremediação
Genes e vetores de RNA: terapia gênica e vetores virais
Bioinformática: construção de banco de dados em genoma, sequências de proteínas, modelagem
de processos biológicos complexos, incluindo sistemas biológicos
Nanobiotecnologia: aplica as ferramentas e os processos de nano/microfabricação para construção
de instrumentos para estudo de biossistemas e aplicações em liberação de medicamentos,
diagnósticos e outras
Fonte: (26)
13
14
Gestão, Ciência & Saúde
FIGURA 3 – Esquema de empresas de biotecnologia – Fonte: (25)
Esse aumento no número de empresas de biotecnologia explica o fato de que, dos novos medicamentos aprovados nos EUA entre 2003 a 2006,
24% eram de base biotecnológica, tais como proteínas recombinantes, anticorpos monoclonais e
baseadas em DNA. Como resultado do esforço
mundial em torno da biotecnologia na área de saúde, há mais de 165 produtos aprovados em todo o
mundo, com mercado estimado, em 2004, em torno de 33 bilhões de dólares e projetado para cerca
de 70 bilhões de dólares para o ano de 2010 (36).
A biotecnologia é um dos campos do conhecimento em que se observa a importância crescente da
interação entre a ciência, a pesquisa tecnológica
e a produção. Como poucos setores, ela teve sua
origem no próprio laboratório de pesquisa básica.
Tanto a descoberta de novos produtos e serviços,
como seu desenvolvimento comercial são resultados de uma combinação de diferentes “blocos”
de conhecimento básico e ferramentas aplicadas
que mobiliza várias competências para transformar informações em inovações (10). Segundo Dal
Poz (7), os clusters de biotecnologia nos EUA e
na União Europeia, apesar das diferenças, apresentam configuração em rede para dar conta da
malha de interdependências necessária para o sucesso das empresas, tanto nas áreas de fronteira
(genômica e proteômica), quanto nas intensivas
em tecnologia.
O desenvolvimento da biotecnologia exige: forte
base acadêmica e científica; um setor produtivo
capaz de transformar a produção acadêmica e
científica em bens e serviços; e a criação de ambiente institucional que ofereça ao mesmo tempo
segurança, ao empresário inovador e à sociedade
como um todo, contra aos riscos inerentes às atividades investigativas e produtivas no campo da
biotecnologia (35). Os empreendimentos em biotecnologia possuem como características principais o alto custo, risco e incerteza, tornando difícil
tanto para o setor privado quanto para o Estado
dar conta, isoladamente, dessa realidade. O estabelecimento de colaborações entre as instituições
públicas e privadas, agindo cooperativamente para
obter complementaridade nas diferentes fases da
investigação, tem se mostrado a melhor estratégia
(2,27,35).
Segundo Judice (20), os aglomerados produtivos
(ALPs ou clusters) são um modelo organizacional
característico do setor de biotecnologia, devido à
natureza do negócio com base inovativa fundamentada em conhecimentos científicos, a qual é
facilitada pela proximidade com instituições fontes
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
de conhecimento, como universidades e centros de
pesquisa. Mais que proximidade geográfica, o ponto crucial são intensidade e qualidade das interações, compartilhamentos, colaborações e alianças
interorganizacionais entre os setores de pesquisa
e desenvolvimento e o industrial. Para aumentar a
capacidade inovadora de um aglomerado, a organização industrial deve facilitar a transferência de
conhecimento entre as empresas individuais que a
constituem (1). Como em outras áreas da economia, na biotecnologia o estabelecimento de redes
colaborativas visa, entre outros benefícios, à busca pela inovação. As redes de inovação compreendem um número de relacionamentos cooperativos entre empresas e instituições, com membros
envolvidos em atividades que englobam diferentes
etapas do processo de obtenção de um produto,
desde a pesquisa e desenvolvimento à comercialização deste (32).
Inovação é definida por Galanikis (15) como a
criação de novos produtos, processos, conhecimento ou serviços, utilizando conhecimento científico e tecnológico novos ou já existentes, que
fornece um grau de novidade para aquele que
o desenvolveu, o setor industrial, a nação ou o
15
mundo e que tenha êxito no mercado. Considera
ainda a inovação um processo dinâmico e propôs
um “Modelo de Sistema de Inovação” que representa a complexidade e os vários atores envolvidos nesse processo (Figura 4). O processo de
inovação em setores de conhecimento intensivo,
tais como a biotecnologia, são altamente abertos,
colaborativos ou em rede. A inovação em rede em
indústrias de conhecimento intensivo é caracterizada pela interação de laboratórios de pesquisa
pública, universidades e laboratórios privados,
com o conhecimento seguindo várias direções de
uma só vez (33).
O desenvolvimento de produtos biotecnológicos
ou de processos até sua chegada ao mercado é tipicamente um processo longo e caro, sem nenhuma garantia de sucesso comercial, e em constante evolução. Um exemplo é o caso dos anticorpos
monoclonais que foram introduzidos no mercado
em 1986, como murinos (obtidos de camundongos), e foram considerados um sucesso na utilização como imunosupressores em pacientes que
se submeteram a transplantes de órgãos, além de
outras aplicações como, por exemplo, diagnóstico.
No entanto, devido a problemas de reatogenicida-
FIGURA 4 – “Modelo de Sistema de Inovação” – Fonte (15).
16
Gestão, Ciência & Saúde
de houve a necessidade de melhorias incrementais nessas moléculas, até a obtenção dos anticorpos humanizados. Apesar de ser um mercado
promissor, necessita de investimentos vultosos
para o seu desenvolvimento, produção e utilização
em maior escala (37).
A complexidade desse processo de inovação
pode ser explicada pelas várias etapas envolvidas, como a pesquisa básica, o desenvolvimento
de produto, a produção e a distribuição. Alianças
estratégicas e outros acordos colaborativos entre
universidades, empresas de biotecnologia e grandes companhias estão sendo amplamente usados
para obtenção de sucesso (33).
Em estudo recente, Renko (33) analisaram 39 empresas localizadas em duas áreas nos EUA, o sul
da Flórida e o “Delaware Valley” na Pensilvânia,
com o objetivo de avaliarem os processos que incluem origem, desenvolvimento e uso da inovação
na biotecnologia. A partir dos dados coletados, foi
proposto um modelo esquemático representando
as categorias dos diferentes atores envolvidos no
processo de inovação biotecnológica, conforme
mostra a Figura 5. Esse trabalho mostrou que são
robustas as ligações estabelecidas entre as companhias e as universidades e/ou os laboratórios
governamentais. Os autores sugerem que os líde-
res das empresas de biotecnologia compreendam
essa rede natural de geração de inovação, que
necessita de estabelecimento de colaborações.
Para alcançar “abertura para inovação”, uma organização precisa observar o ambiente, incluindo as fontes de geração de conhecimento, e as
mudanças na indústria imediata, bem como em
outros campos relacionados. Em 2008, Aharonson et al. (1) avaliaram a capacidade inovadora
de 675 empresas de biotecnologia de três regiões
do Canadá, em torno das cidades de Vancouver,
Toronto e Montreal. O estudo mostrou que as regiões pesquisadas compreendem uma mistura de
empresas inovadoras e não inovadoras, com uma
tendência de aglomeração das inovadoras. As inovadoras apresentam maior escala de recursos e
foco tecnológico, bem como maior ênfase em investimentos em P&D e colaborações públicas e
privadas. Além disso, possuem mais empregados
em P&D e possuem alianças mais sólidas com universidades e centros de pesquisa (1). Para uma
dada localização inovadora, o que faz a diferença
entre inovadora e não inovadora não é o nível de
esforço em P&D e sim o acesso à rede entre as
empresas e colaboração com universidades. Esse
estudo mostra que a capacidade de uma empresa,
em particular, de se beneficiar de um aglomerado,
é função da sua capacidade de absorver o conhecimento local (1).
FIGURA 5 – Modelo de Origem, Desenvolvimento, e Utilização da inovação em biotecnologia – Fonte: (33).
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
Para Fonseca (10), o desenvolvimento de ambiente adequado para o acréscimo do empreendimento
inovador de biotecnologia representa grande desafio, em termos não só da sua sofisticação científica
e tecnológica mas também de sua complexidade
organizacional e das dificuldades de consolidação de seus produtos e serviços no mercado. São
necessários centros de formação de recursos humanos especializados, além da infraestrutrura em
laboratórios e equipamentos adequados. No entanto, mais importante do que estes elementos físicos, a existência de uma estrutura de direitos de
propriedade intelectual constitui ponto de partida
para o desenvolvimento das atividades de biotecnologia em qualquer país. Essa é uma forma de reter o valor do conhecimento gerado e ajuda a criar
ambiente favorável à obtenção de capital de risco.
Nos EUA, principal país na área da biotecnologia,
praticamente todas as empresas de biotecnologia
farmacêutica foram fundadas através de empreendimento utilizando capital de risco. O modo de operar da biotecnologia, a competência exigida para
dar forma e manter os ambientes propícios ao seu
desenvolvimento não podem prescindir dos recursos materiais, humanos e institucionais do setor
público, nem do investimento e empreendedorismo do setor privado (2).
4. BIOTECNOLOGIA NO BRASIL
No Brasil, a biotecnologia atraiu a atenção desde o
início da década de 80, quando foi percebida como
uma oportunidade de transformar o país de comprador e adaptador a gerador de tecnologia em um
setor de ponta. Desde essa época, o estabelecimento dessa capacidade inovadora era tido como
meio de minimizar o descompasso do desenvolvimento socioeconômico do país comparativamente
aos países desenvolvidos (3). Nas últimas décadas,
ocorreram avanços no desenvolvimento da biotecnologia no Brasil. Observa-se grande esforço, principalmente por parte das instituições públicas, tanto
na pesquisa, quanto na produção, como é o caso
dos imunobiológicos, os quais, na sua maioria, são
produzidos por instituições públicas (35).
Em um estudo de empresas de biotecnologia do
Brasil, realizado pela Fundação Biominas em 2007
com o objetivo de entender melhor o setor de biotecnologia no país, foram identificadas 181 empre-
17
sas de biociências, das quais 71 podem ser classificadas como empresas de biotecnologia, segundo
a definição adotada, para a qual “uma empresa de
biotecnologia é aquela que tem como atividade
comercial principal a aplicação tecnológica que
utilize organismos vivos, sistemas ou processos
biológicos, na pesquisa e desenvolvimento, na
manufatura ou na provisão de serviços especializados” (11). A maioria das empresas se concentra
nos estados de São Paulo, e Minas Gerais (11).
A iniciativa do setor público foi fundamental para
o desenvolvimento da biotecnologia no Brasil, o
qual tem se destacado como o principal agente na
sua promoção. Além dos investimentos na formação de recursos humanos, através das universidades públicas e das pesquisas que são produzidas
em instituições, o Estado tem-se destacado nos
últimos anos por políticas de fomento através de
criação de programas e fundos de financiamento
e na criação de leis específicas, tais como as relacionadas à biossegurança e com os direitos de
propriedade intelectual (35).
Na área de saúde humana, há que se destacar os
laboratórios oficiais produtores de imunobiológicos
como um dos principais atores no cenário da biotecnologia industrial do país. Esses laboratórios, a
saber, a Fundação Ezequiel Dias (Funed) em Minas Gerais, o Instituto Vital Brazil (IVB) no Rio de
Janeiro, o Instituto Butantan (IB) em São Paulo e a
Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) no Rio Janeiro,
são responsáveis, em grande parte, pelo sucesso
do Programa Nacional de Imunização do Ministério da Saúde (PNI/MS), criado em 1973. Dentre
estes, os três primeiros são responsáveis por toda
a produção de soros heterólogos hiperimunes do
país, e o Butantan e a FioCruz (em sua unidade de
Biomanguinhos) são responsáveis pela produção
de grande parte da demanda de vacinas do PNI.
Com essas ações o Brasil se tornou autossuficiente na produção de soros heterólogos hiperimunes,
considerados estratégicos para o país, uma vez
que não é possível a sua importação dada a especificidade dos venenos dos animais peçonhentos de cada país ou região. Porém, o mesmo não
aconteceu para as vacinas, levando o Brasil a realizar importações nessa área (14).
Apesar da importância indiscutível das ações descritas anteriormente, na área da saúde pública,
18
Gestão, Ciência & Saúde
o fato é que, nas ultimas décadas, o Governo se
preocupou com a autossuficiência de produção, e
pouco, porém, foi dirigido a projetos de desenvolvimento e inovação (14).
A biotecnologia foi considerada, na Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior – PITCE– e
no recente Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) de Ciência e Tecnologia como uma das áreas
Portadoras de Futuro. As medidas propostas para
dinamizar este segmento da economia originaram o
Decreto Nº 6.041, de 8 de fevereiro de 2007, que
instituiu a Política de Desenvolvimento da Biotecnologia e criou o Comitê Nacional de Biotecnologia (5).
A Política de Desenvolvimento de Biotecnologia e
o Programa INOVACINA são iniciativas para tentar
sanar a deficiência de inovação do país na área
biotecnológica (16). Fontes de fomento estão sendo especialmente criadas para esses projetos e,
por sua vez, os produtores nacionais estão reformando seus modelos de gestão, adotando ferramentas para inovação.
Nos últimos anos no Brasil, observam-se consideráveis progressos no desenvolvimento econômico e
social. Mas, apesar disso, o país ainda tem como
fonte principal de suas exportações produtos de
média-baixa tecnologia. Segundo o Ministério da
Ciência e Tecnologia (MCT) (28), em 2005 os setores de alta e média-alta intensidade tecnológica,
do qual faz parte, dentre outras, a área farmacêutica, representaram aproximadamente 32% do total
do valor exportado da indústria brasileira, ficando a
maior parte por conta dos setores de média-baixa
e baixa tecnologia, e de produtos não industriais.
Dentre outros fatores, considera-se que o baixo investimento das empresas brasileiras em Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D) contribui para esse quadro.
No cenário mundial contemporâneo, é consenso
que a ciência, a tecnologia e a inovação são elementos fundamentais para o desenvolvimento, o
crescimento econômico, a geração de emprego
e renda e a democratização de oportunidades.
Ciente da necessidade de medidas que viabilizem
o desenvolvimento dos setores intensivos em tecnologia como uma forma de alavancar a economia
do país, o governo brasileiro lançou em novembro
de 2007 o “Plano de Ação em Ciência, Tecnologia
& Inovação – PACTI 2007-2010” (28).
A criação de regulamentação, de políticas de desenvolvimento e de fomento são, sem dúvida,
importantes. No entanto, é preciso que medidas
e ações mais pragmáticas estejam em pauta, visando à viabilização das políticas governamentais
tanto pelo setor público quanto pelo privado. Uma
questão relevante é a atuação nas deficiências do
setor. Não obstante, Silveira et al. (35) destacam
os pontos de gargalos que dificultaram e podem
ainda comprometer o desenvolvimento futuro de
um parque industrial em biotecnologia no país
como sendo a carência de profissionais em algumas áreas específicas, a falta de produção interna
de equipamentos e materiais e a infraestrutura deficiente de muitas instituições. Mais de 80% das
atividades e dos investimentos em biotecnologia
e 90% do pessoal qualificado estão concentrados
em universidades e instituições públicas de pesquisa. O fato da maior participação das instituições públicas na promoção da biotecnologia pode
ser ao mesmo tempo um ponto forte e um fator
limitante para o seu desenvolvimento no Brasil.
É um ponto forte considerando os investimentos
de alto risco que são requeridos, o que dificulta a
participação de empresas privadas, principalmente em países como o Brasil, onde o sistema de
financiamento para estes tipos de investimentos
é muito incipiente. Por outro lado, as limitações
surgem pelo fato de grande parte das pesquisas e
investimentos em formação de recursos humanos
estarem dependentes de recursos públicos, muitas vezes realizados por pesquisadores sem visão
empreendedora (35).
Segundo Azevedo (3), as redes de cooperação, já
comprovadamente demonstradas como essenciais
no processo de inovação em biotecnologia, não se
viabilizaram no Brasil. Dentre as razões para tanto
estão o baixo envolvimento das empresas nacionais em P&D, sendo raros os acordos de cooperação entre elas e delas com empresas estrangeiras e também a carência no estabelecimento de
vínculos dos institutos públicos de pesquisa com
as empresas nacionais. Ou seja, nem se dispõe
de estrutura de financiamento adequada ao investimento em inovações, sendo a maior parte dos
recursos governamentais para a ciência e tecnologia direcionada para a comunidade científica, nem
há estímulos para o surgimento de “pesquisadores empresários”, que surgiram nos Estados Unidos, onde o capital de risco e o mercado de ações
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
sustentaram a dinâmica de evolução da biotecnologia moderna. Todas estas deficiências apenas
evidenciam a importância que terá no futuro o
aprofundamento das parcerias e cooperações entre setor público e empresas privadas (35). Para
Azevedo (3), diante dessa perspectiva, é preciso
insistir na formação de redes, modelo organizacional apropriado à geração de inovações, que possibilitará ao país acompanhar a evolução da biotecnologia no plano mundial.
5. AGLOMERADO DE BIOTECNOLOGIA DO
ESTADO DE MINAS GERAIS
Segundo o Estudo de Empresas de Biotecnologia
do Brasil da Fundação Biominas (11), a maioria
das empresas de biotecnologia atua nos setores
de agricultura e insumos, seguido por saúde animal e humana. São Paulo e Minas Gerais são os
estados que concentram o maior número de empresas com, respectivamente, 42,3% e 29,6% do
total das empresas nacionais. Ao observar a localização geográfica das empresas de biotecnologia
nesses dois estados, verifica-se que a concentração do setor é ainda maior. Por essa ótica, Belo
Horizonte (MG) é o grande destaque nacional,
comportando 15,5% das empresas, seguido por
Campinas (SP), com 14,1% e São Paulo (SP), com
9,9% (11). Este estudo confirma e consolida um
entendimento público e acadêmico da existência
de um “Arranjo Produtivo Local” na região de Belo
Horizonte e cidades vizinhas num raio de 100 km,
como já abordado em 2006 por Judice (19). Entre
os fatores que contribuíram para essa concentração geográfica no estado de Minas Gerais estão a
tradição e a competência das escolas de Medicina
e Farmácia, dentre as primeiras do Brasil e a capacitação das universidades e de centros de pesquisa aliadas às visões empreendedoras pioneiras
locais. Em conjunto, estes elementos locais formaram ambiente de estímulo aos negócios em biotecnologia no estado e surgimento de concentração
espacial de micro, pequenas e médias empresas,
na região metropolitana de Belo Horizonte (20).
A Biobras foi um marco do desenvolvimento biotecnológico de Minas Gerais, tendo sido a primeira empresa de biotecnologia brasileira, criada em
1976. Sua idealização se deu nos laboratórios
de bioquímica da Universidade Federal de Minas
19
Gerais (UFMG). Inicialmente criada como fábrica
de enzimas (obtidas por processos de purificação
de tecido animal) foi instalada em Montes Claros,
aproveitando a mão de obra altamente capacitada
que a UFMG formava, já naquela época, na pósgraduação (20). Nos anos 80, a empresa começou a produzir insulina por meio de um acordo de
transferência tecnológica com a multinacional Lilly.
Mais tarde, a Biobras se transformaria na maior
produtora de insulina sintética da América Latina.
Na busca por uma nova tecnologia, a Biobras conseguiu uma das quatro patentes do mundo para
produção de insulina humana recombinante e, em
2003, a empresa foi comprada pela dinamarquesa
Novo Nordisk (18 ).
Das empresas de biotecnologia de Minas Gerais,
apenas 14,3% atuam no setor de saúde humana.
A maioria das empresas emprega pequeno número de funcionários, somente 15% contam com
mais de 50 funcionários. No que se refere ao faturamento das empresas de biotecnologia mineiras,
21,1% ainda não estão faturando, 47,4% têm um
faturamento anual de até 1 milhão de reais, 15,8%
entre 1 e 10 milhões e 10,5% apresentam faturamento anual superior a 10 milhões de reais. Em
se tratando de inovações no produto, no período
de 2005 a 2007, as empresas brasileiras pesquisadas apresentaram certo grau de inovação no
que se refere a produto novo para a empresa, mas
já existente no mercado, além de inovações na
embalagem e no desenho do produto. No entanto, quanto a produto novo no mercado nacional,
apenas oito empresas inovaram e, quanto a produto novo para o mercado internacional, apenas
duas empresas inovaram. No que se refere à inovação de processo, esse número é mais animador,
50% das empresas inovaram principalmente em
processos tecnológicos novos à empresa, mas já
existentes no setor. Em se tratando de patentes,
84,5% das empresas não têm patentes depositadas no Brasil. Das 15,5% restantes, 10% têm uma,
2,8% têm duas e apenas 2,8% têm três patentes
depositadas (11). Esses dados contribuem para a
situação de baixa densidade tecnológica no estado
de Minas, no qual o quadro de exportações reflete o que acontece no cenário nacional. Dados da
balança comercial do ano de 2008 mostram que
as 10 maiores empresas exportadoras, responsáveis por 51,3% do total de exportações do estado,
pertencem aos setores de mineração, siderurgia,
20
Gestão, Ciência & Saúde
metalurgia, celulose e automotivo (22). Esses dados, em que se observa o baixo grau de intensidade tecnológica dos principais setores produtivos
da economia mineira, confirmam a vocação secular de estado na atuação em áreas de mineração e
agronegócio, apesar das iniciativas relevantes nos
campos da biotecnologia e produção de softwares.
Apesar dos aparentes bons resultados de faturamento, ao analisar a balança comercial do estado,
pode-se inferir que o setor produtivo de biotecnologia ainda não contribui de forma significativa na
economia mineira. Em 2000, um estudo da Federação das Indústrias de Minas previa promissor
crescimento do aglomerado de biotecnologia, com
duplicação do seu faturamento nos 3 anos seguintes e atração maciça de novas empresas nos 5
anos consecutivos (9). Segundo esse estudo, para
expansão de setor na capital mineira seria necessária a ampliação das empresas existentes e criação e atração de novas empresas. Infelizmente,
nove anos depois, essa ampliação do aglomerado
de biotecnologia não ocorreu conforme previsto.
Diante da necessidade de ampliação do setor
produtivo de maior intensidade tecnológica, o governo de Minas Gerais, em seu Plano Mineiro de
Desenvolvimento Integrado (PMDI) (29), considera que as inversões produtivas deverão buscar,
entre outras ações, o desenvolvimento de novos
negócios de elevado conteúdo tecnológico, entre
eles a biotecnologia e farmacêutica. Além disso,
salienta que, na área de inovação tecnológica mineira, o principal desafio a ser superado consiste
na baixa articulação entre o setor produtivo e as
redes de pesquisa. Considera ainda que uma das
ações para o favorecimento do desenvolvimento
do estado deve ser o fomento aos arranjos produtivos, entre eles o de biotecnologia, para ampliar
a capacidade competitiva deste setor de forma
autossustentável (29). Considera-se importante
destacar o fato de não haver uma “governança”
nesse aglomerado. Apesar de o estado reconhecer a importância da biotecnologia e promover
ações nessa direção, não se observa, de forma
sistematizada, a sua atuação como articulador do
tão esperado desenvolvimento desse aglomerado.
Outro ponto importante é a ausência de instituição
chave capaz de promover as interlocuções entre
os vários atores do aglomerado e favorecer as redes colaborativas.
6. A FUNED
A Fundação Ezequiel Dias, que em 2009 completou 102 anos, é uma instituição pública que desde
sua origem trabalha voltada para a pesquisa básica e aplicada, a produção de medicamentos e de
imunobiológicos e a prestação de serviços dirigida
à proteção da saúde humana. Quando da sua fundação em 1907, por Ezequiel Dias, como uma filial
do Instituto Manguinhos, hoje FioCruz, do Rio de
Janeiro, seu foco era a disseminação dos conhecimentos científicos pelo País, desenvolvendo e
ampliando pesquisas nas áreas de Ciências Biológicas e de produção de soros e vacinas. Ao longo
dos seus 102 anos, a Funed se expandiu, diversificou seu campo de atuação e consolidou-se como
uma das instituições mais importantes do Brasil,
com ações voltadas para a proteção e a promoção
da saúde pública, a ciência e a tecnologia.
Dispõe, atualmente, de um parque tecnológico
bem localizado, próximo à região industrial e das
duas maiores universidades de Belo Horizonte, a
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e
a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(PUC-MG). Com faturamento médio anual de R$80
milhões e sendo constituída por cerca de 1.200
funcionários nos vários setores, a Funed é uma
instituição pública de saúde de grande porte. Está
estruturada em Presidência (e suas assessorias) e
quatro diretorias: Diretoria de Planejamento Gestão
e Finanças (DPGF), a Diretoria Industrial (DI); a Diretoria do Instituto Otávio Magalhães (DIOM), e a
Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento (DPD).
A partir de 2003, iniciou a utilização de ferramentas
de gestão, tendo sido a primeira instituição pública do estado de Minas Gerais a iniciar o processo
de otimização gerencial nos moldes do Choque de
Gestão, um sistema de gestão com base no estabelecimento de metas e no alcance de resultados
estabelecido pelo governo do estado. Implementou o Sistema de Gestão Integrada, no qual todas
as unidades administrativas trabalham com metas
específicas e indicadores de desempenho, visando
ao acompanhamento e ao alcance das diretrizes
institucionais. Em 2008, com o apoio da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
(Fapemig), através do Programa de Capacitação
de Recursos Humanos (PCRH), iniciou a primeira
turma do Master in Business Administration (MBA)
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
institucional, capacitando em gestão 30 dos seus
gerentes, com nova turma em 2009 dando continuidade ao programa. Em 2009 iniciou o projeto
de implementação de seu Núcleo de Inteligência
Competitiva. Essas e outras ações visam melhorar a organização gerencial da instituição, criar um
corpo técnico capacitado e com visão de futuro
para dar continuidade aos projetos da instituição –
independentemente das mudanças políticas que a
instituição, como órgão do estado, venha a sofrer –
e de cumprir a sua missão de “Participar da construção do Sistema Único de Saúde, protegendo e
promovendo a saúde”.
A Funed é o Laboratório Central de Saúde Pública
de Minas Gerais (Lacen/MG), por meio da DIOM,
referência nacional e regional em vários dos seus
procedimentos. Realiza análises em água, alimentos, ração animal, saneantes, cosméticos,
medicamentos, sangue e hemoderivados, solo, ar
ambiente e ensaios de vigilância epidemiológica e
saúde do trabalhador. Também executa ações de
Vigilância Epidemiológica e Ambiental, por meio
do processo de investigação e inquérito, e exames
para diagnóstico de doenças de notificação compulsória e avaliação de riscos ambientais em saúde, entre outros (25).
A sua Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento
(DPD) conta com um quadro de pessoal bem qualificado e capacitado, com 30 pós-graduados, entre
mestres, doutores e pós-doutores, e laboratórios
bem montados de biologia molecular, bioquímica,
cultivo celular (animal e vegetal), virologia, fitoterápicos e bioinformática. As áreas de pesquisa desenvolvidas são o estudo de proteomas de venenos de animais peçonhentos (serpentes, aranhas
e escorpiões); a biologia molecular e a expressão
das proteínas recombinantes em sistemas procariotos (bactérias) e eucariotos (células de insetos
e mamíferos); o diagnóstico molecular de doenças
transmissíveis como, por exemplo, dengue, febre
amarela e gripe; vacinas (humanas e veterinárias);
o cultivo celular (animal e vegetal); a bioinformática; a bioprospecção de plantas e produtos animais
para o desenvolvimento de fitoterápicos e opoterápicos e o desenvolvimento de kits para imunodiagnóstico. Entre as 8 áreas de pesquisa, 7 são
voltadas para biotecnologia, uma vez que utilizam
as técnicas de biotecnologia listadas pela OECD
(Tabela 1). Atualmente participa de cinco das oito
21
redes de pesquisa credenciadas pela Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). É parceira da Fundação Centro
de Hematologia e Hemoterapia de Minas Gerais
(Hemominas) em projetos de pesquisa, no sentido
de desenvolver a produção de componentes para
kits de diagnósticos e do Instituto René Rachou
para o desenvolvimento de produtos e métodos
analíticos. Com a Fundação Hospitalar do Estado
de Minas Gerais (Fhemig) tem trabalhado na Implantação do Banco Mineiro de Tumores Humanos
– Projeto Piloto, uma ação pioneira no estado, das
instituições de saúde pública Funed e o Hospital
Alberto Cavalcanti (Rede Fhemig). Desenvolve vários projetos de pesquisa e de inovação tecnológica com universidades do Estado de Minas Gerais
sendo cotitular de patentes nacionais e internacionais com estas instituições.
Como componente da Rede Mineira de Propriedade Intelectual, a Funed criou, em 2004, seu Núcleo
de Inovação Tecnológica e de Proteção ao Conhecimento (NIT), por incentivo e financiamento da
Fapemig, para disseminar a cultura da proteção ao
conhecimento nas instituições de ciência e tecnologia do Estado de Minas Gerais. No que se refere
à inovação, no período de 2003 a 2009 depositou
7 pedidos de patentes e registrou um programa de
computador e duas marcas de produtos e serviços
conforme descrito no Tabela 2.
22
Gestão, Ciência & Saúde
TABELA 2 - Patentes depositadas e registros da Funed
Patente/ Protocolo No
Título
Cotitularidade
PI0205774 3
Sistema adjuvante para produção de anticorpos
PI06054846
Toxina Ph1B, cDNA do gene da toxina Ph1B,
composições farmacêuticas contendo a toxina Ph1B,
processo para sua obtenção, processo para obtenção do
cDNA, e produto
Funed/UFMG/Fapemig
PI0702739-7
Toxina PhKv, cDNA do gene da toxina PhKv,
composições farmacêuticas contendo a toxina PhKv,
processo para sua obtenção, processo para obtenção do
cDNA, e produto
Funed/UFMG/Fapemig
Método para a potencialização da função erétil através
do uso das composições farmacêuticas de toxina tx-2-6
da aranha Phoneutria nigriventer”
Funed/UFMG/Fapemig
PI0800601-6A2
Funed/Fapemig
PI0805704-4
Formulação de comprimidos contendo associação em
dose fixa combinada de antirretrovirais e respectivo
método de análise da dita formulação
Funed/Fapemig
depósito no PCT em 30/01/2009
Method for erectile function potentiation by mens of
pharmaceutical compounds from the toxin TX2-6 of the
Spiderphoneutria nigriventer
Funed/UFMG/Fapemig
0000220902707110
Programa de Computador/
Protocolo No
086282
Marca/
Protocolo No
Método de Cultivo e Transporte para Diagnóstico e
Monitoramento do Controle da Tuberculose
Funed/Fapemig
Título
Cotitularidade
SIRCON – Sistema Integrado de Reagentes Controlados
para Polícia Federal
Funed/Fapemig
Título
Cotitularidade
827812248
Marca FUNED – MEDICAMENTOS E PRODUTOS
IMUNOBIOLÓGICOS
Funed
827812256
Marca FUNED – SERVIÇOS DE PESQUISA CIENTÍFICA
Funed
A Diretoria Industrial da Funed (DI) possui a estrutura formada por laboratórios na área de produção, de desenvolvimento, controle de qualidade,
garantia da qualidade, almoxarifados, entre outros, a qual permite a produção de farmoquímicos
e produtos biológicos, para atender à Secretaria
de Estado da Saúde de Minas Gerais (SES/MG)
e ao Ministério da Saúde. Atualmente produz 22
medicamentos para o atendimento da SES/MG e
10 para o Ministério da Saúde e possui registro de
53 medicamentos, sendo 45 farmoquímicos e oito
biotecnológicos. Está implementando duas novas
plantas produtivas, uma para produtos biológicos
e mais uma unidade de produção de medicamentos de base farmoquímica. Uma de suas áreas é
a Divisão de Desenvolvimento Farmacotécnico e
Biotecnológico, que, entre outras funções, desenvolve e registra os novos produtos para o portfólio
da Funed e participa dos projetos de transferência
de tecnologia. Além disso, desenvolve pesquisa
nas áreas de biotecnologia, nanotecnologia, nanobiotecnologia, formulações farmacêuticas e novas
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
metodologias analíticas através de parcerias e colaborações internas, com a DPD, e externas com
a UFMG e a UFRGS (Universidade Federal do Rio
Grande do Sul). No que se refere à biotecnologia
industrial, a Funed já está inserida nesse contexto,
com anos de experiência na produção de imunobiológicos. É um dos quatro laboratórios oficiais
responsáveis pelo atendimento a toda a demanda de soros heterólogos hiperimunes (antiofídicos,
antitóxicos e antirrábico) do Brasil, atendendo cerca de 30% da necessidade nacional. Conta com
um biotério de produção de pequenos animais,
com capacidade de produção de 8.000 animais/
mês com qualidade sanitária, considerado referência no estado de Minas Gerais e com capacidade
para ampliação. Possui uma fazenda experimental, onde são mantidos equinos, ovinos e caprinos
utilizados na produção de plasma para a produção
dos soros heterólogos hiperimunes, e em pesquisa
para o desenvolvimento de componentes de kits
para imunodiagnóstico.
Objetivando a inserção definitiva no mercado da
biotecnologia industrial, a Funed estabeleceu, em
2005, convênio de transferência de tecnologia para
produção de biofármacos com a Fundação Biorio e
o International Centre for Genetic Engineering and
Biotechnology (ICGEB), organização internacional
dedicada à pesquisa avançada e ao treinamento em
biologia molecular e biotecnologia para o benefício
de países em desenvolvimento (17). Esse acordo
tem por objetivo a absorção da tecnologia de produção de interferon alfa 2a através de fermentação em
bactérias e de eritropoetina por cultivo celular. Dessa forma, a Funed pretende adquirir know how nas
principais tecnologias utilizadas para a produção de
biofármacos. A construção da fábrica para produção
desses produtos encontra-se em andamento com
previsão de início das operações em 2010. Foi concebida no formato de “plataformas de produção”, de
forma a permitir, no futuro, a introdução de novos
produtos. Nessa área também será instalado um
laboratório de desenvolvimento biotecnológico para
permitir, além das atividades de suporte e melhoria
incremental dos processos produtivos, outras atividades de desenvolvimento de produtos.
Em 2009 a Funed estabeleceu uma aliança estratégica com a Novartis Vacinas e Diagnósticos para
fornecimento do produto Vacina meningocócica Cconjugada CRM197 bem como toda a tecnologia
23
para sua produção. Ressalta-se que a tecnologia de
conjugação com a CRM197 ainda não é dominada
pelo Brasil. Através desse acordo pretende-se produzir, para o SUS, uma vacina que ainda não faz
parte do calendário de vacinação, e que até então
era utilizada por pequena parcela da população que
a adquiria na rede privada. A Funed disponibilizará,
por intermédio da SES/MG já em 2009, a vacina
para as crianças menores de dois anos de idade em
Minas Gerais. Nos próximos anos essa vacinação
deverá estender-se a todo o país, uma vez que, no
cenário nacional, a vacina meningocócica C é considerada, pelo Ministério da Saúde, como uma prioridade e sua introdução no calendário de vacinação
está prevista a partir de 2011 (24). Ainda referente à
produção de vacinas, está em fase de consolidação
a parceria entre a Funed, a SES/MG, a UFMG e a
Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) para
desenvolvimento e produção de um imunoterápico
com demonstrada ação contra a leishmaniose tegumentar americana. Esse imunoterápico é fruto de
anos de pesquisa de bancada de pesquisadores da
UFMG e da UFOP.
Diante da necessidade de pessoal qualificado e
preparado para enfrentar o desafio de desenvolver a biotecnologia na instituição, a Funed está
trabalhando em um projeto (ainda em estágio embrionário) de criação de um mestrado profissionalizante em biotecnologia. Esse projeto é mais uma
parceria, envolvendo instituições da área de saúde humana, dentre elas Instituições de Ensino Superior (IES) e poderá vir a ser o primeiro mestrado
profissionalizante em biotecnologia do estado.
7. ARQUITETURA PARA A INDUÇÃO DE
BIOTECNOLOGIA NO ESTADO DE MINAS
GERAIS E A INSTITUIÇÃO CHAVE
Os aglomerados são uma forma importante de desenvolvimento econômico de uma região. Em se tratando de biotecnologia, os aglomerados têm grande
relevância, uma vez que um dos seus fundamentos
é a cooperação e essa é determinante para a biotecnologia, que tem a inovação como referência.
Por sua vez, a inovação em biotecnologia é fundamentada em conhecimentos científicos e é facilitada
pela proximidade entre instituições fontes de conhecimento e área produtiva. Mais que a proximidade
geográfica, Judice (20) considera que o ponto crucial
24
Gestão, Ciência & Saúde
são as interações, compartilhamentos, colaborações
e alianças interorganizacionais entre os setores de
pesquisa e desenvolvimento e industrial.
No Brasil, desde a década de 80, quando da implantação de políticas para indução da biotecnologia, esperava-se também estabelecer uma capacidade inovadora na área, através da instauração das redes de
inovação, as quais, passadas duas décadas daquelas
reflexões, não se formaram de acordo com o previsto,
retardando a geração de inovações no país (3).
Para Azevedo et al. (3), não é tarefa simples identificar qual via é necessária para superar o distanciamento entre o setor produtivo e a ciência local,
e ressalta que:
“no caso da saúde, a possibilidade de formação
das redes nos moldes concebidos nos países
desenvolvidos é restrita, em função das características desse mercado, no qual predominam os
interesses das empresas estrangeiras ligadas ao
oligopólio farmacêutico internacional”.
O autor considera a inovação em biotecnologia
como um desafio, que somente será enfrentado
se for incorporada à sua agenda de prioridades, o
que significa, entre outras ações, buscar o arranjo
institucional apropriado às peculiaridades locais,
em vez de tentar reproduzir uma fórmula bem sucedida de outras experiências.
É consenso que biotecnologia e inovação são conceitos inseparáveis. Mas o que seria necessário
para se alcançar a inovação? Di Serio et al. (8)
consideram que a atuação em aglomerados traz
vantagens potenciais para as empresas participantes, tanto na percepção quanto na identificação de
oportunidades de inovação. Segundo os autores,
há uma estrutura comum para a inovação determinada pelos três fatores, o nível de sofisticação
tecnológica da economia; os recursos humanos e
financeiros voltados aos avanços tecnológicos e
as políticas públicas que apoiam a atividade inovadora. Considera-se como fator crucial para o
desenvolvimento da biotecnologia/inovação o fortalecimento das colaborações em rede. Pode-se
dizer que o desenvolvimento e/ou fortalecimento
de um aglomerado de biotecnologia contribuiria
para o alcance desse objetivo.
Em Minas Gerais, estudos demonstram ser a região
metropolitana de Belo Horizonte um importante polo
de biotecnologia do país, com atuação em saúde
humana. No entanto, não se observa, nesse aglomerado, nenhuma instituição que se destaque. Segundo Silveira et al. (34), uma instituição que se
destaque é aquela responsável por fazer a ponte
permanente entre conhecimento científico e desenvolvimento tecnológico.
Em uma rede, os diferentes agentes que dela participam podem ter objetivos, projetos e interesses
heterogêneos e até contraditórios. Alguns querem
adquirir notoriedade científica, outros aumentar sua
participação no mercado, mas existe uma coordenação entre eles (ou pelo menos deveria existir) para a
produção e difusão de novas tecnologias (34). Assim,
a existência de uma forte instituição-chave é fundamental para o estabelecimento dessa coordenação.
O PMDI – 2007-2023 – considera importante que
seja dada ênfase às “empresas âncoras” situadas
nas cadeias de valor de vários segmentos da economia, entre eles, o de biotecnologia (29).
