A religião de Jesus
A religião de Israel estava baseada em quatro pilares: o sábado, o templo, os
sacrifícios e os sacerdotes. Adorar a Deus era algo que os sacerdotes faziam em
nome de todo o povo, oferecendo sacrifícios no templo, especialmente aos
sábados. Isso explica a preocupação da mulher samaritana quando pergunta a
Jesus a respeito do local correto para a adoração: o templo de Jerusalém, usado
pelos judeus, ou o templo erguido pelos samaritanos no monte Gerizim após o
retorno do exílio.
O Novo Testamento afirma que os pilares de sustentação da religião de Israel
eram apenas “sombras do que haveria de vir”. A chegada de Jesus, e seu
sacrifício, dom de si, na cruz do Calvário, efetuado de uma vez para sempre,
esvaziava a necessidade dos sacrifícios oferecidos repetidas vezes pelos
sacerdotes no templo e, portanto, desmontava a estrutura religiosa erguida
desde os dias de Moisés. Jesus é ao mesmo tempo sacerdote e sacrifício, e em
si mesmo é maior do que o templo e o sábado. Depois da morte de Jesus – o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo – e sua
ressurreição, nada mais justifica a vivência religiosa baseada em sacrifícios ritualísticos, dias, lugares e pessoas consideradas
sagradas.
O evangelho de Jesus desconhece a distinção entre fiéis e sacerdotes, “pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e os
homens: o homem Cristo Jesus, o qual se entregou a si mesmo como resgate por todos”. Sob o sacerdócio de Jesus Cristo, todo
homem é sacerdote de si mesmo. A obra de Jesus supera a compreensão de que servir a Deus é prestar culto e oferecer sacrifícios,
uma vez que toda a vida passa a ser expressão de adoração: “Quer vocês comam, bebam ou façam qualquer outra coisa, façam
tudo para a glória de Deus”. Por essas razões, não existe mais lugar sagrado, visto que “o Altíssimo não habita em casas feitas por
homens. Como diz o profeta: ‘O céu é o meu trono, e a terra, o estrado dos meus pés’”, mas em uma “casa de pedras vivas”,
“habitação de Deus em Espírito”. Também não existem mais dias sagrados, pois devemos “julgar iguais todos os dias”.
Os primeiros cristãos não possuíam templos, sacerdotes, rituais ou calendário sagrado e litúrgico. O ritualismo cerimonial judaico
foi consumado na pessoa, vida e obra de Jesus Cristo. O tempo dos “verdadeiros adoradores”, que “adoram a Deus em espírito e
em verdade”, chegou. Podemos viver na presença de Deus, pois Jesus nos abriu “um novo e vivo caminho”. Não precisamos mais
ir ao templo em busca dos sacerdotes para que ofereçam sacrifícios por nós. Podemos em nome de Jesus invocar a Deus todo dia e
em todo lugar.
A adoração legítima e verdadeira não acontece mais no templo de Salomão, mas em todo lugar, por meio de uma vida
inteiramente consagrada a Deus como “sacrifício vivo, santo e verdadeiro”. Eis a liberdade do evangelho: a vida no Espírito, única
possibilidade de superação da vontade da carne (escravidão aos desejos e impulsos maus) para a experimentação da vontade de
Deus, que é “boa, perfeita e agradável”.
Já se passaram mais de dois mil anos, e muitos ainda não discerniram que toda a estrutura sacrificial e cerimonial da religião de
Israel era “uma ilustração para os nossos dias, indicando que as ofertas e os sacrifícios oferecidos não podiam dar ao adorador
uma consciência perfeitamente limpa. Eram apenas prescrições que tratavam de comida e bebida e de várias cerimônias de
purificação com água; essas ordenanças exteriores foram impostas até o tempo da nova ordem. Quando, porém, Cristo veio como
sumo sacerdote dos benefícios agora presentes, ele adentrou o maior e mais perfeito tabernáculo, não feito pelo homem, isto é, não
pertencente a esta criação. Não por meio de sangue de bodes e novilhos, mas pelo seu próprio sangue, ele entrou no Santo dos
Santos, uma vez por todas, e obteve eterna redenção. Ora, se o sangue de bodes e touros e as cinzas de uma novilha espalhadas
sobre os que estão cerimonialmente impuros os santificam de forma que se tornam exteriormente puros, quanto mais, então, o
sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu de forma imaculada a Deus, purificará a nossa consciência de atos que
levam à morte, de modo que sirvamos ao Deus vivo!”.
Os jovens cristãos portugueses, à época da Revolução dos Cravos, em 1974, encheram as ruas de Lisboa com sua canção
profética, cuja mensagem, de tão evangélica, jamais envelhecerá:
Oh, vinde vós os povos de todas as nações, erguei-vos e cantai com alegria
Fazei soar nos ares a nova melodia que Jesus Cristo traz libertação
É tempo de esquecer a vil escravidão que em vós exercem homens ou ideias
É tempo de dizer que só Deus pode ser o único Senhor da humanidade
A Verdade vos libertará, sereis em Cristo verdadeiramente livres
Vinde todos, sim, oh, vinde já, e celebrai com alegria a vossa libertação
E vós os oprimidos, e vós os explorados e vós os que viveis em agonia
E vós os cegos, coxos, vós cativos, sós, sabei que em breve vem um novo dia
Um dia de justiça, um dia de verdade, um dia em que haverá na terra paz
Em que será vencida a morte pela vida e a escravidão enfim acabará.
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