Fundação Oswaldo Cruz Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca Cesarianas desnecessárias: Causas, conseqüências e estratégias para sua redução GRUPO DE PESQUISA: Epidemiologia e Avaliação de Programas sobre Saúde Materno-infantil COORDENAÇÃO: Maria do Carmo Leal – ENSP/Fiocruz EQUIPE DE PESQUISADORES: Silvana Granado Nogueira da Gama – ENSP/Fiocruz Rosa Maria Soares Madeira Domingues - ENSP/Fiocruz Sandra Costa Fonseca - UFF Marcos Augusto Bastos Dias – IFF/Fiocruz Mariza Miranda Theme Filha – SMS/RJ Penha Maria Mendes da Rocha – SMS/RJ Sonia Duarte Azevedo Bittencourt – ENSP/Fiocruz Ana Paula Esteves Pereira – ENSP/Fiocruz Arthur Orlando Correa Schilithz - ENSP/Fiocruz Introdução A taxa de cesariana tem sido utilizada como indicador de avaliação do modelo de atenção ao parto. Segundo a Organização Mundial de Saúde, não existem evidências que justifiquem, em qualquer população, taxas de cesariana superiores a 15%. Introdução O aumento das taxas de cesariana foi bastante expressivo no continente americano e mais especificamente no Brasil, com taxas próximas a 40%. Entre os estados brasileiros, São Paulo e Rio de Janeiro ocupam, respectivamente, o primeiro e segundo lugar, com taxas em torno de 50%. As taxas de cesariana no Brasil estão entre as maiores do mundo e a cirurgia foi tão banalizada que em algumas regiões ultrapassa os 80%. Sub-Projeto 1 Diz respeito a uma análise em nível local, da freqüência e adequação de indicação de partos cesáreos no Estado do Rio de Janeiro. Estudo descritivo, em duas unidades atendidas pela saúde suplementar, uma no Município do Rio de Janeiro (zona Norte) e outra situada em um município da Baixada Fluminense. O principal objetivo era conhecer, através de entrevistas com puérperas destas unidades, a trajetória da escolha/definição da via de parto operatória. Um objetivo secundário foi avaliar a adequação das indicações de parto cesáreo. Portanto o foco era contribuir para a compreensão dos determinantes de taxas elevadas de cesarianas provavelmente desnecessárias. Sub-Projeto 2 Análise, a partir do banco de dados do SINASC, da série temporal nos últimos dez anos, focalizando a evolução das taxas de cesariana, suas possíveis explicações e conseqüências. Aqui o foco principal era uma possível associação de cesarianas com desigualdades sociais e desfechos desfavoráveis para o neonato, particularmente a prematuridade. Sub-Projeto 3 Revisão sistemática da literatura de 2001 a 2006, para descrever as principais estratégias estudadas para reduzir cesarianas desnecessárias. O foco era identificar o estado da arte mais atual das estratégias de redução de cesarianas desnecessárias e selecionar as mais eficazes/efetivas e passíveis de aplicação no cenário da saúde suplementar. Sub-Projeto 1- resultados Avaliação da demanda por cesariana e da adequação de sua indicação em unidades hospitalares do sistema de saúde suplementar do Rio de Janeiro. ALGUNS RESULTADOS SÓCIO-DEMOGRAFICOS E PERFIL REPRODUTIVO Foram entrevistadas 254 puérperas na unidade 1 e 183 na unidade 2, totalizando 437 mulheres, com um percentual de perdas de apenas 3%. A média de idade foi de 28 anos, com maior proporção de adolescentes na unidade 2. Mais de 80% das mulheres apresentavam ensino fundamental completo; entretanto, observou-se o dobro de mulheres com fundamental incompleto na unidade 2 e uma proporção muito maior de mulheres com ensino superior na unidade 1. ALGUNS RESULTADOS SÓCIO-DEMOGRAFICOS E PERFIL REPRODUTIVO Mais de 90% das mulheres nas duas unidades referiam ser casadas ou viver com companheiro. Em relação à cor da pele, mais de 50% das mulheres, se auto declararam pardas ou negras, sendo, com maior proporção de brancas na unidade 1. Mais de 60% das entrevistadas declararam ter ocupação remunerada, um pouco mais freqüente na unidade 1. ALGUNS RESULTADOS SÓCIO-DEMOGRAFICOS E PERFIL REPRODUTIVO Quase 20% das mulheres da unidade 2 informaram uma renda familiar inferior a dois salários mínimos, enquanto na unidade 1, mais de 10% relataram renda