Diante de todo o exposto anteriormente e considerando os seguintes pontos:
– importância dos aglomerados para o desenvolvimento de uma nação, região ou território;
– a biotecnologia é considerada como área portadora de futuro do país;
– a necessidade de criação de ambiente que favoreça a inovação em biotecnologia no Brasil, e que
essa é dependente da colaboração entre os setores de pesquisa, desenvolvimento e produção;
– os aglomerados são comumente observados na
área de biotecnologia em países onde esse setor
se mostra como referência mundial;
– a região metropolitana de Belo Horizonte abriga importante aglomerado de biotecnologia nacional;
– não se identifica, até o momento, nenhuma instituição-chave nesse aglomerado;
– o papel das instituições públicas no desenvolvimento da biotecnologia no Brasil;
– a necessidade dessa instituição-chave de articular as diferentes etapas da biotecnologia, a saber, pesquisa, desenvolvimento e produção.
Este trabalho identifica e propõe a Funed como forte candidata a assumir o papel de instituição-chave
no aglomerado de biotecnologia de Minas Gerais.
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
A Figura 5 representa esquematicamente esta proposição, mostrando a interação dos participantes
do aglomerado entre si e com a Funed. Esse esquema especifica a interação de atores do aglomerado com áreas definidas da instituição.
Propõe-se que a Funed seja a instituição, dentro
do aglomerado de biotecnologia de Minas Gerais
– especificamente da região metropolitana de Belo
Horizonte – por agregar as condições mais adequadas para desempenhar o papel de instiuiçãochave, atuando como indutora desse aglomerado.
No entanto, para que exerça com eficiência o papel de instituição-chave, há pontos de melhorias
que precisam ser trabalhados, como a ampliação
da abertura a colaborações e compartilhamentos,
disseminação da cultura de propriedade intelectual,
25
implantação de uma planta de produção em escala
piloto de produtos biotecnológicos e a dificuldade de
acesso e aquisição de insumos e equipamentos.
Segundo Porter (30), os aglomeradods facilitam
o acesso a insumos e a pessoal especializado, às
complementaridades, acesso a instituições e a bens
públicos. No caso do aglomerado discutido neste
trabalho, o acesso a pessoal qualificado é garantido
pelas universidades que fazem parte desse aglomerado, que já possuem reconhecida experiência na
capacitação de pessoal para a maioria das áreas
de conhecimento necessárias à biotecnologia. Além
disso, essas universidades já realizam parcerias
com a Funed e outras instituições e empresas, que
podem ser incentivadas para aumentar tanto o seu
número quanto o fortalecimento dos vínculos.
FIGURA 5 – A Funed como instituição-chave no aglomerado de biotecnologia do estado de Minas Gerais.
NIT: Núcleo de Inovação Tecnológica e de Proteção ao Conhecimento; ICTs: Instituições e Centros
Tecnológicos; Spin offs: novas empresas que surgem a partir de grupos de pesquisa público ou privado,
normalmente com o objetivo de explorar um novo produto ou serviço de alta tecnologia.
26
Gestão, Ciência & Saúde
No quesito complementariedade, a Funed apresenta-se como intuição capaz de proporcioná-la
às várias empresas/instituições devido às suas
características, know how (conhecimento adquirido) e estruturas já apresentados anteriormente. O
acesso a instituições e a bens públicos também já
foi discutido.
Como apresentado na Figura 5, o governo e os
fornecedores desempenham papel importante nos
aglomerados. Segundo Porter (30), o papel do
governo nos aglomerados é, em primeiro lugar,
o de assegurar a estabilidade macroeconômica
e política. O segundo é o de melhorar a capacidade microeconômica geral da economia, através
do aumento da eficiência e da qualidade dos insumos básicos das empresas, esquematizado no
“Diamante de Porter”; e fomentar as instituições
que fornecem esses elementos. O terceiro papel
do governo é a definição das regras microeconômicas gerais e a criação dos incentivos que regem
a competição, de modo a encorajar o crescimento
da produtividade. Além disso, possui ainda a atribuição de facilitar o desenvolvimento e o aprimoramento dos aglomerados.
Quando o objetivo é desenvolver um aglomerado de alta intensidade tecnológica, a participação
do governo torna-se crucial. No estado de Minas
Gerais, apesar do reconhecimento da importância
do aglomerado de biotecnologia, não se observam ações de forma sistematizadas, a exemplo
dos casos de sucesso, como, por exemplo, o de
Singapura. Dessa forma, sugere-se que o Estado
exerça “Governança Política” no aglomerado de
biotecnologia. Essa se daria de forma a integrar os
vários atores do estado identificados como partes
interessadas no negócio, como, por exemplo, as
Secretarias de Ciência e Tecnologia, Secretaria de
Desenvolvimento, Secretaria de Estado da Saúde,
a Fapemig e outras. Essa governança deve ter
como foco o desenvolvimento do aglomerado e
como objetivos específicos:
– fortalecer e reforçar os vínculos entre os vários
participantes do aglomerado, tendo como referência a Funed como instituição-chave;
– estabelecer um foco de atuação, de forma a favorecer a complementaridade do setor;
– atrair novas empresas de biotecnologia;
– atrair fornecedores de equipamentos e insumos;
– favorecer a aproximação dos setores de pesquisa e produtivo;
– incentivar e fomentar a inovação, principalmente
através de editais de financiamento que favoreçam
as parcerias entre os participantes do aglomerado.
8. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Funed é uma instituição orientada para saúde publica com atuação em biotecnologia, em pesquisa,
em desenvolvimento e em produção. Possui potencial para exercer papel de destaque no cenário do
aglomerado de biotecnologia de Minas Gerais, onde
está inserida. No entanto, é necessário que medidas sejam tomadas para o seu fortalecimento como
instituição indutora de biotecnologia, a ser considerada como instituição-chave nesse aglomerado. O
presente estudo sugere as seguintes ações:
– promover maior envolvimento das áreas de pesquisa e desenvolvimento e de produção com o
projeto de tornar a Funed instituição-chave do
aglomerado de biotecnologia. Para a efetivação
de uma rede de cooperação é fundamental que
haja abertura entre as partes para que realmente ocorra compartilhamento de conhecimento e
esse culmine na tão desejada inovação;
– incentivar as parcerias e redes de colaboração
entre a Funed e universidades, ICTs, spin offs,
indústrias e outros setores;
– buscar, no governo estadual e/ou federal, recurso
financeiro para instalação de uma planta de produção de produtos biotecnológicos, especificamente,
medicamentos, na área produtiva da Funed;
– avaliar e implementar medidas voltadas a trazer
maior facilidade e economicidade ao processo de
aquisição de insumos e equipamentos da Funed,
através de qualificação de fornecedores, de estabelecimento de PPPs ou ainda de outra forma.
É necessário que o estado de Minas Gerais exerça um papel mais pragmático, na forma de “Governança Política” para promover de forma efetiva
o desenvolvimento do aglomerado de biotecnologia no estado. Essa governança deverá privilegiar, entre outras ações, a aproximação dos setores de pesquisa e produtivo, o favorecimento da
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
complementaridade do setor, o fortalecimento dos
vínculos entre os participantes e a criação de ambiente propício à inovação.
O estabelecimento de uma rede colaborativa eficiente, com relação de confiança entre os seus participantes, não é um processo fácil, muito menos rápido. Conforme Silveira et al. (34) bem pontuaram,
aprendizagem interativa entre os diversos atores
permite que a comunicação efetiva se estabeleça.
Assim, a maior parte das relações entre os parceiros requer prazo relativamente longo para se estabelecer. Em geral, envolvem o desenvolvimento
de códigos específicos de relacionamento e de relações de confiança. No entanto, é preciso começar,
e a Funed tem dado passos nessa direção.
Espera-se que novas ações sejam tomadas nesse
sentido, visando à facilitação do estabelecimento e
do fortalecimento dessa rede cooperativa que, sem
dúvida, trará benefícios que ultrapassarão os muros da Funed e as montanhas de Minas Gerais.
27
28
Gestão, Ciência & Saúde
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Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
31
COMBINAÇÃO E TROCA DE CONHECIMENTOS: A EXPERIÊNCIA DA
FUNDAÇÃO EZEQUIEL DIAS
KNOWLEDGE COMBINATION AND EXCHANGE: THE EZEQUIEL DIAS FOUNDATION
EXPERIENCE
Epaminondas Bittencourt
Mestre em Administração, Integrante do Núcleo Interdisciplinar sobre Gestão em Organizações (não)
empresariais (NIG.ONE) do Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração (CEPEAD)
da Universidade Federal de Minas Gerais
RESUMO
ABSTRACT
O artigo retrata um trabalho de pesquisa relacionado à gestão do conhecimento, aplicada por uma
organização pública de assistência a saúde em um
período de seis anos. A importância do trabalho
está associada à identificação de como uma organização pública prioriza a gestão do conhecimento como estratégia para obtenção de vantagem
competitiva, buscando a efetividade na prestação
dos serviços à comunidade e à própria sustentabilidade, em um ambiente de negócios competitivo.
Por intermédio do conceito de capital social, no
referencial teórico, a pesquisa procura desvendar
como o capital social interfere na criação, na apropriação e na troca de conhecimento, bem como
qual a relação entre a criação de capital intelectual nas organizações e os processos de criação
de valor. A metodologia empregada na pesquisa foi
construída via entrevistas semiestruturadas e análise de documentos públicos da organização, possibilitando a compreensão do universo corporativo.
A conclusão do trabalho de pesquisa aponta para
os bons resultados em decorrência da estratégia
adotada, em relação à gestão do conhecimento,
mas salienta os conflitos na tomada de decisões
gerenciais resultantes da capacidade de resposta
da organização pública em um ambiente de elevada competitividade.
The article portraits a work of research related to
knowledge management, applied by a public health
assistance organization over a period of six years.
The work’s importance is associated to identifying
how a public organization prioritizes knowledge
management as a strategy for obtaining competitive advantage, aiming for effectiveness in providing
services to the community and its own sustainability, in a competitive business environment. Through the concept of social capital, in the theoretical
reference, the research seeks to unveil how the
social capital intervenes on the creation, the appropriation and the knowledge exchange, as well
as what is the relationship between the intellectual
capital’s creation in the organizations and the value
creation processes. The methodology employed
on the research was built through semi-structured
interviews and analysis of the organization’s public
documents, making possible the comprehension
of the corporate universe. The research work’s
conclusion points to the good results coming from
the adopted strategy, in regards to the knowledge
management, but highlights the conflicts in managerial decision taking, resulting from the public
organization’s response capacity in a high competitiveness environment.
Palavras-chave: Informação, Conhecimento, Competência, Capital Social, Capital Intelectual, Vantagem Competitiva, Biotecnologia
Keywords: Information, Knowledge, Competence,
Social Capital, Intellectual Capital, Competitive
Advantage, Biotechnology
32
Gestão, Ciência & Saúde
1. A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
As altas taxas de crescimento na economia mundial do pós-guerra foram sustentadas por um regime tecnológico baseado no uso intensivo de
energia, liderado por grandes empresas hierarquizadas nos setores petroquímico, automobilístico,
de armamentos e na produção em massa de bens
de consumo. O regime tecnológico conhecido
como a produção em massa fordista necessitou
para sua constante expansão, de grandes investimentos em infraestrutura, quase que em sua totalidade realizados por intermédio do poder público,
que também contribuiu para estimular a demanda
de mercado e, em consequência, alimentar a produção, constituindo o ciclo virtuoso fordista.
O regime tecnológico, o paradigma técnico-econômico da era fordista, como todas as trajetórias tecnológicas anteriores, mantinha uma definição em
relação aos problemas relevantes a serem enfrentados, às opções tecnológicas a serem utilizadas
que, via processos de aprendizagem, conduzem a
inovações incrementais e radicais nos processos
produtivos. Assim, um paradigma técnico-econômico é resultante de um processo evolutivo em
que pessoas e organizações aprendem de forma
cumulativa melhorando as capacidades tecnológicas, buscando desenvolver regras de como vivenciar ambientes em que o “[...] amanhã nunca se
assemelha bastante com o ontem” (8).
A teoria relativa aos processos de destruição criativa, schumpeteriana, indica que os períodos de
elevado crescimento, ou de profundas recessões
na economia mundial, estão associados à difusão
de novos paradigmas técnico-econômicos, em que
a estrutura socioinstitucional necessita se adaptar
à difusão das novas tecnologias. O surgimento, a
difusão de um novo paradigma, leva a um diferenciado agrupamento de insumos no universo produtivo, claramente percebido em menor estrutura
de custo com disponibilidade de fornecimento por
longos períodos, possibilitando um conjunto de
inovações organizacionais e tecnológicas relacionadas. Os limites ao crescimento da produtividade
no paradigma anterior justificam os riscos pertinentes à adoção das novas tecnologias em processos
de adaptação, que reestruturam as organizações,
realçam novos empreendedores, estabelecem um
novo perfil de consumo de bens, serviços e comportamentos dos consumidores (10).
As últimas décadas do século XX vivenciaram a
transição do paradigma da era fordista para o paradigma da tecnologia da informação, no sentido
de “ [...]tecnologias para agir sobre a informação,
não apenas informação para agir sobre a tecnologia” (6). O paradigma da tecnologia da informação
é baseado na flexibilidade com crescente complexidade de interação que sustenta elevada criatividade sob a lógica de redes que potencializam a
utilização das tecnologias da informação em todos
os setores produtivos, desde os avanços nas comunicações até o aprofundamento da revolução
genética. A sociedade da informação se diferencia pelo fato de que, pela primeira vez na história,
a mente humana é uma força direta de produção,
não apenas um elemento decisivo no sistema produtivo (6). A produtividade e a posição competitiva
das organizações dependem essencialmente da
capacidade de geração, processamento e aplicação do conhecimento no universo produtivo. Os
recursos que constituem serviços potenciais, as
origens do caráter único da organização (25).
Conhecimento aplicado ao conhecimento nas organizações pode ser traduzido pela habilidade na
utilização de tecnologias, desenvolvimento de qualificações na produção, resultando em competências
visando adaptação às oportunidades associadas à
mudança. As raízes da vantagem competitiva se situam nas competências centrais das organizações,
um processo de aprendizagem coletiva construído
por intermédio da organização do trabalho, objetivando maior valor agregado (28). A vantagem competitiva não pode assim ser restrita a um efeito de
informação assimétrica nos mercados, mas principalmente a adição de valor nos processos produtivos em decorrência de combinação e troca de conhecimentos de forma particular (29).
Ativos intangíveis combinados de forma particular,
recursos estratégicos heterogêneos, diferenciados,
habilitam a definição de estratégias no intuito de
maior efetividade do negócio. Como definido por
Wernerfelt (31), são recursos da organização, fonte
de vantagem competitiva, sendo sustentáveis se de
difícil acesso por competidores no mercado. Barney
(3) estabelece uma analogia entre a heterogeneidade e a imobilidade de recursos de uma organização,
vinculando à reputação positiva uma fonte importante de vantagem competitiva. Associar a heterogeneidade à combinação de ativos intangíveis de
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
forma particular significa falar de aprendizagem nas
organizações, no sentido em que agentes individuais se constituem como coletivos, compartilhando
vários significados, que constituem a base do capital intelectual nessas organizações.
2. CAPITAL INTELECTUAL
Nahapiet e Ghoshal (22) definiram capital intelectual como o conhecimento e a capacidade de conhecer de uma coletividade social, uma organização,
uma comunidade intelectual. Os autores reconhecem que o capital intelectual de uma organização é
resultante de formas socialmente incorporadas de
conhecimentos, diferentes da simples reunião dos
conhecimentos individuais de seus integrantes.
Lam (21) analisa o conhecimento organizacional
em duas dimensões: epistemológica e ontológica.
Epistemológica, associada à distinção promovida
por Polanyi (26) entre conhecimento tácito e explícito, o primeiro manifestado implicitamente e o
segundo expressamente articulado. Ontológica, no
sentido de ser de natureza individual ou coletiva,
compartilhado entre os integrantes da organização.
O conhecimento individual, de domínio específico,
tem na autonomia sua característica específica, e o
conhecimento coletivo se faz presente nas regras,
nos procedimentos e nas normas compartilhadas.
Spender (29) constrói uma tipologia semelhante
à desenvolvida por Lam (21), envolvendo os diferentes tipos de conhecimento. O conhecimento
consciente, explícito e individual, está presente em
conceitos, estruturas armazenadas, que se movem
com o indivíduo, o que desafia um crescente poder
de persuasão por parte da gerência na solução de
problemas de agência (conflitos em decorrência da
retenção do conhecimento, impossibilitando o compartilhamento). O conhecimento automático, tácito
e individual, se refere aos conhecimentos práticos
e às qualificações inerentes ao indivíduo que exige
da gerência das organizações, além de grande persuasão, maiores habilidades em direção à construção de ambientes que potencializem a criatividade.
O conhecimento objetivo, explícito e social, se refere
à utilização de conhecimento público disponibilizado,
via comunidade científica ou obtido estrategicamente
no mercado. O conhecimento coletivo, tácito e social,
é produzido internamente nas organizações, sendo
33
caracterizado como o mais estratégico, já que está
associado a processos de aprendizagem organizacional: quando compartilhado, contribui para o
crescimento do conhecimento coletivo da organização.
O conhecimento coletivo, produzido nas organizações, é distinto do absorvido no mercado, porque
coordenação, comunicação e aprendizagem estão
associadas mentalmente a uma identidade coletiva. A
organização, compreendida como uma comunidade
social, por intermédio das combinações de conhecimentos criados, evolui tanto pelas novas capacidades, quanto pelas oportunidades e influências do
ambiente externo. A identidade compartilhada diminui
os custos de comunicação, estabelece as regras de
coordenação e influencia os processos de aprendizagem. A aprendizagem via identificação é mais eficaz
do que via incentivos, pois, permite o desenvolvimento, a sustentação de rotinas e procedimentos organizacionais, que podem conduzir à inovação e melhoria
contínua, via processos de experimentação, sob tentativa e erro por parte de equipes multidisciplinares
em contato no cotidiano (19).
A criação de capital intelectual nas organizações,
mesmo que envolva uma combinação dos quatro
tipos de conhecimentos estabelecidos na tipologia
proposta por Spender (29), é uma resultante da
ação humana, produto de interações ancoradas em
crenças e compromissos. Como proposto por Berger e Luckmann (2), a interação entre as pessoas
em um contexto histórico e social faz com que compartilhem informações, propiciando a construção do
conhecimento social como realidade, influenciando,
assim, no comportamento e nas atitudes dessas
pessoas. De acordo com Nonaka e Takeuchi (24),
a criação do conhecimento organizacional amplia o
conhecimento criado pelos indivíduos contribuindo
para a rede de conhecimentos da organização. Na
concepção dos autores, a criação e a expansão do
conhecimento se dão via interação social entre o
conhecimento tácito e o explícito.
A criação de valor por parte das organizações em
decorrência de interações sociais realizadas por
seres humanos, produzindo combinação e troca
de conhecimentos, pressupõe a construção de
relacionamentos, formação de redes sociais e relações confiáveis, que proporcionam sistemas de
valores que motivam esforços conjuntos. O capital
34
Gestão, Ciência & Saúde
social incorporado nas relações pessoais identifica
o desenvolvimento dos indivíduos nas relações comunitárias, como as organizações produtivas (16).
Nesse sentido, o capital social nas organizações
é um fator determinante na troca, combinação de
conhecimentos e criação de capital intelectual.
3. CAPITAL SOCIAL E CRIAÇÃO DE CAPITAL INTELECTUAL
O termo capital social está diretamente associado
à ideia de que as ações individuais ou aquelas promovidas por grupos de pessoas são mais exploradas quando indivíduos ou um conjunto de pessoas
fazem parte de redes interpessoais. Fukuyama (11)
afirma que uma das lições mais importantes que
se aprende na vida econômica é que o bem-estar,
bem como a capacidade para competir são condicionados a uma única e abrangente característica
cultural: o nível de confiança. O capital social é um
recurso produtivo, como capital físico e humano, e
está situado no universo balizado pelas ações entre
os atores. Bourdieu (4) define capital social como
o agregado de recursos interligados a uma rede
de relacionamentos institucionalizados de mútua
aquiescência ou reconhecimento. Adler e Kwon (1)
sintetizam os diversos conceitos, afirmando que o
capital social é um recurso utilizado por atores individuais e coletivos, presente em relacionamentos
sociais de alguma durabilidade. Os autores salientam que, sendo um recurso, pode-se investir no capital social com expectativa de futuro, no intuito de
relações individuais e coletivas que possam resultar
em informações e conhecimentos valiosos. Essas
relações podem compensar carências de capital
humano, pois o capital social se localiza nas relações e cresce na medida em que tais relações se
tornam mais confiáveis. O aspecto complementar
do capital social a outros recursos conduz à melhoria da eficiência do capital econômico, reduzindo os
custos econômicos de transação.
Nahapiet e Ghoshal (22) apresentam uma tipologia que relaciona as fontes de capital social com
a combinação e troca de capital intelectual, o que
propicia a criação de novo capital intelectual nas
organizações (Figura 1), em um processo interativo que fortalece a influência mútua entre o capital social e o capital intelectual. Sinteticamente,
os autores agrupam as fontes de capital social em
três dimensões: dimensão estrutural – cognitiva e
relacional.
• Dimensão Estrutural – redes de relacionamentos.
• Dimensão Cognitiva – códigos, narrativas compartilhadas.
• Dimensão Relacional – confiança, normas, identificação.
FIGURA 1 – Capital social/criação novo capital intelectual – Nahapiet, Ghoshal – (22)
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
Na perspectiva dos autores, devem ser satisfeitas
quatro condições para troca e combinação de capital
intelectual: acesso dos agentes à troca e combinação
de capital intelectual manifestada nas condições de
acesso a conhecimentos objetivos e coletivos; previsão de geração de valor, receptividade a aprendizagem ou geração de novo conhecimento; motivação
para compartilhar informação, transferir conhecimento; capacidade para combinação, conhecimento
prévio, capacidade de absorção.
As três dimensões do capital social facilitam o desenvolvimento do capital intelectual. A dimensão estrutural, por intermédio das redes de relacionamentos, motiva os indivíduos a trocarem conhecimento
via canais de informação. Granovetter (13) chama
a atenção para o fato de as relações sociais serem
mais importantes para a geração de confiança na
vida econômica do que qualquer arranjo institucional. O autor salienta que os indivíduos racionais em
transações econômicas valorizam o conhecimento
das relações sociais visando confiabilidade, que
pode motivar novas transações. É uma clara contraposição à visão utilitarista da economia clássica,
em que as relações necessariamente devem ser
conduzidas hierarquicamente, a governança hobbesiana, para impedir os inevitáveis litígios.
A estrutura formal reflete o esqueleto nas corporações, mas as redes informais se constituem no
sistema nervoso central, conduzindo os processos
de pensamento coletivo. Sob essa ótica, Krackardt
e Hanson (20) posicionam que os gerentes devem
ajudar os empregados a desenvolver relacionamentos na estrutura informal, visando à construção de redes fortes com alta frequência de interação e redes débeis em frequência, no intuito de
solucionar problemas e gerar novas ideias. Burt
(1992) destaca a importância de múltiplas redes
de relacionamentos fora das tradicionais, marcadas por alto grau de confiabilidade, no acesso ao
conhecimento interdisciplinar, objetivando troca e
transferência de conhecimento. As redes de relacionamentos individuais contribuem para o acesso
dos agentes, para a previsão de geração de valor,
para os processos de combinação e troca de conhecimento na tipologia proposta por Nahapiet e
Ghoshal (22), como se vê na Figura1.
Na dimensão cognitiva do capital social, é destacado o compartilhamento da linguagem e das
narrativas para facilitarem a troca de informação
35
entre as pessoas. Linguagem compartilhada fortalece a capacidade para combinação de conhecimento (24). Novas interpretações resultantes de
conversas frequentes, promovendo novas crenças
sobre a estrutura social. Narrativas que se referem
a uma realidade ou a mitos comuns, que acabam
transcendendo a natureza individual, auxiliando a
ação coletiva baseada em significados compartilhados (15). A dimensão cognitiva interfere diretamente no acesso das pessoas, na previsão de
valor e na capacidade para troca e combinação de
capital intelectual.
A importância da dimensão relacional na troca e
combinação de capital intelectual é devida, sobretudo, à confiança construída nos relacionamentos
entre as pessoas, que interferem principalmente
no acesso à troca de conhecimentos. Nas organizações é também importante a institucionalização
que enfatiza a cooperação interna, a abertura, a
diversidade e a tolerância. A identificação das pessoas com o coletivo e com a organização é um fator motivador tanto na percepção de agregação de
valor, quanto na disposição para buscar o resultado coletivo via criação de conhecimento. O diálogo
na organização não cria somente identidades individuais, mas, sobretudo identidades coletivas, via
estórias, história, em que os indivíduos procuram
se situar no interior e que geram energias emocionais que influenciam a ação (15).
Em um cenário de grande competitividade, a criação de novo capital intelectual (Figura1) pode significar uma fonte de vantagem competitiva. Nahapiet e Ghoshal (22) asseveram que a evolução
conjunta do capital social e do capital intelectual
nas organizações se constitui na principal criação
de vantagem competitiva. Em face das organizações se constituírem via estruturas de autoridade,
a manutenção de relações duradouras possibilita
interdependência e interações de proximidade, o
que propicia oportunidades para compartilhamento de conhecimento tácito e a formação de conhecimentos coletivos.
Troca, combinação de conhecimentos e criação de
capital intelectual geram valor quando as organizações estão habilitadas a explorar os conhecimentos buscando inovações. A estrutura de conhecimentos preexistente é a base para os processos
de aprendizagem que são cumulativos em relação
36
Gestão, Ciência & Saúde
ao que já é conhecido. Cohen e Levinthal (7) definem a habilidade na exploração de conhecimentos como uma componente crítica das inovações.
Os autores definem a capacidade de absorção de
uma organização como as habilidades constituídas
coletivamente e que permitem reconhecer o valor
de uma nova informação, no intuito de assimilar e
aplicar a fins comerciais. Apesar de depender das
capacidades de absorção de seus integrantes, a
capacidade de absorção de uma organização não
é simplesmente a somatória das capacidades individuais dos integrantes.
com o essencial na explicação das regularidades
descobertas (9). Em consequência, o trabalho de
pesquisa procurou analisar com intensidade uma
estrutura social por intermédio de uma detalhada
observação de uma unidade de análise (14).
Como postulado por Kaplan e Norton (17), os resultados financeiros somente, mesmo que importantes, são inadequados na avaliação da trajetória das organizações em ambientes competitivos
quanto às ações necessárias para criação de valor
futuro. É necessário aprofundar nos percursos que
conduzem à visão compartilhada, aos processos
de alinhamento em relação aos objetivos estratégicos. Ao trabalharem com o Balanced Scorecard
(BSC), os autores chamam a atenção para outras
três perspectivas a serem monitoradas pelas organizações: processos internos, atendimento aos
clientes, aprendizagem e crescimento. A Fundação Ezequiel Dias, Funed, utiliza indicadores na
implantação da estratégia oriunda da gestão integrada a partir de 2003, indicadores que contemplam as diferentes perspectivas do BSC.
5. A FUNED
Os aspectos organizacionais, a interface com o
ambiente, as relações entre as diversas unidades,
em síntese, a própria história da corporação são
fatores importantes na geração dos processos de
troca, combinação e criação de capital intelectual.
O trabalho de pesquisa procura identificar esses
relacionamentos na organização sob estudo para
conhecer como se dá a troca, a combinação, a
criação de capital intelectual e a constituição de
vantagem competitiva.
A produção de medicamentos foi iniciada na década de sessenta, no século passado, mas, a partir de 2003, a instituição amplia sua referência no
Brasil nas ações voltadas à promoção de saúde
pública. A Funed está vinculada à Secretaria de
Estado da Saúde de Minas Gerais e tem como
parceiros o Ministério da Saúde, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Secretarias Estaduais
e Municipais de Saúde e a Comunidade Científica.
4. METODOLOGIA DE PESQUISA
A estratégia de pesquisa realizada na Funed foi o
estudo de caso, porque é um meio de organizar os
dados mantendo o caráter unitário do objeto social
em estudo (12). Sendo uma pesquisa qualitativa,
a legitimidade das proposições não deve repousar no número de casos, mas no modo de lidar
O método de pesquisa foi construído via entrevistas semiestruturadas com integrantes da organização, análise de documentos públicos e observação
direta, privilegiando interações sociais informais
para maior confiabilidade das evidências.
A Funed foi inaugurada em três de agosto de 1907,
com o objetivo de pesquisar, divulgar e ampliar as
ações de saúde pública no estado de Minas Gerais, destacando a produção de soros, vacinas
e a realização de exames laboratoriais. Naquele
momento constituía-se como instituição científica,
centro intelectual da vida acadêmica de Belo Horizonte, referenciado na microbiologia. Já naquela
época, a biblioteca, local de estudo e discussões
científicas, era um atrativo à parte. A preocupação
com a pesquisa se alia à atividade médica sistemática desde a fundação da instituição. A instituição
vivencia o primeiro grande desafio no combate as
cobras e escorpiões que assolavam Minas Gerais
no início do século passado (30).
A Funed produz medicamentos analgésicos, cardiovasculares, anti-inflamatórios, antidiabéticos,
antiparasitários, antibióticos, anti-hipertensivos,
antirretrovirais, antialérgicos, ansiolíticos, antifúngicos, neurolépticos. A Fundação destina medicamentos a programas estratégicos conduzidos no
país para o tratamento de tuberculose, hanseníase e DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis)/
AIDS. Produz soros antivenenosos, sendo responsável pela capacitação de recursos humanos
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
no universo do Sistema Único de Saúde. Atua na
vigilância em saúde monitorando a qualidade dos
alimentos e das águas para consumo. É referência
nacional em diagnóstico para a Doença de Chagas e Leishmaniose Visceral, como também para
uma série de enfermidades. No momento, realiza
a capacitação de recursos humanos na coleta de
amostras para diagnóstico da Influenza A.
A Fundação tem tradição na promoção de fóruns,
seminários, reunindo pesquisadores, representantes de instituições públicas e privadas, parceiros,
que contribuem para o desenvolvimento de produtos de maior densidade tecnológica. Atualmente, o
capital humano é constituído por 837 colaboradores, divididos em quatro diretorias, entre os quais
cinco pós-doutores, 24 doutores, 50 mestres e 100
especialistas. Realiza periodicamente auditorias
internas, baseadas na NBR ISO 9001, que fazem
parte do Sistema de Gestão Integrada implantado
na instituição.
O sistema de gestão integrada foi implantado em
2003. A partir da gestão integrada, a instituição
formulou políticas de recursos humanos associadas aos cargos e grau de escolaridade dos colaboradores, vinculadas aos resultados. Está sendo
estruturado o núcleo de inteligência competitiva
objetivando análises de mercado e verificação de
oportunidades.
Atualmente a Funed produz mais de 1 bilhão de
unidades farmacêuticas por ano. A expertise em
biotecnologia na produção de imunobiológicos credencia a Funed na produção de medicamentos via
tecnologia de DNA recombinante. A instituição vivencia aprendizagem e desenvolve novas qualificações recombinando capacidades adquiridas com o
correr do tempo, ou seja, o que tem sido feito apresenta a previsão do que pode ser feito no futuro. O
conhecimento acumulado proporciona opções para
expansão em mercados novos no futuro (18).
6. ANÁLISE DA PESQUISA
“Ser um patrimônio da saúde pública no País, sendo
referência na produção de medicamentos essenciais e imunobiológicos, na realização de pesquisas no campo da saúde pública, no monitoramento
das ações da Vigilância Sanitária, Epidemiológica
37
e Ambiental”. A Visão de Futuro da Funed é uma
narrativa que busca significados compartilhados,
visando influenciar a ação de seus integrantes
(15). A expressão da narrativa junto aos integrantes é acompanhada pela simbologia, pelos mitos,
pela história da corporação centenária associada
ao trabalho de destacados cientistas como Oswaldo Cruz, Ezequiel Dias, Octavio de Magalhães, Alfred Schaeffer e diversos especialistas em todas
as épocas. A pesquisa em todas as unidades é o
fator de maior realce da instituição desde a sua
fundação, valor central da cultura organizacional.
Diretamente relacionada à cultura, a identidade da
instituição já estabelece o conjunto de qualificações, os meios de utilizar tais qualificações que
geram caminhos característicos de fazer as coisas
(23). Torna-se uma fonte de capital social, que auxilia, via motivação dos integrantes da instituição,
a troca e combinação de conhecimento (Figura 1).
No mapa estratégico da Fundação, tendo a visão
de futuro no ápice, é importante destacar na dimensão aprendizagem e crescimento, as políticas
de recursos humanos, o desenvolvimento gerencial e a gestão do conhecimento. Na dimensão
de processos, o estabelecimento de parcerias,
os processos de tecnologia e informação, em que
estão contidos os objetivos estratégicos relacionados a investimento em áreas portadoras de
futuro, desenvolvimento de produtos e serviços
inovadores, transferência de tecnologia e alinhamento de processos de inovação aos processos
organizacionais. Na dimensão clientes e mercados, a contribuição para o aumento da densidade tecnológica do estado e a contribuição para a
melhoria da qualidade de vida da população. Os
três processos selecionados de combinação e
troca de conhecimento na pesquisa, oriundos da
base biotecnológica e produção farmacoquímica,
são analisados nas principais dimensões do mapa
estratégico da instituição.
6.1. Produtos de base biotecnológica
A crise na produção de soro antiofídico no país na
década de oitenta abriu a possibilidade de uma
completa reestruturação da Funed. A chegada de
um renomado pesquisador, Dr. Carlos Ribeiro Diniz, para assumir a pesquisa da instituição significou a abertura da pesquisa em biotecnologia
na saúde. Foram estruturadas várias bolsas de
38
Gestão, Ciência & Saúde
pesquisa para formação, constituídas novas redes de
relações externas, construídos programas de intercâmbio de pesquisadores com instituições nacionais,
estrangeiras, múltiplas redes de relacionamentos
sustentadas na confiabilidade (5). O incremento da
pesquisa e a implantação do controle de qualidade
produziram inovações impulsionando a produção de
soros na instituição e propiciando a caracterização de
venenos para a produção de imunobiológicos.
O incremento do capital humano na Funed, a nova
rede de relacionamentos e as narrativas compartilhadas, ampliados na fase de reestruturação, fizeram do capital social o fomento ao acesso dos
agentes da Funed a novas informações, à previsão de geração de valor, à motivação e à ampliação das capacidades na combinação e troca de
conhecimento, que criou capital intelectual para
a instituição em bioquímica, imunologia, biologia
molecular, principalmente via conhecimento automático e conhecimento coletivo (29). A ampliação
do conhecimento organizacional, por intermédio
da ampliação do conhecimento dos indivíduos e
agregado à instituição, resultou na criação do serviço de biologia celular que, agregado à biologia
molecular e ao know how do centro de pesquisa
da Funed, formou a base de conhecimento para
trabalhar com a biotecnologia.
A partir de recursos próprios construídos na base
de conhecimento em biotecnologia, fonte de vantagem competitiva (31), a Funed possui no mapa
estratégico, na dimensão de processos, o objetivo
estratégico de desenvolvimento de produtos inovadores. Em consequência, a instituição desenvolve, atualmente, a pesquisa de dois produtos
estratégicos para o Sistema Único de Saúde no
Brasil, de elevado valor agregado e adquiridos por
alto custo no mercado: Interferon alfa, para utilização em portadores de hepatites B e C e a Eritropoetina, para tratamento de pacientes submetidos
a hemodiálise. Atualmente, a Secretaria de Estado
da Saúde gasta em torno de US$ 22 milhões/ano
com os dois produtos no mercado. Com a internalização da produção pela Funed, estima-se uma
economia da ordem de 40% no valor, ampliando
em decorrência o número de pacientes atendidos.
A pesquisa em torno desses dois produtos estratégicos envolve várias unidades da instituição: as
áreas de desenvolvimento farmacotécnico, desen-
volvimento biotecnológico, produção de imunobiológicos, biologia celular, engenharia, visando a geração de nova plataforma de alto valor agregado que
irá conduzir a uma nova planta de produção para
fornecimento dos medicamentos demandados pelo
Ministério da Saúde. Pesquisadores de unidades
diferenciadas que, na tipologia proposta por Nahapiet e Ghoshal (22), implicam as três dimensões do
capital social auxiliando a troca e combinação de
capital intelectual. Um contexto de desafio gerencial devido à necessidade de fomentar os relacionamentos formais e informais via seminários internos,
encontros informais, buscando a construção de redes com alta frequência de interação (20).
Buscando fomentar a troca de capital intelectual, a
Funed estabeleceu parceria com um centro europeu, ligado a engenharia genética, para o intercâmbio de pesquisadores visando o desenvolvimento
de produtos. Acordo em andamento, devido à capacidade de absorção da instituição, resultante de
aprendizagem cumulativa que permite assimilar novas informações e aplicar a fins comerciais (7).
6.2. Kit Funed Ogawa Kudoh
No Brasil, estima-se que cerca de 40 milhões de
pessoas são infectadas pelo bacilo da tuberculose, com 5 mil óbitos anuais. O número de casos
notificados não representa a realidade, pois parte
considerável dos infectados não são registrados
oficialmente. Vários fatores dificultam o trabalho
do Ministério da Saúde: falta de padronização das
técnicas bacteriológicas, alto custo do meio de cultura atualmente utilizado, dificuldade de implantar
a cultura no processo de diagnóstico e a dificuldade do diagnóstico pela metodologia atual na
maioria dos laboratórios. Em decorrência, a Funed
propõe a metodologia Ogawa Kudoh em todo o território nacional com a idealização do kit de cultivo.
No mapa estratégico da instituição, dimensão processos de tecnologia e inovação, a Funed identifica
o kit como área portadora de futuro. O kit de cultivo
apresenta embalagem compacta contendo penicilina, hidróxido de sódio, swab, acompanhados das
informações técnicas e da ficha de notificação da
doença. O kit é utilizado no exame laboratorial por
meio do método Ogawa Kudoh, o que possibilita detectar os casos de tuberculose, monitorar a evolução
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
do tratamento e a cura, interrompendo a cadeia de
transmissão da doença com maior rapidez, já que,
via os procedimentos tradicionais consagrados em
uso, os laboratórios menores não conseguem realizar os testes por exigirem maior complexidade.
A expertise dos pesquisadores da Funed, sustentada na intersecção de conhecimentos proposta na
tipologia definida por Spender (29) e construída nas
relações envolvendo as unidades de epidemiologia,
produção de meios de cultura e gestão da qualidade da instituição abriu a oportunidade para a troca e
combinação de conhecimento via capacidade para
combinação (Figura 1), o conhecimento prévio da
situação da doença no País e os vetores causadores da expansão. O acesso dos agentes de pesquisa à informação e conhecimento compartilhados
permitiu a perspectiva de geração de valor motivando a combinação e troca de conhecimento na geração de novo capital intelectual (Figura1).
O kit produzido na Funed tem alcance em todo o
território nacional, nas áreas mais distantes, nos
centros de proliferação da doença, constituindo-se
em fonte de vantagem competitiva, possibilitando
a melhoria da qualidade de vida da população no
país, um objetivo estratégico definido no mapa estratégico da instituição. A patente foi depositada no
INPI (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual).
6.3. Produção farmacoquímica
A produção farmacoquímica da instituição completa
quatro décadas. O papel da Funed na política nacional de assistência farmacêutica é bem definido
quanto ao estabelecimento de referência de preços
para o mercado, o que exige a busca contínua de
ampliação de produtos. Assim, justifica no mapa estratégico da Funed a existência do objetivo estratégico de ampliação da oferta de medicamentos.
