Visões do Graal Tópicos 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. O nome "graal" O Graal de Chrétien de Troyes Heróis do Graal Nos tempos do Graal O Graal no mito e no folclore O Graal como arquétipo (Re-)visões do Graal 1. O nome "graal" “graal” – em letra minúscula • Mario Roques. Le Nom du Graal, in Les Romans du Graal dans la littérature des XIIe et XIIIe siècles, ed. J. Fourquet. Centre National de la Recherche Scientifique, 1956 – prato grande, travessa, escudela • Helinand – “Gradalis autem vel gradale gallice dicitur scutella lata et aliquantulum profunda” • Alberic de Briançon et al. The Medieval French Roman d’Alexandre. ed. Edward C. Armstrong et al., 7 vols. Princeton University Press, 1937–76. A palavra “graal” no Roman d’Alexandre (61) Li seneschaus conut ben lo meschin E dist au rei sempres en son latin: "Per ma fei, sire, ça vei un pelerin, Il but erser a ma copa d'or fin, Se li donai e pain e char e vin; De mon ostal se leva oi matin (...)“ (62) Li proz Sanson conut lo seneschal. "Sire, dist il, Deus te porgart de mal. Ot tei manchai erser a ton graal E oi matin esi de ton ostal (...)" 2. O Graal de Chrétien de Troyes “le meillor conte qui soit contez” • Chrétien de Troyes, Le Roman de Perceval ou Le Conte du Graal, ed. Keith Busby (Tübingen, 1993). • Composição: 1178-1181 – ficou inacabado!!! • Patrono: Filipe da Alsácia, conde de Flandres • Momento: retorno de Filipe da Terra Santa • Prólogo: Filipe, mais generoso que Alexandre “...o melhor conto já contado em corte real: é o Conto do Graal, sobre o qual o conde lhe deu o livro” – que livro seria esse? Estrutura do Poema (1) • • • • • • • • Na deserta floresta solitária A donzela da tenda Na corte do rei Artur Com Gornemant de Goort Em Belrepeire No Castelo do Graal Com a prima O Orgulhoso Estrutura do Poema (2) • • • • • • • • Gotas de sangue na neve Donzela Feia e desafio de Guingambresil Gauvain e a Donzela das Mangas Curtas Gauvain em Escavalon (Ascalon - ‘Escalonne’) Perceval e o ermitão Gauvain e a Orgulhosa Gauvain no palácio maravilhoso Gauvain e Guiromelant Personagens e objetos maravilhosos • Castelo do Graal: Rei Pescador / Estropiado (primo de Perceval), espada, cortejo, a prima. • A lança que sangra – “Si passa par entre le feu/Et cels qui el lit se seoient./Et tot cil de laiens veoient/Le lance blanche et le fer blanc,/S'issoit une goute de sanc” • O prato de cortar carne e o graal – “Aprés celi en revint une/ Qui tint .i. tailleoir d’argant./ Li graals, qui aloit devant, De fin or esmeré estoit” 3. Heróis do Graal Protagonistas nos séculos XII e XIII • • • • • • • • José de Arimatéia (Robert de Boron) Perceval (Robert de Boron?) Perceval (Continuações) Peredur (Mabinogion) Perlesvaus (The High History of the Grail) Parzival (Wolfram von Eschenbach, Wagner) Gawain (Diu Crone) Galahad (Vulgata Arturiana/ Post-Vulgata) Principais Inovações (1) • Peredur: em vez do graal, uma cabeça cortada, missão de vingança • Parzival: graal como pedra preciosa • Robert de Boron: lança → lança de Longinus graal → Santo Graal – prato ou cálice da última ceia, em que foi recolhido o sangue de Cristo Perceval retorna, faz a pergunta, cura o Rei, e é seu sucessor Cena da Paixão Principais Inovações (2) Fontes de Robert de Boron – apócrifos da Bíblia + José de Arimatéia libertado por Vespasiano. No livro de Flavius Josephus, diz Vespasiano: “É uma vergonha que este homem que previu com antecedência minha subida ao poder imperial, sendo portador dessa mensagem divina dirigida a min, ainda seja mantido na condição de cativo ou prisioneiro.” Joseph ab Arimathia Joseph bar Matthias Testimonium flavianum “Houve nesse tempo um homem bom, de nome Jesus, se é legítimo chamar de homem a alguém que praticou tantas obras maravilhosas um mestre para todos os que acolhem a verdade com alegria. Ele atraiu muitos para si, tanto judeus como gentios. Ele foi o Cristo, e quando Pilatos, por solicitação dos principais dentre os nossos, o condenou à cruz, aqueles que o amavam desde o início não o renegaram, pois