GESTÃO, CIÊNCIA & SAÚDE REVISTA DA FUNDAÇÃO EZEQUIEL DIAS Volume 5, número 2, julho/dezembro de 2009 Funed – Fundação Ezequiel Dias Belo Horizonte Periódico semestral Neste número damos continuidade ao enfoque na biotecnologia no estado de Minas Gerais com destaque para o trabalho de conclusão do curso de especialização em Gestão Institucional pela Universidade Estadual de Montes Claros, “O aglomerado de biotecnologia de Minas Gerais e a Fundação Ezequiel Dias”. Essa é a contribuição da Diretoria Industrial da Instituição, que sugere um modelo para a promoção do desenvolvimento do Arranjo Produtivo Local de biotecnologia de Minas Gerais e propõe, para a Fundação Ezequiel Dias, Funed, o papel de instituição-chave, atuando como indutora nesse aglomerado para a melhoria dessa área em Minas Gerais. Do Núcleo Interdisciplinar sobre Gestão em Organizações (não) empresariais, NIG ONE, do Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração da Universidade Federal de Minas Gerais, nos chega o elegante estudo de caso sobre a priorização da gestão do conhecimento pela Fundação Ezequiel Dias para obtenção de vantagem competitiva, buscando a eficiência na prestação de seus serviços, com destaque para os conflitos na tomada de decisões gerenciais. Estudo de grande interesse é o que avalia a aplicação da teoria das representações sociais para o aprimoramento das políticas setoriais, abordando a proposta da reforma administrativa do Estado com foco nas ferramentas da avaliação do desempenho institucional e o acordo de resultados aplicados no ambiente da administração pública, mais precisamente na Superintendência de Vigilância Sanitária do Estado de Minas Gerais. As ferramentas da qualidade aplicadas nos serviços da Diretoria do Instituto Octávio Magalhães e da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento estão aqui, bem representadas, com relatos de casos para o diagnóstico laboratorial da rede para o vírus da imunodeficiência humana, conhecido como HIV (da sigla em inglês, human immunodeficiency virus), no laboratório de microbiologia de alimentos e nas atividades de rotina de pesquisa. A Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento apresenta dois relevantes estudos: um que tem como foco a adequação às normas e boas práticas de laboratório, tão necessárias à inovação biotecnológica, ilustrada pela reestruturação do banco de células animais, e outro, de grande aplicabilidade, que avalia a eficiência da proteção do plasma de equinos imunizados para a produção do soro antirrábico, buscando a autossuficiência deste insumo para a Funed. A importante atividade de vigilância sanitária executada pela Diretoria do Instituto Octávio Magalhães é apresentada através dos estudos envolvendo amostras comerciais de pimenta-do-reino e de leites UHT (da sigla em inglês, ultra high temperature), tipo de leite que pode ser consumido sem fervura, que avaliam as qualidades microbiológica, microscópica e físico-química desses alimentos e a ocorrência de adulterações em amostras coletadas no estado de Minas Gerais. APRESENTAÇÃO É com grande satisfação que anunciamos o início do processo para a indexação da Gestão, Ciência & Saúde – Revista da Fundação Ezequiel Dias na rede Scielo (Scientific Eletronic Library Online) e na Base Lilacs da Bireme (Base de Literatura LatinoAmericana e do Caribe em Ciências da Saúde). Docentes do Centro Universitário de Caratinga apresentam um estudo que avalia a atividade antibacteriana do extrato etanólico da própolis explorando sua ação sobre bactérias resistentes a antibióticos usando a metodologia da difusão em placa. A Fundação Centro de Hematologia e Hemoterapia de Minas Gerais, a Hemominas, parceira da Fundação Ezequiel Dias em várias ações, contribui com relevante estudo que destaca fatores de risco na transmissão do vírus da Hepatite C, além daqueles apontados por modelos de investigação importados de outras culturas e ressalta a importância de medidas próprias para cada contexto. Convidada a colaborar com a Revista, a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, Fhemig, faz uma revisão da literatura em publicações científicas indexadas sobre a ocorrência de erros de medicação em idosos, evidenciando a escassez de publicações nesse tema no Brasil. Os resultados apontam várias medidas para a melhoria da saúde do idoso e para a desoneração do nosso sistema de saúde. Oportunamente, temos o prazer de divulgar que o Instituto para práticas seguras no uso de medicamentos (ISMP Brasil) realizará, no Centro de artes e invenções da Universidade Federal de Ouro Preto, no período de 22 a 25 de setembro de 2010, o III Fórum Internacional sobre segurança do paciente: erros de medicação, assim como a reunião anual do Internacional Medication Safety Network. Maior detalhamento será informado no próximo número da Gestão Ciência & Saúde – Revista da Fundação Ezequiel Dias. Dedicada à publicação de conteúdo técnicocientífico nas áreas das ciências da saúde e da gestão, a Gestão, Ciência & Saúde – Revista da Fundação Ezequiel Dias convida toda a comunidade científica a colaborar e se mantém firme no propósito de atingir leitores de todo o país através de sua divulgação! Thais Viana de Freitas Coordenação Editorial Coordenação Editorial Editora: Thais Viana de Freitas Representante da Fundação Ezequiel Dias: Carlos Alberto Pereira Gomes EXPEDIENTE Conselho Editorial Científico Anna Bárbara de Freitas Carneiro Proietti Presidente da Fundação Centro de Hematologia e Hemoterapia de Minas Gerais (Hemominas) Armando da Silva Cunha Júnior Professor do Departamento de Produtos Farmacêuticos da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais Benedito Scaranci Superintendente de Epidemiologia da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais Carlos Alberto Pereira Tavares Pró-Reitor de Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais Carlos Alberto Tagliati Professor do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais Edson Perini Professor do Departamento de Farmácia Social da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais Eugênio Vilaça Mendes Consultor da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais Evaldo Ferreira Vilela Secretário Adjunto da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais Francisco de Assis Acurcio Professor do Departamento de Farmácia Social da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais Geraldo Luchesi Consultor da Câmara dos Deputados Federais José Geraldo de Freitas Drumond Secretário Municipal de Saúde de Montes Claros Josiano Gomes Chaves Diretor de Desenvolvimento Estratégico e Pesquisa da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) Lin Chih Cheng Professor do Departamento de Engenharia de Produção da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais Luiz Fernando Lima Reis Diretor de Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês Mário Neto Borges Presidente da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) Orenzio Soler Consultor da Organização Pan-Americana da Saúde Paulo Eduardo Mayorga Borges Professor do Departamento de Produção e Controle de Medicamentos da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Paulo Lee Hoo Diretor do Centro de Biotecnologia do Instituto Butantan Rosane Marques Crespo Costa Presidente da Fundação de Educação para o Trabalho de Minas Gerais (Utramig) Comitê Editorial Executivo Marina de Castro Figueiredo – Assessora de Comunicação Social da Fundação Ezequiel Dias Anna Maria Leite Pereira de Andrade – Chefe do Centro de Informação Científica, Histórica e Cultural da Fundação Ezequiel Dias Revisores contribuintes Adriana de Oliveira Petrocchi (Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte) Alzira Batista Cecílio (Fundação Ezequiel Dias) Antônio Lourenço Júnior (Tecsystem – Gestão Empresarial) Ari de Pinho Tavares (Universidade Federal de Minas Gerais) Carolina Paula de Souza Moreira (Fundação Ezequiel Dias) Célia de Fátima Barbosa (Fundação Ezequiel Dias) Consuelo Latorre Fortes Dias (Fundação Ezequiel Dias) Edson Perini (Universidade Federal de Minas Gerais) Fabiana de Oliveira Martins (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) Francisco Carlos de Souza (Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais) Gernot Roque Muller Júnior (Buenos Muller Consultoria e Treinamentos) Juliana Sampaio Rigueira (Universidade Federal de Minas Gerais) Lissandra Cementoni Teixeira (Fundação Ezequiel Dias) Luciana Janzkovski (Polícia Civil do Estado de Minas Gerais) Maria Aparecida Galvão (Fundação Ezequiel Dias) Maria Auxiliadora Parreiras Martins (Faculdade Pitágoras) Maria Helena Martini (Instituto Adolfo Lutz – Regional de Campinas) Maria Helena Savino (Fundação Ezequiel Dias) Marta do Nascimento Cordeiro (Fundação Ezequiel Dias) Simone Alencar Renault (Inova Biotecnologia – Hertape Calier Saúde Animal S/A) Sophie Yvette Leclercq (Fundação Ezequiel Dias) Vanessa Andréia Drumond Morais (Fundação Ezequiel Dias) Gestão, Ciência & Saúde – Revista da Fundação Ezequiel Dias É um periódico semestral dedicado à publicação de conteúdo técnico-científico com informações que contribuam significativamente para o conhecimento nas ciências da saúde e gestão, aberto à contribuição da comunidade científica e distribuído a leitores de todo o país. Criação, Editoração Eletrônica e Produção Gráfica Rodrigo Cardoso de Araújo Impressão Autêntica Editora Tiragem 800 exemplares Endereço para Correspondência Conselho Editorial Científico da Gestão, Ciência & Saúde – Revista da Fundação Ezequiel Dias Centro de Informação Científica, Histórica e Cultural Fundação Ezequiel Dias Rua Conde Pereira Carneiro, 80, Bairro Gameleira 30 510-010, Belo Horizonte/MG [email protected] O aglomerado de biotecnologia de Minas Gerais e a Funed: uma proposta de crescimento e desenvolvimento Roberta Márcia Marques dos Santos Antônio Lourenço Jr. ------------------------------------------------------------------------------------------------ 7 Combinação e troca de conhecimentos: a experiência da Fundação Ezequiel Dias Epaminondas Bittencourt ----------------------------------------------------------------------------------------- 31 SUMÁRIO Representações sociais: instrumento de avaliação das políticas gerenciais na vigilância sanitária do estado de Minas Gerais Milton Cabral de Vasconcelos Neto Anna Edith Bellico da Costa-------------------------------------------------------------------------------------- 43 Ensaio de proficiência em HIV: uma ferramenta na melhoria da qualidade do diagnóstico laboratorial da rede de HIV de Minas Gerais Aline Magalhães de Matos da Silveira Luciana Ramos de Almeida Rodrigo de Souza Leite Adriane Zacarias Nunes Maria Helena Savino Corrêa Jovita Eugênia Gazzinelli Cruz Madeira----------------------------------------------------------------------- 49 Importância da implantação da qualidade em laboratórios de saúde pública: experiência do Laboratório de Microbiologia de Alimentos, Fundação Ezequiel Dias Milton Cabral de Vasconcelos Neto Carolina Araújo Vieira Gracielle Alves Carlos---------------------------------------------------------------------------------------------- 57 Desafios e perspectivas para a implantação do Sistema de Gestão da Qualidade na Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento da Fundação Ezequiel Dias Heloisa Helena Marques Oliveira Elaine Henriques Teixeira Pereira Gustavo Baptista Naumann Luciene Silva de Souza Meira Tatiana Kelly Silva--------------------------------------------------------------------------------------------------- 67 Reestruturação do banco de células animais da Fundação Ezequiel Dias Juliana Rey Canuto Sant’ana Pereira Josiane Barbosa Piedade André Castro Sabrina Sidney Campolina Thais Soares do Carmo Luciana Maria Silva------------------------------------------------------------------------------------------------- 73 Estudo da soroconversão de equinos imunizados com o antígeno rábico e eficiência de proteção do plasma hiperimune Sophie Yvette Leclercq Mônica Oliveira Souza Cláudio Fonseca de Freitas-------------------------------------------------------------------------------------- 85 SUMÁRIO Qualidade microbiológica e microscópica de amostras comerciais de pimenta-do-reino (Piper nigrum L.) Milton Cabral de Vasconcelos Neto Carolina Araújo Vieira Ana Cláudia Brandi Ferreira Maria Crisolita Cabral da Silva Virgínia Del Carmem Troncoso Valenzuela Flaviane Cristina Lopes Matosinhos Regina Márcia Bahia Paiva Wilson Aparecido Moreira Maria Eloiza Sampaio----------------------------------------------------------------------------------------------- 93 Leite UHT: qualidade físico-química e ocorrência de adulterações em amostras coletadas no estado de Minas Gerais Cláudia Aparecida de Oliveira e Silva Sara Araújo Valladão Cristiane Lúcia Goddard Flávia Silva Paula Coimbra Maria de Fátima Gomides Mariem Rodrigues Ribeiro Cunha Renata Adriana Labanca------------------------------------------------------------------------------------------- 99 Atividade antibacteriana do extrato etanólico da própolis frente a bactérias resistentes a antibióticos Wemerson de Castro Oliveira Elsa Fernandes da Silva ------------------------------------------------------------------------------------------ 105 Diversidade de fatores de risco associados à infecção pelo vírus da Hepatite C (HCV) Maria Regina Dias-Bastos Cláudia Di Lorenzo Oliveira Anna Bárbara de Freitas Carneiro-Proietti------------------------------------------------------------------- 113 Erros de medicação em idosos: uma revisão de literatura Solange Almeida de Medeiros Costa Hessem Miranda Neiva------------------------------------------------------------------------------------------- 123 Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 7 O AGLOMERADO DE BIOTECNOLOGIA DE MINAS GERAIS E A FUNED: UMA PROPOSTA DE CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO* THE BIOTECHNOLOGY AGGLOMERATE IN MINAS GERAIS STATE AND FUNED: A PROPOSITION OF GROWING AND DEVELOPMENT Roberta Márcia Marques dos Santos1, Antonio Lourenço Jr.2 1 Doutora em Bioquímica pela Universidade Federal de Minas Gerais, Responsável pelo Serviço de Desenvolvimento Biotecnológico da Fundação Ezequiel Dias, Funed, [email protected]; 2 Engenheiro Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Mestre em Administração pela Fundação Mineira de Educação e Cultura, FUMEC, Doutorando em Gestão pela Universidade Tras-os-Montes Alto Douro, UTAD-PT RESUMO ABSTRACT Aglomerado é uma concentração geográfica de empresas, indústrias, universidades, instituições e associações, todas interconectadas em torno de um negócio específico; também é chamado de “cluster” ou Arranjo Produtivo Local. A biotecnologia pode ser definida como a aplicação de organismos vivos, suas partes e moléculas para obtenção de bens e serviços. Desde o seu surgimento, a biotecnologia moderna tem se aprimorado a cada dia e é aplicada a diferentes áreas como agricultura, saúde, meio ambiente e outras. O número de empresas de biotecnologia tem aumentado em todo o mundo e os aglomerados nesse setor são comuns em alguns países e são considerados importantes para se obter inovação e desenvolvimento. No Brasil, apesar dos avanços ocorridos nesse campo, é preciso melhorar em alguns pontos, como a inovação. O Arranjo Produtivo Local de biotecnologia da região metropolitana de Belo Horizonte é considerado um dos mais importantes do país nesse setor. A Fundação Ezequiel Dias está, geograficamente, inserida nesse aglomerado e trabalha com biotecnologia nas áreas de pesquisa, desenvolvimento e produção. Esse trabalho é o segundo da Fundação Ezequiel Dias em uma série de pesquisa em gestão relacionada ao tema biotecnologia e sugere um “modelo de indução” para promover o desenvolvimento do Arranjo Produtivo Local de biotecnologia de Minas Gerais e propõe que a Fundação Ezequiel Dias tenha um papel de instituição-chave atuando como indutora nesse aglomerado. Também discute o papel do governo do estado para contribuir para a melhoria dessa área em Minas Gerais. Agglomerate is a geographic concentration of firms, suppliers, related industries, universities, institutions, all interconnected in specific business; it can be called clusters or Local Productive Arrangement. Biotechnology can be defined as the application of living organisms, as well as parts, and molecules, to obtain goods and services. Since the “modern biotechnology” has arised, has improved each day, and, nowadays, is applied in different areas as agriculture, health, environment, etc. The number of biotechnology companies has increased around the world and the agglomerates of biotechnology are common in some countries, and are important to get innovation and development. In Brazil despite some advances in biotechnology, the country needs to improve some issues, as innovation. The Biotechnology Local Productive Arrangement at the metropolitan region of Belo Horizonte is one of the most important of the country in this area. Ezequiel Dias Foundation is, geographically, inserted in the Biotechnology Local Productive Arrangement of Belo Horizonte, and works with biotechnology in research, development and production areas. The present study is the second of Ezequiel Dias Foundation in a sequence of research in biotechnology management and suggests an “induction model” to promote the development of the Biotechnology Local Productive Arrangement of Minas Gerais, and propose the Funed as the core-institution inside this agglomerate. Also discusses the role of the government to improve this area in Minas Gerais state. Palavras-chave: Biotecnologia, Aglomerados, Arranjo Produtivo Local, clusters, Funed Keywords: Biotechnology, Agglomerate, Local Productive Arrangement, cluster, Funed * Parte da monografia apresentada por Roberta Márcia Marques dos Santos à Universidade Estadual de Montes Claros, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Especialista em gestão Institucional, em dezembro de 2009. 8 Gestão, Ciência & Saúde 1. INTRODUÇÃO A biotecnologia, que tem como seu fundamento principal a utilização de seres vivos para obtenção de produtos e serviços, já era utilizada há séculos. No entanto, foi a partir do desenvolvimento de tecnologias que permitiram a manipulação do material genético, ocorridas na década de 1970, que se deu a mudança radical na biotecnologia. A partir de então, tornou-se possível a obtenção, em larga escala e por meios mais seguros, de certos medicamentos como a insulina e o hormônio do crescimento, além de inúmeras outras possibilidades de aplicação (35). Nas últimas décadas, tem havido incremento no número de empresas de biotecnologia em todo o mundo, as quais representam importante fatia no mercado da indústria farmacêutica. Também se observou que, em países nos quais a biotecnologia mais se desenvolveu, há concentração de empresas e instituições/ centros de pesquisa e desenvolvimento em uma região, caracterizando um aglomerado de biotecnologia (1,20). A multidisciplinaridade de conhecimentos exigidos para o alcance de inovação na biotecnologia contribui para o aumento desses aglomerados, fortalecendo, assim, as relevantes redes colaborativas (33). No Brasil, apesar dos avanços em biotecnologia alcançados nos últimos anos, observam-se ainda pontos de melhoria como, por exemplo, a necessidade tanto de acompanhamento dos avanços tecnológicos quanto de desenvolvimento do potencial de inovação. Essa deficiência em inovação também é observada em outras áreas da economia e reflete na balança comercial do país e do estado de Minas Gerais, que tem como fonte principal de suas exportações produtos de média-baixa tecnologia (produtos metálicos, ferro e aço, entre outros) (28). Entre outros fatores, considera-se que o baixo investimento das empresas brasileiras em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) contribui para esse quadro. A ciência, a tecnologia e a inovação são, no cenário mundial contemporâneo, elementos fundamentais para o desenvolvimento, o crescimento econômico, a geração de emprego e renda e a democratização de oportunidades. Ciente desse fato, o governo brasileiro considera relevante incentivar o desenvolvimento de áreas, como a biotecnologia e a nanotecnologia, consideradas como portadoras de futuro (28). Diante da necessidade de ampliação do setor produtivo de maior intensidade tecnológica, o governo de Minas considera como preponderantes ações para o desenvolvimento de novos negócios de elevado conteúdo tecnológico, como a biotecnologia. Na área de inovação tecnológica mineira, o principal desafio a ser superado consiste na baixa articulação entre o setor produtivo e as redes de pesquisa (29). Minas Gerais abriga um aglomerado de biotecnologia localizado na região metropolitana de Belo Horizonte, que é considerado um dos principais do país. No entanto, a análise da balança comercial do estado sugere que esse setor produtivo ainda não contribui de forma significativa para a economia mineira, apesar das previsões, feitas em 2000, pela Federação das Indústrias de Minas Gerais, de duplicação do faturamento do aglomerado de biotecnologia nos três anos seguintes (9). Diante disso, o governo de Minas Gerais considera ser o fomento aos Arranjos Produtivos Locais, dentre eles o de biotecnologia, uma das ações para o favorecimento do desenvolvimento do estado (29). A Fundação Ezequiel Dias (Funed) está localizada geograficamente nesse aglomerado, embora não tenha sido formalmente enquadrada no último estudo sobre as empresas de biotecnologia do Brasil, publicado em 2007, pela Fundação Biominas. Ao longo dos seus mais de 100 anos de existência voltada para a saúde pública, tem realizado ações referentes à biotecnologia, tanto na área de pesquisa quanto na de produção. É parte integrante de várias redes de pesquisa do estado e estabelece parcerias com várias outras instituições e centros de pesquisa. Além disso, é uma instituição de destaque na área de saúde humana em âmbito estadual e nacional, na qual se identifica potencial capacidade de atuação como indutora no aglomerado de biotecnologia de Minas Gerais, potencial esse que merece maior exploração. Diante da importância do setor de biotecnologia para o estado e o não desenvolvimento do aglomerado conforme o esperado, haveria uma forma de superar os desafios nessa questão, como a dificuldade de articulação entre o setor produtivo e os centros de pesquisa? Seria possível estabelecer e ampliar as redes colaborativas de forma a aumentar a competitividade desse aglomerado? Haveria instituição com características e diferenciais para desempenhar papel de indutora? Como seria a participação do governo de Minas nessas ações? Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 Tendo como ponto de partida o exposto anteriormente, o presente trabalho tem como objetivo propor um modelo de indução para o desenvolvimento do aglomerado de biotecnologia de Minas Gerais, considerando a Funed como instituição-chave nesse processo para desempenhar o papel de indutora em biotecnologia na pesquisa, produção e inovação, dentro de uma rede de colaboração com os demais participantes do aglomerado. A metodologia utilizada neste trabalho foi um Estudo de Caso da Funed, dentro do contexto de um aglomerado de biotecnologia no estado de Minas Gerais, utilizando como ferramentas a pesquisa bibliográfica e a análise documental. 2. OS AGLOMERADOS Na virada do século XXI, o mundo presenciou mudanças em termos de comunicação e transporte que, juntamente com a globalização, desencadearam transformações na economia global. Dessa forma, tornou-se mais fácil e ágil a negociação entre empresas localizadas distantes umas das outras. Paradoxalmente, nos idos de 1990, havia sido verificado algo intrigante: uma altíssima capacidade competitiva dos agrupamentos de empresas e redes de negócios. Porter (30), neste mesmo período, destacou o papel dos “aglomerados” na competitividade nacional, estadual e local. O termo “aglomerados” é definido pelo autor como 9 [...] concentrações geográficas de empresas inter-relacionadas, fornecedores especializados, prestadores de serviços, empresas em setores correlatos e outras instituições específicas (universidades, órgãos de normatização e associações comerciais), que competem, mas que cooperam entre si. (PORTER,1999, p. 209). Em 1990, Porter (32), em A vantagem competitiva das nações, concluiu que a concentração geográfica dos negócios para produzir determinado produto está associada à vantagem competitiva para as respectivas cidades, atestada pelo seu sucesso na competição mundial. O já consagrado modelo de “Diamante de Porter”, apresentado na Figura 1, esquematiza as interações existentes entre as várias partes interessadas de um aglomerado, que, por conseguinte, têm ação na produtividade e competitividade daquele aglomerado. Os aglomerados podem ser classificados como clusters e Arranjos Produtivos Locais, conhecidos como APLs. Há interpretações diferentes acerca dos conceitos desses dois termos (8), e, uma vez que não é o foco deste trabalho discutir conceitualmente os termos cluster e APLs, será utilizado, na maior parte do texto, o termo aglomerado segundo a definição de Porter descrita anteriormente. No entanto, algumas vezes, em respeito à citação dos autores pesquisados, serão utilizados os termos clusters e APLs, conforme originalmente descrito na literatura citada. FIGURA 1 – Modelo de Diamante de Porter – Fonte da vantagem competitiva da localização – Fonte: (30). 10 Gestão, Ciência & Saúde Os aglomerados estão amplamente distribuídos e existem em países desenvolvidos e em desenvolvimento, variando em tamanho, amplitude e estágio de desenvolvimento. Alguns aglomerados giram em torno de pesquisas universitárias, enquanto outros mal aproveitam os recursos das instituições tecnológicas disponíveis. Aqueles que estão em estágios de desenvolvimento mais avançado possuem interações mais fortalecidas com os fornecedores, entre as empresas parceiras e as concorrentes, bem como com as instituições de apoio (30). Segundo Di Serio (8), as vantagens obtidas por empresas nos aglomerados estão associadas à produção (fácil acesso à mão de obra com conhecimento técnico especializado e a fornecedores de produtos e serviços necessários à operação e ao favorecimento de acordos cooperativos verticais e horizontais) e à demanda (maior fluxo de consumidores; rapidez de resposta às ações estratégicas dos concorrentes e benefício de seus investimentos). Uma característica importante dos aglomerados é a competição. A intensidade da competição sofre influência de três maneiras amplas: primeiro, pelo aumento da produtividade das empresas ou de setores componentes; segundo, pelo fortalecimento da capacidade de inovação e, em consequência, pela elevação da produtividade; terceiro, pelo estímulo à formação de novas empresas, que reforçam a inovação e ampliam o aglomerado. Assim, os aglomerados podem ser caracterizados como “um sistema de empresas e instituições inter-relacionadas, cujo valor como um todo é maior do que a soma das partes” (30). Para Zaccarelli et al. (38), a cooperação é outro fundamento importante dos aglomerados que tem impacto direto na competitividade deste. Essa cooperação que se deve a transferências e desenvolvimento de competências compartilhadas entre as partes leva ao aumento da capacidade competitiva do aglomerado, de forma integrada. Além disso, os participantes de aglomerados compartilham muitas necessidades e oportunidades comuns e enfrentam muitas limitações e obstáculos coletivos à produtividade. Dessa forma, potencializam-se as oportunidades de coordenação e de aprimoramento em áreas de interesse comuns, e os investimentos públicos e privados para a melhoria das condições dos aglomerados beneficiam muitas empresas e instituições (30). Vários são os exemplos de aglomerados de sucesso em todo o mundo, existindo nas mais diversas áreas da economia como, o de calçados na Itália, de filmes em Hollywood, de produtos químicos na Alemanha, entre outros (30). O aglomerado bem estruturado contribui para mudanças na economia de uma localidade, e até mesmo de uma nação, como aconteceu com o aglomerado de eletrônica e informática na Costa Rica, que iniciou na década de 1990 com a instalação de uma planta da Intel Corporation no país. A partir de então, houve uma transformação da economia que se baseava na agricultura, indústria têxtil e turismo. O governo teve um papel preponderante na criação das condições necessárias à instalação e ao crescimento do “Aglomerado de eletrônica e informática” como, por exemplo, o aprimoramento da infra-estrutura de comunicação de dados (30,31). Outro exemplo de aglomerado de sucesso, que merece destaque, é o de biotecnologia de Singapura, cujo governo tomou uma série de medidas com o objetivo de impulsionar os investimentos públicos e privados na melhoria da educação e da pesquisa para transformar o país em importante eixo de pesquisa e desenvolvimento biomédico. Para promover as mudanças necessárias à inserção de Singapura no mercado biotecnológico como centro inovador, ou seja, como nação de aprendizagem, o governo exerceu papel fundamental através da formulação de políticas tecnológicas e industriais.Todo o processo de transformação de Singapura de um modelo de nação seguidora para o modelo de nação inovadora baseou-se no tripé formado pelo Estado, indústria e academia (representado pelas universidades). Uma dentre as várias ações tomadas pelo governo foi o incentivo à inovação e ao empreendedorismo para promover a interação entre as universidades locais e as indústrias (27). No Brasil também foram caracterizados vários e distintos aglomerados. Em 2007, Di Serio (8) discutiu e apresentou alguns dos APLs identificados pelo governo brasileiro. A Figura 2 apresenta os APLs do Brasil por unidade federativa, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) (23). Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 11 FIGURA 2 – Arranjos Produtivos Locais (APLs) do Brasil – Fonte: (23) Como se observa na Figura 2, há mais de 200 APLs no Brasil identificados pelo MDIC. No entanto, a maioria é dedicada a áreas da economia de baixa densidade tecnológica, como agricultura, pecuária, exploração mineral, turismo, móveis e confecções. São poucos os casos de APLs que se dedicam a áreas de maior densidade tecnológica, como os de tecnologia da informação e biotecnologia. Segundo Porter (30), um aglomerado precisa ser percebido como um todo, tanto pelas partes que o compõem como pelo governo e pela sociedade. A identificação das partes constituintes do aglomerado exige que se adote como ponto de partida uma grande empresa, ou a concentração de empresas semelhantes, para analisar, a partir desse ponto, a cadeia vertical de empresas e instituições. Na 12 Gestão, Ciência & Saúde prática, o mais comum é o agrupamento de negócios construir-se a partir de uma empresa bem sucedida, que serve de referência para a instalação de outros negócios, aproveitando a presença do polo atrator. A presença de estrutura informal que assuma a postura de “âncora”, ou seja, que possua orientação para o comportamento e o desempenho do grupo, incorpora ao aglomerado de negócios a condição para desenvolver os fundamentos no que se refere à renovação frequente de tecnologias e à existência efetiva de estratégia de aglomerado (38). No setor biotecnológico, tentativas de apoiar as empresas no uso de biotecnologias de ponta estão sempre a requerer novas investigações e novas formas de suporte científico. Sendo assim, as formas de organização para incentivo da utilização de biotecnologia pelas empresas não podem estar desvinculadas do que Silveira et al. (34) chamaram de instituições-chave, instituições que fazem a ponte permanente entre conhecimento científico e desenvolvimento tecnológico, em um processo incessante de comunicação e de co-evolução. Silveira et al. (35) consideram que uma organização-chave ou âncora, seria aquela com habilidade de assumir uma liderança organizacional e tecnológica no processo de interação com outros agentes inovadores (em biotecnologia, principalmente, mas não só) em um ambiente local específico. Seria, pois, fundamental para atrair novas empresas, desenvolver sinergias, escolas de treinamento de recursos humanos, desenvolver marketing específico para certo grupo de produtos e atrair investimentos. Essa instituição, que poderia ser pública ou privada, deveria, também, desenvolver competências para o relacionamento com outras áreas. 3. A BIOTECNOLOGIA O século XX foi considerado como o século da Física e permitiu avanços grandiosos à sociedade. Há os que dizem que o século XXI será o das “Ciências Biológicas”, ou “Ciências da Vida”, tendo a biotecnologia como uma das suas principais referências. Arbix (2) descreve, com certo lirismo, o seu pensamento a respeito: Uma revolução inacabada está em curso. Nem sempre silenciosa. Irreverente às vezes. Insistentemente polêmica. E consistentemente atraente. A biotecnologia contemporânea é um ponto de encontro, onde distintos personagens conversam de modo inovador sobre os mais diversos temas. Com os olhos no futuro e energia suficiente para sacudir os parâmetros das ciências e disciplinas que ousam estudá-la, tanto por seus impactos sobre a ética e a moral, quanto por suas consequências no terreno da ciência, da sociologia ou da economia. (ARBIX, 2007, p. 6). A biotecnologia, de forma ampla, pode ser compreendida como a utilização de organismos vivos ou parte desses para a geração de bens e serviços. Para tanto, essa disciplina envolve tecnologias diversas, como, por exemplo, os processos de fermentação, as técnicas de manipulação genética, e ferramentas de engenharia de computação, conhecida como bioinformática. Dessa forma, mostra-se, portanto, essencialmente transdisciplinar. Além disso, possui vários campos de atuação, podendo ser segmentada nas seguintes grandes áreas: saúde humana, saúde animal, agricultura, meio ambiente, bioenergia e insumos. As principais aplicações na saúde humana, principal alvo da biotecnologia abordado nesse trabalho, são: a produção de biofármacos, de imunobiológicos, de reagentes biológicos para diagnósticos e de hemoderivados (35). O ponto de partida para o reconhecimento da biotecnologia como uma ciência de grande interesse se deu a partir de 1970, quando do desenvolvimento da tecnologia do DNA recombinante, que marcou o início da era da biotecnologia moderna. Desde então, tem recebido grande atenção tanto da academia quanto das empresas. Atualmente, centenas de universidades, centros de pesquisa e empresas no mundo inteiro têm se empenhado na pesquisa, desenvolvimento e produção na área biotecnológica. O avanço da moderna biotecnologia criou uma gama de atividades inovadoras e novas abordagens para a indústria de saúde e a medicina. Entre as inovações mais importantes aplicadas a esta indústria podem-se citar as proteínas terapêuticas, os anticorpos monoclonais, a terapia genética, as terapias baseadas em células tronco entre outras (10,19). Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 A partir dos avanços da ciência descritos anteriormente, em 1976 foi fundada a “Genentech”, nos Estados Unidos da América (EUA), marcando a inauguração da indústria de biotecnologia. Alguns anos depois, em 1982, a insulina humana, desenvolvida por essa empresa, chegou ao mercado, consolidando de vez a aplicação industrial dessa tecnologia (6,10). Há várias definições para o termo biotecnologia, bem como para a caracterização de uma empresa nesse setor. Considerando o propósito deste trabalho, será adotada a definição proposta pela Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD), para a qual “uma empresa de biotecnologia pode ser definida como aquela que está envolvida na biotecnologia por usar pelo me- nos uma técnica de biotecnologia (Tabela 1) para produzir bens, serviços e/ou executar pesquisa e desenvolvimento (P&D)” (26). Essas empresas podem ser de diferentes tamanhos, podem ser dedicadas ou não à biotecnologia e podem atuar tanto na produção de bens e serviços quanto em P&D, como representado, esquematicamente, na Figura 3 (26). As empresas de biotecnologia têm aumentado tanto em número quanto em lucratividade nos últimos anos. Segundo estudo da OECD (26), os EUA têm o maior número de empresas de biotecnologia, 3.301, seguidos pelo Japão com 1.007 e pela França, que possui 824. Quanto à União Europeia, nos 15 países que participaram do estudo, há, ao todo, 3.337 empresas no setor em questão. TABELA 1 - Técnicas de biotecnologia DNA/RNA: genômica, farmacogenômica, sondas de genes, engenharia genética, sequenciamento, síntese e amplificação de DNA/RNA, perfil de expressão genética e uso de tecnologia antisenso Proteínas e outras moléculas: sequenciamento, síntese e engenharia de proteínas e peptídeos, melhoria de métodos de liberação de moléculas maiores usadas como medicamentos, proteômica, isolamento e purificação de proteínas, sinalização, identificação de receptores celulares Cultura e engenharia de células e tecidos: cultura de células/tecidos, engenharia de tecidos, fusão celular, vacinas e estimulantes imunes, manipulação de embriões Técnicas de processos biotecnológicos: fermentação usando biorreatores, bioprocessamento, bioalvejantes, biodessulforização, biorremediação, biofiltração e fitorremediação Genes e vetores de RNA: terapia gênica e vetores virais Bioinformática: construção de banco de dados em genoma, sequências de proteínas, modelagem de processos biológicos complexos, incluindo sistemas biológicos Nanobiotecnologia: aplica as ferramentas e os processos de nano/microfabricação para construção de instrumentos para estudo de biossistemas e aplicações em liberação de medicamentos, diagnósticos e outras Fonte: (26) 13 14 Gestão, Ciência & Saúde FIGURA 3 – Esquema de empresas de biotecnologia – Fonte: (25) Esse aumento no número de empresas de biotecnologia explica o fato de que, dos novos medicamentos aprovados nos EUA entre 2003 a 2006, 24% eram de base biotecnológica, tais como proteínas recombinantes, anticorpos monoclonais e baseadas em DNA. Como resultado do esforço mundial em torno da biotecnologia na área de saúde, há mais de 165 produtos aprovados em todo o mundo, com mercado estimado, em 2004, em torno de 33 bilhões de dólares e projetado para cerca de 70 bilhões de dólares para o ano de 2010 (36). A biotecnologia é um dos campos do conhecimento em que se observa a importância crescente da interação entre a ciência, a pesquisa tecnológica e a produção. Como poucos setores, ela teve sua origem no próprio laboratório de pesquisa básica. Tanto a descoberta de novos produtos e serviços, como seu desenvolvimento comercial são resultados de uma combinação de diferentes “blocos” de conhecimento básico e ferramentas aplicadas que mobiliza várias competências para transformar informações em inovações (10). Segundo Dal Poz (7), os clusters de biotecnologia nos EUA e na União Europeia, apesar das diferenças, apresentam configuração em rede para dar conta da malha de interdependências necessária para o sucesso das empresas, tanto nas áreas de fronteira (genômica e proteômica), quanto nas intensivas em tecnologia. O desenvolvimento da biotecnologia exige: forte base acadêmica e científica; um setor produtivo capaz de transformar a produção acadêmica e científica em bens e serviços; e a criação de ambiente institucional que ofereça ao mesmo tempo segurança, ao empresário inovador e à sociedade como um todo, contra aos riscos inerentes às atividades investigativas e produtivas no campo da biotecnologia (35). Os empreendimentos em biotecnologia possuem como características principais o alto custo, risco e incerteza, tornando difícil tanto para o setor privado quanto para o Estado dar conta, isoladamente, dessa realidade. O estabelecimento de colaborações entre as instituições públicas e privadas, agindo cooperativamente para obter complementaridade nas diferentes fases da investigação, tem se mostrado a melhor estratégia (2,27,35). Segundo Judice (20), os aglomerados produtivos (ALPs ou clusters) são um modelo organizacional característico do setor de biotecnologia, devido à natureza do negócio com base inovativa fundamentada em conhecimentos científicos, a qual é facilitada pela proximidade com instituições fontes Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 de conhecimento, como universidades e centros de pesquisa. Mais que proximidade geográfica, o ponto crucial são intensidade e qualidade das interações, compartilhamentos, colaborações e alianças interorganizacionais entre os setores de pesquisa e desenvolvimento e o industrial. Para aumentar a capacidade inovadora de um aglomerado, a organização industrial deve facilitar a transferência de conhecimento entre as empresas individuais que a constituem (1). Como em outras áreas da economia, na biotecnologia o estabelecimento de redes colaborativas visa, entre outros benefícios, à busca pela inovação. As redes de inovação compreendem um número de relacionamentos cooperativos entre empresas e instituições, com membros envolvidos em atividades que englobam diferentes etapas do processo de obtenção de um produto, desde a pesquisa e desenvolvimento à comercialização deste (32). Inovação é definida por Galanikis (15) como a criação de novos produtos, processos, conhecimento ou serviços, utilizando conhecimento científico e tecnológico novos ou já existentes, que fornece um grau de novidade para aquele que o desenvolveu, o setor industrial, a nação ou o 15 mundo e que tenha êxito no mercado. Considera ainda a inovação um processo dinâmico e propôs um “Modelo de Sistema de Inovação” que representa a complexidade e os vários atores envolvidos nesse processo (Figura 4). O processo de inovação em setores de conhecimento intensivo, tais como a biotecnologia, são altamente abertos, colaborativos ou em rede. A inovação em rede em indústrias de conhecimento intensivo é caracterizada pela interação de laboratórios de pesquisa pública, universidades e laboratórios privados, com o conhecimento seguindo várias direções de uma só vez (33). O desenvolvimento de produtos biotecnológicos ou de processos até sua chegada ao mercado é tipicamente um processo longo e caro, sem nenhuma garantia de sucesso comercial, e em constante evolução. Um exemplo é o caso dos anticorpos monoclonais que foram introduzidos no mercado em 1986, como murinos (obtidos de camundongos), e foram considerados um sucesso na utilização como imunosupressores em pacientes que se submeteram a transplantes de órgãos, além de outras aplicações como, por exemplo, diagnóstico. No entanto, devido a problemas de reatogenicida- FIGURA 4 – “Modelo de Sistema de Inovação” – Fonte (15). 16 Gestão, Ciência & Saúde de houve a necessidade de melhorias incrementais nessas moléculas, até a obtenção dos anticorpos humanizados. Apesar de ser um mercado promissor, necessita de investimentos vultosos para o seu desenvolvimento, produção e utilização em maior escala (37). A complexidade desse processo de inovação pode ser explicada pelas várias etapas envolvidas, como a pesquisa básica, o desenvolvimento de produto, a produção e a distribuição. Alianças estratégicas e outros acordos colaborativos entre universidades, empresas de biotecnologia e grandes companhias estão sendo amplamente usados para obtenção de sucesso (33). Em estudo recente, Renko (33) analisaram 39 empresas localizadas em duas áreas nos EUA, o sul da Flórida e o “Delaware Valley” na Pensilvânia, com o objetivo de avaliarem os processos que incluem origem, desenvolvimento e uso da inovação na biotecnologia. A partir dos dados coletados, foi proposto um modelo esquemático representando as categorias dos diferentes atores envolvidos no processo de inovação biotecnológica, conforme mostra a Figura 5. Esse trabalho mostrou que são robustas as ligações estabelecidas entre as companhias e as universidades e/ou os laboratórios governamentais. Os autores sugerem que os líde- res das empresas de biotecnologia compreendam essa rede natural de geração de inovação, que necessita de estabelecimento de colaborações. Para alcançar “abertura para inovação”, uma organização precisa observar o ambiente, incluindo as fontes de geração de conhecimento, e as mudanças na indústria imediata, bem como em outros campos relacionados. Em 2008, Aharonson et al. (1) avaliaram a capacidade inovadora de 675 empresas de biotecnologia de três regiões do Canadá, em torno das cidades de Vancouver, Toronto e Montreal. O estudo mostrou que as regiões pesquisadas compreendem uma mistura de empresas inovadoras e não inovadoras, com uma tendência de aglomeração das inovadoras. As inovadoras apresentam maior escala de recursos e foco tecnológico, bem como maior ênfase em investimentos em P&D e colaborações públicas e privadas. Além disso, possuem mais empregados em P&D e possuem alianças mais sólidas com universidades e centros de pesquisa (1). Para uma dada localização inovadora, o que faz a diferença entre inovadora e não inovadora não é o nível de esforço em P&D e sim o acesso à rede entre as empresas e colaboração com universidades. Esse estudo mostra que a capacidade de uma empresa, em particular, de se beneficiar de um aglomerado, é função da sua capacidade de absorver o conhecimento local (1). FIGURA 5 – Modelo de Origem, Desenvolvimento, e Utilização da inovação em biotecnologia – Fonte: (33). Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 Para Fonseca (10), o desenvolvimento de ambiente adequado para o acréscimo do empreendimento inovador de biotecnologia representa grande desafio, em termos não só da sua sofisticação científica e tecnológica mas também de sua complexidade organizacional e das dificuldades de consolidação de seus produtos e serviços no mercado. São necessários centros de formação de recursos humanos especializados, além da infraestrutrura em laboratórios e equipamentos adequados. No entanto, mais importante do que estes elementos físicos, a existência de uma estrutura de direitos de propriedade intelectual constitui ponto de partida para o desenvolvimento das atividades de biotecnologia em qualquer país. Essa é uma forma de reter o valor do conhecimento gerado e ajuda a criar ambiente favorável à obtenção de capital de risco. Nos EUA, principal país na área da biotecnologia, praticamente todas as empresas de biotecnologia farmacêutica foram fundadas através de empreendimento utilizando capital de risco. O modo de operar da biotecnologia, a competência exigida para dar forma e manter os ambientes propícios ao seu desenvolvimento não podem prescindir dos recursos materiais, humanos e institucionais do setor público, nem do investimento e empreendedorismo do setor privado (2). 4. BIOTECNOLOGIA NO BRASIL No Brasil, a biotecnologia atraiu a atenção desde o início da década de 80, quando foi percebida como uma oportunidade de transformar o país de comprador e adaptador a gerador de tecnologia em um setor de ponta. Desde essa época, o estabelecimento dessa capacidade inovadora era tido como meio de minimizar o descompasso do desenvolvimento socioeconômico do país comparativamente aos países desenvolvidos (3). Nas últimas décadas, ocorreram avanços no desenvolvimento da biotecnologia no Brasil. Observa-se grande esforço, principalmente por parte das instituições públicas, tanto na pesquisa, quanto na produção, como é o caso dos imunobiológicos, os quais, na sua maioria, são produzidos por instituições públicas (35). Em um estudo de empresas de biotecnologia do Brasil, realizado pela Fundação Biominas em 2007 com o objetivo de entender melhor o setor de biotecnologia no país, foram identificadas 181 empre- 17 sas de biociências, das quais 71 podem ser classificadas como empresas de biotecnologia, segundo a definição adotada, para a qual “uma empresa de biotecnologia é aquela que tem como atividade comercial principal a aplicação tecnológica que utilize organismos vivos, sistemas ou processos biológicos, na pesquisa e desenvolvimento, na manufatura ou na provisão de serviços especializados” (11). A maioria das empresas se concentra nos estados de São Paulo, e Minas Gerais (11). A iniciativa do setor público foi fundamental para o desenvolvimento da biotecnologia no Brasil, o qual tem se destacado como o principal agente na sua promoção. Além dos investimentos na formação de recursos humanos, através das universidades públicas e das pesquisas que são produzidas em instituições, o Estado tem-se destacado nos últimos anos por políticas de fomento através de criação de programas e fundos de financiamento e na criação de leis específicas, tais como as relacionadas à biossegurança e com os direitos de propriedade intelectual (35). Na área de saúde humana, há que se destacar os laboratórios oficiais produtores de imunobiológicos como um dos principais atores no cenário da biotecnologia industrial do país. Esses laboratórios, a saber, a Fundação Ezequiel Dias (Funed) em Minas Gerais, o Instituto Vital Brazil (IVB) no Rio de Janeiro, o Instituto Butantan (IB) em São Paulo e a Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) no Rio Janeiro, são responsáveis, em grande parte, pelo sucesso do Programa Nacional de Imunização do Ministério da Saúde (PNI/MS), criado em 1973. Dentre estes, os três primeiros são responsáveis por toda a produção de soros heterólogos hiperimunes do país, e o Butantan e a FioCruz (em sua unidade de Biomanguinhos) são responsáveis pela produção de grande parte da demanda de vacinas do PNI. Com essas ações o Brasil se tornou autossuficiente na produção de soros heterólogos hiperimunes, considerados estratégicos para o país, uma vez que não é possível a sua importação dada a especificidade dos venenos dos animais peçonhentos de cada país ou região. Porém, o mesmo não aconteceu para as vacinas, levando o Brasil a realizar importações nessa área (14). Apesar da importância indiscutível das ações descritas anteriormente, na área da saúde pública, 18 Gestão, Ciência & Saúde o fato é que, nas ultimas décadas, o Governo se preocupou com a autossuficiência de produção, e pouco, porém, foi dirigido a projetos de desenvolvimento e inovação (14). A biotecnologia foi considerada, na Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior – PITCE– e no recente Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de Ciência e Tecnologia como uma das áreas Portadoras de Futuro. As medidas propostas para dinamizar este segmento da economia originaram o Decreto Nº 6.041, de 8 de fevereiro de 2007, que instituiu a Política de Desenvolvimento da Biotecnologia e criou o Comitê Nacional de Biotecnologia (5). A Política de Desenvolvimento de Biotecnologia e o Programa INOVACINA são iniciativas para tentar sanar a deficiência de inovação do país na área biotecnológica (16). Fontes de fomento estão sendo especialmente criadas para esses projetos e, por sua vez, os produtores nacionais estão reformando seus modelos de gestão, adotando ferramentas para inovação. Nos últimos anos no Brasil, observam-se consideráveis progressos no desenvolvimento econômico e social. Mas, apesar disso, o país ainda tem como fonte principal de suas exportações produtos de média-baixa tecnologia. Segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) (28), em 2005 os setores de alta e média-alta intensidade tecnológica, do qual faz parte, dentre outras, a área farmacêutica, representaram aproximadamente 32% do total do valor exportado da indústria brasileira, ficando a maior parte por conta dos setores de média-baixa e baixa tecnologia, e de produtos não industriais. Dentre outros fatores, considera-se que o baixo investimento das empresas brasileiras em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) contribui para esse quadro. No cenário mundial contemporâneo, é consenso que a ciência, a tecnologia e a inovação são elementos fundamentais para o desenvolvimento, o crescimento econômico, a geração de emprego e renda e a democratização de oportunidades. Ciente da necessidade de medidas que viabilizem o desenvolvimento dos setores intensivos em tecnologia como uma forma de alavancar a economia do país, o governo brasileiro lançou em novembro de 2007 o “Plano de Ação em Ciência, Tecnologia & Inovação – PACTI 2007-2010” (28). A criação de regulamentação, de políticas de desenvolvimento e de fomento são, sem dúvida, importantes. No entanto, é preciso que medidas e ações mais pragmáticas estejam em pauta, visando à viabilização das políticas governamentais tanto pelo setor público quanto pelo privado. Uma questão relevante é a atuação nas deficiências do setor. Não obstante, Silveira et al. (35) destacam os pontos de gargalos que dificultaram e podem ainda comprometer o desenvolvimento futuro de um parque industrial em biotecnologia no país como sendo a carência de profissionais em algumas áreas específicas, a falta de produção interna de equipamentos e materiais e a infraestrutura deficiente de muitas instituições. Mais de 80% das atividades e dos investimentos em biotecnologia e 90% do pessoal qualificado estão concentrados em universidades e instituições públicas de pesquisa. O fato da maior participação das instituições públicas na promoção da biotecnologia pode ser ao mesmo tempo um ponto forte e um fator limitante para o seu desenvolvimento no Brasil. É um ponto forte considerando os investimentos de alto risco que são requeridos, o que dificulta a participação de empresas privadas, principalmente em países como o Brasil, onde o sistema de financiamento para estes tipos de investimentos é muito incipiente. Por outro lado, as limitações surgem pelo fato de grande parte das pesquisas e investimentos em formação de recursos humanos estarem dependentes de recursos públicos, muitas vezes realizados por pesquisadores sem visão empreendedora (35). Segundo Azevedo (3), as redes de cooperação, já comprovadamente demonstradas como essenciais no processo de inovação em biotecnologia, não se viabilizaram no Brasil. Dentre as razões para tanto estão o baixo envolvimento das empresas nacionais em P&D, sendo raros os acordos de cooperação entre elas e delas com empresas estrangeiras e também a carência no estabelecimento de vínculos dos institutos públicos de pesquisa com as empresas nacionais. Ou seja, nem se dispõe de estrutura de financiamento adequada ao investimento em inovações, sendo a maior parte dos recursos governamentais para a ciência e tecnologia direcionada para a comunidade científica, nem há estímulos para o surgimento de “pesquisadores empresários”, que surgiram nos Estados Unidos, onde o capital de risco e o mercado de ações Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 sustentaram a dinâmica de evolução da biotecnologia moderna. Todas estas deficiências apenas evidenciam a importância que terá no futuro o aprofundamento das parcerias e cooperações entre setor público e empresas privadas (35). Para Azevedo (3), diante dessa perspectiva, é preciso insistir na formação de redes, modelo organizacional apropriado à geração de inovações, que possibilitará ao país acompanhar a evolução da biotecnologia no plano mundial. 5. AGLOMERADO DE BIOTECNOLOGIA DO ESTADO DE MINAS GERAIS Segundo o Estudo de Empresas de Biotecnologia do Brasil da Fundação Biominas (11), a maioria das empresas de biotecnologia atua nos setores de agricultura e insumos, seguido por saúde animal e humana. São Paulo e Minas Gerais são os estados que concentram o maior número de empresas com, respectivamente, 42,3% e 29,6% do total das empresas nacionais. Ao observar a localização geográfica das empresas de biotecnologia nesses dois estados, verifica-se que a concentração do setor é ainda maior. Por essa ótica, Belo Horizonte (MG) é o grande destaque nacional, comportando 15,5% das empresas, seguido por Campinas (SP), com 14,1% e São Paulo (SP), com 9,9% (11). Este estudo confirma e consolida um entendimento público e acadêmico da existência de um “Arranjo Produtivo Local” na região de Belo Horizonte e cidades vizinhas num raio de 100 km, como já abordado em 2006 por Judice (19). Entre os fatores que contribuíram para essa concentração geográfica no estado de Minas Gerais estão a tradição e a competência das escolas de Medicina e Farmácia, dentre as primeiras do Brasil e a capacitação das universidades e de centros de pesquisa aliadas às visões empreendedoras pioneiras locais. Em conjunto, estes elementos locais formaram ambiente de estímulo aos negócios em biotecnologia no estado e surgimento de concentração espacial de micro, pequenas e médias empresas, na região metropolitana de Belo Horizonte (20). A Biobras foi um marco do desenvolvimento biotecnológico de Minas Gerais, tendo sido a primeira empresa de biotecnologia brasileira, criada em 1976. Sua idealização se deu nos laboratórios de bioquímica da Universidade Federal de Minas 19 Gerais (UFMG). Inicialmente criada como fábrica de enzimas (obtidas por processos de purificação de tecido animal) foi instalada em Montes Claros, aproveitando a mão de obra altamente capacitada que a UFMG formava, já naquela época, na pósgraduação (20). Nos anos 80, a empresa começou a produzir insulina por meio de um acordo de transferência tecnológica com a multinacional Lilly. Mais tarde, a Biobras se transformaria na maior produtora de insulina sintética da América Latina. Na busca por uma nova tecnologia, a Biobras conseguiu uma das quatro patentes do mundo para produção de insulina humana recombinante e, em 2003, a empresa foi comprada pela dinamarquesa Novo Nordisk (18 ). Das empresas de biotecnologia de Minas Gerais, apenas 14,3% atuam no setor de saúde humana. A maioria das empresas emprega pequeno número de funcionários, somente 15% contam com mais de 50 funcionários. No que se refere ao faturamento das empresas de biotecnologia mineiras, 21,1% ainda não estão faturando, 47,4% têm um faturamento anual de até 1 milhão de reais, 15,8% entre 1 e 10 milhões e 10,5% apresentam faturamento anual superior a 10 milhões de reais. Em se tratando de inovações no produto, no período de 2005 a 2007, as empresas brasileiras pesquisadas apresentaram certo grau de inovação no que se refere a produto novo para a empresa, mas já existente no mercado, além de inovações na embalagem e no desenho do produto. No entanto, quanto a produto novo no mercado nacional, apenas oito empresas inovaram e, quanto a produto novo para o mercado internacional, apenas duas empresas inovaram. No que se refere à inovação de processo, esse número é mais animador, 50% das empresas inovaram principalmente em processos tecnológicos novos à empresa, mas já existentes no setor. Em se tratando de patentes, 84,5% das empresas não têm patentes depositadas no Brasil. Das 15,5% restantes, 10% têm uma, 2,8% têm duas e apenas 2,8% têm três patentes depositadas (11). Esses dados contribuem para a situação de baixa densidade tecnológica no estado de Minas, no qual o quadro de exportações reflete o que acontece no cenário nacional. Dados da balança comercial do ano de 2008 mostram que as 10 maiores empresas exportadoras, responsáveis por 51,3% do total de exportações do estado, pertencem aos setores de mineração, siderurgia, 20 Gestão, Ciência & Saúde metalurgia, celulose e automotivo (22). Esses dados, em que se observa o baixo grau de intensidade tecnológica dos principais setores produtivos da economia mineira, confirmam a vocação secular de estado na atuação em áreas de mineração e agronegócio, apesar das iniciativas relevantes nos campos da biotecnologia e produção de softwares. Apesar dos aparentes bons resultados de faturamento, ao analisar a balança comercial do estado, pode-se inferir que o setor produtivo de biotecnologia ainda não contribui de forma significativa na economia mineira. Em 2000, um estudo da Federação das Indústrias de Minas previa promissor crescimento do aglomerado de biotecnologia, com duplicação do seu faturamento nos 3 anos seguintes e atração maciça de novas empresas nos 5 anos consecutivos (9). Segundo esse estudo, para expansão de setor na capital mineira seria necessária a ampliação das empresas existentes e criação e atração de novas empresas. Infelizmente, nove anos depois, essa ampliação do aglomerado de biotecnologia não ocorreu conforme previsto. Diante da necessidade de ampliação do setor produtivo de maior intensidade tecnológica, o governo de Minas Gerais, em seu Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI) (29), considera que as inversões produtivas deverão buscar, entre outras ações, o desenvolvimento de novos negócios de elevado conteúdo tecnológico, entre eles a biotecnologia e farmacêutica. Além disso, salienta que, na área de inovação tecnológica mineira, o principal desafio a ser superado consiste na baixa articulação entre o setor produtivo e as redes de pesquisa. Considera ainda que uma das ações para o favorecimento do desenvolvimento do estado deve ser o fomento aos arranjos produtivos, entre eles o de biotecnologia, para ampliar a capacidade competitiva deste setor de forma autossustentável (29). Considera-se importante destacar o fato de não haver uma “governança” nesse aglomerado. Apesar de o estado reconhecer a importância da biotecnologia e promover ações nessa direção, não se observa, de forma sistematizada, a sua atuação como articulador do tão esperado desenvolvimento desse aglomerado. Outro ponto importante é a ausência de instituição chave capaz de promover as interlocuções entre os vários atores do aglomerado e favorecer as redes colaborativas. 6. A FUNED A Fundação Ezequiel Dias, que em 2009 completou 102 anos, é uma instituição pública que desde sua origem trabalha voltada para a pesquisa básica e aplicada, a produção de medicamentos e de imunobiológicos e a prestação de serviços dirigida à proteção da saúde humana. Quando da sua fundação em 1907, por Ezequiel Dias, como uma filial do Instituto Manguinhos, hoje FioCruz, do Rio de Janeiro, seu foco era a disseminação dos conhecimentos científicos pelo País, desenvolvendo e ampliando pesquisas nas áreas de Ciências Biológicas e de produção de soros e vacinas. Ao longo dos seus 102 anos, a Funed se expandiu, diversificou seu campo de atuação e consolidou-se como uma das instituições mais importantes do Brasil, com ações voltadas para a proteção e a promoção da saúde pública, a ciência e a tecnologia. Dispõe, atualmente, de um parque tecnológico bem localizado, próximo à região industrial e das duas maiores universidades de Belo Horizonte, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Com faturamento médio anual de R$80 milhões e sendo constituída por cerca de 1.200 funcionários nos vários setores, a Funed é uma instituição pública de saúde de grande porte. Está estruturada em Presidência (e suas assessorias) e quatro diretorias: Diretoria de Planejamento Gestão e Finanças (DPGF), a Diretoria Industrial (DI); a Diretoria do Instituto Otávio Magalhães (DIOM), e a Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento (DPD). A partir de 2003, iniciou a utilização de ferramentas de gestão, tendo sido a primeira instituição pública do estado de Minas Gerais a iniciar o processo de otimização gerencial nos moldes do Choque de Gestão, um sistema de gestão com base no estabelecimento de metas e no alcance de resultados estabelecido pelo governo do estado. Implementou o Sistema de Gestão Integrada, no qual todas as unidades administrativas trabalham com metas específicas e indicadores de desempenho, visando ao acompanhamento e ao alcance das diretrizes institucionais. Em 2008, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), através do Programa de Capacitação de Recursos Humanos (PCRH), iniciou a primeira turma do Master in Business Administration (MBA) Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 institucional, capacitando em gestão 30 dos seus gerentes, com nova turma em 2009 dando continuidade ao programa. Em 2009 iniciou o projeto de implementação de seu Núcleo de Inteligência Competitiva. Essas e outras ações visam melhorar a organização gerencial da instituição, criar um corpo técnico capacitado e com visão de futuro para dar continuidade aos projetos da instituição – independentemente das mudanças políticas que a instituição, como órgão do estado, venha a sofrer – e de cumprir a sua missão de “Participar da construção do Sistema Único de Saúde, protegendo e promovendo a saúde”. A Funed é o Laboratório Central de Saúde Pública de Minas Gerais (Lacen/MG), por meio da DIOM, referência nacional e regional em vários dos seus procedimentos. Realiza análises em água, alimentos, ração animal, saneantes, cosméticos, medicamentos, sangue e hemoderivados, solo, ar ambiente e ensaios de vigilância epidemiológica e saúde do trabalhador. Também executa ações de Vigilância Epidemiológica e Ambiental, por meio do processo de investigação e inquérito, e exames para diagnóstico de doenças de notificação compulsória e avaliação de riscos ambientais em saúde, entre outros (25). A sua Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento (DPD) conta com um quadro de pessoal bem qualificado e capacitado, com 30 pós-graduados, entre mestres, doutores e pós-doutores, e laboratórios bem montados de biologia molecular, bioquímica, cultivo celular (animal e vegetal), virologia, fitoterápicos e bioinformática. As áreas de pesquisa desenvolvidas são o estudo de proteomas de venenos de animais peçonhentos (serpentes, aranhas e escorpiões); a biologia molecular e a expressão das proteínas recombinantes em sistemas procariotos (bactérias) e eucariotos (células de insetos e mamíferos); o diagnóstico molecular de doenças transmissíveis como, por exemplo, dengue, febre amarela e gripe; vacinas (humanas e veterinárias); o cultivo celular (animal e vegetal); a bioinformática; a bioprospecção de plantas e produtos animais para o desenvolvimento de fitoterápicos e opoterápicos e o desenvolvimento de kits para imunodiagnóstico. Entre as 8 áreas de pesquisa, 7 são voltadas para biotecnologia, uma vez que utilizam as técnicas de biotecnologia listadas pela OECD (Tabela 1). Atualmente participa de cinco das oito 21 redes de pesquisa credenciadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). É parceira da Fundação Centro de Hematologia e Hemoterapia de Minas Gerais (Hemominas) em projetos de pesquisa, no sentido de desenvolver a produção de componentes para kits de diagnósticos e do Instituto René Rachou para o desenvolvimento de produtos e métodos analíticos. Com a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) tem trabalhado na Implantação do Banco Mineiro de Tumores Humanos – Projeto Piloto, uma ação pioneira no estado, das instituições de saúde pública Funed e o Hospital Alberto Cavalcanti (Rede Fhemig). Desenvolve vários projetos de pesquisa e de inovação tecnológica com universidades do Estado de Minas Gerais sendo cotitular de patentes nacionais e internacionais com estas instituições. Como componente da Rede Mineira de Propriedade Intelectual, a Funed criou, em 2004, seu Núcleo de Inovação Tecnológica e de Proteção ao Conhecimento (NIT), por incentivo e financiamento da Fapemig, para disseminar a cultura da proteção ao conhecimento nas instituições de ciência e tecnologia do Estado de Minas Gerais. No que se refere à inovação, no período de 2003 a 2009 depositou 7 pedidos de patentes e registrou um programa de computador e duas marcas de produtos e serviços conforme descrito no Tabela 2. 22 Gestão, Ciência & Saúde TABELA 2 - Patentes depositadas e registros da Funed Patente/ Protocolo No Título Cotitularidade PI0205774 3 Sistema adjuvante para produção de anticorpos PI06054846 Toxina Ph1B, cDNA do gene da toxina Ph1B, composições farmacêuticas contendo a toxina Ph1B, processo para sua obtenção, processo para obtenção do cDNA, e produto Funed/UFMG/Fapemig PI0702739-7 Toxina PhKv, cDNA do gene da toxina PhKv, composições farmacêuticas contendo a toxina PhKv, processo para sua obtenção, processo para obtenção do cDNA, e produto Funed/UFMG/Fapemig Método para a potencialização da função erétil através do uso das composições farmacêuticas de toxina tx-2-6 da aranha Phoneutria nigriventer” Funed/UFMG/Fapemig PI0800601-6A2 Funed/Fapemig PI0805704-4 Formulação de comprimidos contendo associação em dose fixa combinada de antirretrovirais e respectivo método de análise da dita formulação Funed/Fapemig depósito no PCT em 30/01/2009 Method for erectile function potentiation by mens of pharmaceutical compounds from the toxin TX2-6 of the Spiderphoneutria nigriventer Funed/UFMG/Fapemig 0000220902707110 Programa de Computador/ Protocolo No 086282 Marca/ Protocolo No Método de Cultivo e Transporte para Diagnóstico e Monitoramento do Controle da Tuberculose Funed/Fapemig Título Cotitularidade SIRCON – Sistema Integrado de Reagentes Controlados para Polícia Federal Funed/Fapemig Título Cotitularidade 827812248 Marca FUNED – MEDICAMENTOS E PRODUTOS IMUNOBIOLÓGICOS Funed 827812256 Marca FUNED – SERVIÇOS DE PESQUISA CIENTÍFICA Funed A Diretoria Industrial da Funed (DI) possui a estrutura formada por laboratórios na área de produção, de desenvolvimento, controle de qualidade, garantia da qualidade, almoxarifados, entre outros, a qual permite a produção de farmoquímicos e produtos biológicos, para atender à Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais (SES/MG) e ao Ministério da Saúde. Atualmente produz 22 medicamentos para o atendimento da SES/MG e 10 para o Ministério da Saúde e possui registro de 53 medicamentos, sendo 45 farmoquímicos e oito biotecnológicos. Está implementando duas novas plantas produtivas, uma para produtos biológicos e mais uma unidade de produção de medicamentos de base farmoquímica. Uma de suas áreas é a Divisão de Desenvolvimento Farmacotécnico e Biotecnológico, que, entre outras funções, desenvolve e registra os novos produtos para o portfólio da Funed e participa dos projetos de transferência de tecnologia. Além disso, desenvolve pesquisa nas áreas de biotecnologia, nanotecnologia, nanobiotecnologia, formulações farmacêuticas e novas Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 metodologias analíticas através de parcerias e colaborações internas, com a DPD, e externas com a UFMG e a UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). No que se refere à biotecnologia industrial, a Funed já está inserida nesse contexto, com anos de experiência na produção de imunobiológicos. É um dos quatro laboratórios oficiais responsáveis pelo atendimento a toda a demanda de soros heterólogos hiperimunes (antiofídicos, antitóxicos e antirrábico) do Brasil, atendendo cerca de 30% da necessidade nacional. Conta com um biotério de produção de pequenos animais, com capacidade de produção de 8.000 animais/ mês com qualidade sanitária, considerado referência no estado de Minas Gerais e com capacidade para ampliação. Possui uma fazenda experimental, onde são mantidos equinos, ovinos e caprinos utilizados na produção de plasma para a produção dos soros heterólogos hiperimunes, e em pesquisa para o desenvolvimento de componentes de kits para imunodiagnóstico. Objetivando a inserção definitiva no mercado da biotecnologia industrial, a Funed estabeleceu, em 2005, convênio de transferência de tecnologia para produção de biofármacos com a Fundação Biorio e o International Centre for Genetic Engineering and Biotechnology (ICGEB), organização internacional dedicada à pesquisa avançada e ao treinamento em biologia molecular e biotecnologia para o benefício de países em desenvolvimento (17). Esse acordo tem por objetivo a absorção da tecnologia de produção de interferon alfa 2a através de fermentação em bactérias e de eritropoetina por cultivo celular. Dessa forma, a Funed pretende adquirir know how nas principais tecnologias utilizadas para a produção de biofármacos. A construção da fábrica para produção desses produtos encontra-se em andamento com previsão de início das operações em 2010. Foi concebida no formato de “plataformas de produção”, de forma a permitir, no futuro, a introdução de novos produtos. Nessa área também será instalado um laboratório de desenvolvimento biotecnológico para permitir, além das atividades de suporte e melhoria incremental dos processos produtivos, outras atividades de desenvolvimento de produtos. Em 2009 a Funed estabeleceu uma aliança estratégica com a Novartis Vacinas e Diagnósticos para fornecimento do produto Vacina meningocócica Cconjugada CRM197 bem como toda a tecnologia 23 para sua produção. Ressalta-se que a tecnologia de conjugação com a CRM197 ainda não é dominada pelo Brasil. Através desse acordo pretende-se produzir, para o SUS, uma vacina que ainda não faz parte do calendário de vacinação, e que até então era utilizada por pequena parcela da população que a adquiria na rede privada. A Funed disponibilizará, por intermédio da SES/MG já em 2009, a vacina para as crianças menores de dois anos de idade em Minas Gerais. Nos próximos anos essa vacinação deverá estender-se a todo o país, uma vez que, no cenário nacional, a vacina meningocócica C é considerada, pelo Ministério da Saúde, como uma prioridade e sua introdução no calendário de vacinação está prevista a partir de 2011 (24). Ainda referente à produção de vacinas, está em fase de consolidação a parceria entre a Funed, a SES/MG, a UFMG e a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) para desenvolvimento e produção de um imunoterápico com demonstrada ação contra a leishmaniose tegumentar americana. Esse imunoterápico é fruto de anos de pesquisa de bancada de pesquisadores da UFMG e da UFOP. Diante da necessidade de pessoal qualificado e preparado para enfrentar o desafio de desenvolver a biotecnologia na instituição, a Funed está trabalhando em um projeto (ainda em estágio embrionário) de criação de um mestrado profissionalizante em biotecnologia. Esse projeto é mais uma parceria, envolvendo instituições da área de saúde humana, dentre elas Instituições de Ensino Superior (IES) e poderá vir a ser o primeiro mestrado profissionalizante em biotecnologia do estado. 7. ARQUITETURA PARA A INDUÇÃO DE BIOTECNOLOGIA NO ESTADO DE MINAS GERAIS E A INSTITUIÇÃO CHAVE Os aglomerados são uma forma importante de desenvolvimento econômico de uma região. Em se tratando de biotecnologia, os aglomerados têm grande relevância, uma vez que um dos seus fundamentos é a cooperação e essa é determinante para a biotecnologia, que tem a inovação como referência. Por sua vez, a inovação em biotecnologia é fundamentada em conhecimentos científicos e é facilitada pela proximidade entre instituições fontes de conhecimento e área produtiva. Mais que a proximidade geográfica, Judice (20) considera que o ponto crucial 24 Gestão, Ciência & Saúde são as interações, compartilhamentos, colaborações e alianças interorganizacionais entre os setores de pesquisa e desenvolvimento e industrial. No Brasil, desde a década de 80, quando da implantação de políticas para indução da biotecnologia, esperava-se também estabelecer uma capacidade inovadora na área, através da instauração das redes de inovação, as quais, passadas duas décadas daquelas reflexões, não se formaram de acordo com o previsto, retardando a geração de inovações no país (3). Para Azevedo et al. (3), não é tarefa simples identificar qual via é necessária para superar o distanciamento entre o setor produtivo e a ciência local, e ressalta que: “no caso da saúde, a possibilidade de formação das redes nos moldes concebidos nos países desenvolvidos é restrita, em função das características desse mercado, no qual predominam os interesses das empresas estrangeiras ligadas ao oligopólio farmacêutico internacional”. O autor considera a inovação em biotecnologia como um desafio, que somente será enfrentado se for incorporada à sua agenda de prioridades, o que significa, entre outras ações, buscar o arranjo institucional apropriado às peculiaridades locais, em vez de tentar reproduzir uma fórmula bem sucedida de outras experiências. É consenso que biotecnologia e inovação são conceitos inseparáveis. Mas o que seria necessário para se alcançar a inovação? Di Serio et al. (8) consideram que a atuação em aglomerados traz vantagens potenciais para as empresas participantes, tanto na percepção quanto na identificação de oportunidades de inovação. Segundo os autores, há uma estrutura comum para a inovação determinada pelos três fatores, o nível de sofisticação tecnológica da economia; os recursos humanos e financeiros voltados aos avanços tecnológicos e as políticas públicas que apoiam a atividade inovadora. Considera-se como fator crucial para o desenvolvimento da biotecnologia/inovação o fortalecimento das colaborações em rede. Pode-se dizer que o desenvolvimento e/ou fortalecimento de um aglomerado de biotecnologia contribuiria para o alcance desse objetivo. Em Minas Gerais, estudos demonstram ser a região metropolitana de Belo Horizonte um importante polo de biotecnologia do país, com atuação em saúde humana. No entanto, não se observa, nesse aglomerado, nenhuma instituição que se destaque. Segundo Silveira et al. (34), uma instituição que se destaque é aquela responsável por fazer a ponte permanente entre conhecimento científico e desenvolvimento tecnológico. Em uma rede, os diferentes agentes que dela participam podem ter objetivos, projetos e interesses heterogêneos e até contraditórios. Alguns querem adquirir notoriedade científica, outros aumentar sua participação no mercado, mas existe uma coordenação entre eles (ou pelo menos deveria existir) para a produção e difusão de novas tecnologias (34). Assim, a existência de uma forte instituição-chave é fundamental para o estabelecimento dessa coordenação. O PMDI – 2007-2023 – considera importante que seja dada ênfase às “empresas âncoras” situadas nas cadeias de valor de vários segmentos da economia, entre eles, o de biotecnologia (29). Diante de todo o exposto anteriormente e considerando os seguintes pontos: – importância dos aglomerados para o desenvolvimento de uma nação, região ou território; – a biotecnologia é considerada como área portadora de futuro do país; – a necessidade de criação de ambiente que favoreça a inovação em biotecnologia no Brasil, e que essa é dependente da colaboração entre os setores de pesquisa, desenvolvimento e produção; – os aglomerados são comumente observados na área de biotecnologia em países onde esse setor se mostra como referência mundial; – a região metropolitana de Belo Horizonte abriga importante aglomerado de biotecnologia nacional; – não se identifica, até o momento, nenhuma instituição-chave nesse aglomerado; – o papel das instituições públicas no desenvolvimento da biotecnologia no Brasil; – a necessidade dessa instituição-chave de articular as diferentes etapas da biotecnologia, a saber, pesquisa, desenvolvimento e produção. Este trabalho identifica e propõe a Funed como forte candidata a assumir o papel de instituição-chave no aglomerado de biotecnologia de Minas Gerais. Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 A Figura 5 representa esquematicamente esta proposição, mostrando a interação dos participantes do aglomerado entre si e com a Funed. Esse esquema especifica a interação de atores do aglomerado com áreas definidas da instituição. Propõe-se que a Funed seja a instituição, dentro do aglomerado de biotecnologia de Minas Gerais – especificamente da região metropolitana de Belo Horizonte – por agregar as condições mais adequadas para desempenhar o papel de instiuiçãochave, atuando como indutora desse aglomerado. No entanto, para que exerça com eficiência o papel de instituição-chave, há pontos de melhorias que precisam ser trabalhados, como a ampliação da abertura a colaborações e compartilhamentos, disseminação da cultura de propriedade intelectual, 25 implantação de uma planta de produção em escala piloto de produtos biotecnológicos e a dificuldade de acesso e aquisição de insumos e equipamentos. Segundo Porter (30), os aglomeradods facilitam o acesso a insumos e a pessoal especializado, às complementaridades, acesso a instituições e a bens públicos. No caso do aglomerado discutido neste trabalho, o acesso a pessoal qualificado é garantido pelas universidades que fazem parte desse aglomerado, que já possuem reconhecida experiência na capacitação de pessoal para a maioria das áreas de conhecimento necessárias à biotecnologia. Além disso, essas universidades já realizam parcerias com a Funed e outras instituições e empresas, que podem ser incentivadas para aumentar tanto o seu número quanto o fortalecimento dos vínculos. FIGURA 5 – A Funed como instituição-chave no aglomerado de biotecnologia do estado de Minas Gerais. NIT: Núcleo de Inovação Tecnológica e de Proteção ao Conhecimento; ICTs: Instituições e Centros Tecnológicos; Spin offs: novas empresas que surgem a partir de grupos de pesquisa público ou privado, normalmente com o objetivo de explorar um novo produto ou serviço de alta tecnologia. 26 Gestão, Ciência & Saúde No quesito complementariedade, a Funed apresenta-se como intuição capaz de proporcioná-la às várias empresas/instituições devido às suas características, know how (conhecimento adquirido) e estruturas já apresentados anteriormente. O acesso a instituições e a bens públicos também já foi discutido. Como apresentado na Figura 5, o governo e os fornecedores desempenham papel importante nos aglomerados. Segundo Porter (30), o papel do governo nos aglomerados é, em primeiro lugar, o de assegurar a estabilidade macroeconômica e política. O segundo é o de melhorar a capacidade microeconômica geral da economia, através do aumento da eficiência e da qualidade dos insumos básicos das empresas, esquematizado no “Diamante de Porter”; e fomentar as instituições que fornecem esses elementos. O terceiro papel do governo é a definição das regras microeconômicas gerais e a criação dos incentivos que regem a competição, de modo a encorajar o crescimento da produtividade. Além disso, possui ainda a atribuição de facilitar o desenvolvimento e o aprimoramento dos aglomerados. Quando o objetivo é desenvolver um aglomerado de alta intensidade tecnológica, a participação do governo torna-se crucial. No estado de Minas Gerais, apesar do reconhecimento da importância do aglomerado de biotecnologia, não se observam ações de forma sistematizadas, a exemplo dos casos de sucesso, como, por exemplo, o de Singapura. Dessa forma, sugere-se que o Estado exerça “Governança Política” no aglomerado de biotecnologia. Essa se daria de forma a integrar os vários atores do estado identificados como partes interessadas no negócio, como, por exemplo, as Secretarias de Ciência e Tecnologia, Secretaria de Desenvolvimento, Secretaria de Estado da Saúde, a Fapemig e outras. Essa governança deve ter como foco o desenvolvimento do aglomerado e como objetivos específicos: – fortalecer e reforçar os vínculos entre os vários participantes do aglomerado, tendo como referência a Funed como instituição-chave; – estabelecer um foco de atuação, de forma a favorecer a complementaridade do setor; – atrair novas empresas de biotecnologia; – atrair fornecedores de equipamentos e insumos; – favorecer a aproximação dos setores de pesquisa e produtivo; – incentivar e fomentar a inovação, principalmente através de editais de financiamento que favoreçam as parcerias entre os participantes do aglomerado. 8. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS A Funed é uma instituição orientada para saúde publica com atuação em biotecnologia, em pesquisa, em desenvolvimento e em produção. Possui potencial para exercer papel de destaque no cenário do aglomerado de biotecnologia de Minas Gerais, onde está inserida. No entanto, é necessário que medidas sejam tomadas para o seu fortalecimento como instituição indutora de biotecnologia, a ser considerada como instituição-chave nesse aglomerado. O presente estudo sugere as seguintes ações: – promover maior envolvimento das áreas de pesquisa e desenvolvimento e de produção com o projeto de tornar a Funed instituição-chave do aglomerado de biotecnologia. Para a efetivação de uma rede de cooperação é fundamental que haja abertura entre as partes para que realmente ocorra compartilhamento de conhecimento e esse culmine na tão desejada inovação; – incentivar as parcerias e redes de colaboração entre a Funed e universidades, ICTs, spin offs, indústrias e outros setores; – buscar, no governo estadual e/ou federal, recurso financeiro para instalação de uma planta de produção de produtos biotecnológicos, especificamente, medicamentos, na área produtiva da Funed; – avaliar e implementar medidas voltadas a trazer maior facilidade e economicidade ao processo de aquisição de insumos e equipamentos da Funed, através de qualificação de fornecedores, de estabelecimento de PPPs ou ainda de outra forma. É necessário que o estado de Minas Gerais exerça um papel mais pragmático, na forma de “Governança Política” para promover de forma efetiva o desenvolvimento do aglomerado de biotecnologia no estado. Essa governança deverá privilegiar, entre outras ações, a aproximação dos setores de pesquisa e produtivo, o favorecimento da Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 complementaridade do setor, o fortalecimento dos vínculos entre os participantes e a criação de ambiente propício à inovação. O estabelecimento de uma rede colaborativa eficiente, com relação de confiança entre os seus participantes, não é um processo fácil, muito menos rápido. Conforme Silveira et al. (34) bem pontuaram, aprendizagem interativa entre os diversos atores permite que a comunicação efetiva se estabeleça. Assim, a maior parte das relações entre os parceiros requer prazo relativamente longo para se estabelecer. Em geral, envolvem o desenvolvimento de códigos específicos de relacionamento e de relações de confiança. No entanto, é preciso começar, e a Funed tem dado passos nessa direção. Espera-se que novas ações sejam tomadas nesse sentido, visando à facilitação do estabelecimento e do fortalecimento dessa rede cooperativa que, sem dúvida, trará benefícios que ultrapassarão os muros da Funed e as montanhas de Minas Gerais. 27 28 Gestão, Ciência & Saúde REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. AHARONSON, B. S.; BAUM, J. A. C.; PLUNKET, A. Inventive and uninventive clusters: the case of canadian biotechnology. Research Policy, Forthcoming, 2008 Disponível em: <http:// ssrn.com/abstract=1122342>. 2. Arbix, G. Biotecnologia sem fronteiras. Novos Estudos, v. 78, p. 5-10, 2007. 3. AZEVEDO, N. et al. Pesquisa Científica e Inovação Tecnológica: a via brasileira da biotecnologia. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 45, p. 139-176, 2002. 4. Biotechnololy Industry Organization. Disponivel em:<www.bio.org/speeches/pubs/er/statistics.asp. Acesso em: 31 jan. 2009. 5. BRASIL. DECRETO nº 6.041, de 8 de fevereiro de 2007. Brasília, DF, 2007. 6. Buckel, P. 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A importância do trabalho está associada à identificação de como uma organização pública prioriza a gestão do conhecimento como estratégia para obtenção de vantagem competitiva, buscando a efetividade na prestação dos serviços à comunidade e à própria sustentabilidade, em um ambiente de negócios competitivo. Por intermédio do conceito de capital social, no referencial teórico, a pesquisa procura desvendar como o capital social interfere na criação, na apropriação e na troca de conhecimento, bem como qual a relação entre a criação de capital intelectual nas organizações e os processos de criação de valor. A metodologia empregada na pesquisa foi construída via entrevistas semiestruturadas e análise de documentos públicos da organização, possibilitando a compreensão do universo corporativo. A conclusão do trabalho de pesquisa aponta para os bons resultados em decorrência da estratégia adotada, em relação à gestão do conhecimento, mas salienta os conflitos na tomada de decisões gerenciais resultantes da capacidade de resposta da organização pública em um ambiente de elevada competitividade. The article portraits a work of research related to knowledge management, applied by a public health assistance organization over a period of six years. The work’s importance is associated to identifying how a public organization prioritizes knowledge management as a strategy for obtaining competitive advantage, aiming for effectiveness in providing services to the community and its own sustainability, in a competitive business environment. Through the concept of social capital, in the theoretical reference, the research seeks to unveil how the social capital intervenes on the creation, the appropriation and the knowledge exchange, as well as what is the relationship between the intellectual capital’s creation in the organizations and the value creation processes. The methodology employed on the research was built through semi-structured interviews and analysis of the organization’s public documents, making possible the comprehension of the corporate universe. The research work’s conclusion points to the good results coming from the adopted strategy, in regards to the knowledge management, but highlights the conflicts in managerial decision taking, resulting from the public organization’s response capacity in a high competitiveness environment. Palavras-chave: Informação, Conhecimento, Competência, Capital Social, Capital Intelectual, Vantagem Competitiva, Biotecnologia Keywords: Information, Knowledge, Competence, Social Capital, Intellectual Capital, Competitive Advantage, Biotechnology 32 Gestão, Ciência & Saúde 1. A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO As altas taxas de crescimento na economia mundial do pós-guerra foram sustentadas por um regime tecnológico baseado no uso intensivo de energia, liderado por grandes empresas hierarquizadas nos setores petroquímico, automobilístico, de armamentos e na produção em massa de bens de consumo. O regime tecnológico conhecido como a produção em massa fordista necessitou para sua constante expansão, de grandes investimentos em infraestrutura, quase que em sua totalidade realizados por intermédio do poder público, que também contribuiu para estimular a demanda de mercado e, em consequência, alimentar a produção, constituindo o ciclo virtuoso fordista. O regime tecnológico, o paradigma técnico-econômico da era fordista, como todas as trajetórias tecnológicas anteriores, mantinha uma definição em relação aos problemas relevantes a serem enfrentados, às opções tecnológicas a serem utilizadas que, via processos de aprendizagem, conduzem a inovações incrementais e radicais nos processos produtivos. Assim, um paradigma técnico-econômico é resultante de um processo evolutivo em que pessoas e organizações aprendem de forma cumulativa melhorando as capacidades tecnológicas, buscando desenvolver regras de como vivenciar ambientes em que o “[...] amanhã nunca se assemelha bastante com o ontem” (8). A teoria relativa aos processos de destruição criativa, schumpeteriana, indica que os períodos de elevado crescimento, ou de profundas recessões na economia mundial, estão associados à difusão de novos paradigmas técnico-econômicos, em que a estrutura socioinstitucional necessita se adaptar à difusão das novas tecnologias. O surgimento, a difusão de um novo paradigma, leva a um diferenciado agrupamento de insumos no universo produtivo, claramente percebido em menor estrutura de custo com disponibilidade de fornecimento por longos períodos, possibilitando um conjunto de inovações organizacionais e tecnológicas relacionadas. Os limites ao crescimento da produtividade no paradigma anterior justificam os riscos pertinentes à adoção das novas tecnologias em processos de adaptação, que reestruturam as organizações, realçam novos empreendedores, estabelecem um novo perfil de consumo de bens, serviços e comportamentos dos consumidores (10). As últimas décadas do século XX vivenciaram a transição do paradigma da era fordista para o paradigma da tecnologia da informação, no sentido de “ [...]tecnologias para agir sobre a informação, não apenas informação para agir sobre a tecnologia” (6). O paradigma da tecnologia da informação é baseado na flexibilidade com crescente complexidade de interação que sustenta elevada criatividade sob a lógica de redes que potencializam a utilização das tecnologias da informação em todos os setores produtivos, desde os avanços nas comunicações até o aprofundamento da revolução genética. A sociedade da informação se diferencia pelo fato de que, pela primeira vez na história, a mente humana é uma força direta de produção, não apenas um elemento decisivo no sistema produtivo (6). A produtividade e a posição competitiva das organizações dependem essencialmente da capacidade de geração, processamento e aplicação do conhecimento no universo produtivo. Os recursos que constituem serviços potenciais, as origens do caráter único da organização (25). Conhecimento aplicado ao conhecimento nas organizações pode ser traduzido pela habilidade na utilização de tecnologias, desenvolvimento de qualificações na produção, resultando em competências visando adaptação às oportunidades associadas à mudança. As raízes da vantagem competitiva se situam nas competências centrais das organizações, um processo de aprendizagem coletiva construído por intermédio da organização do trabalho, objetivando maior valor agregado (28). A vantagem competitiva não pode assim ser restrita a um efeito de informação assimétrica nos mercados, mas principalmente a adição de valor nos processos produtivos em decorrência de combinação e troca de conhecimentos de forma particular (29). Ativos intangíveis combinados de forma particular, recursos estratégicos heterogêneos, diferenciados, habilitam a definição de estratégias no intuito de maior efetividade do negócio. Como definido por Wernerfelt (31), são recursos da organização, fonte de vantagem competitiva, sendo sustentáveis se de difícil acesso por competidores no mercado. Barney (3) estabelece uma analogia entre a heterogeneidade e a imobilidade de recursos de uma organização, vinculando à reputação positiva uma fonte importante de vantagem competitiva. Associar a heterogeneidade à combinação de ativos intangíveis de Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 forma particular significa falar de aprendizagem nas organizações, no sentido em que agentes individuais se constituem como coletivos, compartilhando vários significados, que constituem a base do capital intelectual nessas organizações. 