A fábrica produzia 22 itens de medicamentos de baixa densidade tecnológica, o que cobria oito grupos
terapêuticos. A base de conhecimentos preexistente, aliada a um grande investimento na criação do
setor de desenvolvimento de medicamentos, com a
atração de novo capital humano, possibilitou a expansão para 48 itens de medicamentos com cobertura para 26 grupos farmacológicos, principalmente
antirretrovirais (AIDS), antidiabéticos e imunossupressores (talidomida). No momento, a instituição
desenvolve 11 novos produtos.
39
O objetivo estratégico de produção de medicamentos de maior densidade tecnológica, maior
valor agregado, demanda da instituição o estabelecimento de parcerias com instituições científicas
nacionais e internacionais. As parceiras em curso,
fruto do conhecimento acumulado na produção de
medicamentos, podem resultar na combinação e
troca de conhecimento entre os pesquisadores em
nove novos medicamentos na produção da Funed,
novo capital intelectual gerando expansão de mercado (18). Por intermédio da expansão de mercado, a incorporação de novos produtos na produção
da Instituição promove a regulação de preços de
medicamentos no mercado, resultando em queda
de preço de até 40% em alguns medicamentos adquiridos pelo governo estadual, como previsto na
missão da Funed.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A concepção das organizações baseada na visão
de recursos diferenciados, procura identificar capacidades que, se exploradas, podem resultar em
fonte de vantagem competitiva. Os recursos diferenciados possibilitam construir maior valor agregado nos processos produtivos, seja internamente
ou via cadeias produtivas, nas quais as organizações estão inseridas.
Na economia global, representada na intensificação da competição, a visão baseada em recursos
diferenciados, estratégicos, corresponde a compreender as organizações como instituições portadoras de conhecimentos, que agregam pessoas
com habilidades e qualificações diferenciadas, que
exigem um esforço de coordenação gerencial que,
mais do que integrar conhecimentos individuais
específicos necessita potencializar a combinação
e troca desses conhecimentos, no intuito de explorar o conhecimento coletivo, o capital intelectual
das organizações.
Uma visão em relação às organizações, em que
estão envolvidas a geração, transferência e absorção de conhecimento, quanto ao modo de
gestão pode ser traduzida por novos comportamentos em busca de coordenação e cooperação,
que ultrapassem as bases de autoridade consagradas na estrutura formal. Assim, a intensificação dos processos de troca e conhecimento nas
40
Gestão, Ciência & Saúde
organizações, que devem ser mediados via a gerência, ocorrem por intermédio da comunicação
entre os indivíduos, pela formação de relacionamentos formais, mas, sobretudo pelas relações
informais.
O foco na redução dos custos de transação, proporcionado pela hierarquização das organizações
em relação ao mercado, propugnado pela teoria
econômica clássica, deve ser superado pelo valor
agregado que as relações internas entre as pessoas podem gerar nos processos produtivos, em
um contexto de troca diferenciado das relações de
mercado. Uma concepção que pode ser construída
também nas transações de mercado, envolvendo
parcerias entre organizações, relações confiáveis
que ultrapassam as fronteiras organizacionais, no
conceito de embeddedness, o envolvimento em
relações sociais que influenciam o comportamento
econômico, ou o capital social como gerador de
valor agregado.
A história da instituição objeto da pesquisa demonstra, desde o nascimento, as relações pessoais
e informais entre pesquisadores, que na ascensão
da microbiologia buscavam construir políticas de
saúde pública. A formação, a combinação e a troca de conhecimento, ocorriam essencialmente em
um cenário de aglomeração de pesquisadores no
Rio de Janeiro. As relações sociais construídas em
Minas Gerais a partir da fundação da instituição, o
desenvolvimento do capital humano no campo da
medicina e saúde pública no estado, se constituíram na base de conhecimento da produção de soros por parte da instituição, vindo a ser um novo capital intelectual que estabeleceu a base para a sua
entrada posterior no universo da biotecnologia e do
cultivo celular. É no campo da biotecnologia que a
Instituição avança hoje na combinação e troca de
conhecimento, via parcerias e devido a manutenção da tradição de pesquisa, visando a produção
de medicamentos de maior densidade tecnológica.
Uma prática, bem definida em um trabalho seminal
realizado por Polanyi (27): “[...] desde que uma arte
não pode ser precisamente definida, só pode ser
transmitida via a prática à qual incorpora. Aprender
uma arte pelo exemplo da prática é se tornar um
representante dela”.
A Funed vive momentos de transição. Mesmo que
os avanços no campo do gerenciamento interno,
refletidos na concepção de gestão do conhecimento adotada pela alta administração, tenham
propiciado o estabelecimento de metas nas unidades
gerenciais básicas, tenham estabelecido a pactuação de resultados em referência à missão (o serviço
de proteção e promoção da saúde), a estrutura institucional permanece sob o mesmo regime jurídico
de sua constituição. Sob a ótica gerencial, o atual regime jurídico compromete a coordenação e a
cooperação interna, externa, devido às diferenças
existentes entre unidades tradicionais relacionadas
à pesquisa e unidades típicas de produção, que
exigem maior flexibilidade na gestão de recursos
humanos, compras, logística, visando à redução de
retrabalho e maior produtividade. Diferenças que
exigem políticas gerenciais distintas no intuito da
manutenção da sustentabilidade da Instituição.
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
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Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
43
Representações Sociais: instrumento de avaliação das políticas
gerenciais na Vigilância Sanitária do Estado de Minas Gerais
Social Representations: a tool for evaluation of management policies in the
Sanitary Surveillance of Minas Gerais State
Milton Cabral de Vasconcelos Neto1, Anna Edith Bellico da Costa2
1 Médico Veterinário, Especialista em Políticas Públicas de Saúde, Mestre em Ciência de Alimentos,
Analista e Pesquisador de Saúde e Tecnologia do Serviço de Microbiologia de Produtos, Instituto Octávio
Magalhães, Fundação Ezequiel Dias / Funed, [email protected]; 2.Psicóloga, Doutora em
Psicologia Social, Mestre em Psicologia Teórico-Experimental, Avaliadora do Sistema
Basis/SINAES/Inep/MEC
RESUMO
ABSTRACT
As sociedades modernas têm como principal característica a
diferenciação social. Neste contexto, o governo precisa rever
a forma com que pretende suprir as necessidades dessa sociedade diversificada. Para isso, surge um novo cenário na
administração pública tornando responsáveis as instituições
públicas e os servidores. Em Minas Gerais, a proposta de
reforma administrativa do estado, estabeleceu como instrumento de avaliação do desempenho institucional o acordo de
resultados. Sendo assim, as compreensões dos conceitos e
do contexto social, material e ideativo na qual os profissionais
da instituição estão vivendo tornam-se imprescindíveis na
elaboração do conhecimento social e subsequentemente na
construção de uma realidade comum capaz de interferir no
processo. Avaliar a aplicação da teoria das representações
sociais como instrumento de aprimoramento das políticas
setoriais, foi o objetivo do estudo. Este estudo foi aplicado
no ambiente da administração pública, servidores da saúde
e setor de vigilância sanitária e teve como cenário a Superintendência de Vigilância Sanitária do Estado de Minas Gerais, localizada em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Esta
unidade foi escolhida por ser considerada o núcleo central e,
portanto, mentor da política de saúde da vigilância sanitária.
O questionário aplicado como instrumento de investigação
foi do tipo Likert cujas afirmativas permitiam identificar as
opiniões expressas acerca do acordo de resultados, da avaliação gerencial do desempenho e da sua compreensão e
aplicabilidade, como instrumento de gestão. A utilização dos
instrumentos aplicados a teoria das representações sociais
demonstrou ser relevante e passível de serem aplicadas na
instituição pública. Além disso, concluiu serem conflitantes
as representações sociais dos servidores quanto à eficácia
dos instrumentos gerenciais propagado pelo discurso oficial
de gestão e a promoção do desenvolvimento e valorização
do servidor, tornando-o difícil.
The modern societies have as the primary characteristic social differentiation. In this context, the government needs to
check the way they intend to supply the needs of this diverse
society. That is the reason a new scenario in the public administration turns public institutions and servers responsible
for. In Minas Gerais, the proposed administrative reform of
the State established as a tool for evaluating the performance of the institutional agreement of results. Thus, understanding the concepts and the social, material and ideational
context in which professionals of this institution are living, become indispensable in the development of social knowledge
and subsequently the construction of a common reality able
to interfere in the process. Evaluate the application of theory of social representations as an instrument of improving
sectoral policies was the goal of the study. This study has
been applied in the environment of public administration,
health sector surveillance servers and had as a backdrop
the Superintendent of Sanitary Surveillance of the State of
Minas Gerais, in Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil. This
unit was chosen to be considered the core central and thus
mentor of the health policy of health surveillance. The research instrument was a Likert scale whose type statements
are allowed to identify the views expressed on the agreement of results, managerial assessment of performance and
their understanding and applicability, as a management tool.
The use of the applied theory of social representations has
proved to be relevant and capable of being applied in public
institutions. In addition, it was concluded that social representations of the servers on the effectiveness of management tools disseminated by the official discourse of management and promoting the development and enhancement
of the server are conflicting, making it difficult.
Palavras chave: Representações Sociais, Saúde, Administração Pública
Keywords: Social Representation, Health, Public Administration
44
Gestão, Ciência & Saúde
1. INTRODUÇÃO
As sociedades modernas têm como principal característica a diferenciação social. Isto significa
que seus membros não apenas possuem atributos
diferenciados (idade, sexo, religião, estado civil,
escolaridade, renda, setor de atuação profissional,
etc), como também possuem ideias, valores, interesses e aspirações diferentes e desempenham
papéis diferentes no decorrer da sua existência.
Tudo isso faz com que a vida em sociedade seja
complexa e frequentemente envolva em conflitos
de opinião, de interesses e de valores (5).
Nesse contexto, o governo precisa rever a forma
com que ele deve suprir as necessidades desta
sociedade diversificada. Para isso, surge um novo
cenário na administração pública exigindo maior
efetividade das instituições públicas e dos servidores. Desta forma, a avaliação de desempenho
institucional e individual, constitui parte necessária da gestão moderna, ao lado do estabelecimento de metas, contratos e ajustes para controlar a
prestação de serviços públicos.
As tendências no campo da reforma do aparelho
do Estado apontam para o uso da avaliação de desempenho como instrumento promotor do aperfeiçoamento da gestão governamental, do aumento
da eficiência e da ampliação do controle social. (3)
Em CARDOSO E SANTOS (3), entende-se como
monitoramento ou medição de desempenho a forma pela qual um governo determina se está oferecendo produtos ou serviços de qualidade a um
custo razoável, podendo ser esta avaliação institucional associada ou não à individual.
A Constituição Federal de 1988 determinou para
cada carreira mecanismos próprios e adequados
de avaliação de desempenho e capacitação, de
modo que houvesse uma retroalimentação permanente, colhendo-se insumos para o sistema de
promoções e o constante aperfeiçoamento dos
seus integrantes, a fim de instituir um efetivo sistema de mérito no serviço público (2).
Em Minas Gerais, o acordo de resultado (AR) é o
instrumento de avaliação de desempenho institucional que direciona o Governo para a busca de
resultados por meio de ações conforme descrito
na Lei 14.694 de 30 de julho de 2003. Ele constitui
uma das mais importantes e desafiadoras iniciativas do Projeto Estruturador “Choque de Gestão”,
no qual metas institucionais a serem cumpridas e
resultados a serem alcançados são pactuados (7).
Alguns fatores são fundamentais para a qualidade da gestão de qualquer instituição, entre eles:
o comportamento da chefia, a inserção dos profissionais como peça integrante no processo, a
transparência na condução dos procedimentos de
avaliação e a definição clara da missão da instituição, do objetivo, das metas e a da sua capacidade
de medir resultados.
Sendo assim, a compreensão dos conceitos e
do contexto social, material e ideativo na qual os
profissionais da instituição estão vivendo torna-se
imprescindível na elaboração do conhecimento social e subseqüentemente na construção de uma
realidade comum capaz de interferir no processo.
Uma realidade social, como entende a teoria das
representações sociais (RP), é criada apenas
quando um significado novo ou não familiar vem a
ser incorporado aos universos consensuais. Nesse
contexto, operam-se os processos pelos quais ele
passa a ser familiar, perde a novidade e torna-se
socialmente conhecido e real (4).
As RP são modalidades de pensamento prático,
orientadas para comunicação, a compreensão e o
domínio do ambiente social, material e ideal. Enquanto tais, elas apresentam características específicas no plano da organização dos conteúdos, das
operações mentais e da lógica. Dessa forma, as RP
são fenômenos sociais que devem ser entendidos a
partir do seu contexto de produção ou a partir das
funções ideológicas a que servem e das formas de
comunicação onde circulam (1,4,6,8).
Uma vez que a representação social (RS) é a reprodução do que se pensa, e não apenas um produto do produtor independente, Goulart et.al (4)
concluíram que se torna necessário conhecer a RS
em sua dinâmica e variabilidade, o que significa
um caminho para a definição de novos direitos e
novas áreas de ação política.
O presente trabalho tem como objetivos a avaliação da aplicabilidade da teoria das representações
sociais no ambiente da Administração Pública,
servidores da saúde e setor de vigilância sanitária,
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
como instrumentos de aprimoramento das políticas setoriais e a investigação das representação sociais dos servidores da vigilância sanitária
acerca dos instrumentos gerenciais do estado de
Minas Gerais.
2. METODOLOGIA
Neste estudo considerou-se como cenário a Superintendência de Vigilância Sanitária do Estado
de Minas Gerais, localizada em Belo Horizonte,
Minas Gerais, Brasil. Essa unidade foi escolhida
por ser considerada o núcleo central e, portanto,
mentor da política de saúde relacionados com a
vigilância sanitária.
A equipe da vigilância sanitária era composta por
profissionais de diferentes níveis de estudo (pósgraduação, graduação, nível médio) e vínculos
(efetivos e não efetivos). Estes responderam a
um questionário autoaplicável, sem identificação
nominal, cujas instruções continham informações
que permitiram aos servidores darem o seu consentimento livre e esclarecido, aderindo ou não,
conforme informação da pesquisa.
O questionário utilizado como instrumento de investigação, especialmente elaborado para identificar as RS quanto ao aspecto específico das novas
práticas de gestão preconizadas no “Choque de
45
Gestão”, foi do tipo Likert. Com base em uma escala, os entrevistados foram apresentados a afirmativas que foram avaliadas mediante o seu nível
de concordância, discordância ou indiferença. As
afirmativas foram estruturadas de maneira a permitir a avaliação da identificação do servidor com
a proposta gerencial do governo como também da
compreensão acerca do acordo de resultados, da
avaliação gerencial do desempenho e da sua aplicabilidade como instrumento de gestão.
Foi considerada como resposta a avaliação da percepção dos servidores frente às opções: Concordo
totalmente; Concordo parcialmente; Não concordo
e nem discordo; Discordo totalmente e Discordo
parcialmente assinaladas em cada afirmativa. As
opções foram agrupadas em Concordo, Discordo
e Indiferente diminuindo a possibilidade de erros
decorrentes do preenchimento errôneo.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
De um total de 61 servidores, aproximadamente
70% responderam ao questionário, ou seja, 42
servidores. Por ter sido voluntária a participação,
o índice alcançado foi considerado satisfatório.
A apuração das afirmativas descritivas que objetivavam avaliar a identificação do servidor com a
política gerencial institucional e individual está representada na Figura 1.
FIGURA 1 – Percepção dos servidores da Vigilância Sanitária acerca da proposta gerencial do governo estadual
46
Gestão, Ciência & Saúde
Maior concordância entre os entrevistados (66%)
foi observada para a afirmativa que considerava
a avaliação de desempenho e o acordo de resultados como instrumentos gerenciais adequados
ao aperfeiçoamento do estado. Em torno de 49 %
dos entrevistados se identificaram com a proposta
política gerencial e com a afirmativa descritiva de
que a avaliação de desempenho individual é um
instrumento gerencial apropriado para o desenvolvimento e valorização do servidor.
Entretanto, mesmo considerando o alto percentual
dos que se identificam com as propostas gerenciais
do governo, 51% demonstraram ser indiferentes ou
discordaram quanto a utilização da avaliação de
desempenho individual como instrumento apropriado para o desenvolvimento e valorização do servidor. Observado o público avaliado, infere-se que a
diferenciação do perfil profissional por vínculo (efetivo e não efetivo) possa ter possibilitado tal identificação. Na ocasião, os servidores não efetivos não
estavam sujeitos ao processo de avaliação do desempenho individual que pendulava apenas sobre
os servidores efetivados e cargos de chefia.
Tal resultado encontra similaridade ao observar a
frequência de servidores que demonstraram indiferença ou discordância com a identificação com a
política gerencial. Dessa maneira, pode-se inferir
que a política gerencial do governo apesar de entendida como promotora do desenvolvimento esta-
dual pode não ser compreendida como instrumento de desenvolvimento e valorização do servidor.
Das afirmativas descritivas acerca da compreensão
da política gerencial do governo, considerando o
acordo de resultado como um instrumento gerencial adequado à estruturação do estado ou como
instrumento associado à punição está descrito na
Figura 2.
Conforme demonstrado na Figura 2, do total de indivíduos entrevistados, 62% conhecem e compreendem a política gerencial do governo, 43% acham
que o planejamento e controle por meio de resultados promovem o desenvolvimento do estado e
24% associam o instrumento gerencial, acordo de
resultados, como um instrumento de cobrança.
Essas informações reforçam a identificação dos servidores com o acordo de resultado como instrumento
estruturador e promotor da melhoria do desempenho
estadual, mas não como instrumento de valorização
do servidor conforme discutido na Figura 1.
Apesar de não poder ser afirmado, mas suposto,
acredita-se que a necessidade de planejamento
para melhor estruturação da prática administrativa
seja algo que permeia o interesse do servidor, pois
planejar significaria reduzir gastos, otimizar trabalho,
compartilhar esforços e ser compensado por isso.
Estes conceitos estão inculcados na proposta administrativa governamental do acordo de resultado.
FIGURA 2 – Percepção dos servidores da Vigilância Sanitária acerca do Acordo de Resultado
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
4. CONCLUSÃO
Os dados sugerem que a utilização dos instrumentos aplicados à teoria das representações sociais
é relevante e passível de serem aplicadas na instituição pública.
Além disso, pode ser percebido por meio da aplicação deste instrumento que o processo de doutrinação da importância da elaboração, implantação,
implementação e uso dos instrumentos gerenciais
(acordo de resultado e avaliação de desempenho
individual) foi conduzido de maneira a se repetir no
discurso dos servidores.
A análise dos dados da população investigada evidencia que o discurso pró acordo de resultados e
sua importância foi inculcada e integra a representação social, diferentemente da referente à avaliação de desempenho individual.
Conclui-se, entretanto, que há representações sociais conflitantes dos servidores quanto à eficácia
dos instrumentos gerenciais propagados pelo discurso oficial de gestão o que pode dificultar a criação e a consolidação de uma “cultura de eficiência”,
tal como preconizado no documento estruturante
da reforma do estado. Sugere-se a continuidade
dos estudos similares no âmbito da administração
pública a fim de identificar os fatores condicionantes na elaboração do discurso do servidor, e de
identificar as representações sociais indicativas
do nível de compreensão das novas práticas de
gestão pública e a dissonância quanto ao discurso
oficial e a efetividade das mesmas.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o apoio financeiro da
FAPEMIG.
47
48
Gestão, Ciência & Saúde
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Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
49
ENSAIO DE PROFICIÊNCIA EM HIV: UMA FERRAMENTA NA MELHORIA DA QUALIDADE
DO DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DA REDE DE HIV DE MINAS GERAIS*
HIV PROFICIENCY TEST: A TOOL IN IMPROVING THE QUALITY OF LABORATORY
DIAGNOSIS OF HIV NETWORK OF MINAS GERAIS
Aline Magalhães de Matos da Silveira1, Luciana Ramos de Almeida2, Rodrigo Souza Leite3, Adriane
Zacarias Nunes4, Maria Helena Savino Corrêa5, Jovita Eugênia Gazzinelli Cruz Madeira6
1 Bióloga pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Mestre em Microbiologia pela Universidade Federal de Minas
Gerais, Analista Pesquisadora de Saúde e Tecnologia da Fundação Ezequiel Dias, [email protected];
2 Bióloga pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Mestre em Microbiologia pela Universidade Federal de Minas
Gerais, Bolsista de Apoio Técnico Nível I da Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais, [email protected];
3 Biólogo pela Universidade Federal de Minas Gerais, Mestrando em Ciência e Tecnologia das Radiações de Materiais e Minerais
pelo CDTN – CNEN, Analista Pesquisador de Saúde e Tecnologia da Fundação Ezequiel Dias, [email protected];
4 Bióloga pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Especialista em Saúde Pública, Especialista em Bioética, Mestranda em Ciências da Saúde pela Universidade Vale do Rio Verde (Unincor), Analista Pesquisadora de Saúde e Tecnologia da
Fundação Ezequiel Dias, Biológa/Docente da Faculdade São Camilo; 5 Bióloga pelas Faculdades Metodistas Integradas Izabela
Hendrix, Especialista em Biossegurança em Laboratórios pela Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro, Analista Pesquisadora
de Saúde e Tecnologia da Fundação Ezequiel Dias, [email protected]; 6 Bióloga pela Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais, PhD pela University of London / Kings College London, Analista e Pesquisadora em Saúde e Tecnologia V da
Fundação Ezequiel Dias, [email protected]
RESUMO
ABSTRACT
É crescente a busca de novas ferramentas que auxiliem no controle de qualidade de produtos e serviços
dos laboratórios. Dentre as alternativas de controle
externo da qualidade, destaca-se o ensaio de proficiência, que determina o desempenho de um laboratório na realização de determinado ensaio, por
comparação interlaboratorial. Atualmente no Brasil,
existem apenas dois provedores cadastrados para
oferecerem ensaios de proficiência em HIV. Os serviços disponíveis apresentam alto custo, o que muitas
vezes inviabiliza a aquisição e a participação de laboratórios, principalmente os da rede pública. Considerando a importância do diagnóstico laboratorial da
infecção pelo HIV e a necessidade de coordenar um
programa de controle da qualidade analítica para este
diagnóstico, estabelecido pela portaria MS/GM nº 59
de 2003, o Instituto Octávio Magalhães (LACEN-MG),
representado pela Divisão de Planejamento e Gestão
da Qualidade (DPGQ) e pelo Serviço de Análises em
Produtos de Sangue (SAPS) organizaram um programa de avaliação externa da qualidade, oferecendo o
ensaio de proficiência à Rede de Laboratórios para o
Diagnóstico do HIV em Minas Gerais. Deste modo,
este artigo relata a experiência alcançada por meio
da implantação do Programa de Avaliação Externa
da Qualidade pela oferta do Ensaio de Proficiência
em HIV e as perspectivas da Fundação Ezequiel Dias
como provedor de ensaios de proficiência.
There is a growing search for new laboratory tools
that assist in controlling the quality of its products
and services. Among the alternatives to control external quality stands the test of proficiency, which
determines the performance of a laboratory, for
evaluation by interlaboratory comparison. Currently
in Brazil, there are only 02 registered suppliers to
provide proficiency testing for HIV. The products
available have a high cost, which often frustrates
the acquisition and the participation of laboratories,
especially those of the public Institute. Considering the importance of laboratory diagnosis of HIV
infection and the need to coordinate a program of
analytical quality control for diagnosis, established
by Decree nº. 59/GM/MS 2003, the Institute Octávio
Magalhães (LACEN-MG), represented by the Division Planning and Quality Management (DPGQ)
and the Service of Analysis for Blood Products
(SAPS) organized a program of external quality assessment, providing a test of proficiency Network
of Laboratories for the Diagnosis of HIV in Minas
Gerais State. Therefore, this article reports the experience gained through the implementation of the
Program for External Quality Assessment of the
Proficiency Test in HIV and perspectives of FUNED
as a provider of proficiency testing.
Palavras-chave: Ensaio de proficiência, HIV, Comparação Interlaboratorial, Controle Externo da Qualidade
Keywords: Proficiency Test, HIV, Interlaboratorial
Comparison, External Quality Control
* Parte da monografia apresentada por Maria Helena Savino Corrêa à Universidade Estadual de Montes Claros, como parte dos requisitos para
a obtenção do título de Especialista em gestão Institucional, em dezembro de 2009.
50
Gestão, Ciência & Saúde
1. INTRODUÇÃO
É recomendada uma avaliação independente e
regular do desempenho técnico de um laboratório
como um importante meio de assegurar a validade
de medições analíticas e como parte integrante de
uma estratégia global de qualidade (3).
O Ensaio de Proficiência (EP) é um sistema de
avaliação dos resultados gerados em ensaios de
comparações interlaboratoriais com o objetivo de
avaliar a competência técnica dos laboratórios
participantes desses ensaios (1). O EP é capaz de
avaliar os processos de análise e garantir a confiabilidade dos resultados gerados. (3)
Num contexto geral, um programa de proficiência
é constituído de itens que simulam o material da
rotina, com resultados desconhecidos pelos participantes. Os laboratórios recebem estes materiais
e devem, em um prazo determinado, retornar os
resultados obtidos ao provedor do programa. O
provedor de posse dos resultados realiza comparações e análises estatísticas, repassando a cada
laboratório sua avaliação, indicando pontos para
melhorias, acertos e considerações pertinentes.
Ensaios de proficiência estão adquirindo crescente importância, como ferramenta de garantia da
qualidade, para laboratórios. O desempenho de
laboratórios em EP também está sendo cada vez
mais usado, particularmente por órgãos de acreditações, como uma medida da competência e qualidade dos laboratórios.
Atualmente no Brasil há pouca oferta de ensaios
de proficiência, pelo reduzido número de provedores, em especial para o marcador anti-HIV. Os serviços disponíveis apresentam alto custo e inviabilizam a aquisição e participação de laboratórios,
principalmente os da rede pública.
O Ministério da Saúde, por meio da Portaria MS/
GM nº 59, de 28 de janeiro de 2003 estabeleceu
o Programa de Controle de Qualidade Analítica
do Diagnóstico Laboratorial de Infecção pelo HIV
(PCQA HIV), com o objetivo de implementar ações
para a melhoria e garantia da qualidade do diagnóstico laboratorial. Tal portaria definiu como responsabilidade dos Laboratórios Centrais de Saúde
Pública (LACEN) a implantação, implementação e
coordenação do PCQA HIV (4).
O Ensaio de Proficiência em HIV fornece, às instituições participantes, um instrumento de controle externo que deve ser utilizado para fortalecer a
confiabilidade dos testes diagnósticos, bem como
auxiliar na identificação e correção de possíveis falhas existentes no processo. Permitindo, então, o
contínuo aprimoramento no processo de trabalho
dos participantes.
Este artigo é um relato da implantação do ensaio
de proficiência em HIV no Instituto Octávio Magalhães (IOM) da Fundação Ezequiel Dias (Funed),
dos dados obtidos na realização da primeira rodada e das perspectivas como provedor de ensaio de
proficiência.
2. METODOLOGIA
2.1. Organização do Ensaio de Proficiência em HIV
O IOM por meio da Divisão de Planejamento e
Gestão da Qualidade (DPGQ) é o provedor deste
programa. O Serviço de Análises em Produtos de
Sangue (SAPS) é o laboratório de referência, responsável pela confecção dos itens de ensaio e a
determinação de seus valores designados.
Um grupo consultivo, constituído por profissionais
qualificados, realizou as análises críticas dos resultados enviados, contribuindo na confecção do
relatório final de cada rodada. Este relatório foi
enviado, posteriormente, aos laboratórios participantes.
A confidencialidade sobre a identidade de cada
participante foi assegurada por meio da criação de
código único atribuído a cada participante, gerado
aleatoriamente e mantido em arquivo confidencial.
Inicialmente, a meta era incluir todos os laboratórios da Rede de HIV de Minas Gerais, totalizando
24 instituições. Entretanto, por critérios específicos neste primeiro momento, a participação ficou
restrita apenas aos oito principais laboratórios de
diagnóstico de HIV das Gerências Regionais de
Saúde do Estado de Minas Gerais. A participação
no programa foi gratuita e cada laboratório recebeu um conjunto detalhado de informações e assinou um termo para formalizar a sua adesão.
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
2.2. Painel sorológico
O painel sorológico é constituído por um conjunto
de soros humanos composto por amostras positivas e negativas. Sua confecção compreende uma
série de procedimentos que vão desde a seleção
da matéria-prima (bolsas de plasma de doadores
de sangue) até a escolha dos itens de ensaio que
irão constituí-lo.
Cada laboratório participante recebeu um painel
sorológico composto por quatro itens de ensaio
para serem utilizados nos ensaios sorológicos da
rotina laboratorial para o marcador anti-HIV. Estes
itens de ensaio são similares àqueles da rotina laboratorial e, portanto, devem receber o mesmo tratamento, respeitando prazos estipulados e normas
de biossegurança (1).
Para a confecção dos itens ensaios, a Fundação HEMOMINAS forneceu as bolsas de plasma humano,
provenientes de doadores de sangue com reatividade sorológica conhecida para o marcador anti-HIV.
As unidades de plasma foram conservadas até a realização da etapa de recalcificação e clarificação.
2.2.1. Recalcificação e clarificação do
plasma humano
O método de recalcificação do plasma consiste no
restabelecimento das características de limpidez e
incoagulabilidade que o plasma possuía antes do fracionamento das bolsas de sangue total colhidas dos
doadores de sangue (9). O plasma convertido em
soro foi transferido para frascos de armazenamento,
de onde foram retiradas alíquotas para a caracterização sorológica. Os frascos de soro foram mantidos
congelados a temperaturas em torno de -20ºC.
2.2.2. Caracterização sorológica
As alíquotas obtidas da recalcificação passaram por
um processo de caracterização sorológica mínima
exigida para o marcador anti-HIV (8). Foram utilizadas metodologias definidas pela Portaria MS/GM nº
59, de 28 de janeiro de 2003 (4) e diferentes conjuntos diagnósticos. Em todas as amostras foram
realizados cinco testes distintos independente do
resultado obtido ser positivo ou negativo. A caracterização sorológica permitiu a determinação do valor
51
designado, que se trata do valor atribuído a uma
propriedade particular do item de ensaio (1).
2.2.3. Envase dos itens de ensaio
Após o processamento e a caracterização sorológica, foi realizado o envase do soro em tubos criogênicos no volume de 1,5 mL. Cada tubo criogênico recebeu uma etiqueta contendo código unívoco
de identificação do item de ensaio. Os itens de ensaio foram mantidos congelados a temperaturas
em torno de -20ºC até o momento de montagem
dos painéis sorológicos.
2.2.4. Montagem dos painéis sorológicos
Foram selecionados aleatoriamente quatro itens de
ensaio para composição de cada painel sorológico.
Para determinar a quantidade de amostras positivas e negativas, foram gerados números aleatórios
pela distribuição de Bernoulli para um número de
variáveis igual a 4 e valor p igual 0,25. Ao número 0
(zero) atribui-se o valor negativo e ao o número 1 o
valor positivo. Combinações que possuem apenas
0 ou 1 foram excluídas. Cada caixa, contendo os
itens de ensaio, foi devidamente identificada com o
código do painel sorológico correspondente e, posteriormente acondicionada em uma segunda embalagem, caixa para transporte de material biológico
(Medical Box®) contendo gelo seco para o correto
envio pelos Correios aos laboratórios participantes.
A embalagem e o método de transporte atenderam
a requisitos nacionais e internacionais (6).
2.2.5. Envio do painel sorológico aos
participantes
O envio dos painéis sorológicos da primeira rodada ocorreu no mês de março/2009. O cronograma
geral disponibilizado pelo provedor previu a realização de mais três rodadas para o ano de 2009
com intervalo de três meses (8).
2.2.6. Estabilidade dos itens de ensaio
Para demonstrar a estabilidade dos itens de ensaio, o SAPS manteve um painel sorológico nas
mesmas condições recomendadas aos laboratórios participantes durante o período estipulado
52
Gestão, Ciência & Saúde
para execução da rodada. A estabilidade pode ser
comprovada por meio da concordância entre os
resultados obtidos nos testes de estabilidade e na
etapa de caracterização sorológica.
2.3. Análise dos resultados e avaliação
do desempenho
Cada laboratório participante recebeu formulários
padronizados para registro dos resultados juntamente com as instruções para o preenchimento.
Quando um exame não fazia parte da rotina do
laboratório, o participante não deveria responder.
Neste caso, o participante foi orientado a preencher como “Não realizado (NR)” o campo apropriado da folha de resposta.
Após a realização dos ensaios, o participante encaminhou os resultados para o provedor. Resultados não relatados ou remetidos após o prazo estipulado não foram avaliados. Todas as informações
foram mantidas sob sigilo. O grupo consultivo teve
acesso aos resultados, porém desconhecia a identidade dos participantes.
3. RESULTADOS
Na Tabela 1, são apresentados os resultados enviados pelos laboratórios participantes, referentes
à primeira rodada do programa (Rodada 001) ocorrida em março de 2009. Estes se encontram ordenados pelos códigos dos participantes.
TABELA 1 – Resultados apresentados pelos laboratórios participantes na Rodada 001
Código dos
Participantes
AC001
CX001
DK001
FT001
HF001
JM001
ON001
RI001
Código dos Itens de
Ensaio
Resultado da
Confirmação
Sorológica A
Resultado da
Confirmação
Sorológica B
Valor Designado
(SAPS)
Resultado da
Triagem Sorológica
A249
NEGATIVO
Não Reativo
-
-
A715
HIV-POSITIVO
Reativo
Reativo
Reativo
A875
NEGATIVO
Não Reativo
-
-
A993
NEGATIVO
Não Reativo
-
-
A126
NEGATIVO
Não Reativo
Não Reativo
-
A604
HIV-POSITIVO
Reativo
Reativo
-
A953
HIV-POSITIVO
Reativo
Reativo
-
A961
HIV-POSITIVO
Reativo
Reativo
-
A721
NEGATIVO
Não Reativo
-
-
A830
HIV-POSITIVO
Reativo
Reativo
Positivo
A849
NEGATIVO
Não Reativo
-
-
A922
NEGATIVO
Não Reativo
-
-
A141
NEGATIVO
Não Reativo
-
-
A170
HIV-POSITIVO
Reativo
Reativo
-
A578
NEGATIVO
Não Reativo
-
-
A596
NEGATIVO
Não Reativo
-
-
A323
HIV-POSITIVO
Reativo
Reativo
Positivo
A583
HIV-POSITIVO
Reativo
Reativo
Positivo
A662
NEGATIVO
Não Reativo
-
-
A683
NEGATIVO
Não Reativo
-
-
A080
HIV-POSITIVO
Reativo
Reativo
-
A415
NEGATIVO
Não Reativo
Não Reativo
-
A602
NEGATIVO
Não Reativo
Não Reativo
-
A737
HIV-POSITIVO
Reativo
Reativo
-
A118
HIV-POSITIVO
Reativo
-
-
A158
NEGATIVO
Não Reativo
-
-
A594
NEGATIVO
Não Reativo
-
-
A667
HIV-POSITIVO
Reativo
-
-
A147
NEGATIVO
Não Reativo
Não Reativo
-
A245
NEGATIVO
Não Reativo
Não Reativo
-
A878
HIV-POSITIVO
Reativo
Reativo
-
A921
HIV-POSITIVO
Reativo
Reativo
-
(-) Resultados não informados pelos laboratórios
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
A análise foi baseada na comparação individual
com os respectivos valores designados atribuídos pelo laboratório de referência, classificando o
resultado final como adequado e inadequado de
acordo com a concordância obtida. A avaliação foi
feita separadamente para cada ensaio.
Com o objetivo de realizar a detecção de anticorpos anti-HIV para o diagnóstico laboratorial, foi
exigido pela portaria o cumprimento rigoroso dos
procedimentos sequenciados. Na etapa 1, triagem
sorológica, foi realizado um imunoensaio capaz de
detectar anticorpos anti-HIV-1 e anti-HIV-2.
A etapa 2 do procedimento, confirmação sorológica,
consistiu na realização de um segundo imunoensaio
em paralelo ao teste de Imunofluorescência Indireta
para o HIV-1 (IFI/HIV –1) ou teste imunoblot para HIV.
Visando facilitar a interpretação dos resultados
apresentados pelos participantes, foi adotado
pelo programa a seguinte nomenclatura: Etapa 2A
(Confirmação sorológica pelo segundo imunoensaio) e Etapa 2B (Confirmação sorológica por IFI/
HIV-1).
A triagem sorológica (etapa 1) e a confirmação
sorológica (etapa 2A) devem ser realizadas por
princípios metodológicos e/ou antígenos distintos.
Dois laboratórios não atenderam esse requisito.
A etapa de confirmação sorológica (etapa 2A) deve
ser realizada em paralelo à reação de Imunofluorescência Indireta ou Imunoblot para HIV. Somente três
laboratórios participantes cumpriram essa etapa.
O critério adotado para a avaliação do desempenho
de cada participante na rodada é o seu percentual de
53
acertos. Para o marcador anti-HIV foi considerado
satisfatório o laboratório que apresentar 100% de
acertos nos resultados dos ensaios e, insatisfatório para acertos inferiores a 100%. A avaliação de
desempenho requer igualdade de condições para
todos os participantes, sendo assim, nesta rodada
tomou-se como base apenas os resultados apresentados para a etapa da triagem sorológica (Etapa-1). Pode-se concluir que 100% dos laboratórios
participantes obtiveram desempenho satisfatório
(Figura 1).
Com base nos resultados apresentados e nas
análises realizadas, foi elaborado um relatório da
Rodada 001 que, posteriormente, foi encaminhado
a todos os laboratórios participantes.
Esse relatório teve como objetivo auxiliar o participante na avaliação de seu desempenho e compará-lo com os resultados de todos os participantes. Constam também no relatório recomendações
baseadas na ABNT ISO/IEC 17025, para o aperfeiçoamento dos procedimentos laboratoriais e a
forma de apresentação dos resultados (2). Os laboratórios devem atentar para as recomendações
fornecidas pelo provedor, lendo e seguindo todas
as instruções contidas na documentação enviada
juntamente com o painel sorológico.
4. DISCUSSÃO
O ensaio de proficiência oferecido pela Funed teve
caráter educativo, confidencial e não punitivo, pois
sua finalidade foi possibilitar aos laboratórios participantes uma análise crítica do desempenho destes laboratórios.
FIGURA 1 – Avaliação de desempenho dos laboratórios participantes da Etapa 1 – Triagem Sorológica
54
Gestão, Ciência & Saúde
A primeira rodada do ensaio de proficiência em HIV
foi organizada em conformidade com a ABNT ISO
Guia 43, que estabelece os requisitos necessários
a um provedor de ensaios de proficiência (1).
O protocolo de ensaio enviado aos laboratórios
participantes foi dividido em triagem sorológica,
confirmação sorológica e diagnóstico laboratorial.
O laboratório que cumprisse todas as etapas dos
resultados adequados teria seu desempenho considerado satisfatório. No entanto, ao analisar os
resultados enviados pelos laboratórios, o provedor
verificou que a estratégia planejada demonstravase inadequada, pois nem todos os participantes
realizavam todas as etapas definidas no protocolo.
Deste modo, a equipe envolvida no ensaio de proficiência em HIV optou por avaliar os participantes
em cada uma das etapas individualmente.
Na etapa 1, Triagem sorológica, todos os participantes tiveram desempenho satisfatório (100% de
acerto). A etapa 2 foi subdividida em 2A, Confirmação sorológica por ensaio imunoenzimático (ELISA), apenas um dos oito participantes não realizou
o teste. Já na etapa 2B, Confirmação sorológica
por IFI/HIV-1, apenas três dos oito participantes
cumpriu essa etapa. Finalmente, na etapa 3, Diagnóstico laboratorial, quatro laboratório demonstraram capacidade para a conclusão do diagnóstico
(dado não apresentado).