superior a dez salários mínimos. Na unidade 2, observou-se maior proporção de primigestas e de primíparas. Em ambas as unidades, para aquelas com histórias de partos anteriores, verificou-se elevada proporção de cesarianas pregressas. DADOS GESTAÇÃO ATUAL Quase a totalidade das mulheres realizou sua assistência pré-natal em consultório particular. Mais de 90% das mulheres, nas duas unidades, relataram início precoce da assistência pré-natal e da realização de exame de ultra-sonografia, ambos no primeiro trimestre gestacional. O número de consultas também foi elevado, com quase 100% das mulheres tendo acesso ao número mínimo de seis consultas de pré-natal. DADOS GESTAÇÃO ATUAL O acesso à informação durante a gestação foi bastante diferenciado nos dois grupos. As mulheres da unidade 1 relataram se sentir mais informadas sobre as vantagens e desvantagens do diferentes tipos de parto em comparação às mulheres da unidade 2. Em relação às intercorrências apresentadas ao longo da gestação, verificam-se poucas diferenças entre as duas unidades. Dentre as mulheres que relataram hipertensão na gravidez, cerca de 65% nas duas unidades faziam uso de medicação para tratamento dessa patologia. Preferência inicial pelo tipo de parto Já no início da gestação, mais de 36% das mulheres na Unidade 1 e 32,8% na unidade 2 preferiam parto cesáreo. Quando analisamos apenas as primíparas, a proporção de preferência por cesariana foi menor, 20% e 23%, respectivamente, na unidade 1 e 2. Decisão pelo tipo de parto ao final da gestação Cerca de 70% das mulheres relataram que, ao final da gestação, já havia a decisão de realização de cesariana. Na unidade 1, em quase metade dos casos a escolha foi da mulher, enquanto na unidade 2, na maioria das vezes, essa foi uma decisão conjunta da mulher e do médico. Quando a decisão foi apenas da mulher, os principais fatores relatados foram: o desejo de ligar as trompas, não querer sentir a dor do parto, e histórico de cesariana anterior. Quando foi exclusiva do médico ou conjunta com a mulher, os mais citados foram: a presença de circular de cordão, histórico de cesariana anterior, o relato de um bebê grande, e a presença de complicações na gravidez, sobretudo a hipertensão. Decisão no momento do parto Os resultados sugerem que a decisão por cesariana no final da gestação foi o maior preditor de cesariana no momento do parto. Deve-se ressaltar, entretanto, que o número de mulheres que entraram em trabalho de parto foi muito pequeno. Observa-se que no momento do parto, a maioria das trajetórias terminou em parto cesáreo, independente do desejo inicial. Assistência ao parto e indicação de cesariana Foi encontrada uma proporção de 88,1% de partos cesáreos e 11,9% de partos normais, com distribuição semelhante nas duas maternidades. 92% das cesarianas foram realizadas eletivamente, antes da entrada da mulher em trabalho de parto. Do total de cesarianas, 37,1% ocorreram por escolha da mulher, sendo as demais por indicação médica ou decisão conjunta Assistência ao parto e indicação de cesariana Após revisão e análise dos partos cesáreos (eletivos ou não) com indicação médica, não foi possível avaliar a adequação da indicação em 10,2% por ausência de informações no prontuário. Nos casos em que foi possível a avaliação, concluiu-se que 91,8% foram inadequadas e apenas 8,2% adequadas. A principal razão para a inadequação da indicação da cesariana foi a ausência de uma prova de trabalho de parto para várias condições que não constituem indicações absolutas para um parto cesáreo. Em relação ao manejo do trabalho de parto, avaliou-se que 64,9% das mulheres tiveram manejo inadequado do trabalho de parto, 10,4% parcialmente adequado e nenhum adequado. Sub-projeto 3 Revisão sistemática sobre estratégias de redução de cesarianas desnecessárias Introdução Apesar das recomendações de taxas de cesarianas menores que 15%1 e dos prováveis riscos maternos e perinatais, as taxas continuam muito elevadas no Brasil, principalmente nas instituições privadas. Faz-se necessário