2. CAPITAL INTELECTUAL Nahapiet e Ghoshal (22) definiram capital intelectual como o conhecimento e a capacidade de conhecer de uma coletividade social, uma organização, uma comunidade intelectual. Os autores reconhecem que o capital intelectual de uma organização é resultante de formas socialmente incorporadas de conhecimentos, diferentes da simples reunião dos conhecimentos individuais de seus integrantes. Lam (21) analisa o conhecimento organizacional em duas dimensões: epistemológica e ontológica. Epistemológica, associada à distinção promovida por Polanyi (26) entre conhecimento tácito e explícito, o primeiro manifestado implicitamente e o segundo expressamente articulado. Ontológica, no sentido de ser de natureza individual ou coletiva, compartilhado entre os integrantes da organização. O conhecimento individual, de domínio específico, tem na autonomia sua característica específica, e o conhecimento coletivo se faz presente nas regras, nos procedimentos e nas normas compartilhadas. Spender (29) constrói uma tipologia semelhante à desenvolvida por Lam (21), envolvendo os diferentes tipos de conhecimento. O conhecimento consciente, explícito e individual, está presente em conceitos, estruturas armazenadas, que se movem com o indivíduo, o que desafia um crescente poder de persuasão por parte da gerência na solução de problemas de agência (conflitos em decorrência da retenção do conhecimento, impossibilitando o compartilhamento). O conhecimento automático, tácito e individual, se refere aos conhecimentos práticos e às qualificações inerentes ao indivíduo que exige da gerência das organizações, além de grande persuasão, maiores habilidades em direção à construção de ambientes que potencializem a criatividade. O conhecimento objetivo, explícito e social, se refere à utilização de conhecimento público disponibilizado, via comunidade científica ou obtido estrategicamente no mercado. O conhecimento coletivo, tácito e social, é produzido internamente nas organizações, sendo 33 caracterizado como o mais estratégico, já que está associado a processos de aprendizagem organizacional: quando compartilhado, contribui para o crescimento do conhecimento coletivo da organização. O conhecimento coletivo, produzido nas organizações, é distinto do absorvido no mercado, porque coordenação, comunicação e aprendizagem estão associadas mentalmente a uma identidade coletiva. A organização, compreendida como uma comunidade social, por intermédio das combinações de conhecimentos criados, evolui tanto pelas novas capacidades, quanto pelas oportunidades e influências do ambiente externo. A identidade compartilhada diminui os custos de comunicação, estabelece as regras de coordenação e influencia os processos de aprendizagem. A aprendizagem via identificação é mais eficaz do que via incentivos, pois, permite o desenvolvimento, a sustentação de rotinas e procedimentos organizacionais, que podem conduzir à inovação e melhoria contínua, via processos de experimentação, sob tentativa e erro por parte de equipes multidisciplinares em contato no cotidiano (19). A criação de capital intelectual nas organizações, mesmo que envolva uma combinação dos quatro tipos de conhecimentos estabelecidos na tipologia proposta por Spender (29), é uma resultante da ação humana, produto de interações ancoradas em crenças e compromissos. Como proposto por Berger e Luckmann (2), a interação entre as pessoas em um contexto histórico e social faz com que compartilhem informações, propiciando a construção do conhecimento social como realidade, influenciando, assim, no comportamento e nas atitudes dessas pessoas. De acordo com Nonaka e Takeuchi (24), a criação do conhecimento organizacional amplia o conhecimento criado pelos indivíduos contribuindo para a rede de conhecimentos da organização. Na concepção dos autores, a criação e a expansão do conhecimento se dão via interação social entre o conhecimento tácito e o explícito. A criação de valor por parte das organizações em decorrência de interações sociais realizadas por seres humanos, produzindo combinação e troca de conhecimentos, pressupõe a construção de relacionamentos, formação de redes sociais e relações confiáveis, que proporcionam sistemas de valores que motivam esforços conjuntos. O capital 34 Gestão, Ciência & Saúde social incorporado nas relações pessoais identifica o desenvolvimento dos indivíduos nas relações comunitárias, como as organizações produtivas (16). Nesse sentido, o capital social nas organizações é um fator determinante na troca, combinação de conhecimentos e criação de capital intelectual. 3. CAPITAL SOCIAL E CRIAÇÃO DE CAPITAL INTELECTUAL O termo capital social está diretamente associado à ideia de que as ações individuais ou aquelas promovidas por grupos de pessoas são mais exploradas quando indivíduos ou um conjunto de pessoas fazem parte de redes interpessoais. Fukuyama (11) afirma que uma das lições mais importantes que se aprende na vida econômica é que o bem-estar, bem como a capacidade para competir são condicionados a uma única e abrangente característica cultural: o nível de confiança. O capital social é um recurso produtivo, como capital físico e humano, e está situado no universo balizado pelas ações entre os atores. Bourdieu (4) define capital social como o agregado de recursos interligados a uma rede de relacionamentos institucionalizados de mútua aquiescência ou reconhecimento. Adler e Kwon (1) sintetizam os diversos conceitos, afirmando que o capital social é um recurso utilizado por atores individuais e coletivos, presente em relacionamentos sociais de alguma durabilidade. Os autores salientam que, sendo um recurso, pode-se investir no capital social com expectativa de futuro, no intuito de relações individuais e coletivas que possam resultar em informações e conhecimentos valiosos. Essas relações podem compensar carências de capital humano, pois o capital social se localiza nas relações e cresce na medida em que tais relações se tornam mais confiáveis. O aspecto complementar do capital social a outros recursos conduz à melhoria da eficiência do capital econômico, reduzindo os custos econômicos de transação. Nahapiet e Ghoshal (22) apresentam uma tipologia que relaciona as fontes de capital social com a combinação e troca de capital intelectual, o que propicia a criação de novo capital intelectual nas organizações (Figura 1), em um processo interativo que fortalece a influência mútua entre o capital social e o capital intelectual. Sinteticamente, os autores agrupam as fontes de capital social em três dimensões: dimensão estrutural – cognitiva e relacional. • Dimensão Estrutural – redes de relacionamentos. • Dimensão Cognitiva – códigos, narrativas compartilhadas. • Dimensão Relacional – confiança, normas, identificação. FIGURA 1 – Capital social/criação novo capital intelectual – Nahapiet, Ghoshal – (22) Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 Na perspectiva dos autores, devem ser satisfeitas quatro condições para troca e combinação de capital intelectual: acesso dos agentes à troca e combinação de capital intelectual manifestada nas condições de acesso a conhecimentos objetivos e coletivos; previsão de geração de valor, receptividade a aprendizagem ou geração de novo conhecimento; motivação para compartilhar informação, transferir conhecimento; capacidade para combinação, conhecimento prévio, capacidade de absorção. As três dimensões do capital social facilitam o desenvolvimento do capital intelectual. A dimensão estrutural, por intermédio das redes de relacionamentos, motiva os indivíduos a trocarem conhecimento via canais de informação. Granovetter (13) chama a atenção para o fato de as relações sociais serem mais importantes para a geração de confiança na vida econômica do que qualquer arranjo institucional. O autor salienta que os indivíduos racionais em transações econômicas valorizam o conhecimento das relações sociais visando confiabilidade, que pode motivar novas transações. É uma clara contraposição à visão utilitarista da economia clássica, em que as relações necessariamente devem ser conduzidas hierarquicamente, a governança hobbesiana, para impedir os inevitáveis litígios. A estrutura formal reflete o esqueleto nas corporações, mas as redes informais se constituem no sistema nervoso central, conduzindo os processos de pensamento coletivo. Sob essa ótica, Krackardt e Hanson (20) posicionam que os gerentes devem ajudar os empregados a desenvolver relacionamentos na estrutura informal, visando à construção de redes fortes com alta frequência de interação e redes débeis em frequência, no intuito de solucionar problemas e gerar novas ideias. Burt (1992) destaca a importância de múltiplas redes de relacionamentos fora das tradicionais, marcadas por alto grau de confiabilidade, no acesso ao conhecimento interdisciplinar, objetivando troca e transferência de conhecimento. As redes de relacionamentos individuais contribuem para o acesso dos agentes, para a previsão de geração de valor, para os processos de combinação e troca de conhecimento na tipologia proposta por Nahapiet e Ghoshal (22), como se vê na Figura1. Na dimensão cognitiva do capital social, é destacado o compartilhamento da linguagem e das narrativas para facilitarem a troca de informação 35 entre as pessoas. Linguagem compartilhada fortalece a capacidade para combinação de conhecimento (24). Novas interpretações resultantes de conversas frequentes, promovendo novas crenças sobre a estrutura social. Narrativas que se referem a uma realidade ou a mitos comuns, que acabam transcendendo a natureza individual, auxiliando a ação coletiva baseada em significados compartilhados (15). A dimensão cognitiva interfere diretamente no acesso das pessoas, na previsão de valor e na capacidade para troca e combinação de capital intelectual. A importância da dimensão relacional na troca e combinação de capital intelectual é devida, sobretudo, à confiança construída nos relacionamentos entre as pessoas, que interferem principalmente no acesso à troca de conhecimentos. Nas organizações é também importante a institucionalização que enfatiza a cooperação interna, a abertura, a diversidade e a tolerância. A identificação das pessoas com o coletivo e com a organização é um fator motivador tanto na percepção de agregação de valor, quanto na disposição para buscar o resultado coletivo via criação de conhecimento. O diálogo na organização não cria somente identidades individuais, mas, sobretudo identidades coletivas, via estórias, história, em que os indivíduos procuram se situar no interior e que geram energias emocionais que influenciam a ação (15). Em um cenário de grande competitividade, a criação de novo capital intelectual (Figura1) pode significar uma fonte de vantagem competitiva. Nahapiet e Ghoshal (22) asseveram que a evolução conjunta do capital social e do capital intelectual nas organizações se constitui na principal criação de vantagem competitiva. Em face das organizações se constituírem via estruturas de autoridade, a manutenção de relações duradouras possibilita interdependência e interações de proximidade, o que propicia oportunidades para compartilhamento de conhecimento tácito e a formação de conhecimentos coletivos. Troca, combinação de conhecimentos e criação de capital intelectual geram valor quando as organizações estão habilitadas a explorar os conhecimentos buscando inovações. A estrutura de conhecimentos preexistente é a base para os processos de aprendizagem que são cumulativos em relação 36 Gestão, Ciência & Saúde ao que já é conhecido. Cohen e Levinthal (7) definem a habilidade na exploração de conhecimentos como uma componente crítica das inovações. Os autores definem a capacidade de absorção de uma organização como as habilidades constituídas coletivamente e que permitem reconhecer o valor de uma nova informação, no intuito de assimilar e aplicar a fins comerciais. Apesar de depender das capacidades de absorção de seus integrantes, a capacidade de absorção de uma organização não é simplesmente a somatória das capacidades individuais dos integrantes. com o essencial na explicação das regularidades descobertas (9). Em consequência, o trabalho de pesquisa procurou analisar com intensidade uma estrutura social por intermédio de uma detalhada observação de uma unidade de análise (14). Como postulado por Kaplan e Norton (17), os resultados financeiros somente, mesmo que importantes, são inadequados na avaliação da trajetória das organizações em ambientes competitivos quanto às ações necessárias para criação de valor futuro. É necessário aprofundar nos percursos que conduzem à visão compartilhada, aos processos de alinhamento em relação aos objetivos estratégicos. Ao trabalharem com o Balanced Scorecard (BSC), os autores chamam a atenção para outras três perspectivas a serem monitoradas pelas organizações: processos internos, atendimento aos clientes, aprendizagem e crescimento. A Fundação Ezequiel Dias, Funed, utiliza indicadores na implantação da estratégia oriunda da gestão integrada a partir de 2003, indicadores que contemplam as diferentes perspectivas do BSC. 5. A FUNED Os aspectos organizacionais, a interface com o ambiente, as relações entre as diversas unidades, em síntese, a própria história da corporação são fatores importantes na geração dos processos de troca, combinação e criação de capital intelectual. O trabalho de pesquisa procura identificar esses relacionamentos na organização sob estudo para conhecer como se dá a troca, a combinação, a criação de capital intelectual e a constituição de vantagem competitiva. A produção de medicamentos foi iniciada na década de sessenta, no século passado, mas, a partir de 2003, a instituição amplia sua referência no Brasil nas ações voltadas à promoção de saúde pública. A Funed está vinculada à Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais e tem como parceiros o Ministério da Saúde, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde e a Comunidade Científica. 4. METODOLOGIA DE PESQUISA A estratégia de pesquisa realizada na Funed foi o estudo de caso, porque é um meio de organizar os dados mantendo o caráter unitário do objeto social em estudo (12). Sendo uma pesquisa qualitativa, a legitimidade das proposições não deve repousar no número de casos, mas no modo de lidar O método de pesquisa foi construído via entrevistas semiestruturadas com integrantes da organização, análise de documentos públicos e observação direta, privilegiando interações sociais informais para maior confiabilidade das evidências. A Funed foi inaugurada em três de agosto de 1907, com o objetivo de pesquisar, divulgar e ampliar as ações de saúde pública no estado de Minas Gerais, destacando a produção de soros, vacinas e a realização de exames laboratoriais. Naquele momento constituía-se como instituição científica, centro intelectual da vida acadêmica de Belo Horizonte, referenciado na microbiologia. Já naquela época, a biblioteca, local de estudo e discussões científicas, era um atrativo à parte. A preocupação com a pesquisa se alia à atividade médica sistemática desde a fundação da instituição. A instituição vivencia o primeiro grande desafio no combate as cobras e escorpiões que assolavam Minas Gerais no início do século passado (30). A Funed produz medicamentos analgésicos, cardiovasculares, anti-inflamatórios, antidiabéticos, antiparasitários, antibióticos, anti-hipertensivos, antirretrovirais, antialérgicos, ansiolíticos, antifúngicos, neurolépticos. A Fundação destina medicamentos a programas estratégicos conduzidos no país para o tratamento de tuberculose, hanseníase e DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis)/ AIDS. Produz soros antivenenosos, sendo responsável pela capacitação de recursos humanos Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 no universo do Sistema Único de Saúde. Atua na vigilância em saúde monitorando a qualidade dos alimentos e das águas para consumo. É referência nacional em diagnóstico para a Doença de Chagas e Leishmaniose Visceral, como também para uma série de enfermidades. No momento, realiza a capacitação de recursos humanos na coleta de amostras para diagnóstico da Influenza A. A Fundação tem tradição na promoção de fóruns, seminários, reunindo pesquisadores, representantes de instituições públicas e privadas, parceiros, que contribuem para o desenvolvimento de produtos de maior densidade tecnológica. Atualmente, o capital humano é constituído por 837 colaboradores, divididos em quatro diretorias, entre os quais cinco pós-doutores, 24 doutores, 50 mestres e 100 especialistas. Realiza periodicamente auditorias internas, baseadas na NBR ISO 9001, que fazem parte do Sistema de Gestão Integrada implantado na instituição. O sistema de gestão integrada foi implantado em 2003. A partir da gestão integrada, a instituição formulou políticas de recursos humanos associadas aos cargos e grau de escolaridade dos colaboradores, vinculadas aos resultados. Está sendo estruturado o núcleo de inteligência competitiva objetivando análises de mercado e verificação de oportunidades. Atualmente a Funed produz mais de 1 bilhão de unidades farmacêuticas por ano. A expertise em biotecnologia na produção de imunobiológicos credencia a Funed na produção de medicamentos via tecnologia de DNA recombinante. A instituição vivencia aprendizagem e desenvolve novas qualificações recombinando capacidades adquiridas com o correr do tempo, ou seja, o que tem sido feito apresenta a previsão do que pode ser feito no futuro. O conhecimento acumulado proporciona opções para expansão em mercados novos no futuro (18). 6. ANÁLISE DA PESQUISA “Ser um patrimônio da saúde pública no País, sendo referência na produção de medicamentos essenciais e imunobiológicos, na realização de pesquisas no campo da saúde pública, no monitoramento das ações da Vigilância Sanitária, Epidemiológica 37 e Ambiental”. A Visão de Futuro da Funed é uma narrativa que busca significados compartilhados, visando influenciar a ação de seus integrantes (15). A expressão da narrativa junto aos integrantes é acompanhada pela simbologia, pelos mitos, pela história da corporação centenária associada ao trabalho de destacados cientistas como Oswaldo Cruz, Ezequiel Dias, Octavio de Magalhães, Alfred Schaeffer e diversos especialistas em todas as épocas. A pesquisa em todas as unidades é o fator de maior realce da instituição desde a sua fundação, valor central da cultura organizacional. Diretamente relacionada à cultura, a identidade da instituição já estabelece o conjunto de qualificações, os meios de utilizar tais qualificações que geram caminhos característicos de fazer as coisas (23). Torna-se uma fonte de capital social, que auxilia, via motivação dos integrantes da instituição, a troca e combinação de conhecimento (Figura 1). No mapa estratégico da Fundação, tendo a visão de futuro no ápice, é importante destacar na dimensão aprendizagem e crescimento, as políticas de recursos humanos, o desenvolvimento gerencial e a gestão do conhecimento. Na dimensão de processos, o estabelecimento de parcerias, os processos de tecnologia e informação, em que estão contidos os objetivos estratégicos relacionados a investimento em áreas portadoras de futuro, desenvolvimento de produtos e serviços inovadores, transferência de tecnologia e alinhamento de processos de inovação aos processos organizacionais. Na dimensão clientes e mercados, a contribuição para o aumento da densidade tecnológica do estado e a contribuição para a melhoria da qualidade de vida da população. Os três processos selecionados de combinação e troca de conhecimento na pesquisa, oriundos da base biotecnológica e produção farmacoquímica, são analisados nas principais dimensões do mapa estratégico da instituição. 6.1. Produtos de base biotecnológica A crise na produção de soro antiofídico no país na década de oitenta abriu a possibilidade de uma completa reestruturação da Funed. A chegada de um renomado pesquisador, Dr. Carlos Ribeiro Diniz, para assumir a pesquisa da instituição significou a abertura da pesquisa em biotecnologia na saúde. Foram estruturadas várias bolsas de 38 Gestão, Ciência & Saúde pesquisa para formação, constituídas novas redes de relações externas, construídos programas de intercâmbio de pesquisadores com instituições nacionais, estrangeiras, múltiplas redes de relacionamentos sustentadas na confiabilidade (5). O incremento da pesquisa e a implantação do controle de qualidade produziram inovações impulsionando a produção de soros na instituição e propiciando a caracterização de venenos para a produção de imunobiológicos. O incremento do capital humano na Funed, a nova rede de relacionamentos e as narrativas compartilhadas, ampliados na fase de reestruturação, fizeram do capital social o fomento ao acesso dos agentes da Funed a novas informações, à previsão de geração de valor, à motivação e à ampliação das capacidades na combinação e troca de conhecimento, que criou capital intelectual para a instituição em bioquímica, imunologia, biologia molecular, principalmente via conhecimento automático e conhecimento coletivo (29). A ampliação do conhecimento organizacional, por intermédio da ampliação do conhecimento dos indivíduos e agregado à instituição, resultou na criação do serviço de biologia celular que, agregado à biologia molecular e ao know how do centro de pesquisa da Funed, formou a base de conhecimento para trabalhar com a biotecnologia. A partir de recursos próprios construídos na base de conhecimento em biotecnologia, fonte de vantagem competitiva (31), a Funed possui no mapa estratégico, na dimensão de processos, o objetivo estratégico de desenvolvimento de produtos inovadores. Em consequência, a instituição desenvolve, atualmente, a pesquisa de dois produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde no Brasil, de elevado valor agregado e adquiridos por alto custo no mercado: Interferon alfa, para utilização em portadores de hepatites B e C e a Eritropoetina, para tratamento de pacientes submetidos a hemodiálise. Atualmente, a Secretaria de Estado da Saúde gasta em torno de US$ 22 milhões/ano com os dois produtos no mercado. Com a internalização da produção pela Funed, estima-se uma economia da ordem de 40% no valor, ampliando em decorrência o número de pacientes atendidos. A pesquisa em torno desses dois produtos estratégicos envolve várias unidades da instituição: as áreas de desenvolvimento farmacotécnico, desen- volvimento biotecnológico, produção de imunobiológicos, biologia celular, engenharia, visando a geração de nova plataforma de alto valor agregado que irá conduzir a uma nova planta de produção para fornecimento dos medicamentos demandados pelo Ministério da Saúde. Pesquisadores de unidades diferenciadas que, na tipologia proposta por Nahapiet e Ghoshal (22), implicam as três dimensões do capital social auxiliando a troca e combinação de capital intelectual. Um contexto de desafio gerencial devido à necessidade de fomentar os relacionamentos formais e informais via seminários internos, encontros informais, buscando a construção de redes com alta frequência de interação (20). Buscando fomentar a troca de capital intelectual, a Funed estabeleceu parceria com um centro europeu, ligado a engenharia genética, para o intercâmbio de pesquisadores visando o desenvolvimento de produtos. Acordo em andamento, devido à capacidade de absorção da instituição, resultante de aprendizagem cumulativa que permite assimilar novas informações e aplicar a fins comerciais (7). 6.2. Kit Funed Ogawa Kudoh No Brasil, estima-se que cerca de 40 milhões de pessoas são infectadas pelo bacilo da tuberculose, com 5 mil óbitos anuais. O número de casos notificados não representa a realidade, pois parte considerável dos infectados não são registrados oficialmente. Vários fatores dificultam o trabalho do Ministério da Saúde: falta de padronização das técnicas bacteriológicas, alto custo do meio de cultura atualmente utilizado, dificuldade de implantar a cultura no processo de diagnóstico e a dificuldade do diagnóstico pela metodologia atual na maioria dos laboratórios. Em decorrência, a Funed propõe a metodologia Ogawa Kudoh em todo o território nacional com a idealização do kit de cultivo. No mapa estratégico da instituição, dimensão processos de tecnologia e inovação, a Funed identifica o kit como área portadora de futuro. O kit de cultivo apresenta embalagem compacta contendo penicilina, hidróxido de sódio, swab, acompanhados das informações técnicas e da ficha de notificação da doença. O kit é utilizado no exame laboratorial por meio do método Ogawa Kudoh, o que possibilita detectar os casos de tuberculose, monitorar a evolução Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 do tratamento e a cura, interrompendo a cadeia de transmissão da doença com maior rapidez, já que, via os procedimentos tradicionais consagrados em uso, os laboratórios menores não conseguem realizar os testes por exigirem maior complexidade. A expertise dos pesquisadores da Funed, sustentada na intersecção de conhecimentos proposta na tipologia definida por Spender (29) e construída nas relações envolvendo as unidades de epidemiologia, produção de meios de cultura e gestão da qualidade da instituição abriu a oportunidade para a troca e combinação de conhecimento via capacidade para combinação (Figura 1), o conhecimento prévio da situação da doença no País e os vetores causadores da expansão. O acesso dos agentes de pesquisa à informação e conhecimento compartilhados permitiu a perspectiva de geração de valor motivando a combinação e troca de conhecimento na geração de novo capital intelectual (Figura1). O kit produzido na Funed tem alcance em todo o território nacional, nas áreas mais distantes, nos centros de proliferação da doença, constituindo-se em fonte de vantagem competitiva, possibilitando a melhoria da qualidade de vida da população no país, um objetivo estratégico definido no mapa estratégico da instituição. A patente foi depositada no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual). 6.3. Produção farmacoquímica A produção farmacoquímica da instituição completa quatro décadas. O papel da Funed na política nacional de assistência farmacêutica é bem definido quanto ao estabelecimento de referência de preços para o mercado, o que exige a busca contínua de ampliação de produtos. Assim, justifica no mapa estratégico da Funed a existência do objetivo estratégico de ampliação da oferta de medicamentos. A fábrica produzia 22 itens de medicamentos de baixa densidade tecnológica, o que cobria oito grupos terapêuticos. A base de conhecimentos preexistente, aliada a um grande investimento na criação do setor de desenvolvimento de medicamentos, com a atração de novo capital humano, possibilitou a expansão para 48 itens de medicamentos com cobertura para 26 grupos farmacológicos, principalmente antirretrovirais (AIDS), antidiabéticos e imunossupressores (talidomida). No momento, a instituição desenvolve 11 novos produtos. 39 O objetivo estratégico de produção de medicamentos de maior densidade tecnológica, maior valor agregado, demanda da instituição o estabelecimento de parcerias com instituições científicas nacionais e internacionais. As parceiras em curso, fruto do conhecimento acumulado na produção de medicamentos, podem resultar na combinação e troca de conhecimento entre os pesquisadores em nove novos medicamentos na produção da Funed, novo capital intelectual gerando expansão de mercado (18). Por intermédio da expansão de mercado, a incorporação de novos produtos na produção da Instituição promove a regulação de preços de medicamentos no mercado, resultando em queda de preço de até 40% em alguns medicamentos adquiridos pelo governo estadual, como previsto na missão da Funed. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS A concepção das organizações baseada na visão de recursos diferenciados, procura identificar capacidades que, se exploradas, podem resultar em fonte de vantagem competitiva. Os recursos diferenciados possibilitam construir maior valor agregado nos processos produtivos, seja internamente ou via cadeias produtivas, nas quais as organizações estão inseridas. Na economia global, representada na intensificação da competição, a visão baseada em recursos diferenciados, estratégicos, corresponde a compreender as organizações como instituições portadoras de conhecimentos, que agregam pessoas com habilidades e qualificações diferenciadas, que exigem um esforço de coordenação gerencial que, mais do que integrar conhecimentos individuais específicos necessita potencializar a combinação e troca desses conhecimentos, no intuito de explorar o conhecimento coletivo, o capital intelectual das organizações. Uma visão em relação às organizações, em que estão envolvidas a geração, transferência e absorção de conhecimento, quanto ao modo de gestão pode ser traduzida por novos comportamentos em busca de coordenação e cooperação, que ultrapassem as bases de autoridade consagradas na estrutura formal. Assim, a intensificação dos processos de troca e conhecimento nas 40 Gestão, Ciência & Saúde organizações, que devem ser mediados via a gerência, ocorrem por intermédio da comunicação entre os indivíduos, pela formação de relacionamentos formais, mas, sobretudo pelas relações informais. O foco na redução dos custos de transação, proporcionado pela hierarquização das organizações em relação ao mercado, propugnado pela teoria econômica clássica, deve ser superado pelo valor agregado que as relações internas entre as pessoas podem gerar nos processos produtivos, em um contexto de troca diferenciado das relações de mercado. Uma concepção que pode ser construída também nas transações de mercado, envolvendo parcerias entre organizações, relações confiáveis que ultrapassam as fronteiras organizacionais, no conceito de embeddedness, o envolvimento em relações sociais que influenciam o comportamento econômico, ou o capital social como gerador de valor agregado. A história da instituição objeto da pesquisa demonstra, desde o nascimento, as relações pessoais e informais entre pesquisadores, que na ascensão da microbiologia buscavam construir políticas de saúde pública. A formação, a combinação e a troca de conhecimento, ocorriam essencialmente em um cenário de aglomeração de pesquisadores no Rio de Janeiro. As relações sociais construídas em Minas Gerais a partir da fundação da instituição, o desenvolvimento do capital humano no campo da medicina e saúde pública no estado, se constituíram na base de conhecimento da produção de soros por parte da instituição, vindo a ser um novo capital intelectual que estabeleceu a base para a sua entrada posterior no universo da biotecnologia e do cultivo celular. É no campo da biotecnologia que a Instituição avança hoje na combinação e troca de conhecimento, via parcerias e devido a manutenção da tradição de pesquisa, visando a produção de medicamentos de maior densidade tecnológica. Uma prática, bem definida em um trabalho seminal realizado por Polanyi (27): “[...] desde que uma arte não pode ser precisamente definida, só pode ser transmitida via a prática à qual incorpora. Aprender uma arte pelo exemplo da prática é se tornar um representante dela”. A Funed vive momentos de transição. Mesmo que os avanços no campo do gerenciamento interno, refletidos na concepção de gestão do conhecimento adotada pela alta administração, tenham propiciado o estabelecimento de metas nas unidades gerenciais básicas, tenham estabelecido a pactuação de resultados em referência à missão (o serviço de proteção e promoção da saúde), a estrutura institucional permanece sob o mesmo regime jurídico de sua constituição. Sob a ótica gerencial, o atual regime jurídico compromete a coordenação e a cooperação interna, externa, devido às diferenças existentes entre unidades tradicionais relacionadas à pesquisa e unidades típicas de produção, que exigem maior flexibilidade na gestão de recursos humanos, compras, logística, visando à redução de retrabalho e maior produtividade. Diferenças que exigem políticas gerenciais distintas no intuito da manutenção da sustentabilidade da Instituição. Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Adler, S. 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Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 43 Representações Sociais: instrumento de avaliação das políticas gerenciais na Vigilância Sanitária do Estado de Minas Gerais Social Representations: a tool for evaluation of management policies in the Sanitary Surveillance of Minas Gerais State Milton Cabral de Vasconcelos Neto1, Anna Edith Bellico da Costa2 1 Médico Veterinário, Especialista em Políticas Públicas de Saúde, Mestre em Ciência de Alimentos, Analista e Pesquisador de Saúde e Tecnologia do Serviço de Microbiologia de Produtos, Instituto Octávio Magalhães, Fundação Ezequiel Dias / Funed, [email protected]; 2.Psicóloga, Doutora em Psicologia Social, Mestre em Psicologia Teórico-Experimental, Avaliadora do Sistema Basis/SINAES/Inep/MEC RESUMO ABSTRACT As sociedades modernas têm como principal característica a diferenciação social. Neste contexto, o governo precisa rever a forma com que pretende suprir as necessidades dessa sociedade diversificada. Para isso, surge um novo cenário na administração pública tornando responsáveis as instituições públicas e os servidores. Em Minas Gerais, a proposta de reforma administrativa do estado, estabeleceu como instrumento de avaliação do desempenho institucional o acordo de resultados. Sendo assim, as compreensões dos conceitos e do contexto social, material e ideativo na qual os profissionais da instituição estão vivendo tornam-se imprescindíveis na elaboração do conhecimento social e subsequentemente na construção de uma realidade comum capaz de interferir no processo. Avaliar a aplicação da teoria das representações sociais como instrumento de aprimoramento das políticas setoriais, foi o objetivo do estudo. Este estudo foi aplicado no ambiente da administração pública, servidores da saúde e setor de vigilância sanitária e teve como cenário a Superintendência de Vigilância Sanitária do Estado de Minas Gerais, localizada em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Esta unidade foi escolhida por ser considerada o núcleo central e, portanto, mentor da política de saúde da vigilância sanitária. O questionário aplicado como instrumento de investigação foi do tipo Likert cujas afirmativas permitiam identificar as opiniões expressas acerca do acordo de resultados, da avaliação gerencial do desempenho e da sua compreensão e aplicabilidade, como instrumento de gestão. A utilização dos instrumentos aplicados a teoria das representações sociais demonstrou ser relevante e passível de serem aplicadas na instituição pública. Além disso, concluiu serem conflitantes as representações sociais dos servidores quanto à eficácia dos instrumentos gerenciais propagado pelo discurso oficial de gestão e a promoção do desenvolvimento e valorização do servidor, tornando-o difícil. The modern societies have as the primary characteristic social differentiation. In this context, the government needs to check the way they intend to supply the needs of this diverse society. That is the reason a new scenario in the public administration turns public institutions and servers responsible for. In Minas Gerais, the proposed administrative reform of the State established as a tool for evaluating the performance of the institutional agreement of results. Thus, understanding the concepts and the social, material and ideational context in which professionals of this institution are living, become indispensable in the development of social knowledge and subsequently the construction of a common reality able to interfere in the process. Evaluate the application of theory of social representations as an instrument of improving sectoral policies was the goal of the study. This study has been applied in the environment of public administration, health sector surveillance servers and had as a backdrop the Superintendent of Sanitary Surveillance of the State of Minas Gerais, in Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil. This unit was chosen to be considered the core central and thus mentor of the health policy of health surveillance. The research instrument was a Likert scale whose type statements are allowed to identify the views expressed on the agreement of results, managerial assessment of performance and their understanding and applicability, as a management tool. The use of the applied theory of social representations has proved to be relevant and capable of being applied in public institutions. In addition, it was concluded that social representations of the servers on the effectiveness of management tools disseminated by the official discourse of management and promoting the development and enhancement of the server are conflicting, making it difficult. Palavras chave: Representações Sociais, Saúde, Administração Pública Keywords: Social Representation, Health, Public Administration 44 Gestão, Ciência & Saúde 1. INTRODUÇÃO As sociedades modernas têm como principal característica a diferenciação social. Isto significa que seus membros não apenas possuem atributos diferenciados (idade, sexo, religião, estado civil, escolaridade, renda, setor de atuação profissional, etc), como também possuem ideias, valores, interesses e aspirações diferentes e desempenham papéis diferentes no decorrer da sua existência. Tudo isso faz com que a vida em sociedade seja complexa e frequentemente envolva em conflitos de opinião, de interesses e de valores (5). Nesse contexto, o governo precisa rever a forma com que ele deve suprir as necessidades desta sociedade diversificada. Para isso, surge um novo cenário na administração pública exigindo maior efetividade das instituições públicas e dos servidores. Desta forma, a avaliação de desempenho institucional e individual, constitui parte necessária da gestão moderna, ao lado do estabelecimento de metas, contratos e ajustes para controlar a prestação de serviços públicos. As tendências no campo da reforma do aparelho do Estado apontam para o uso da avaliação de desempenho como instrumento promotor do aperfeiçoamento da gestão governamental, do aumento da eficiência e da ampliação do controle social. (3) Em CARDOSO E SANTOS (3), entende-se como monitoramento ou medição de desempenho a forma pela qual um governo determina se está oferecendo produtos ou serviços de qualidade a um custo razoável, podendo ser esta avaliação institucional associada ou não à individual. A Constituição Federal de 1988 determinou para cada carreira mecanismos próprios e adequados de avaliação de desempenho e capacitação, de modo que houvesse uma retroalimentação permanente, colhendo-se insumos para o sistema de promoções e o constante aperfeiçoamento dos seus integrantes, a fim de instituir um efetivo sistema de mérito no serviço público (2). Em Minas Gerais, o acordo de resultado (AR) é o instrumento de avaliação de desempenho institucional que direciona o Governo para a busca de resultados por meio de ações conforme descrito na Lei 14.694 de 30 de julho de 2003. Ele constitui uma das mais importantes e desafiadoras iniciativas do Projeto Estruturador “Choque de Gestão”, no qual metas institucionais a serem cumpridas e resultados a serem alcançados são pactuados (7). Alguns fatores são fundamentais para a qualidade da gestão de qualquer instituição, entre eles: o comportamento da chefia, a inserção dos profissionais como peça integrante no processo, a transparência na condução dos procedimentos de avaliação e a definição clara da missão da instituição, do objetivo, das metas e a da sua capacidade de medir resultados. Sendo assim, a compreensão dos conceitos e do contexto social, material e ideativo na qual os profissionais da instituição estão vivendo torna-se imprescindível na elaboração do conhecimento social e subseqüentemente na construção de uma realidade comum capaz de interferir no processo. Uma realidade social, como entende a teoria das representações sociais (RP), é criada apenas quando um significado novo ou não familiar vem a ser incorporado aos universos consensuais. Nesse contexto, operam-se os processos pelos quais ele passa a ser familiar, perde a novidade e torna-se socialmente conhecido e real (4). As RP são modalidades de pensamento prático, orientadas para comunicação, a compreensão e o domínio do ambiente social, material e ideal. Enquanto tais, elas apresentam características específicas no plano da organização dos conteúdos, das operações mentais e da lógica. Dessa forma, as RP são fenômenos sociais que devem ser entendidos a partir do seu contexto de produção ou a partir das funções ideológicas a que servem e das formas de comunicação onde circulam (1,4,6,8). Uma vez que a representação social (RS) é a reprodução do que se pensa, e não apenas um produto do produtor independente, Goulart et.al (4) concluíram que se torna necessário conhecer a RS em sua dinâmica e variabilidade, o que significa um caminho para a definição de novos direitos e novas áreas de ação política. O presente trabalho tem como objetivos a avaliação da aplicabilidade da teoria das representações sociais no ambiente da Administração Pública, servidores da saúde e setor de vigilância sanitária, Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 como instrumentos de aprimoramento das políticas setoriais e a investigação das representação sociais dos servidores da vigilância sanitária acerca dos instrumentos gerenciais do estado de Minas Gerais. 