ele lhes apareceu de novo vivo no terceiro dia, confirmando essas e inúmeras outras maravilhas que os profetas divinos tinham predito sobre ele. E a tribo dos Cristãos, assim chamada por causa dele, até o dia de hoje não se extinguiu.” – Josefo: Antiguidades dos Judeus, xviii 3.3 Principais Inovações (3) Parzival: graal como pedra – “lapis exilis”: “Sobre uma almofada verde, ela levava o desejo do paraíso, ao mesmo tempo raiz e botão de flor. Era uma coisa chamada Gral, bem acima dos desejos terrenos.” Alexandri Magni Iter ad Paradisum (Jornada de Alexandre o Grande ao Paraíso) – a pequena pedra preciosa - pesada/leve. Principais Inovações (4) Vulgata Arturiana (Lancelote-Graal): Galaad – e a estória de Jacó, Lia e Raquel Genesis 31,48: “Disse Labão: sirva hoje este marco de testemunho entre mim e ti, e por isso foi chamado de Galaad, ou seja marco do testemunho.” “Dixitque Laban: tumulus iste erit testis inter me et te hodie et idcirco appellatum est nomen eius Galaad, id est tumulus testis.” Êxtase e morte, Santo Graal e a lança levados ao céu 4. Nos tempos do Graal Contexto histórico, as Cruzadas • Cavalaria, amor cortês, feudalismo • Os turcos invadem a terra santa • Primeira cruzada, Reino de Jerusalém • Balduino IV, o Rei Leproso • Chegada de Filipe, seu primo-irmão • Prima-irmã, Sibila (xará da mãe de Filipe) • “A grande malícia” do Conde Filipe – Guilherme de Tiro: Historia rerum in partibus transmarinis gestarum (história dos feitos nas terras de além-mar) – seria esse o livro? Falha em assumir a missão • Espada (missão) entregue pelo Rei a Perceval. • Perceval queria saber o significado da lança e do graal – mas não pergunta! • Balduíno pede a Filipe que assuma a regência do Reino de Jerusalem, mas ele se esquiva. • Gui de Lusignan (com Sibila) perderá o reino. • Filipe voltará depois – vindo a morrer em Acre, em conseqüência de uma epidemia (1190). • Perceval voltaria? – (Continuações, etc.) Relíquias? Voltando a Chrétien - Perceval e o ermitão: “Mais ne quidiez pas que il ait Lus ne lamproie ne salmon; D'une sole oiste le sert on, Que l'en en cel graal li porte; Sa vie sostient et conforte, Tant sainte chose est li graals”. No Roman d’Alexandre - fonte em Babilônia (449): “Tant per est sancta chose ...” Roubo da Relíquia de St. Jacques Roubo da Relíquia de St. Jacques (detalhe) Relíquias das Cruzadas (1) • A lança em Chrétien - “E está escrito que chegará a hora em que todo o reino de Logres ... será destruído por essa lança” • Cerco de Antióquia, Pedro Bartolomeu e a “Santa Lança” – usada como estandarte cristão • A ordália: “O exército estava reunido em volta da fogueira. Veio Pedro e se ajoelhou. Terminando de rezar suas orações, segurou a lança e entrou no fogo, passou através dele, não sofreu ferimento ao que se pudesse constatar. Quando o povo viu isso, todos correram a ele, para tocálo e rejubilar-se...” Relíquias das Cruzadas (2) • Tomada de Cesaréia • Encontrado no templo: vaso de esmeralda • “...Là dedenz fu trouvez uns vessiaux de pierres verz et cleres assez de trop grant biauté, fez ausint comme uns taillouers. Li Genevois cuidierent et cuident encore que ce soit une esmeraude”. • O Sacro Catino na Catedral de Gênova • Jacopo da Varagine na Chronica civitatis Ianuensis: “Et illud vas dicti Anglici in libris suis Sangraal appellant”. O Sacro Catino 5. O Graal no mito e no folclore Magia do graal • • • • • • • Fonte na Babilônia ("sancta chose") Caldeirões celtas (ressurreição, inspiração) Cornucópia grega (fartura) Compartilhar o prato (Roman d’Alexandre) Força para a missão (Cavaleiro do Cisne) Fetiche dos primitivos (cabeça do inimigo) Interpretação alegórica: a Paixão Magia da lança que sangra • Sinalizador de vida – “life token” (AarneThompson - E761) • Denunciando o assassino (Yvain) • Destruidor de cidades (Sófocles: Philoctetes) • Cura homeopática (Telephos) • Interpretação alegórica: a Paixão 6. O Graal como arquétipo Rituais: graal + lança (1) (Chrétien) - E agora dize-me se viste ... a lança cuja ponta sangra, embora nela