pensar em estratégias para redução de cesáreas desnecessárias. Várias medidas têm sido propostas, tanto no âmbito do serviço público quanto nas instituições privadas. Estas estratégias podem ser direcionadas aos profissionais, às pacientes e às instituições, assim como podem ter caráter clínicoobstétrico, psico-social ou estrutural. Metodologia Optou-se por uma revisão semelhante às de Walker (2002) e Sakala (1993), contemplando as diferentes estratégias, porém mais centrada na literatura recente, e utilizando apenas a melhor evidência científica – ensaios clínicos randomizados. Esta revisão priorizou a busca de evidências aplicáveis ao contexto nacional, em especial aos serviços de saúde suplementares. Metodologia A metodologia da revisão seguiu a proposta da Cochrane Collaboration e o roteiro QUOROM, do International Committee of Journal Editors para revisões sistemáticas. Intervenções estudadas: foram incluídas todas as formas de intervenção - estratégias dirigidas a pacientes, a profissionais e a instituições. Desenhos de estudo: foram incluídos apenas ensaios clínicos randomizados (ECR), pela comprovada qualidade na obtenção de evidência. Resultados Foram identificados durante a busca 50 artigos sobre intervenções que, de forma primária ou secundária, se relacionassem com a taxa de cesarianas. Dois artigos foram excluídos, pois seu formato era de comunicação breve, com dados insuficientes para melhor avaliação; Dois artigos não foram localizados, um sobre indução com misoprostol e outro sobre analgesia combinada espinhal-epidural (Caliskan et al., 200546; Moschini et al., 200647). Resultados Em relação às características dos 46 artigos avaliados, 37 foram publicados em periódicos obstétricos, 6 em periódicos de medicina interna, 2 em anestesiologia, 1 em saúde pública. O país com maior número de estudos foram os EUA Resultados Os 46 artigos foram categorizados, de acordo com a natureza da intervenção, em: a) estudos voltados para o manejo do trabalho de parto, divididos em indução/ condução (23 artigos) e avaliação do bem-estar do feto (7 artigos); b) estudos de intervenções anestésicas (9 artigos); c) estudos de âmbito estrutural – rotinas institucionais (4 artigos); d) estudos voltados para a gestante (3 artigos). Estratégias direcionadas às mulheres embora não existam estudos científicos que demonstrem a redução das taxas de cesariana com esse tipo de intervenção, os estudos disponíveis sugerem benefícios psicossociais associados ao trabalho educativo com mulheres. esta estratégia poderia alterar, a médiolongo prazo, a demanda das mulheres por cesáreas eletivas. Estratégias direcionadas aos profissionais São as intervenções mais importantes e provavelmente as de mais difícil implantação. indução do trabalho de parto como forma de término da gestação, em substituição à cesárea eletiva utilização da prova de trabalho de parto em gestantes com uma cesárea anterior cuidado na utilização da cardiotocografia em gestantes de baixo risco pela possibilidade de aumento das taxas de parto operatório uso de analgesia peridural com doses baixas quando este método de analgesia estiver indicado sabendo que existe maior possibilidade de parto vaginal operatório Estratégias direcionadas aos profissionais Outras estratégias, como a segunda opinião mandatória; auditoria; envio de relatórios; definição de limites máximos para as intervenções obstétricas, associados ou não a sanções financeiras; envolvimento de lideranças locais, podem ser adotadas, considerando-se sempre as características organizacionais de cada local e os efeitos leves a moderados dessas estratégias. Estratégias para garantia do suporte contínuo no parto esta é uma prática que dispõe de forte evidência científica sobre seus benefícios para a redução da taxa de cesariana, devendo ser garantida em todos os serviços públicos e privados. Estratégias relacionadas à assistência pré-natal o cuidado continuado no pré-natal é uma intervenção que apresenta resultados benéficos comprovados, incluindo a redução