2. METODOLOGIA Neste estudo considerou-se como cenário a Superintendência de Vigilância Sanitária do Estado de Minas Gerais, localizada em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Essa unidade foi escolhida por ser considerada o núcleo central e, portanto, mentor da política de saúde relacionados com a vigilância sanitária. A equipe da vigilância sanitária era composta por profissionais de diferentes níveis de estudo (pósgraduação, graduação, nível médio) e vínculos (efetivos e não efetivos). Estes responderam a um questionário autoaplicável, sem identificação nominal, cujas instruções continham informações que permitiram aos servidores darem o seu consentimento livre e esclarecido, aderindo ou não, conforme informação da pesquisa. O questionário utilizado como instrumento de investigação, especialmente elaborado para identificar as RS quanto ao aspecto específico das novas práticas de gestão preconizadas no “Choque de 45 Gestão”, foi do tipo Likert. Com base em uma escala, os entrevistados foram apresentados a afirmativas que foram avaliadas mediante o seu nível de concordância, discordância ou indiferença. As afirmativas foram estruturadas de maneira a permitir a avaliação da identificação do servidor com a proposta gerencial do governo como também da compreensão acerca do acordo de resultados, da avaliação gerencial do desempenho e da sua aplicabilidade como instrumento de gestão. Foi considerada como resposta a avaliação da percepção dos servidores frente às opções: Concordo totalmente; Concordo parcialmente; Não concordo e nem discordo; Discordo totalmente e Discordo parcialmente assinaladas em cada afirmativa. As opções foram agrupadas em Concordo, Discordo e Indiferente diminuindo a possibilidade de erros decorrentes do preenchimento errôneo. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO De um total de 61 servidores, aproximadamente 70% responderam ao questionário, ou seja, 42 servidores. Por ter sido voluntária a participação, o índice alcançado foi considerado satisfatório. A apuração das afirmativas descritivas que objetivavam avaliar a identificação do servidor com a política gerencial institucional e individual está representada na Figura 1. FIGURA 1 – Percepção dos servidores da Vigilância Sanitária acerca da proposta gerencial do governo estadual 46 Gestão, Ciência & Saúde Maior concordância entre os entrevistados (66%) foi observada para a afirmativa que considerava a avaliação de desempenho e o acordo de resultados como instrumentos gerenciais adequados ao aperfeiçoamento do estado. Em torno de 49 % dos entrevistados se identificaram com a proposta política gerencial e com a afirmativa descritiva de que a avaliação de desempenho individual é um instrumento gerencial apropriado para o desenvolvimento e valorização do servidor. Entretanto, mesmo considerando o alto percentual dos que se identificam com as propostas gerenciais do governo, 51% demonstraram ser indiferentes ou discordaram quanto a utilização da avaliação de desempenho individual como instrumento apropriado para o desenvolvimento e valorização do servidor. Observado o público avaliado, infere-se que a diferenciação do perfil profissional por vínculo (efetivo e não efetivo) possa ter possibilitado tal identificação. Na ocasião, os servidores não efetivos não estavam sujeitos ao processo de avaliação do desempenho individual que pendulava apenas sobre os servidores efetivados e cargos de chefia. Tal resultado encontra similaridade ao observar a frequência de servidores que demonstraram indiferença ou discordância com a identificação com a política gerencial. Dessa maneira, pode-se inferir que a política gerencial do governo apesar de entendida como promotora do desenvolvimento esta- dual pode não ser compreendida como instrumento de desenvolvimento e valorização do servidor. Das afirmativas descritivas acerca da compreensão da política gerencial do governo, considerando o acordo de resultado como um instrumento gerencial adequado à estruturação do estado ou como instrumento associado à punição está descrito na Figura 2. Conforme demonstrado na Figura 2, do total de indivíduos entrevistados, 62% conhecem e compreendem a política gerencial do governo, 43% acham que o planejamento e controle por meio de resultados promovem o desenvolvimento do estado e 24% associam o instrumento gerencial, acordo de resultados, como um instrumento de cobrança. Essas informações reforçam a identificação dos servidores com o acordo de resultado como instrumento estruturador e promotor da melhoria do desempenho estadual, mas não como instrumento de valorização do servidor conforme discutido na Figura 1. Apesar de não poder ser afirmado, mas suposto, acredita-se que a necessidade de planejamento para melhor estruturação da prática administrativa seja algo que permeia o interesse do servidor, pois planejar significaria reduzir gastos, otimizar trabalho, compartilhar esforços e ser compensado por isso. Estes conceitos estão inculcados na proposta administrativa governamental do acordo de resultado. FIGURA 2 – Percepção dos servidores da Vigilância Sanitária acerca do Acordo de Resultado Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 4. CONCLUSÃO Os dados sugerem que a utilização dos instrumentos aplicados à teoria das representações sociais é relevante e passível de serem aplicadas na instituição pública. Além disso, pode ser percebido por meio da aplicação deste instrumento que o processo de doutrinação da importância da elaboração, implantação, implementação e uso dos instrumentos gerenciais (acordo de resultado e avaliação de desempenho individual) foi conduzido de maneira a se repetir no discurso dos servidores. A análise dos dados da população investigada evidencia que o discurso pró acordo de resultados e sua importância foi inculcada e integra a representação social, diferentemente da referente à avaliação de desempenho individual. Conclui-se, entretanto, que há representações sociais conflitantes dos servidores quanto à eficácia dos instrumentos gerenciais propagados pelo discurso oficial de gestão o que pode dificultar a criação e a consolidação de uma “cultura de eficiência”, tal como preconizado no documento estruturante da reforma do estado. Sugere-se a continuidade dos estudos similares no âmbito da administração pública a fim de identificar os fatores condicionantes na elaboração do discurso do servidor, e de identificar as representações sociais indicativas do nível de compreensão das novas práticas de gestão pública e a dissonância quanto ao discurso oficial e a efetividade das mesmas. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem o apoio financeiro da FAPEMIG. 47 48 Gestão, Ciência & Saúde REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ARRUDA, A. Teoria das representações sociais e teorias de gênero. Cadernos de Pesquisa Fundação Carlos Chagas. Nov. 2002, n. 117. São Paulo: Editora Auditores Associados, p. 127-147, 2002. 2. 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Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 49 ENSAIO DE PROFICIÊNCIA EM HIV: UMA FERRAMENTA NA MELHORIA DA QUALIDADE DO DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DA REDE DE HIV DE MINAS GERAIS* HIV PROFICIENCY TEST: A TOOL IN IMPROVING THE QUALITY OF LABORATORY DIAGNOSIS OF HIV NETWORK OF MINAS GERAIS Aline Magalhães de Matos da Silveira1, Luciana Ramos de Almeida2, Rodrigo Souza Leite3, Adriane Zacarias Nunes4, Maria Helena Savino Corrêa5, Jovita Eugênia Gazzinelli Cruz Madeira6 1 Bióloga pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Mestre em Microbiologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, Analista Pesquisadora de Saúde e Tecnologia da Fundação Ezequiel Dias, [email protected]; 2 Bióloga pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Mestre em Microbiologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, Bolsista de Apoio Técnico Nível I da Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais, [email protected]; 3 Biólogo pela Universidade Federal de Minas Gerais, Mestrando em Ciência e Tecnologia das Radiações de Materiais e Minerais pelo CDTN – CNEN, Analista Pesquisador de Saúde e Tecnologia da Fundação Ezequiel Dias, [email protected]; 4 Bióloga pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Especialista em Saúde Pública, Especialista em Bioética, Mestranda em Ciências da Saúde pela Universidade Vale do Rio Verde (Unincor), Analista Pesquisadora de Saúde e Tecnologia da Fundação Ezequiel Dias, Biológa/Docente da Faculdade São Camilo; 5 Bióloga pelas Faculdades Metodistas Integradas Izabela Hendrix, Especialista em Biossegurança em Laboratórios pela Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro, Analista Pesquisadora de Saúde e Tecnologia da Fundação Ezequiel Dias, [email protected]; 6 Bióloga pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PhD pela University of London / Kings College London, Analista e Pesquisadora em Saúde e Tecnologia V da Fundação Ezequiel Dias, [email protected] RESUMO ABSTRACT É crescente a busca de novas ferramentas que auxiliem no controle de qualidade de produtos e serviços dos laboratórios. Dentre as alternativas de controle externo da qualidade, destaca-se o ensaio de proficiência, que determina o desempenho de um laboratório na realização de determinado ensaio, por comparação interlaboratorial. Atualmente no Brasil, existem apenas dois provedores cadastrados para oferecerem ensaios de proficiência em HIV. Os serviços disponíveis apresentam alto custo, o que muitas vezes inviabiliza a aquisição e a participação de laboratórios, principalmente os da rede pública. Considerando a importância do diagnóstico laboratorial da infecção pelo HIV e a necessidade de coordenar um programa de controle da qualidade analítica para este diagnóstico, estabelecido pela portaria MS/GM nº 59 de 2003, o Instituto Octávio Magalhães (LACEN-MG), representado pela Divisão de Planejamento e Gestão da Qualidade (DPGQ) e pelo Serviço de Análises em Produtos de Sangue (SAPS) organizaram um programa de avaliação externa da qualidade, oferecendo o ensaio de proficiência à Rede de Laboratórios para o Diagnóstico do HIV em Minas Gerais. Deste modo, este artigo relata a experiência alcançada por meio da implantação do Programa de Avaliação Externa da Qualidade pela oferta do Ensaio de Proficiência em HIV e as perspectivas da Fundação Ezequiel Dias como provedor de ensaios de proficiência. There is a growing search for new laboratory tools that assist in controlling the quality of its products and services. Among the alternatives to control external quality stands the test of proficiency, which determines the performance of a laboratory, for evaluation by interlaboratory comparison. Currently in Brazil, there are only 02 registered suppliers to provide proficiency testing for HIV. The products available have a high cost, which often frustrates the acquisition and the participation of laboratories, especially those of the public Institute. Considering the importance of laboratory diagnosis of HIV infection and the need to coordinate a program of analytical quality control for diagnosis, established by Decree nº. 59/GM/MS 2003, the Institute Octávio Magalhães (LACEN-MG), represented by the Division Planning and Quality Management (DPGQ) and the Service of Analysis for Blood Products (SAPS) organized a program of external quality assessment, providing a test of proficiency Network of Laboratories for the Diagnosis of HIV in Minas Gerais State. Therefore, this article reports the experience gained through the implementation of the Program for External Quality Assessment of the Proficiency Test in HIV and perspectives of FUNED as a provider of proficiency testing. Palavras-chave: Ensaio de proficiência, HIV, Comparação Interlaboratorial, Controle Externo da Qualidade Keywords: Proficiency Test, HIV, Interlaboratorial Comparison, External Quality Control * Parte da monografia apresentada por Maria Helena Savino Corrêa à Universidade Estadual de Montes Claros, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Especialista em gestão Institucional, em dezembro de 2009. 50 Gestão, Ciência & Saúde 1. INTRODUÇÃO É recomendada uma avaliação independente e regular do desempenho técnico de um laboratório como um importante meio de assegurar a validade de medições analíticas e como parte integrante de uma estratégia global de qualidade (3). O Ensaio de Proficiência (EP) é um sistema de avaliação dos resultados gerados em ensaios de comparações interlaboratoriais com o objetivo de avaliar a competência técnica dos laboratórios participantes desses ensaios (1). O EP é capaz de avaliar os processos de análise e garantir a confiabilidade dos resultados gerados. (3) Num contexto geral, um programa de proficiência é constituído de itens que simulam o material da rotina, com resultados desconhecidos pelos participantes. Os laboratórios recebem estes materiais e devem, em um prazo determinado, retornar os resultados obtidos ao provedor do programa. O provedor de posse dos resultados realiza comparações e análises estatísticas, repassando a cada laboratório sua avaliação, indicando pontos para melhorias, acertos e considerações pertinentes. Ensaios de proficiência estão adquirindo crescente importância, como ferramenta de garantia da qualidade, para laboratórios. O desempenho de laboratórios em EP também está sendo cada vez mais usado, particularmente por órgãos de acreditações, como uma medida da competência e qualidade dos laboratórios. Atualmente no Brasil há pouca oferta de ensaios de proficiência, pelo reduzido número de provedores, em especial para o marcador anti-HIV. Os serviços disponíveis apresentam alto custo e inviabilizam a aquisição e participação de laboratórios, principalmente os da rede pública. O Ministério da Saúde, por meio da Portaria MS/ GM nº 59, de 28 de janeiro de 2003 estabeleceu o Programa de Controle de Qualidade Analítica do Diagnóstico Laboratorial de Infecção pelo HIV (PCQA HIV), com o objetivo de implementar ações para a melhoria e garantia da qualidade do diagnóstico laboratorial. Tal portaria definiu como responsabilidade dos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (LACEN) a implantação, implementação e coordenação do PCQA HIV (4). O Ensaio de Proficiência em HIV fornece, às instituições participantes, um instrumento de controle externo que deve ser utilizado para fortalecer a confiabilidade dos testes diagnósticos, bem como auxiliar na identificação e correção de possíveis falhas existentes no processo. Permitindo, então, o contínuo aprimoramento no processo de trabalho dos participantes. Este artigo é um relato da implantação do ensaio de proficiência em HIV no Instituto Octávio Magalhães (IOM) da Fundação Ezequiel Dias (Funed), dos dados obtidos na realização da primeira rodada e das perspectivas como provedor de ensaio de proficiência. 2. METODOLOGIA 2.1. Organização do Ensaio de Proficiência em HIV O IOM por meio da Divisão de Planejamento e Gestão da Qualidade (DPGQ) é o provedor deste programa. O Serviço de Análises em Produtos de Sangue (SAPS) é o laboratório de referência, responsável pela confecção dos itens de ensaio e a determinação de seus valores designados. Um grupo consultivo, constituído por profissionais qualificados, realizou as análises críticas dos resultados enviados, contribuindo na confecção do relatório final de cada rodada. Este relatório foi enviado, posteriormente, aos laboratórios participantes. A confidencialidade sobre a identidade de cada participante foi assegurada por meio da criação de código único atribuído a cada participante, gerado aleatoriamente e mantido em arquivo confidencial. Inicialmente, a meta era incluir todos os laboratórios da Rede de HIV de Minas Gerais, totalizando 24 instituições. Entretanto, por critérios específicos neste primeiro momento, a participação ficou restrita apenas aos oito principais laboratórios de diagnóstico de HIV das Gerências Regionais de Saúde do Estado de Minas Gerais. A participação no programa foi gratuita e cada laboratório recebeu um conjunto detalhado de informações e assinou um termo para formalizar a sua adesão. Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 2.2. Painel sorológico O painel sorológico é constituído por um conjunto de soros humanos composto por amostras positivas e negativas. Sua confecção compreende uma série de procedimentos que vão desde a seleção da matéria-prima (bolsas de plasma de doadores de sangue) até a escolha dos itens de ensaio que irão constituí-lo. Cada laboratório participante recebeu um painel sorológico composto por quatro itens de ensaio para serem utilizados nos ensaios sorológicos da rotina laboratorial para o marcador anti-HIV. Estes itens de ensaio são similares àqueles da rotina laboratorial e, portanto, devem receber o mesmo tratamento, respeitando prazos estipulados e normas de biossegurança (1). Para a confecção dos itens ensaios, a Fundação HEMOMINAS forneceu as bolsas de plasma humano, provenientes de doadores de sangue com reatividade sorológica conhecida para o marcador anti-HIV. As unidades de plasma foram conservadas até a realização da etapa de recalcificação e clarificação. 2.2.1. Recalcificação e clarificação do plasma humano O método de recalcificação do plasma consiste no restabelecimento das características de limpidez e incoagulabilidade que o plasma possuía antes do fracionamento das bolsas de sangue total colhidas dos doadores de sangue (9). O plasma convertido em soro foi transferido para frascos de armazenamento, de onde foram retiradas alíquotas para a caracterização sorológica. Os frascos de soro foram mantidos congelados a temperaturas em torno de -20ºC. 2.2.2. Caracterização sorológica As alíquotas obtidas da recalcificação passaram por um processo de caracterização sorológica mínima exigida para o marcador anti-HIV (8). Foram utilizadas metodologias definidas pela Portaria MS/GM nº 59, de 28 de janeiro de 2003 (4) e diferentes conjuntos diagnósticos. Em todas as amostras foram realizados cinco testes distintos independente do resultado obtido ser positivo ou negativo. A caracterização sorológica permitiu a determinação do valor 51 designado, que se trata do valor atribuído a uma propriedade particular do item de ensaio (1). 2.2.3. Envase dos itens de ensaio Após o processamento e a caracterização sorológica, foi realizado o envase do soro em tubos criogênicos no volume de 1,5 mL. Cada tubo criogênico recebeu uma etiqueta contendo código unívoco de identificação do item de ensaio. Os itens de ensaio foram mantidos congelados a temperaturas em torno de -20ºC até o momento de montagem dos painéis sorológicos. 2.2.4. Montagem dos painéis sorológicos Foram selecionados aleatoriamente quatro itens de ensaio para composição de cada painel sorológico. Para determinar a quantidade de amostras positivas e negativas, foram gerados números aleatórios pela distribuição de Bernoulli para um número de variáveis igual a 4 e valor p igual 0,25. Ao número 0 (zero) atribui-se o valor negativo e ao o número 1 o valor positivo. Combinações que possuem apenas 0 ou 1 foram excluídas. Cada caixa, contendo os itens de ensaio, foi devidamente identificada com o código do painel sorológico correspondente e, posteriormente acondicionada em uma segunda embalagem, caixa para transporte de material biológico (Medical Box®) contendo gelo seco para o correto envio pelos Correios aos laboratórios participantes. A embalagem e o método de transporte atenderam a requisitos nacionais e internacionais (6). 2.2.5. Envio do painel sorológico aos participantes O envio dos painéis sorológicos da primeira rodada ocorreu no mês de março/2009. O cronograma geral disponibilizado pelo provedor previu a realização de mais três rodadas para o ano de 2009 com intervalo de três meses (8). 2.2.6. Estabilidade dos itens de ensaio Para demonstrar a estabilidade dos itens de ensaio, o SAPS manteve um painel sorológico nas mesmas condições recomendadas aos laboratórios participantes durante o período estipulado 52 Gestão, Ciência & Saúde para execução da rodada. A estabilidade pode ser comprovada por meio da concordância entre os resultados obtidos nos testes de estabilidade e na etapa de caracterização sorológica. 2.3. Análise dos resultados e avaliação do desempenho Cada laboratório participante recebeu formulários padronizados para registro dos resultados juntamente com as instruções para o preenchimento. Quando um exame não fazia parte da rotina do laboratório, o participante não deveria responder. Neste caso, o participante foi orientado a preencher como “Não realizado (NR)” o campo apropriado da folha de resposta. Após a realização dos ensaios, o participante encaminhou os resultados para o provedor. Resultados não relatados ou remetidos após o prazo estipulado não foram avaliados. Todas as informações foram mantidas sob sigilo. O grupo consultivo teve acesso aos resultados, porém desconhecia a identidade dos participantes. 3. RESULTADOS Na Tabela 1, são apresentados os resultados enviados pelos laboratórios participantes, referentes à primeira rodada do programa (Rodada 001) ocorrida em março de 2009. Estes se encontram ordenados pelos códigos dos participantes. TABELA 1 – Resultados apresentados pelos laboratórios participantes na Rodada 001 Código dos Participantes AC001 CX001 DK001 FT001 HF001 JM001 ON001 RI001 Código dos Itens de Ensaio Resultado da Confirmação Sorológica A Resultado da Confirmação Sorológica B Valor Designado (SAPS) Resultado da Triagem Sorológica A249 NEGATIVO Não Reativo - - A715 HIV-POSITIVO Reativo Reativo Reativo A875 NEGATIVO Não Reativo - - A993 NEGATIVO Não Reativo - - A126 NEGATIVO Não Reativo Não Reativo - A604 HIV-POSITIVO Reativo Reativo - A953 HIV-POSITIVO Reativo Reativo - A961 HIV-POSITIVO Reativo Reativo - A721 NEGATIVO Não Reativo - - A830 HIV-POSITIVO Reativo Reativo Positivo A849 NEGATIVO Não Reativo - - A922 NEGATIVO Não Reativo - - A141 NEGATIVO Não Reativo - - A170 HIV-POSITIVO Reativo Reativo - A578 NEGATIVO Não Reativo - - A596 NEGATIVO Não Reativo - - A323 HIV-POSITIVO Reativo Reativo Positivo A583 HIV-POSITIVO Reativo Reativo Positivo A662 NEGATIVO Não Reativo - - A683 NEGATIVO Não Reativo - - A080 HIV-POSITIVO Reativo Reativo - A415 NEGATIVO Não Reativo Não Reativo - A602 NEGATIVO Não Reativo Não Reativo - A737 HIV-POSITIVO Reativo Reativo - A118 HIV-POSITIVO Reativo - - A158 NEGATIVO Não Reativo - - A594 NEGATIVO Não Reativo - - A667 HIV-POSITIVO Reativo - - A147 NEGATIVO Não Reativo Não Reativo - A245 NEGATIVO Não Reativo Não Reativo - A878 HIV-POSITIVO Reativo Reativo - A921 HIV-POSITIVO Reativo Reativo - (-) Resultados não informados pelos laboratórios Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 A análise foi baseada na comparação individual com os respectivos valores designados atribuídos pelo laboratório de referência, classificando o resultado final como adequado e inadequado de acordo com a concordância obtida. A avaliação foi feita separadamente para cada ensaio. Com o objetivo de realizar a detecção de anticorpos anti-HIV para o diagnóstico laboratorial, foi exigido pela portaria o cumprimento rigoroso dos procedimentos sequenciados. Na etapa 1, triagem sorológica, foi realizado um imunoensaio capaz de detectar anticorpos anti-HIV-1 e anti-HIV-2. A etapa 2 do procedimento, confirmação sorológica, consistiu na realização de um segundo imunoensaio em paralelo ao teste de Imunofluorescência Indireta para o HIV-1 (IFI/HIV –1) ou teste imunoblot para HIV. Visando facilitar a interpretação dos resultados apresentados pelos participantes, foi adotado pelo programa a seguinte nomenclatura: Etapa 2A (Confirmação sorológica pelo segundo imunoensaio) e Etapa 2B (Confirmação sorológica por IFI/ HIV-1). A triagem sorológica (etapa 1) e a confirmação sorológica (etapa 2A) devem ser realizadas por princípios metodológicos e/ou antígenos distintos. Dois laboratórios não atenderam esse requisito. A etapa de confirmação sorológica (etapa 2A) deve ser realizada em paralelo à reação de Imunofluorescência Indireta ou Imunoblot para HIV. Somente três laboratórios participantes cumpriram essa etapa. O critério adotado para a avaliação do desempenho de cada participante na rodada é o seu percentual de 53 acertos. Para o marcador anti-HIV foi considerado satisfatório o laboratório que apresentar 100% de acertos nos resultados dos ensaios e, insatisfatório para acertos inferiores a 100%. A avaliação de desempenho requer igualdade de condições para todos os participantes, sendo assim, nesta rodada tomou-se como base apenas os resultados apresentados para a etapa da triagem sorológica (Etapa-1). Pode-se concluir que 100% dos laboratórios participantes obtiveram desempenho satisfatório (Figura 1). Com base nos resultados apresentados e nas análises realizadas, foi elaborado um relatório da Rodada 001 que, posteriormente, foi encaminhado a todos os laboratórios participantes. Esse relatório teve como objetivo auxiliar o participante na avaliação de seu desempenho e compará-lo com os resultados de todos os participantes. Constam também no relatório recomendações baseadas na ABNT ISO/IEC 17025, para o aperfeiçoamento dos procedimentos laboratoriais e a forma de apresentação dos resultados (2). Os laboratórios devem atentar para as recomendações fornecidas pelo provedor, lendo e seguindo todas as instruções contidas na documentação enviada juntamente com o painel sorológico. 4. DISCUSSÃO O ensaio de proficiência oferecido pela Funed teve caráter educativo, confidencial e não punitivo, pois sua finalidade foi possibilitar aos laboratórios participantes uma análise crítica do desempenho destes laboratórios. FIGURA 1 – Avaliação de desempenho dos laboratórios participantes da Etapa 1 – Triagem Sorológica 54 Gestão, Ciência & Saúde A primeira rodada do ensaio de proficiência em HIV foi organizada em conformidade com a ABNT ISO Guia 43, que estabelece os requisitos necessários a um provedor de ensaios de proficiência (1). O protocolo de ensaio enviado aos laboratórios participantes foi dividido em triagem sorológica, confirmação sorológica e diagnóstico laboratorial. O laboratório que cumprisse todas as etapas dos resultados adequados teria seu desempenho considerado satisfatório. No entanto, ao analisar os resultados enviados pelos laboratórios, o provedor verificou que a estratégia planejada demonstravase inadequada, pois nem todos os participantes realizavam todas as etapas definidas no protocolo. Deste modo, a equipe envolvida no ensaio de proficiência em HIV optou por avaliar os participantes em cada uma das etapas individualmente. Na etapa 1, Triagem sorológica, todos os participantes tiveram desempenho satisfatório (100% de acerto). A etapa 2 foi subdividida em 2A, Confirmação sorológica por ensaio imunoenzimático (ELISA), apenas um dos oito participantes não realizou o teste. Já na etapa 2B, Confirmação sorológica por IFI/HIV-1, apenas três dos oito participantes cumpriu essa etapa. Finalmente, na etapa 3, Diagnóstico laboratorial, quatro laboratório demonstraram capacidade para a conclusão do diagnóstico (dado não apresentado). Após a análise dos resultados, o provedor realizou uma consulta aos laboratórios participantes com o objetivo de identificar as causas para a não realização de todos os testes pela maior parte dos participantes, os motivos relatados foram: falta de kit para diagnóstico, falta de recursos para manutenção de equipamentos e de pessoal treinado com a qualificação necessária para substituição em caso de férias e licenças do trabalho. Como um dos princípios de qualquer ensaio de proficiência é a garantia das condições de igualdade a todos os participantes, para a comparação dos resultados, foi considerada apenas a etapa triagem sorológica. Deste modo todos os laboratórios participantes apresentaram desempenho satisfatório, ou seja, 100% de acerto. Após a análise crítica dos resultados da primeira rodada, o protocolo para a segunda rodada foi alterado. Foram mantidas as etapas 1 e 2, porém o participante foi orientado a enviar o resultado apenas da etapa que é realizada na rotina do laboratório. A avaliação de desempenho foi focada na capacidade de realização do ensaio e não na observação dos requisitos da portaria de MS/GM nº 59 de 2003. 5. CONCLUSÃO Tendo em vista a relevância do diagnóstico laboratorial do HIV para a sobrevida de indivíduos com infecção pelo vírus HIV e os riscos a que um erro de diagnóstico expõe o indivíduo, o Ministério da Saúde publicou a Portaria n° 59, de 31 de janeiro de 2003. Tal portaria define a necessidade de se implantar um programa de controle da qualidade analítica do diagnóstico laboratorial da infecção pelo HIV, tal atribuição foi dada aos Laboratórios Centrais de Saúde Pública. A Funed optou pelo ensaio de proficiência como ferramenta relevante para tal controle e definiu por implantar um provedor de ensaios de proficiência. Medidas descritas em um projeto piloto foram tomadas e os resultados obtidos no ensaio de proficiência capacitam a Funed a oferecer ensaios de proficiência não só para a rede de laboratórios públicos de Minas Gerais, mas para a rede de laboratórios públicos e privados do país. Por ser gratuito, o ensaio de proficiência implantado pela Funed proporcionou à rede de laboratórios públicos de Minas Gerais para o diagnóstico de HIV, que até então não dispunham de recursos para a contratação ensaios de proficiência oferecidos por empresas privadas, uma ferramenta fundamental para a garantia da qualidade dos seus resultados. Tal medida reflete o compromisso da Funed com a sua missão de “ Participar da construção do Sistema Único de Saúde, protegendo e provendo a saúde”, pois a oferta de ensaios de proficiência para os laboratórios contribuirá sobremaneira com a qualidade do diagnóstico laboratorial do HIV em Minas Gerais. 6. PERSPECTIVAS A Fundação Ezequiel Dias propiciará a oferta de mais três novos ensaios de proficiência para outros marcadores sorológicos, como Hepatite B, Sífilis e Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 Leishmaniose, o que contribuirá para uma avaliação mais extensa e completa dos laboratórios da rede pública do país. AGRADECIMENTOS Agradecemos à equipe técnica da Assessoria de Comunicação Social da Funed pela consultoria, Fundação Hemominas pelo fornecimento de matéria prima e a Fapemig pelo apoio financeiro. 55 56 Gestão, Ciência & Saúde REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR ISO/IEC GUIA 43. Ensaios de proficiência por comparações interlaboratoriais. Rio de Janeiro, RJ: 1999. 17p. 2. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TECNICAS. ABNT NBR ISO/IEC 17025. Requisitos gerais para a competência de laboratórios de ensaio e calibração. Rio de Janeiro, RJ: 2001. 20 p. 3. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Viigilânica Sanitária. Séries Temáticas da ANVISA Habilitação. Seleção, uso e interpretação de programas de ensaio de proficiência (EP) por laboratórios. Brasília, v.2: 46 p. 2006. 4. BRASIL. Portaria GM/MS n. 59, de 28 de janeiro de 2003. Especifica a sub-rede de laboratórios do Programa Nacional de DST e AIDS e estabelece o novo algoritmo para o diagnóstico sorológico da infecção pelo HIV. DOU, Brasília, 30 de jan. 2003. 5. CARTER, J.Y, LEMA OE, ADHIAMBO CG, MATERU SF. Developing external quality assessment programmes for primary health: care level in resource limited countries. Accreditation and quality assurance.v. 7: p.345-350 2002. 6. ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD / CDS. Guia sobre la regla mentación relativa al transporte de sustancias infecciosas 20072008.14 ed. 31 p. 2007. 7. PEDDECORD KM, CADA RL. Clinical laboratory proficiency test performance. American Society of Clinical Pathologist. 1980; 73 (3): 380-385. 8. REBLAS. Critérios para a habilitação de provedores de ensaios de proficiência segundo os princípios da ABNT ISO / IEC guia 43: 1999. PROC / GGLS n. 02 / 43. 2002. 9. SILVA, C.R.C. Implementação de um Programa de Avaliação Externa da Qualidade em Sorologia para Leishmaniose visceral Canina. Dissertação (Mestrado Profissional em Tecnologia de Imunobiológicos) – Instituto Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro. 2007. Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 57 IMPORtÂNCIA dA implantação da qualidade EM LABORATÓRIOS DE SAÚDE PÚBLICA: experiência DO Laboratório de Microbiologia de Alimentos, Fundação Ezequiel Dias IMPORTANCE OF THE IMPLANTATION OF THE QUALITY IN LABORATORIES OF PUBLIC HEALTH: EXPERIENCE OF THE LABORATORY OF FOOD MICROBIOLOGY, Fundação Ezequiel Dias Milton Cabral de Vasconcelos Neto1, Carolina Araújo Vieira2, Gracielle Alves Carlos3 1 Médico Veterinário, Mestre em Ciência de Alimentos, Especialista em Gestão de Políticas de Saúde, Analista e Pesquisador de Saúde e Tecnologia, Instituto Octávio Magalhães, Fundação Ezequiel Dias / Funed, [email protected]; 2 Bióloga, Mestre em Microbiologia, Analista e Pesquisador de Saúde e Tecnologia, Instituto Octávio Magalhães, Funed; 3 Graduanda em Farmácia, Técnica em Saúde e Tecnologia, Instituto Octávio Magalhães, Funed RESUMO ABSTRACT O Sistema de Gestão da Qualidade é o conjunto de elementos inter-relacionados para dirigir e controlar uma organização, sendo uma ferramenta inerente aos laboratórios que almejam a implantação da qualidade. Este sistema possui como estrutura básica de trabalho a avaliação dos procedimentos, registros e a necessidade de gerenciar todos os pontos que possam de alguma maneira afetar os resultados laboratoriais. Nesse sentido, o presente trabalho objetivou contextualizar a evolução analítica do Laboratório Central de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais e o processo de implantação e implementação da qualidade no Laboratório de Microbiologia de Alimentos da Fundação Ezequiel Dias, por meio da verificação de algumas práticas de rotina. Foi realizado um estudo retrospectivo, utilizando-se a análise descritiva como base para avaliação e análise dos registros de temperatura de equipamentos como estufas, geladeiras e banhomaria, registros de controle ambiental e de cabines de segurança biológica, dos anos de 2007 e 2008. Os laboratórios públicos de saúde têm demonstrado inserção nas políticas de saúde e a preocupação em prover resultados confiáveis aos órgãos gestores. Percebe-se nitidamente a preocupação dos laboratórios na busca de conceitos e procedimentos que venham a garantir a implantação da qualidade laboratorial em consonância com as normatizações vigentes. Portanto, faz-se necessário a incorporação da gestão dos dados gerados como critério de constante avaliação da implantação da qualidade. The Quality Management System is a tool attached to the laboratories that target the deployment of quality. This system has as a basic structure of the evaluation of work procedures, records, the need to manage all subjects that may in any way affect the quality. These paper aims are to describe the analitycal evolution and the process of deployment and implementation of quality in the Food Microbiology Laboratory, in the Fundação Ezequiel Dias through the verification of some routine practices. The retrospective study was conduced and a descriptive analysis methods was used, based on review and analysis of records of temperature, environmental control and cabin of biological security of the years 2007 and 2008. The public health laboratories, inserted in the Food Microbiology Laboratory, have demonstrated that its work has been integrated with the health policies as the concern to provide reliable results to management health organization. It is perceived clearly that the development of laboratories in search of concepts and procedures that will ensure the implementation of laboratory quality is being necessary to incorporate the routine to manage the dates generated as a criterion for evaluating the deployment of quality in the laboratories. Palavras-chave: Qualidade, Laboratório, Microbiologia Keywords: Quality, Laboratory, Microbiology 58 Gestão, Ciência & Saúde 1. Introdução Os laboratórios do sistema de saúde pública têm como função básica promover atividades voltadas para o controle epidemiológico, sanitário e ambiental de uma população. No cumprimento de uma de suas funções, o laboratório de saúde pública atende à demanda analítica de produtos afetos à vigilância sanitária (1). O Laboratório de Microbiologia de Alimentos (LMA) é uma unidade do Serviço de Microbiologia de Produtos que pertence à Divisão de Vigilância Sanitária do Instituto Octávio Magalhães da Fundação Ezequiel Dias, Minas Gerais. Para cumprir o objetivo de fornecer procedimentos analíticos complementares às ações de Vigilância Sanitária (Visa) o LMA utiliza, além do conhecimento especializado, processos e técnicas laboratoriais que incluem o uso de equipamentos, kits diagnósticos e meios de cultura. A análise laboratorial tem contribuído com as ações de Visa por meio da produção de resultados capazes de permitir o monitoramento da eficiência dos processos de elaboração dos produtos, da estimativa de incidência/prevalência de agentes infecciosos, da identificação de perigos e da previsão da ocorrência de surtos. Tal percepção encontrase amparada pelos documentos elaborados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), onde pode ser percebida a incorporação dos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacen) e, por conseguinte, das análises laboratoriais no processo de fortalecimento da saúde no país (3,4,5). Visto as variadas formas com que os centros de análise de referência podem atuar, um sólido conhecimento das potencialidades, das eventuais limitações das análises laboratoriais, dos fatores condicionantes para a execução de dados confiáveis e dos procedimentos analíticos pode permitir a otimização de testes, redução de custos, tempo e racionalização do processo de trabalho, evitando, assim, complicações com excesso de dados. Publicada no Brasil pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a norma NBR/ISO/IEC 17025:2005 estabelece os critérios para as organizações que desejam demonstrar sua competência técnica, que possuam um sistema efetivo de qualidade e são capazes de produzir resultados tecnicamente válidos e confiáveis. Contudo, a utilização desta norma não impossibilita a adoção de outras normas gerenciais (8). No Brasil, coordenada pela Anvisa, a Rede Brasileira de Laboratórios de Saúde Pública, Reblas, possui como principal objetivo a formação de uma rede para a prestação de serviços laboratoriais relativos às análises prévias, de controle fiscal e de orientação de produtos sujeitos ao regime da Vigilância Sanitária. Em consonância com esse movimento, a Fundação Ezequiel Dias (Funed) tem desenvolvido atividades, desde o ano de 2003, visando à implantação de um sistema de gestão da qualidade nas suas unidades laboratoriais garantindo, assim, o resultado analítico. Entretanto os laboratórios, de acordo com o Relatório Anual de 2003 da Anvisa, têm encontrado dificuldades para efetuar mudanças necessárias para que uma rotina operacional já estabelecida atenda aos requisitos da norma (3). Qualquer sistema da qualidade demanda dos envolvidos a elaboração de uma política da qualidade, a definição de objetivos, a criação de indicadores de avaliação e o conhecimento dos vários interferentes do processo de trabalho, bem como a análise crítica dos dados para propor melhorias e garantir a manutenção e continuidade do sistema. Para tanto, surgem procedimentos imprescindíveis à elaboração e condução de processos com qualidade como padronização, revisão dos processos, verificação, ações preventivas e corretivas. Os serviços de microbiologia têm a particularidade de executar procedimentos analíticos capazes de identificar, isolar e quantificar microrganismos existentes nas amostras pesquisadas devendo, portanto, garantir condições adequadas que viabilizem o desenvolvimento de bactérias existentes nas amostras sem, no entanto, contaminá-las. Desta maneira, tanto a qualidade dos serviços quanto à confiabilidade técnica tornam-se importante, pois demonstra a competência destes como entes confiáveis. O presente trabalho teve como objetivo contextualizar o processo de evolução analítica do Laboratório de Microbiologia de Alimentos e dissertar sobre Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 a utilização de práticas simples na implementação da qualidade no LMA. Em cumprimento ao primeiro objetivo, foram analisados os registros históricos produzidos pela Anvisa. A fim de trazer à tona a importância da avaliação dos registros e a aplicabilidade dos mesmos na implementação da qualidade foram analisados os registros de temperatura, controle ambiental e de cabine de segurança biológica dos anos de 2007 e 2008, pois foram considerados como pontos críticos nos procedimentos executados. Os registros obtidos foram comparados por meio de análise descritiva. 2. Discussão De acordo com o relatório anual de 2004 (1), houve um aumento de 60% do total de amostras analisadas quando comparado os anos de 2002 (112 133) e de 2003 (186 115). Esses números refletiram um crescimento no desempenho dos Lacen, já que alguns desses iniciaram suas atividades em 2003. Na Funed houve um aumento de 119,57% no número de amostras analisadas no ano de 2003 quando comparado ao ano de 2002. A contribuição analítica da Funed no cenário nacional entre os anos de 2002 e 2003 foi de 3,21% e 4,24 % do total de amostras analisadas, respectivamente. Ao comparar os anos de 2002 e 2004 o aumento foi ainda maior (257%) e entre os anos de 2003 e 2004 (62,7%). A contribuição da Funed no ano de 2004 ao total de amostras analisadas no país foi de 8,62%. O aumento do número de amostras analisadas foi acompanhado também pelo aumento no número de parâmetros avaliados por amostra (3,4). De acordo com o quantitativo dos tipos de ensaios oferecidos por cada Laboratório de Saúde Pública informado em 2005 pela Anvisa (5), a Funed apresentou um quantitativo menor apenas ao do Estado de São Paulo (Instituto Adolfo Lutz), ou seja, um total de 290 tipos de ensaios foram oferecidos. Todos os ensaios realizados, contudo, foram voltados para atender aos órgãos gestores do risco à saúde (Visa). Em relação às principais categorias de produtos analisadas em 2003 pelos diversos Laboratórios, observou-se que o quantitativo de amostras de águas para abastecimento/consumo (52%) e de alimentos (33%) das amostras analisadas, foi o inverso do observado no ano de 2002. Essa tendência foi também 59 percebida no ano de 2004. Dos 290 parâmetros realizados em Minas Gerais, 210 corresponderam à água para consumo e alimentos (4,5). Em 2004, para as 12 855 amostras analisadas pela Funed, foram realizados 101 955 ensaios. Desses ensaios 9 822 (9,6%) foram realizados pelo Serviço de Microbiologia de Produtos sendo 4 335 produzidos pelo Laboratório de Microbiologia de Alimentos. Essas informações contextualizam a situação do LMA demonstrando a maturidade analítica do Serviço de Microbiologia de Produtos e da Funed, gerando como desafio a implantação da qualidade frente ao escopo de parâmetros realizados. Durante o início do processo de habilitação de ensaios promovido pela Reblas, em 2005, o LMA solicitou e obteve a habilitação dos dois ensaios em 2006. Na ocasião eram realizados por esse serviço 6 ensaios. Em 2008, a Reblas habilitou mais 3 procedimentos. Durante esse processo foram avaliadas, à luz da norma vigente, a confiabilidade dos dados analíticos, a compreensão e execução de procedimentos padronizados, o registro e a avaliação dos fatores de interferência. Em atendimento à NBR ISO/IEC 17025, o LMA elaborou procedimentos que permitissem a implantação da qualidade. Esse processo permitiu aos analistas: identificar os fatores que afetam o resultado possibilitando a repetição do ensaio nas condições mais próximas da original; monitorar, controlar e registrar as condições ambientais; determinar o nível de controle necessário, baseado em circunstâncias particulares; tomar medidas para garantir uma boa limpeza e arrumação no Laboratório; registrar os dados de forma que as tendências fossem detectáveis e realizar análise crítica dos resultados. 