Após a análise dos resultados, o provedor realizou
uma consulta aos laboratórios participantes com o
objetivo de identificar as causas para a não realização de todos os testes pela maior parte dos participantes, os motivos relatados foram: falta de kit
para diagnóstico, falta de recursos para manutenção de equipamentos e de pessoal treinado com a
qualificação necessária para substituição em caso
de férias e licenças do trabalho.
Como um dos princípios de qualquer ensaio de
proficiência é a garantia das condições de igualdade a todos os participantes, para a comparação
dos resultados, foi considerada apenas a etapa
triagem sorológica. Deste modo todos os laboratórios participantes apresentaram desempenho
satisfatório, ou seja, 100% de acerto.
Após a análise crítica dos resultados da primeira rodada, o protocolo para a segunda rodada foi
alterado. Foram mantidas as etapas 1 e 2, porém
o participante foi orientado a enviar o resultado
apenas da etapa que é realizada na rotina do laboratório. A avaliação de desempenho foi focada
na capacidade de realização do ensaio e não na
observação dos requisitos da portaria de MS/GM
nº 59 de 2003.
5. CONCLUSÃO
Tendo em vista a relevância do diagnóstico laboratorial do HIV para a sobrevida de indivíduos com
infecção pelo vírus HIV e os riscos a que um erro
de diagnóstico expõe o indivíduo, o Ministério da
Saúde publicou a Portaria n° 59, de 31 de janeiro
de 2003. Tal portaria define a necessidade de se
implantar um programa de controle da qualidade
analítica do diagnóstico laboratorial da infecção
pelo HIV, tal atribuição foi dada aos Laboratórios
Centrais de Saúde Pública. A Funed optou pelo ensaio de proficiência como ferramenta relevante para
tal controle e definiu por implantar um provedor de
ensaios de proficiência. Medidas descritas em um
projeto piloto foram tomadas e os resultados obtidos no ensaio de proficiência capacitam a Funed a
oferecer ensaios de proficiência não só para a rede
de laboratórios públicos de Minas Gerais, mas para
a rede de laboratórios públicos e privados do país.
Por ser gratuito, o ensaio de proficiência implantado
pela Funed proporcionou à rede de laboratórios públicos de Minas Gerais para o diagnóstico de HIV,
que até então não dispunham de recursos para a
contratação ensaios de proficiência oferecidos por
empresas privadas, uma ferramenta fundamental
para a garantia da qualidade dos seus resultados.
Tal medida reflete o compromisso da Funed com a
sua missão de “ Participar da construção do Sistema
Único de Saúde, protegendo e provendo a saúde”,
pois a oferta de ensaios de proficiência para os laboratórios contribuirá sobremaneira com a qualidade
do diagnóstico laboratorial do HIV em Minas Gerais.
6. PERSPECTIVAS
A Fundação Ezequiel Dias propiciará a oferta de
mais três novos ensaios de proficiência para outros
marcadores sorológicos, como Hepatite B, Sífilis e
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
Leishmaniose, o que contribuirá para uma avaliação mais extensa e completa dos laboratórios da
rede pública do país.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos à equipe técnica da Assessoria de
Comunicação Social da Funed pela consultoria,
Fundação Hemominas pelo fornecimento de matéria prima e a Fapemig pelo apoio financeiro.
55
56
Gestão, Ciência & Saúde
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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de proficiência por comparações interlaboratoriais. Rio de Janeiro, RJ: 1999. 17p.
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gerais para a competência de laboratórios de
ensaio e calibração. Rio de Janeiro, RJ: 2001.
20 p.
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da ANVISA Habilitação. Seleção, uso e interpretação de programas de ensaio de proficiência (EP) por laboratórios. Brasília, v.2: 46 p.
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de 2003. Especifica a sub-rede de laboratórios
do Programa Nacional de DST e AIDS e estabelece o novo algoritmo para o diagnóstico sorológico da infecção pelo HIV. DOU, Brasília,
30 de jan. 2003.
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and quality assurance.v. 7: p.345-350 2002.
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princípios da ABNT ISO / IEC guia 43: 1999.
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9. SILVA, C.R.C. Implementação de um Programa
de Avaliação Externa da Qualidade em Sorologia para Leishmaniose visceral Canina. Dissertação (Mestrado Profissional em Tecnologia
de Imunobiológicos) – Instituto Oswaldo Cruz.
Rio de Janeiro. 2007.
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
57
IMPORtÂNCIA dA implantação da qualidade EM LABORATÓRIOS DE SAÚDE
PÚBLICA: experiência DO Laboratório de Microbiologia de Alimentos,
Fundação Ezequiel Dias
IMPORTANCE OF THE IMPLANTATION OF THE QUALITY IN LABORATORIES OF PUBLIC
HEALTH: EXPERIENCE OF THE LABORATORY OF FOOD MICROBIOLOGY, Fundação
Ezequiel Dias
Milton Cabral de Vasconcelos Neto1, Carolina Araújo Vieira2, Gracielle Alves Carlos3
1 Médico Veterinário, Mestre em Ciência de Alimentos, Especialista em Gestão de Políticas de Saúde,
Analista e Pesquisador de Saúde e Tecnologia, Instituto Octávio Magalhães, Fundação Ezequiel Dias /
Funed, [email protected]; 2 Bióloga, Mestre em Microbiologia, Analista e Pesquisador de
Saúde e Tecnologia, Instituto Octávio Magalhães, Funed; 3 Graduanda em Farmácia, Técnica em Saúde e
Tecnologia, Instituto Octávio Magalhães, Funed
RESUMO
ABSTRACT
O Sistema de Gestão da Qualidade é o conjunto
de elementos inter-relacionados para dirigir e controlar uma organização, sendo uma ferramenta inerente aos laboratórios que almejam a implantação
da qualidade. Este sistema possui como estrutura
básica de trabalho a avaliação dos procedimentos,
registros e a necessidade de gerenciar todos os
pontos que possam de alguma maneira afetar os
resultados laboratoriais. Nesse sentido, o presente
trabalho objetivou contextualizar a evolução analítica do Laboratório Central de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais e o processo de implantação
e implementação da qualidade no Laboratório de
Microbiologia de Alimentos da Fundação Ezequiel
Dias, por meio da verificação de algumas práticas
de rotina. Foi realizado um estudo retrospectivo,
utilizando-se a análise descritiva como base para
avaliação e análise dos registros de temperatura de
equipamentos como estufas, geladeiras e banhomaria, registros de controle ambiental e de cabines
de segurança biológica, dos anos de 2007 e 2008.
Os laboratórios públicos de saúde têm demonstrado inserção nas políticas de saúde e a preocupação
em prover resultados confiáveis aos órgãos gestores. Percebe-se nitidamente a preocupação dos laboratórios na busca de conceitos e procedimentos
que venham a garantir a implantação da qualidade
laboratorial em consonância com as normatizações
vigentes. Portanto, faz-se necessário a incorporação da gestão dos dados gerados como critério de
constante avaliação da implantação da qualidade.
The Quality Management System is a tool attached
to the laboratories that target the deployment of
quality. This system has as a basic structure of the
evaluation of work procedures, records, the need
to manage all subjects that may in any way affect
the quality. These paper aims are to describe the
analitycal evolution and the process of deployment
and implementation of quality in the Food Microbiology Laboratory, in the Fundação Ezequiel Dias
through the verification of some routine practices. The retrospective study was conduced and
a descriptive analysis methods was used, based
on review and analysis of records of temperature, environmental control and cabin of biological
security of the years 2007 and 2008. The public
health laboratories, inserted in the Food Microbiology Laboratory, have demonstrated that its work
has been integrated with the health policies as the
concern to provide reliable results to management
health organization. It is perceived clearly that the
development of laboratories in search of concepts
and procedures that will ensure the implementation
of laboratory quality is being necessary to incorporate the routine to manage the dates generated as
a criterion for evaluating the deployment of quality
in the laboratories.
Palavras-chave: Qualidade, Laboratório, Microbiologia
Keywords: Quality, Laboratory, Microbiology
58
Gestão, Ciência & Saúde
1. Introdução
Os laboratórios do sistema de saúde pública têm
como função básica promover atividades voltadas para o controle epidemiológico, sanitário e
ambiental de uma população. No cumprimento
de uma de suas funções, o laboratório de saúde
pública atende à demanda analítica de produtos
afetos à vigilância sanitária (1).
O Laboratório de Microbiologia de Alimentos
(LMA) é uma unidade do Serviço de Microbiologia
de Produtos que pertence à Divisão de Vigilância
Sanitária do Instituto Octávio Magalhães da Fundação Ezequiel Dias, Minas Gerais. Para cumprir
o objetivo de fornecer procedimentos analíticos
complementares às ações de Vigilância Sanitária
(Visa) o LMA utiliza, além do conhecimento especializado, processos e técnicas laboratoriais que
incluem o uso de equipamentos, kits diagnósticos
e meios de cultura.
A análise laboratorial tem contribuído com as ações
de Visa por meio da produção de resultados capazes de permitir o monitoramento da eficiência dos
processos de elaboração dos produtos, da estimativa de incidência/prevalência de agentes infecciosos, da identificação de perigos e da previsão
da ocorrência de surtos. Tal percepção encontrase amparada pelos documentos elaborados pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa),
onde pode ser percebida a incorporação dos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacen) e, por
conseguinte, das análises laboratoriais no processo de fortalecimento da saúde no país (3,4,5).
Visto as variadas formas com que os centros de
análise de referência podem atuar, um sólido conhecimento das potencialidades, das eventuais
limitações das análises laboratoriais, dos fatores
condicionantes para a execução de dados confiáveis e dos procedimentos analíticos pode permitir
a otimização de testes, redução de custos, tempo
e racionalização do processo de trabalho, evitando, assim, complicações com excesso de dados.
Publicada no Brasil pela Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT), a norma NBR/ISO/IEC
17025:2005 estabelece os critérios para as organizações que desejam demonstrar sua competência técnica, que possuam um sistema efetivo de
qualidade e são capazes de produzir resultados
tecnicamente válidos e confiáveis. Contudo, a utilização desta norma não impossibilita a adoção de
outras normas gerenciais (8).
No Brasil, coordenada pela Anvisa, a Rede Brasileira de Laboratórios de Saúde Pública, Reblas,
possui como principal objetivo a formação de uma
rede para a prestação de serviços laboratoriais relativos às análises prévias, de controle fiscal e de
orientação de produtos sujeitos ao regime da Vigilância Sanitária.
Em consonância com esse movimento, a Fundação Ezequiel Dias (Funed) tem desenvolvido atividades, desde o ano de 2003, visando à implantação de um sistema de gestão da qualidade nas
suas unidades laboratoriais garantindo, assim, o
resultado analítico. Entretanto os laboratórios, de
acordo com o Relatório Anual de 2003 da Anvisa,
têm encontrado dificuldades para efetuar mudanças necessárias para que uma rotina operacional
já estabelecida atenda aos requisitos da norma (3).
Qualquer sistema da qualidade demanda dos envolvidos a elaboração de uma política da qualidade, a definição de objetivos, a criação de indicadores de avaliação e o conhecimento dos vários
interferentes do processo de trabalho, bem como a
análise crítica dos dados para propor melhorias e
garantir a manutenção e continuidade do sistema.
Para tanto, surgem procedimentos imprescindíveis
à elaboração e condução de processos com qualidade como padronização, revisão dos processos,
verificação, ações preventivas e corretivas.
Os serviços de microbiologia têm a particularidade de executar procedimentos analíticos capazes
de identificar, isolar e quantificar microrganismos
existentes nas amostras pesquisadas devendo,
portanto, garantir condições adequadas que viabilizem o desenvolvimento de bactérias existentes
nas amostras sem, no entanto, contaminá-las.
Desta maneira, tanto a qualidade dos serviços
quanto à confiabilidade técnica tornam-se importante, pois demonstra a competência destes como
entes confiáveis.
O presente trabalho teve como objetivo contextualizar o processo de evolução analítica do Laboratório de Microbiologia de Alimentos e dissertar sobre
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
a utilização de práticas simples na implementação
da qualidade no LMA. Em cumprimento ao primeiro
objetivo, foram analisados os registros históricos
produzidos pela Anvisa. A fim de trazer à tona a importância da avaliação dos registros e a aplicabilidade dos mesmos na implementação da qualidade
foram analisados os registros de temperatura, controle ambiental e de cabine de segurança biológica
dos anos de 2007 e 2008, pois foram considerados
como pontos críticos nos procedimentos executados. Os registros obtidos foram comparados por
meio de análise descritiva.
2. Discussão
De acordo com o relatório anual de 2004 (1), houve
um aumento de 60% do total de amostras analisadas quando comparado os anos de 2002 (112 133)
e de 2003 (186 115). Esses números refletiram um
crescimento no desempenho dos Lacen, já que alguns desses iniciaram suas atividades em 2003. Na
Funed houve um aumento de 119,57% no número de amostras analisadas no ano de 2003 quando
comparado ao ano de 2002. A contribuição analítica
da Funed no cenário nacional entre os anos de 2002
e 2003 foi de 3,21% e 4,24 % do total de amostras
analisadas, respectivamente. Ao comparar os anos
de 2002 e 2004 o aumento foi ainda maior (257%)
e entre os anos de 2003 e 2004 (62,7%). A contribuição da Funed no ano de 2004 ao total de amostras analisadas no país foi de 8,62%. O aumento do
número de amostras analisadas foi acompanhado
também pelo aumento no número de parâmetros
avaliados por amostra (3,4).
De acordo com o quantitativo dos tipos de ensaios
oferecidos por cada Laboratório de Saúde Pública
informado em 2005 pela Anvisa (5), a Funed apresentou um quantitativo menor apenas ao do Estado
de São Paulo (Instituto Adolfo Lutz), ou seja, um total de 290 tipos de ensaios foram oferecidos. Todos
os ensaios realizados, contudo, foram voltados para
atender aos órgãos gestores do risco à saúde (Visa).
Em relação às principais categorias de produtos
analisadas em 2003 pelos diversos Laboratórios, observou-se que o quantitativo de amostras de águas
para abastecimento/consumo (52%) e de alimentos
(33%) das amostras analisadas, foi o inverso do observado no ano de 2002. Essa tendência foi também
59
percebida no ano de 2004. Dos 290 parâmetros realizados em Minas Gerais, 210 corresponderam à
água para consumo e alimentos (4,5).
Em 2004, para as 12 855 amostras analisadas
pela Funed, foram realizados 101 955 ensaios.
Desses ensaios 9 822 (9,6%) foram realizados
pelo Serviço de Microbiologia de Produtos sendo
4 335 produzidos pelo Laboratório de Microbiologia de Alimentos.
Essas informações contextualizam a situação do
LMA demonstrando a maturidade analítica do Serviço de Microbiologia de Produtos e da Funed, gerando como desafio a implantação da qualidade
frente ao escopo de parâmetros realizados.
Durante o início do processo de habilitação de ensaios promovido pela Reblas, em 2005, o LMA solicitou e obteve a habilitação dos dois ensaios em
2006. Na ocasião eram realizados por esse serviço 6 ensaios. Em 2008, a Reblas habilitou mais
3 procedimentos. Durante esse processo foram
avaliadas, à luz da norma vigente, a confiabilidade
dos dados analíticos, a compreensão e execução
de procedimentos padronizados, o registro e a
avaliação dos fatores de interferência.
Em atendimento à NBR ISO/IEC 17025, o LMA
elaborou procedimentos que permitissem a implantação da qualidade. Esse processo permitiu
aos analistas: identificar os fatores que afetam o
resultado possibilitando a repetição do ensaio nas
condições mais próximas da original; monitorar,
controlar e registrar as condições ambientais; determinar o nível de controle necessário, baseado
em circunstâncias particulares; tomar medidas
para garantir uma boa limpeza e arrumação no
Laboratório; registrar os dados de forma que as
tendências fossem detectáveis e realizar análise
crítica dos resultados.
2.1. Monitoramento ambiental
A NBR ISO/IEC 17025:2005 (6) normatiza que o
laboratório deve assegurar que as condições ambientais não invalidem os resultados ou afetem adversamente a qualidade requerida de qualquer medição. O laboratório dessa forma deve monitorar,
controlar e registrar as condições ambientais quando elas influenciarem a qualidade dos resultados,
60
Gestão, Ciência & Saúde
como também adotar de medidas que assegurem
uma boa limpeza e arrumação.
De forma muito similar, a Reblas sugere a adoção
de um programa de monitoração ambiental apropriado como também a análise dos dados a fim de
permitir a determinação de tendências nos níveis
de contaminação (2).
Desta maneira, em 2007, foi definida a metodologia
de exposição semanal de placas, para contagem
microbiana, utilizando de vários pontos do laboratório durante 4 semanas. Inicialmente nenhum procedimento de limpeza foi realizado, além do rotineiro.
Foram determinados pontos de exposição considerando: rotina de trabalho, fluxo dos analistas, corrente de ar, locais de identificação de material, preparo e análise de amostras. Para os dados obtidos
foram observados valores máximo de 6 UFC/g e
mínimo de 0 UFC/g utilizando como meio de cultura
Plate Count Agar. A média de contagem por área
foi: área limpa (2 UFC/g), área suja (1 UFC/g). A
média por área foi calculada considerando todos os
pontos de exposição em cada uma das áreas. Interessante observar que a contagem ambiental da
área limpa foi maior do que a da área suja, tal fato
foi atribuído ao procedimento de limpeza que era
realizado no sentido da área suja para a área limpa,
sem substituição dos utensílios e sem interrupção
do trânsito dos analistas (Figura 1).
De acordo com o BAM – Bacteriological Analytical
Manual – a contagem de microrganismos aeróbios não deve exceder 15 UFC/g (7). Nascimento
(9) sugere que a contaminação máxima permitida
para área limpa é de 50 UFC/g. Contudo, o Manual
da Anvisa (2) menciona que um programa de monitoração ambiental apropriado é sugerido como
também a análise dos dados a fim de permitir a
determinação de tendências dos níveis de contaminação. Sendo assim, os valores obtidos durante
o primeiro mês de exposição estariam dentro do
determinado em ambas as referências utilizadas e
poderiam ser utilizados como valor médio de contaminação no ambiente do LMA.
Posterior à determinação da contagem microbiana
ambiental, em 2007, foi elaborado um procedimento padronizado com vistas a definir a frequência e
rotina para limpeza dos laboratórios. Mensalmente
era realizada a contagem microbiana por exposição de placas (Figura 2).
FIGURA 1 – Determinação da contagem microbiana semanal por ponto de exposição durante o primeiro
mês de 2007
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
61
FIGURA 2 – Determinação da contaminação microbiana mensal por pontos de exposição no último
semestre de 2007
Em nenhum dos 10 pontos amostrados foi observada contagem superior a 10 UFC/g em todo o período analisado (2007 e 2008). Apesar de valores
pontuais maiores do que a média obtida nas semanas, os valores não extrapolaram o recomendado
pelas referências, nem tão pouco incidiram nos resultados analíticos realizados durante o período de
avaliação. Vale ressaltar que tanto a preparação
da amostra quanto a sua análise ocorre dentro de
cabines de segurança biológica nível II, seguindo
os critérios de biossegurança e descrição nos procedimentos operacionais padronizados elaborados na instituição. A contagem média microbiana
na área limpa foi de 3 UFC/g e de 2 UFC/g na área
suja, seguindo a mesma tendência do observado
anteriormente, mesmo após a definição dos procedimentos de limpeza.
Ao considerar os equipamentos (Figura 3) foram
observadas contagens de bactérias mesofílicas
FIGURA 3 – Determinação da contaminação microbiana dos equipamentos
62
Gestão, Ciência & Saúde
aeróbias de até 15 UFC/15 min de exposição das
placas. Pelos resultados apresentados na Figura
3, a exceção da estufa a 44°C (BOD), a contagem interna nos demais equipamentos apresentou
valores inferiores a 2 UFC/15 min de exposição.
Assim, infere-se que as práticas laboratoriais implantadas, no que concerne a limpeza, manutenção de equipamentos, procedimentos de preparo
de amostras e análise têm sido efetivas.
Na estufa a 44°C (BOD) foi observada como fator
dificultador para realização da limpeza a presença
de hélices de circulação de ar. Este equipamento
possui sistema de ventilação utilizando o ar externo
para distribuir o calor internamente. Apesar de promover uma melhor distribuição do calor interno, este
equipamento apresenta essa dificuldade na realização das limpezas diárias, sendo necessário o seu
desmonte com maior frequência, demandando aos
técnicos a reflexão sobre a alteração dos processos
de trabalho que por ventura o utilizassem. Contudo,
posterior à realização da limpeza foram observados
valores abaixo da média da contagem microbiana do
ambiente onde esse equipamento está localizado.
Durante os anos de 2007 e 2008 as cabines de segurança biológica não apresentaram qualquer tipo
de contaminação microbiológica (bacteriana ou de
fungos). Este resultado retrata a importância do programa de manutenção preventiva já incorporado aos
processos de trabalho da Funed, com o qual se verifica a integridade e eficiência dos filtros em conjunto
com o bom uso do equipamento pelos técnicos.
2.2. Registros de temperatura
Cada espécie bacteriana apresenta, para seu
crescimento uma temperatura mínima, ótima e
máxima. A temperatura de crescimento mínima é
considerada a menor temperatura em que a espécie é capaz de crescer. A temperatura de crescimento ótima é aquela em que a espécie apresenta
o melhor crescimento. A temperatura de crescimento máxima é a temperatura mais alta onde ainda é possível o crescimento do organismo. A temperatura ótima de crescimento está normalmente
deslocada para perto da variação máxima de temperatura; e acima desta a velocidade decresce rapidamente porque a alta temperatura inativa sistemas enzimáticos necessários a célula (10).
Assim, considerando a temperatura, ponto crítico na
análise microbiológica, foram analisados registros
de todos os equipamentos levando em conta os parâmetros: rastreabilidade (exemplo: identificação do
equipamento e identificação dos instrumentos de medição), confiabilidade (exemplo: identificação do analista, rasuras) e ausência de registro.
TABELA 1. Porcentagem de planilhas de registro
de temperatura dos equipamentos, conformes, entre os anos de 2007 e 2008
Parâmetros de não
conformidades
% REGISTROS CONFORMES POR
PARÂMETRO
2007
2008
Rastreabilidade
39,4
100,0
Confiabilidade
47,7
100,0
Ausência de registro
39,8
0,0
Por meio da Tabela 1, no ano de 2007 observa-se
que 47,7 % das planilhas de controle de temperatura possuíam registros que garantiam a confiabilidade, 39,4 % apresentaram informações que
permitiam a rastreabilidade e 39,8% estavam parcialmente preenchidas sem apresentar ausência
do registro. Acredita-se que tal situação se deva
a falha de assimilação do conceito de processo
analítico e da importância do constante monitoramento dos dados. O controle de temperatura é
uma etapa crítica nos procedimentos analíticos de
microbiologia, portanto deve ser constantemente
monitorado. A temporalidade dos contratos dos
analistas atuantes neste período poderia dificultar
a incorporação/implementação deste processo.
Pelos dados obtidos (Tabela 1) no período de 2008,
observa-se o aumento de planilhas conformes. Entretanto, não se pode afirmar os reais motivos para
tal melhora. Pode-se prever que o conhecimento
já adquirido pelos novos técnicos em abandono a
prática vivenciada in loco facilitaram a evolução da
implementação do sistema da qualidade.
Dessa maneira, infere-se que criar instrumentos
sensibilizadores que permitam identificar a compreensão da importância das práticas laboratoriais
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
simples na qualidade analítica e utilizar dessa informação na promoção da melhoria é relevante
para a evolução laboratorial. A Tabela 2 refere-se
aos equipamentos estufa, banho-maria e geladeira e apresentam valores médios, desvio padrão e
moda anuais.
63
Pela Tabela 2, foi observado desvio padrão maior
que o intervalo de variação aceitável para o processo cujo equipamento atua na faixa de temperatura de 55˚C±2˚C, no ano de 2007. Para os demais
equipamentos observamos valores dentro da faixa
de temperatura permitida. O mesmo foi percebido
TABELA 2. Média, desvio padrão e moda dos valores das temperaturas dos equipamentos utilizadas no
LMA nos anos de 2007 e 2008.
ESTUFAS
25˚C± 2˚C
45˚C±2˚C
30˚C±2˚C
55˚C±2˚C
35˚C±2˚C
Ano de 2007
Média
25
46
30
55
35
Desvio padrão
1,0
1,0
1,7
4,8
0,5
Moda
25
46
30
55
35
Ano de 2008
Média
25
47
31
56
36
Desvio padrão
1,1
1,4
2,2
0,9
0,5
Moda
24
48
30
56
36
BANHO-MARIA
42,0˚C ± 0,5˚C
44,5˚C ± 0,5˚C
Ano de 2007
Média
42,0
44,5
Desvio padrão
0,1
0,1
Moda
42,0
44,5
Ano de 2008
Média
42,1
44,5
Desvio padrão
0,3
0,2
Moda
41,9
44,5
GELADEIRAS E FREEZERS
2 a 8°C
2 a 8°C
2 a 8°C
2 a 8°C
2 a 8°C
2 a 8°C
-20 a -10°C
-20 a -10°C
Ano de 2007
Média
6
4
6
4
5
5
-18
-18
Desvio padrão
2
3
6
3
3
2
10
5
Moda
6
1
4
6
5
5
-28
-19
Ano de 2008
Média
5
3
5
5
3
4
-17
-19
Desvio padrão
2
1
2
2
2
2
3
2
Moda
3
2
6
2
3
5
-18
-20
64
Gestão, Ciência & Saúde
no ano de 2008 à exceção do equipamento cuja
faixa de temperatura é de 30˚C±2˚C. Entretanto,
pelos valores modais determinados para todas as
estufas em ambos os anos, percebemos a maior
permanência de atuação dos equipamentos entre
os valores aceitáveis. Apesar da elevação do desvio padrão de três equipamentos no ano de 2008,
quando comparado ao ano de 2007 esses não foram considerados críticos visto a maior confiabilidade dos dados conforme exposto na Tabela 1.
Com base na Tabela 2, percebe-se a pouca variação dos banhos-maria conforme registro dos mesmos. À exceção de dois equipamentos (geladeiras) no ano de 2007, nenhum outro equipamento
apresentou variação que, associada aos valores
medianos, comprometessem os resultados (Tabela 2). Entretanto, vale ressaltar que a maioria dos
equipamentos apresentou valor de mediana correspondente a temperaturas adequadas à realização
das análises, além dos valores modais correspondentes às faixas aceitáveis. Diferentemente dos
demais equipamentos, a geladeira tem como objetivo promover uma melhor manutenção das condições do alimento, evitando a deterioração promovida pelo desenvolvimento de microrganismos,
para tanto dispensa-se a manutenção de temperaturas ótimas em detrimento da manutenção de
faixas ótimas de temperatura.
3. CONCLUSÃO
Percebeu-se a necessidade da estruturação, avaliação, monitoramento e proposição de alternativas para os procedimentos básicos laboratoriais,
denotando a importância desses procedimentos
tanto quanto dos métodos analíticos realizados.
A análise dos dados mostrou a adequação dos
equipamentos aos procedimentos laboratoriais realizados, a sensibilização dos técnicos quanto à
importância da qualidade e, também, a adequação
do laboratório à Política da Qualidade implantada
e bem estabelecida na instituição.
Percebe-se como imprescindível a manutenção da
qualidade nos laboratórios de saúde pública, uma vez
que uma das formas de demonstrar a confiança dos
resultados se dá por meio da acreditação. Devemos
promover o desenvolvimento e a implementação de
um processo permanente de avaliação e de certificação da qualidade dos serviços, permitindo o
aprimoramento contínuo. Desta forma, garantimos
a qualidade dos ensaios realizados, reforçamos a
confiança do público nos serviços prestados, estimulamos a competência, a melhoria contínua do
laboratório e o desenvolvimento de atividades inovadoras.
Os laboratórios públicos de saúde, apesar das dificuldades encontradas e comuns à administração
pública têm demonstrado competência analítica,
inserção nas políticas de saúde e a preocupação
em prover resultados confiáveis aos órgãos gestores. Percebe-se nitidamente a evolução dos laboratórios em busca da definição da sua capacidade
analítico-operacional como também da inserção
de conceitos e procedimentos que venham a garantir a implantação da qualidade laboratorial em
consonância com as normatizações vigentes. Entretanto, persiste a dificuldade na busca do equilíbrio entre quantidade e qualidade sendo necessária a incorporação na instituição da rotina em gerir
os dados como critério de constante avaliação da
implantação da qualidade. Para isso, acredita-se
ser pertinente a designação nas unidades laboratoriais de profissionais conhecedores do processo
e imparciais para a análise e gestão dos registros.
Contudo, é notório que implantar a qualidade nos
laboratórios públicos é possível e alcançável, embora seja comum a estes as mesmas dificuldades
experimentadas nas demais organizações que primam por confiabilidade.
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Saúde Pública Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/reblas/drtz_labsaude.pdf. Acesso
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eurachem/acreditacao.pdf. Acesso em: 09 de
julho de 2009.
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dos LACENS. Setembro de 2003. Disponível
em: http://www.anvisa.gov.br/reblas/lacens/relatorio_lacen.pdf. Acesso em: 09 de julho de
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Centrais de Saúde Pública-Lacen-2004. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/reblas/
reblas_lacens.htm. Acesso em: 09 de julho de
2009, 11:39.
5. ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária: Relatório Situacional dos Laboratórios Centrais de Saúde Pública-Lacen-2005.
Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/reblas/lacens/relatorio_2005.pdf. Acesso em: 09
de julho de 2009, 11:39.
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17025:2005. Requisitos gerais para competência de laboratórios de ensaio e calibração. 2 ed. 30 de setembro de 2005.
7. BAM – Bacteriological Analytical Manual. Disponível em http://www.cfsan.fda.gov/~ebam/bamtoc.html. Acesso em 20 de agosto de 2007.
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para quem usa ou oferece serviços de ensaio
e calibração”, Metrologia & Instrumentação,
Editora Banas, outubro, 2003.
9. NASCIMENTO, A – ISO 17025: sinal de competência técnica – Controle de Contaminação, Ano 7, nº 74, 2005.
65
10. TORTORA, G.J.; FUNKE, B.R.; CASE, C.
Microbiologia. 6 ed. Porto Alegre: Artmed,
p.827. 2000.
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
67
DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA A IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA DE GESTÃO
DA QUALIDADE NA DIRETORIA DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO DA
FUNDAÇÃO EZEQUIEL DIAS
CHALLENGES AND PERSPECTIVES FOR THE ESTABLISHMENT OF A MANAGEMENT
QUALITY SYSTEM AT THE RESEARCH AND DEVELOPMENT UNIT OF THE
EZEQUIEL DIAS FOUDATION
Heloísa Helena Marques Oliveira1, Elaine Henriques Teixeira Pereira2, Gustavo Baptista
Naumann3, Luciene Silva de Souza Meira4, Tatiana Kelly Silva5
1 Bióloga, Mestre em Bioquímica e Imunologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Analista e
Pesquisadora de Saúde e Tecnologia (AST-I) no Serviço de Biologia Celular e Inovação Biotecnológica (SBCIB)
da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento, DPD, da Fundação Ezequiel Dias, Funed, Coordenadora do
Centro de Gestão da Qualidade da DPD, [email protected]; 2 Química, Mestre em Química
pela UFMG, Técnica de Saúde e Tecnologia (TST-II) do SBCIB da DPD da Funed; 3 Bioquímico pela Universidade Federal de Viçosa, AST-I no Serviço de Bioquímica e Química de Proteínas da DPD da Funed;
4 Graduanda em Farmácia pela Universidade de Itaúna, TST-II no Serviço de Biotecnologia Vegetal da
DPD da Funed; 5 Graduanda em Normalização e Qualidade Industrial pelo Centro Federal de Educação
Tecnológica de Minas Gerais, TST-II no Serviço de Recursos Vegetais e Opoterápicos
RESUMO
ABSTRACT
A Fundação Ezequiel Dias, com o apoio da alta direção e de seus colaboradores, trabalha em equipe com o intuito de concretizar as metas previstas
para cada ano. Uma das metas estipuladas para o
ano de 2009 foi a implantação da norma NBR ISO
9001:2008 que proporciona à organização vários
benefícios como: padronização, rastreabilidade no
processo, qualidade nos serviços prestados, redução de desperdícios, melhor atuação no mercado
de trabalho, além de promover melhorias e satisfação aos clientes. Para se atingir tal meta, foi criado
o Centro de Gestão da Qualidade na Diretoria de
Pesquisa e Desenvolvimento. Este Centro é composto por uma equipe de servidores de diferentes
áreas da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento, cuja responsabilidade é atuar ativamente nos
seus Serviços com o desafio de direcionar as atividades necessárias para se implantar a norma NBR
ISO 9001:2008 e as Boas Práticas de Laboratório
nos serviços desta diretoria.
Fundação Ezequiel Dias, with the support of its administration and collaborators, works with the purpose of finishing its anualy aims. One of the planed
aims for the year 2009 was establishment the standard NBR ISO 9001:2008. This standard provides
several benefits to the organization such as: standardization, following of the processes, quality in
the services rendered reduction of wastes, better
performance in the working field, and also encouraging improvement and satisfaction to its clients.
To accomplish such objective, a center of management and quality has been created: Centro de
Gestão e Qualidade. This center is composed by
a team whose responsibility is to work dynamically
in the process of certification, guiding the necessary actions to implant the standard NBR ISO
9001:2008 as well as a good laboratory practices
in the services of the Research and Development
Unit of the Ezequiel Dias Foudation.
Palavras-chave: Boas Práticas de Laboratório,
NBR ISO 9001:2008, Padronização
Keywords: NBR ISO 9001:2008, Standardization,
Good Practices of Laboratory
68
Gestão, Ciência & Saúde
1. INTRODUÇÃO
2. DISCUSSÃO
Atualmente muitas instituições buscam a implantação de sistemas de gestão da qualidade. A adequação a uma norma de gestão da qualidade e,
consequentemente, a certificação são ferramentas
internacionalmente reconhecidas como eficazes
para auxiliar na melhoria dos processos internos,
na capacitação dos colaboradores, no monitoramento do ambiente de trabalho, e na verificação
da satisfação dos clientes, colaboradores e fornecedores, num processo contínuo de melhoria do
sistema de gestão da qualidade.
A adequação à norma traz consigo a necessidade de mudanças conceituais. Institucionalmente,
compete à DPD “desenvolver projetos visando a
criação e o aperfeiçoamento de conhecimentos
básicos e aplicados para a solução de problemas
na área de saúde pública de Minas e do país, pesquisar e desenvolver novas tecnologias gerando
conhecimentos científicos para obtenção de fármacos e outros produtos de origem vegetal e animal
e outros serviços aplicados à saúde humana” (3).
Com a adequação à norma NBR ISO 9001:2008
esta vocação da diretoria fica mais clara, pois os
projetos de pesquisa e desenvolvimento são explicitados no macrofluxo institucional (Figura 1) e
as atividades da DPD aparecem contextualizadas
dentro da instituição, ressaltando o seu o papel
nos processos da Funed e reafirmando a importância institucional desta diretoria. Este é um dos
benefícios alcançados durante a adequação à norma NBR ISO 9001: 2008, pois, quando a atuação
da área dentro dos processos não está claramente
definida pode-se criar a ideia de ineficiência, porque as pesquisas geram retorno a longo prazo.
Quando se trata de empresas que têm como objetivo principal gerar lucro e ser reconhecida pelos
seus clientes, o valor da certificação é justificado
porque melhora o atendimento, tornando-a mais
competitiva (2). No entanto, a auditora Arlete Lopes
afirma que no caso de instituições públicas, como
a Funed, “comprova-se a redução da burocracia e
os registros de desperdício são mínimos ou praticamente inexistem, porque não há a necessidade
de um retrabalho. Empresas certificadas são ‘top
de linha’, eficientes, funcionais e com isso ganha o
colaborador, o servidor e o cliente. Todos ficam fortalecidos” (5). Neste contexto, o trabalho de implantação do Sistema de Gestão foi baseado na norma
NBR ISO 9001:2008, que estabelece requisitos
para o Sistema de Gestão da Qualidade (SGQ) de
uma organização, objetivando promover a confiança nos seus processos de forma consistente e repetitiva de acordo com metas estabelecidas. Algumas dúvidas surgiram em relação à aplicabilidade
deste sistema na Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento (DPD). As perguntas mais frequentes
foram: Qual é o valor desta certificação para áreas
de pesquisa? Quais vantagens ou benefícios poderemos obter ajustando o trabalho de pesquisa que
exige criatividade e estudo de possibilidades múltiplas a uma norma que exige padronização?
A norma explicita a necessidade de se obter produtos de forma controlada, garantindo a rastreabilidade e estimulando a realização de análises
crítica (4). Na DPD é considerado produto todo resultado obtido ao final de um projeto de pesquisa.
Nestes, os resultados intencionais dos processos
de realização ou experimentação podem e devem
ser tratados como produto tendo-se em vista o objetivo final de determinado estudo (2).
Em atendimento à norma NBR ISO 9001:2008, foi
elaborado o fluxo de Projeto e Desenvolvimento
que prevê em uma de suas etapas a submissão
de projetos aos comitês de ética, atendendo aos
requisitos estatutários e regulamentares relacionados ao produto que é previsto na norma (1). Desta
forma, garante-se documentalmente que os aspectos éticos da pesquisa sejam observados e garantidos durante a execução, uma vez que questões éticas permeiam as atividades de pesquisa, e
projetos que utilizam material biológico de origem
humana e animal podem ser eticamente contestados. Trabalhar de acordo com os princípios éticos
agrega respeito e credibilidade aos projetos, os
quais são submetidos à avaliação pelos Comitês
de Ética, quando necessário.
O fluxo elaborado permite o acompanhamento de
todas as fases de gerenciamento do projeto. A rastreabilidade é um dos principais ganhos quando
se diz respeito à norma, pois possibilita encontrar
falhas no processo de forma rápida, favorecendo
o tratamento eficaz das anomalias encontradas.
Este processo de gerenciamento contempla a realização de análises críticas periódicas, que é uma
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
69
FIGURA 1 – Macrofluxo da Fundação Ezequiel Dias
ferramenta útil para implantação de melhorias contínuas no processo. As reuniões de análise crítica favorecem a troca de idéia entre os envolvidos
no desenvolvimento do estudo, viabiliza a rápida
tomada de decisões e permitem que os projetos
sejam redirecionados quando necessário.
Para a integração e implementação do Sistema de
Gestão da Qualidade da Funed, foi criado na DPD
o Centro de Gestão da Qualidade (CGQ), formado
por uma equipe de funcionários, com a responsabilidade de atuar ativamente no direcionamento
das atividades necessárias para no processo de
adequação à NBR ISO 9001:2008 dos Serviços
de Biologia Celular e Inovação Biotecnológica
(SBCIB), Serviço de Recursos Vegetais e Opoterápicos (SRVO) e Serviço de Virologia Molecular
e Bioprodutos (SVMB). Entretanto, o CGQ auxilia
também os Serviços que pretendem obter outras
acreditações, como as Boas Práticas de Laboratório e a NBR ISO/IEC 17025:2005, que estabelece
requisitos gerenciais e técnicos para a implementação de sistema de gestão da qualidade em laboratórios de ensaio e calibração.