da taxa de cesariana. I – Estratégias voltadas para as mulheres e população geral Campanhas educativas sobre as vantagens e desvantagens dos diversos tipos de parto e sobre as práticas assistenciais disponíveis. É importante que essas campanhas valorizem o desejo existente das mulheres de ter um parto normal e informem sobre as práticas benéficas para o acompanhamento do trabalho de parto II – Estratégias voltadas para os gestores Implantação do cartão da gestante nos serviços do sistema de saúde suplementar, como forma de aumentar a informação e o controle da mulher sobre a sua gestação, bem como melhorar a qualidade da informação disponível nesses serviços por ocasião da internação hospitalar. Pode-se adotar o próprio cartão do Ministério da Saúde, cuja última versão foi implantada este ano, ou outro modelo que se julgue adequado; II – Estratégias voltadas para os gestores Implantação de registro hospitalar padronizado, baseado em recomendações da Organização Mundial de Saúde, que permita o adequado acompanhamento do trabalho de parto e parto; Estabelecimento de sistema de informação composto por cartão da gestante e prontuário hospitalar, que permita o monitorar características da gestação, intervenções obstétricas e desfechos perinatais das mulheres atendidas no sistema de saúde suplementar; II – Estratégias voltadas para os gestores Implantação de equipes plantonistas (obstetras e enfermeiras obstetras) nas maternidades permitindo ao profissional utilizar esta equipe como apoio para o atendimento as gestantes que necessitem de assistência continuada (trabalho de parto inicial, indução do parto, etc...); Realização de estudos que avaliem o impacto financeiro (custos) e na saúde da população (morbi-mortalidade) do modelo de assistência ao parto no sistema de saúde suplementar, uma vez que o mesmo está relacionado com um cuidado que resulta numa taxa de 90% de cesarianas; II – Estratégias voltadas para os gestores Inclusão do pagamento, pelos planos de saúde, de partos domiciliares, partos assistidos por enfermeiras obstetras e assistência por doulas; Incentivo aos hospitais que integram o sistema de saúde suplementar para que adotem medidas que favoreçam a implantação de práticas consideradas humanizadoras da assistência ao parto, inclusive com adequações das estruturas físicas das áreas de centro obstétrico (ex: adoção de quartos PPP - pré-parto/parto/ puerpério imediato); II – Estratégias voltadas para os gestores Implantação de certificação das unidades hospitalares com assistência humanizada, a exemplo do título “Galba Araújo” concedido pelo Ministério da Saúde a maternidades que prestam assistência humanizada ao parto e nascimento. III – Estratégias voltadas para os profissionais Estabelecimento de protocolos de assistência ao pré-natal, ao parto e ao recém-nato no sistema de saúde suplementar, visando alcançar padrão de qualidade assistencial que resulte em melhores indicadores de saúde da clientela atendida nesses serviços; Promover capacitação dos profissionais no cuidado obstétrico baseado em evidências científicas, buscando parcerias com entidades médicas e universidades; III – Estratégias voltadas para os profissionais Elaboração de periódico próprio da ANS, direcionado a todos os profissionais que atuam no sistema de saúde suplementar, como meio de divulgação de evidências científicas sobre as boas práticas; Estabelecimento de patamares progressivamente menores de taxas de cesariana para cada profissional conveniado, entendendo que taxas elevadas desta cirurgia implicam em riscos e custos desnecessários às consumidoras dos serviços de seguro saúde. Essa iniciativa poderia ser acompanhada por auditoria médica, já realizada pelas seguradoras; III – Estratégias voltadas para os profissionais Estabelecimento de métodos de avaliação periódicos da atualização profissional dos médicos conveniados e de sua adesão a protocolos de atendimento baseados em evidências cientificas. Adotar essa avaliação periódica como critério para renovação de credenciamento.