2.1. Monitoramento ambiental A NBR ISO/IEC 17025:2005 (6) normatiza que o laboratório deve assegurar que as condições ambientais não invalidem os resultados ou afetem adversamente a qualidade requerida de qualquer medição. O laboratório dessa forma deve monitorar, controlar e registrar as condições ambientais quando elas influenciarem a qualidade dos resultados, 60 Gestão, Ciência & Saúde como também adotar de medidas que assegurem uma boa limpeza e arrumação. De forma muito similar, a Reblas sugere a adoção de um programa de monitoração ambiental apropriado como também a análise dos dados a fim de permitir a determinação de tendências nos níveis de contaminação (2). Desta maneira, em 2007, foi definida a metodologia de exposição semanal de placas, para contagem microbiana, utilizando de vários pontos do laboratório durante 4 semanas. Inicialmente nenhum procedimento de limpeza foi realizado, além do rotineiro. Foram determinados pontos de exposição considerando: rotina de trabalho, fluxo dos analistas, corrente de ar, locais de identificação de material, preparo e análise de amostras. Para os dados obtidos foram observados valores máximo de 6 UFC/g e mínimo de 0 UFC/g utilizando como meio de cultura Plate Count Agar. A média de contagem por área foi: área limpa (2 UFC/g), área suja (1 UFC/g). A média por área foi calculada considerando todos os pontos de exposição em cada uma das áreas. Interessante observar que a contagem ambiental da área limpa foi maior do que a da área suja, tal fato foi atribuído ao procedimento de limpeza que era realizado no sentido da área suja para a área limpa, sem substituição dos utensílios e sem interrupção do trânsito dos analistas (Figura 1). De acordo com o BAM – Bacteriological Analytical Manual – a contagem de microrganismos aeróbios não deve exceder 15 UFC/g (7). Nascimento (9) sugere que a contaminação máxima permitida para área limpa é de 50 UFC/g. Contudo, o Manual da Anvisa (2) menciona que um programa de monitoração ambiental apropriado é sugerido como também a análise dos dados a fim de permitir a determinação de tendências dos níveis de contaminação. Sendo assim, os valores obtidos durante o primeiro mês de exposição estariam dentro do determinado em ambas as referências utilizadas e poderiam ser utilizados como valor médio de contaminação no ambiente do LMA. Posterior à determinação da contagem microbiana ambiental, em 2007, foi elaborado um procedimento padronizado com vistas a definir a frequência e rotina para limpeza dos laboratórios. Mensalmente era realizada a contagem microbiana por exposição de placas (Figura 2). FIGURA 1 – Determinação da contagem microbiana semanal por ponto de exposição durante o primeiro mês de 2007 Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 61 FIGURA 2 – Determinação da contaminação microbiana mensal por pontos de exposição no último semestre de 2007 Em nenhum dos 10 pontos amostrados foi observada contagem superior a 10 UFC/g em todo o período analisado (2007 e 2008). Apesar de valores pontuais maiores do que a média obtida nas semanas, os valores não extrapolaram o recomendado pelas referências, nem tão pouco incidiram nos resultados analíticos realizados durante o período de avaliação. Vale ressaltar que tanto a preparação da amostra quanto a sua análise ocorre dentro de cabines de segurança biológica nível II, seguindo os critérios de biossegurança e descrição nos procedimentos operacionais padronizados elaborados na instituição. A contagem média microbiana na área limpa foi de 3 UFC/g e de 2 UFC/g na área suja, seguindo a mesma tendência do observado anteriormente, mesmo após a definição dos procedimentos de limpeza. Ao considerar os equipamentos (Figura 3) foram observadas contagens de bactérias mesofílicas FIGURA 3 – Determinação da contaminação microbiana dos equipamentos 62 Gestão, Ciência & Saúde aeróbias de até 15 UFC/15 min de exposição das placas. Pelos resultados apresentados na Figura 3, a exceção da estufa a 44°C (BOD), a contagem interna nos demais equipamentos apresentou valores inferiores a 2 UFC/15 min de exposição. Assim, infere-se que as práticas laboratoriais implantadas, no que concerne a limpeza, manutenção de equipamentos, procedimentos de preparo de amostras e análise têm sido efetivas. Na estufa a 44°C (BOD) foi observada como fator dificultador para realização da limpeza a presença de hélices de circulação de ar. Este equipamento possui sistema de ventilação utilizando o ar externo para distribuir o calor internamente. Apesar de promover uma melhor distribuição do calor interno, este equipamento apresenta essa dificuldade na realização das limpezas diárias, sendo necessário o seu desmonte com maior frequência, demandando aos técnicos a reflexão sobre a alteração dos processos de trabalho que por ventura o utilizassem. Contudo, posterior à realização da limpeza foram observados valores abaixo da média da contagem microbiana do ambiente onde esse equipamento está localizado. Durante os anos de 2007 e 2008 as cabines de segurança biológica não apresentaram qualquer tipo de contaminação microbiológica (bacteriana ou de fungos). Este resultado retrata a importância do programa de manutenção preventiva já incorporado aos processos de trabalho da Funed, com o qual se verifica a integridade e eficiência dos filtros em conjunto com o bom uso do equipamento pelos técnicos. 2.2. Registros de temperatura Cada espécie bacteriana apresenta, para seu crescimento uma temperatura mínima, ótima e máxima. A temperatura de crescimento mínima é considerada a menor temperatura em que a espécie é capaz de crescer. A temperatura de crescimento ótima é aquela em que a espécie apresenta o melhor crescimento. A temperatura de crescimento máxima é a temperatura mais alta onde ainda é possível o crescimento do organismo. A temperatura ótima de crescimento está normalmente deslocada para perto da variação máxima de temperatura; e acima desta a velocidade decresce rapidamente porque a alta temperatura inativa sistemas enzimáticos necessários a célula (10). Assim, considerando a temperatura, ponto crítico na análise microbiológica, foram analisados registros de todos os equipamentos levando em conta os parâmetros: rastreabilidade (exemplo: identificação do equipamento e identificação dos instrumentos de medição), confiabilidade (exemplo: identificação do analista, rasuras) e ausência de registro. TABELA 1. Porcentagem de planilhas de registro de temperatura dos equipamentos, conformes, entre os anos de 2007 e 2008 Parâmetros de não conformidades % REGISTROS CONFORMES POR PARÂMETRO 2007 2008 Rastreabilidade 39,4 100,0 Confiabilidade 47,7 100,0 Ausência de registro 39,8 0,0 Por meio da Tabela 1, no ano de 2007 observa-se que 47,7 % das planilhas de controle de temperatura possuíam registros que garantiam a confiabilidade, 39,4 % apresentaram informações que permitiam a rastreabilidade e 39,8% estavam parcialmente preenchidas sem apresentar ausência do registro. Acredita-se que tal situação se deva a falha de assimilação do conceito de processo analítico e da importância do constante monitoramento dos dados. O controle de temperatura é uma etapa crítica nos procedimentos analíticos de microbiologia, portanto deve ser constantemente monitorado. A temporalidade dos contratos dos analistas atuantes neste período poderia dificultar a incorporação/implementação deste processo. Pelos dados obtidos (Tabela 1) no período de 2008, observa-se o aumento de planilhas conformes. Entretanto, não se pode afirmar os reais motivos para tal melhora. Pode-se prever que o conhecimento já adquirido pelos novos técnicos em abandono a prática vivenciada in loco facilitaram a evolução da implementação do sistema da qualidade. Dessa maneira, infere-se que criar instrumentos sensibilizadores que permitam identificar a compreensão da importância das práticas laboratoriais Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 simples na qualidade analítica e utilizar dessa informação na promoção da melhoria é relevante para a evolução laboratorial. A Tabela 2 refere-se aos equipamentos estufa, banho-maria e geladeira e apresentam valores médios, desvio padrão e moda anuais. 63 Pela Tabela 2, foi observado desvio padrão maior que o intervalo de variação aceitável para o processo cujo equipamento atua na faixa de temperatura de 55˚C±2˚C, no ano de 2007. Para os demais equipamentos observamos valores dentro da faixa de temperatura permitida. O mesmo foi percebido TABELA 2. Média, desvio padrão e moda dos valores das temperaturas dos equipamentos utilizadas no LMA nos anos de 2007 e 2008. ESTUFAS 25˚C± 2˚C 45˚C±2˚C 30˚C±2˚C 55˚C±2˚C 35˚C±2˚C Ano de 2007 Média 25 46 30 55 35 Desvio padrão 1,0 1,0 1,7 4,8 0,5 Moda 25 46 30 55 35 Ano de 2008 Média 25 47 31 56 36 Desvio padrão 1,1 1,4 2,2 0,9 0,5 Moda 24 48 30 56 36 BANHO-MARIA 42,0˚C ± 0,5˚C 44,5˚C ± 0,5˚C Ano de 2007 Média 42,0 44,5 Desvio padrão 0,1 0,1 Moda 42,0 44,5 Ano de 2008 Média 42,1 44,5 Desvio padrão 0,3 0,2 Moda 41,9 44,5 GELADEIRAS E FREEZERS 2 a 8°C 2 a 8°C 2 a 8°C 2 a 8°C 2 a 8°C 2 a 8°C -20 a -10°C -20 a -10°C Ano de 2007 Média 6 4 6 4 5 5 -18 -18 Desvio padrão 2 3 6 3 3 2 10 5 Moda 6 1 4 6 5 5 -28 -19 Ano de 2008 Média 5 3 5 5 3 4 -17 -19 Desvio padrão 2 1 2 2 2 2 3 2 Moda 3 2 6 2 3 5 -18 -20 64 Gestão, Ciência & Saúde no ano de 2008 à exceção do equipamento cuja faixa de temperatura é de 30˚C±2˚C. Entretanto, pelos valores modais determinados para todas as estufas em ambos os anos, percebemos a maior permanência de atuação dos equipamentos entre os valores aceitáveis. Apesar da elevação do desvio padrão de três equipamentos no ano de 2008, quando comparado ao ano de 2007 esses não foram considerados críticos visto a maior confiabilidade dos dados conforme exposto na Tabela 1. Com base na Tabela 2, percebe-se a pouca variação dos banhos-maria conforme registro dos mesmos. À exceção de dois equipamentos (geladeiras) no ano de 2007, nenhum outro equipamento apresentou variação que, associada aos valores medianos, comprometessem os resultados (Tabela 2). Entretanto, vale ressaltar que a maioria dos equipamentos apresentou valor de mediana correspondente a temperaturas adequadas à realização das análises, além dos valores modais correspondentes às faixas aceitáveis. Diferentemente dos demais equipamentos, a geladeira tem como objetivo promover uma melhor manutenção das condições do alimento, evitando a deterioração promovida pelo desenvolvimento de microrganismos, para tanto dispensa-se a manutenção de temperaturas ótimas em detrimento da manutenção de faixas ótimas de temperatura. 3. CONCLUSÃO Percebeu-se a necessidade da estruturação, avaliação, monitoramento e proposição de alternativas para os procedimentos básicos laboratoriais, denotando a importância desses procedimentos tanto quanto dos métodos analíticos realizados. A análise dos dados mostrou a adequação dos equipamentos aos procedimentos laboratoriais realizados, a sensibilização dos técnicos quanto à importância da qualidade e, também, a adequação do laboratório à Política da Qualidade implantada e bem estabelecida na instituição. Percebe-se como imprescindível a manutenção da qualidade nos laboratórios de saúde pública, uma vez que uma das formas de demonstrar a confiança dos resultados se dá por meio da acreditação. Devemos promover o desenvolvimento e a implementação de um processo permanente de avaliação e de certificação da qualidade dos serviços, permitindo o aprimoramento contínuo. Desta forma, garantimos a qualidade dos ensaios realizados, reforçamos a confiança do público nos serviços prestados, estimulamos a competência, a melhoria contínua do laboratório e o desenvolvimento de atividades inovadoras. Os laboratórios públicos de saúde, apesar das dificuldades encontradas e comuns à administração pública têm demonstrado competência analítica, inserção nas políticas de saúde e a preocupação em prover resultados confiáveis aos órgãos gestores. Percebe-se nitidamente a evolução dos laboratórios em busca da definição da sua capacidade analítico-operacional como também da inserção de conceitos e procedimentos que venham a garantir a implantação da qualidade laboratorial em consonância com as normatizações vigentes. Entretanto, persiste a dificuldade na busca do equilíbrio entre quantidade e qualidade sendo necessária a incorporação na instituição da rotina em gerir os dados como critério de constante avaliação da implantação da qualidade. Para isso, acredita-se ser pertinente a designação nas unidades laboratoriais de profissionais conhecedores do processo e imparciais para a análise e gestão dos registros. Contudo, é notório que implantar a qualidade nos laboratórios públicos é possível e alcançável, embora seja comum a estes as mesmas dificuldades experimentadas nas demais organizações que primam por confiabilidade. Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária: Projetos Físicos de Laboratórios de Saúde Pública Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/reblas/drtz_labsaude.pdf. Acesso em: 09 de julho de 2009. 2. ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária: Séries Temáticas: Laboratórios. Habilitação para Laboratórios de Alimentos. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/reblas/ eurachem/acreditacao.pdf. Acesso em: 09 de julho de 2009. 3. ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária: Relatório dos dados de atualização dos LACENS. Setembro de 2003. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/reblas/lacens/relatorio_lacen.pdf. Acesso em: 09 de julho de 2009, 11:39. 4. ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária: Relatório Situacional dos Laboratórios Centrais de Saúde Pública-Lacen-2004. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/reblas/ reblas_lacens.htm. Acesso em: 09 de julho de 2009, 11:39. 5. ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária: Relatório Situacional dos Laboratórios Centrais de Saúde Pública-Lacen-2005. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/reblas/lacens/relatorio_2005.pdf. Acesso em: 09 de julho de 2009, 11:39. 6. ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT NBR ISO/IEC 17025:2005. Requisitos gerais para competência de laboratórios de ensaio e calibração. 2 ed. 30 de setembro de 2005. 7. BAM – Bacteriological Analytical Manual. Disponível em http://www.cfsan.fda.gov/~ebam/bamtoc.html. Acesso em 20 de agosto de 2007. 8. CASSANO, DANIEL. “Credenciamento: solução para quem usa ou oferece serviços de ensaio e calibração”, Metrologia & Instrumentação, Editora Banas, outubro, 2003. 9. NASCIMENTO, A – ISO 17025: sinal de competência técnica – Controle de Contaminação, Ano 7, nº 74, 2005. 65 10. TORTORA, G.J.; FUNKE, B.R.; CASE, C. Microbiologia. 6 ed. Porto Alegre: Artmed, p.827. 2000. Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 67 DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA A IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA DE GESTÃO DA QUALIDADE NA DIRETORIA DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO DA FUNDAÇÃO EZEQUIEL DIAS CHALLENGES AND PERSPECTIVES FOR THE ESTABLISHMENT OF A MANAGEMENT QUALITY SYSTEM AT THE RESEARCH AND DEVELOPMENT UNIT OF THE EZEQUIEL DIAS FOUDATION Heloísa Helena Marques Oliveira1, Elaine Henriques Teixeira Pereira2, Gustavo Baptista Naumann3, Luciene Silva de Souza Meira4, Tatiana Kelly Silva5 1 Bióloga, Mestre em Bioquímica e Imunologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Analista e Pesquisadora de Saúde e Tecnologia (AST-I) no Serviço de Biologia Celular e Inovação Biotecnológica (SBCIB) da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento, DPD, da Fundação Ezequiel Dias, Funed, Coordenadora do Centro de Gestão da Qualidade da DPD, [email protected]; 2 Química, Mestre em Química pela UFMG, Técnica de Saúde e Tecnologia (TST-II) do SBCIB da DPD da Funed; 3 Bioquímico pela Universidade Federal de Viçosa, AST-I no Serviço de Bioquímica e Química de Proteínas da DPD da Funed; 4 Graduanda em Farmácia pela Universidade de Itaúna, TST-II no Serviço de Biotecnologia Vegetal da DPD da Funed; 5 Graduanda em Normalização e Qualidade Industrial pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, TST-II no Serviço de Recursos Vegetais e Opoterápicos RESUMO ABSTRACT A Fundação Ezequiel Dias, com o apoio da alta direção e de seus colaboradores, trabalha em equipe com o intuito de concretizar as metas previstas para cada ano. Uma das metas estipuladas para o ano de 2009 foi a implantação da norma NBR ISO 9001:2008 que proporciona à organização vários benefícios como: padronização, rastreabilidade no processo, qualidade nos serviços prestados, redução de desperdícios, melhor atuação no mercado de trabalho, além de promover melhorias e satisfação aos clientes. Para se atingir tal meta, foi criado o Centro de Gestão da Qualidade na Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento. Este Centro é composto por uma equipe de servidores de diferentes áreas da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento, cuja responsabilidade é atuar ativamente nos seus Serviços com o desafio de direcionar as atividades necessárias para se implantar a norma NBR ISO 9001:2008 e as Boas Práticas de Laboratório nos serviços desta diretoria. Fundação Ezequiel Dias, with the support of its administration and collaborators, works with the purpose of finishing its anualy aims. One of the planed aims for the year 2009 was establishment the standard NBR ISO 9001:2008. This standard provides several benefits to the organization such as: standardization, following of the processes, quality in the services rendered reduction of wastes, better performance in the working field, and also encouraging improvement and satisfaction to its clients. To accomplish such objective, a center of management and quality has been created: Centro de Gestão e Qualidade. This center is composed by a team whose responsibility is to work dynamically in the process of certification, guiding the necessary actions to implant the standard NBR ISO 9001:2008 as well as a good laboratory practices in the services of the Research and Development Unit of the Ezequiel Dias Foudation. Palavras-chave: Boas Práticas de Laboratório, NBR ISO 9001:2008, Padronização Keywords: NBR ISO 9001:2008, Standardization, Good Practices of Laboratory 68 Gestão, Ciência & Saúde 1. INTRODUÇÃO 2. DISCUSSÃO Atualmente muitas instituições buscam a implantação de sistemas de gestão da qualidade. A adequação a uma norma de gestão da qualidade e, consequentemente, a certificação são ferramentas internacionalmente reconhecidas como eficazes para auxiliar na melhoria dos processos internos, na capacitação dos colaboradores, no monitoramento do ambiente de trabalho, e na verificação da satisfação dos clientes, colaboradores e fornecedores, num processo contínuo de melhoria do sistema de gestão da qualidade. A adequação à norma traz consigo a necessidade de mudanças conceituais. Institucionalmente, compete à DPD “desenvolver projetos visando a criação e o aperfeiçoamento de conhecimentos básicos e aplicados para a solução de problemas na área de saúde pública de Minas e do país, pesquisar e desenvolver novas tecnologias gerando conhecimentos científicos para obtenção de fármacos e outros produtos de origem vegetal e animal e outros serviços aplicados à saúde humana” (3). Com a adequação à norma NBR ISO 9001:2008 esta vocação da diretoria fica mais clara, pois os projetos de pesquisa e desenvolvimento são explicitados no macrofluxo institucional (Figura 1) e as atividades da DPD aparecem contextualizadas dentro da instituição, ressaltando o seu o papel nos processos da Funed e reafirmando a importância institucional desta diretoria. Este é um dos benefícios alcançados durante a adequação à norma NBR ISO 9001: 2008, pois, quando a atuação da área dentro dos processos não está claramente definida pode-se criar a ideia de ineficiência, porque as pesquisas geram retorno a longo prazo. Quando se trata de empresas que têm como objetivo principal gerar lucro e ser reconhecida pelos seus clientes, o valor da certificação é justificado porque melhora o atendimento, tornando-a mais competitiva (2). No entanto, a auditora Arlete Lopes afirma que no caso de instituições públicas, como a Funed, “comprova-se a redução da burocracia e os registros de desperdício são mínimos ou praticamente inexistem, porque não há a necessidade de um retrabalho. Empresas certificadas são ‘top de linha’, eficientes, funcionais e com isso ganha o colaborador, o servidor e o cliente. Todos ficam fortalecidos” (5). Neste contexto, o trabalho de implantação do Sistema de Gestão foi baseado na norma NBR ISO 9001:2008, que estabelece requisitos para o Sistema de Gestão da Qualidade (SGQ) de uma organização, objetivando promover a confiança nos seus processos de forma consistente e repetitiva de acordo com metas estabelecidas. Algumas dúvidas surgiram em relação à aplicabilidade deste sistema na Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento (DPD). As perguntas mais frequentes foram: Qual é o valor desta certificação para áreas de pesquisa? Quais vantagens ou benefícios poderemos obter ajustando o trabalho de pesquisa que exige criatividade e estudo de possibilidades múltiplas a uma norma que exige padronização? A norma explicita a necessidade de se obter produtos de forma controlada, garantindo a rastreabilidade e estimulando a realização de análises crítica (4). Na DPD é considerado produto todo resultado obtido ao final de um projeto de pesquisa. Nestes, os resultados intencionais dos processos de realização ou experimentação podem e devem ser tratados como produto tendo-se em vista o objetivo final de determinado estudo (2). Em atendimento à norma NBR ISO 9001:2008, foi elaborado o fluxo de Projeto e Desenvolvimento que prevê em uma de suas etapas a submissão de projetos aos comitês de ética, atendendo aos requisitos estatutários e regulamentares relacionados ao produto que é previsto na norma (1). Desta forma, garante-se documentalmente que os aspectos éticos da pesquisa sejam observados e garantidos durante a execução, uma vez que questões éticas permeiam as atividades de pesquisa, e projetos que utilizam material biológico de origem humana e animal podem ser eticamente contestados. Trabalhar de acordo com os princípios éticos agrega respeito e credibilidade aos projetos, os quais são submetidos à avaliação pelos Comitês de Ética, quando necessário. O fluxo elaborado permite o acompanhamento de todas as fases de gerenciamento do projeto. A rastreabilidade é um dos principais ganhos quando se diz respeito à norma, pois possibilita encontrar falhas no processo de forma rápida, favorecendo o tratamento eficaz das anomalias encontradas. Este processo de gerenciamento contempla a realização de análises críticas periódicas, que é uma Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 69 FIGURA 1 – Macrofluxo da Fundação Ezequiel Dias ferramenta útil para implantação de melhorias contínuas no processo. As reuniões de análise crítica favorecem a troca de idéia entre os envolvidos no desenvolvimento do estudo, viabiliza a rápida tomada de decisões e permitem que os projetos sejam redirecionados quando necessário. Para a integração e implementação do Sistema de Gestão da Qualidade da Funed, foi criado na DPD o Centro de Gestão da Qualidade (CGQ), formado por uma equipe de funcionários, com a responsabilidade de atuar ativamente no direcionamento das atividades necessárias para no processo de adequação à NBR ISO 9001:2008 dos Serviços de Biologia Celular e Inovação Biotecnológica (SBCIB), Serviço de Recursos Vegetais e Opoterápicos (SRVO) e Serviço de Virologia Molecular e Bioprodutos (SVMB). Entretanto, o CGQ auxilia também os Serviços que pretendem obter outras acreditações, como as Boas Práticas de Laboratório e a NBR ISO/IEC 17025:2005, que estabelece requisitos gerenciais e técnicos para a implementação de sistema de gestão da qualidade em laboratórios de ensaio e calibração. A equipe possui um representante de cada Serviço para que as decisões tomadas pelo CGQ possam ser facilmente disseminadas entre os outros servidores, bolsistas e estagiários. Este modelo também permite que cada membro do CGQ leve ao grupo as sugestões e especificidades de cada serviço, possibilitando uniformidade para que as medidas atendam a todos. Assim, tem-se a chance de trabalhar a qualidade como uma possibilidade de incutir novos valores relacionados à melhoria contínua dos processos, sistematização na realização dos procedimentos, maior presteza de realização e confiabilidade. Quando se iniciou o processo das novas práticas a serem seguidas, percebeu-se a necessidade de monitorar se as propostas estavam sendo executadas ou não; em alguns casos foi necessário verificar o que estava impedindo a sua realização. As causas do impedimento estavam relacionadas à falta de informação que tem como consequência o não entendimento da importância das medidas adotadas e a falta de visão dos benefícios proporcionados pelas novas medidas que serviriam 70 Gestão, Ciência & Saúde apenas para aumentar a burocracia e ocupar os funcionários. Outro fator importante que interferiu nas ações foi a necessidade de adaptação a práticas que anteriormente não eram seguidas por todos os serviços, como a verificação e a calibração de equipamentos. 3. CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS A implantação do sistema de gestão da qualidade gerou benefícios. Entretanto, muitos problemas acabam sendo evidenciados e a implementação depende do envolvimento dos Serviços. É fundamental que haja comprometimento tanto da alta Direção, quanto dos colaboradores da Funed para atingir esta meta. Além disso, é necessário esforço contínuo, dedicação e perseverança durante todo o processo de implantação do sistema. Apesar dos obstáculos e da inexperiência dos integrantes do CGQ, verificamos que é de extrema importância a implantação da NBR ISO 9001:2008, pois propicia maior qualidade nos serviços desempenhados, padroniza e otimiza o processo evitando retrabalhos, refugos, perda de tempo e dinheiro, agregando valor aos projetos e promovendo melhorias contínuas. Na DPD um dos ganhos obtidos com as ações da qualidade para implantar a NBR ISO 9001:2008 foi a percepção de que novas propostas poderiam ser discutidas para melhorar a produtividade dos processos e obter resultados mais seguros, garantindo a reprodutibilidade. Foi neste contexto que se iniciaram as discussões sobre a possibilidade de implantação das Boas Práticas de Laboratório, que têm como objetivo colocar em prática ações que visam à melhoria da execução da parte técnica nos processos laboratoriais. Desta forma, tem-se o desafio de avaliar e definir prioridades para implantação das BPLs em todos os Serviços apesar da diversidade existente entre as atividades desenvolvidas em cada laboratório. Para isso, a adequação estrutural para atender as necessidades específicas de cada serviço já está em planejamento. AGRADECIMENTOS À Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento e a todos os integrantes do Centro de Gestão da Qualidade que contribuíram para a realização deste trabalho. Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 9001:2000 sistemas de gestão da qualidade – Fundamentos e vocabulários. Rio de Janeiro 2000. 2. DIAS, S. Qual a real importância das certificações ISO? Banas Qualidade, São Paulo, ano 18, n 188, p.42, jan.2008. 3. FUNDAÇÃO EZEQUIEL DIAS. Manual da Qualidade ND-MQ 0001. Belo Horizonte MG, 2009. p.16, revisão 00. 4. LUZ, L. O papel da consultoria no planejamento das empresas. Banas Qualidade, São Paulo, ano 18, n 188, p.43, jan.2008. 5. Semplad e Fundação Vanzolini promovem pré-auditoria de certificação da ISO 9001. Disponível em: http://www.pmm.am.gov.br/ transparencia/qualidade/noticias. Acesso em: 19/09/2009. 71 Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 73 REESTRUTURAÇÃO DO BANCO DE CÉLULAS ANIMAIS DA FUNDAÇÃO EZEQUIEL DIAS EZEQUIEL DIAS FOUNDATION´S ANIMAL CELL BANK RESTRUCTURATION Juliana Rey Canuto Sant’ana Pereira1, Josiane Barbosa Piedade2, André Castro3, Sabrina Sidney Campolina4, Thais Soares do Carmo5, Luciana Maria Silva6 1 Graduada em Ciências Biológicas pelo Centro Universitário UNA, [email protected]; 2 Mestre em Ciências Farmacêuticas, Serviço de Biologia Celular e Inovação Biotecnológica da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento da Fundação Ezequiel Dias (Funed); 3 Administrador, Serviço de Custos da Diretoria de Planejamento Gestão e Finanças da Funed; 4 Mestre em Clinica Medica e Biomedicina, Bolsista da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig); 5 Bolsista de Iniciação Cientifica Junior da Fapemig; 6 Doutora em Biologia Celular, Serviço de Biologia Celular e Inovação Biotecnológica, da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento da Funed, [email protected] RESUMO ABSTRACT O Serviço de Biologia Celular e Inovação Biotecnológica (SBCIB) da Fundação Ezequiel Dias (Funed) é referência em cultivo de células animais em Belo Horizonte e possui um banco de células validadas com garantia de procedência e qualidade, sendo fornecidas para órgãos públicos e privados. Tem como um de seus objetivos realizar ensaios biológicos pré-clínicos diminuindo, dessa forma, a utilização de animais de experimentação. Nesse trabalho, temos como proposta reestruturar o banco de células da Funed e estabelecer procedimentos de controle de qualidade das linhagens celulares, como parte das ações para que seus produtos e/ou serviços estejam em conformidade com as normas ABNT NBR ISO 9001:2000, ABNT NBR ISO/IEC 17025:2005 e Boas Práticas de Laboratório (BPL). No processo de organização foi observado que o banco conta com 51 linhagens celulares e 54 cultivos celulares primários distribuídos em 2.797 criotubos, um patrimônio acumulado ao longo dos seus 20 anos de existência e com perspectivas de aquisição de outras 60 linhagens celulares animais. Cellular biology and Biotechnological Innovation service of Ezequiel Dias foundation has been considered as a reference in Belo Horizonte for animal cell culture, having a validated cell bank that can be used by the public and private organs with quality and origin guaranteed. It has also as an objective to make pre- clinical biological trials, decreasing experimental animal usage. The present study, has as the major prerogative the restructuration this cell bank and to establish cell line quality control procedures as part of action to make the products according to ABNT NBR ISO 9001:2000, ABNT NBR ISO/IEC 17025:2005 and good laboratory practices. During the bank organization, was observed that the bank has 51 cell lines and 54 primary cell cultures distributed in 2797 cryotubes that compose a patrimony constructed during twenty years and in the near future sixty more human cell lines will be incorporated in our bank. Palavras-chave: Banco de Células, Cultivo Celular, Certificação Keywords: Cell Bank, Cell Culture, Certification 74 Gestão, Ciência & Saúde 1. INTRODUÇÃO O desenvolvimento da biotecnologia requer, quase que necessariamente, a utilização de técnicas de cultivo celular, para os mais diversos fins, incluindo pesquisa, diagnóstico, terapêutica, controle de qualidade de biomateriais, testes de citotoxicidade de fármacos e produção de biofármacos (13). A profusa utilização de técnicas de cultivo celular levou ao desenvolvimento de inúmeras linhagens celulares normais ou tumorais, com características metabólicas próprias, alterações genéticas e sensibilidades farmacológicas distintas (14). No Brasil, e principalmente no estado de Minas Gerais, para que os laboratórios de análise e desenvolvimento de produtos se tornem competitivos, eles devem se adequar à algumas normas de garantia da qualidade aumentando, dessa forma, a confiabilidade nos produtos e serviços prestados. As Boas Práticas de Laboratório (BPL) constituem um sistema da qualidade relativo à organização e às condições sob as quais os estudos em laboratório são planejados, realizados, monitorados, registrados, relatados e arquivados. Seus princípios são aplicáveis em estudos que dizem respeito ao uso seguro de produtos relacionados à saúde humana, vegetal, animal e ao meio ambiente (1). A norma ABNT NBR ISO 9001:2000 serve para implantar sistemas de gestão que irão assegurar que laboratórios possam operar de acordo com os requisitos gerais necessários para assegurar a competência em realizar ensaios e/ou calibrações, e também para ser utilizada no desenvolvimento do sistema de gestão para qualidade, operações técnicas e administrativas (1). A norma NBR ISO/IEC 17025:2005 serve para assegurar que as condições ambientais não invalidem os resultados ou afetem adversamente a qualidade requerida de qualquer medição com a devida atenção, por exemplo, à esterilidade biológica, poeira, distúrbios eletromagnéticos, radiação, umidade, alimentação elétrica, temperatura e níveis sonoros e de vibração, conforme apropriado para as atividades técnicas em questão. Esses laboratórios deverão também determinar o nível do controle de entrada de pessoal, baseado em circunstâncias particulares (1). Em função dos serviços realizados e prestados, laboratórios da Fundação Ezequiel Dias (Funed) têm adotado as normas de Boas Práticas de Laboratório e a habilitação na norma ABNT NBR ISO/ IEC 17025:2005. Visando aumentar as competências destes laboratórios, e ainda a adequação dos serviços às normas de garantia de qualidade que exigem, inicialmente, instalação adequada para o bom funcionamento dos laboratórios. Com isso, o Laboratório de Biologia Celular e Inovação Biotecnológica (BioCIB) pretende adequar seus produtos e/ou serviços para que estes estejam em conformidade com as normas citadas e Boas Práticas de Laboratório (BPL). A adequação de área do BioCIB será o primeiro passo para que este laboratório possa desenvolver produtos e serviços que necessitam de acreditação demonstrando que são tecnicamente competentes e capazes de produzir resultados tecnicamente válidos. Serão adequados produtos e serviços em conformidade com as normas ABNT já citadas e BPL. O BioCIB da Fundação Ezequiel Dias, em Belo Horizonte, se destaca no suporte ao desenvolvimento de projetos de pesquisa os quais requerem o acesso às técnicas de cultivo de células e tecidos consolidando-se como referência em cultivo de células animais. Além disso, são desenvolvidos projetos em parceria com outras instituições no estado de Minas Gerais, como o Centro de Pesquisas René Rachou/ FIOCRUZ e diversas unidades da Universidade Federal de Minas Gerais, Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais, Unimontes e Hemominas. Para a sustentabilidade de tais projetos e parcerias, o BCIB conta com um banco de células iniciado na década de 80 sendo elas originárias em sua maioria do ATCC (do inglês American Type Cell culture), instituição nos Estados Unidos da América que acumula e distribui linhagens celulares para vários outros países. Embora alguns toxicologistas prefiram analisar os efeitos das drogas em células de cultivo primário (16), as linhagens celulares (cultivo secundário) apresentam uma alternativa mais rápida e menos dispendiosa, pois apresentam uma taxa maior de crescimento. Dentre as linhagens utilizadas para avaliar a ação de drogas, bem como de outras substâncias que entram em contato com as células Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 acidentalmente, abordando aspectos citotóxicos e de metabolismo, pode-se citar i) as linhagens do carcinoma de cervix humano (Hela) que é amplamente utilizada, sendo a primeira linhagem tumoral estabelecida (9), ii) células embrionárias de rim humano (HEK) utilizadas para descrever o metabolismo renal (11; 10) ou na formulação de novos fármacos (15), iii) carcinoma de cólon humano (RKO) e neuroblastoma humano (IMR) sendo estas últimas extensivamente utilizadas para descrever as ações de drogas antitumorais (8;17;2). O presente estudo teve como objetivo reestruturar o banco de células animais da Fundação Ezequiel Dias, como primeira etapa para adequação do laboratório. Assim, os criotubos já existentes foram reorganizados, para garantir acondicionamento adequado e rastreabilidade. Foi também montado um banco documental contendo imagens e informações das linhagens armazenadas. 2. MATERIAIS E MÉTODOS 2.1. Reorganização do banco de células Todas as linhagens celulares e os criotubos existentes no laboratório foram realocados no container de nitrogênio. O container atual consiste de um cilindro contendo seis estantes nomeadas de A a F (Figura 1 A), cada estante contém nove gavetas (Figura 1 D) e cada gaveta, doze fileiras (Figura 1 E). Ao serem incorporadas ao banco, essas linhagens são carac- 75 terizadas historicamente (origem, órgão fornecedor e número de repiques) e também quanto às suas características de crescimento, requerimentos metabólicos, ausência de contaminantes bacterianos e celulares entre outras informações biológicas relevantes. Todos esses dados fazem parte de uma ficha recebida do fornecedor (3). Uma vez que essas células são incorporadas ao banco, elas devem ser expandidas, ou seja, o conteúdo do criotubo é transferido para um recipiente de cultura e após a formação de uma monocamada, essas células são contadas e transferidas para novos frascos. Esse procedimento também recebe o nome de repique celular ou passagem. Isso é extremamente necessário para a criação de um banco máster (banco de estoque) e de trabalho, garantindo um estoque da linhagem celular. Todas as linhagens adquiridas pelo laboratório foram catalogadas de acordo com sua localização no container, seguindo a notação A1/1, que significa estante A (Figura 1 A), primeira gaveta (Figura 1 D) e primeira fileira (Figura 1 E), e assim sucessivamente. Além disso, as fichas descritivas das linhagens foram conferidas e arquivadas em livros de registro. Após a expansão das linhagens, essas foram congeladas e receberam assim um número de congelação (Figura 1 F). A reorganização do banco passou por uma conferência detalhada da quantidade de criotubos de cada congelação, bem como o seu local de armazenamento. FIGURA 1 – Fotos do container de nitrogênio do banco de células animais da Fundação Ezequiel Dias 76 Gestão, Ciência & Saúde 2.2. Cultivo de células A primeira etapa para cultivar células foi retirar do banco de células um criotubo contendo a célula de interesse e descongelá-lo rapidamente sob agitação em banho-maria a 37°C. Em seguida, esse criotubo foi levado à cabine de segurança biológica, banhado com álcool 70% e aberto com gaze estéril impedindo o contato das mãos com o gargalo do criotubo. Todo o conteúdo foi transferido para um tubo de centrífuga de 50 mL (Corning, EUA) contendo 2 mL de meio de cultura específico para cada linhagem celular e então submetido à centrifugação de 800 rpm durante cinco minutos (mod. CS- 6R, Beckman, EUA). Descartou-se então o sobrenadante e a massa celular presente no fundo do tubo foi ressuspendida em 5 mL do mesmo meio de cultura utilizado para descongelação conforme preconizado pelo fornecedor da linhagem celular. A suspensão celular foi então colocada em garrafa plástica, tratada para promover a adesão celular, T25 (25 cm2) (Corning Costar Inc., EUA) e mantida a 37 ºC em estufa (Thermo electron co., EUA) com atmosfera úmida de 5% de CO2 para que haja adesão celular. Para a manutenção da linhagem, após a adesão celular, o meio de cultura foi trocado a cada 48 h para garantir a renovação dos nutrientes. Contaminações, morfologia celular e formação de monocamada foram observadas sob microscópio invertido (mod. Diaphot, Nikon, Japão). Quando a cultura apresentou alta confluência, ou seja, em monocamada, fez-se um repique da cultura para realizar sua expansão. Para isso, o meio de cultura foi retirado e foram adicionados 0,5 mL de tripsina (1:250 Sigma, cat T0646) para lavar o frasco e remover traços de soro fetal bovino (presente nos meios de cultura) que inibe a ação dessa enzima. Em seguida, a tripsina foi retirada e foi adicionado novamente 0,5 mL de tripsina, a garrafa foi colocada na estufa a 37 °C para promover o destacamento das células. As células soltas foram ressuspendidas em 5 mL de meio especifico para cada linhagem e recolhidas em tubo de centrifuga de 50 mL. O tubo foi centrifugado por 5 minutos a 800 rpm e o sobrenadante descartado. A massa celular foi ressuspendida em 5 mL de meio novo e 100 μL da suspensão foi retirada para a contagem celular eletrônica (Coulter Multizer, Beckman). Após contagem, as células foram distribuídas em novas garrafas T75 (75 cm2) (Corning Costar Inc., EUA), seguindo um padrão de semeadura de 30.000 células /cm2. Os repiques respeitaram uma sequência da área disponível nas garrafas de cultura, ou seja, as células originadas em garrafa T25 foram expandidas em garrafas T75 (75 cm2) e depois em T 150 (150 cm2). 2.3. Classificação ABC Neste estudo foram utilizadas ferramentas de logística como forma de planejar, programar e controlar (de maneira eficiente) as aquisições, os fluxos, a armazenagem e a distribuição das linhagens celulares e as culturas primárias existentes no Laboratório (4, 5, 7). Para isso, foi utilizado o método de classificação ABC que permite a diferenciação dos estoques segundo sua maior ou menor abrangência em relação a determinado fator, consistindo em separar os itens por classes de acordo com sua importância relativa. Para as linhagens celulares, utilizamos a classificação baseada no volume financeiro investido em estoque onde é obtida pela demanda valorizada (quantidade de demanda vezes o custo unitário do item); para as culturas primárias, foram classificadas considerando a fragilidade, periculosidade, escassez de fornecimento, vida útil do material. Para a classificação ABC utilizamos o critério médio segundo Pareto (Tabela 1). As linhagens celulares foram classificadas de acordo com seu valor em Dólar, utilizando como referência o valor médio do ATCC (American type cell collection). As culturas primárias, obtidas no laboratório, não possuem valor financeiro, pois foram objetos de pesquisa não sendo prevista sua atividade comercial. Nesse caso, utilizaram-se critérios onde foram atribuído os valores de referência 3 (alto), 2 (médio) e 1 (baixo), em que 3 representam as células com maior valor agregado e 1 a de menor, de acordo com a quantidade em estoque. TABELA 1 – Critério médio, segundo Pareto, usado na Classificação ABC (16) Classe % de volume dos ítens % do valor investido nos estoques A 20 50 a 70 B 30 30 a 40 C 50 10 a 20 Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 3. RESULTADOS Todas as linhagens celulares foram reordenadas no tanque de acordo com o número da congelação e número de criotubos. Os criotubos foram recontados e realocados durante um período de quatro meses, tamanha a complexidade da ação. O banco de células animais da Fundação Ezequiel Dias conta hoje com 51 (cinquenta e uma) linhagens celulares e 54 (cinquenta e quatro) cultivos primários, em 115 (cento e quinze) congelações e 2.797 77 (dois mil setecentos e noventa e sete) criotubos. As linhagens existentes no banco estão listadas em uma planilha contendo a quantidade de congelações e a quantidade de criotubos. As imagens produzidas durante o presente estudo serão disponibilizadas no site da Fundação Ezequiel Dias, possibilitando acesso público ao acervo estando também integrado ao portal do Sistema Mineiro de Inovação Minas On Line (Figura 2). FIGURA 2 – Registro de imagens de algumas linhagens celulares presentes no banco de células animais da Fundação Ezequiel Dias, microscopia óptica invertida (mod. Axiovert 40c, Zeiss, Alemanha); aumento 40x zoom digital- 4,7 (power shot A620 Canon, China) A) 3T3- fibroblasto embrionário de rato; B) C6- glioma de rato; C) tumor de pituitária de rato; D) MA- rim de feto de macaco Rhesus sp.; E) MKN45- carcinoma gástrico epitelial humano; F) HEK293- rim de embrião humano; G) GH3- tumor de pituitária, MtT/W5, secretando somatotrofina, rato; H) HEp2C- carcinoma de laringe humano, marcadores HeLa, I) NCTCclone 929 - tecido conectivo de rato; J) C636- Aedes albopictus ; L) CHOK1- ovário de hamster chinês Cricetulus griseus ; M) C2-12- mioblasto de camundongo. 78 Gestão, Ciência & Saúde A Tabela 2 apresenta a classificação ABC para as linhagens celulares que compõem o estoque do la- boratório. Nessa tabela, percebe-se que a maioria está classificada como C. TABELA 2 – Linhagens celulares Ordem Células Demanda % Demanda Valorizada % Valorizada Individual Acumulada Acumulado Classe 1 DH-82, macrófagos caninos 55.860,00 7,89% 55860 7,89% A 2 Sf-9-ovário da libélula Spodoptera frugiperda 44.088,00 6,23% 99948 14,13% A 3 Tb1Lu-Pulmão do morcego Tadarida brasiliensis 33.915,00 4,79% 133863 18,92% A 4 HUTU-adenocarcinoma de duodeno humano 31.275,00 4,42% 165138 23,34% A 5 Vero-Rim do macaco verde Africano 30.464,00 4,31% 195602 27,64% A 6 L-M –derivada da NCTC929,tecido conjuntivo de camundongo 29.127,00 4,12% 224729 31,76% A 7 HeLa- carcinoma epitelioide cervical humano 26.112,00 3,69% 250841 35,45% A 8 ETBr traqueia embrionária bovina 23.142,00 3,27% 273983 38,72% A 9 McCoy- fibroblasto de camundongo 21.318,00 3,01% 295301 41,73% A 10 IMR-32-neuroblastoma humano 19.800,00 2,80% 315101 44,53% A 11 YANC-1 linfoma de camundongo 19.266,57 2,72% 334368 47,25% A 12 C6 -36 Aedes albopictus 18.762,00 2,65% 353130 49,91% B 13 MKN-45 carcinoma gástrico humano 18.564,00 2,62% 371694 52,53% B 14 RKO-AS45-1 Carcinoma de cólon humano 17.238,00 2,44% 388932 54,97% B 15 CHO FLP ovário de hamster recombinante para produção de biofármacos 17.000,00 2,40% 405932 57,37% B 16 RK-13-Rim de coelho 15.827,00 2,24% 421759 59,60% B 17 NIE-115 Neuroblastoma de camundongo 15.577,18 2,20% 437336 61,81% B 18 Sf-21-ovário da libélula Spodoptera frugiperda 15.312,58 2,16% 452648 63,97% B 19 GH3- tumor de Pituitária de rato, secretora de somatotrofina MtT/W5 14.784,00 2,09% 467432 66,06% B 20 MRC-5-pulmão diploide humano 14.196,00 2,01% 481628 68,07% B 21 MDCK- Rim canino 13.832,00 1,95% 495460 70,02% B 22 C2-12 Mioblasto de camundongo 13.056,00 1,85% 508516 71,87% B 79 Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 23 BHK-21-(C-13)Rim de hamster 12.936,00 1,83% 521452 73,69% B 24 Y1 Tumor de adrenal de camundongo 12.506,00 1,77% 533958 75,46% B 25 MA-rim feto de macaco Rhesus 11.951,37 1,69% 545910 77,15% B 26 CHO-K1 ovário de hamster chinês 11.776,00 1,66% 557686 78,81% B 27 HEK, Rim de embrião humano 11.520,00 1,63% 569206 80,44% B 28 K652 leucemia humana 10.773,27 1,52% 579979 81,97% C 29 E.derm-pele de cavalo Equus caballus 10.008,00 1,41% 589987 83,38% C 30 MDBK- Rim bovino 9.916,00 1,40% 599903 84,78% C 31 C6 Glioma de rato 9.240,00 1,31% 609143 86,09% C 32 PK-15-Rim de porco 9.174,00 1,30% 618317 87,38% C 33 Hep-2C-carcinoma de laringe humano 8.712,00 1,23% 627029 88,61% C 34 GH4- tumor de pituitária de rato MtT/W5, secretor de somatotrofina 8.448,32 1,19% 635477 89,81% C 35 LL-24 pulmão humano 8.379,00 1,18% 643856 90,99% C 36 Hela S3-carcinoma epitelioide cervical humano 8.040,00 1,14% 651896 92,13% C 37 IBRS-2-Rim suíno 7.920,00 1,12% 659816 93,25% C 38 DON-pulmão, pseudo diploide de hamster chinês. 