A equipe possui um representante de cada Serviço
para que as decisões tomadas pelo CGQ possam
ser facilmente disseminadas entre os outros servidores, bolsistas e estagiários. Este modelo também permite que cada membro do CGQ leve ao
grupo as sugestões e especificidades de cada serviço, possibilitando uniformidade para que as medidas atendam a todos. Assim, tem-se a chance de
trabalhar a qualidade como uma possibilidade de
incutir novos valores relacionados à melhoria contínua dos processos, sistematização na realização
dos procedimentos, maior presteza de realização
e confiabilidade.
Quando se iniciou o processo das novas práticas
a serem seguidas, percebeu-se a necessidade de
monitorar se as propostas estavam sendo executadas ou não; em alguns casos foi necessário verificar o que estava impedindo a sua realização.
As causas do impedimento estavam relacionadas
à falta de informação que tem como consequência
o não entendimento da importância das medidas
adotadas e a falta de visão dos benefícios proporcionados pelas novas medidas que serviriam
70
Gestão, Ciência & Saúde
apenas para aumentar a burocracia e ocupar os
funcionários. Outro fator importante que interferiu
nas ações foi a necessidade de adaptação a práticas que anteriormente não eram seguidas por todos os serviços, como a verificação e a calibração
de equipamentos.
3. CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS
A implantação do sistema de gestão da qualidade
gerou benefícios. Entretanto, muitos problemas
acabam sendo evidenciados e a implementação
depende do envolvimento dos Serviços. É fundamental que haja comprometimento tanto da alta
Direção, quanto dos colaboradores da Funed para
atingir esta meta. Além disso, é necessário esforço
contínuo, dedicação e perseverança durante todo
o processo de implantação do sistema. Apesar dos
obstáculos e da inexperiência dos integrantes do
CGQ, verificamos que é de extrema importância a
implantação da NBR ISO 9001:2008, pois propicia
maior qualidade nos serviços desempenhados, padroniza e otimiza o processo evitando retrabalhos,
refugos, perda de tempo e dinheiro, agregando valor aos projetos e promovendo melhorias contínuas.
Na DPD um dos ganhos obtidos com as ações da
qualidade para implantar a NBR ISO 9001:2008 foi
a percepção de que novas propostas poderiam ser
discutidas para melhorar a produtividade dos processos e obter resultados mais seguros, garantindo a reprodutibilidade. Foi neste contexto que se
iniciaram as discussões sobre a possibilidade de
implantação das Boas Práticas de Laboratório, que
têm como objetivo colocar em prática ações que visam à melhoria da execução da parte técnica nos
processos laboratoriais. Desta forma, tem-se o desafio de avaliar e definir prioridades para implantação das BPLs em todos os Serviços apesar da
diversidade existente entre as atividades desenvolvidas em cada laboratório. Para isso, a adequação
estrutural para atender as necessidades específicas de cada serviço já está em planejamento.
AGRADECIMENTOS
À Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento e a todos
os integrantes do Centro de Gestão da Qualidade
que contribuíram para a realização deste trabalho.
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 9001:2000 sistemas de gestão da qualidade – Fundamentos e vocabulários. Rio de Janeiro 2000.
2. DIAS, S. Qual a real importância das certificações ISO? Banas Qualidade, São Paulo, ano
18, n 188, p.42, jan.2008.
3. FUNDAÇÃO EZEQUIEL DIAS. Manual da Qualidade ND-MQ 0001. Belo Horizonte MG, 2009.
p.16, revisão 00.
4. LUZ, L. O papel da consultoria no planejamento
das empresas. Banas Qualidade, São Paulo,
ano 18, n 188, p.43, jan.2008.
5. Semplad e Fundação Vanzolini promovem
pré-auditoria de certificação da ISO 9001.
Disponível em: http://www.pmm.am.gov.br/
transparencia/qualidade/noticias. Acesso em:
19/09/2009.
71
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
73
REESTRUTURAÇÃO DO BANCO DE CÉLULAS ANIMAIS DA FUNDAÇÃO EZEQUIEL DIAS
EZEQUIEL DIAS FOUNDATION´S ANIMAL CELL BANK RESTRUCTURATION
Juliana Rey Canuto Sant’ana Pereira1, Josiane Barbosa Piedade2, André Castro3, Sabrina Sidney
Campolina4, Thais Soares do Carmo5, Luciana Maria Silva6
1 Graduada em Ciências Biológicas pelo Centro Universitário UNA, [email protected]; 2 Mestre em
Ciências Farmacêuticas, Serviço de Biologia Celular e Inovação Biotecnológica da Diretoria de Pesquisa
e Desenvolvimento da Fundação Ezequiel Dias (Funed); 3 Administrador, Serviço de Custos da Diretoria
de Planejamento Gestão e Finanças da Funed; 4 Mestre em Clinica Medica e Biomedicina, Bolsista da
Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig); 5 Bolsista de Iniciação Cientifica
Junior da Fapemig; 6 Doutora em Biologia Celular, Serviço de Biologia Celular e Inovação Biotecnológica,
da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento da Funed, [email protected]
RESUMO
ABSTRACT
O Serviço de Biologia Celular e Inovação Biotecnológica (SBCIB) da Fundação Ezequiel Dias (Funed) é referência em cultivo de células animais em
Belo Horizonte e possui um banco de células validadas com garantia de procedência e qualidade,
sendo fornecidas para órgãos públicos e privados.
Tem como um de seus objetivos realizar ensaios
biológicos pré-clínicos diminuindo, dessa forma,
a utilização de animais de experimentação. Nesse trabalho, temos como proposta reestruturar o
banco de células da Funed e estabelecer procedimentos de controle de qualidade das linhagens
celulares, como parte das ações para que seus
produtos e/ou serviços estejam em conformidade
com as normas ABNT NBR ISO 9001:2000, ABNT
NBR ISO/IEC 17025:2005 e Boas Práticas de Laboratório (BPL). No processo de organização foi
observado que o banco conta com 51 linhagens
celulares e 54 cultivos celulares primários distribuídos em 2.797 criotubos, um patrimônio acumulado
ao longo dos seus 20 anos de existência e com
perspectivas de aquisição de outras 60 linhagens
celulares animais.
Cellular biology and Biotechnological Innovation
service of Ezequiel Dias foundation has been considered as a reference in Belo Horizonte for animal cell culture, having a validated cell bank that
can be used by the public and private organs with
quality and origin guaranteed. It has also as an
objective to make pre- clinical biological trials, decreasing experimental animal usage. The present
study, has as the major prerogative the restructuration this cell bank and to establish cell line quality control procedures as part of action to make the
products according to ABNT NBR ISO 9001:2000,
ABNT NBR ISO/IEC 17025:2005 and good laboratory practices. During the bank organization, was
observed that the bank has 51 cell lines and 54
primary cell cultures distributed in 2797 cryotubes that compose a patrimony constructed during
twenty years and in the near future sixty more human cell lines will be incorporated in our bank.
Palavras-chave: Banco de Células, Cultivo Celular,
Certificação
Keywords: Cell Bank, Cell Culture, Certification
74
Gestão, Ciência & Saúde
1. INTRODUÇÃO
O desenvolvimento da biotecnologia requer, quase
que necessariamente, a utilização de técnicas de
cultivo celular, para os mais diversos fins, incluindo pesquisa, diagnóstico, terapêutica, controle de
qualidade de biomateriais, testes de citotoxicidade de fármacos e produção de biofármacos (13).
A profusa utilização de técnicas de cultivo celular
levou ao desenvolvimento de inúmeras linhagens
celulares normais ou tumorais, com características metabólicas próprias, alterações genéticas e
sensibilidades farmacológicas distintas (14).
No Brasil, e principalmente no estado de Minas
Gerais, para que os laboratórios de análise e desenvolvimento de produtos se tornem competitivos,
eles devem se adequar à algumas normas de garantia da qualidade aumentando, dessa forma, a
confiabilidade nos produtos e serviços prestados.
As Boas Práticas de Laboratório (BPL) constituem
um sistema da qualidade relativo à organização e
às condições sob as quais os estudos em laboratório são planejados, realizados, monitorados, registrados, relatados e arquivados. Seus princípios
são aplicáveis em estudos que dizem respeito ao
uso seguro de produtos relacionados à saúde humana, vegetal, animal e ao meio ambiente (1).
A norma ABNT NBR ISO 9001:2000 serve para
implantar sistemas de gestão que irão assegurar
que laboratórios possam operar de acordo com
os requisitos gerais necessários para assegurar a
competência em realizar ensaios e/ou calibrações,
e também para ser utilizada no desenvolvimento
do sistema de gestão para qualidade, operações
técnicas e administrativas (1).
A norma NBR ISO/IEC 17025:2005 serve para
assegurar que as condições ambientais não invalidem os resultados ou afetem adversamente a
qualidade requerida de qualquer medição com a
devida atenção, por exemplo, à esterilidade biológica, poeira, distúrbios eletromagnéticos, radiação, umidade, alimentação elétrica, temperatura e
níveis sonoros e de vibração, conforme apropriado
para as atividades técnicas em questão. Esses laboratórios deverão também determinar o nível do
controle de entrada de pessoal, baseado em circunstâncias particulares (1).
Em função dos serviços realizados e prestados,
laboratórios da Fundação Ezequiel Dias (Funed)
têm adotado as normas de Boas Práticas de Laboratório e a habilitação na norma ABNT NBR ISO/
IEC 17025:2005. Visando aumentar as competências destes laboratórios, e ainda a adequação dos
serviços às normas de garantia de qualidade que
exigem, inicialmente, instalação adequada para o
bom funcionamento dos laboratórios.
Com isso, o Laboratório de Biologia Celular e Inovação Biotecnológica (BioCIB) pretende adequar
seus produtos e/ou serviços para que estes estejam em conformidade com as normas citadas e
Boas Práticas de Laboratório (BPL). A adequação
de área do BioCIB será o primeiro passo para que
este laboratório possa desenvolver produtos e serviços que necessitam de acreditação demonstrando que são tecnicamente competentes e capazes
de produzir resultados tecnicamente válidos. Serão adequados produtos e serviços em conformidade com as normas ABNT já citadas e BPL.
O BioCIB da Fundação Ezequiel Dias, em Belo Horizonte, se destaca no suporte ao desenvolvimento
de projetos de pesquisa os quais requerem o acesso às técnicas de cultivo de células e tecidos consolidando-se como referência em cultivo de células
animais. Além disso, são desenvolvidos projetos em
parceria com outras instituições no estado de Minas
Gerais, como o Centro de Pesquisas René Rachou/
FIOCRUZ e diversas unidades da Universidade Federal de Minas Gerais, Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais, Unimontes e Hemominas.
Para a sustentabilidade de tais projetos e parcerias,
o BCIB conta com um banco de células iniciado na
década de 80 sendo elas originárias em sua maioria do ATCC (do inglês American Type Cell culture), instituição nos Estados Unidos da América que
acumula e distribui linhagens celulares para vários
outros países.
Embora alguns toxicologistas prefiram analisar os
efeitos das drogas em células de cultivo primário
(16), as linhagens celulares (cultivo secundário)
apresentam uma alternativa mais rápida e menos
dispendiosa, pois apresentam uma taxa maior de
crescimento. Dentre as linhagens utilizadas para
avaliar a ação de drogas, bem como de outras
substâncias que entram em contato com as células
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
acidentalmente, abordando aspectos citotóxicos e
de metabolismo, pode-se citar i) as linhagens do
carcinoma de cervix humano (Hela) que é amplamente utilizada, sendo a primeira linhagem tumoral
estabelecida (9), ii) células embrionárias de rim humano (HEK) utilizadas para descrever o metabolismo renal (11; 10) ou na formulação de novos fármacos (15), iii) carcinoma de cólon humano (RKO)
e neuroblastoma humano (IMR) sendo estas últimas extensivamente utilizadas para descrever as
ações de drogas antitumorais (8;17;2).
O presente estudo teve como objetivo reestruturar
o banco de células animais da Fundação Ezequiel
Dias, como primeira etapa para adequação do laboratório. Assim, os criotubos já existentes foram
reorganizados, para garantir acondicionamento
adequado e rastreabilidade. Foi também montado
um banco documental contendo imagens e informações das linhagens armazenadas.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
2.1. Reorganização do banco de células
Todas as linhagens celulares e os criotubos existentes no laboratório foram realocados no container de
nitrogênio. O container atual consiste de um cilindro
contendo seis estantes nomeadas de A a F (Figura 1
A), cada estante contém nove gavetas (Figura 1 D)
e cada gaveta, doze fileiras (Figura 1 E). Ao serem
incorporadas ao banco, essas linhagens são carac-
75
terizadas historicamente (origem, órgão fornecedor
e número de repiques) e também quanto às suas
características de crescimento, requerimentos metabólicos, ausência de contaminantes bacterianos
e celulares entre outras informações biológicas relevantes. Todos esses dados fazem parte de uma
ficha recebida do fornecedor (3).
Uma vez que essas células são incorporadas ao
banco, elas devem ser expandidas, ou seja, o conteúdo do criotubo é transferido para um recipiente
de cultura e após a formação de uma monocamada, essas células são contadas e transferidas para
novos frascos. Esse procedimento também recebe
o nome de repique celular ou passagem. Isso é
extremamente necessário para a criação de um
banco máster (banco de estoque) e de trabalho,
garantindo um estoque da linhagem celular.
Todas as linhagens adquiridas pelo laboratório foram catalogadas de acordo com sua localização
no container, seguindo a notação A1/1, que significa estante A (Figura 1 A), primeira gaveta (Figura
1 D) e primeira fileira (Figura 1 E), e assim sucessivamente. Além disso, as fichas descritivas das
linhagens foram conferidas e arquivadas em livros
de registro. Após a expansão das linhagens, essas
foram congeladas e receberam assim um número
de congelação (Figura 1 F). A reorganização do
banco passou por uma conferência detalhada da
quantidade de criotubos de cada congelação, bem
como o seu local de armazenamento.
FIGURA 1 – Fotos do container de nitrogênio do banco de células animais da Fundação Ezequiel Dias
76
Gestão, Ciência & Saúde
2.2. Cultivo de células
A primeira etapa para cultivar células foi retirar do
banco de células um criotubo contendo a célula
de interesse e descongelá-lo rapidamente sob agitação em banho-maria a 37°C. Em seguida, esse
criotubo foi levado à cabine de segurança biológica, banhado com álcool 70% e aberto com gaze
estéril impedindo o contato das mãos com o gargalo do criotubo. Todo o conteúdo foi transferido
para um tubo de centrífuga de 50 mL (Corning,
EUA) contendo 2 mL de meio de cultura específico para cada linhagem celular e então submetido
à centrifugação de 800 rpm durante cinco minutos (mod. CS- 6R, Beckman, EUA). Descartou-se
então o sobrenadante e a massa celular presente
no fundo do tubo foi ressuspendida em 5 mL do
mesmo meio de cultura utilizado para descongelação conforme preconizado pelo fornecedor da
linhagem celular. A suspensão celular foi então
colocada em garrafa plástica, tratada para promover a adesão celular, T25 (25 cm2) (Corning Costar
Inc., EUA) e mantida a 37 ºC em estufa (Thermo
electron co., EUA) com atmosfera úmida de 5% de
CO2 para que haja adesão celular.
Para a manutenção da linhagem, após a adesão
celular, o meio de cultura foi trocado a cada 48 h
para garantir a renovação dos nutrientes. Contaminações, morfologia celular e formação de monocamada foram observadas sob microscópio invertido
(mod. Diaphot, Nikon, Japão). Quando a cultura
apresentou alta confluência, ou seja, em monocamada, fez-se um repique da cultura para realizar
sua expansão. Para isso, o meio de cultura foi retirado e foram adicionados 0,5 mL de tripsina (1:250
Sigma, cat T0646) para lavar o frasco e remover
traços de soro fetal bovino (presente nos meios de
cultura) que inibe a ação dessa enzima. Em seguida, a tripsina foi retirada e foi adicionado novamente
0,5 mL de tripsina, a garrafa foi colocada na estufa
a 37 °C para promover o destacamento das células.
As células soltas foram ressuspendidas em 5 mL
de meio especifico para cada linhagem e recolhidas em tubo de centrifuga de 50 mL. O tubo foi centrifugado por 5 minutos a 800 rpm e o sobrenadante descartado. A massa celular foi ressuspendida
em 5 mL de meio novo e 100 μL da suspensão foi
retirada para a contagem celular eletrônica (Coulter Multizer, Beckman). Após contagem, as células
foram distribuídas em novas garrafas T75 (75 cm2)
(Corning Costar Inc., EUA), seguindo um padrão
de semeadura de 30.000 células /cm2. Os repiques
respeitaram uma sequência da área disponível nas
garrafas de cultura, ou seja, as células originadas
em garrafa T25 foram expandidas em garrafas T75
(75 cm2) e depois em T 150 (150 cm2).
2.3. Classificação ABC
Neste estudo foram utilizadas ferramentas de logística como forma de planejar, programar e controlar (de maneira eficiente) as aquisições, os fluxos, a armazenagem e a distribuição das linhagens
celulares e as culturas primárias existentes no Laboratório (4, 5, 7). Para isso, foi utilizado o método
de classificação ABC que permite a diferenciação
dos estoques segundo sua maior ou menor abrangência em relação a determinado fator, consistindo
em separar os itens por classes de acordo com
sua importância relativa. Para as linhagens celulares, utilizamos a classificação baseada no volume financeiro investido em estoque onde é obtida
pela demanda valorizada (quantidade de demanda
vezes o custo unitário do item); para as culturas
primárias, foram classificadas considerando a fragilidade, periculosidade, escassez de fornecimento, vida útil do material. Para a classificação ABC
utilizamos o critério médio segundo Pareto (Tabela
1). As linhagens celulares foram classificadas de
acordo com seu valor em Dólar, utilizando como
referência o valor médio do ATCC (American type
cell collection). As culturas primárias, obtidas no
laboratório, não possuem valor financeiro, pois foram objetos de pesquisa não sendo prevista sua
atividade comercial. Nesse caso, utilizaram-se critérios onde foram atribuído os valores de referência
3 (alto), 2 (médio) e 1 (baixo), em que 3 representam as células com maior valor agregado e 1 a de
menor, de acordo com a quantidade em estoque.
TABELA 1 – Critério médio, segundo Pareto, usado
na Classificação ABC (16)
Classe
% de volume dos
ítens
% do valor investido
nos estoques
A
20
50 a 70
B
30
30 a 40
C
50
10 a 20
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
3. RESULTADOS
Todas as linhagens celulares foram reordenadas
no tanque de acordo com o número da congelação
e número de criotubos. Os criotubos foram recontados e realocados durante um período de quatro
meses, tamanha a complexidade da ação. O banco de células animais da Fundação Ezequiel Dias
conta hoje com 51 (cinquenta e uma) linhagens
celulares e 54 (cinquenta e quatro) cultivos primários, em 115 (cento e quinze) congelações e 2.797
77
(dois mil setecentos e noventa e sete) criotubos.
As linhagens existentes no banco estão listadas
em uma planilha contendo a quantidade de congelações e a quantidade de criotubos.
As imagens produzidas durante o presente estudo serão disponibilizadas no site da Fundação Ezequiel Dias, possibilitando acesso público
ao acervo estando também integrado ao portal
do Sistema Mineiro de Inovação Minas On Line
(Figura 2).
FIGURA 2 – Registro de imagens de algumas linhagens celulares presentes no banco de células animais da Fundação Ezequiel Dias, microscopia óptica invertida (mod. Axiovert 40c, Zeiss, Alemanha); aumento 40x zoom digital- 4,7
(power shot A620 Canon, China) A) 3T3- fibroblasto embrionário de rato; B) C6- glioma de rato; C) tumor de pituitária
de rato; D) MA- rim de feto de macaco Rhesus sp.; E) MKN45- carcinoma gástrico epitelial humano; F) HEK293- rim
de embrião humano; G) GH3- tumor de pituitária, MtT/W5, secretando somatotrofina, rato; H) HEp2C- carcinoma
de laringe humano, marcadores HeLa, I) NCTCclone 929 - tecido conectivo de rato; J) C636- Aedes albopictus ; L)
CHOK1- ovário de hamster chinês Cricetulus griseus ; M) C2-12- mioblasto de camundongo.
78
Gestão, Ciência & Saúde
A Tabela 2 apresenta a classificação ABC para as
linhagens celulares que compõem o estoque do la-
boratório. Nessa tabela, percebe-se que a maioria
está classificada como C.
TABELA 2 – Linhagens celulares
Ordem
Células
Demanda
%
Demanda
Valorizada
%
Valorizada
Individual
Acumulada
Acumulado
Classe
1
DH-82, macrófagos caninos
55.860,00
7,89%
55860
7,89%
A
2
Sf-9-ovário da libélula
Spodoptera frugiperda
44.088,00
6,23%
99948
14,13%
A
3
Tb1Lu-Pulmão do morcego
Tadarida brasiliensis
33.915,00
4,79%
133863
18,92%
A
4
HUTU-adenocarcinoma de
duodeno humano
31.275,00
4,42%
165138
23,34%
A
5
Vero-Rim do macaco verde
Africano
30.464,00
4,31%
195602
27,64%
A
6
L-M –derivada da
NCTC929,tecido conjuntivo de
camundongo
29.127,00
4,12%
224729
31,76%
A
7
HeLa- carcinoma epitelioide
cervical humano
26.112,00
3,69%
250841
35,45%
A
8
ETBr traqueia embrionária
bovina
23.142,00
3,27%
273983
38,72%
A
9
McCoy- fibroblasto de
camundongo
21.318,00
3,01%
295301
41,73%
A
10
IMR-32-neuroblastoma
humano
19.800,00
2,80%
315101
44,53%
A
11
YANC-1 linfoma de
camundongo
19.266,57
2,72%
334368
47,25%
A
12
C6 -36 Aedes albopictus
18.762,00
2,65%
353130
49,91%
B
13
MKN-45 carcinoma gástrico
humano
18.564,00
2,62%
371694
52,53%
B
14
RKO-AS45-1 Carcinoma de
cólon humano
17.238,00
2,44%
388932
54,97%
B
15
CHO FLP ovário de hamster
recombinante para produção
de biofármacos
17.000,00
2,40%
405932
57,37%
B
16
RK-13-Rim de coelho
15.827,00
2,24%
421759
59,60%
B
17
NIE-115 Neuroblastoma de
camundongo
15.577,18
2,20%
437336
61,81%
B
18
Sf-21-ovário da libélula
Spodoptera frugiperda
15.312,58
2,16%
452648
63,97%
B
19
GH3- tumor de Pituitária
de rato, secretora de
somatotrofina MtT/W5
14.784,00
2,09%
467432
66,06%
B
20
MRC-5-pulmão diploide
humano
14.196,00
2,01%
481628
68,07%
B
21
MDCK- Rim canino
13.832,00
1,95%
495460
70,02%
B
22
C2-12 Mioblasto de
camundongo
13.056,00
1,85%
508516
71,87%
B
79
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
23
BHK-21-(C-13)Rim de hamster
12.936,00
1,83%
521452
73,69%
B
24
Y1 Tumor de adrenal de
camundongo
12.506,00
1,77%
533958
75,46%
B
25
MA-rim feto de macaco
Rhesus
11.951,37
1,69%
545910
77,15%
B
26
CHO-K1 ovário de hamster
chinês
11.776,00
1,66%
557686
78,81%
B
27
HEK, Rim de embrião humano
11.520,00
1,63%
569206
80,44%
B
28
K652 leucemia humana
10.773,27
1,52%
579979
81,97%
C
29
E.derm-pele de cavalo Equus
caballus
10.008,00
1,41%
589987
83,38%
C
30
MDBK- Rim bovino
9.916,00
1,40%
599903
84,78%
C
31
C6 Glioma de rato
9.240,00
1,31%
609143
86,09%
C
32
PK-15-Rim de porco
9.174,00
1,30%
618317
87,38%
C
33
Hep-2C-carcinoma de laringe
humano
8.712,00
1,23%
627029
88,61%
C
34
GH4- tumor de pituitária de
rato MtT/W5, secretor de
somatotrofina
8.448,32
1,19%
635477
89,81%
C
35
LL-24 pulmão humano
8.379,00
1,18%
643856
90,99%
C
36
Hela S3-carcinoma epitelioide
cervical humano
8.040,00
1,14%
651896
92,13%
C
37
IBRS-2-Rim suíno
7.920,00
1,12%
659816
93,25%
C
38
DON-pulmão, pseudo diploide
de hamster chinês.
7.581,00
1,07%
667397
94,32%
C
39
Sp2/O.Ag14-mieloma não
secretório de camundongo.
7.236,00
1,02%
674633
95,34%
C
40
VH2-coração da serpente
Vipera russelli
5.985,00
0,85%
680618
96,19%
C
41
P3X63Ag.653- mieloma não
secretório de camundongo
5.339,00
0,75%
685957
96,94%
C
42
Fibroblasto embrionário de
rato 3T3
4.352,00
0,62%
690309
97,56%
C
43
PANC 08.13 Adenocarcinoma
de pâncreas humano
4.056,00
0,57%
694365
98,13%
C
44
L-M(TK)- tecido conjuntivo
de camundongo, resistente a
BUdR
3.553,00
0,50%
697918
98,63%
C
45
SIRK-Córnea de coelho
3.230,00
0,46%
701148
99,09%
C
46
B95-8-leucócitos de mico, EBV
transformados
3.055,00
0,43%
704203
99,52%
C
47
DBS-FRhL- pulmão do macaco
Rhesus, Macaca mulatta
1.596,00
0,23%
705799
99,75%
C
48
Raji-linfoma de Burkitt humano
728,00
0,10%
706527
99,85%
C
49
Aedes albopictus – larva
399,00
0,06%
706926
99,91%
C
50
Jijoye - linfoma de Burkitt,
humano
399,00
0,06%
707325
99,96%
C
51
COS-7 Rim de macaco verde
264,00
0,04%
707589
100,00%
C
707.589,29
100,00%
80
Gestão, Ciência & Saúde
A Tabela 3 apresenta a classificação ABC das células obtidas por cultura primária e de valor imensurável devido à fragilidade e dificuldade de ob-
tenção. Mesmo assim, com os pesos atribuídos
alto=3, médio=2 e baixo=1, é possível estabelecer
um critério de classificação.
TABELA 3 – Culturas primárias
Demanda
%
Demanda
Valorizada
%
Valorizada
Individual
Acumulada
Acumulado
Embrião humano total
99
16,42%
99
16,42%
A
Camundongo, embrião
37
6,14%
136
22,55%
A
Cascavel, glândula de veneno
34
5,64%
170
28,19%
A
Cascavel, glândula de veneno, fibroblast.
22
3,65%
192
31,84%
A
Monoclonal 7F3b
20
3,32%
212
35,16%
A
Cascavel, glândula de veneno, retic.
18
2,99%
230
38,14%
A
MLC (Hibridoma epsilon specific)
18
2,99%
248
41,13%
A
Monoclonal 10E1
16
2,65%
264
43,78%
A
Embrião humano, coração
15
2,49%
279
46,27%
A
Monoclonal 10D1
14
2,32%
293
48,59%
A
Cascavel, glândula de veneno, céls. mistas
12
1,99%
305
50,58%
A
Cobaia, coração
12
1,99%
317
52,57%
B
Embrião humano, cordão umbilical
12
1,99%
329
54,56%
B
Embrião humano, olho
12
1,99%
341
56,55%
B
Embrião humano, tecido nervoso
12
1,99%
353
58,54%
B
Camundongo, coração
10
1,66%
363
60,20%
B
Camundongo, coração, embrião
10
1,66%
373
61,86%
B
Cascavel, glândula de veneno
10
1,66%
383
63,52%
B
Monoclonal 11D7
10
1,66%
393
65,17%
B
Monoclonal 1B10
10
1,66%
403
66,83%
B
Monoclonal 5B4b
10
1,66%
413
68,49%
B
Monoclonal 5B4a
10
1,66%
423
70,15%
B
Monoclonal 7F3a
10
1,66%
433
71,81%
B
Monoclonal 7E12b
10
1,66%
443
73,47%
B
Embrião humano, cérebro
9
1,49%
452
74,96%
B
Monoclonal 7H9
8
1,33%
460
76,29%
B
Monoclonal 2D10
8
1,33%
468
77,61%
B
Monoclonal 4D3
8
1,33%
476
78,94%
C
Monoclonal 6G5
8
1,33%
484
80,27%
C
Monoclonal 9E3
8
1,33%
492
81,59%
C
Monoclonal 2F5
8
1,33%
500
82,92%
C
Células
Classe
81
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
Monoclonal GH3
8
1,33%
508
84,25%
C
Monoclonal 7E12a
8
1,33%
516
85,57%
C
Bezerro, pulmão
7
1,16%
523
86,73%
C
Cascavel, glândula de veneno irrad.UV
6
1,00%
529
87,73%
C
Cobaia, glândula parótida
6
1,00%
535
88,72%
C
Embrião humano, pulmão
6
1,00%
541
89,72%
C
Líquido amniótico, humano
6
1,00%
547
90,71%
C
Monoclonal 2A7c
6
1,00%
553
91,71%
C
Cascavel, rim
4
0,66%
557
92,37%
C
Cobaia, glândula submandibular
4
0,66%
561
93,03%
C
Galinha, embrião
4
0,66%
565
93,70%
C
Monoclonal 5B1(CLONE A)
4
0,66%
569
94,36%
C
Monoclonal 5B1(CLONE B)
4
0,66%
573
95,02%
C
Monoclonal 7C1-D1
4
0,66%
577
95,69%
C
Monoclonal 3G2-D1
4
0,66%
581
96,35%
C
Monoclonal 6E2-D2
4
0,66%
585
97,01%
C
Monoclonal 7F1-D2
4
0,66%
589
97,68%
C
Monoclonal 6H6-D2
4
0,66%
593
98,34%
C
Monoclonal 6F2-D2
4
0,66%
597
99,00%
C
Monoclonal 5B1(CLONE C)
2
0,33%
599
99,34%
C
Phoneutria nigriventer
2
0,33%
601
99,67%
C
Coelho, músculo
1
0,17%
602
99,83%
C
Camundongo Balb/C, embrião
1
0,17%
603
100,00%
C
603
4. DISCUSSÃO
Linhagens celulares representam ferramentas biotecnológicas importantes, portanto torna-se urgente garantir a qualidade dessas linhagens. A rastreabilidade
de linhagens celulares em um banco de células é de
extrema importância, pois permite a localização dos
criotubos com rapidez e diminui os riscos de utilização de linhagens erradas. A reestruturação do banco
de células animais da Fundação Ezequiel Dias fundamenta-se nas normas ABNT NBR ISO 9001:2000,
ABNT NBR ISO/IEC 17025:2005 e Boas Práticas de
Laboratório (BPL). Essas normas servem para estabelecer critérios para laboratórios que desejam demonstrar sua competência técnica, que possuam um
sistema de qualidade efetivo e que são capazes de
produzir resultados tecnicamente válidos.
100,00%
A reordenação do banco de células realizadas nesse estudo foi extremamente importante para se
obter um levantamento do número de linhagens
celulares existentes e se os dados de registro estavam corretos. Durante o processo, verificamos que
havia má distribuição dos criotubos, o que impedia
a incorporação de novas linhagens, por falta de espaço. A redistribuição dos criotubos no container de
nitrogênio permitirá o armazenamento das novas
linhagens a serem adquiridas pelo SBCIB. O livro
de registro das linhagens celulares estava correto, quanto aos dados de origem da célula, número
de passagem e meio de cultura utilizado, embora
durante esse processo tenham sido identificadas
duas linhagens celulares cujos dados estavam incompletos e estas células foram imediatamente
descartadas, não fazendo mais parte do banco de
82
Gestão, Ciência & Saúde
células. Essa decisão é necessária para garantir
a confiabilidade do material armazenado, evitando
ao máximo opiniões divergentes e conflitantes a
respeito da confiabilidade dos resultados dos projetos desenvolvidos nesse laboratório.
A utilização do método de classificação ABC (7)
foi importante para atribuir foco no controle dos
itens de maior importância para a instituição, principalmente pelo fato de se tratar de um bem público. Dessa maneira, justifica-se a necessidade de
adequação do Laboratório para garantia de melhor
eficiência na gestão do banco de células existente.
Um dos projetos que poderia ser diretamente afetado pela falta de rastreabilidade das linhagens
celulares, seria o teste de citotoxicidade. O SBCIB
tem como um dos principais objetivos a realização
de ensaios biológicos pré-clínicos no Brasil, servindo como método preditivo para indicar se uma
droga candidata é ou não possível de ser utilizada
em seres humanos, diminuindo dessa forma a utilização de animais de experimentação. A reestruturação do banco de células, garantindo rastreabilidade dos produtos armazenados e a implantação
de um sistema de controle de qualidade genômico
dessas linhagens, permitirá a construção de um
banco de células certificadas e validadas na Funed, o que significa a produção de células confiáveis para testes de toxicidade em canais iônicos,
atividade antitumoral e produção de proteínas recombinantes para o desenvolvimento de biofármacos. As linhagens certificadas são obtidas em
bancos de células, existentes no mundo, como o
ATCC. Assim, o desenvolvimento de métodos alternativos, substitutos aos animais experimentais,
para a otimização pré-clínica é importante neste
processo, pela facilidade na seleção de drogas
candidatas aos estudos de eficácia e segurança,
assim como o emprego do high-throughput screen, que na fase de desenvolvimento possibilita a
seleção de novas moléculas (6,12,18).
Com a crescente demanda de linhagens celulares
utilizadas para produção de proteínas recombinantes, vacinas virais e anticorpos monoclonais,
torna-se urgente e necessário garantir o controle
de qualidade dessas células. Para avaliar a estabilidade genômica dessas linhagens após sucessivos repiques, planeja-se a implantação de ensaios
utilizando técnicas de biologia molecular para
avaliação de possíveis alterações em regiões estáveis no DNA.
A reestruturação do banco de células animais da
Fundação Ezequiel Dias foi fundamental para permitir a rastreabilidade das linhagens e assim aumentar a confiabilidade dos experimentos. Além
disso, tal processo contribuirá enormemente para a
certificação desse banco celular garantindo a qualidade e confiabilidade dos produtos e/ou serviços
prestados pelo BioCIB e estando de acordo com
as exigências da agência nacional de vigilância sanitária (ANVISA) e dentro das normas ABNT NBR
ISO 9001:2000, ABNT NBR ISO/IEC 17025:2005 e
Boas Práticas de Laboratório (BPL).
A criação de um banco de dados contendo todas
essas informações sobre as linhagens celulares
presentes no banco de células animais da Fundação Ezequiel Dias permitirá a divulgação de dados
pertinentes aos estudos celulares e biotecnológicos além de ser uma vitrine para a comunidade
científica, garantindo e ampliando a atuação da
Funed e particularmente do Serviço de Biologia
Celular e Inovação Biotecnológica como referência
no cultivo celular e de tecidos.
AGRADECIMENTOS
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
Minas Gerais (Fapemig), à Fundação Ezequiel
Dias, ao Doutor Hector Montes de Oca (in memorian) que planejou e cuidou da semente do BioCIB
por 12 anos, à estagiária Flávia Perrim de Melo e
às bolsistas de Iniciação Científica Júnior/Fapemig,
Kevne de Souza Nunes e Danielle da Silva Santos.
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
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Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
85
ESTUDO DA SOROCONVERSÃO DE EQUINOS IMUNIZADOS COM O ANTÍGENO RÁBICO
E EFICIÊNCIA DE PROTEÇÃO DO PLASMA HIPERIMUNE
SOROCONVERSION STUDY OF EQUINE IMMUNIZED WITH RABIES ANTIGEN AND PROTECTION OF HIPERIMMUNE PLASMA
Sophie Yvette Leclercq1, Mônica Oliveira Souza2, Cláudio Fonseca de Freitas3
1 Doutora em Imunologia, Pesquisadora no Serviço de Biologia Celular e Inovação Biotecnológica, Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento, Fundação Ezequiel Dias, [email protected]; 2 Bolsista de
Iniciação Científica Júnior da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais; 3 Veterinário
do Serviço de Fazenda Experimental da Diretoria Industrial da Fundação Ezequiel Dias
RESUMO
ABSTRACT
Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde, o
Brasil ainda se encontra entre os dez países da América Latina e Central que apresentam casos de raiva
humana nos últimos três anos. A doença, transmitida
principalmente por cães e morcegos, afeta o sistema nervoso central e leva à morte, em praticamente
todos os casos, após a manifestação dos sintomas
clínicos. Tendo em vista a alta letalidade da doença e
a falta de tratamento específico após o início do quadro clínico, é imprescindível o início do tratamento
preventivo com vacinação ou soro-vacinação, disponível nos Centros de Referência em Imunobiológicos
Especiais do Sistema Único de Saúde, logo após
uma provável exposição ao vírus rábico. A Fundação Ezequiel Dias faz parte da rede de laboratórios
que supre o Programa Nacional de Imunizações com
soros antipeçonhentos, antitetânico e antirrábico. No
entanto, no caso específico do soro antirrábico, a
Fundação Ezequiel Dias depende de outro laboratório soroprodutor para o fornecimento de bolsas de
plasma equinos hiperimunes. Em 2007, foi implantada a produção do antígeno rábico em culturas de
células, para imunização dos equinos, a fim de tornar a instituição independente em todas as etapas
da produção do soro antirrábico. Este trabalho relata
o estudo da soroconversão de equinos imunizados
com o antígeno rábico produzido na Fundação Ezequiel Dias e a avaliação da potência do plasma hiperimune bruto.
According to the Pan American Health Organization,
Brazil was yet between the ten countries of Latin and
Central America showing human rabies cases in the
last three years. The disease, transmitted principally
by dogs and bats, affects the central nervous system
and leads to death in all cases after the clinical symptoms manifestation. Because of the high lethality of
the disease and the lack of specific treatment after
the beginning of clinical symptoms, it is essential to
initiate the preventive treatment by vaccination or serum-vaccination, available in the Reference Centers
for Special Immunobiologicals, soon after a probable
exposition with rabies virus. The Ezequiel Dias Foundation belongs to the laboratory network that supplies the Immunization National Program with antivenom, antitetanic and antirabies serums. However, in
the specific case of anti rabies serum, the Ezequiel
Dias Foundation depends on another laboratory for
the supply of equine hyperimmune plasma. In 2007,
it was introduced the production of rabies antigen in
cell culture for equine immunization, to achieve the
institution independence in all the production process. This work reported the study of equine soroconversion after rabies immunization and evaluation
of plasma potency.
Palavras-chave: Vírus Rábico, Cultivo Celular, Imunização, Soro
Keywords: Rabies Virus, Cell Culture, Immunization, Serum
86
Gestão, Ciência & Saúde
1. INTRODUÇÃO
A raiva, doença considerada incurável, contagiosa, causada pelo vírus rábico (gênero Lyssavirus,
família Rhabdoviridae) é uma zoonose transmitida
ao homem por contato com a saliva de um animal
infectado, principalmente pela mordedura ou lambedura de mucosas. O vírus ataca o sistema nervoso central, causando uma encefalomielite aguda
e mortal. Os principais transmissores são os cães,
gatos e morcegos hematófagos – estes últimos
espécies silvestres, importantes reservatórios do
vírus rábico em todo o mundo (7,14). A vacina antirrábica ministrada anualmente é a única maneira
de controlar a doença em cães e gatos, restando
aos morcegos o papel de mais importante reservatório da raiva no meio urbano.
No Brasil, o Programa de Profilaxia da Raiva, criado em 1973, permitiu o controle do ciclo urbano diminuindo a incidência de raiva humana transmitida
por cães, de 168 casos, em 1980, para 10 casos
em 2002 (17). No entanto, observou-se nos últimos anos, uma re-emergência da doença em humanos devido a uma mudança na cadeia de transmissão, com a inclusão do ciclo aéreo da doença.