não haja nem carne nem veia ... E perguntaste por que ela sangrava? - Não falei nunca, que Deus me ajude. - E viste o graal? - Sim, vi bem. - E quem o levava? - Uma donzela. - E de onde vinha? - De um quarto. - E para onde foi? - Entrou em um outro quarto. Rituais: graal + lança (2) (Busca do Santo Graal) “O quarto [anjo] veio com a lança, mantendo-a firme, na vertical, bem sobre o santo Vaso, de modo que o sangue que escorria pela haste fosse cair dentro dele ... No momento da elevação, desceu do céu uma figura com aspecto de criança, com a face rubra e ardente como fogo ...” Rituais - iniciação (3) (Chrétien) “Quando chegou à ermida, desmontou e desarmou-se ...” “E o ermitão lhe segredou no ouvido uma oração ... Nessa oração havia numerosos nomes de Nosso Senhor, pois ali estavam os nomes supremos, que não devem ser expressos por boca humana a não ser sob ameaça de morte.” Busca inconsciente • Freud – sexualidade: masculino/feminino = lança/Graal, sublimação (alegoria). interpretação dos sonhos: condensação (conflação) e deslocamento. • Lacan – ordem imaginária, o Nome-do-Pai, procurando a mãe, “objet petit ɑ”, imagem/puro significante, pergunta suspensa: que deseja o outro de mim? • Jung – processo de individuação - arquétipos: sombra=cavaleiro vermelho, anima=Blancheflor, antiga sabedoria= Gornemant e o Eremita, persona=armadura, si-mesmo=Graal. 7. (Re-)visões do Graal Recepção e mitos do cotidiano • Hans Robert Jauss. Toward an Aesthetic of Reception. University of Minnesota Press, 1982. • Wolfgang Iser. "The Reading Process: a Phenomenological Approach", in Twentieth Century Literary Theory. ed. Vassilis Lambropoulos and David Neal Miller. State of New York Press, 1987. • Hans Ulrich Gumbrecht. In 1926: Living on the Edge of Time. Harvard University Press, 1998. • Roland Barthes. Mythologies. Seuil, 1970. • Slavoj Zizek. The Sublime Object of Ideology. Verso, 1989. De Hitler, Himmler e Otto Rahn ... • Hermann Rauschning, Hitler m'a dit, Albert Lehman, trad., Paris: Coopération, 1939, pp. 256-57: Sobre o graal no Parsifal - “Não é a religião da piedade que aí se glorifica ... mas sim o culto do sangue nobre e precioso, da jóia pura e fulgurante em torno da qual se agrupa a confraria dos bravos e sábios.” • Otto Rahn escreveu dois livros ligando Montségur e os Cátaros ao Santo Graal: Kreuzzug gegen den Gral ("Cruzada contra o Graal") em 1933 e Luzifers Hofgesind (“Côrte de Lúcifer") em 1937. Após a publicação do primeiro livro, o trabalho de Rahn atraiu a atenção de Heinrich Himmler, líder das SS, que tinha fascinação pelo oculto (fundou a “Ahnenerbe”). ... aos Kennedy ... Uma semana após o assassinato, a viúva do presidente foi entrevistada em Hyannisport a 29 de novembro por Theodore H. White da revista Life. Nessa ocasião, ela comparou os anos Kennedy na Casa Branca à Camelot mítica do Rei Artur, comentando que o presidente muitas vezes escutava a gravação da canção-título do musical de Lerner e Loewe antes de deitar-se. ... e Obama (com Caroline Kennedy) Combinando (“blending” – Fauconnier & Turner) com outros objetos • Graal + mana (antropologia: a fertilidade da terra ligada à energia vital do rei, cf. The Golden Bough de James Frazer) → Excalibur de Boorman. • Graal + Madalena (trama de conspiração, pseudo-pesquisa) → Código Da Vinci de Dan Brown. http://www-di.inf.puc-rio.br/~furtado/davinci_lacy.pdf http://www-di.inf.puc-rio.br/~furtado/davinci_hortal.pdf • Graal + copo humilde + Otto Rahn → Indiana Jones e a Última Cruzada de Spielberg. De novo em letra minúscula • O graal de cada um – principal objetivo na vida, muitas vezes não material. • O graal do pesquisador: cura de doença, mas até a pesquisa pelo amor à pesquisa. • O Everest está lá – portanto é preciso escalá-lo. • Sopa de pedra: o graal + filologia + literatura comparada + história + teorias do inconsciente + ... Fascínio da obra incompleta Agradecimento • Eliana Yunes, Oswaldo Lopes e Maria Clara • Antonio Mattoso e Miriam Sutter • todos vocês, esperando que continuem gostando de mitologia