7.581,00 1,07% 667397 94,32% C 39 Sp2/O.Ag14-mieloma não secretório de camundongo. 7.236,00 1,02% 674633 95,34% C 40 VH2-coração da serpente Vipera russelli 5.985,00 0,85% 680618 96,19% C 41 P3X63Ag.653- mieloma não secretório de camundongo 5.339,00 0,75% 685957 96,94% C 42 Fibroblasto embrionário de rato 3T3 4.352,00 0,62% 690309 97,56% C 43 PANC 08.13 Adenocarcinoma de pâncreas humano 4.056,00 0,57% 694365 98,13% C 44 L-M(TK)- tecido conjuntivo de camundongo, resistente a BUdR 3.553,00 0,50% 697918 98,63% C 45 SIRK-Córnea de coelho 3.230,00 0,46% 701148 99,09% C 46 B95-8-leucócitos de mico, EBV transformados 3.055,00 0,43% 704203 99,52% C 47 DBS-FRhL- pulmão do macaco Rhesus, Macaca mulatta 1.596,00 0,23% 705799 99,75% C 48 Raji-linfoma de Burkitt humano 728,00 0,10% 706527 99,85% C 49 Aedes albopictus – larva 399,00 0,06% 706926 99,91% C 50 Jijoye - linfoma de Burkitt, humano 399,00 0,06% 707325 99,96% C 51 COS-7 Rim de macaco verde 264,00 0,04% 707589 100,00% C 707.589,29 100,00% 80 Gestão, Ciência & Saúde A Tabela 3 apresenta a classificação ABC das células obtidas por cultura primária e de valor imensurável devido à fragilidade e dificuldade de ob- tenção. Mesmo assim, com os pesos atribuídos alto=3, médio=2 e baixo=1, é possível estabelecer um critério de classificação. TABELA 3 – Culturas primárias Demanda % Demanda Valorizada % Valorizada Individual Acumulada Acumulado Embrião humano total 99 16,42% 99 16,42% A Camundongo, embrião 37 6,14% 136 22,55% A Cascavel, glândula de veneno 34 5,64% 170 28,19% A Cascavel, glândula de veneno, fibroblast. 22 3,65% 192 31,84% A Monoclonal 7F3b 20 3,32% 212 35,16% A Cascavel, glândula de veneno, retic. 18 2,99% 230 38,14% A MLC (Hibridoma epsilon specific) 18 2,99% 248 41,13% A Monoclonal 10E1 16 2,65% 264 43,78% A Embrião humano, coração 15 2,49% 279 46,27% A Monoclonal 10D1 14 2,32% 293 48,59% A Cascavel, glândula de veneno, céls. mistas 12 1,99% 305 50,58% A Cobaia, coração 12 1,99% 317 52,57% B Embrião humano, cordão umbilical 12 1,99% 329 54,56% B Embrião humano, olho 12 1,99% 341 56,55% B Embrião humano, tecido nervoso 12 1,99% 353 58,54% B Camundongo, coração 10 1,66% 363 60,20% B Camundongo, coração, embrião 10 1,66% 373 61,86% B Cascavel, glândula de veneno 10 1,66% 383 63,52% B Monoclonal 11D7 10 1,66% 393 65,17% B Monoclonal 1B10 10 1,66% 403 66,83% B Monoclonal 5B4b 10 1,66% 413 68,49% B Monoclonal 5B4a 10 1,66% 423 70,15% B Monoclonal 7F3a 10 1,66% 433 71,81% B Monoclonal 7E12b 10 1,66% 443 73,47% B Embrião humano, cérebro 9 1,49% 452 74,96% B Monoclonal 7H9 8 1,33% 460 76,29% B Monoclonal 2D10 8 1,33% 468 77,61% B Monoclonal 4D3 8 1,33% 476 78,94% C Monoclonal 6G5 8 1,33% 484 80,27% C Monoclonal 9E3 8 1,33% 492 81,59% C Monoclonal 2F5 8 1,33% 500 82,92% C Células Classe 81 Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 Monoclonal GH3 8 1,33% 508 84,25% C Monoclonal 7E12a 8 1,33% 516 85,57% C Bezerro, pulmão 7 1,16% 523 86,73% C Cascavel, glândula de veneno irrad.UV 6 1,00% 529 87,73% C Cobaia, glândula parótida 6 1,00% 535 88,72% C Embrião humano, pulmão 6 1,00% 541 89,72% C Líquido amniótico, humano 6 1,00% 547 90,71% C Monoclonal 2A7c 6 1,00% 553 91,71% C Cascavel, rim 4 0,66% 557 92,37% C Cobaia, glândula submandibular 4 0,66% 561 93,03% C Galinha, embrião 4 0,66% 565 93,70% C Monoclonal 5B1(CLONE A) 4 0,66% 569 94,36% C Monoclonal 5B1(CLONE B) 4 0,66% 573 95,02% C Monoclonal 7C1-D1 4 0,66% 577 95,69% C Monoclonal 3G2-D1 4 0,66% 581 96,35% C Monoclonal 6E2-D2 4 0,66% 585 97,01% C Monoclonal 7F1-D2 4 0,66% 589 97,68% C Monoclonal 6H6-D2 4 0,66% 593 98,34% C Monoclonal 6F2-D2 4 0,66% 597 99,00% C Monoclonal 5B1(CLONE C) 2 0,33% 599 99,34% C Phoneutria nigriventer 2 0,33% 601 99,67% C Coelho, músculo 1 0,17% 602 99,83% C Camundongo Balb/C, embrião 1 0,17% 603 100,00% C 603 4. DISCUSSÃO Linhagens celulares representam ferramentas biotecnológicas importantes, portanto torna-se urgente garantir a qualidade dessas linhagens. A rastreabilidade de linhagens celulares em um banco de células é de extrema importância, pois permite a localização dos criotubos com rapidez e diminui os riscos de utilização de linhagens erradas. A reestruturação do banco de células animais da Fundação Ezequiel Dias fundamenta-se nas normas ABNT NBR ISO 9001:2000, ABNT NBR ISO/IEC 17025:2005 e Boas Práticas de Laboratório (BPL). Essas normas servem para estabelecer critérios para laboratórios que desejam demonstrar sua competência técnica, que possuam um sistema de qualidade efetivo e que são capazes de produzir resultados tecnicamente válidos. 100,00% A reordenação do banco de células realizadas nesse estudo foi extremamente importante para se obter um levantamento do número de linhagens celulares existentes e se os dados de registro estavam corretos. Durante o processo, verificamos que havia má distribuição dos criotubos, o que impedia a incorporação de novas linhagens, por falta de espaço. A redistribuição dos criotubos no container de nitrogênio permitirá o armazenamento das novas linhagens a serem adquiridas pelo SBCIB. O livro de registro das linhagens celulares estava correto, quanto aos dados de origem da célula, número de passagem e meio de cultura utilizado, embora durante esse processo tenham sido identificadas duas linhagens celulares cujos dados estavam incompletos e estas células foram imediatamente descartadas, não fazendo mais parte do banco de 82 Gestão, Ciência & Saúde células. Essa decisão é necessária para garantir a confiabilidade do material armazenado, evitando ao máximo opiniões divergentes e conflitantes a respeito da confiabilidade dos resultados dos projetos desenvolvidos nesse laboratório. A utilização do método de classificação ABC (7) foi importante para atribuir foco no controle dos itens de maior importância para a instituição, principalmente pelo fato de se tratar de um bem público. Dessa maneira, justifica-se a necessidade de adequação do Laboratório para garantia de melhor eficiência na gestão do banco de células existente. Um dos projetos que poderia ser diretamente afetado pela falta de rastreabilidade das linhagens celulares, seria o teste de citotoxicidade. O SBCIB tem como um dos principais objetivos a realização de ensaios biológicos pré-clínicos no Brasil, servindo como método preditivo para indicar se uma droga candidata é ou não possível de ser utilizada em seres humanos, diminuindo dessa forma a utilização de animais de experimentação. A reestruturação do banco de células, garantindo rastreabilidade dos produtos armazenados e a implantação de um sistema de controle de qualidade genômico dessas linhagens, permitirá a construção de um banco de células certificadas e validadas na Funed, o que significa a produção de células confiáveis para testes de toxicidade em canais iônicos, atividade antitumoral e produção de proteínas recombinantes para o desenvolvimento de biofármacos. As linhagens certificadas são obtidas em bancos de células, existentes no mundo, como o ATCC. Assim, o desenvolvimento de métodos alternativos, substitutos aos animais experimentais, para a otimização pré-clínica é importante neste processo, pela facilidade na seleção de drogas candidatas aos estudos de eficácia e segurança, assim como o emprego do high-throughput screen, que na fase de desenvolvimento possibilita a seleção de novas moléculas (6,12,18). Com a crescente demanda de linhagens celulares utilizadas para produção de proteínas recombinantes, vacinas virais e anticorpos monoclonais, torna-se urgente e necessário garantir o controle de qualidade dessas células. Para avaliar a estabilidade genômica dessas linhagens após sucessivos repiques, planeja-se a implantação de ensaios utilizando técnicas de biologia molecular para avaliação de possíveis alterações em regiões estáveis no DNA. A reestruturação do banco de células animais da Fundação Ezequiel Dias foi fundamental para permitir a rastreabilidade das linhagens e assim aumentar a confiabilidade dos experimentos. Além disso, tal processo contribuirá enormemente para a certificação desse banco celular garantindo a qualidade e confiabilidade dos produtos e/ou serviços prestados pelo BioCIB e estando de acordo com as exigências da agência nacional de vigilância sanitária (ANVISA) e dentro das normas ABNT NBR ISO 9001:2000, ABNT NBR ISO/IEC 17025:2005 e Boas Práticas de Laboratório (BPL). A criação de um banco de dados contendo todas essas informações sobre as linhagens celulares presentes no banco de células animais da Fundação Ezequiel Dias permitirá a divulgação de dados pertinentes aos estudos celulares e biotecnológicos além de ser uma vitrine para a comunidade científica, garantindo e ampliando a atuação da Funed e particularmente do Serviço de Biologia Celular e Inovação Biotecnológica como referência no cultivo celular e de tecidos. AGRADECIMENTOS À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), à Fundação Ezequiel Dias, ao Doutor Hector Montes de Oca (in memorian) que planejou e cuidou da semente do BioCIB por 12 anos, à estagiária Flávia Perrim de Melo e às bolsistas de Iniciação Científica Júnior/Fapemig, Kevne de Souza Nunes e Danielle da Silva Santos. Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS 1. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Disponível em <http://www.anvisa.gov.br>. Acesso em 01 jun 2009. 2. AIMOVA, D. et al. The anticancer drug ellipticine is a potent inducer of rat cytochromes P450 1A1 and 1A2, thereby modulating its own metabolisms. Drug metabolism and disposition. 35(10): 1926- 1934. 3. American Type Culture Collection (ATCC) Disponível em: <URL:htpp://www.atcc.org/>. Acesso em 19 abr 2009. 83 Induced Calcium Signaling. Mol Pharmacol. V.75, p.648–657, 2009. 12. HENDRIKSEN CF. 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Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 85 ESTUDO DA SOROCONVERSÃO DE EQUINOS IMUNIZADOS COM O ANTÍGENO RÁBICO E EFICIÊNCIA DE PROTEÇÃO DO PLASMA HIPERIMUNE SOROCONVERSION STUDY OF EQUINE IMMUNIZED WITH RABIES ANTIGEN AND PROTECTION OF HIPERIMMUNE PLASMA Sophie Yvette Leclercq1, Mônica Oliveira Souza2, Cláudio Fonseca de Freitas3 1 Doutora em Imunologia, Pesquisadora no Serviço de Biologia Celular e Inovação Biotecnológica, Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento, Fundação Ezequiel Dias, [email protected]; 2 Bolsista de Iniciação Científica Júnior da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais; 3 Veterinário do Serviço de Fazenda Experimental da Diretoria Industrial da Fundação Ezequiel Dias RESUMO ABSTRACT Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde, o Brasil ainda se encontra entre os dez países da América Latina e Central que apresentam casos de raiva humana nos últimos três anos. A doença, transmitida principalmente por cães e morcegos, afeta o sistema nervoso central e leva à morte, em praticamente todos os casos, após a manifestação dos sintomas clínicos. Tendo em vista a alta letalidade da doença e a falta de tratamento específico após o início do quadro clínico, é imprescindível o início do tratamento preventivo com vacinação ou soro-vacinação, disponível nos Centros de Referência em Imunobiológicos Especiais do Sistema Único de Saúde, logo após uma provável exposição ao vírus rábico. A Fundação Ezequiel Dias faz parte da rede de laboratórios que supre o Programa Nacional de Imunizações com soros antipeçonhentos, antitetânico e antirrábico. No entanto, no caso específico do soro antirrábico, a Fundação Ezequiel Dias depende de outro laboratório soroprodutor para o fornecimento de bolsas de plasma equinos hiperimunes. Em 2007, foi implantada a produção do antígeno rábico em culturas de células, para imunização dos equinos, a fim de tornar a instituição independente em todas as etapas da produção do soro antirrábico. Este trabalho relata o estudo da soroconversão de equinos imunizados com o antígeno rábico produzido na Fundação Ezequiel Dias e a avaliação da potência do plasma hiperimune bruto. According to the Pan American Health Organization, Brazil was yet between the ten countries of Latin and Central America showing human rabies cases in the last three years. The disease, transmitted principally by dogs and bats, affects the central nervous system and leads to death in all cases after the clinical symptoms manifestation. Because of the high lethality of the disease and the lack of specific treatment after the beginning of clinical symptoms, it is essential to initiate the preventive treatment by vaccination or serum-vaccination, available in the Reference Centers for Special Immunobiologicals, soon after a probable exposition with rabies virus. The Ezequiel Dias Foundation belongs to the laboratory network that supplies the Immunization National Program with antivenom, antitetanic and antirabies serums. However, in the specific case of anti rabies serum, the Ezequiel Dias Foundation depends on another laboratory for the supply of equine hyperimmune plasma. In 2007, it was introduced the production of rabies antigen in cell culture for equine immunization, to achieve the institution independence in all the production process. This work reported the study of equine soroconversion after rabies immunization and evaluation of plasma potency. Palavras-chave: Vírus Rábico, Cultivo Celular, Imunização, Soro Keywords: Rabies Virus, Cell Culture, Immunization, Serum 86 Gestão, Ciência & Saúde 1. INTRODUÇÃO A raiva, doença considerada incurável, contagiosa, causada pelo vírus rábico (gênero Lyssavirus, família Rhabdoviridae) é uma zoonose transmitida ao homem por contato com a saliva de um animal infectado, principalmente pela mordedura ou lambedura de mucosas. O vírus ataca o sistema nervoso central, causando uma encefalomielite aguda e mortal. Os principais transmissores são os cães, gatos e morcegos hematófagos – estes últimos espécies silvestres, importantes reservatórios do vírus rábico em todo o mundo (7,14). A vacina antirrábica ministrada anualmente é a única maneira de controlar a doença em cães e gatos, restando aos morcegos o papel de mais importante reservatório da raiva no meio urbano. No Brasil, o Programa de Profilaxia da Raiva, criado em 1973, permitiu o controle do ciclo urbano diminuindo a incidência de raiva humana transmitida por cães, de 168 casos, em 1980, para 10 casos em 2002 (17). No entanto, observou-se nos últimos anos, uma re-emergência da doença em humanos devido a uma mudança na cadeia de transmissão, com a inclusão do ciclo aéreo da doença. Segundo os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde (19), o número de casos de raiva humana saltou de 10 em 2002 para 44 em 2005 e voltou a diminuir gradativamente a partir de 2006. Na região Sudeste, o estado de Minas Gerais foi um dos dois estados onde ainda foram registrados casos da doença nos últimos anos. Apesar do programa de controle ter se mostrado eficiente, estes dados mostram a necessidade de monitoramento contínuo dessa doença secular e de assegurar o acesso da população ao tratamento. O tratamento pós-exposição é o mais frequente e ocorre, geralmente, após acidentes com animais. As recomendações para o tratamento são a desinfecção imediata da ferida combinada com vacinação ou sorovacinação, dependendo da gravidade do acidente e das características do animal envolvido (3). Uma vez que não existe tratamento específico para a doença após o início do quadro clínico, a neutralização do vírus, antes que atinja as terminações nervosas, é o único meio de prevenção da morte humana (18). Podem ser empregados dois tipos de preparações de anticorpos antirrábicos na profilaxia pós-exposição. O primeiro é o uso de imunoglobulina antirrábica humana (homóloga), produzida a partir de plasma de doadores previamente imunizados. No entanto, essas imunoglobulinas têm custo elevado e são disponíveis em quantidade limitada, por isso são usadas, unicamente, em países desenvolvidos. O segundo é o uso de imunoglobulina antirrábica equina (soro heterólogo), preparada a partir de plasma de equinos hiperimunizados (8). A administração do soro antirrábico permite a neutralização imediata do vírus até que os anticorpos endógenos, que serão induzidos pela ação da vacina, sejam produzidos (5). A Fundação Ezequiel Dias (Funed) faz parte da rede de laboratórios que supre o Programa Nacional de Imunizações (PNI) com soros antipeçonhentos, antitetânico e antirrábico heterólogo. Embora aproximadamente 30% da necessidade anual de soro antirrábico no Brasil (30.000 ampolas) seja atendida pela Funed, a produção é dependente de outro laboratório oficial soroprodutor, o Instituto Vital Brasil do Rio de Janeiro. O Instituto Vital Brasil fornece bolsas de plasma equinos hiperimunes, ficando sob a responsabilidade da Funed seu processamento para obtenção do produto heterólogo final. Buscando autonomia no processo produtivo do soro antirrábico, a Funed implantou, em 2007, a produção do antígeno rábico em cultura de células para imunização de equinos (10). Foram padronizadas as condições de replicação viral e, no início de 2009, foi iniciado o processo de imunização em um grupo piloto de 4 (quatro) cavalos mantidos na Fazenda Experimental da Fundação. O objetivo geral desse trabalho foi o acompanhamento da soroconversão desses equinos assim como, a avaliação da potência do plasma bruto produzido, frente ao soro equino de Referência Nacional. 2. METODOLOGIA Todo o processo de desenvolvimento, produção e testes de controle do antígeno foi realizado conforme as recomendações da Organização Mundial de Saúde e seguindo os protocolos padronizados descritos no Manual de Técnicas de Laboratório para Raiva (11). Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 2.1. Produção do antígeno rábico Para a produção do antígeno rábico, fibroblastos de rim de hamster (células BHK-21) foram primeiramente expandidas por cultivo seriado em meio Dubelcco MEM (Sigma) suplementado com 10% de Soro Fetal Bovino (SFB) e 1% de glutamina, conforme recomendado pela American Type Culture Collection (ATCC), até que o cultivo atingisse uma concentração de células suficiente para a semeadura em garrafas Roller com superfície de 675 cm2. Em seguida, as garrafas foram incubadas a 37° C até que se obtivesse uma monocamada de aproximadamente 50% de confluência celular. Foi então realizada uma troca de todo o meio de cultura (DMEM suplementado com 2% SFB) e o vírus fixo Pasteur (cepa PV) foi inoculado na cultura com uma multiplicidade de infeção 0.2. Após 48 horas de incubação a 37° C, a cultura infectada passou a ser incubada a 33° C e o primeiro sobrenadante foi recolhido com 48 horas. Nesse momento, adicionou-se meio fresco com 2% de SFB e retomou-se a incubação a 33° C por 48 horas até o recolhimento de nova amostra. Os sobrenadantes da cultura infectada foram submetidos à inativação com betapropiolactona, agente alquilante que desnatura os ácidos nucleicos (6,16), na concentração final de 1:8.000. A ausência de virulência residual foi verificada através da inoculação da suspensão, por via intracerebral, em camundongos recém-nascidos (1 a 3 dias) e recém-desmamados (21 a 28 dias). Para que os resultados fossem considerados satisfatórios em relação à inativação do vírus, os animais não devem apresentar sintomas clássicos da raiva ou morte durante um período de observação de 21 dias. Alem disso, testes de esterilidade foram realizados, conforme descrito anteriormente (10). 2.2. Titulação do vírus O título da suspensão viral, antes da inativação, foi determinado através da inoculação de camundongos Swiss e os cálculos realizados segundo o método de Reed & Muench (12). Foram constituídos 3 grupos de 8 camundongos (fornecidos pelo Setor de Biotério da Funed) com peso entre 11-14 gramas. Sob fluxo laminar e em banho de gelo, foram feitas diluições seriadas da suspensão viral em tampão fosfato (PBS) contendo 2% de soro equino, 500 unidades internacionais de penicilina 87 sódica e 500 microgramas de estreptomicina por mililitro (ml). Os camundongos foram inoculados, por via intracerebral, com 0,03 ml das diluições 10-4, 10-5 e 10-6. Os animais foram observados durante 15 dias em relação aos sintomas e óbitos decorrentes da raiva para cálculo do título viral (dose letal 50, DL50). 2.3. Esquema de imunização dos equinos e sangrias Quatros cavalos, mantidos na Fazenda Experimental da Fundação Ezequiel Dias, foram imunizados segundo o protocolo a seguir. Para a imunização de base, foram injetados 2 mL da suspensão viral inativada (106-108 particulas/mL) formulada com marcol/montanide e solução salina/tween 20 nos dias 1 e 20, seguida de 1 mL da suspensão na mesma formulação nos dias 25 e 31. As aplicações foram feitas em 4 pontos na região dorso-lombar e foram realizadas sangrias exploratórias um dia antes de cada imunização. Quatro semanas após a conclusão desse esquema de imunização, os cavalos entraram no ciclo de imunização e sangrias de rotina, obedecendo ao seguinte esquema: 4 mL da suspensão no dia 1, 1 mL no dia 13 e 2 mL no dia 19. Em seguida, foram realizadas 3 sangrias de produção, de 7 litros cada uma, nos dias 25, 29 e 34, acompanhada de plasmaferese. Foram realizados dois ciclos de imunização de rotina com quatro semanas de intervalos. 2.4. Análise da soroconversão Os soros de cavalos, imunizados com o vírus da raiva inativado, foram analisados pelo método de ELISA descrito por Cliquet e colaboradores (2) com algumas modificações. As placas para microtitulação foram sensibilizadas por incubação durante a noite a 4° C com o vírus da raiva inativado na concentração de 2.5 µg/mL diluído em tampão carbonato/bicarbonato 0,05M pH 9,6. No dia seguinte, as placas foram lavadas com solução contendo 0,9% de NaCl e 0,05% de tween 20 pH 7,2 (solução de lavagem) e bloqueadas com 1% de leite em pó desnatado diluído em PBS 0,1 M pH 7,2 durante uma hora a 37° C. Após a lavagem, os soros de cavalos foram adicionados na diluição de 1/1000 e as placas foram incubadas novamente por uma hora a 37° C. Após novas lavagens, 88 Gestão, Ciência & Saúde adicionou-se o conjugado anti-IgG (anti-imunoglobulina) de cavalo ligado a peroxidase na diluição 1/10.000 conforme recomendação do fabricante. Após uma hora de incubação a 37° C e lavagem das placas, o substrato enzimático (OPD – OrthoPhenilDiamino –, peróxido de hidrogênio e tampão citrato) foi adicionado e as placas incubadas por 20 minutos, a temperatura ambiente, na ausência de luz. A reação foi interrompida pela adição de ácido sulfúrico 1/20 e as placas foram lidas em leitor de ELISA com filtro de 492nm. 2.5. Ensaio de potência in vivo Camundongos Swiss webster foram divididos em 12 grupos de 8 animais. Quatros grupos receberam, como controle de morte, o vírus fixo desafio, cepa CVS (Challenge Virus Standard) fornecido pelo Serviço de Controle Biológico, com título aproximado 10-7 DL50/0.03mL. Foram realizadas diluições seriadas do vírus CVS em PBS 0.1M, pH 7.2 e injetadas nos camundongos, por via intracerebral, 0.03 mL das diluições 10-5, 10-6, 10-7 e 10-8, respectivamente. Outros quatros grupos receberam 100 DL50 do vírus CVS previamente incubado com várias diluições (1/8000, 1/16000, 1/32000 e 1/64000) do pool de soro dos cavalos durante uma hora e trinta minutos a 37° C. Os últimos quatro grupos receberam 100 DL50 do vírus CVS previamente incubado com várias diluições (1/2000, 1/4000, 1/8000 e 1/16000) do soro padrão, como controle positivo. Foi utilizado como padrão o soro antirrábico equino de Referência Nacional (Lote BR011), fornecido pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS- Fiocruz) com potência de 153 UI/ml. Os animais foram observados durante 14 dias com relação aos sintomas e óbitos decorrentes da raiva. A potência do pool de soro de cavalo foi determinada frente a potencia do soro de Referência Nacional utilizando o programa CombiStats (4). 3. RESULTADOS 3.1. Teste de estabilidade do antígeno rábico A fim de testar a estabilidade da suspensão de antígeno rábico, com título inicial de 10-6.8 DL50/0.03mL, várias alíquotas da suspensão viral antes da inativação, adicionada de sacarose (10% na concentração final), foram conservadas em freezer -20° C e -80° C, respectivamente. Após 4, 8 e 11 meses de conservação, uma alíquota da suspensão, conservada em cada uma das temperaturas, foi descongelada e titulada. Os resultados apresentados na Figura 1 mostram que o título da suspensão viral conservada a -80° C permaneceu em 10-6.8 DL50/0.03mL, estável durante oito meses, seguido de uma ligeira queda no título com 11 meses de conservação. Durante o mesmo período, a suspensão viral conservada a -20° C apresentou uma maior variabilidade no título, não demonstrando resultados conclusivos quanto a sua estabilidade. FIGURA 1 – Estabilidade da suspensão viral conservada em duas temperaturas Foram descongeladas alíquotas da suspensão viral conservada em freezer -20° C ou -80° C após 4, 8 e 11 meses de conservação e o título foi determinado pela inoculação em camundongos Swiss. 3.2. Imunização dos equinos e avaliação da resposta humoral antirrábica Quatros cavalos, identificados como 628, 629, 630 e 631, mantidos na Fazenda Experimental da Fundação Ezequiel Dias, foram imunizados segundo o protocolo descrito na metodologia (item 2.3), durante um período de sete meses. Após cada imunização, foi realizada uma sangria exploratória e o soro de cada cavalo foi testado individualmente por ELISA quanto à resposta humoral antirrábica. Os resultados da Figura 2 demonstram que todos os cavalos responderam às imunizações, apesar de o cavalo 628 ter apresentado uma resposta mais fraca com relação ao outros animais. O pico Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 da resposta foi atingido rapidamente após a terceira imunização do ciclo de base e se manteve equivalente nas imunizações subsequentes. 89 100 DL50 do vírus desafio (CVS) foram incubados com várias diluições de soro durante 1 hora e 30 minutos a 37° C. Foram injetados 0.03 mL de cada diluição em camundongos Swiss webster por via intracerebral e os animais foram monitorados durante 14 dias 4. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO FIGURA 2 – Cinética da resposta humoral antirrábica Soros de cavalos imunizados com o antígeno rábico foram testados por ELISA para detecção de anticorpos após cada uma das imunizações ao longo de 7 meses. 3.3. Ensaio de potência in vivo A fim de conferir o potencial protetor do soro hiperimune proveniente dos cavalos imunizados, foi preparado um pool de soro dos quatros cavalos após o primeiro ciclo de imunização de rotina. O resultado do ensaio de potência (Tabela 1), realizado frente ao Soro de Referência Nacional (INCQS- Fiocruz) mostrou que a dose efetiva 50 (DE50) do pool de soro bruto foi de 1/49484, o que corresponde a uma potencia de 1295 UI/mL. Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde, cerca de 10 milhões de pessoas recebem o tratamento pós-exposição contra a raiva, em mais de 85 países. Nas Américas Latina e Central, dez países, inclusive o Brasil, ainda apresentavam, nos últimos três anos, casos de raiva humana transmitida por cães ou morcegos (15). O número de pacientes atendidos no Brasil, suspeitos de terem sido expostos ao vírus rábico, gira em torno de 400.000/ ano, dos quais 250.000 iniciam o tratamento (17), tornando a produção do soro e da vacina antirrábica de grande importância para a saúde pública. A implantação da produção do antígeno rábico na Fundação Ezequiel Dias foi de extrema importância na busca da autonomia institucional uma vez que, até então, a produção do soro antirrábico dependia do fornecimento do plasma de outro laboratório oficial. Dando continuidade ao processo, foi iniciada a imunização dos equinos para obtenção das bolsas de plasma hiperimune para produção do lote industrial. Devido à importância crescente da propagação viral em cultivo celular para produção de soros e vacinas, a termo-estabilidade do vírus rábico já TABELA 1 – Potência do plasma hiperimune Soro de Referência DE50 Potencia Pool de plasma Diluição do soro No de sobreviventes Diluição do soro No de sobreviventes 1/2000 8/8 1/8000 7/8 1/4000 5/8 1/16000 6/8 1/8000 1/8 1/32000 3/8 1/16000 2/8 1/64000 1/8 1/5844 1/49484 153 UI/mL 1295 UI/mL 90 Gestão, Ciência & Saúde foi bem estudado. Michalski e colaboradores (12) mostraram que o vírus rábico é facilmente inativado a 56° C durante 15 minutos ou a 37° C durante quatros dias. Por outro lado, a conservação a 4 °C durante 15 dias mostrou uma perda de 1 log10 no título infeccioso. No entanto, a estabilidade da preparação antigênica em longo prazo é de extrema importância uma vez que os equinos são imunizados ao longo de vários anos, embora seja recomendada a utilização dos lotes de antígeno dentro do prazo de um ano após a sua preparação. Num estudo de estabilidade, realizado com uma vacina rábica viva atenuada, Lawson e Bachmann (2001) (9) mostraram que não houve perda de título viral quando a vacina foi conservada a -30° C por até doze meses, enquanto houve uma perda significativa (0.5log10 /mL) quando a mesma vacina foi conservada a -20° C. Nossos dados preliminares, obtidos com o único lote, mostraram um resultado muito semelhante ao trabalho de Lawson e Bachmann, onde o título se manteve estável durante oito meses, quando a suspensão viral foi conservada a -80° C, enquanto a mesma suspensão perdeu 0.5 log10 no título quando esta foi conservada a -20° C durante o mesmo período. Quando imunizados com o antígeno rábico, os quatros cavalos desenvolveram uma resposta humoral satisfatória, apesar de o cavalo 628 ter mostrado uma resposta mais fraca em relação à produção de anticorpos. As diferenças individuais são esperadas uma vez que fatores genéticos, fatores nutricionais, stress e idade, entre outros, influenciam o desempenho do sistema imunológico (1,13). Entretanto, o pool de plasma bruto dos quatros cavalos se mostrou altamente protetor com potência calculada de 1295 UI/mL. Após processamento do plasma hiperimune, o produto final é acondicionado em ampola de 5 mL contendo 1000UI e a dose recomendada para tratamento com soro antirrábico é de 40UI/ Kg de peso (8). Baseado na potencia obtida com o pool de plasma e segundo estimativa do Serviço de Produção de Imunobiologicos (Funed), o processamento de um lote de 200 litros de plasma renderia em torno de 60 ampolas/litro, rendimento semelhante ao obtido por outros laboratórios oficiais, e, superior ao obtido para outros tipos de soros (comunicação pessoal). Em conclusão, a Fundação Ezequiel Dias possui agora um primeiro lote de plasma hiperimune a ser processado, estando, portanto, apto a comple- mentar todas as etapas de produção do soro antirrábico. A tropa de cavalos a ser imunizada está sendo ampliada para atingir a meta de 30.000 ampolas por ano. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem aos funcionários da Fazenda Experimental da Fundação Ezequiel Dias pelos cuidados dos animais e realizações das sangrias e a Célia de Fátima Barbosa, responsável pelo Serviço de Controle Biológico da Funed, e equipe, pela preparação do vírus desafio (CVS) e por disponibilizar as áreas do serviço para realização dos experimentos em camundongos. Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Chloe.L and Thio.MD. Host genetic factors and antiviral immune responses to HCV. Clin Liver Dis. 2008. 12: 713- 727. 2. Cliquet F., et al. Development of a qualitative indirect ELISA for the measurement of rabies virusespecific antibodies from vaccinated dogs and cats. Journal of Virological Methods,v.117, p.18, 2004. 3. Costa. W.A. Projeto Diretrizes: Vacina contra a raiva humana. Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina- Sociedade Brasileira de Pediatria. 2002. 4. Daas.A. The CombiStats User Manual. 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Milton Cabral de Vasconcelos Neto1, Carolina Araújo Vieira2, Ana Cláudia Brandi Ferreira3, Maria Crisolita Cabral da Silva4, Virgínia del Carmen Troncoso Valenzuela5, Flaviane Cristina Lopes Matosinhos6, Regina Márcia Bahia Paiva7, Wilson Aparecido Moreira8, Maria Eloiza Sampaio8 1. Médico Veterinário, Mestre em Ciência de Alimentos, Analista e Pesquisador de Saúde e Tecnologia (APST) no Serviço de Microbiologia de Produtos, Instituto Octávio Magalhães, Fundação Ezequiel Dias (Funed), [email protected]; 2. Mestre em Microbiologia, APST no Laboratório de Microbiologia de Alimentos (LMA), Instituto Octávio Magalhães (IOM), Funed; 3. Médica Veterinária, Mestre em Medicina Veterinária, APST no LMA do IOM, Funed; 4. Farmacêutica, Mestre em Medicina Veterinária, APSTV no LMA do IOM; 5. Bióloga, Doutora em Biologia Vegetal, APSTV no Serviço de Microscopia de Produtos (SMCP), IOM, Funed; 6. Bióloga, APST no SMCP, IOM, Funed; 7. Médica Veterinária, Mestre em Medicina Veterinária, APST no SMCP, IOM, Funed; 8. Técnico em Química do SMP, IOM, Funed. RESUMO ABSTRACT Este estudo avaliou trinta e oito amostras de pimenta-doreino disponíveis no comércio varejista quanto aos parâmetros microbiológicos e microscópicos, nos Laboratórios de Microbiologia de Alimentos e Microscopia de Produtos da Fundação Ezequiel Dias. Os parâmetros analisados que indicaram a qualidade microbiológica dos produtos foram contagem de coliformes à 45 ºC e pesquisa de Salmonella spp. conforme recomendado pela resolução RDC nº 12 de janeiro de 2001 (6). A verificação da identidade do produto foi realizada pela comparação com padrões e literatura especializada. Para a detecção de matérias estranhas utilizou-se o método de pesquisa de sujidades leves, da Association of Official Analytical Chemists. Do total de amostras, 60,5% estavam em desacordo em pelo menos um dos parâmetros microbiológicos ou microscópicos. Sete amostras (18,4%) foram condenadas pela contagem de coliformes a 45°C superior a 102 NMP/g e quatro (10,5%) pela presença de Salmonella spp. As análises microscópicas revelaram que nove (23,7%) continham pelo de roedor; seis (15,8%), fragmentos de insetos e doze (31,6%), elementos histológicos característicos de milho (Zea mays). Pelos resultados observados, a presença de matérias estranhas no alimento indica condições higiênicas inadequadas durante alguma etapa do processamento, portanto, uma possível fonte causadora de agravo à saúde humana. Este estudo ressalta a importância de programas de monitoramento visando efetivar as ações de controle sanitário na área de alimentos; posto que novos hábitos alimentares têm sido incorporados na sociedade promovendo o consumo deste alimento in natura. In this paper thirty-eight samples of ground black pepper were evaluated by the microbiological and microscopy criteria in the Laboratories of Food Microbiology and Microscopy of Products at Fundação Ezequiel Dias. The parameters analyzed were Coliform at 45°C and Salmonella spp. as recommended by Resolution RDC 12 January, 2001. The verification of the identity of the product was based on comparison with standards and literature. To evaluate extraneous materials was used the research method of light filth, of the Association of Official Analytical Chemists. 60.5% of the total sample, were in disagreement on at least one of microbiological / microscopic parameters. Seven samples (18.4%) were insatisfactory by coliform at 45°C counts greater than 102 MPN/g and four (10.5%) by the presence of Salmonella spp. In microscopic analysis, nine (23.7%) contained rodents hair, six (15.8%), fragments of insects and twelve (31.6%) histological elements characteristic of corn (Zea mays). The results showed that the evidence of foreign substances in food, what indicates insanitary conditions during some stage of processing, thus causing a possible source of threat to human health. Moreover, contamination by microorganisms and/or fragments of insects and vectors, as demonstrated in this study, further analysis of these products are required since the fresh consuption of this kind of food have been incorporated into the society. Palavras-chave: Pimenta-do-reino, Coliformes, Salmonella spp., Microscopia, Qualidade Keywords: Ground Black Pepper, Salmonella spp., Coliform, Microscopy, Quality 94 Gestão, Ciência & Saúde 1. INTRODUÇÃO A pimenta-preta (Piper nigrum L.), também chamada de pimenta-redonda e, no Brasil, pimenta-doreino, é uma das mais antigas especiarias. Tem um sabor forte, levemente picante, proveniente de um composto químico chamado piperina. Conhecidas como condimentos as especiarias são produtos constituídos de partes de uma ou mais espécies vegetais (raízes, rizomas, bulbos, cascas, folhas, flores, frutos e sementes) utilizadas para agregar sabor ou aroma diferenciados aos alimentos e bebidas, podendo apresentar valor nutricional e fisiológico (8,9). O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de pimenta-do-reino (11). A pimenta-do-reino é usada não somente na alimentação humana como também para uma variedade de propósitos (medicinal, perfumaria). Muitos efeitos fisiológicos da pimenta têm sido atribuídos à piperina (alcaloide), reconhecida como seu princípio ativo. A ingestão de piperina favorece o estímulo de enzimas digestivas pelo pâncreas, aumentando a capacidade digestiva e reduzindo o tempo de trânsito do bolo alimentar no trato gastrintestinal (19). Como as especiarias são cultivadas em regiões tropicais e subtropicais, são submetidas a variações climáticas e passam por processos artesanais de secagem, estão sujeitas com relativa facilidade, à fermentação, perdas de essências voláteis, infestação por insetos e roedores e proliferação de microrganismos (11,13), portanto fazse necessária a avaliação de sua qualidade antes de serem distribuídas no comércio. As análises laboratoriais, sejam elas microbiológicas ou microscópicas, têm como objetivo caracterizar os alimentos, avaliando a sua conformidade frente aos padrões de identidade e qualidade como também avaliar as condições higiênico-sanitárias do produto. Alguns dos fatores de não conformidade como matéria estranha, contaminação bacteriana, entre outros, originam-se nas matériasprimas, sendo assim carregados para o produto final, enquanto outros podem ser provenientes de manuseio, processo tecnológico ou armazenamento e distribuição inadequados. Além disso, a matéria-prima in natura ou processada em más condições, como as especiarias, poderiam ser fontes de contaminação microbiológica em outros produtos elaborados como cárneos e queijos. Por isso, estes produtos devem ser obtidos de ingredientes limpos e isentos de impurezas, processados, embalados, armazenados, transportados e conservados em condições que não produzam, agreguem ou desenvolvam substâncias químicas, físicas, ou biológicas que coloquem em risco a saúde do consumidor. Desta maneira, é importante o controle da matéria-prima antes da chegada à planta de processamento, continuando durante cada etapa da linha de produção até o produto final. O conhecimento adquirido ao longo do estudo da cadeia produtiva auxilia na determinação das possíveis fontes de contaminação. (4). A ação inibitória das especiarias e seus extratos contra diferentes microrganismos tem sido relatada em diversos estudos (5,10,11,12,15,17,18). Esta propriedade poderia dificultar a determinação da presença ou contagem de microrganismos. Assim, a detecção de matérias estranhas pode ser indicada para a determinação das condições higiênicas desse tipo de produto. Este estudo objetivou avaliar as condições higiênico-sanitárias, a identidade e a qualidade de amostras de pimenta-do-reino (Piper nigrum L.). 2. MATERIAIS E MÉTODOS Foram analisadas na Fundação Ezequiel Dias 38 amostras de pimenta-do-reino, coletadas no mercado varejista, durante o ano de 2008. Os parâmetros microbiológicos analisados foram contagem de coliformes a 45°C e Salmonella spp. conforme recomendado pela resolução RDC nº 12 de janeiro de 2001. A metodologia utilizada para a determinação dos coliformes a 45°C foi o Número mais Provável (NMP), que fundamenta-se na utilização de meios de cultura para teste presuntivo, meios seletivos para a determinação do número mais provável de coliformes a 35°C e meios seletivos em temperaturas seletivas para a determinação do número mais provável de coliformes a 45°C, termotolerantes (3). A metodologia para a pesquisa de Salmonella spp. foi o método ELFA (Enzyme Linked Fluorescent Assay) no sistema automatizado VIDAS®, com confirmação dos Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 casos positivos pelo método de pré-enriquecimento e plaqueamento em meio seletivo (3). A verificação da identidade do produto baseou-se na confecção de lâminas temporárias contendo pequenas porções de pimenta-do-reino e, posteriormente, comparação com padrões e literatura especializada. A luz polarizada foi utilizada na confirmação da presença de amido de milho (1). Para a pesquisa de sujidades leves em pimenta-do-reino moída utilizou-se o método 972.40A da Association of Official Analytical Chemists, onde inicialmente as amostras foram homogeneizadas e pesadas, passando por etapas de lavagem em água quente, fervura com solução de isopropanol e resfriamento. Para a flutuação e extração das sujidades utilizou-se uma mistura oleosa, em frasco-armadilha de Wildman, com agitação e repouso alternados. Após a separação da fase oleosa, esta foi coletada e filtrada. O papel de filtro foi observado em estereomicroscópio, utilizando-se de microscopia óptica para a confirmação das sujidades recuperadas (2). 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Das 38 amostras de pimenta-do-reino analisadas, 23 (60,5%) estavam em desacordo com pelo menos um dos parâmetros microbiológicos ou microscópicos. Sete amostras (18,4%) foram condenadas pela contagem de coliformes a 45°C superior a 102 NMP/g e quatro (10,5%) pela presença de Salmonella spp. (Figura 1). 95 A contaminação da pimenta-do-reino pode ocorrer, principalmente, durante a secagem, quando o produto permanece exposto ao sol, ou durante a armazenagem (11). As condições sanitárias no cultivo também influem nos níveis de contaminação, assim como os cuidados com a colheita. Em relação aos riscos à saúde, o problema maior refere-se ao consumo direto in natura (como, por exemplo, temperos caseiros e para saladas) ou, indiretamente, quando a pimenta-do-reino é adicionada aos produtos elaborados, por exemplo os embutidos. Nesse caso, as especiarias poderão servir de fonte de contaminação para o alimento, permitindo, em condições favoráveis o desenvolvimento de microrganismos. Quanto aos parâmetros microscópicos, nove amostras (23,7%) continham pelo de roedor; seis (15,8%), fragmentos de insetos, e doze (31,6%), amido característico de milho (Zea mays) (Figura 1). Das onze amostras condenadas pelos parâmetros microbiológicos, quatro apresentaram pelo de roedor e/ou numerosos fragmentos de insetos (Ordem Coleoptera). Outras duas amostras, além de serem condenadas pelos padrões microbiológicos, foram condenadas por apresentarem elementos histológicos característicos de milho. Esse tipo de fraude lesa o consumidor quanto à identidade e qualidade do produto e pode incorporar perigos não previstos. A presença de pelo de roedor torna o produto impróprio para consumo, pois esses animais são transmissores de doenças, tais como a salmonelose, leptospirose, pestes, viroses, entre outras (7,14,16). FIGURA 1 – Percentual de amostras condenadas por ensaio 96 Gestão, Ciência & Saúde Cinco amostras foram condenadas somente pelos parâmetros microbiológicos, e doze amostras somente pelos padrões microscópicos (Figura 2). Sendo assim, ressalta-se a importância das duas avaliações, microbiológica e microscópica, quanto à qualidade deste produto, uma vez que fraudes podem ser detectadas pelo ensaio microscópico e microrganismos causadores de doenças transmitidas por alimentos (DTA) por metodologias microbiológicas padronizadas. Ainda pelos ensaios microscópicos, avalia-se às condições higiênico-sanitárias de produção da pimenta-do-reino pela pesquisa de matérias estranhas. 4. CONCLUSÃO Outro ponto a ser considerado é que muitas especiarias possuem ação inibitória contra microrganismos (10). Entretanto, essa afirmativa não foi corroborada pelos resultados obtidos neste, demonstrada pela possibilidade de isolamento de microrganismos indicadores e patogênicos em um tipo de especiarias, já que 11 (28,9%) amostras foram consideradas insatisfatórias quanto à contagem de coliformes a 45°C ou presença de Salmonella spp. RISTORI e colaboradores (18) também A evidência da presença de matérias estranhas no alimento indica condições higiênicas inadequadas durante alguma etapa do processamento, portanto, uma possível fonte causadora de agravo à saúde humana. O alto percentual de amostras de pimenta-do-reino (Piper nigrum L.), contaminadas por microrganismos e/ou por fragmentos de insetos e pelos de roedor, ressalta a importância de programas de monitoramento visando efetivar ações de controle sanitário na área de alimentos. não demonstraram o efeito inibitório da pimentado-reino preta moída e de seu óleo essencial contra uma cepa de Salmonella rubislaw. O tratamento térmico e a radiação ultravioleta são procedimentos indicados como alternativas para a redução de microrganismos nesse tipo de produto. Contudo devem ser avaliados a eficiência desses processos, os custos e as desvantagens na sua aplicação. FIGURA 2 – Percentual de amostras condenadas pelos padrões microbiológicos e microscópicos Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. AKISUE, F.O.G & AKISUE, M.K. Farmacognosia. São Paulo: Editora Atheneu, 1998. 