Segundo os dados do Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (SINAN) do Ministério da
Saúde (19), o número de casos de raiva humana
saltou de 10 em 2002 para 44 em 2005 e voltou a
diminuir gradativamente a partir de 2006. Na região Sudeste, o estado de Minas Gerais foi um dos
dois estados onde ainda foram registrados casos
da doença nos últimos anos. Apesar do programa
de controle ter se mostrado eficiente, estes dados
mostram a necessidade de monitoramento contínuo dessa doença secular e de assegurar o acesso da população ao tratamento.
O tratamento pós-exposição é o mais frequente e
ocorre, geralmente, após acidentes com animais.
As recomendações para o tratamento são a desinfecção imediata da ferida combinada com vacinação ou sorovacinação, dependendo da gravidade do acidente e das características do animal
envolvido (3). Uma vez que não existe tratamento
específico para a doença após o início do quadro clínico, a neutralização do vírus, antes que
atinja as terminações nervosas, é o único meio
de prevenção da morte humana (18). Podem
ser empregados dois tipos de preparações de
anticorpos antirrábicos na profilaxia pós-exposição. O primeiro é o uso de imunoglobulina antirrábica humana (homóloga), produzida a partir de
plasma de doadores previamente imunizados. No
entanto, essas imunoglobulinas têm custo elevado e são disponíveis em quantidade limitada, por
isso são usadas, unicamente, em países desenvolvidos. O segundo é o uso de imunoglobulina
antirrábica equina (soro heterólogo), preparada
a partir de plasma de equinos hiperimunizados
(8). A administração do soro antirrábico permite a neutralização imediata do vírus até que os
anticorpos endógenos, que serão induzidos pela
ação da vacina, sejam produzidos (5).
A Fundação Ezequiel Dias (Funed) faz parte da
rede de laboratórios que supre o Programa Nacional de Imunizações (PNI) com soros antipeçonhentos, antitetânico e antirrábico heterólogo.
Embora aproximadamente 30% da necessidade
anual de soro antirrábico no Brasil (30.000 ampolas) seja atendida pela Funed, a produção é
dependente de outro laboratório oficial soroprodutor, o Instituto Vital Brasil do Rio de Janeiro.
O Instituto Vital Brasil fornece bolsas de plasma
equinos hiperimunes, ficando sob a responsabilidade da Funed seu processamento para obtenção do produto heterólogo final.
Buscando autonomia no processo produtivo do
soro antirrábico, a Funed implantou, em 2007, a
produção do antígeno rábico em cultura de células
para imunização de equinos (10). Foram padronizadas as condições de replicação viral e, no início
de 2009, foi iniciado o processo de imunização em
um grupo piloto de 4 (quatro) cavalos mantidos na
Fazenda Experimental da Fundação. O objetivo
geral desse trabalho foi o acompanhamento da soroconversão desses equinos assim como, a avaliação da potência do plasma bruto produzido, frente
ao soro equino de Referência Nacional.
2. METODOLOGIA
Todo o processo de desenvolvimento, produção e
testes de controle do antígeno foi realizado conforme as recomendações da Organização Mundial
de Saúde e seguindo os protocolos padronizados
descritos no Manual de Técnicas de Laboratório
para Raiva (11).
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
2.1. Produção do antígeno rábico
Para a produção do antígeno rábico, fibroblastos
de rim de hamster (células BHK-21) foram primeiramente expandidas por cultivo seriado em meio
Dubelcco MEM (Sigma) suplementado com 10%
de Soro Fetal Bovino (SFB) e 1% de glutamina,
conforme recomendado pela American Type Culture Collection (ATCC), até que o cultivo atingisse uma concentração de células suficiente para a
semeadura em garrafas Roller com superfície de
675 cm2. Em seguida, as garrafas foram incubadas
a 37° C até que se obtivesse uma monocamada de
aproximadamente 50% de confluência celular. Foi
então realizada uma troca de todo o meio de cultura (DMEM suplementado com 2% SFB) e o vírus
fixo Pasteur (cepa PV) foi inoculado na cultura com
uma multiplicidade de infeção 0.2. Após 48 horas
de incubação a 37° C, a cultura infectada passou
a ser incubada a 33° C e o primeiro sobrenadante
foi recolhido com 48 horas. Nesse momento, adicionou-se meio fresco com 2% de SFB e retomou-se a
incubação a 33° C por 48 horas até o recolhimento
de nova amostra. Os sobrenadantes da cultura infectada foram submetidos à inativação com betapropiolactona, agente alquilante que desnatura os
ácidos nucleicos (6,16), na concentração final de
1:8.000. A ausência de virulência residual foi verificada através da inoculação da suspensão, por via
intracerebral, em camundongos recém-nascidos (1
a 3 dias) e recém-desmamados (21 a 28 dias). Para
que os resultados fossem considerados satisfatórios em relação à inativação do vírus, os animais
não devem apresentar sintomas clássicos da raiva
ou morte durante um período de observação de 21
dias. Alem disso, testes de esterilidade foram realizados, conforme descrito anteriormente (10).
2.2. Titulação do vírus
O título da suspensão viral, antes da inativação,
foi determinado através da inoculação de camundongos Swiss e os cálculos realizados segundo o
método de Reed & Muench (12). Foram constituídos 3 grupos de 8 camundongos (fornecidos pelo
Setor de Biotério da Funed) com peso entre 11-14
gramas. Sob fluxo laminar e em banho de gelo,
foram feitas diluições seriadas da suspensão viral
em tampão fosfato (PBS) contendo 2% de soro
equino, 500 unidades internacionais de penicilina
87
sódica e 500 microgramas de estreptomicina por
mililitro (ml). Os camundongos foram inoculados,
por via intracerebral, com 0,03 ml das diluições
10-4, 10-5 e 10-6. Os animais foram observados durante 15 dias em relação aos sintomas e óbitos decorrentes da raiva para cálculo do título viral (dose
letal 50, DL50).
2.3. Esquema de imunização dos equinos e sangrias
Quatros cavalos, mantidos na Fazenda Experimental da Fundação Ezequiel Dias, foram imunizados
segundo o protocolo a seguir. Para a imunização
de base, foram injetados 2 mL da suspensão viral
inativada (106-108 particulas/mL) formulada com
marcol/montanide e solução salina/tween 20 nos
dias 1 e 20, seguida de 1 mL da suspensão na
mesma formulação nos dias 25 e 31. As aplicações
foram feitas em 4 pontos na região dorso-lombar e
foram realizadas sangrias exploratórias um dia antes de cada imunização. Quatro semanas após a
conclusão desse esquema de imunização, os cavalos entraram no ciclo de imunização e sangrias
de rotina, obedecendo ao seguinte esquema: 4 mL
da suspensão no dia 1, 1 mL no dia 13 e 2 mL no
dia 19. Em seguida, foram realizadas 3 sangrias
de produção, de 7 litros cada uma, nos dias 25,
29 e 34, acompanhada de plasmaferese. Foram
realizados dois ciclos de imunização de rotina com
quatro semanas de intervalos.
2.4. Análise da soroconversão
Os soros de cavalos, imunizados com o vírus da
raiva inativado, foram analisados pelo método de
ELISA descrito por Cliquet e colaboradores (2)
com algumas modificações. As placas para microtitulação foram sensibilizadas por incubação durante a noite a 4° C com o vírus da raiva inativado
na concentração de 2.5 µg/mL diluído em tampão
carbonato/bicarbonato 0,05M pH 9,6. No dia seguinte, as placas foram lavadas com solução contendo 0,9% de NaCl e 0,05% de tween 20 pH 7,2
(solução de lavagem) e bloqueadas com 1% de
leite em pó desnatado diluído em PBS 0,1 M pH
7,2 durante uma hora a 37° C. Após a lavagem,
os soros de cavalos foram adicionados na diluição
de 1/1000 e as placas foram incubadas novamente por uma hora a 37° C. Após novas lavagens,
88
Gestão, Ciência & Saúde
adicionou-se o conjugado anti-IgG (anti-imunoglobulina) de cavalo ligado a peroxidase na diluição
1/10.000 conforme recomendação do fabricante.
Após uma hora de incubação a 37° C e lavagem
das placas, o substrato enzimático (OPD – OrthoPhenilDiamino –, peróxido de hidrogênio e tampão
citrato) foi adicionado e as placas incubadas por
20 minutos, a temperatura ambiente, na ausência
de luz. A reação foi interrompida pela adição de
ácido sulfúrico 1/20 e as placas foram lidas em leitor de ELISA com filtro de 492nm.
2.5. Ensaio de potência in vivo
Camundongos Swiss webster foram divididos em
12 grupos de 8 animais. Quatros grupos receberam, como controle de morte, o vírus fixo desafio,
cepa CVS (Challenge Virus Standard) fornecido
pelo Serviço de Controle Biológico, com título aproximado 10-7 DL50/0.03mL. Foram realizadas diluições seriadas do vírus CVS em PBS 0.1M, pH 7.2
e injetadas nos camundongos, por via intracerebral,
0.03 mL das diluições 10-5, 10-6, 10-7 e 10-8, respectivamente. Outros quatros grupos receberam 100
DL50 do vírus CVS previamente incubado com várias diluições (1/8000, 1/16000, 1/32000 e 1/64000)
do pool de soro dos cavalos durante uma hora e
trinta minutos a 37° C. Os últimos quatro grupos receberam 100 DL50 do vírus CVS previamente incubado com várias diluições (1/2000, 1/4000, 1/8000
e 1/16000) do soro padrão, como controle positivo.
Foi utilizado como padrão o soro antirrábico equino de Referência Nacional (Lote BR011), fornecido
pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade
em Saúde (INCQS- Fiocruz) com potência de 153
UI/ml. Os animais foram observados durante 14
dias com relação aos sintomas e óbitos decorrentes
da raiva. A potência do pool de soro de cavalo foi
determinada frente a potencia do soro de Referência Nacional utilizando o programa CombiStats (4).
3. RESULTADOS
3.1. Teste de estabilidade do antígeno
rábico
A fim de testar a estabilidade da suspensão de antígeno rábico, com título inicial de 10-6.8 DL50/0.03mL,
várias alíquotas da suspensão viral antes da inativação, adicionada de sacarose (10% na concentração
final), foram conservadas em freezer -20° C e -80°
C, respectivamente. Após 4, 8 e 11 meses de conservação, uma alíquota da suspensão, conservada
em cada uma das temperaturas, foi descongelada
e titulada. Os resultados apresentados na Figura
1 mostram que o título da suspensão viral conservada a -80° C permaneceu em 10-6.8 DL50/0.03mL,
estável durante oito meses, seguido de uma ligeira
queda no título com 11 meses de conservação. Durante o mesmo período, a suspensão viral conservada a -20° C apresentou uma maior variabilidade
no título, não demonstrando resultados conclusivos quanto a sua estabilidade.
FIGURA 1 – Estabilidade da suspensão viral conservada
em duas temperaturas
Foram descongeladas alíquotas da suspensão viral conservada em freezer -20° C ou -80° C após 4,
8 e 11 meses de conservação e o título foi determinado pela inoculação em camundongos Swiss.
3.2. Imunização dos equinos e avaliação
da resposta humoral antirrábica
Quatros cavalos, identificados como 628, 629, 630
e 631, mantidos na Fazenda Experimental da Fundação Ezequiel Dias, foram imunizados segundo o
protocolo descrito na metodologia (item 2.3), durante um período de sete meses. Após cada imunização, foi realizada uma sangria exploratória e
o soro de cada cavalo foi testado individualmente
por ELISA quanto à resposta humoral antirrábica.
Os resultados da Figura 2 demonstram que todos
os cavalos responderam às imunizações, apesar
de o cavalo 628 ter apresentado uma resposta
mais fraca com relação ao outros animais. O pico
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
da resposta foi atingido rapidamente após a terceira imunização do ciclo de base e se manteve
equivalente nas imunizações subsequentes.
89
100 DL50 do vírus desafio (CVS) foram incubados
com várias diluições de soro durante 1 hora e 30
minutos a 37° C. Foram injetados 0.03 mL de cada
diluição em camundongos Swiss webster por via intracerebral e os animais foram monitorados durante
14 dias
4. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
FIGURA 2 – Cinética da resposta humoral antirrábica
Soros de cavalos imunizados com o antígeno rábico foram testados por ELISA para detecção de anticorpos após cada uma das imunizações ao longo
de 7 meses.
3.3. Ensaio de potência in vivo
A fim de conferir o potencial protetor do soro hiperimune proveniente dos cavalos imunizados,
foi preparado um pool de soro dos quatros cavalos após o primeiro ciclo de imunização de rotina. O resultado do ensaio de potência (Tabela 1),
realizado frente ao Soro de Referência Nacional
(INCQS- Fiocruz) mostrou que a dose efetiva 50
(DE50) do pool de soro bruto foi de 1/49484, o que
corresponde a uma potencia de 1295 UI/mL.
Segundo estimativas da Organização Mundial de
Saúde, cerca de 10 milhões de pessoas recebem o
tratamento pós-exposição contra a raiva, em mais
de 85 países. Nas Américas Latina e Central, dez
países, inclusive o Brasil, ainda apresentavam, nos
últimos três anos, casos de raiva humana transmitida por cães ou morcegos (15). O número de pacientes atendidos no Brasil, suspeitos de terem sido
expostos ao vírus rábico, gira em torno de 400.000/
ano, dos quais 250.000 iniciam o tratamento (17),
tornando a produção do soro e da vacina antirrábica
de grande importância para a saúde pública.
A implantação da produção do antígeno rábico na
Fundação Ezequiel Dias foi de extrema importância
na busca da autonomia institucional uma vez que,
até então, a produção do soro antirrábico dependia
do fornecimento do plasma de outro laboratório oficial. Dando continuidade ao processo, foi iniciada a
imunização dos equinos para obtenção das bolsas de
plasma hiperimune para produção do lote industrial.
Devido à importância crescente da propagação
viral em cultivo celular para produção de soros e
vacinas, a termo-estabilidade do vírus rábico já
TABELA 1 – Potência do plasma hiperimune
Soro de Referência
DE50
Potencia
Pool de plasma
Diluição do soro
No de sobreviventes
Diluição do soro
No de sobreviventes
1/2000
8/8
1/8000
7/8
1/4000
5/8
1/16000
6/8
1/8000
1/8
1/32000
3/8
1/16000
2/8
1/64000
1/8
1/5844
1/49484
153 UI/mL
1295 UI/mL
90
Gestão, Ciência & Saúde
foi bem estudado. Michalski e colaboradores (12)
mostraram que o vírus rábico é facilmente inativado a 56° C durante 15 minutos ou a 37° C durante
quatros dias. Por outro lado, a conservação a 4 °C
durante 15 dias mostrou uma perda de 1 log10 no
título infeccioso. No entanto, a estabilidade da preparação antigênica em longo prazo é de extrema
importância uma vez que os equinos são imunizados ao longo de vários anos, embora seja recomendada a utilização dos lotes de antígeno dentro
do prazo de um ano após a sua preparação. Num
estudo de estabilidade, realizado com uma vacina
rábica viva atenuada, Lawson e Bachmann (2001)
(9) mostraram que não houve perda de título viral
quando a vacina foi conservada a -30° C por até
doze meses, enquanto houve uma perda significativa (0.5log10 /mL) quando a mesma vacina foi
conservada a -20° C. Nossos dados preliminares,
obtidos com o único lote, mostraram um resultado
muito semelhante ao trabalho de Lawson e Bachmann, onde o título se manteve estável durante
oito meses, quando a suspensão viral foi conservada a -80° C, enquanto a mesma suspensão perdeu 0.5 log10 no título quando esta foi conservada
a -20° C durante o mesmo período.
Quando imunizados com o antígeno rábico, os quatros cavalos desenvolveram uma resposta humoral
satisfatória, apesar de o cavalo 628 ter mostrado
uma resposta mais fraca em relação à produção de
anticorpos. As diferenças individuais são esperadas
uma vez que fatores genéticos, fatores nutricionais,
stress e idade, entre outros, influenciam o desempenho do sistema imunológico (1,13). Entretanto, o
pool de plasma bruto dos quatros cavalos se mostrou
altamente protetor com potência calculada de 1295
UI/mL. Após processamento do plasma hiperimune,
o produto final é acondicionado em ampola de 5 mL
contendo 1000UI e a dose recomendada para tratamento com soro antirrábico é de 40UI/ Kg de peso
(8). Baseado na potencia obtida com o pool de plasma e segundo estimativa do Serviço de Produção de
Imunobiologicos (Funed), o processamento de um
lote de 200 litros de plasma renderia em torno de
60 ampolas/litro, rendimento semelhante ao obtido
por outros laboratórios oficiais, e, superior ao obtido
para outros tipos de soros (comunicação pessoal).
Em conclusão, a Fundação Ezequiel Dias possui
agora um primeiro lote de plasma hiperimune a
ser processado, estando, portanto, apto a comple-
mentar todas as etapas de produção do soro antirrábico. A tropa de cavalos a ser imunizada está
sendo ampliada para atingir a meta de 30.000 ampolas por ano.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem aos funcionários da Fazenda Experimental da Fundação Ezequiel Dias pelos
cuidados dos animais e realizações das sangrias
e a Célia de Fátima Barbosa, responsável pelo
Serviço de Controle Biológico da Funed, e equipe,
pela preparação do vírus desafio (CVS) e por disponibilizar as áreas do serviço para realização dos
experimentos em camundongos.
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
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Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
93
QUALIDADE MICROBIOLÓGICA E MICROSCÓPICA DE AMOSTRAS COMERCIAIS DE
PIMENTA-DO-REINO (Piper nigrum L.)
MICROBIOLOGICAL AND MICROSCOPICAL QUALITY IN SAMPLES OF Piper nigrum L.
Milton Cabral de Vasconcelos Neto1, Carolina Araújo Vieira2, Ana Cláudia Brandi Ferreira3, Maria
Crisolita Cabral da Silva4, Virgínia del Carmen Troncoso Valenzuela5, Flaviane Cristina Lopes
Matosinhos6, Regina Márcia Bahia Paiva7, Wilson Aparecido Moreira8, Maria Eloiza Sampaio8
1. Médico Veterinário, Mestre em Ciência de Alimentos, Analista e Pesquisador de Saúde e Tecnologia
(APST) no Serviço de Microbiologia de Produtos, Instituto Octávio Magalhães, Fundação Ezequiel Dias
(Funed), [email protected]; 2. Mestre em Microbiologia, APST no Laboratório de Microbiologia de Alimentos (LMA), Instituto Octávio Magalhães (IOM), Funed; 3. Médica Veterinária, Mestre em
Medicina Veterinária, APST no LMA do IOM, Funed; 4. Farmacêutica, Mestre em Medicina Veterinária,
APSTV no LMA do IOM; 5. Bióloga, Doutora em Biologia Vegetal, APSTV no Serviço de Microscopia de
Produtos (SMCP), IOM, Funed; 6. Bióloga, APST no SMCP, IOM, Funed; 7. Médica Veterinária, Mestre
em Medicina Veterinária, APST no SMCP, IOM, Funed; 8. Técnico em Química do SMP, IOM, Funed.
RESUMO
ABSTRACT
Este estudo avaliou trinta e oito amostras de pimenta-doreino disponíveis no comércio varejista quanto aos parâmetros microbiológicos e microscópicos, nos Laboratórios
de Microbiologia de Alimentos e Microscopia de Produtos
da Fundação Ezequiel Dias. Os parâmetros analisados
que indicaram a qualidade microbiológica dos produtos
foram contagem de coliformes à 45 ºC e pesquisa de Salmonella spp. conforme recomendado pela resolução RDC
nº 12 de janeiro de 2001 (6). A verificação da identidade
do produto foi realizada pela comparação com padrões
e literatura especializada. Para a detecção de matérias
estranhas utilizou-se o método de pesquisa de sujidades
leves, da Association of Official Analytical Chemists. Do
total de amostras, 60,5% estavam em desacordo em pelo
menos um dos parâmetros microbiológicos ou microscópicos. Sete amostras (18,4%) foram condenadas pela contagem de coliformes a 45°C superior a 102 NMP/g e quatro
(10,5%) pela presença de Salmonella spp. As análises microscópicas revelaram que nove (23,7%) continham pelo
de roedor; seis (15,8%), fragmentos de insetos e doze
(31,6%), elementos histológicos característicos de milho
(Zea mays). Pelos resultados observados, a presença de
matérias estranhas no alimento indica condições higiênicas inadequadas durante alguma etapa do processamento, portanto, uma possível fonte causadora de agravo à
saúde humana. Este estudo ressalta a importância de programas de monitoramento visando efetivar as ações de
controle sanitário na área de alimentos; posto que novos
hábitos alimentares têm sido incorporados na sociedade
promovendo o consumo deste alimento in natura.
In this paper thirty-eight samples of ground black pepper
were evaluated by the microbiological and microscopy
criteria in the Laboratories of Food Microbiology and Microscopy of Products at Fundação Ezequiel Dias. The parameters analyzed were Coliform at 45°C and Salmonella
spp. as recommended by Resolution RDC 12 January,
2001. The verification of the identity of the product was
based on comparison with standards and literature. To
evaluate extraneous materials was used the research
method of light filth, of the Association of Official Analytical Chemists. 60.5% of the total sample, were in disagreement on at least one of microbiological / microscopic
parameters. Seven samples (18.4%) were insatisfactory
by coliform at 45°C counts greater than 102 MPN/g and
four (10.5%) by the presence of Salmonella spp. In microscopic analysis, nine (23.7%) contained rodents hair,
six (15.8%), fragments of insects and twelve (31.6%) histological elements characteristic of corn (Zea mays). The
results showed that the evidence of foreign substances
in food, what indicates insanitary conditions during some
stage of processing, thus causing a possible source of
threat to human health. Moreover, contamination by microorganisms and/or fragments of insects and vectors, as
demonstrated in this study, further analysis of these products are required since the fresh consuption of this kind
of food have been incorporated into the society.
Palavras-chave: Pimenta-do-reino, Coliformes, Salmonella spp., Microscopia, Qualidade
Keywords: Ground Black Pepper, Salmonella spp., Coliform, Microscopy, Quality
94
Gestão, Ciência & Saúde
1. INTRODUÇÃO
A pimenta-preta (Piper nigrum L.), também chamada de pimenta-redonda e, no Brasil, pimenta-doreino, é uma das mais antigas especiarias. Tem
um sabor forte, levemente picante, proveniente de
um composto químico chamado piperina. Conhecidas como condimentos as especiarias são produtos constituídos de partes de uma ou mais espécies vegetais (raízes, rizomas, bulbos, cascas,
folhas, flores, frutos e sementes) utilizadas para
agregar sabor ou aroma diferenciados aos alimentos e bebidas, podendo apresentar valor nutricional e fisiológico (8,9).
O Brasil é um dos maiores produtores mundiais
de pimenta-do-reino (11). A pimenta-do-reino é
usada não somente na alimentação humana como
também para uma variedade de propósitos (medicinal, perfumaria). Muitos efeitos fisiológicos da
pimenta têm sido atribuídos à piperina (alcaloide),
reconhecida como seu princípio ativo. A ingestão
de piperina favorece o estímulo de enzimas digestivas pelo pâncreas, aumentando a capacidade
digestiva e reduzindo o tempo de trânsito do bolo
alimentar no trato gastrintestinal (19).
Como as especiarias são cultivadas em regiões
tropicais e subtropicais, são submetidas a variações climáticas e passam por processos artesanais de secagem, estão sujeitas com relativa
facilidade, à fermentação, perdas de essências
voláteis, infestação por insetos e roedores e proliferação de microrganismos (11,13), portanto fazse necessária a avaliação de sua qualidade antes
de serem distribuídas no comércio.
As análises laboratoriais, sejam elas microbiológicas ou microscópicas, têm como objetivo caracterizar os alimentos, avaliando a sua conformidade
frente aos padrões de identidade e qualidade como
também avaliar as condições higiênico-sanitárias
do produto. Alguns dos fatores de não conformidade como matéria estranha, contaminação bacteriana, entre outros, originam-se nas matériasprimas, sendo assim carregados para o produto
final, enquanto outros podem ser provenientes
de manuseio, processo tecnológico ou armazenamento e distribuição inadequados. Além disso,
a matéria-prima in natura ou processada em más
condições, como as especiarias, poderiam ser
fontes de contaminação microbiológica em outros
produtos elaborados como cárneos e queijos. Por
isso, estes produtos devem ser obtidos de ingredientes limpos e isentos de impurezas, processados, embalados, armazenados, transportados
e conservados em condições que não produzam,
agreguem ou desenvolvam substâncias químicas,
físicas, ou biológicas que coloquem em risco a
saúde do consumidor. Desta maneira, é importante o controle da matéria-prima antes da chegada
à planta de processamento, continuando durante
cada etapa da linha de produção até o produto final. O conhecimento adquirido ao longo do estudo
da cadeia produtiva auxilia na determinação das
possíveis fontes de contaminação. (4).
A ação inibitória das especiarias e seus extratos
contra diferentes microrganismos tem sido relatada em diversos estudos (5,10,11,12,15,17,18).
Esta propriedade poderia dificultar a determinação
da presença ou contagem de microrganismos. Assim, a detecção de matérias estranhas pode ser
indicada para a determinação das condições higiênicas desse tipo de produto.
Este estudo objetivou avaliar as condições higiênico-sanitárias, a identidade e a qualidade de amostras de pimenta-do-reino (Piper nigrum L.).
2. MATERIAIS E MÉTODOS
Foram analisadas na Fundação Ezequiel Dias 38
amostras de pimenta-do-reino, coletadas no mercado varejista, durante o ano de 2008.
Os parâmetros microbiológicos analisados foram
contagem de coliformes a 45°C e Salmonella spp.
conforme recomendado pela resolução RDC nº 12
de janeiro de 2001. A metodologia utilizada para
a determinação dos coliformes a 45°C foi o Número mais Provável (NMP), que fundamenta-se
na utilização de meios de cultura para teste presuntivo, meios seletivos para a determinação do
número mais provável de coliformes a 35°C e
meios seletivos em temperaturas seletivas para
a determinação do número mais provável de coliformes a 45°C, termotolerantes (3). A metodologia
para a pesquisa de Salmonella spp. foi o método
ELFA (Enzyme Linked Fluorescent Assay) no sistema automatizado VIDAS®, com confirmação dos
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
casos positivos pelo método de pré-enriquecimento e plaqueamento em meio seletivo (3).
A verificação da identidade do produto baseou-se na
confecção de lâminas temporárias contendo pequenas porções de pimenta-do-reino e, posteriormente,
comparação com padrões e literatura especializada. A luz polarizada foi utilizada na confirmação da
presença de amido de milho (1). Para a pesquisa
de sujidades leves em pimenta-do-reino moída utilizou-se o método 972.40A da Association of Official
Analytical Chemists, onde inicialmente as amostras
foram homogeneizadas e pesadas, passando por
etapas de lavagem em água quente, fervura com
solução de isopropanol e resfriamento. Para a flutuação e extração das sujidades utilizou-se uma mistura oleosa, em frasco-armadilha de Wildman, com
agitação e repouso alternados. Após a separação
da fase oleosa, esta foi coletada e filtrada. O papel
de filtro foi observado em estereomicroscópio, utilizando-se de microscopia óptica para a confirmação
das sujidades recuperadas (2).
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Das 38 amostras de pimenta-do-reino analisadas,
23 (60,5%) estavam em desacordo com pelo menos um dos parâmetros microbiológicos ou microscópicos. Sete amostras (18,4%) foram condenadas pela contagem de coliformes a 45°C superior
a 102 NMP/g e quatro (10,5%) pela presença de
Salmonella spp. (Figura 1).
95
A contaminação da pimenta-do-reino pode ocorrer,
principalmente, durante a secagem, quando o produto permanece exposto ao sol, ou durante a armazenagem (11). As condições sanitárias no cultivo
também influem nos níveis de contaminação, assim
como os cuidados com a colheita. Em relação aos
riscos à saúde, o problema maior refere-se ao consumo direto in natura (como, por exemplo, temperos
caseiros e para saladas) ou, indiretamente, quando
a pimenta-do-reino é adicionada aos produtos elaborados, por exemplo os embutidos. Nesse caso, as
especiarias poderão servir de fonte de contaminação para o alimento, permitindo, em condições favoráveis o desenvolvimento de microrganismos.
Quanto aos parâmetros microscópicos, nove
amostras (23,7%) continham pelo de roedor; seis
(15,8%), fragmentos de insetos, e doze (31,6%),
amido característico de milho (Zea mays) (Figura
1). Das onze amostras condenadas pelos parâmetros microbiológicos, quatro apresentaram pelo de
roedor e/ou numerosos fragmentos de insetos (Ordem Coleoptera). Outras duas amostras, além de
serem condenadas pelos padrões microbiológicos, foram condenadas por apresentarem elementos histológicos característicos de milho. Esse tipo
de fraude lesa o consumidor quanto à identidade
e qualidade do produto e pode incorporar perigos
não previstos. A presença de pelo de roedor torna
o produto impróprio para consumo, pois esses animais são transmissores de doenças, tais como a
salmonelose, leptospirose, pestes, viroses, entre
outras (7,14,16).
FIGURA 1 – Percentual de amostras condenadas por ensaio
96
Gestão, Ciência & Saúde
Cinco amostras foram condenadas somente pelos
parâmetros microbiológicos, e doze amostras somente pelos padrões microscópicos (Figura 2). Sendo assim, ressalta-se a importância das duas avaliações,
microbiológica e microscópica, quanto à qualidade
deste produto, uma vez que fraudes podem ser detectadas pelo ensaio microscópico e microrganismos
causadores de doenças transmitidas por alimentos
(DTA) por metodologias microbiológicas padronizadas. Ainda pelos ensaios microscópicos, avalia-se às
condições higiênico-sanitárias de produção da pimenta-do-reino pela pesquisa de matérias estranhas.
4. CONCLUSÃO
Outro ponto a ser considerado é que muitas especiarias possuem ação inibitória contra microrganismos (10). Entretanto, essa afirmativa não
foi corroborada pelos resultados obtidos neste,
demonstrada pela possibilidade de isolamento de
microrganismos indicadores e patogênicos em um
tipo de especiarias, já que 11 (28,9%) amostras
foram consideradas insatisfatórias quanto à contagem de coliformes a 45°C ou presença de Salmonella spp. RISTORI e colaboradores (18) também
A evidência da presença de matérias estranhas
no alimento indica condições higiênicas inadequadas durante alguma etapa do processamento,
portanto, uma possível fonte causadora de agravo
à saúde humana. O alto percentual de amostras
de pimenta-do-reino (Piper nigrum L.), contaminadas por microrganismos e/ou por fragmentos de
insetos e pelos de roedor, ressalta a importância
de programas de monitoramento visando efetivar
ações de controle sanitário na área de alimentos.
não demonstraram o efeito inibitório da pimentado-reino preta moída e de seu óleo essencial contra uma cepa de Salmonella rubislaw.
O tratamento térmico e a radiação ultravioleta são
procedimentos indicados como alternativas para a redução de microrganismos nesse tipo de produto. Contudo devem ser avaliados a eficiência desses processos, os custos e as desvantagens na sua aplicação.
FIGURA 2 – Percentual de amostras condenadas pelos padrões microbiológicos e microscópicos
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
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Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
99
LEITE UHT: QUALIDADE FÍSICO-QUÍMICA E OCORRÊNCIA DE ADULTERAÇÕES EM
AMOSTRAS COLETADAS NO ESTADO DE MINAS GERAIS
MILK UHT: PHYSICO-CHEMICAL QUALITY AND OCCOUR OF ADULTERATION IN SAMPLES
COLECTED IN THE MINAS GERAIS STATE
Cláudia Aparecida de Oliveira e Silva1, Sara Araújo Valladão2, Cristiane Lúcia Goddard2,
Flávia Silva Paula Coimbra3, Maria de Fátima Gomides4, Mariem Rodrigues Ribeiro Cunha5,
Renata Adriana Labanca6
1. Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos, Analista de Saúde e Tecnologia da Fundação Ezequiel
Dias (Funed), [email protected]; 2. Farmacêutica, Analista de Saúde e Tecnologia da
Funed; 3. Engenheira de Alimentos, Especialista em Gestão Ambiental de Resíduos Sólidos, Analista de
Saúde e Tecnologia da Funed; 4. Química, Analista de Saúde e Tecnologia da Funed; 5. Doutora em
Ciência de Alimentos, Analista de Saúde e Tecnologia da Funed, Responsável técnica pelos laboratórios
de Química Bromatológica e Cromatografia; 6. Doutora em Ciência de Alimentos, Analista de Saúde
e Tecnologia da Funed
RESUMO
ABSTRACT
Segundo a legislação brasileira, o produto leite não pode ser
adicionado de substâncias não permitidas, caracterizando a
sua adulteração intencional como fraude. O presente trabalho
avaliou parâmetros físico-químicos em amostras de leite UHT
coletadas de outubro a dezembro de 2007 em Minas Gerais,
em atendimento às solicitações da Polícia Federal. Devido ao
caráter investigativo, foram realizados os ensaios previstos na
Portaria nº 370 de 1997 do Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento e ensaios adicionais descritos na Instrução
Normativa nº 68 de 2006, do mesmo órgão. Todas as amostras apresentaram aspecto, cor, odor e estabilidade ao álcool
68% em concordância com o estabelecido pela legislação. Em
nenhuma delas foi confirmada a presença de cloretos e/ou peróxido de hidrogênio, porém, em 44% foi detectada a presença
de sacarose. Todas estavam de acordo com a Portaria 370
de 1997 para os parâmetros acidez e sólidos não gordurosos.
Em relação à matéria gorda, 4% das amostras apresentaram
valores abaixo do estabelecido. Considerando os valores estabelecidos na Instrução Normativa nº 68 para leite fluido, 96%
das amostras estavam em desacordo para o quesito alcalinidade nas cinzas e, se considerarmos os valores estabelecidos
pela Instrução Normativa nº 51 de 2002 para leite cru, 16%
estavam em desacordo para o parâmetro crioscopia, 24%
para o teor protéico e todas estavam satisfatórias para o parâmetro densidade. Comparando o teor encontrado de sódio
com o teor rotulado, 88% das amostras apresentaram desvio superior a 20%. O valor médio do parâmetro umidade foi
de 88,46%, corroborando com dados da literatura. Com base
nos resultados apresentados, sugere-se que o teor de proteínas crioscopia passem a compor as exigências de padrões
de identidade e de qualidade do leite UHT, a fim de dificultar
a ocorrência de adulterações. Sugere-se que a pesquisa de
sacarose por Cromatografia Líquida de Alta Performance seja
prática de rotina nos laboratórios que realizam análise fiscal
de leite e também que haja monitoramento contínuo dos nutrientes declarados no rótulo, através de determinações analíticas, já que o rótulo é o principal veículo de comunicação da
empresa com o consumidor.
The present work evaluated parameters physico-chemical in
collected milk samples UHT of October the December of 2007
in Minas Gerais, in attendance to the requests of the Federal Policy. According to Brazilian legislation, the product milk
cannot be added of substances not allowed, characterizing
its intentional adulteration as fraud. Due to the investigative
character of these operations, the assays foreseen discribed
in Portaria nº 370 of 1997 of the MAPA and others assays add
described in the Normative Instruction nº 68 of 2006, of the
MAPA. All the samples had presented aspect, color, odor and
stability to 68% alcohol in agreement with the established one
for the legislation. In none of them the presence of chlorides
and/or hydrogen peroxide was confirmed. All were in accordance with Portaria 370 of 1997 for the parameters not greasy
acidity and solids. In relation to the fat substance, 4% of the
samples had presented values below of the established one.
Considering the values established in NI nº 68 for fluid milk,
96% of the samples would be in disagreement for the alkalinity in ashes and, if to consider the values established for NI nº
51 of 2002 for raw milk, 16% would be in disagreement for the
parameter depression of the point of freezing and 24% for the
protein content. Already in relation to the parameter density all
would be satisfactory. On the basis of the presented results,
are suggested that the protein content and the depression of
the freezing point start to compose the requirements of standards of identity and quality of milk UHT, in order to make it
difficult the occurrence of adulterations.
Palavras-chave: Leite UHT, Adulterações, Qualidade FísicoQuímica
Keywords: Milk UHT, Adulteration, Physico-Chemical Quality
100
Gestão, Ciência & Saúde
1. INTRODUÇÃO
O leite é um alimento de grande importância na alimentação e, devido ao seu elevado valor nutritivo,
se torna essencial na promoção do crescimento e
manutenção da vida para o ser humano.
A produção brasileira de leite UHT foi de 4,9 bilhões de litros em 2007, representando 79% da
venda de leite fluido (1). Se associarmos à sua importância nutritiva como alimento, estaremos diante de um dos produtos mais relevantes da agropecuária brasileira. Portanto, o leite e seus derivados
desempenham um importante papel no suprimento de alimentos e na geração de emprego e renda
para a população. Nesse contexto, a garantia da
qualidade do leite torna-se imprescindível na cadeia do agronegócio. A Portaria nº 370 de 1997 do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que oficializa o Regulamento Técnico
de Identidade e Qualidade de Leite UHT, o define
como o leite homogeneizado que foi submetido,
durante 2 a 4 segundos, a uma temperatura entre 130 °C e 150 °C, mediante um processo térmico de fluxo contínuo, imediatamente resfriado a
uma temperatura inferior a 32 °C e envasado sob
condições assépticas em embalagens estéreis e
hermeticamente fechadas. Os requisitos físicoquímicos de qualidade conforme Portaria nº 370
de 1997 são: o teor de matéria gorda, a acidez titulável, a estabilidade ao etanol 68% v/v, o extrato
seco desengordurado, a acidez titulável e a estabilidade ao etanol 68% após incubação por 7 dias a
35ºC. É permitido o uso de fosfato de sódio (mono,
di, e tri), e citrato de sódio, como estabilizantes,
na concentração máxima de 0,1% (8). O produto leite não pode ser adicionado de substâncias
não permitidas, caracterizando a sua adulteração
intencional como fraude (9). O Código Penal Brasileiro classifica a fraude de alimento como crime
hediondo, estabelecendo reclusão de 1 a 2 anos,
tanto para os fraudadores, como para quem expõe à venda no varejo e/ou no atacado o produto
fraudado (7). Também para as autoridades da saúde, a fraude de produtos é considerada infração
sanitária (14). A fraude prejudica não somente os
consumidores, por adquirirem um produto de qualidade inferior, como também os concorrentes da
empresa fraudadora, visto que um produto de boa
procedência e que atenda aos parâmetros de qualidade se torna menos competitivo comercialmente
que o produto adulterado. Infelizmente, acredita-se
que ainda existam empresas capazes de realizar
fraudes intencionais no leite, provavelmente devido
à impunidade, conforme visto em uma operação de
combate à fraude realizada pelo MAPA em 13 estados
brasileiros, onde detectaram irregularidades em 43%
das 74 indústrias investigadas (11). Brandão et. al. (4)
após desenvolverem metodologia de análise laboratorial por cromatografia de camada fina para determinar
presença de carboidratos estranhos ao leite, encontrou maltodextrina sistematicamente em amostras de
leite em pó de uma empresa fracionadora, demonstrando que existem produtos em desacordo com os
padrões estabelecidos pela legislação. No final do ano
de 2007, após uma denúncia de suspeita de adição
de hidróxido de sódio (soda cáustica) e peróxido de
hidrogênio (água oxigenada) à matéria-prima utilizada
na fabricação de leite UHT em mais de uma empresa
em Minas Gerais, a Polícia Federal realizou a operação “Ouro Branco”, em que empresas foram interditadas e várias pessoas envolvidas foram detidas. Tal
operação causou grande impacto em todo o país, colocando em prova a qualidade e a idoneidade do leite
UHT brasileiro e provocando uma queda no consumo
deste produto pela população. O presente trabalho
teve como objetivo avaliar os parâmetros físico-químicos em amostras de leite UHT coletadas de outubro
a dezembro de 2007 no estado de Minas Gerais, em
atendimento às solicitações da Polícia Federal.