412p. 2. ASSOCIATION OF OFFICIAL ANALYTICAL CHEMISTS - AOAC. Official methods of analysis of AOAC International (17.ed.): Washington, 2000. 1094p. 3. APHA. Compendium of methods for the microbiological examination of foods (4. ed.): Washington, 2001. 678p. 4. BarBieri, M.K et al. Microscopia em Alimentos: Identificação Histológica e Material Estranho. Instituto Tecnológico de Alimentos – Centro de informação em alimentos – CIAL/ ITAL, 2º edição, Campinas, 2001. 5. Beuchat, L.R. 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Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 99 LEITE UHT: QUALIDADE FÍSICO-QUÍMICA E OCORRÊNCIA DE ADULTERAÇÕES EM AMOSTRAS COLETADAS NO ESTADO DE MINAS GERAIS MILK UHT: PHYSICO-CHEMICAL QUALITY AND OCCOUR OF ADULTERATION IN SAMPLES COLECTED IN THE MINAS GERAIS STATE Cláudia Aparecida de Oliveira e Silva1, Sara Araújo Valladão2, Cristiane Lúcia Goddard2, Flávia Silva Paula Coimbra3, Maria de Fátima Gomides4, Mariem Rodrigues Ribeiro Cunha5, Renata Adriana Labanca6 1. Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos, Analista de Saúde e Tecnologia da Fundação Ezequiel Dias (Funed), [email protected]; 2. Farmacêutica, Analista de Saúde e Tecnologia da Funed; 3. Engenheira de Alimentos, Especialista em Gestão Ambiental de Resíduos Sólidos, Analista de Saúde e Tecnologia da Funed; 4. Química, Analista de Saúde e Tecnologia da Funed; 5. Doutora em Ciência de Alimentos, Analista de Saúde e Tecnologia da Funed, Responsável técnica pelos laboratórios de Química Bromatológica e Cromatografia; 6. Doutora em Ciência de Alimentos, Analista de Saúde e Tecnologia da Funed RESUMO ABSTRACT Segundo a legislação brasileira, o produto leite não pode ser adicionado de substâncias não permitidas, caracterizando a sua adulteração intencional como fraude. O presente trabalho avaliou parâmetros físico-químicos em amostras de leite UHT coletadas de outubro a dezembro de 2007 em Minas Gerais, em atendimento às solicitações da Polícia Federal. Devido ao caráter investigativo, foram realizados os ensaios previstos na Portaria nº 370 de 1997 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e ensaios adicionais descritos na Instrução Normativa nº 68 de 2006, do mesmo órgão. Todas as amostras apresentaram aspecto, cor, odor e estabilidade ao álcool 68% em concordância com o estabelecido pela legislação. Em nenhuma delas foi confirmada a presença de cloretos e/ou peróxido de hidrogênio, porém, em 44% foi detectada a presença de sacarose. Todas estavam de acordo com a Portaria 370 de 1997 para os parâmetros acidez e sólidos não gordurosos. Em relação à matéria gorda, 4% das amostras apresentaram valores abaixo do estabelecido. Considerando os valores estabelecidos na Instrução Normativa nº 68 para leite fluido, 96% das amostras estavam em desacordo para o quesito alcalinidade nas cinzas e, se considerarmos os valores estabelecidos pela Instrução Normativa nº 51 de 2002 para leite cru, 16% estavam em desacordo para o parâmetro crioscopia, 24% para o teor protéico e todas estavam satisfatórias para o parâmetro densidade. Comparando o teor encontrado de sódio com o teor rotulado, 88% das amostras apresentaram desvio superior a 20%. O valor médio do parâmetro umidade foi de 88,46%, corroborando com dados da literatura. Com base nos resultados apresentados, sugere-se que o teor de proteínas crioscopia passem a compor as exigências de padrões de identidade e de qualidade do leite UHT, a fim de dificultar a ocorrência de adulterações. Sugere-se que a pesquisa de sacarose por Cromatografia Líquida de Alta Performance seja prática de rotina nos laboratórios que realizam análise fiscal de leite e também que haja monitoramento contínuo dos nutrientes declarados no rótulo, através de determinações analíticas, já que o rótulo é o principal veículo de comunicação da empresa com o consumidor. The present work evaluated parameters physico-chemical in collected milk samples UHT of October the December of 2007 in Minas Gerais, in attendance to the requests of the Federal Policy. According to Brazilian legislation, the product milk cannot be added of substances not allowed, characterizing its intentional adulteration as fraud. Due to the investigative character of these operations, the assays foreseen discribed in Portaria nº 370 of 1997 of the MAPA and others assays add described in the Normative Instruction nº 68 of 2006, of the MAPA. All the samples had presented aspect, color, odor and stability to 68% alcohol in agreement with the established one for the legislation. In none of them the presence of chlorides and/or hydrogen peroxide was confirmed. All were in accordance with Portaria 370 of 1997 for the parameters not greasy acidity and solids. In relation to the fat substance, 4% of the samples had presented values below of the established one. Considering the values established in NI nº 68 for fluid milk, 96% of the samples would be in disagreement for the alkalinity in ashes and, if to consider the values established for NI nº 51 of 2002 for raw milk, 16% would be in disagreement for the parameter depression of the point of freezing and 24% for the protein content. Already in relation to the parameter density all would be satisfactory. On the basis of the presented results, are suggested that the protein content and the depression of the freezing point start to compose the requirements of standards of identity and quality of milk UHT, in order to make it difficult the occurrence of adulterations. Palavras-chave: Leite UHT, Adulterações, Qualidade FísicoQuímica Keywords: Milk UHT, Adulteration, Physico-Chemical Quality 100 Gestão, Ciência & Saúde 1. INTRODUÇÃO O leite é um alimento de grande importância na alimentação e, devido ao seu elevado valor nutritivo, se torna essencial na promoção do crescimento e manutenção da vida para o ser humano. A produção brasileira de leite UHT foi de 4,9 bilhões de litros em 2007, representando 79% da venda de leite fluido (1). Se associarmos à sua importância nutritiva como alimento, estaremos diante de um dos produtos mais relevantes da agropecuária brasileira. Portanto, o leite e seus derivados desempenham um importante papel no suprimento de alimentos e na geração de emprego e renda para a população. Nesse contexto, a garantia da qualidade do leite torna-se imprescindível na cadeia do agronegócio. A Portaria nº 370 de 1997 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que oficializa o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leite UHT, o define como o leite homogeneizado que foi submetido, durante 2 a 4 segundos, a uma temperatura entre 130 °C e 150 °C, mediante um processo térmico de fluxo contínuo, imediatamente resfriado a uma temperatura inferior a 32 °C e envasado sob condições assépticas em embalagens estéreis e hermeticamente fechadas. Os requisitos físicoquímicos de qualidade conforme Portaria nº 370 de 1997 são: o teor de matéria gorda, a acidez titulável, a estabilidade ao etanol 68% v/v, o extrato seco desengordurado, a acidez titulável e a estabilidade ao etanol 68% após incubação por 7 dias a 35ºC. É permitido o uso de fosfato de sódio (mono, di, e tri), e citrato de sódio, como estabilizantes, na concentração máxima de 0,1% (8). O produto leite não pode ser adicionado de substâncias não permitidas, caracterizando a sua adulteração intencional como fraude (9). O Código Penal Brasileiro classifica a fraude de alimento como crime hediondo, estabelecendo reclusão de 1 a 2 anos, tanto para os fraudadores, como para quem expõe à venda no varejo e/ou no atacado o produto fraudado (7). Também para as autoridades da saúde, a fraude de produtos é considerada infração sanitária (14). A fraude prejudica não somente os consumidores, por adquirirem um produto de qualidade inferior, como também os concorrentes da empresa fraudadora, visto que um produto de boa procedência e que atenda aos parâmetros de qualidade se torna menos competitivo comercialmente que o produto adulterado. Infelizmente, acredita-se que ainda existam empresas capazes de realizar fraudes intencionais no leite, provavelmente devido à impunidade, conforme visto em uma operação de combate à fraude realizada pelo MAPA em 13 estados brasileiros, onde detectaram irregularidades em 43% das 74 indústrias investigadas (11). Brandão et. al. (4) após desenvolverem metodologia de análise laboratorial por cromatografia de camada fina para determinar presença de carboidratos estranhos ao leite, encontrou maltodextrina sistematicamente em amostras de leite em pó de uma empresa fracionadora, demonstrando que existem produtos em desacordo com os padrões estabelecidos pela legislação. No final do ano de 2007, após uma denúncia de suspeita de adição de hidróxido de sódio (soda cáustica) e peróxido de hidrogênio (água oxigenada) à matéria-prima utilizada na fabricação de leite UHT em mais de uma empresa em Minas Gerais, a Polícia Federal realizou a operação “Ouro Branco”, em que empresas foram interditadas e várias pessoas envolvidas foram detidas. Tal operação causou grande impacto em todo o país, colocando em prova a qualidade e a idoneidade do leite UHT brasileiro e provocando uma queda no consumo deste produto pela população. O presente trabalho teve como objetivo avaliar os parâmetros físico-químicos em amostras de leite UHT coletadas de outubro a dezembro de 2007 no estado de Minas Gerais, em atendimento às solicitações da Polícia Federal. 2. MATERIAL E MÉTODOS Foram avaliadas 25 amostras de sete diferentes marcas de leite UHT produzidas nos estados de Minas Gerais, Goiás e São Paulo, coletadas durante a operação “Ouro Branco”, da Polícia Federal. As análises foram realizadas nos Laboratórios de Química Bromatológica e Cromatografia/Serviço de Química/Divisão de Vigilância Sanitária/Instituto Octávio Magalhães, na Fundação Ezequiel Dias (Funed). Devido ao caráter investigativo desta operação, foram realizados os ensaios de qualidade previstos na Portaria nº 370 de 1997 do MAPA e outros que evidenciassem possíveis adulterações. Avaliou-se os parâmetros adicionais: densidade a 15 ºC, umidade e teor de sólidos totais, de proteína, depressão do ponto de congelamento, resíduo mineral fixo, alcalinidade nas cinzas, estabilidade ao alizarol 72% (v/v) e pesquisa de cloretos, peróxido de hidrogênio e sacarose. Todas as análises Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 foram realizadas, no mínimo, em duplicata. Foram seguidas as metodologias descritas na Instrução Normativa nº 68 de 2006, do MAPA (5). A pesquisa de sacarose foi realizada por cromatografia líquida de alta eficiência com detector de índice de refração (CLAE/IR), baseada na metodologia da Association of Official Analytical Chemists (3), com limite de detecção do equipamento de 0,2 ug e o limite de detecção do método de 84,9 mg/L. Para análise de sódio, a metodologia utilizada foi do Instituto Adolfo Lutz (10). A curva padrão foi realizada utilizando solução de sódio 1000 mg/L (Merck), preparadas nas concentrações de 1,00; 2,00; 5,00; 7,50 e 10,00 mg/L em solução aquosa, acidificadas a 10% (v/v). As amostras foram pesadas e levadas à estufa com circulação e renovação de ar (Marconi, mod. MA035), a 70 ºC, e após 12 horas levadas à mufla (Vulcan, mod. 3-1750) utilizando a rampa de aquecimento descrita na Tabela 1. Após o resfriamento das amostras, colocou-se 1 mL de HNO3 concentrado e levou a chapa aquecedora a 100 oC até secura e novamente a mufla a 375 oC por uma hora. As cinzas obtidas foram adicionadas de 10 mL de HCl concentrado, e aferidas em balão volumétrico de 100 mL com água purificada em sistema Milli-Q. As amostras foram analisadas diretamente por espectrometria de emissão óptica com plasma indutivamente acoplado (ICP-OES) (Perkin Elmer, mod. Optima 2000 DV – amostrador, mod. As90plus), na configuração Axial, 1400 kw de potência de radiofrequência, 0,60 L min.-1 de vazão de gás. A curva de calibração foi construída e verificada a linearidade da resposta. TABELA 1 – Parâmetros de secagem das amostras de leite em forno mufla Tempo (h) Temperatura (°C) Rampa de aquecimento (ºC/min) 1 100 5 1 250 5 5 530 10 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Todas as amostras apresentaram aspecto, cor, odor e estabilidade ao álcool 68% (v/v) em concordância com o estabelecido pela legislação. Em nenhuma delas foi confirmada a presença de 101 cloretos e/ou peróxido de hidrogênio. O fato de não se ter detectado peróxido de hidrogênio nas amostras, não necessariamente indica que não houve a adição deste produto no leite “in natura”, pois o mesmo sofre decomposição poucas horas após sua adição ao leite, o que dificulta a sua detecção no produto final. Em 44% das amostras foi detectada a presença de sacarose, indicativo de adulteração do leite UHT (Tabela 2). Estes resultados corroboram com os trabalhos de MARTINS et. al. (13), que também encontraram sacarose em oito das 55 amostras de leite UHT analisadas e maltodextrina em duas delas. A adição de sacarose ao leite normalmente é realizada com o objetivo de mascarar a adição de água e outros diluentes, agindo assim como um reconstituinte da densidade e do ponto de congelamento do produto, o que dificulta a detecção deste tipo de adulteração quando se utiliza as técnicas de rotina para a avaliação e monitoramento da qualidade do leite. Os métodos oficiais do MAPA para verificar a adição de sacarose ao leite são qualitativos e possuem baixa sensibilidade. Logo, a utilização de um método mais sensível, utilizando CLAE/IR, é de fundamental importância para a detecção da fraude no leite por adição de sacarose. TABELA 2 – Resultados dos parâmetros qualitativos avaliados nas amostras de leite UHT Parâmetros qualitativos Valores de referência Não conformidades (%) Aspecto Líquido 0 Cor Branca 0 Odor Característico 0 Estabilidade ao álcool 68% (v/v) Estável 0 Estabilidade ao alizarol 72% (v/v) Estável* 0 Presença de cloretos Negativo 0 Presença de peróxido de hidrogênio Negativo 0 Presença de sacarose Negativo 44 *padrão estabelecido para leite cru (Instrução Normativa nº 51 de 2002) 102 Gestão, Ciência & Saúde TABELA 3 – Resultados dos parâmetros quantitativos avaliados nas amostras de leite UHT Parâmetros Quantitativos Referência Mínimo Máximo (%) Não conformidades Densidade (g/mL)* 1,028 a 1,034 1,029 1,034 0 Matéria Gorda (% m/v) Mín. 3,0 2,80 3,60 4 Sólidos totais (% m/v) ---- 11,10 12,10 ---- Sólidos não gordurosos (% m/v) Mín. 8,20 8,20 8,80 0 Índice crioscópico (ºH)* Máx. -0,530 -0,578 -0,522 16 Acidez titulável (% m/v) 0,14 a 0,18 0,14 0,18 0 Resíduo Mineral (% m/m)** 0,53 a 0,80 0,51 0,82 ---- Alcalinidade nas cinzas (% m/m) 0,015 a 0,030 0,017 0,087 96 Proteína (% m/m)* Mín. 2,90 2,57 3,75 24 Umidade (% m/v)** 85,5 a 88,7 87,90 88,90 ---- Sódio (mg/200 mL)*** Desvio +/- 20% 148,7 234,0 88 *padrões estabelecidos para leite cru (Instrução Normativa nº 51 de 2002). **valores de referência citados por Pereira et. al. (2001). ***conforme determinações para informação nutricional (RDC 360 de 2003). Os resultados analíticos para os parâmetros quantitativos avaliados estão na tabela acima. Em relação aos parâmetros acidez e sólidos não gordurosos, todas as amostras estavam de acordo com a legislação. Considerando os valores estabelecidos na Instrução Normativa nº 68 para leite fluido, 96% das amostras estavam em desacordo para o quesito alcalinidade nas cinzas. Apesar dessa análise ser citada na IN nº 68 de 2006 do MAPA como método oficial para verificar a adição de substâncias neutralizantes ao leite fluido, verificou-se na prática que ela pode não ser efetiva para este fim, no caso do leite UHT, pois valores elevados de alcalinidade nas cinzas neste produto podem ser consequência da adição permitida de estabilizantes, e não necessariamente representariam um indicativo de adulteração do leite. Em relação à matéria gorda, 4% das amostras apresentaram valores abaixo do estabelecido na Portaria nº 370 de 1997. Se considerarmos os valores estabelecidos pela Instrução Normativa nº 51 de 2002 para leite cru, 16% das amostras estavam em desacordo com a legislação para o parâmetro depressão do ponto de congelamento e 24% para o teor protéico, já em relação ao parâmetro densidade todas as amostras estavam satisfatórias. O padrão de Identidade e Qualidade de Leite UHT não abrange os quesitos resíduo mineral fixo e umidade. Se considerarmos os valores de referência citados por PEREIRA et. al. (15), praticamente todas as amostras se enquadrariam nos intervalos descritos para estes parâmetros. Os teores de sódio nas amostras do leite variaram de 148,7 a 234,0 mg/L. Estes resultados são preocupantes, já que apresentaram uma variação elevada. No processamento do leite, a padronização de todos os compostos é muito difícil, principalmente o teor de sódio, que pode variar em função de diversos fatores, como, por exemplo, a presença de mastite, que pode aumentar seu teor no leite (12). Como a legislação não preconiza valor máximo permitido, a avaliação é feita Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 de acordo com o rótulo. A Resolução RDC nº 360 de 23 de dezembro de 2003 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), aprova o Regulamento Técnico sobre Rotulagem Nutricional de Alimentos Embalados, tornando obrigatória a rotulagem nutricional. Ela admite uma tolerância de até 20% com relação aos valores de nutrientes declarados no rótulo. Para as amostras analisadas, 88% apresentaram resultados com desvio maior de 20% em relação ao valor descrito no rótulo, o que demonstra a falta de monitoramento por parte da empresa do teor de sódio de seus fornecedores de leite, do produto final, e da variação sazonal deste elemento na matéria-prima, e consequente erro na elaboração da tabela nutricional descrita no rótulo do produto. Estes resultados são preocupantes, uma vez que a principal informação que o consumidor e profissionais da área de nutrição utilizam para fazer uma dieta balanceada é a rotulagem, e se esta não condiz com o valor real, todo o controle e preocupação com a elaboração da dieta se torna questionável. 4. CONCLUSÕES Com base nos resultados apresentados, sugere-se que o teor de proteínas, a depressão do ponto de congelamento, e a presença de sacarose utilizando metodologia por CLAE/IR passem a compor as exigências de padrões de identidade e de qualidade do leite UHT, no intuito de dificultar a ocorrência de adulterações na sua produção por algumas empresas fraudadoras. Sugere-se também um controle mais efetivo, por parte dos órgãos fiscalizadores, da veracidade dos dados demonstrados nas tabelas nutricionais impressas nos rótulos, afim de que o mesmo seja realmente um instrumento de comunicação eficaz entre o consumidor e a embalagem do produto. Há necessidade de estudo de técnicas mais precisas e eficazes para a verificação da adição de substâncias neutralizantes, já que a metodologia de alcalinidade das cinzas parece não ser efetiva nesta determinação. Ressalta-se que os consumidores e todas as outras empresas honestas produtoras de leite UHT são severamente lesados pela ocorrência dessas fraudes, que prejudicam a imagem do leite UHT como alimento, causando decréscimo da credibilidade do produto no mercado e decréscimo do consumo, além de gerar lucros abusivos e concorrência desleal. 103 AGRADECIMENTOS À Fundação Ezequiel Dias e seus funcionários que muito contribuem para o sistema de vigilância sanitária e ambiental de Minas Gerais. Os laboratórios da Funed monitoram a qualidade dos alimentos, medicamentos, cosméticos e outros produtos sujeitos à vigilância sanitária, ambiental e à saúde do trabalhador. Todo esse trabalho é direcionado ao atendimento aos órgãos públicos de Vigilância à Saúde. 104 Gestão, Ciência & Saúde REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa Gado de Leite. Industrialização do Leite no Brasil – 2007. Disponível em http://www.cnpgl.embrapa.br/ Acesso em: 20 out. 2009. 2. ABLV - Associação Brasileira do Leite Longa Vida. Brasil - Mercado Total de Leite Fluido Comportamento das Vendas Internas de Leite Longa Vida 1990/2006 - em 1.000.000 de litros. Disponível em: http://www.ablv.org. br/index.cfm?fuseaction=longavida. Acesso em: 26 fev. 2008. 3. AOAC (ASSOCIATION OF OFFICIAL ANALYTICAL CHEMISTS). Official Methods of Analysis of AOAC (Methods 982.14). Arlington: AOAC, chapter P. Revisão 1988. 4. BRANDÃO, S.C.C.; VIANA, G.A.; SILVA, C.A.O.; MARTINS, F.O. Desenvolvimento de Metodologia Analítica por Cromatografia em Camada Fina para Determinar Adulteração do Leite com Maltodextrina. Revista Indústria de Laticínios, ano 8, n.49, p. 62-66, jan/fev. 2004. crimes contra saúde pública, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 03 de julho de 1998. 8. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. 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Avaliação da Composição, da Qualidade Físico-Química e Ocorrência de Adulterações em Leite UHT. II Congresso Nacional de Qualidade do Leite. 2006, GoiâniaGO. Anais do Congresso. CD-ROM. 14. MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Saúde. Código de Saúde do Estado de Minas Gerais. Lei 13.317 de 24 de setembro de 1999.70p. 7. BRASIL. Decreto-Lei n. 9677, de 02 de julho de 1998. Altera dispositivos do Capítulo III do Título VIII do Código Penal, incluindo na classificação dos delitos considerados hediondos 15. PEREIRA, D.B.C.; SILVA, P.H.F.; JÚNIOR, L.C.G.C.; OLIVEIRA, L.L. Físico-Química do Leite e Derivados: Métodos Analíticos. 2ª Edição, 234 p. Juiz de Fora, Minas Gerais, 2001. Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 105 ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DO EXTRATO ETANÓLICO DA PRÓPOLIS FRENTE A BACTÉRIAS RESISTENTES A ANTIBIÓTICOS ANTIBACTERIAL ACTIVITY OF ETHANOL EXTRACTS OF PROPOLIS AGAINST BACTERIA RESISTANT TO ANTIBIOTICS. Wemerson de Castro Oliveira1, Elsa Fernandes da Silva2 1 Graduado em Ciências Biológicas pelo Centro Universitário de Caratinga (UNEC), Especialista em Controle de Qualidade e Segurança em Alimentos pelo Instituto Metodista Izabela Hendrix, Docente, [email protected]; 2 Graduada em Ciências Biológicas e Especialista em Saúde e Meio Ambiente pelo UNEC, Responsável Técnica pelo Laboratório de Microbiologia do UNEC RESUMO ABSTRACT O teste in vitro pretendeu avaliar o efeito do extrato etanólico da própolis frente à bactérias resistentes a antibióticos. Para a obtenção do extrato etanólico da própolis, foram utilizadas diferentes concentrações do solvente extrator (60, 70 e 80%). A determinação de flavonoides totais do extrato da própolis foi observada pela formação do complexo metal alumínio-flavonoide e lida em transmitância a 425 nm. A atividade antibacteriana foi verificada pelo método de difusão em placa. O extrato etanólico da própolis só foi eficiente na inibição do isolado Staphylococcus coagulase negativa e apresentou uma ligeira atividade frente a isolados multirresistente de Enterococcus sp., na concentração do solvente extrator a 80%. O crescimento de isolados gram-negativos não foi inibido em nenhuma das três concentrações testadas. The in vitro test was intended to evaluate the effects of ethanolic extracts of propolis or bacteria resistant to antibiotics. The ethanolic extracts of propolis were made using different concentrations of ethanol as solvent (60, 70 and 80%). The determination of the total flavonoids in extracts of propolis was realized through the formation of aluminum – flavonoid chelates and measurnert of the absorbarce at 425 nm. The antibacterial activity was verified by the method of diffusion in plate. The ethanolic extract of the propolis was only effective in the inhibition of the isolated Staphylococcus coagulase and shouved slight activity against the multiresistant isolate of Enterococcus sp., in the 80% ethanol extract. The growth of the isolated gram-negatives was not inhibited by extracts of the propolis in ary of the three concentrations tested. Palavras-chave: Resistência, Flavonoides, Bactéria, Própolis, Antibiótico Keywords: Resistant, Flavonoids, Bacteria, Propolis, Antibiotics 106 Gestão, Ciência & Saúde 1. INTRODUÇÃO No decorrer das últimas décadas, com a descoberta dos antibióticos, várias doenças e infecções causadas por microrganismos têm sido reduzidas e até mesmo curadas. O desenvolvimento de fármacos eficientes contra as infecções bacterianas foi um grande avanço e uma excelente ferramenta para a medicina tanto humana quanto veterinária, reduzindo muito o índice de mortalidade (27). Mas o aumento no uso de antibióticos e o seu uso desregrado possibilitaram uma adaptação desses microrganismos a certos antibacterianos, desenvolvendo, dessa forma, uma resistência, impondo assim sérias limitações (34) às opções para o tratamento de infecções bacterianas, representando uma ameaça para a saúde pública (21). O surgimento de bactérias resistentes é uma adaptação natural do material genético (27), relacionada à existência de genes contidos no microrganismo que codificam diferentes mecanismos bioquímicos que impedem a ação das drogas, em resposta às condições desfavoráveis do ambiente (31). Pode ser originada das mutações que ocorrem no microrganismo durante seu processo reprodutivo e resultado do erro de cópia nas sequências das bases que formam o ácido desoxirribonucleico (ADN), responsável pelo código genético (31), podendo ser transferida para microrganismos de uma mesma colônia ou outras, como da microbiota animal para humana e vice-versa (22). A resistência bacteriana tem contribuído para o aumento dos índices de mortalidade em pacientes debilitados (2,29,32). Segundo Eickhoff, 1992 (10) e Neu, 1993 (20), o aumento da resistência bacteriana a vários agentes antimicrobianos acarreta dificuldades no manejo de infecções e contribui para o aumento dos custos do sistema de saúde e dos próprios hospitais. Diante de tal situação é de extrema importância estabelecer tratamentos alternativos para infecções causadas por bactérias resistentes a classes comuns de antibióticos. A utilização de produtos naturais na medicina vem sendo utilizada há muitos anos, e as formas predominantes de utilização são as plantas brutas (ervas), além das tradicionais preparações galênicas (extratos) (25). A própolis é um dos produtos naturais mais utilizados pela humanidade, sendo usada de diferentes maneiras, tendo relatos de sua utilização pelos assírios, gregos, romanos, incas e egípcios. A exemplo disso no antigo Egito (1700 a.C.), a própolis era utilizada para embalsamar os mortos (25). As abelhas são essenciais para a produção da própolis, uma vez que apresentam em sua saliva algumas enzimas que tem a capacidade de modificação da resina coletada, adicionando a elas ácidos graxos insaturados, potencializando as características terapêuticas. Algumas moléculas como pinocembrina, flavonoides que estão contidas na resina, são modificadas quando entram em contato com as enzimas salivares da abelha permitindo a adição de um íon que lhes garantem propriedades fotoinibidoras (12). A própolis é coletada pelas abelhas em diferentes partes das plantas como: brotos, casca, botões florais e exsudatos resinoso, por isso é considerado um produto resinoso natural (10,19), apresenta uma característica de ser gomoso, e com consistência variada (7,15). Seu aroma é característico e varia com a origem botânica, sua cor também pode variar entre amarelada, esverdeada clara ao pardo escuro. Seu sabor pode ser de suave balsâmico ao forte, amargo, picante e modificações em sua consistência também são possíveis (2). A composição química da própolis é complexa, contendo mais de 160 componentes como os flavonoides (flavonas, flavolonas e flavononas), chalcomas, ácido benzoico, benzaldeídos, álcoois, cetonas, fenólicos, heteroaromáticos, álcool cinâmico e derivados, ácidos diterpenos e triterpenos, minerais e outros (5, 7,24,28,34). As vitaminas B1, B2, B6, C, E e minerais como manganês, ferro, cálcio, alumínio também já foram identificados em amostras de própolis (18), assim como os açúcares arabinose, frutose, glicose, sacarose e maltose (7). Diversos pesquisadores como Bankova, 1995 (4), Marcucci, 1999 (19) e Seixas, 2000 (26) relatam que na própolis brasileira os ácidos fenólicos são mais abundantes que os flavonoides . A diversidade de atividades biológicas da própolis, principalmente a antibacteriana tem sido muito estudada. A maioria dos relatos mostram que os diversos tipos de extratos de própolis possuem acentuada ação inibidora, in vitro, sobre gêneros gram-positivos e, em menor escala, sobre as bactérias gram-negativas (14,16,23). Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 Estudos mostraram que as atividades biológicas da própolis como antiviróticas, antiparasitárias, antibacterianas, antioxidantes e demais propriedades farmacológicas, estão relacionadas com a presença dos flavonoides (flavonas, flavolonas e flavononas) (4,13,17). Muitas das ações farmacológicas da própolis ainda não foram confirmadas, portanto mais estudos devem ser feitos para melhor elucidar seu uso na medicina e no uso popular. As preparações já existentes devem ser examinadas para analisar a sua atividade terapêutica e possíveis efeitos colaterais. O objetivo desse estudo foi avaliar a atividade antibacteriana do extrato etanólico da própolis em diferentes concentrações de etanol (60, 70 e 80%), frente à bactérias gram-positivas e gram-negativas resistentes a antibióticos e verificar em qual concentração de etanol a extração de flavonoides é mais eficiente. 2. METODOLOGIA 2.1. Isolado bacteriano e antibiograma Foram utilizadas as cepas de Acinetobacter sp., Klebsiella sp., Proteus mirabilis, Enterococcus sp. e Staphylococcus coagulase negativa, isolados de urina e secreção de orifício de cateteres comprovadamente multirresistentes. Estes isolados foram selecionados após a realização do antibiograma pelo teste de difusão em Agar Mueller Hinton. As colônias crescidas foram suspensas em solução de cloreto de sódio a 0,9%, ajustando turvação à escala 1 de MarcFarland (300 x 103 bactérias mL-1). A inoculação foi feita por sementeira de superfície utilizando “SWAB”. Os discos dos antimicrobianos a serem testados foram colocados cerca de 3 cm de distância um do outro. As placas foram incubadas a 35-37°C por 16-18 horas. Após incubação, foi realizada a leitura do halo de inibição através do NCCLS (2000) padronizada em milímetros. 2.2. Própolis A própolis foi coletada no município de Caratinga, localizado na região leste de Minas Gerais, a 19º 37’ 30’’ de latitude sul e 42º 09’ 00’’ de longitude, inserida na região do Rio Doce e apresenta um clima mono- 107 tropical com temperatura anual comum de 22,7ºC, com máxima de 27,5 ºC e mínima de 16,6ºC. Próximo à região ocorre presença de fragmentos de Mata Atlântica. A própolis foi produzida por abelhas da espécie Apis mellifera e, após a coleta, foi desidratada em um dissecador de sílica a temperatura ambiente, durante 24 horas. 2.3. Extrato etanólico da própolis Amostras de 24 gramas da própolis desidratada, trituradas e homogeneizadas, foram transferidas para três balões de fundo chato etiquetados. Em seguida, foram adicionados 200 mL do solvente extrator (etanol). Foram utilizadas as seguintes concentrações do solvente extrator: 60, 70 e 80%. A extração foi feita a 70°C em banho termostatizado por 30 minutos, sob agitação constante. Após a extração, as amostras foram centrifugadas a 3.500 rpm (rotação por minuto) por 10 minutos. Parte dos sobrenadantes obtidos foram armazenados sob refrigeração em frascos âmbar devidamente etiquetados, durante 15 dias e parte foi para o processo de retirada do solvente. Para a retirada do solvente e obtenção do extrato de própolis bruto, foi utilizado o evaporador rotativo (Tecnal) acoplado a uma bomba de vácuo (TE 058, Tecnal). O extrato ficou aproximadamente uma hora e meia sob constante rotação a uma temperatura de 70 °C e pressão de 400 mm de Hg. 2.4. Determinação dos flavonoides totais O princípio desta reação baseia-se na formação de quelatos entre o metal (alumínio) e os flavonoides, principalmente os flavonois (3- hidroxiflavonas) como a quercetina, em soluções alcoólicas, levando a um efeito batocrômico do espectro de absorção dos flavonoides, com alteração da coloração. A mistura de reação constituiu de 1,5 ml dos respectivos extratos, diluídos 1:4, 0,5 mL de etanol a 70%, 0,1 mL de nitrato de alumínio a 10% e 0,1 mL de acetato de potássio 1 M. Após 40 minutos de reação, a transmitância das amostras foi medida no comprimento de onda de 425 nm utilizando Espectrofotômetro (Quimis Q 108 D - 340/950 nm). 108 Gestão, Ciência & Saúde 2.5. Método de difusão em placa 3. RESULTADO E DISCUSSÃO O experimento foi realizado em duas etapas: a primeira foi realizada após a extração e retirada do solvente extrator; a segunda com o extrato armazenado por um período de 15 dias em vidro âmbar e refrigerado à temperatura de 2 a 8°C. Para a difusão em placa foi usado o meio de cultura Agar Mueller Hinton (Hidrolisado ácido de caseína 17,5 g; extrato de carne 2,0 g; amido de batata 1,5 g; agar bacteriológico 17,0 g e pH final 7,4). As colônias bacterianas selecionadas foram emulsionadas em 5 mL de cloreto de sódio a 0,9% igualando turvação à escala 1 de MacFarland (300 x 103 bactérias mL-1 ). A inoculação foi feita por sementeira de superfície utilizando “SWAB”. Após a inoculação foram confeccionados os poços com pequenos cilindros. Em cada poço foi adicionado 50 μL dos extratos. As placas foram incubadas em estufa bacteriológica à temperatura de 35 a 37°C por 18 e 48 horas. Em seguida foram realizadas as medidas dos halos de inibição. Como controle positivo foi utilizado discos de antibióticos comerciais. 3.1. Resistência antimicrobiana Os isolados bacterianos gram-negativos (Acinetobacter sp., Klebsiella sp., Proteus mirabilis) e grampositivos (Enterococcus sp. e Staphylococcus coagulase negativa) apresentaram multirresistência a antibióticos comerciais. Analisando a Tabela 1, é possível notar que as bactérias que apresentaram maior resistência, em número de antibióticos testados, foram Acinetobacter sp., Enterococcus sp., Proteus mirabilis, Klebsiella sp. e por último Staphylococcus coagulase negativa, respectivamente. Mas também se pode observar que apresentaram sensibilidade a alguns antibacterianos. 3.2. Determinação dos flavonoides totais Observamos que o extrato etanólico de própolis na concentração de 80% apresentou a menor transmitância (com valor de 10,30), portanto maior quantidade de flavonoides totais. Este resultado parece indicar que nesta concentração de etanol a extração dos flavonoides é mais eficiente, seguido TABELA 1 – Resultado do antibiograma pelo método de difusão em placa ANTIBIOGRAMA ORIGEM INÓCULO Resistência Intermediário Secreção de ponta de Cateter Acinetobacter sp. AMC, CFL, TET, AMI, CRO, AMO, SUT, CIP, NOR, LVX, AZI, NAL, PIP e NIT Urina Klebsiella sp. CIP, AMO, SUT, NOR, OFL, LVX Urina Proteus mirabilis TET, CIP, NOR, LVX, PIP, NIT, OFL Urina Enterococcus sp. TET, AMI, CRO, SUT, CIP, NOR, LVX, AZI, PEN, CLI, ERI, CLO, OFL ______ Secreção de orifício de Cateter Staphylococcus coagulase negativa PEN, ERI, SUT, AZI, OXA GEN, CFL, NOR ______ TET e CRO ______ Sensibilidade IMP NIT e AZI AMI, CRO, AZI, CFL IMP, NIT, VAN VAN, NIT, TET, AMI Antibióticos: AMC: Ácido clavulânico + amoxicilina; CFL: Cefalotina; TET: Tetraciclina; AMI: Amicacina; CRO: ceftriaxona; AMO: Amoxicilina; SUT: Sulfazotrin; CIP: Cirpofloxacina; NOR: Norfloxacina; LVX: Levofloxacina; AZI: Azitromicina; NAL: Ácido nalidixico; PIP: Ácido pipemidico; NIT: Nitrofurantoína; OFL: Ofloxacina; PEN: Penicilina; CLI: Clindamicina; ERI: Eritromicina; CLO: Cloranfenicol; OXA: Oxacilina ; GEN: Gentamicina; IMP: Imipenem; Van: Vancomicina. 109 Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 do extrato a 70% (com valor da transmitância de 11,50) e, por último, do extrato com 60% (com valor da transmitância de 12,00) de solvente extrator. Com esses resultados, podemos afirmar que a concentração com maior poder de extração foi a de etanol a 80%. Park, 1998 (23), mediram a concentração de oito diferentes tipos de flavonoides nos extratos etanólicos da própolis em diferentes concentrações, através do método de cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) em fase reversa. Os flavonoides encontrados foram: a quercetina, kanferol, acacetina, kanferide, isosakuramectina, sakurametina, isoramoctina e pinocembrina e dentre esses, as concentrações dos flavonoides isoramoctina e pinocembrina foi maior para o extrato obtido em 80% de etanol. Segundo vários autores este extrato apresenta maior efeito inibitório. 3.3. Difusão em placa Os extratos etanólicos a 60, 70 e 80% mostraram eficiência antibacteriana frente aos isolados Staphylococcus coagulase negativa, Enterococcus sp. e não houve inibição para o crescimento das bactérias gram-negativas (Acinetobacter sp., Klebsiella sp. e Proteus mirabilis) (Tabela 2). Este comportamento, de certa forma, poderia ser esperado, uma vez que muitos relatos ilustram que a própolis detêm maior poder antimicrobiano sobre as espécies gram-positivas, sendo pouco eficaz ou incapaz de inibir o crescimento de bactérias gram-negativas (8,11,14,16). Ensaios de antibiose com a própolis, frente a dez bactérias grampositivas e vinte gram-negativas mostraram que a atividade antibacteriana da própolis é mais efetiva sobre as gram-positivas (1). A diferença de atividade contra bactérias gram-positivas e bactérias gram-negativas parece derivar da constituição da parede celular bacteriana e dos constituintes do extrato, em especial os flavonoides que se acredita ser o componente principal na ação da própolis contra bactérias. No entanto, para Takaisi-Kikuni e Schilcher, 1994 (30), o extrato TABELA 2: Resultado das medidas dos halos de inibição do extrato etanólico da própolis em diferentes concentrações frente às bactérias multirresistentes. ISOLADO BACTERIANO 1ª ETAPA 2ª ETAPA GRAM CONTROLE POSITIVO (mm) HALOS DE INIBIÇÃO (mm) 60% 70% 80% 18 hs 48 hs 18 hs 48 hs 18 hs 48 hs Enterococcus sp positivo 28 0 0 0 0 10,2 10,2 Staphylococcus coagulase negativa positivo 18,4 11 11 12,8 12,8 16,2 16,2 Acinetobacter sp negativo 26 0 0 0 0 1 1 Klebsiella sp. negativo 18 0 0 0 0 0 0 Proteus mirabilis negativo 20 0 0 0 0 0 0 Enterococcus sp positivo 20 0 0 0 0 10 10 Staphylococcus coagulase negativa positivo 20 13 13 13,5 13,5 18 18 Acinetobacter sp. negativo 26 0 0 0 0 10 10 Klebsiella sp. negativo 24 0 0 0 0 7 7 Proteus mirabilis negativo 25 0 0 0 0 0 0 Antibióticos usados como controle positivo: Acinetobacter sp.(Imipenem), Klebsiella sp. (Nitrofurantoína), Proteus mirabilis (Amicacina), Enterococcus sp. (Nitrofurantoína) e Staphylococcus coagulase negativa (Vancomicina) 110 Gestão, Ciência & Saúde etanólico da própolis inibe o crescimento bacteriano por prevenir a divisão celular e por produzir defeitos na estrutura da parede celular, levando da bacteriólise parcial a pseudomulticelulares (policarióticos), desorganizar o citoplasma (caracterizado pela presença de espaços vazios ou estruturas fibrosas), além de causar alterações na membrana citoplasmática inibindo a síntese proteica. Entre as concentrações do extrato da própolis o que apresentou melhor resultado frente às bactérias multirresistentes foi o etanólico a 80%, gerando halos significativos. Porém, os extratos a 60 e 70% não apresentaram atividade antibacteriana significativa (Tabela 2). Park, 1998 (23), observou que o extrato etanólico a 80% foi o que apresentou os melhores resultados de atividade antibacteriana o que leva a concluir que é a melhor concentração para a preparação dos extratos. O melhor efeito antibacteriano foi do extrato etanólico da própolis a 80% frente ao isolado Staphylococcus coagulase negativo. O referido extrato apresentou uma ligeira atividade (zona de inibição de 10 mm) sobre o isolado multirresistente de Enterococcus sp. (Tabela 2). As leituras feitas após 18 e 48 horas não apresentaram variação no tamanho do halo de inibição, mostrando que o tempo de incubação de 18 horas é suficiente para o crescimento ou inibição dos microrganismos pelo extrato da própolis (Tabela 2). Também não houve variação entre o extrato usado após extração e o extrato armazenado por 15 dias, podendo assim afirmar que o extrato da própolis mesmo armazenado não perde o seu efeito antibacteriano (Tabela 2). 4. CONCLUSÃO O melhor efeito antibacteriano foi do extrato etanólico da própolis a 80% frente ao isolado Staphylococcus coagulase negativo. Os extratos etanólicos da própolis a 60, 70 e 80% não apresentaram atividade antibacteriana significativa frente aos isolados gram-negativos. A atividade antibacteriana frente aos isolados gram-positivos multirresistentes é de grande importância diante da resistência que muitas bactérias têm adquirido contra antibióticos comerciais. Diante de tal situação é necessário a busca de terapias alternativas, como a utilização de fitoterápicos. Esses vem recebendo reconhecimento cada vez maior em relação ao potencial terapêutico e o uso na medicina popular local, para tentar controlar as infecções hospitalares e validar a atividade antibacteriana da própolis no estado de Minas Gerais. Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ANTUNES, R. M. P.; CATAO, R. M. R.; CEVALLOS, B. S. O. Antimicrobial active of propolis. Revista Brasileira de Farmácia, v. 77, p. 15-18, 1996. 2. APACAME. 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Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 113 DIVERSIDADE DE FATORES DE RISCO ASSOCIADOS À INFECÇÃO PELO VÍRUS DA HEPATITE C (HCV) DIVERSITY OF ASSOCIATED RISK FACTORS FOR HEPATITIS C INFECTION (HCV) Maria Regina Dias-Bastos1, Cláudia Di Lorenzo Oliveira2, Anna Bárbara de Freitas Carneiro-Proietti3 1 Médica, Especialista em Gerontologia, Mestre em Ciências da Saúde, Gerente Técnica do Hemocentro de Belo Horizonte da Fundação Centro de Hematologia e Hemoterapia de Minas Gerais (Hemominas), [email protected]; 2 Médica, Mestre e Doutora em Epidemiologista, Professora Adjunta da Universidade Federal de São João Del Rei; 3 Médica Hematologista, Doutora em Virologia, Pós-Doutoramento em Hematologia, Presidente da Fundação Hemominas RESUMO ABSTRACT Para se conseguir a prevenção de doenças infecto-contagiosas é importante o conhecimento dos modos de transmissão e fatores de risco associados que podem variar em diferentes culturas e populações. No caso da transmissão da Hepatite C (HCV), por causa da grande variedade de atividades humanas em que há a possibilidade de exposição a sangue e fluidos corporais, existem muitas formas possíveis de contágio, além das já demonstradas por associação epidemiológica. A caracterização dos fatores de risco implicados em cada país, em vez da adoção de modelos de investigação importados de outras culturas é importante para a adoção de medidas preventivas efetivas. In order to prevent contagious diseases it is important the knowledge of associated risk factors. Those can vary in different cultures and populations. In the case of the Hepatitis C (HCV) transmission, because of the great variety of human activities where the possibility of exposition to blood and body fluids exists there are several other plausible forms of infection besides those already demonstrated by epidemiological association. The characterization of risk factors in each country instead of adoption of imported models of investigation from other cultures is therefore important for the adoption of effective preventive measures. Palavras-chave: Hepatite C, Fatores de Risco, Epidemiologia Keywords: Hepatitis C; Risk Factors, Epidemiology 114 Gestão, Ciência & Saúde 1. INTRODUÇÃO 2. TRANSMISSÃO Nos anos 70, as hepatites não-A não-B eram vistas como doenças assintomáticas de pouca consequência; consideradas meramente como “transaminites inespecíficas”. Entretanto, à medida que os casos eram seguidos prospectivamente, tornou-se claro que até 20% deles evoluíam para um quadro de cirrose hepática (2). Em um estudo clássico, Tong e colaboradores (34) mostraram que 45,8% dos casos de hepatite pós-transfusional, após um período médio de 20 anos de acompanhamento, mostravam evidências de cirrose na biópsia e que 10,68% apresentavam carcinoma hepatocelular. Este estudo, pioneiro no estudo da hepatite C, apresentava viés de seleção, pois só os casos mais graves eram encaminhados ao serviço. O método mais eficiente de transmissão é através de exposição a sangue contaminado (transfusão de sangue ou transplante de órgão de doador infectado, compartilhamento de seringas no consumo de drogas). Também pode ser transmitido através de exposições percutâneas menores (acidentes perfurocortantes com material contaminado) e mais raramente através de exposição de mucosa a sangue ou fluidos durante o parto (em mães infectadas) ou através de sexo com parceiro infectado (3). O vírus da hepatite C (HCV) foi descrito por Choo e colaboradores (9), do Grupo Cooperativo Chiron, em 1989, como um novo agente viral da hepatite não-A não-B. O mesmo grupo descreveu um teste para o diagnóstico sorológico do vírus (15). Nos anos que se seguiram à sua descoberta, foram descritas muitas manifestações extra-hepáticas associadas com infecções crônicas, incluindo crioglobulinemia, porfiria cutânea tarda, glomerulonefrite membrano-proliferativa, síndrome sicca e tireoidite. Uma alta prevalência de autoanticorpos em pacientes com HCV também foi descrita em alguns estudos (6). Embora o número exato de indivíduos soropositivos seja difícil de ser calculado, a Organização Mundial da Saúde estimou em 1999 que 169,7 milhões de pessoas estavam infectadas pelo HCV no mundo. Destas, 13,1 milhões estavam nas Américas. A prevalência do HCV estimada para o Brasil nesse estudo foi de 2,6% da população. Há importante variabilidade nas taxas de soroprevalência de acordo com a localização geográfica, condições socioeconômicas e fatores de risco individuais e temporais. A prevalência é maior em países da África, do Mediterrâneo Oriental, do Sudoeste Asiático e da região ocidental do Pacífico e menor em países industrializados (36). Novo estudo de prevalência global em 2004 estimou a prevalência global em 2,2% correspondendo a cerca de 130 milhões de indivíduos soropositivos para o HCV em todo mundo (32). Também existem evidências de que o ambiente pode servir como reservatório para o vírus. Foi observada transmissão do HCV através da reutilização de agulhas e seringas, compartilhamento de frasco de medicamentos e esterilização inadequada de materiais hospitalares em contexto de saúde pública (36). No ambiente de hemodiálise, uma possível rota de infecção seria através de contaminação cruzada entre pacientes e também através de compartilhamento de frascos de medicamentos sem as devidas precauções (33). Essa observação foi fundamentada em estudo de Kamili e colaboradores (2007) que mostrou que amostras de sangue contaminado ainda apresentavam infectividade após secas e armazenadas a temperatura ambiente por período superior a 16 horas, mas inferior a quatro dias (14). 