2. MATERIAL E MÉTODOS
Foram avaliadas 25 amostras de sete diferentes
marcas de leite UHT produzidas nos estados de
Minas Gerais, Goiás e São Paulo, coletadas durante a operação “Ouro Branco”, da Polícia Federal. As análises foram realizadas nos Laboratórios
de Química Bromatológica e Cromatografia/Serviço de Química/Divisão de Vigilância Sanitária/Instituto Octávio Magalhães, na Fundação Ezequiel
Dias (Funed). Devido ao caráter investigativo desta
operação, foram realizados os ensaios de qualidade previstos na Portaria nº 370 de 1997 do MAPA e
outros que evidenciassem possíveis adulterações.
Avaliou-se os parâmetros adicionais: densidade a
15 ºC, umidade e teor de sólidos totais, de proteína, depressão do ponto de congelamento, resíduo
mineral fixo, alcalinidade nas cinzas, estabilidade
ao alizarol 72% (v/v) e pesquisa de cloretos, peróxido de hidrogênio e sacarose. Todas as análises
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
foram realizadas, no mínimo, em duplicata. Foram
seguidas as metodologias descritas na Instrução
Normativa nº 68 de 2006, do MAPA (5). A pesquisa de sacarose foi realizada por cromatografia líquida de alta eficiência com detector de índice de
refração (CLAE/IR), baseada na metodologia da
Association of Official Analytical Chemists (3), com
limite de detecção do equipamento de 0,2 ug e o
limite de detecção do método de 84,9 mg/L.
Para análise de sódio, a metodologia utilizada foi
do Instituto Adolfo Lutz (10). A curva padrão foi realizada utilizando solução de sódio 1000 mg/L (Merck),
preparadas nas concentrações de 1,00; 2,00; 5,00;
7,50 e 10,00 mg/L em solução aquosa, acidificadas
a 10% (v/v). As amostras foram pesadas e levadas
à estufa com circulação e renovação de ar (Marconi,
mod. MA035), a 70 ºC, e após 12 horas levadas à
mufla (Vulcan, mod. 3-1750) utilizando a rampa de
aquecimento descrita na Tabela 1. Após o resfriamento das amostras, colocou-se 1 mL de HNO3 concentrado e levou a chapa aquecedora a 100 oC até
secura e novamente a mufla a 375 oC por uma hora.
As cinzas obtidas foram adicionadas de 10 mL de HCl
concentrado, e aferidas em balão volumétrico de 100
mL com água purificada em sistema Milli-Q. As amostras foram analisadas diretamente por espectrometria
de emissão óptica com plasma indutivamente acoplado (ICP-OES) (Perkin Elmer, mod. Optima 2000 DV
– amostrador, mod. As90plus), na configuração Axial,
1400 kw de potência de radiofrequência, 0,60 L min.-1
de vazão de gás. A curva de calibração foi construída
e verificada a linearidade da resposta.
TABELA 1 – Parâmetros de secagem das amostras
de leite em forno mufla
Tempo
(h)
Temperatura
(°C)
Rampa de aquecimento
(ºC/min)
1
100
5
1
250
5
5
530
10
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Todas as amostras apresentaram aspecto, cor,
odor e estabilidade ao álcool 68% (v/v) em concordância com o estabelecido pela legislação.
Em nenhuma delas foi confirmada a presença de
101
cloretos e/ou peróxido de hidrogênio. O fato de não
se ter detectado peróxido de hidrogênio nas amostras, não necessariamente indica que não houve
a adição deste produto no leite “in natura”, pois o
mesmo sofre decomposição poucas horas após sua
adição ao leite, o que dificulta a sua detecção no produto final. Em 44% das amostras foi detectada a presença de sacarose, indicativo de adulteração do leite
UHT (Tabela 2). Estes resultados corroboram com
os trabalhos de MARTINS et. al. (13), que também
encontraram sacarose em oito das 55 amostras de
leite UHT analisadas e maltodextrina em duas delas.
A adição de sacarose ao leite normalmente é realizada com o objetivo de mascarar a adição de água
e outros diluentes, agindo assim como um reconstituinte da densidade e do ponto de congelamento
do produto, o que dificulta a detecção deste tipo de
adulteração quando se utiliza as técnicas de rotina
para a avaliação e monitoramento da qualidade do
leite. Os métodos oficiais do MAPA para verificar a
adição de sacarose ao leite são qualitativos e possuem baixa sensibilidade. Logo, a utilização de um
método mais sensível, utilizando CLAE/IR, é de fundamental importância para a detecção da fraude no
leite por adição de sacarose.
TABELA 2 – Resultados dos parâmetros qualitativos avaliados nas amostras de leite UHT
Parâmetros
qualitativos
Valores de
referência
Não
conformidades
(%)
Aspecto
Líquido
0
Cor
Branca
0
Odor
Característico
0
Estabilidade ao
álcool 68% (v/v)
Estável
0
Estabilidade ao
alizarol 72% (v/v)
Estável*
0
Presença de
cloretos
Negativo
0
Presença de
peróxido de
hidrogênio
Negativo
0
Presença de
sacarose
Negativo
44
*padrão estabelecido para leite cru (Instrução Normativa
nº 51 de 2002)
102
Gestão, Ciência & Saúde
TABELA 3 – Resultados dos parâmetros quantitativos avaliados nas amostras de leite UHT
Parâmetros Quantitativos
Referência
Mínimo
Máximo
(%) Não conformidades
Densidade (g/mL)*
1,028 a 1,034
1,029
1,034
0
Matéria Gorda (% m/v)
Mín. 3,0
2,80
3,60
4
Sólidos totais (% m/v)
----
11,10
12,10
----
Sólidos não gordurosos (% m/v)
Mín. 8,20
8,20
8,80
0
Índice crioscópico (ºH)*
Máx. -0,530
-0,578
-0,522
16
Acidez titulável (% m/v)
0,14 a 0,18
0,14
0,18
0
Resíduo Mineral (% m/m)**
0,53 a 0,80
0,51
0,82
----
Alcalinidade nas cinzas (% m/m)
0,015 a 0,030
0,017
0,087
96
Proteína (% m/m)*
Mín. 2,90
2,57
3,75
24
Umidade (% m/v)**
85,5 a 88,7
87,90
88,90
----
Sódio (mg/200 mL)***
Desvio +/- 20%
148,7
234,0
88
*padrões estabelecidos para leite cru (Instrução Normativa nº 51 de 2002).
**valores de referência citados por Pereira et. al. (2001).
***conforme determinações para informação nutricional (RDC 360 de 2003).
Os resultados analíticos para os parâmetros quantitativos avaliados estão na tabela acima.
Em relação aos parâmetros acidez e sólidos não
gordurosos, todas as amostras estavam de acordo
com a legislação. Considerando os valores estabelecidos na Instrução Normativa nº 68 para leite
fluido, 96% das amostras estavam em desacordo
para o quesito alcalinidade nas cinzas. Apesar
dessa análise ser citada na IN nº 68 de 2006 do
MAPA como método oficial para verificar a adição
de substâncias neutralizantes ao leite fluido, verificou-se na prática que ela pode não ser efetiva
para este fim, no caso do leite UHT, pois valores
elevados de alcalinidade nas cinzas neste produto
podem ser consequência da adição permitida de
estabilizantes, e não necessariamente representariam um indicativo de adulteração do leite. Em
relação à matéria gorda, 4% das amostras apresentaram valores abaixo do estabelecido na Portaria nº 370 de 1997. Se considerarmos os valores
estabelecidos pela Instrução Normativa nº 51 de
2002 para leite cru, 16% das amostras estavam
em desacordo com a legislação para o parâmetro
depressão do ponto de congelamento e 24% para
o teor protéico, já em relação ao parâmetro densidade todas as amostras estavam satisfatórias.
O padrão de Identidade e Qualidade de Leite UHT
não abrange os quesitos resíduo mineral fixo e
umidade. Se considerarmos os valores de referência citados por PEREIRA et. al. (15), praticamente
todas as amostras se enquadrariam nos intervalos
descritos para estes parâmetros.
Os teores de sódio nas amostras do leite variaram de 148,7 a 234,0 mg/L. Estes resultados são
preocupantes, já que apresentaram uma variação
elevada. No processamento do leite, a padronização de todos os compostos é muito difícil, principalmente o teor de sódio, que pode variar em
função de diversos fatores, como, por exemplo,
a presença de mastite, que pode aumentar seu
teor no leite (12). Como a legislação não preconiza valor máximo permitido, a avaliação é feita
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
de acordo com o rótulo. A Resolução RDC nº 360
de 23 de dezembro de 2003 da Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa), aprova o Regulamento Técnico sobre Rotulagem Nutricional de
Alimentos Embalados, tornando obrigatória a rotulagem nutricional. Ela admite uma tolerância de
até 20% com relação aos valores de nutrientes
declarados no rótulo. Para as amostras analisadas, 88% apresentaram resultados com desvio
maior de 20% em relação ao valor descrito no rótulo, o que demonstra a falta de monitoramento
por parte da empresa do teor de sódio de seus
fornecedores de leite, do produto final, e da variação sazonal deste elemento na matéria-prima, e
consequente erro na elaboração da tabela nutricional descrita no rótulo do produto. Estes resultados são preocupantes, uma vez que a principal
informação que o consumidor e profissionais da
área de nutrição utilizam para fazer uma dieta balanceada é a rotulagem, e se esta não condiz com
o valor real, todo o controle e preocupação com a
elaboração da dieta se torna questionável.
4. CONCLUSÕES
Com base nos resultados apresentados, sugere-se
que o teor de proteínas, a depressão do ponto de
congelamento, e a presença de sacarose utilizando
metodologia por CLAE/IR passem a compor as exigências de padrões de identidade e de qualidade
do leite UHT, no intuito de dificultar a ocorrência de
adulterações na sua produção por algumas empresas fraudadoras. Sugere-se também um controle
mais efetivo, por parte dos órgãos fiscalizadores,
da veracidade dos dados demonstrados nas tabelas nutricionais impressas nos rótulos, afim de que
o mesmo seja realmente um instrumento de comunicação eficaz entre o consumidor e a embalagem
do produto. Há necessidade de estudo de técnicas
mais precisas e eficazes para a verificação da adição de substâncias neutralizantes, já que a metodologia de alcalinidade das cinzas parece não
ser efetiva nesta determinação. Ressalta-se que
os consumidores e todas as outras empresas honestas produtoras de leite UHT são severamente
lesados pela ocorrência dessas fraudes, que prejudicam a imagem do leite UHT como alimento,
causando decréscimo da credibilidade do produto
no mercado e decréscimo do consumo, além de
gerar lucros abusivos e concorrência desleal.
103
AGRADECIMENTOS
À Fundação Ezequiel Dias e seus funcionários que
muito contribuem para o sistema de vigilância sanitária e ambiental de Minas Gerais. Os laboratórios da Funed monitoram a qualidade dos alimentos, medicamentos, cosméticos e outros produtos
sujeitos à vigilância sanitária, ambiental e à saúde
do trabalhador. Todo esse trabalho é direcionado
ao atendimento aos órgãos públicos de Vigilância
à Saúde.
104
Gestão, Ciência & Saúde
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Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
105
ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DO EXTRATO ETANÓLICO DA PRÓPOLIS FRENTE A
BACTÉRIAS RESISTENTES A ANTIBIÓTICOS
ANTIBACTERIAL ACTIVITY OF ETHANOL EXTRACTS OF PROPOLIS AGAINST BACTERIA
RESISTANT TO ANTIBIOTICS.
Wemerson de Castro Oliveira1, Elsa Fernandes da Silva2
1 Graduado em Ciências Biológicas pelo Centro Universitário de Caratinga (UNEC), Especialista em
Controle de Qualidade e Segurança em Alimentos pelo Instituto Metodista Izabela Hendrix, Docente, [email protected]; 2 Graduada em Ciências Biológicas e Especialista em Saúde e Meio Ambiente
pelo UNEC, Responsável Técnica pelo Laboratório de Microbiologia do UNEC
RESUMO
ABSTRACT
O teste in vitro pretendeu avaliar o efeito do extrato
etanólico da própolis frente à bactérias resistentes
a antibióticos. Para a obtenção do extrato etanólico da própolis, foram utilizadas diferentes concentrações do solvente extrator (60, 70 e 80%). A
determinação de flavonoides totais do extrato da
própolis foi observada pela formação do complexo
metal alumínio-flavonoide e lida em transmitância
a 425 nm. A atividade antibacteriana foi verificada pelo método de difusão em placa. O extrato
etanólico da própolis só foi eficiente na inibição
do isolado Staphylococcus coagulase negativa e
apresentou uma ligeira atividade frente a isolados
multirresistente de Enterococcus sp., na concentração do solvente extrator a 80%. O crescimento
de isolados gram-negativos não foi inibido em nenhuma das três concentrações testadas.
The in vitro test was intended to evaluate the effects of ethanolic extracts of propolis or bacteria
resistant to antibiotics. The ethanolic extracts of
propolis were made using different concentrations of ethanol as solvent (60, 70 and 80%). The
determination of the total flavonoids in extracts
of propolis was realized through the formation of
aluminum – flavonoid chelates and measurnert of
the absorbarce at 425 nm. The antibacterial activity was verified by the method of diffusion in plate.
The ethanolic extract of the propolis was only effective in the inhibition of the isolated Staphylococcus coagulase and shouved slight activity against
the multiresistant isolate of Enterococcus sp., in
the 80% ethanol extract. The growth of the isolated
gram-negatives was not inhibited by extracts of the
propolis in ary of the three concentrations tested.
Palavras-chave: Resistência, Flavonoides, Bactéria, Própolis, Antibiótico
Keywords: Resistant, Flavonoids, Bacteria, Propolis, Antibiotics
106
Gestão, Ciência & Saúde
1. INTRODUÇÃO
No decorrer das últimas décadas, com a descoberta dos antibióticos, várias doenças e infecções causadas por microrganismos têm sido reduzidas e até
mesmo curadas. O desenvolvimento de fármacos
eficientes contra as infecções bacterianas foi um
grande avanço e uma excelente ferramenta para
a medicina tanto humana quanto veterinária, reduzindo muito o índice de mortalidade (27). Mas o
aumento no uso de antibióticos e o seu uso desregrado possibilitaram uma adaptação desses microrganismos a certos antibacterianos, desenvolvendo,
dessa forma, uma resistência, impondo assim sérias limitações (34) às opções para o tratamento de
infecções bacterianas, representando uma ameaça
para a saúde pública (21).
O surgimento de bactérias resistentes é uma adaptação natural do material genético (27), relacionada
à existência de genes contidos no microrganismo
que codificam diferentes mecanismos bioquímicos
que impedem a ação das drogas, em resposta às
condições desfavoráveis do ambiente (31). Pode
ser originada das mutações que ocorrem no microrganismo durante seu processo reprodutivo e
resultado do erro de cópia nas sequências das bases que formam o ácido desoxirribonucleico (ADN),
responsável pelo código genético (31), podendo
ser transferida para microrganismos de uma mesma colônia ou outras, como da microbiota animal
para humana e vice-versa (22).
A resistência bacteriana tem contribuído para o aumento dos índices de mortalidade em pacientes debilitados (2,29,32). Segundo Eickhoff, 1992 (10) e Neu,
1993 (20), o aumento da resistência bacteriana a vários agentes antimicrobianos acarreta dificuldades no
manejo de infecções e contribui para o aumento dos
custos do sistema de saúde e dos próprios hospitais.
Diante de tal situação é de extrema importância
estabelecer tratamentos alternativos para infecções causadas por bactérias resistentes a classes
comuns de antibióticos. A utilização de produtos
naturais na medicina vem sendo utilizada há muitos anos, e as formas predominantes de utilização
são as plantas brutas (ervas), além das tradicionais preparações galênicas (extratos) (25).
A própolis é um dos produtos naturais mais utilizados pela humanidade, sendo usada de diferentes
maneiras, tendo relatos de sua utilização pelos assírios, gregos, romanos, incas e egípcios. A exemplo disso no antigo Egito (1700 a.C.), a própolis era
utilizada para embalsamar os mortos (25).
As abelhas são essenciais para a produção da
própolis, uma vez que apresentam em sua saliva
algumas enzimas que tem a capacidade de modificação da resina coletada, adicionando a elas ácidos graxos insaturados, potencializando as características terapêuticas. Algumas moléculas como
pinocembrina, flavonoides que estão contidas na
resina, são modificadas quando entram em contato
com as enzimas salivares da abelha permitindo a
adição de um íon que lhes garantem propriedades
fotoinibidoras (12).
A própolis é coletada pelas abelhas em diferentes
partes das plantas como: brotos, casca, botões florais e exsudatos resinoso, por isso é considerado
um produto resinoso natural (10,19), apresenta
uma característica de ser gomoso, e com consistência variada (7,15). Seu aroma é característico e
varia com a origem botânica, sua cor também pode
variar entre amarelada, esverdeada clara ao pardo
escuro. Seu sabor pode ser de suave balsâmico
ao forte, amargo, picante e modificações em sua
consistência também são possíveis (2).
A composição química da própolis é complexa,
contendo mais de 160 componentes como os flavonoides (flavonas, flavolonas e flavononas), chalcomas, ácido benzoico, benzaldeídos, álcoois,
cetonas, fenólicos, heteroaromáticos, álcool cinâmico e derivados, ácidos diterpenos e triterpenos,
minerais e outros (5, 7,24,28,34). As vitaminas B1,
B2, B6, C, E e minerais como manganês, ferro,
cálcio, alumínio também já foram identificados em
amostras de própolis (18), assim como os açúcares arabinose, frutose, glicose, sacarose e maltose
(7). Diversos pesquisadores como Bankova, 1995
(4), Marcucci, 1999 (19) e Seixas, 2000 (26) relatam que na própolis brasileira os ácidos fenólicos
são mais abundantes que os flavonoides .
A diversidade de atividades biológicas da própolis, principalmente a antibacteriana tem sido muito estudada. A maioria dos relatos mostram que
os diversos tipos de extratos de própolis possuem
acentuada ação inibidora, in vitro, sobre gêneros
gram-positivos e, em menor escala, sobre as bactérias gram-negativas (14,16,23).
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
Estudos mostraram que as atividades biológicas
da própolis como antiviróticas, antiparasitárias,
antibacterianas, antioxidantes e demais propriedades farmacológicas, estão relacionadas com a
presença dos flavonoides (flavonas, flavolonas e
flavononas) (4,13,17).
Muitas das ações farmacológicas da própolis ainda não foram confirmadas, portanto mais estudos
devem ser feitos para melhor elucidar seu uso na
medicina e no uso popular. As preparações já existentes devem ser examinadas para analisar a sua
atividade terapêutica e possíveis efeitos colaterais.
O objetivo desse estudo foi avaliar a atividade antibacteriana do extrato etanólico da própolis em diferentes
concentrações de etanol (60, 70 e 80%), frente à bactérias gram-positivas e gram-negativas resistentes a
antibióticos e verificar em qual concentração de etanol
a extração de flavonoides é mais eficiente.
2. METODOLOGIA
2.1. Isolado bacteriano e antibiograma
Foram utilizadas as cepas de Acinetobacter sp.,
Klebsiella sp., Proteus mirabilis, Enterococcus sp.
e Staphylococcus coagulase negativa, isolados de
urina e secreção de orifício de cateteres comprovadamente multirresistentes. Estes isolados foram
selecionados após a realização do antibiograma
pelo teste de difusão em Agar Mueller Hinton. As
colônias crescidas foram suspensas em solução
de cloreto de sódio a 0,9%, ajustando turvação à
escala 1 de MarcFarland (300 x 103 bactérias mL-1).
A inoculação foi feita por sementeira de superfície
utilizando “SWAB”. Os discos dos antimicrobianos
a serem testados foram colocados cerca de 3 cm
de distância um do outro. As placas foram incubadas a 35-37°C por 16-18 horas. Após incubação,
foi realizada a leitura do halo de inibição através
do NCCLS (2000) padronizada em milímetros.
2.2. Própolis
A própolis foi coletada no município de Caratinga, localizado na região leste de Minas Gerais, a 19º 37’
30’’ de latitude sul e 42º 09’ 00’’ de longitude, inserida
na região do Rio Doce e apresenta um clima mono-
107
tropical com temperatura anual comum de 22,7ºC,
com máxima de 27,5 ºC e mínima de 16,6ºC. Próximo à região ocorre presença de fragmentos de
Mata Atlântica.
A própolis foi produzida por abelhas da espécie
Apis mellifera e, após a coleta, foi desidratada em
um dissecador de sílica a temperatura ambiente,
durante 24 horas.
2.3. Extrato etanólico da própolis
Amostras de 24 gramas da própolis desidratada,
trituradas e homogeneizadas, foram transferidas
para três balões de fundo chato etiquetados. Em
seguida, foram adicionados 200 mL do solvente
extrator (etanol). Foram utilizadas as seguintes
concentrações do solvente extrator: 60, 70 e 80%.
A extração foi feita a 70°C em banho termostatizado por 30 minutos, sob agitação constante. Após a
extração, as amostras foram centrifugadas a 3.500
rpm (rotação por minuto) por 10 minutos. Parte
dos sobrenadantes obtidos foram armazenados
sob refrigeração em frascos âmbar devidamente
etiquetados, durante 15 dias e parte foi para o processo de retirada do solvente.
Para a retirada do solvente e obtenção do extrato
de própolis bruto, foi utilizado o evaporador rotativo (Tecnal) acoplado a uma bomba de vácuo (TE 058, Tecnal). O extrato ficou aproximadamente uma
hora e meia sob constante rotação a uma temperatura de 70 °C e pressão de 400 mm de Hg.
2.4. Determinação dos flavonoides totais
O princípio desta reação baseia-se na formação de
quelatos entre o metal (alumínio) e os flavonoides,
principalmente os flavonois (3- hidroxiflavonas)
como a quercetina, em soluções alcoólicas, levando a um efeito batocrômico do espectro de absorção dos flavonoides, com alteração da coloração.
A mistura de reação constituiu de 1,5 ml dos respectivos extratos, diluídos 1:4, 0,5 mL de etanol a 70%,
0,1 mL de nitrato de alumínio a 10% e 0,1 mL de
acetato de potássio 1 M. Após 40 minutos de reação, a transmitância das amostras foi medida no
comprimento de onda de 425 nm utilizando Espectrofotômetro (Quimis Q 108 D - 340/950 nm).
108
Gestão, Ciência & Saúde
2.5. Método de difusão em placa
3. RESULTADO E DISCUSSÃO
O experimento foi realizado em duas etapas: a primeira foi realizada após a extração e retirada do
solvente extrator; a segunda com o extrato armazenado por um período de 15 dias em vidro âmbar
e refrigerado à temperatura de 2 a 8°C.
Para a difusão em placa foi usado o meio de cultura Agar Mueller Hinton (Hidrolisado ácido de caseína 17,5 g; extrato de carne 2,0 g; amido de batata
1,5 g; agar bacteriológico 17,0 g e pH final 7,4). As
colônias bacterianas selecionadas foram emulsionadas em 5 mL de cloreto de sódio a 0,9% igualando turvação à escala 1 de MacFarland (300 x
103 bactérias mL-1 ).
A inoculação foi feita por sementeira de superfície
utilizando “SWAB”. Após a inoculação foram confeccionados os poços com pequenos cilindros. Em
cada poço foi adicionado 50 μL dos extratos. As
placas foram incubadas em estufa bacteriológica
à temperatura de 35 a 37°C por 18 e 48 horas. Em
seguida foram realizadas as medidas dos halos de
inibição. Como controle positivo foi utilizado discos de antibióticos comerciais.
3.1. Resistência antimicrobiana
Os isolados bacterianos gram-negativos (Acinetobacter sp., Klebsiella sp., Proteus mirabilis) e grampositivos (Enterococcus sp. e Staphylococcus coagulase negativa) apresentaram multirresistência
a antibióticos comerciais. Analisando a Tabela 1, é
possível notar que as bactérias que apresentaram
maior resistência, em número de antibióticos testados, foram Acinetobacter sp., Enterococcus sp.,
Proteus mirabilis, Klebsiella sp. e por último Staphylococcus coagulase negativa, respectivamente.
Mas também se pode observar que apresentaram
sensibilidade a alguns antibacterianos.
3.2. Determinação dos flavonoides totais
Observamos que o extrato etanólico de própolis na concentração de 80% apresentou a menor
transmitância (com valor de 10,30), portanto maior
quantidade de flavonoides totais. Este resultado
parece indicar que nesta concentração de etanol
a extração dos flavonoides é mais eficiente, seguido
TABELA 1 – Resultado do antibiograma pelo método de difusão em placa
ANTIBIOGRAMA
ORIGEM
INÓCULO
Resistência
Intermediário
Secreção de ponta
de Cateter
Acinetobacter sp.
AMC, CFL, TET, AMI, CRO, AMO,
SUT, CIP, NOR, LVX, AZI, NAL,
PIP e NIT
Urina
Klebsiella sp.
CIP, AMO, SUT, NOR, OFL, LVX
Urina
Proteus mirabilis
TET, CIP, NOR, LVX, PIP, NIT, OFL
Urina
Enterococcus sp.
TET, AMI, CRO, SUT, CIP, NOR, LVX,
AZI, PEN, CLI, ERI, CLO, OFL
______
Secreção de orifício
de Cateter
Staphylococcus
coagulase negativa
PEN, ERI, SUT, AZI, OXA
GEN, CFL, NOR
______
TET e CRO
______
Sensibilidade
IMP
NIT e AZI
AMI, CRO, AZI, CFL
IMP, NIT, VAN
VAN, NIT, TET, AMI
Antibióticos: AMC: Ácido clavulânico + amoxicilina; CFL: Cefalotina; TET: Tetraciclina; AMI: Amicacina; CRO: ceftriaxona; AMO: Amoxicilina;
SUT: Sulfazotrin; CIP: Cirpofloxacina; NOR: Norfloxacina; LVX: Levofloxacina; AZI: Azitromicina; NAL: Ácido nalidixico; PIP: Ácido pipemidico; NIT: Nitrofurantoína; OFL: Ofloxacina; PEN: Penicilina; CLI: Clindamicina; ERI: Eritromicina; CLO: Cloranfenicol; OXA: Oxacilina ; GEN:
Gentamicina; IMP: Imipenem; Van: Vancomicina.
109
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
do extrato a 70% (com valor da transmitância de
11,50) e, por último, do extrato com 60% (com valor da transmitância de 12,00) de solvente extrator. Com esses resultados, podemos afirmar que
a concentração com maior poder de extração foi a
de etanol a 80%.
Park, 1998 (23), mediram a concentração de oito
diferentes tipos de flavonoides nos extratos etanólicos da própolis em diferentes concentrações,
através do método de cromatografia líquida de alta
eficiência (CLAE) em fase reversa. Os flavonoides
encontrados foram: a quercetina, kanferol, acacetina, kanferide, isosakuramectina, sakurametina, isoramoctina e pinocembrina e dentre esses,
as concentrações dos flavonoides isoramoctina e
pinocembrina foi maior para o extrato obtido em
80% de etanol. Segundo vários autores este extrato apresenta maior efeito inibitório.
3.3. Difusão em placa
Os extratos etanólicos a 60, 70 e 80% mostraram
eficiência antibacteriana frente aos isolados Staphylococcus coagulase negativa, Enterococcus
sp. e não houve inibição para o crescimento das
bactérias gram-negativas (Acinetobacter sp., Klebsiella sp. e Proteus mirabilis) (Tabela 2).
Este comportamento, de certa forma, poderia ser
esperado, uma vez que muitos relatos ilustram
que a própolis detêm maior poder antimicrobiano
sobre as espécies gram-positivas, sendo pouco
eficaz ou incapaz de inibir o crescimento de bactérias gram-negativas (8,11,14,16). Ensaios de antibiose com a própolis, frente a dez bactérias grampositivas e vinte gram-negativas mostraram que a
atividade antibacteriana da própolis é mais efetiva
sobre as gram-positivas (1).
A diferença de atividade contra bactérias gram-positivas e bactérias gram-negativas parece derivar
da constituição da parede celular bacteriana e dos
constituintes do extrato, em especial os flavonoides que se acredita ser o componente principal na
ação da própolis contra bactérias. No entanto, para
Takaisi-Kikuni e Schilcher, 1994 (30), o extrato
TABELA 2: Resultado das medidas dos halos de inibição do extrato etanólico da própolis em diferentes
concentrações frente às bactérias multirresistentes.
ISOLADO
BACTERIANO
1ª
ETAPA
2ª
ETAPA
GRAM
CONTROLE
POSITIVO
(mm)
HALOS DE INIBIÇÃO (mm)
60%
70%
80%
18 hs
48 hs
18 hs
48 hs
18 hs
48 hs
Enterococcus sp
positivo
28
0
0
0
0
10,2
10,2
Staphylococcus
coagulase negativa
positivo
18,4
11
11
12,8
12,8
16,2
16,2
Acinetobacter sp
negativo
26
0
0
0
0
1
1
Klebsiella sp.
negativo
18
0
0
0
0
0
0
Proteus mirabilis
negativo
20
0
0
0
0
0
0
Enterococcus sp
positivo
20
0
0
0
0
10
10
Staphylococcus
coagulase negativa
positivo
20
13
13
13,5
13,5
18
18
Acinetobacter sp.
negativo
26
0
0
0
0
10
10
Klebsiella sp.
negativo
24
0
0
0
0
7
7
Proteus mirabilis
negativo
25
0
0
0
0
0
0
Antibióticos usados como controle positivo: Acinetobacter sp.(Imipenem), Klebsiella sp. (Nitrofurantoína), Proteus mirabilis
(Amicacina), Enterococcus sp. (Nitrofurantoína) e Staphylococcus coagulase negativa (Vancomicina)
110
Gestão, Ciência & Saúde
etanólico da própolis inibe o crescimento bacteriano por prevenir a divisão celular e por produzir
defeitos na estrutura da parede celular, levando da
bacteriólise parcial a pseudomulticelulares (policarióticos), desorganizar o citoplasma (caracterizado
pela presença de espaços vazios ou estruturas fibrosas), além de causar alterações na membrana
citoplasmática inibindo a síntese proteica.
Entre as concentrações do extrato da própolis o
que apresentou melhor resultado frente às bactérias multirresistentes foi o etanólico a 80%, gerando halos significativos. Porém, os extratos a 60 e
70% não apresentaram atividade antibacteriana
significativa (Tabela 2). Park, 1998 (23), observou
que o extrato etanólico a 80% foi o que apresentou
os melhores resultados de atividade antibacteriana o que leva a concluir que é a melhor concentração para a preparação dos extratos.
O melhor efeito antibacteriano foi do extrato etanólico da própolis a 80% frente ao isolado Staphylococcus coagulase negativo. O referido extrato
apresentou uma ligeira atividade (zona de inibição
de 10 mm) sobre o isolado multirresistente de Enterococcus sp. (Tabela 2).
As leituras feitas após 18 e 48 horas não apresentaram variação no tamanho do halo de inibição,
mostrando que o tempo de incubação de 18 horas
é suficiente para o crescimento ou inibição dos microrganismos pelo extrato da própolis (Tabela 2).
Também não houve variação entre o extrato usado
após extração e o extrato armazenado por 15 dias,
podendo assim afirmar que o extrato da própolis
mesmo armazenado não perde o seu efeito antibacteriano (Tabela 2).
4. CONCLUSÃO
O melhor efeito antibacteriano foi do extrato etanólico da própolis a 80% frente ao isolado Staphylococcus coagulase negativo. Os extratos etanólicos
da própolis a 60, 70 e 80% não apresentaram atividade antibacteriana significativa frente aos isolados gram-negativos.
A atividade antibacteriana frente aos isolados
gram-positivos multirresistentes é de grande importância diante da resistência que muitas bactérias
têm adquirido contra antibióticos comerciais. Diante
de tal situação é necessário a busca de terapias alternativas, como a utilização de fitoterápicos. Esses
vem recebendo reconhecimento cada vez maior em
relação ao potencial terapêutico e o uso na medicina popular local, para tentar controlar as infecções
hospitalares e validar a atividade antibacteriana da
própolis no estado de Minas Gerais.
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
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Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
113
DIVERSIDADE DE FATORES DE RISCO ASSOCIADOS À INFECÇÃO PELO VÍRUS
DA HEPATITE C (HCV)
DIVERSITY OF ASSOCIATED RISK FACTORS FOR HEPATITIS C INFECTION (HCV)
Maria Regina Dias-Bastos1, Cláudia Di Lorenzo Oliveira2,
Anna Bárbara de Freitas Carneiro-Proietti3
1 Médica, Especialista em Gerontologia, Mestre em Ciências da Saúde, Gerente Técnica do Hemocentro
de Belo Horizonte da Fundação Centro de Hematologia e Hemoterapia de Minas Gerais (Hemominas),
[email protected]; 2 Médica, Mestre e Doutora em Epidemiologista, Professora
Adjunta da Universidade Federal de São João Del Rei; 3 Médica Hematologista, Doutora em Virologia,
Pós-Doutoramento em Hematologia, Presidente da Fundação Hemominas
RESUMO
ABSTRACT
Para se conseguir a prevenção de doenças infecto-contagiosas é importante o conhecimento dos
modos de transmissão e fatores de risco associados que podem variar em diferentes culturas e
populações. No caso da transmissão da Hepatite
C (HCV), por causa da grande variedade de atividades humanas em que há a possibilidade de
exposição a sangue e fluidos corporais, existem
muitas formas possíveis de contágio, além das já
demonstradas por associação epidemiológica. A
caracterização dos fatores de risco implicados em
cada país, em vez da adoção de modelos de investigação importados de outras culturas é importante
para a adoção de medidas preventivas efetivas.
In order to prevent contagious diseases it is important the knowledge of associated risk factors. Those
can vary in different cultures and populations. In
the case of the Hepatitis C (HCV) transmission,
because of the great variety of human activities
where the possibility of exposition to blood and
body fluids exists there are several other plausible
forms of infection besides those already demonstrated by epidemiological association. The characterization of risk factors in each country instead
of adoption of imported models of investigation
from other cultures is therefore important for the
adoption of effective preventive measures.
Palavras-chave: Hepatite C, Fatores de Risco, Epidemiologia
Keywords: Hepatitis C; Risk Factors, Epidemiology
114
Gestão, Ciência & Saúde
1. INTRODUÇÃO
2. TRANSMISSÃO
Nos anos 70, as hepatites não-A não-B eram vistas
como doenças assintomáticas de pouca consequência; consideradas meramente como “transaminites
inespecíficas”. Entretanto, à medida que os casos
eram seguidos prospectivamente, tornou-se claro que até 20% deles evoluíam para um quadro
de cirrose hepática (2). Em um estudo clássico,
Tong e colaboradores (34) mostraram que 45,8%
dos casos de hepatite pós-transfusional, após um
período médio de 20 anos de acompanhamento,
mostravam evidências de cirrose na biópsia e que
10,68% apresentavam carcinoma hepatocelular.
Este estudo, pioneiro no estudo da hepatite C,
apresentava viés de seleção, pois só os casos
mais graves eram encaminhados ao serviço.
O método mais eficiente de transmissão é através
de exposição a sangue contaminado (transfusão de
sangue ou transplante de órgão de doador infectado, compartilhamento de seringas no consumo de
drogas). Também pode ser transmitido através de
exposições percutâneas menores (acidentes perfurocortantes com material contaminado) e mais raramente através de exposição de mucosa a sangue
ou fluidos durante o parto (em mães infectadas) ou
através de sexo com parceiro infectado (3).
O vírus da hepatite C (HCV) foi descrito por Choo
e colaboradores (9), do Grupo Cooperativo Chiron,
em 1989, como um novo agente viral da hepatite
não-A não-B. O mesmo grupo descreveu um teste
para o diagnóstico sorológico do vírus (15).
Nos anos que se seguiram à sua descoberta, foram descritas muitas manifestações extra-hepáticas associadas com infecções crônicas, incluindo
crioglobulinemia, porfiria cutânea tarda, glomerulonefrite membrano-proliferativa, síndrome sicca e
tireoidite. Uma alta prevalência de autoanticorpos
em pacientes com HCV também foi descrita em
alguns estudos (6).
Embora o número exato de indivíduos soropositivos seja difícil de ser calculado, a Organização
Mundial da Saúde estimou em 1999 que 169,7 milhões de pessoas estavam infectadas pelo HCV no
mundo. Destas, 13,1 milhões estavam nas Américas. A prevalência do HCV estimada para o Brasil
nesse estudo foi de 2,6% da população. Há importante variabilidade nas taxas de soroprevalência
de acordo com a localização geográfica, condições socioeconômicas e fatores de risco individuais e temporais. A prevalência é maior em países
da África, do Mediterrâneo Oriental, do Sudoeste
Asiático e da região ocidental do Pacífico e menor
em países industrializados (36). Novo estudo de
prevalência global em 2004 estimou a prevalência
global em 2,2% correspondendo a cerca de 130
milhões de indivíduos soropositivos para o HCV
em todo mundo (32).
Também existem evidências de que o ambiente
pode servir como reservatório para o vírus. Foi observada transmissão do HCV através da reutilização de agulhas e seringas, compartilhamento de
frasco de medicamentos e esterilização inadequada de materiais hospitalares em contexto de saúde pública (36). No ambiente de hemodiálise, uma
possível rota de infecção seria através de contaminação cruzada entre pacientes e também através
de compartilhamento de frascos de medicamentos
sem as devidas precauções (33).
Essa observação foi fundamentada em estudo de
Kamili e colaboradores (2007) que mostrou que
amostras de sangue contaminado ainda apresentavam infectividade após secas e armazenadas a
temperatura ambiente por período superior a 16
horas, mas inferior a quatro dias (14).
3. FATORES DE RISCO ASSOCIADOS
3.1. Transfusão de sangue e transplante
de órgãos
Estima-se que 4% dos casos de infecção pelo HCV
dos 4 milhões de infectados nos EUA em 1999 se
deva a transfusão de sangue e a maioria deles
contaminada anteriormente a 1990 quando se iniciou a triagem em bancos de sangue (24).
Também com o início da testagem para HCV entre
outras em 1993 no Brasil, diminuiu muito o risco de
transmissão do HCV através de transfusão. Mesmo
assim estudo realizado por Paraná (22) no Nordeste do Brasil relatou que havia história de transfusão
prévia em 40% dos casos de HCV desse estudo.
Em série descrita por Fagundes em CriciúmaSanta Catarina 28,5% dos casos relataram história
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
de transfusão anterior (11). Em série descrita por
Souza e colaboradores (2004) em Belo Horizonte
- Minas Gerais, 48,3% de 295 pacientes com hepatite C crônica relatavam história prévia de transfusão de sangue ou uso de hemoderivados (30).
Estudo realizado em Santa Catarina estimou o risco residual de transmissão do HCV em 1:19.300
(95% CI, 1:10.400-1:44.800) transfusões (16). Risco muito superior ao encontrado na Inglaterra de 1
para 520.000 no período de 1993-98 e com queda
para 1 em 30 milhões no período de 1999-2001
quando todas as doações passaram a ser testadas
por método HCV-RNA (28).
Na Itália o risco residual para transmissão do HCV
através doação de sangue foi estimado em 16,74
(9,57-24,01) por cada milhão de doações (12).
A prevalência de testes confirmados positivos para
HCV em doadores de órgãos foi de 1,091% em estudo americano (40).
Mesmo após testagem de doadores, ainda é possível a doação em período de janela imunológica
como aconteceu em um transplante de fígado com
transmissão de HIV e HCV (1). Em outro caso, um
único doador negativo no teste de triagem, mas
RNA positivo contaminou 8 pessoas recipientes de
diferentes órgãos (35).
3.2. Exposição iatrogênica – procedimentos médicos e injeções de risco
Na Austrália existe relato de caso de transmissão
do HCV em paciente submetido a procedimento
endoscópico, atribuída à contaminação de frasco
anestésico de uso comum. Na Itália, 15 de 29 voluntários participando de estudos de farmacocinética
foram infectados pelo HCV possivelmente como resultado da contaminação de um frasco de heparina
de uso comum utilizado para manutenção de cateter intravenoso. Nos EUA, foram relatados 69 casos
de infecção pelo HCV relacionadas à medicação
anestésica em clínica ambulatorial de tratamento de
dor, e 19 casos relacionados à medicação anestésica de frasco comum em clínicas endoscópicas (36).
No ambiente de hemodiálise, existem muitas rotas
possíveis de contaminação cruzada entre pacientes e através de uso de frascos de uso comum (33).
115
Em revisão de Fabrizi e colaboradores (2008), o fator mais importante ligado a infecção cruzada em
hemodiálise foi a deficiência da equipe de saúde em
seguir os procedimentos padronizados de controle de infecção. Esse mesmo artigo cita um estudo
belga em que se conseguiu diminuir a incidência de
HCV em pacientes de uma unidade de hemodiálise
de 1,4% para 0% simplesmente pela implementação
rigorosa dos procedimentos padronizados de prevenção para a transmissão de patógenos (10).
No Egito, a esquistossomose foi por muito tempo
o principal problema de saúde pública e principal
causa de doença hepática. Entre os anos de 1950
e 1980, o Ministério da Saúde daquele país realizou uma abrangente campanha de controle da
esquistossomose utilizando medicação intravenosa. Na época, os perigos da exposição ao sangue
humano eram desconhecidos e não se utilizavam
agulhas e seringas descartáveis. Infelizmente,
pela reutilização de agulhas e seringas durante
o período da campanha, esta meritória ação de
tratamento da esquistossomose resultou na expansão da infecção pelo HCV (31). Atualmente, o
Egito é o país com a maior prevalência do HCV
no mundo, estimada em 18,1% da população (37).
No Japão, onde a prevalência do HCV é estimada
em 2% da população, o HCV é altamente endêmico em algumas vilas. Sua prevalência aumenta
com a idade, chegando a cerca de 7% em indivíduos com mais de 70 anos. Uma das causas para
essa situação foi o uso indiscriminado de injeções
endovenosas de analgésicos, antipiréticos e agentes nutritivos que se tornaram práticas populares
no pós-guerra. Mesmo com o advento das seringas descartáveis, era comum a reutilização de seringas e agulhas sendo que nem sempre os procedimentos de desinfecção eram satisfatórios (13).
A Organização Mundial da Saúde estimou, em
1999, que em 14 de 19 países em desenvolvimento com dados disponíveis, pelo menos 50% das injeções eram de risco (reutilização de seringas com
esterilização inexistente ou inadequada). Com
isso, calculou-se que a incidência anual atribuível
a injeções de risco seja de 2,3 a 4,7 milhões de
casos de hepatite C (27).
No Brasil, existem relatos de casos de transmissão
de HCV através de uso de agulhas e seringas reutilizáveis entre jogadores de futebol que fizeram
116
Gestão, Ciência & Saúde
uso de vitaminas e estimulantes antes dos jogos
(20). Estudo de Souto e colaboradores (2004) (29)
mostrou uma prevalência para o HCV de 7,6% entre 40 ex-jogadores de futebol ativos entre 1970
e 1989. Todos disseram ter recebido injeções de
complexos vitamínicos ou outras substâncias pelo
menos uma vez, e 60% relataram ser esta uma
prática regular em toda sua carreira.
No estado do Acre, estudo em trabalhadores da
saúde mostrou prevalência para HCV de 4,8%.
Existia também um efeito coorte com maior prevalência entre aqueles com mais de 40 anos de
idade. Nesse estudo, houve forte associação entre
positividade do HCV e o uso de complexos vitamínicos endovenosos em material não descartável. (OR=6,3 CI95%=1,82-21,89). Essa prática
frequente no período de 1970 a 1980 ligava-se à
crença de que o uso de polivitamínicos agisse com
estimulante sexual e de desempenho atlético. Muitas dessas injeções eram realizadas em farmácias
com seringas e agulhas reutilizáveis. Os trabalhadores da saúde, tendo mais acesso a estes procedimentos, também tiveram maior exposição ao
HCV comparado com a população em geral (21).
No Brasil, a Vigilância Sanitária em sua portaria
nº 3 de 07 de fevereiro de 1986 enquadrou na definição de artigo médico-hospitalar de uso único
agulhas com componentes plásticos e seringas
plásticas entre outros. Também proibiu que os artigos médico-hospitalares de uso único, acima relacionados, fossem reprocessados em todo território
nacional, em qualquer circunstância e em qualquer
tipo de serviço de saúde, público ou privado (4).
Mas, devido à reutilização das seringas descartáveis, em 1996 a Câmara votou a Lei 9.273/1996,
que torna obrigatória a inclusão de dispositivo de
segurança, para evitar a reutilização de seringas
descartáveis. Em site da Câmara, inquérito do deputado Wilson Santos do PSDB em 2003 solicitando informações ao Senhor Ministro da Saúde,
Senhor Humberto Costa, sobre a omissão da regulamentação da Lei nº 9.273, de 3 de maio de
1996, que “torna obrigatória a inclusão de dispositivo de segurança que impeça a reutilização de
seringas descartáveis” foi arquivado (25). Infelizmente até hoje esta lei não foi colocada em prática, pois depende de regulamentação pelo Poder
Executivo (39).
3.3. Uso de drogas injetáveis
Em artigo da Cruz Vermelha Americana de 1998
calculou-se que 50% dos casos de HCV nos últimos cinco anos nos Estados Unidos se deveram
ao uso de drogas injetáveis (24). De acordo com
o Center for Disease Control (CDC) cerca de 60%
dos casos de infecção pelo HCV em 2001 se deveram a uso de drogas injetáveis (8).
Em estudo de fatores de risco realizado no Nordeste do Brasil e publicado em 2000, apenas 6% dos
casos de HCV se deveram ao uso de drogas injetáveis (22). Em estudo realizado em Santa Catarina
14,2% dos HCV positivos relataram uso de drogas
injetáveis (11). Em estudo realizado em Belo Horizonte em 2004 18% dos casos de hepatite C crônica
apresentavam história anterior de uso de drogas injetáveis (30). Nos três estudos o fator de risco associado mais frequente foi transfusão de sangue no
passado (40%, 28,5% e 48,3%, respectivamente).
Uma estratégia para se minorar este fator de risco
do mesmo modo que o das injeções de risco seria
a adoção da obrigatoriedade da inclusão de dispositivo de segurança que impeça a reutilização de
seringas descartáveis.
Existem também relatos de uma maior prevalência
de HCV entre usuários de drogas não injetáveis,
mas são poucos estudos e as rotas de infecção
ainda não foram definidas (26)
3.4. Exposição ocupacional
No ambiente do cuidado da saúde, a transmissão de
patógenos ocorre predominantemente por exposição percutânea ou de mucosa ao sangue ou fluidos
corporais de pacientes infectados. Exposições ocupacionais que podem resultar em transmissão do
HCV incluem acidente perfurocortante com agulhas
desencapadas e outras lesões perfurocortantes com
inoculação direta do vírus em arranhões da pele, lesões pré-existentes, abrasões ou queimaduras, e
inoculação do vírus através da mucosa do olho, nariz e boca através de respingo acidental. O HCV não
penetra na pele íntegra nem pelas vias respiratórias
através de transmissão aérea (5).
Os acidentes perfurocortantes são frequentes entre
os profissionais da saúde. Estudo com radiologistas
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
realizando procedimentos invasivos relata que em
até 3% dos procedimentos houve pelo menos um
contato com sangue de qualquer tipo. Outro estudo
com cirurgiões em Milwaukee, Wisconsin, relata possível contaminação em até 50% dos procedimentos.
Fatores de risco associados à transmissão foram
procedimentos cirúrgicos especialmente durante suturas, mais frequentes nas seguintes clínicas cirúrgicas – cirurgia geral, ginecológica, ortopédica, trauma
e cardíaca; em procedimentos de emergência, perda
de sangue pelo paciente superior a 250 ml e cirurgias
com duração superior a 1 hora.
Em estudo retrospectivo e pesquisa entre cirurgiões da Academia Americana de Cirurgiões Ortopédicos 87,4% dos cirurgiões pesquisados relataram
algum tipo de contato pele-sangue e 39,2% relatou
um acidente percutâneo no último mês. Em estudo
retrospectivo entre residentes de patologia 56% de
36 residentes e funcionários trabalhando em patologia relataram que algum tipo de corte ou acidente
com agulha ocorrera no ano anterior. Nesse estudo
ocorreram 72 acidentes com material biológico correspondendo a um acidente para cada 37 autópsias realizadas. Uma pesquisa anônima entre enfermeiras e
parteiras relatou que até 74% delas relataram ter as
mãos sujas com sangue, 51% tiveram respingos de
sangue ou líquidos amniótico na face e 24% lesões
perfurocortantes nos seis meses precedentes. Em
estudo com 550 residentes e estudantes de medicina, 71% relataram exposição ao sangue de pacientes ou outros fluidos corporais no último ano (5).
Cinco estudos prospectivos independentes de acidentes perfurocortantes envolvendo pacientes positivos para o HCV relataram ocorrência de soroconversão média em 6% dos casos (27).
De acordo com estimativas do CDC (Center for Disease Control) entre 1991 e 1998 aproximadamente 4% dos casos de hepatite C aguda reportados
se deviam a contaminação ocupacional (8).
3.5. Procedimentos cosméticos e estéticos
Mariano e colaboradores, em estudo italiano publicado em 2004, avaliaram o papel de tratamentos
cosméticos e estéticos na transmissão das hepatites virais na Itália no período de 1997-2002. Nesse
estudo foram excluídos indivíduos que receberam
transfusão sanguínea ou fizeram uso de drogas
117
injetáveis. Foram avaliados 2964 casos de HBV,
598 casos de hepatite C e como controle 7221
casos de hepatite A. Foram avaliados os seguintes procedimentos: tatuagem, piercing, manicure
e pedicure, barbearem-se em barbeiro público.
Tratamentos de beleza foram associados à forma
aguda de hepatite HBV (OR=1,8; CI 95%= 1,5-2,1)
e HCV (OR= 1,7; CI 95%= 1,2-2,3). As associações mais fortes foram encontradas entre uso de
barbeiro público e HBC (OR=1,8; CI 95%= 1,5-2,2)
e entre tatuagem e HCV (OR=5,6; CI 95%= 2,811). Por esse estudo, estimou-se que cerca de 15
% dos casos agudos de HBV e 11,5% dos casos
agudos de HCV com ocorrência em indivíduos
com idade entre 15 e 55 anos não expostos a uso
de drogas intravenosas ou transfusões de sangue
se devam a tratamentos estéticos na Itália (17).
No Paquistão, onde o uso diário de barbeiro público é comum, foram relatados casos de transmissão do HCV pelo uso de navalhas de uso comum
(23). Nesse estudo, outros fatores associados,
são história de transfusão não testada e, injeções
com material reutilizado.
No Brasil, estudo recente realizado entre manicures no município de São Paulo encontrou prevalência de 8% para o vírus da Hepatite B e de 2% para o
Vírus da Hepatite C em uma amostra de 100 profissionais. Esse estudo mostrou um desconhecimento por parte das manicures sobre mecanismos de
transmissão da hepatite e a adesão às normas de
biossegurança pelas profissionais foi relativamente baixa e inadequada (19). Esse estudo preliminar
deveria ter seus dados confirmados com estudo em
outras regiões e com maior número de casos.
3.6. Transmissão sexual
De acordo com revisão de Cavalheiro em 2007, o
HCV já foi isolado em secreções humanas como
sêmen, sangue menstrual, secreções vaginais e
saliva tornando teoricamente possível a transmissão por via sexual. Apesar de possível, a via sexual é considerada uma via pouco eficiente, de
transmissão do HCV. Alguns fatores parecem ser
importantes nessa transmissão como ocorrência de
trauma durante o intercurso ou de lesões prévias
na mucosa vaginal e o título do vírus no sêmen e
secreções (7).
118
Gestão, Ciência & Saúde
A transmissão por via sexual é mais eficiente do
homem para a mulher. O risco de transmissão sexual é maior entre portadores do HIV (Human immunodeficiency virus) que também tenham outras
doenças sexualmente transmissíveis, homens que
praticam sexo com outros homens, pessoas com
múltiplos parceiros sexuais, parceiros sexuais de
usuários de drogas injetáveis e pessoas que praticam sexo pago (7).
Estudo realizado em Belo Horizonte (2004) em 295
pacientes portadores de hepatite C crônica mostrou
que em 2% dos casos havia história de múltiplos
parceiros como fator de risco associado (30).
Estudo japonês que testou 244 mulheres profissionais do sexo mostrou soroprevalência de 10,1%
para o HCV enquanto mulheres recrutadas em banco de sangue apresentavam uma soroprevalência
de 0,8%. Nesse estudo, quanto mais anos de atividade, maior a chance de se contrair o vírus (7).
Estudos comparando parceiros sexuais de portadores do vírus e outros membros da família mostram maior soropositividade entre os parceiros sexuais do que entre outros moradores da mesma
residência.
Estudos realizados com casais apresentam um fator de confusão importante, pois é comum o compartilhamento de itens de higiene pessoal entre
casais (alicate de cutícula, lâmina de barbear, escova de dente, entre outros) tornando difícil a conclusão sobre via de transmissão exclusivamente
sexual. A maioria dos estudos sobre transmissão
sexual se baseia em estudos de homologia de sequência genômicas entre os vírus dos parceiros
sexuais. Esses estudos nos permitem determinar
a fonte da infecção entre os parceiros, mas não a
forma em que se deu o contágio, se sexual ou por
compartilhamento de itens de higiene pessoal.
Esta revisão concluiu que a transmissão sexual
parece ocorrer, mas com eficiência menor do que
a de outros vírus como HBV e HIV (7).
3.7. Transmissão vertical
A transmissão materno-infantil pode ser intrauterina, intraparto e pós-natal. Revisão de Yeung e
colaboradores em 2001 de 77 estudos com 6559
pares de mães positivas para HCV e seus filhos
mostrou positividade para HCV em 363 crianças em
um período posterior aos 12 meses após o nascimento. Para inclusão nesta revisão a transmissão
materno-infantil foi definida como persistência de
anti-HCV na criança após os 12 meses de idade ou
detecção por método utilizando RNA em pelo menos uma ocasião antes de 18 meses de idade. A
maioria dos estudos era proveniente da Itália e Japão. A taxa bruta de transmissão materno-infantil foi
de 5,6%. (DP=0,3%) Quando ajustada pelo inverso
da variância para cada taxa medida, a taxa ajustada
foi de 1,7%. Vários fatores foram propostos como
determinantes na transmissão materno-infantil incluindo coinfecção materna pelo HIV, uso de drogas injetáveis, título materno do HCV, tipo de parto,
amamentação, e características virais (genótipo).
Nesta revisão, mulheres coinfectadas com HIV,
aquelas com história de uso de drogas injetáveis, e
aquelas que apresentavam título do HCV RNA mais
altos tinham taxa de transmissão materno-infantil
maiores comparadas com aquelas sem estes fatores. Não houve diferença significativa ao se considerar o modo de parto ou amamentação. Quanto ao
genótipo não foi possível nenhuma conclusão, pois
na maioria dos estudos só os genótipos de bebês
infectados foi relatado (38).
3.8. Transmissão ligada a fatores culturais
e religiosos
Existem outras possibilidades de transmissão do
HCV através de procedimentos realizados por motivos culturais ou religiosos entre eles a circuncisão masculina e ou feminina em ambiente não médico, escarificação, rituais de irmãos de sangue,
sangrias em ambientes não hospitalares e outros
tipos de rituais onde exista contato com sangue.
Mas os estudos onde estes fatores são analisados
ainda são escassos (18).
3.9. Diferença de fatores de risco em
diferentes países
De acordo com Mirian Alter, o HCV teve um aumento exponencial de sua prevalência no século
XX principalmente devido a dois fatores: a disponibilidade de tratamentos médicos injetáveis
(tanto transfusões de sangue, quanto injeções de
medicamentos ou vacinação com reutilização de
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
seringas e agulhas e esterilização deficiente) e
o uso de drogas ilícitas injetáveis. Com a testagem obrigatória em bancos de sangue, a adoção
de boas práticas e uso de material descartável
em vários países houve a queda nesse modo de
transmissão. Infelizmente ainda existem países
onde não existe testagem de todo sangue transfundido e onde ainda se reutilizam seringas e agulhas para injeções. Considerando-se os tipos de
exposição mais frequentes: uso de drogas injetáveis, transfusões não testadas, injeções de risco,
transmissão ocupacional, transmissão perinatal
e sexo de risco, os países podem ser classificados em alta, moderada e baixa prevalência para
o HCV de acordo com diferentes padrões de exposição (3). Países com baixa prevalência como o
Reino Unido e Escandinávia (0,01%-0,1%) teriam
o predomínio de exposições a drogas injetáveis e
transfusões no período anterior ao início da testagem. Países com alta prevalência como o Egito
(18%) teriam predomínio de exposição a injeções
de risco e transfusões não testadas e países com
prevalência intermediária como os Estados Unidos e o Brasil, um padrão intermediário de exposição conforme Tabela 1.
119
4. CONCLUSÕES
Através desta revisão, verifica-se que a transmissão do HCV está sempre, direta ou indiretamente,
associada à presença de sangue contaminado.
Os perfis de transmissão variam de acordo com o
desenvolvimento sócio-econômico e os aspectos
culturais e religiosos das diversas regiões geográficas e suas populações.
Por causa da grande gama de atividades humanas
que envolvam exposição potencial a sangue ou
fluidos biológicos, podem existir inúmeros modos
possíveis de transmissão além dos citados, que já
possuem associação epidemiológica demonstrada. A caracterização dos fatores de risco associados em cada país é de importância crucial para a
adoção de medidas preventivas efetivas.
AGRADECIMENTOS
Este artigo foi parcialmente financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais
(Fapemig) e Fundação Centro de Hematologia e
Hemoterapia de Minas Gerais (Hemominas).
TABELA 1 – Importância do tipo de exposição no padrão de exposição ao HCV em regiões com prevalência moderada
Tipo de exposição
A extensão da contribuição do tipo de exposição na
transmissão do HCV em países com prevalência moderada
Uso de drogas injetáveis
++
Transfusão (não testada)
+++
Injeções terapêuticas de risco
++
Ocupacional
+
Perinatal
+
Sexo de risco
+
Procedimentos cosméticos e estéticos
+
Ligadas a fatores culturais e/ou religiosos
+?
120
Gestão, Ciência & Saúde
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Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
123
ERROS DE MEDICAÇÃO EM IDOSOS: UMA REVISÃO DE LITERATURA
MEDICATION ERRORS IN THE ELDERLY: A REVIEW OF LITERATURE
Solange Almeida de Medeiros Costa1, Hessem Miranda Neiva2
1 Farmacêutica-Bioquímica pela Universidade Federal de Minas Gerais, Especialista em Farmacologia
Clínica pela Universidade Estadual de Montes Claros-MG e Associação Mineira de Farmacêuticos,
[email protected]; 2 Farmacêutica com Habilitação em Indústria e Alimentos, Mestre em Epidemiologia
pela Universidade Federal de Minas Gerais, Supervisora Técnica da Assistência Farmacêutica da
Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), [email protected]
RESUMO
ABSTRACT
No Brasil, a população idosa segue a tendência
mundial de crescimento com todas as suas implicações políticas e socioeconômicas, tendo projeção estimada de 22% da população total com uma
vida média em torno de 81 anos em 2050. Nessa população, as doenças crônico-degenerativas
determinam maior demanda por medicamentos. A
polifarmácia, associada a comorbidade e às limitações físicas e/ou psicológicas, aumentam os riscos
de erros de medicação favorecendo o aumento de
morbidade e hospitalizações, elevando os custos
do sistema de saúde. O objetivo deste trabalho é
descrever a situação do Brasil, no que diz respeito
às publicações científicas indexadas sobre a ocorrência de erros de medicação em idosos. O método utilizado foi a revisão não sistematizada com
busca de dados nos serviços de indexação Medline e Lilacs. A busca resultou em 16 artigos, dos
quais 6 atenderam aos objetivos e fundamentaram
a discussão. A revisão da literatura sobre erros de
medicação em idosos no Brasil evidenciou escassez de publicações e contribuiu para reafirmar a
urgente necessidade de investimentos na produção de conhecimentos sobre a realidade brasileira
nesse aspecto.
In Brazil, the elderly population following the world
trend of growth with all its political implications and
socio-economic projections and estimated 22% of
the total population with an average life of around
81 years in 2050. In this population, chronic diseases pose a higher demand for drugs. Polypharmacy, associated comorbidity, and physical limitations and / or psychological, increase the risk of
medication errors by encouraging the increased
morbidity and hospitalization, increasing costs of
health care. The objective of this study is to describe the situation in Brazil, with regard to scientific
publications indexed on the occurrence of medication errors in the aged. The method used was not
a systematic review of data search services index
Medline and Lilacs. The search resulted in 16 articles, 06 of which met the objectives and based
the discussion. A literature review on medication
errors in the elderly in Brazil showed a lack of publications and helped reaffirm the urgent need for
investment in the production of knowledge about
the Brazilian reality in this respect.
Palavras-chave: Erros de Medicação, Idosos, Brasil
Keywords: Medication Errors, Elderly, Brazil
124
Gestão, Ciência & Saúde
1. INTRODUÇÃO
O envelhecimento populacional é um fenômeno
mundial que vem gerando novas demandas sociais e uma das principais consequências dessa
transformação demográfica evidencia-se no financiamento do setor saúde. Os idosos têm uma alta
demanda pelos serviços de saúde, principalmente
hospitalizações que, segundo dados do Sistema
Único de Saúde (SUS), representam altos custos
com essa faixa etária (14).
O uso de medicamentos tem relevância em todas
as faixas etárias, porém as peculiaridades do grupo de idosos determinam uma preocupação maior
por parte dos pesquisadores. As doenças crônicodegenerativas levam a uma maior utilização de
medicamentos, o que faz a polifarmácia estar presente neste grupo populacional.
Comorbidades, polifarmácia e limitações físicas e/
ou psicológicas são fatores que conferem aos idosos
uma grande vulnerabilidade à ocorrência de erros de
medicação (1,6,14). Estudos realizados no estado de
São Paulo demonstram que a prevalência da polifarmácia, neste grupo populacional é de 31,5 % (3).
Com um alto padrão de consumo de medicamento
entre os idosos, é comum encontrar em suas prescrições doses e indicações inadequadas, interações medicamentosas, associações de fármacos
pertencentes a uma mesma classe terapêutica e
até medicamentos sem valor terapêutico (6). Ocorrem ainda diagnósticos corretos levando ao uso de
múltiplos medicamentos e diagnósticos incorretos
conduzindo ao uso de medicamentos inadequados, de forma que os idosos ficam submetidos aos
riscos do tratamento (1).
Estudos têm demonstrado que o uso inadequado
de medicamentos, frequentemente provoca complicações graves, inclusive morte, que os idosos
têm um risco maior de sofrerem os eventos adversos a erros de medicação, apontando uma elevada proporção de ocorrência (59,5%) em pacientes
com polifarmácia e idade avançada e estimando
taxas de internações hospitalares por erros de medicação envolvendo idosos (1,2,10,11,12).
No Brasil, a população idosa vem seguindo a tendência mundial de crescimento com todas as suas
implicações políticas e socioeconômicas e um
estudo que levante as informações sobre a ocorrência de erros de medicação envolvendo idosos
poderá contribuir para o planejamento de ações
pró-ativas no sentido da prevenção e/ou para
apontar necessidades a serem atendidas por estratégias que melhorem o panorama da saúde do
idoso, desonerando o sistema (4).
Nesse contexto, este trabalho tem como objetivo
descrever a situação do Brasil sobre a ocorrência
de erros de medicação em pacientes idosos.
2. METODOLOGIA
Trata-se de uma revisão não sistematizada da literatura utilizando, como estratégia de busca de
dados, a consulta às bases Lilacs, via BVS (Biblioteca Virtual em Saúde/Bireme), e Medline, via Pubmed. O descritor usado foi “Erros de medicação/
medication erros /errores de medicación”, como
termo MeSH (Medical Subject Heading) na base
Medline e termo DeCS (Descritores em Ciências
da Saúde) na base Lilacs. Os limites usados para
refinar a pesquisa foram: humanos idosos; artigos
dos últimos 5 anos; revisões; Brasil; idiomas inglês,
português e espanhol. A busca foi realizada em novembro de 2008. Dentre os artigos encontrados,
foi eliminada a sobreposição de artigos e, mediante leitura dos resumos, foram excluídos aqueles
que não atendiam ao objetivo do trabalho, ou seja,
que não se referiam especificamemte a idosos ou
não permitiam inferir os resultados a esse grupo
etário ou ainda, que não se tratavam de estudos
feitos no Brasil.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na pesquisa realizada, encontraram-se 8.359 artigos
no Medline e 147 no Lilacs, referentes ao tema erros
de medicação. No refinamento da busca, encontraram-se no Medline, 494 artigos publicados nos últimos 5 anos em inglês, espanhol e português, referentes a erros de medicação em idosos, dentre estes
74 trabalhos de revisão sobre erros de medicação
em idosos e oito artigos sobre erros de medicação
em idosos no Brasil. No refinamento da base de dados Lilacs, foram encontrados, também, oito trabalhos sobre erros de medicação em idosos no Brasil.
Os resultados estão demonstrados na Tabela 1.
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
125
TABELA 1 - Resultados da busca de dados
Nº artigos
Nº artigos
Medline (Pubmed)
Lilacs (1982 fev. 2009)
Erros de medicação
8359
147
Erros de medicação/ humanos, idosos, últimos 5 anos
494
0
Revisões erros de medicação/humanos idosos
74
0
Erros de medicação/idosos, Brasil
08
08
Descritor / Limites
Somente 16 artigos foram encontrados nas duas
bases consultadas para o tema no Brasil, sendo
oito na Lilacs e oito na Medline. Aplicando-se os
critérios de exclusão, a seleção resultou em seis
artigos que foram base de discussão.
Desses seis estudos no Brasil, cinco tiveram como
foco a ocorrência de reações e/ou eventos adversos a medicamentos e um relacionava-se a intervenção do farmacêutico na farmacoterapia do paciente idoso.
Em um estudo realizado em 87 pacientes internados
em um hospital universitário de Maringá, no Paraná,
usando antibioticoterapia, e com idade entre 15 e 92
anos, 58,6% deste grupo tinham idade superior a 60
anos. Dentre os eventos observados nestes pacientes, 96,7% estavam relacionados aos processos de
utilização de medicamentos, sendo que 7,7% erros
de medicação relacionados principalmente à prescrição incorreta, e que tiveram como causas a falta de conhecimento do medicamento ou a falta de
informações sobre o paciente. Os eventos do tipo
potenciais, que segundo Otero (2000) (9), são erros de medicação que poderiam causar danos ao
paciente, mas que não causaram, corresponderam
a 89,0% dos eventos, sendo que 2,5% corresponderam a indicações incorretas de antibiótico, 28,4%
a tempo de tratamento inferior ao preconizado na
literatura, 1,2% a administração incorreta quanto à
via e 67% a possíveis interações (5).
Em outro estudo analisou os eventos adversos
como indicadores de resultado da assistência durante a internação, em um hospital no município
de São Paulo que utiliza um sistema de notificação
de eventos adversos (EAs). Foi notificado o total de
229 EAs, a média de idade dos pacientes envolvidos no estudo foi de 72,3 anos e observou-se que
o grupo que mais sofreu EA foi o maior de 61 anos
(77,7%), sendo 14,8% por erros na administração,
com medicamento e horário errados (8).
Em uma unidade de terapia intensiva de um hospital de São Paulo, um estudo analisou ocorrências
adversas com medicação relacionadas à administração de soluções hidroeletrolíticas e antibióticos.
Utilizou uma amostra de 51 pacientes internados,
dos quais 60% eram maiores de 60 anos. Ocorreram erros de medicação por não cumprimento da
prescrição, sendo 76,3% com relação ao tempo de
administração da solução hidroeletrolítica, inferior
ao prescrito e 38,6% com relação aos antibióticos,
número de doses inferior ao prescrito (7).
Uma revisão de 15 estudos de intervenção do farmacêutico no uso de medicamentos por pacientes idosos, publicada em 2002, verificou que intervenções
como aconselhamento do paciente, contato estabelecido com o médico e treinamento de farmacêuticos
apresentam resultados positivos, reduzindo o custo
para o paciente, melhorando as prescrições, promovendo maior adesão ao tratamento e controlando as
possibilidades de reações adversas (14).
Um estudo realizado em 186 pacientes idosos,
com média de idade de 73,6 ± 9,1 anos, admitidos
em um hospital universitário, identificou o uso de
medicamentos considerados inapropriados para a
população idosa como um importante fator de risco para a apresentação de evento adverso do tipo
evitável, assim como comorbidade e número de
medicamentos (11).
Outro estudo desenvolvido em 63 pacientes com
câncer, internados em um hospital de São Paulo, porém não recebendo quimioterapia e/ou terapia hormonal, avaliou a ocorrência de interações
126
Gestão, Ciência & Saúde
alheias à quimioterapia. A idade média foi de 67
anos, o tempo de permanência hospitalar foi de
seis dias e oito foi o número de medicamentos/paciente. As taxas de interações potenciais foram de
18,3%, consideradas graves; 56,7%, moderadas;
25%, menores (13).
Dentre esses estudos selecionados, nenhum teve
como objeto de pesquisa o erro de medicação.
Apenas um demonstra a ocorrência de eventos
adversos de forma geral em pacientes internados
(8). Os idosos foram foco da pesquisa apenas em
dois trabalhos. Os demais restringiram a pesquisa a uma determinada classe de medicamento,
antibióticos e/ou soluções hidroeletrolíticas, ou a
interações farmacológicas. E ainda, o âmbito hospitalar foi o mais explorado, enquanto que não há
abordagem em âmbito ambulatorial.
4. CONCLUSÃO
Constatou-se, neste estudo, que ainda não são frequentes, no Brasil, a realização de pesquisas relacionadas a erros de medicação em pacientes idosos.
Os estudos pesquisados referem-se a eventos
adversos, polifarmácia, tempo de permanência
hospitalar, uso de medicamentos inapropriados e
falhas no sistema de utilização de medicamentos,
por este grupo populacional, demonstrando a necessidade de maiores investimentos e incentivos
para realização de pesquisas em erros de medicação em idosos, tanto no âmbito hospitalar, ambulatorial e domicílio.
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
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12. PASSARELLI, M.C.; JACOB-FILHO, W.; FIGUERAS, A. Adverse drug reactions in an elderly hospitalised population: inappropriate prescription is a
leading cause. Drugs Aging, v.22, n.9, p.767-777,
2005.
13. RIECHELMANN, R.P.; MOREIRA, F.; SMALETZ,
O.; SAAD, E.D. Potential for drug interactions in
hospitalized cancer patients. Cancer Chemother Pharmacol., v.56, n.3, p.286-290, sep. 2005.
14. ROMANO-LIEBER, N.S.; TEIXEIRA, J.J.V., FARHAT, F.C.L.G.; RIBEIRO, E.; CROZATTI, M. T.
L.; OLIVEIRA, G.S.A. Revisão dos estudos de
intervenção do farmacêutico no uso de medicamentos por pacientes idosos. Caderno Saúde
Pública, v.18, n.6, p.1499-1507, Nov./dez. 2002.
Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009
INSTRUÇÕES PARA COLABORADORES E NORMAS PARA PUBLICAÇÃO
1. Objetivos
Gestão, Ciência & Saúde – Revista da Fundação
Ezequiel Dias é um periódico semestral, dedicado à
publicação de conteúdo técnico-científico, com informações que contribuam significativamente para
o conhecimento nas ciências da saúde e da gestão.
Editada pela Fundação Ezequiel Dias – Funed, a
Revista tem como objetivo divulgar resultados de
investigações científicas tanto básicas como aplicadas. Propõe-se a promover o debate científico,
contribuindo de forma eficaz para garantir o resgate
e a preservação da memória da ciência, a consolidação de áreas do conhecimento e para a melhor
comunicação de resultados à comunidade científica
e à sociedade.
2. Estruturação Básica
A Revista é multidisciplinar com contribuições da
comunidade científica, através da publicação de artigos originais; relatos de experiência/caso; história
da saúde pública; resenhas de livros, artigos, dissertações e teses; relatórios de reuniões ou oficinas
de trabalho e de pesquisa; comentários das Instituições de Saúde de Estado e revisões.
Os trabalhos das diversas categorias devem ser
inéditos e se destinarem exclusivamente à Revista.
• Artigos Originais
Textos que contenham relatos completos de estudos
ou pesquisas concluídas e colaborações assemelhadas. Devem apresentar, no máximo, 20 páginas
impressas, excetuando figuras, tabelas e anexos.
• Relatos de Experiência/Caso
Textos que apresentem experiências nos temas de
saúde, ciência e gestão, em que o resultado é anterior ao interesse de sua divulgação ou a ocorrência
dos resultados não é planejada. Inclui novas técnicas, terapias, diagnóstico, patologias, materiais e
soluções inovadoras para problemas especiais. Devem apresentar, no máximo, 20 páginas impressas,
excetuando figuras, tabelas e anexos.
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• História da Saúde Pública
Relatos sobre fatos e personalidades que contribuíram para a história da saúde pública e de disciplinas
afins. Devem apresentar, no máximo, 20 páginas
impressas excetuando figuras, tabelas e anexos.
• Resenhas de Livros, Artigos, Dissertações e Teses
Análises críticas para a divulgação de opiniões de
pesquisadores e técnicos sobre textos publicados
nas modalidades citadas referentes a temas atuais
de sua especialidade, cujo conteúdo se enquadre
nos objetivos da Revista. Devem apresentar, no
máximo, 10 páginas impressas excetuando figuras,
tabelas e anexos.
• Relatórios de Reuniões ou Oficinas de Trabalho e de Pesquisa
Textos sobre a discussão de temas relevantes em
saúde, ciência e gestão, com recomendações e conclusões. Devem apresentar, no máximo, 10 páginas
impressas excetuando figuras, tabelas e anexos.
• Comentários das Instituições de Saúde do Estado de Minas Gerais
Textos expressando a opinião em breve relato sobre temas relevantes da atualidade nas áreas de
saúde, ciência e gestão. Devem apresentar, no
máximo, 15 páginas impressas excetuando figuras,
tabelas e anexos.
• Revisão
Síntese crítica de conhecimentos disponíveis sobre
determinado tema, mediante análise e interpretação de bibliografia pertinente. Devem apresentar,
no máximo, 20 páginas impressas excetuando figuras, tabelas e anexos.
Outras modalidades podem ser aceitas desde que
aprovadas pelo Conselho Editorial Científico
3. Instruções Gerais para Autores
• Submissão de trabalhos
Os trabalhos devem ser encaminhados por meio
de carta, assinada pelo autor responsável pela correspondência, ao Conselho Editorial Científico da
130
Gestão, Ciência & Saúde
Gestão, Ciência & Saúde – Revista da Fundação
Ezequiel Dias.
A carta deve descrever a categoria do trabalho e
conter declaração de concordância com a cessão
de direitos autorais. Tabelas e figuras publicadas
em outros periódicos devem ter a fonte citada.
A carta deve indicar o nome, endereço, números de
telefone, fax e e-mail do autor para o qual a correspondência deve ser enviada.
O endereço postal é Conselho Editorial Científico
da Gestão, Ciência & Saúde – Revista da Fundação Ezequiel Dias/ Centro de Informação Científica,
Histórica e Cultural/ Fundação Ezequiel Dias/ Rua
Conde Pereira Carneiro, 80 - Bairro Gameleira/ 30
510-010, Belo Horizonte/MG.
Após aprovação final o trabalho deverá ser reencaminhado para o endereço eletrônico [email protected].
Os trabalhos submetidos são arbitrados por pelo
menos dois revisores pertencentes ao quadro de
colaboradores da Revista. Os autores são responsáveis pelas informações contidas nos trabalhos e pelo
ineditismo dos mesmos. Somente serão aceitos trabalhos que se destinem exclusivamente à Revista.
• Apresentação do manuscrito:
Os trabalhos deverão ser encaminhados em três
cópias, redigidos em português, digitados no programa Word for Windows, versão 6.0 ou superior,
letra Arial, tamanho 12, entrelinha espaço duplo,
com margens superior de 3 cm e inferior e laterais
de 2,5 cm, respeitando-se o número máximo de páginas indicadas por categoria, incluindo referências
bibliográficas e excluindo figuras, tabelas e anexos.
Todas as páginas do texto devem ser numeradas a
partir da página de identificação (página de rosto)
com numeração no início da página (cabeçalho) e
alinhamento à direita. As figuras, tabelas e anexos
devem ser numerados conforme citados no texto e
auto explicativos, no total máximo de cinco (05) e
serão impressas em preto e branco.
No preparo do trabalho original será observada,
sempre que possível, a seguinte estrutura:
Página de rosto: Título do artigo: em português e inglês
em letras maiúsculas e sem abreviaturas. Nome(s)
do(s) autor(es): por extenso com indicação da forma-
ção acadêmica profissional, títulos acadêmicos, função que exercem atualmente, nome da instituição a
que pertencem, endereço eletrônico (pelo menos do
autor responsável pela correspondência).
Resumo: em português e inglês, com, no máximo,
350 palavras. O formato do resumo deve ser o narrativo, destacando, sem mencionar, objetivos, métodos básicos adotados, resultados e conclusões
mais relevantes. Não devem constar abreviaturas.
Palavras-chave: podem ser utilizados até seis descritores que identifiquem o conteúdo do artigo, se possível baseados no DECS (Descritores em Ciências da
Saúde), disponível no www.bireme.br, terminologia
em saúde e consulta ao DECS, em português e inglês.
• Texto:
Seguir estrutura formal para trabalhos científicos
compreendendo:
• Introdução:
Desenvolvimento: metodologia, resultados alcançados e discussão. Além do texto, poderão constar,
até, no máximo, cinco tabelas, figuras ou anexos
auto-explicativos e numerados conforme citados no
texto, em algarismos arábicos que serão impressos
em preto e branco. (Não usar a nomenclatura Gráfico e Quadro; usar apenas Figura e Tabela). Quando citadas no texto seguem o modelo: Figura 1, Figuras 1 e 2, Tabela 1, Tabelas 1 e 2. Quando fora
do texto, seguem o modelo: FIGURA 1, TABELA 1.
• Conclusão:
• Agradecimentos: (opcional)
• Citações Bibliográficas no texto:
Mencionar apenas o número recebido pelo documento na listagem da Referência Bibliográfica (ordem alfabética). Este numeral será entre parênteses
e sem nenhum efeito (não sobre ou subescritar).
• Referências Bibliográficas:
Deverão ser ordenadas alfabeticamente e numeradas, redigidas também em espaço duplo. Devem obedecer ao estilo e à pontuação das normas da ABNT NBR 6023.
Dúvidas com relação às normas, consultar pelo endereço eletrônico: [email protected]
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Volume 5 - Fundação Ezequiel Dias