3. FATORES DE RISCO ASSOCIADOS 3.1. Transfusão de sangue e transplante de órgãos Estima-se que 4% dos casos de infecção pelo HCV dos 4 milhões de infectados nos EUA em 1999 se deva a transfusão de sangue e a maioria deles contaminada anteriormente a 1990 quando se iniciou a triagem em bancos de sangue (24). Também com o início da testagem para HCV entre outras em 1993 no Brasil, diminuiu muito o risco de transmissão do HCV através de transfusão. Mesmo assim estudo realizado por Paraná (22) no Nordeste do Brasil relatou que havia história de transfusão prévia em 40% dos casos de HCV desse estudo. Em série descrita por Fagundes em CriciúmaSanta Catarina 28,5% dos casos relataram história Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 de transfusão anterior (11). Em série descrita por Souza e colaboradores (2004) em Belo Horizonte - Minas Gerais, 48,3% de 295 pacientes com hepatite C crônica relatavam história prévia de transfusão de sangue ou uso de hemoderivados (30). Estudo realizado em Santa Catarina estimou o risco residual de transmissão do HCV em 1:19.300 (95% CI, 1:10.400-1:44.800) transfusões (16). Risco muito superior ao encontrado na Inglaterra de 1 para 520.000 no período de 1993-98 e com queda para 1 em 30 milhões no período de 1999-2001 quando todas as doações passaram a ser testadas por método HCV-RNA (28). Na Itália o risco residual para transmissão do HCV através doação de sangue foi estimado em 16,74 (9,57-24,01) por cada milhão de doações (12). A prevalência de testes confirmados positivos para HCV em doadores de órgãos foi de 1,091% em estudo americano (40). Mesmo após testagem de doadores, ainda é possível a doação em período de janela imunológica como aconteceu em um transplante de fígado com transmissão de HIV e HCV (1). Em outro caso, um único doador negativo no teste de triagem, mas RNA positivo contaminou 8 pessoas recipientes de diferentes órgãos (35). 3.2. Exposição iatrogênica – procedimentos médicos e injeções de risco Na Austrália existe relato de caso de transmissão do HCV em paciente submetido a procedimento endoscópico, atribuída à contaminação de frasco anestésico de uso comum. Na Itália, 15 de 29 voluntários participando de estudos de farmacocinética foram infectados pelo HCV possivelmente como resultado da contaminação de um frasco de heparina de uso comum utilizado para manutenção de cateter intravenoso. Nos EUA, foram relatados 69 casos de infecção pelo HCV relacionadas à medicação anestésica em clínica ambulatorial de tratamento de dor, e 19 casos relacionados à medicação anestésica de frasco comum em clínicas endoscópicas (36). No ambiente de hemodiálise, existem muitas rotas possíveis de contaminação cruzada entre pacientes e através de uso de frascos de uso comum (33). 115 Em revisão de Fabrizi e colaboradores (2008), o fator mais importante ligado a infecção cruzada em hemodiálise foi a deficiência da equipe de saúde em seguir os procedimentos padronizados de controle de infecção. Esse mesmo artigo cita um estudo belga em que se conseguiu diminuir a incidência de HCV em pacientes de uma unidade de hemodiálise de 1,4% para 0% simplesmente pela implementação rigorosa dos procedimentos padronizados de prevenção para a transmissão de patógenos (10). No Egito, a esquistossomose foi por muito tempo o principal problema de saúde pública e principal causa de doença hepática. Entre os anos de 1950 e 1980, o Ministério da Saúde daquele país realizou uma abrangente campanha de controle da esquistossomose utilizando medicação intravenosa. Na época, os perigos da exposição ao sangue humano eram desconhecidos e não se utilizavam agulhas e seringas descartáveis. Infelizmente, pela reutilização de agulhas e seringas durante o período da campanha, esta meritória ação de tratamento da esquistossomose resultou na expansão da infecção pelo HCV (31). Atualmente, o Egito é o país com a maior prevalência do HCV no mundo, estimada em 18,1% da população (37). No Japão, onde a prevalência do HCV é estimada em 2% da população, o HCV é altamente endêmico em algumas vilas. Sua prevalência aumenta com a idade, chegando a cerca de 7% em indivíduos com mais de 70 anos. Uma das causas para essa situação foi o uso indiscriminado de injeções endovenosas de analgésicos, antipiréticos e agentes nutritivos que se tornaram práticas populares no pós-guerra. Mesmo com o advento das seringas descartáveis, era comum a reutilização de seringas e agulhas sendo que nem sempre os procedimentos de desinfecção eram satisfatórios (13). A Organização Mundial da Saúde estimou, em 1999, que em 14 de 19 países em desenvolvimento com dados disponíveis, pelo menos 50% das injeções eram de risco (reutilização de seringas com esterilização inexistente ou inadequada). Com isso, calculou-se que a incidência anual atribuível a injeções de risco seja de 2,3 a 4,7 milhões de casos de hepatite C (27). No Brasil, existem relatos de casos de transmissão de HCV através de uso de agulhas e seringas reutilizáveis entre jogadores de futebol que fizeram 116 Gestão, Ciência & Saúde uso de vitaminas e estimulantes antes dos jogos (20). Estudo de Souto e colaboradores (2004) (29) mostrou uma prevalência para o HCV de 7,6% entre 40 ex-jogadores de futebol ativos entre 1970 e 1989. Todos disseram ter recebido injeções de complexos vitamínicos ou outras substâncias pelo menos uma vez, e 60% relataram ser esta uma prática regular em toda sua carreira. No estado do Acre, estudo em trabalhadores da saúde mostrou prevalência para HCV de 4,8%. Existia também um efeito coorte com maior prevalência entre aqueles com mais de 40 anos de idade. Nesse estudo, houve forte associação entre positividade do HCV e o uso de complexos vitamínicos endovenosos em material não descartável. (OR=6,3 CI95%=1,82-21,89). Essa prática frequente no período de 1970 a 1980 ligava-se à crença de que o uso de polivitamínicos agisse com estimulante sexual e de desempenho atlético. Muitas dessas injeções eram realizadas em farmácias com seringas e agulhas reutilizáveis. Os trabalhadores da saúde, tendo mais acesso a estes procedimentos, também tiveram maior exposição ao HCV comparado com a população em geral (21). No Brasil, a Vigilância Sanitária em sua portaria nº 3 de 07 de fevereiro de 1986 enquadrou na definição de artigo médico-hospitalar de uso único agulhas com componentes plásticos e seringas plásticas entre outros. Também proibiu que os artigos médico-hospitalares de uso único, acima relacionados, fossem reprocessados em todo território nacional, em qualquer circunstância e em qualquer tipo de serviço de saúde, público ou privado (4). Mas, devido à reutilização das seringas descartáveis, em 1996 a Câmara votou a Lei 9.273/1996, que torna obrigatória a inclusão de dispositivo de segurança, para evitar a reutilização de seringas descartáveis. Em site da Câmara, inquérito do deputado Wilson Santos do PSDB em 2003 solicitando informações ao Senhor Ministro da Saúde, Senhor Humberto Costa, sobre a omissão da regulamentação da Lei nº 9.273, de 3 de maio de 1996, que “torna obrigatória a inclusão de dispositivo de segurança que impeça a reutilização de seringas descartáveis” foi arquivado (25). Infelizmente até hoje esta lei não foi colocada em prática, pois depende de regulamentação pelo Poder Executivo (39). 3.3. Uso de drogas injetáveis Em artigo da Cruz Vermelha Americana de 1998 calculou-se que 50% dos casos de HCV nos últimos cinco anos nos Estados Unidos se deveram ao uso de drogas injetáveis (24). De acordo com o Center for Disease Control (CDC) cerca de 60% dos casos de infecção pelo HCV em 2001 se deveram a uso de drogas injetáveis (8). Em estudo de fatores de risco realizado no Nordeste do Brasil e publicado em 2000, apenas 6% dos casos de HCV se deveram ao uso de drogas injetáveis (22). Em estudo realizado em Santa Catarina 14,2% dos HCV positivos relataram uso de drogas injetáveis (11). Em estudo realizado em Belo Horizonte em 2004 18% dos casos de hepatite C crônica apresentavam história anterior de uso de drogas injetáveis (30). Nos três estudos o fator de risco associado mais frequente foi transfusão de sangue no passado (40%, 28,5% e 48,3%, respectivamente). Uma estratégia para se minorar este fator de risco do mesmo modo que o das injeções de risco seria a adoção da obrigatoriedade da inclusão de dispositivo de segurança que impeça a reutilização de seringas descartáveis. Existem também relatos de uma maior prevalência de HCV entre usuários de drogas não injetáveis, mas são poucos estudos e as rotas de infecção ainda não foram definidas (26) 3.4. Exposição ocupacional No ambiente do cuidado da saúde, a transmissão de patógenos ocorre predominantemente por exposição percutânea ou de mucosa ao sangue ou fluidos corporais de pacientes infectados. Exposições ocupacionais que podem resultar em transmissão do HCV incluem acidente perfurocortante com agulhas desencapadas e outras lesões perfurocortantes com inoculação direta do vírus em arranhões da pele, lesões pré-existentes, abrasões ou queimaduras, e inoculação do vírus através da mucosa do olho, nariz e boca através de respingo acidental. O HCV não penetra na pele íntegra nem pelas vias respiratórias através de transmissão aérea (5). Os acidentes perfurocortantes são frequentes entre os profissionais da saúde. Estudo com radiologistas Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 realizando procedimentos invasivos relata que em até 3% dos procedimentos houve pelo menos um contato com sangue de qualquer tipo. Outro estudo com cirurgiões em Milwaukee, Wisconsin, relata possível contaminação em até 50% dos procedimentos. Fatores de risco associados à transmissão foram procedimentos cirúrgicos especialmente durante suturas, mais frequentes nas seguintes clínicas cirúrgicas – cirurgia geral, ginecológica, ortopédica, trauma e cardíaca; em procedimentos de emergência, perda de sangue pelo paciente superior a 250 ml e cirurgias com duração superior a 1 hora. Em estudo retrospectivo e pesquisa entre cirurgiões da Academia Americana de Cirurgiões Ortopédicos 87,4% dos cirurgiões pesquisados relataram algum tipo de contato pele-sangue e 39,2% relatou um acidente percutâneo no último mês. Em estudo retrospectivo entre residentes de patologia 56% de 36 residentes e funcionários trabalhando em patologia relataram que algum tipo de corte ou acidente com agulha ocorrera no ano anterior. Nesse estudo ocorreram 72 acidentes com material biológico correspondendo a um acidente para cada 37 autópsias realizadas. Uma pesquisa anônima entre enfermeiras e parteiras relatou que até 74% delas relataram ter as mãos sujas com sangue, 51% tiveram respingos de sangue ou líquidos amniótico na face e 24% lesões perfurocortantes nos seis meses precedentes. Em estudo com 550 residentes e estudantes de medicina, 71% relataram exposição ao sangue de pacientes ou outros fluidos corporais no último ano (5). Cinco estudos prospectivos independentes de acidentes perfurocortantes envolvendo pacientes positivos para o HCV relataram ocorrência de soroconversão média em 6% dos casos (27). De acordo com estimativas do CDC (Center for Disease Control) entre 1991 e 1998 aproximadamente 4% dos casos de hepatite C aguda reportados se deviam a contaminação ocupacional (8). 3.5. Procedimentos cosméticos e estéticos Mariano e colaboradores, em estudo italiano publicado em 2004, avaliaram o papel de tratamentos cosméticos e estéticos na transmissão das hepatites virais na Itália no período de 1997-2002. Nesse estudo foram excluídos indivíduos que receberam transfusão sanguínea ou fizeram uso de drogas 117 injetáveis. Foram avaliados 2964 casos de HBV, 598 casos de hepatite C e como controle 7221 casos de hepatite A. Foram avaliados os seguintes procedimentos: tatuagem, piercing, manicure e pedicure, barbearem-se em barbeiro público. Tratamentos de beleza foram associados à forma aguda de hepatite HBV (OR=1,8; CI 95%= 1,5-2,1) e HCV (OR= 1,7; CI 95%= 1,2-2,3). As associações mais fortes foram encontradas entre uso de barbeiro público e HBC (OR=1,8; CI 95%= 1,5-2,2) e entre tatuagem e HCV (OR=5,6; CI 95%= 2,811). Por esse estudo, estimou-se que cerca de 15 % dos casos agudos de HBV e 11,5% dos casos agudos de HCV com ocorrência em indivíduos com idade entre 15 e 55 anos não expostos a uso de drogas intravenosas ou transfusões de sangue se devam a tratamentos estéticos na Itália (17). No Paquistão, onde o uso diário de barbeiro público é comum, foram relatados casos de transmissão do HCV pelo uso de navalhas de uso comum (23). Nesse estudo, outros fatores associados, são história de transfusão não testada e, injeções com material reutilizado. No Brasil, estudo recente realizado entre manicures no município de São Paulo encontrou prevalência de 8% para o vírus da Hepatite B e de 2% para o Vírus da Hepatite C em uma amostra de 100 profissionais. Esse estudo mostrou um desconhecimento por parte das manicures sobre mecanismos de transmissão da hepatite e a adesão às normas de biossegurança pelas profissionais foi relativamente baixa e inadequada (19). Esse estudo preliminar deveria ter seus dados confirmados com estudo em outras regiões e com maior número de casos. 3.6. Transmissão sexual De acordo com revisão de Cavalheiro em 2007, o HCV já foi isolado em secreções humanas como sêmen, sangue menstrual, secreções vaginais e saliva tornando teoricamente possível a transmissão por via sexual. Apesar de possível, a via sexual é considerada uma via pouco eficiente, de transmissão do HCV. Alguns fatores parecem ser importantes nessa transmissão como ocorrência de trauma durante o intercurso ou de lesões prévias na mucosa vaginal e o título do vírus no sêmen e secreções (7). 118 Gestão, Ciência & Saúde A transmissão por via sexual é mais eficiente do homem para a mulher. O risco de transmissão sexual é maior entre portadores do HIV (Human immunodeficiency virus) que também tenham outras doenças sexualmente transmissíveis, homens que praticam sexo com outros homens, pessoas com múltiplos parceiros sexuais, parceiros sexuais de usuários de drogas injetáveis e pessoas que praticam sexo pago (7). Estudo realizado em Belo Horizonte (2004) em 295 pacientes portadores de hepatite C crônica mostrou que em 2% dos casos havia história de múltiplos parceiros como fator de risco associado (30). Estudo japonês que testou 244 mulheres profissionais do sexo mostrou soroprevalência de 10,1% para o HCV enquanto mulheres recrutadas em banco de sangue apresentavam uma soroprevalência de 0,8%. Nesse estudo, quanto mais anos de atividade, maior a chance de se contrair o vírus (7). Estudos comparando parceiros sexuais de portadores do vírus e outros membros da família mostram maior soropositividade entre os parceiros sexuais do que entre outros moradores da mesma residência. Estudos realizados com casais apresentam um fator de confusão importante, pois é comum o compartilhamento de itens de higiene pessoal entre casais (alicate de cutícula, lâmina de barbear, escova de dente, entre outros) tornando difícil a conclusão sobre via de transmissão exclusivamente sexual. A maioria dos estudos sobre transmissão sexual se baseia em estudos de homologia de sequência genômicas entre os vírus dos parceiros sexuais. Esses estudos nos permitem determinar a fonte da infecção entre os parceiros, mas não a forma em que se deu o contágio, se sexual ou por compartilhamento de itens de higiene pessoal. Esta revisão concluiu que a transmissão sexual parece ocorrer, mas com eficiência menor do que a de outros vírus como HBV e HIV (7). 3.7. Transmissão vertical A transmissão materno-infantil pode ser intrauterina, intraparto e pós-natal. Revisão de Yeung e colaboradores em 2001 de 77 estudos com 6559 pares de mães positivas para HCV e seus filhos mostrou positividade para HCV em 363 crianças em um período posterior aos 12 meses após o nascimento. Para inclusão nesta revisão a transmissão materno-infantil foi definida como persistência de anti-HCV na criança após os 12 meses de idade ou detecção por método utilizando RNA em pelo menos uma ocasião antes de 18 meses de idade. A maioria dos estudos era proveniente da Itália e Japão. A taxa bruta de transmissão materno-infantil foi de 5,6%. (DP=0,3%) Quando ajustada pelo inverso da variância para cada taxa medida, a taxa ajustada foi de 1,7%. Vários fatores foram propostos como determinantes na transmissão materno-infantil incluindo coinfecção materna pelo HIV, uso de drogas injetáveis, título materno do HCV, tipo de parto, amamentação, e características virais (genótipo). Nesta revisão, mulheres coinfectadas com HIV, aquelas com história de uso de drogas injetáveis, e aquelas que apresentavam título do HCV RNA mais altos tinham taxa de transmissão materno-infantil maiores comparadas com aquelas sem estes fatores. Não houve diferença significativa ao se considerar o modo de parto ou amamentação. Quanto ao genótipo não foi possível nenhuma conclusão, pois na maioria dos estudos só os genótipos de bebês infectados foi relatado (38). 3.8. Transmissão ligada a fatores culturais e religiosos Existem outras possibilidades de transmissão do HCV através de procedimentos realizados por motivos culturais ou religiosos entre eles a circuncisão masculina e ou feminina em ambiente não médico, escarificação, rituais de irmãos de sangue, sangrias em ambientes não hospitalares e outros tipos de rituais onde exista contato com sangue. Mas os estudos onde estes fatores são analisados ainda são escassos (18). 3.9. Diferença de fatores de risco em diferentes países De acordo com Mirian Alter, o HCV teve um aumento exponencial de sua prevalência no século XX principalmente devido a dois fatores: a disponibilidade de tratamentos médicos injetáveis (tanto transfusões de sangue, quanto injeções de medicamentos ou vacinação com reutilização de Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 seringas e agulhas e esterilização deficiente) e o uso de drogas ilícitas injetáveis. Com a testagem obrigatória em bancos de sangue, a adoção de boas práticas e uso de material descartável em vários países houve a queda nesse modo de transmissão. Infelizmente ainda existem países onde não existe testagem de todo sangue transfundido e onde ainda se reutilizam seringas e agulhas para injeções. Considerando-se os tipos de exposição mais frequentes: uso de drogas injetáveis, transfusões não testadas, injeções de risco, transmissão ocupacional, transmissão perinatal e sexo de risco, os países podem ser classificados em alta, moderada e baixa prevalência para o HCV de acordo com diferentes padrões de exposição (3). Países com baixa prevalência como o Reino Unido e Escandinávia (0,01%-0,1%) teriam o predomínio de exposições a drogas injetáveis e transfusões no período anterior ao início da testagem. Países com alta prevalência como o Egito (18%) teriam predomínio de exposição a injeções de risco e transfusões não testadas e países com prevalência intermediária como os Estados Unidos e o Brasil, um padrão intermediário de exposição conforme Tabela 1. 119 4. CONCLUSÕES Através desta revisão, verifica-se que a transmissão do HCV está sempre, direta ou indiretamente, associada à presença de sangue contaminado. Os perfis de transmissão variam de acordo com o desenvolvimento sócio-econômico e os aspectos culturais e religiosos das diversas regiões geográficas e suas populações. Por causa da grande gama de atividades humanas que envolvam exposição potencial a sangue ou fluidos biológicos, podem existir inúmeros modos possíveis de transmissão além dos citados, que já possuem associação epidemiológica demonstrada. A caracterização dos fatores de risco associados em cada país é de importância crucial para a adoção de medidas preventivas efetivas. AGRADECIMENTOS Este artigo foi parcialmente financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) e Fundação Centro de Hematologia e Hemoterapia de Minas Gerais (Hemominas). TABELA 1 – Importância do tipo de exposição no padrão de exposição ao HCV em regiões com prevalência moderada Tipo de exposição A extensão da contribuição do tipo de exposição na transmissão do HCV em países com prevalência moderada Uso de drogas injetáveis ++ Transfusão (não testada) +++ Injeções terapêuticas de risco ++ Ocupacional + Perinatal + Sexo de risco + Procedimentos cosméticos e estéticos + Ligadas a fatores culturais e/ou religiosos +? 120 Gestão, Ciência & Saúde REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. AHN, J.; COHEN, S.M. Transmission of human immunodeficiency virus and hepatitis C virus through liver transplantation. Liver Transpl. v.14, n.11, n.1603-1608 ,2008 .(Abstract) 2. ALTER,H.J. HCV natural history: The retrospective and prospective in perspective, Journal of Hepatology v.43, p 550-552, 2005. 3. ALTER, M.J.; Epidemiology of hepatitis C infection. World. J. Gastroenterol., v. 13, n. 17, p. 2436-244, 2007. 4. ANVISA,Portaria nº 04, de 07 de fevereiro de 1986 . 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Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 123 ERROS DE MEDICAÇÃO EM IDOSOS: UMA REVISÃO DE LITERATURA MEDICATION ERRORS IN THE ELDERLY: A REVIEW OF LITERATURE Solange Almeida de Medeiros Costa1, Hessem Miranda Neiva2 1 Farmacêutica-Bioquímica pela Universidade Federal de Minas Gerais, Especialista em Farmacologia Clínica pela Universidade Estadual de Montes Claros-MG e Associação Mineira de Farmacêuticos, [email protected]; 2 Farmacêutica com Habilitação em Indústria e Alimentos, Mestre em Epidemiologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, Supervisora Técnica da Assistência Farmacêutica da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), [email protected] RESUMO ABSTRACT No Brasil, a população idosa segue a tendência mundial de crescimento com todas as suas implicações políticas e socioeconômicas, tendo projeção estimada de 22% da população total com uma vida média em torno de 81 anos em 2050. Nessa população, as doenças crônico-degenerativas determinam maior demanda por medicamentos. A polifarmácia, associada a comorbidade e às limitações físicas e/ou psicológicas, aumentam os riscos de erros de medicação favorecendo o aumento de morbidade e hospitalizações, elevando os custos do sistema de saúde. O objetivo deste trabalho é descrever a situação do Brasil, no que diz respeito às publicações científicas indexadas sobre a ocorrência de erros de medicação em idosos. O método utilizado foi a revisão não sistematizada com busca de dados nos serviços de indexação Medline e Lilacs. A busca resultou em 16 artigos, dos quais 6 atenderam aos objetivos e fundamentaram a discussão. A revisão da literatura sobre erros de medicação em idosos no Brasil evidenciou escassez de publicações e contribuiu para reafirmar a urgente necessidade de investimentos na produção de conhecimentos sobre a realidade brasileira nesse aspecto. In Brazil, the elderly population following the world trend of growth with all its political implications and socio-economic projections and estimated 22% of the total population with an average life of around 81 years in 2050. In this population, chronic diseases pose a higher demand for drugs. Polypharmacy, associated comorbidity, and physical limitations and / or psychological, increase the risk of medication errors by encouraging the increased morbidity and hospitalization, increasing costs of health care. The objective of this study is to describe the situation in Brazil, with regard to scientific publications indexed on the occurrence of medication errors in the aged. The method used was not a systematic review of data search services index Medline and Lilacs. The search resulted in 16 articles, 06 of which met the objectives and based the discussion. A literature review on medication errors in the elderly in Brazil showed a lack of publications and helped reaffirm the urgent need for investment in the production of knowledge about the Brazilian reality in this respect. Palavras-chave: Erros de Medicação, Idosos, Brasil Keywords: Medication Errors, Elderly, Brazil 124 Gestão, Ciência & Saúde 1. INTRODUÇÃO O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial que vem gerando novas demandas sociais e uma das principais consequências dessa transformação demográfica evidencia-se no financiamento do setor saúde. Os idosos têm uma alta demanda pelos serviços de saúde, principalmente hospitalizações que, segundo dados do Sistema Único de Saúde (SUS), representam altos custos com essa faixa etária (14). O uso de medicamentos tem relevância em todas as faixas etárias, porém as peculiaridades do grupo de idosos determinam uma preocupação maior por parte dos pesquisadores. As doenças crônicodegenerativas levam a uma maior utilização de medicamentos, o que faz a polifarmácia estar presente neste grupo populacional. Comorbidades, polifarmácia e limitações físicas e/ ou psicológicas são fatores que conferem aos idosos uma grande vulnerabilidade à ocorrência de erros de medicação (1,6,14). Estudos realizados no estado de São Paulo demonstram que a prevalência da polifarmácia, neste grupo populacional é de 31,5 % (3). Com um alto padrão de consumo de medicamento entre os idosos, é comum encontrar em suas prescrições doses e indicações inadequadas, interações medicamentosas, associações de fármacos pertencentes a uma mesma classe terapêutica e até medicamentos sem valor terapêutico (6). Ocorrem ainda diagnósticos corretos levando ao uso de múltiplos medicamentos e diagnósticos incorretos conduzindo ao uso de medicamentos inadequados, de forma que os idosos ficam submetidos aos riscos do tratamento (1). Estudos têm demonstrado que o uso inadequado de medicamentos, frequentemente provoca complicações graves, inclusive morte, que os idosos têm um risco maior de sofrerem os eventos adversos a erros de medicação, apontando uma elevada proporção de ocorrência (59,5%) em pacientes com polifarmácia e idade avançada e estimando taxas de internações hospitalares por erros de medicação envolvendo idosos (1,2,10,11,12). No Brasil, a população idosa vem seguindo a tendência mundial de crescimento com todas as suas implicações políticas e socioeconômicas e um estudo que levante as informações sobre a ocorrência de erros de medicação envolvendo idosos poderá contribuir para o planejamento de ações pró-ativas no sentido da prevenção e/ou para apontar necessidades a serem atendidas por estratégias que melhorem o panorama da saúde do idoso, desonerando o sistema (4). Nesse contexto, este trabalho tem como objetivo descrever a situação do Brasil sobre a ocorrência de erros de medicação em pacientes idosos. 2. METODOLOGIA Trata-se de uma revisão não sistematizada da literatura utilizando, como estratégia de busca de dados, a consulta às bases Lilacs, via BVS (Biblioteca Virtual em Saúde/Bireme), e Medline, via Pubmed. O descritor usado foi “Erros de medicação/ medication erros /errores de medicación”, como termo MeSH (Medical Subject Heading) na base Medline e termo DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) na base Lilacs. Os limites usados para refinar a pesquisa foram: humanos idosos; artigos dos últimos 5 anos; revisões; Brasil; idiomas inglês, português e espanhol. A busca foi realizada em novembro de 2008. Dentre os artigos encontrados, foi eliminada a sobreposição de artigos e, mediante leitura dos resumos, foram excluídos aqueles que não atendiam ao objetivo do trabalho, ou seja, que não se referiam especificamemte a idosos ou não permitiam inferir os resultados a esse grupo etário ou ainda, que não se tratavam de estudos feitos no Brasil. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Na pesquisa realizada, encontraram-se 8.359 artigos no Medline e 147 no Lilacs, referentes ao tema erros de medicação. No refinamento da busca, encontraram-se no Medline, 494 artigos publicados nos últimos 5 anos em inglês, espanhol e português, referentes a erros de medicação em idosos, dentre estes 74 trabalhos de revisão sobre erros de medicação em idosos e oito artigos sobre erros de medicação em idosos no Brasil. No refinamento da base de dados Lilacs, foram encontrados, também, oito trabalhos sobre erros de medicação em idosos no Brasil. Os resultados estão demonstrados na Tabela 1. Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 125 TABELA 1 - Resultados da busca de dados Nº artigos Nº artigos Medline (Pubmed) Lilacs (1982 fev. 2009) Erros de medicação 8359 147 Erros de medicação/ humanos, idosos, últimos 5 anos 494 0 Revisões erros de medicação/humanos idosos 74 0 Erros de medicação/idosos, Brasil 08 08 Descritor / Limites Somente 16 artigos foram encontrados nas duas bases consultadas para o tema no Brasil, sendo oito na Lilacs e oito na Medline. Aplicando-se os critérios de exclusão, a seleção resultou em seis artigos que foram base de discussão. Desses seis estudos no Brasil, cinco tiveram como foco a ocorrência de reações e/ou eventos adversos a medicamentos e um relacionava-se a intervenção do farmacêutico na farmacoterapia do paciente idoso. Em um estudo realizado em 87 pacientes internados em um hospital universitário de Maringá, no Paraná, usando antibioticoterapia, e com idade entre 15 e 92 anos, 58,6% deste grupo tinham idade superior a 60 anos. Dentre os eventos observados nestes pacientes, 96,7% estavam relacionados aos processos de utilização de medicamentos, sendo que 7,7% erros de medicação relacionados principalmente à prescrição incorreta, e que tiveram como causas a falta de conhecimento do medicamento ou a falta de informações sobre o paciente. Os eventos do tipo potenciais, que segundo Otero (2000) (9), são erros de medicação que poderiam causar danos ao paciente, mas que não causaram, corresponderam a 89,0% dos eventos, sendo que 2,5% corresponderam a indicações incorretas de antibiótico, 28,4% a tempo de tratamento inferior ao preconizado na literatura, 1,2% a administração incorreta quanto à via e 67% a possíveis interações (5). Em outro estudo analisou os eventos adversos como indicadores de resultado da assistência durante a internação, em um hospital no município de São Paulo que utiliza um sistema de notificação de eventos adversos (EAs). Foi notificado o total de 229 EAs, a média de idade dos pacientes envolvidos no estudo foi de 72,3 anos e observou-se que o grupo que mais sofreu EA foi o maior de 61 anos (77,7%), sendo 14,8% por erros na administração, com medicamento e horário errados (8). Em uma unidade de terapia intensiva de um hospital de São Paulo, um estudo analisou ocorrências adversas com medicação relacionadas à administração de soluções hidroeletrolíticas e antibióticos. Utilizou uma amostra de 51 pacientes internados, dos quais 60% eram maiores de 60 anos. Ocorreram erros de medicação por não cumprimento da prescrição, sendo 76,3% com relação ao tempo de administração da solução hidroeletrolítica, inferior ao prescrito e 38,6% com relação aos antibióticos, número de doses inferior ao prescrito (7). Uma revisão de 15 estudos de intervenção do farmacêutico no uso de medicamentos por pacientes idosos, publicada em 2002, verificou que intervenções como aconselhamento do paciente, contato estabelecido com o médico e treinamento de farmacêuticos apresentam resultados positivos, reduzindo o custo para o paciente, melhorando as prescrições, promovendo maior adesão ao tratamento e controlando as possibilidades de reações adversas (14). Um estudo realizado em 186 pacientes idosos, com média de idade de 73,6 ± 9,1 anos, admitidos em um hospital universitário, identificou o uso de medicamentos considerados inapropriados para a população idosa como um importante fator de risco para a apresentação de evento adverso do tipo evitável, assim como comorbidade e número de medicamentos (11). Outro estudo desenvolvido em 63 pacientes com câncer, internados em um hospital de São Paulo, porém não recebendo quimioterapia e/ou terapia hormonal, avaliou a ocorrência de interações 126 Gestão, Ciência & Saúde alheias à quimioterapia. A idade média foi de 67 anos, o tempo de permanência hospitalar foi de seis dias e oito foi o número de medicamentos/paciente. As taxas de interações potenciais foram de 18,3%, consideradas graves; 56,7%, moderadas; 25%, menores (13). Dentre esses estudos selecionados, nenhum teve como objeto de pesquisa o erro de medicação. Apenas um demonstra a ocorrência de eventos adversos de forma geral em pacientes internados (8). Os idosos foram foco da pesquisa apenas em dois trabalhos. Os demais restringiram a pesquisa a uma determinada classe de medicamento, antibióticos e/ou soluções hidroeletrolíticas, ou a interações farmacológicas. E ainda, o âmbito hospitalar foi o mais explorado, enquanto que não há abordagem em âmbito ambulatorial. 4. CONCLUSÃO Constatou-se, neste estudo, que ainda não são frequentes, no Brasil, a realização de pesquisas relacionadas a erros de medicação em pacientes idosos. Os estudos pesquisados referem-se a eventos adversos, polifarmácia, tempo de permanência hospitalar, uso de medicamentos inapropriados e falhas no sistema de utilização de medicamentos, por este grupo populacional, demonstrando a necessidade de maiores investimentos e incentivos para realização de pesquisas em erros de medicação em idosos, tanto no âmbito hospitalar, ambulatorial e domicílio. Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ANDRADE, M.A.; SILVA, M.V.S.; FREITAS, O. Assistência farmacêutica como estratégia para o uso racional de medicamentos em idosos. Semina: Ciências Biológicas e da Saúde, v.25, n.1, p.55-63, jan./dez. 2004. 2. ARBESÚ-MICHELENA, M.A. Los errores de medicación como un problema sanitário. Revista Cubana de Farmacia v.42, n.2, mayo-ago. 2008. 3. CARVALHO, M. F. C. A Polifarmácia em idosos no município de São Paulo – Estudo SABE – saúde, bem-estar e envelhecimento. Dissertação (Mestrado em Epidemiologia) – Faculdade de Saúde Pública. São Paulo: Universidade de São Paulo,2007. 4. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAGIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Projeção da população do Brasil por sexo e idade 1980-2050. Revisão 2008. 5. LOURO, E.; ROMANO-LIEBER, N.S.; RIBEIRO, E. Adverse events to antibiotics in inpatients of a university hospital. Revista de Saude Publica, v.41, n.6, p.1042- 1048, dec. 2007. 6. LYRA Jr., D.P.; AMARAL, R.T.; VEIGA, E.V.; CÁRNIO, E.C.;NOGUEIRA, M.S.; PELÁ, I.R. A farmacoterapia no idoso: revisão sobre a abordagem multiprofissional no controle da hipertensão arterial sistêmica. Revista Latino Americana de Enfermagem, v.14, n.3, p.435-441, maio/junho 2006. 7. MANENTI, S.; CHAVES, A.B.; LEOPOLDINO, R.S.; PADILHA, K.G. Ocorrências adversas com medicaçäo em unidade de terapia intensiva: análise da administração de soluções hidroeletrolíticas e antibióticos. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v.32, n.4, p.369-376, dez. 1998. 8. NASCIMENTO, C.C.; TOFFOLETTO, M.C.; GONÇALVES, L.A.; FREITAS, W.G.; PADILHA, K.G. Indicators of healthcare results: analysis of adverse events during hospital stays. Revista Latino Americana de Enfermagem, v.16, n.4, p.746-751, jul./aug. 2008. 9. OTERO, M.J.; DOMÍNGUEZ-GIL, A. Acontecimientos adversos por medicamentos: una patologia emergente. Farmacia Hospitalaria, v.24, n.3, p.258-266, 2000. 127 10. OTERO, M.J.; HERNÁNDEZ, P.A.; FERNÁNDEZ, J.A.M.; BERMEJO, J.C.; HURLÉ, A.D. Prevalencia y factores asociados a los acontecimientos adversos prevenibles por medicamentos que causan el ingreso hospitalario. Farmacia Hospitalaria, v.30, n.3, p. 161-170, 2006a. 11. OTERO, M.J.; ALONSO, P.; MADERUELO, J.A. Acontecimientos adversos prevenibles por medicamentos en pacientes hospitalizados. Medicina Clínica, v. 126, p.81-87, 2006b. 12. PASSARELLI, M.C.; JACOB-FILHO, W.; FIGUERAS, A. Adverse drug reactions in an elderly hospitalised population: inappropriate prescription is a leading cause. Drugs Aging, v.22, n.9, p.767-777, 2005. 13. RIECHELMANN, R.P.; MOREIRA, F.; SMALETZ, O.; SAAD, E.D. Potential for drug interactions in hospitalized cancer patients. Cancer Chemother Pharmacol., v.56, n.3, p.286-290, sep. 2005. 14. ROMANO-LIEBER, N.S.; TEIXEIRA, J.J.V., FARHAT, F.C.L.G.; RIBEIRO, E.; CROZATTI, M. T. L.; OLIVEIRA, G.S.A. Revisão dos estudos de intervenção do farmacêutico no uso de medicamentos por pacientes idosos. Caderno Saúde Pública, v.18, n.6, p.1499-1507, Nov./dez. 2002. Revista da Fundação Ezequiel Dias, v. 5, n. 2, jul./dez. 2009 INSTRUÇÕES PARA COLABORADORES E NORMAS PARA PUBLICAÇÃO 1. Objetivos Gestão, Ciência & Saúde – Revista da Fundação Ezequiel Dias é um periódico semestral, dedicado à publicação de conteúdo técnico-científico, com informações que contribuam significativamente para o conhecimento nas ciências da saúde e da gestão. Editada pela Fundação Ezequiel Dias – Funed, a Revista tem como objetivo divulgar resultados de investigações científicas tanto básicas como aplicadas. Propõe-se a promover o debate científico, contribuindo de forma eficaz para garantir o resgate e a preservação da memória da ciência, a consolidação de áreas do conhecimento e para a melhor comunicação de resultados à comunidade científica e à sociedade. 2. Estruturação Básica A Revista é multidisciplinar com contribuições da comunidade científica, através da publicação de artigos originais; relatos de experiência/caso; história da saúde pública; resenhas de livros, artigos, dissertações e teses; relatórios de reuniões ou oficinas de trabalho e de pesquisa; comentários das Instituições de Saúde de Estado e revisões. Os trabalhos das diversas categorias devem ser inéditos e se destinarem exclusivamente à Revista. • Artigos Originais Textos que contenham relatos completos de estudos ou pesquisas concluídas e colaborações assemelhadas. Devem apresentar, no máximo, 20 páginas impressas, excetuando figuras, tabelas e anexos. • Relatos de Experiência/Caso Textos que apresentem experiências nos temas de saúde, ciência e gestão, em que o resultado é anterior ao interesse de sua divulgação ou a ocorrência dos resultados não é planejada. Inclui novas técnicas, terapias, diagnóstico, patologias, materiais e soluções inovadoras para problemas especiais. Devem apresentar, no máximo, 20 páginas impressas, excetuando figuras, tabelas e anexos. 129 • História da Saúde Pública Relatos sobre fatos e personalidades que contribuíram para a história da saúde pública e de disciplinas afins. Devem apresentar, no máximo, 20 páginas impressas excetuando figuras, tabelas e anexos. • Resenhas de Livros, Artigos, Dissertações e Teses Análises críticas para a divulgação de opiniões de pesquisadores e técnicos sobre textos publicados nas modalidades citadas referentes a temas atuais de sua especialidade, cujo conteúdo se enquadre nos objetivos da Revista. Devem apresentar, no máximo, 10 páginas impressas excetuando figuras, tabelas e anexos. • Relatórios de Reuniões ou Oficinas de Trabalho e de Pesquisa Textos sobre a discussão de temas relevantes em saúde, ciência e gestão, com recomendações e conclusões. Devem apresentar, no máximo, 10 páginas impressas excetuando figuras, tabelas e anexos. • Comentários das Instituições de Saúde do Estado de Minas Gerais Textos expressando a opinião em breve relato sobre temas relevantes da atualidade nas áreas de saúde, ciência e gestão. Devem apresentar, no máximo, 15 páginas impressas excetuando figuras, tabelas e anexos. • Revisão Síntese crítica de conhecimentos disponíveis sobre determinado tema, mediante análise e interpretação de bibliografia pertinente. Devem apresentar, no máximo, 20 páginas impressas excetuando figuras, tabelas e anexos. Outras modalidades podem ser aceitas desde que aprovadas pelo Conselho Editorial Científico 3. Instruções Gerais para Autores • Submissão de trabalhos Os trabalhos devem ser encaminhados por meio de carta, assinada pelo autor responsável pela correspondência, ao Conselho Editorial Científico da 130 Gestão, Ciência & Saúde Gestão, Ciência & Saúde – Revista da Fundação Ezequiel Dias. A carta deve descrever a categoria do trabalho e conter declaração de concordância com a cessão de direitos autorais. Tabelas e figuras publicadas em outros periódicos devem ter a fonte citada. A carta deve indicar o nome, endereço, números de telefone, fax e e-mail do autor para o qual a correspondência deve ser enviada. O endereço postal é Conselho Editorial Científico da Gestão, Ciência & Saúde – Revista da Fundação Ezequiel Dias/ Centro de Informação Científica, Histórica e Cultural/ Fundação Ezequiel Dias/ Rua Conde Pereira Carneiro, 80 - Bairro Gameleira/ 30 510-010, Belo Horizonte/MG. Após aprovação final o trabalho deverá ser reencaminhado para o endereço eletrônico [email protected]. Os trabalhos submetidos são arbitrados por pelo menos dois revisores pertencentes ao quadro de colaboradores da Revista. Os autores são responsáveis pelas informações contidas nos trabalhos e pelo ineditismo dos mesmos. Somente serão aceitos trabalhos que se destinem exclusivamente à Revista. • Apresentação do manuscrito: Os trabalhos deverão ser encaminhados em três cópias, redigidos em português, digitados no programa Word for Windows, versão 6.0 ou superior, letra Arial, tamanho 12, entrelinha espaço duplo, com margens superior de 3 cm e inferior e laterais de 2,5 cm, respeitando-se o número máximo de páginas indicadas por categoria, incluindo referências bibliográficas e excluindo figuras, tabelas e anexos. Todas as páginas do texto devem ser numeradas a partir da página de identificação (página de rosto) com numeração no início da página (cabeçalho) e alinhamento à direita. As figuras, tabelas e anexos devem ser numerados conforme citados no texto e auto explicativos, no total máximo de cinco (05) e serão impressas em preto e branco. No preparo do trabalho original será observada, sempre que possível, a seguinte estrutura: Página de rosto: Título do artigo: em português e inglês em letras maiúsculas e sem abreviaturas. Nome(s) do(s) autor(es): por extenso com indicação da forma- ção acadêmica profissional, títulos acadêmicos, função que exercem atualmente, nome da instituição a que pertencem, endereço eletrônico (pelo menos do autor responsável pela correspondência). Resumo: em português e inglês, com, no máximo, 350 palavras. O formato do resumo deve ser o narrativo, destacando, sem mencionar, objetivos, métodos básicos adotados, resultados e conclusões mais relevantes. Não devem constar abreviaturas. Palavras-chave: podem ser utilizados até seis descritores que identifiquem o conteúdo do artigo, se possível baseados no DECS (Descritores em Ciências da Saúde), disponível no www.bireme.br, terminologia em saúde e consulta ao DECS, em português e inglês. • Texto: Seguir estrutura formal para trabalhos científicos compreendendo: • Introdução: Desenvolvimento: metodologia, resultados alcançados e discussão. Além do texto, poderão constar, até, no máximo, cinco tabelas, figuras ou anexos auto-explicativos e numerados conforme citados no texto, em algarismos arábicos que serão impressos em preto e branco. (Não usar a nomenclatura Gráfico e Quadro; usar apenas Figura e Tabela). Quando citadas no texto seguem o modelo: Figura 1, Figuras 1 e 2, Tabela 1, Tabelas 1 e 2. Quando fora do texto, seguem o modelo: FIGURA 1, TABELA 1. • Conclusão: • Agradecimentos: (opcional) • Citações Bibliográficas no texto: Mencionar apenas o número recebido pelo documento na listagem da Referência Bibliográfica (ordem alfabética). Este numeral será entre parênteses e sem nenhum efeito (não sobre ou subescritar). • Referências Bibliográficas: Deverão ser ordenadas alfabeticamente e numeradas, redigidas também em espaço duplo. Devem obedecer ao estilo e à pontuação das normas da ABNT NBR 6023. Dúvidas com relação às normas, consultar pelo endereço eletrônico: [email protected]