AS SOCIEDADES SIMPLES NO CONTEXTO DO DIREITO EMPRESARIAL BRASILEIRO* THE SIMPLE SOCIETIES IN THE CONTEXT OF THE BRAZILIAN ENTREPRENEURIAL RIGHT Benigno Cavalcante RESUMO O presente artigo objetiva analisar a natureza jurídica das sociedades simples no contexto do direito civil brasileiro. Apresentada, dentro do contexto do direito empresarial, na parte especial do Código Civil brasileiro, de 2002, como espécie de sociedade personificada, a sociedade simples vem sendo tratada pela doutrina como uma mera substituta das antigas sociedades civis, como se o critério para se distinguir as sociedades empresárias fosse unicamente a teoria dos atos de comercio, cuja gênese reside no direito francês, que, no entanto, foram abolidas pelo modelo atual, fundamentado na teoria da empresa, do direito civil italiano. A questão proposta é: a sociedade simples é, realmente uma sociedade civil, ou as atividades não mercantis podem se revestir da formalidade das sociedades empresárias? PALAVRAS-CHAVES: SOCIEDADES, EMPRESÁRIAS. SOCIEDADES SIMPLES. NATUREZA JURÍDICA. DISTINÇÃO. ABSTRACT The present article has as objective to analyze the legal nature of the simple societies in the context of the Brazilian civil law. It is presented inside of the context of the entrepreneurial right, in the special part of the Brazilian Civil Code, from 2002, as species of personified society, the simple society has been treated by the doctrine as a mere substitute of the ancient civil societies, as if the criterion to distinguish the entrepreneurial societies was only the theory of the trade acts, whose genes reside in the French right, that, however, they had been abolished by the current model, based on the theory of the company, of the civil Italian law. The proposal question is: Is the simple society, really a civil society, or the activities that are not mercantile can be covered with the formality of the entrepreneurial societies? KEYWORDS: ENTREPRENEURIAL SOCIETIES. SIMPLE SOCIETIES. LEGAL NATURE. DISTINCTION. * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009. 10832 INTRODUÇÃO. O Código Civil brasileiro, de 2002, ao derrogar o Código Comercial, de 1850, consagrou o Direito de Empresa no Livro II da Parte Especial. Houve uma ruptura com a anterior teoria dos atos e comercio, notabilizada no direito francês, para adotar-se a moderna teoria da empresa concebida pelo direito italiano. O Direito Privado, no modelo anterior, se assentava sobre o direito comercial de um lado e o direito civil e outro. Ambos os estatutos privados estabeleciam normas norteadoras sobre as sociedades: o Código Civil, no Art. 1.363 e o Código Comercial, no Art. 287. Esta dupla codificação do direito societário acentuava, ainda mais, a dicotomia do direito privado. Com o advento do Código Civil, de 2002, não se elidiu a dicotomia do direito privado, antes mantendo-se a autonomia do direito comercial. Contudo, as sociedades não são tratadas, no Código Civil, como uma modalidade contratual, como ocorria no sistema anterior, mas sua disciplinação ficou a cargo de livro próprio. Foi neste contexto que o legislador civil consagrou e classificou os diversos tipos societários. Em primeiro lugar classificou as sociedades em Personificadas e não personificadas. Entre as sociedades personificadas, consagrou as sociedades simples. Não obstante, as sociedades simples estão a exigir uma exata definição de sua aplicação no contexto do direito empresarial brasileiro: trata-se de uma sociedade empresária com objetivo não mercantil, a exemplo das antigas sociedades civis, ou se cuida de uma sociedade não empresária? Os textos normativos, presentes no Código Civil brasileiro, de 2002, motivam, por sua falta de clareza e objetividade, este debate que se estendem aos mais renomados juristas pátrios. Alguns doutrinadores, sequer a esta questão se referem. Outros indicam como destino da lei, a obscuridade e, por fim, sua inaplicabilidade por absoluta inutilidade no direito empresarial brasileiro. Neste debate pretende-se ingressar, colacionando as diversas opiniões doutrinárias, visando a análise do instituto e sua verdadeira e real aplicabilidade e utilidade no direito empresarial brasileiro. 2. Sistematização do direito societário no Direito Civil brasileiro. As sociedades, civis e mercantis, eram reguladas, no sistema anterior, pelo Código Civil brasileiro, de 1916 e pelo Código Comercial brasileiro, de 1850, respectivamente. No primeiro caso, as sociedades civis eram disciplinadas pelo Código Civil na parte referente aos contratos. Cuidava-se de uma espécie contratual com suas características inerentes e elementos atributivos, como por exemplo, a formação do 10833 capital social. Ao Código Comercial reservava-se a disciplinação dos contratos de sociedades comerciais ou mercantis. Discorrendo sobre o desenvolvimento histórico das sociedades, Rubens Requião[1] assevera que as sociedades, de um modo geral, eram perfeitamente reguladas pelo direito civil, já que não se concebia um direito especial para os comerciantes. O direito comercial, por sua vez, resulta da elaboração legislativa inaugurada por Napoleão Bonaparte, em 1807, e que, no Brasil, antecipou-se à elaboração do próprio Código Civil em razão da necessidade de se amparar os direitos e obrigações dos mercadores e suas relações jurídicas no inicio do século XIX. A necessidade de elaboração de norma comercial, a amparar as relações jurídicas de índole mercantil, forçou o legislador pátrio a promulgar o Código Comercial, em 1850, antecipando-se ao Código Civil brasileiro, que só viria a ser promulgado setenta anos depois, instituindo-se, assim, a dicotomia do direito privado. As atividades negociais realizadas pelos particulares, fossem elas mercantis ou civis, não encontravam, até então, distinção alguma. Com a consolidação do Estado brasileiro, voltam-se as forças políticas para a busca da unificação do direito privado, reconhecendo-se a suficiência de um único ordenamento a conduzir toda a atividade privada. A dicotomia se estabeleceria entre o direito privado e o direito público cuja origem se encontra no acervo da civilização greco-latina, nos ensinamentos de Fabio Konder Komparato,[2] em que se separava a esfera de vida do cidadão da esfera da vida privada. Orlando Gomes propôs, em 1965, a elaboração de um Código das Obrigações reunindo, num acervo legislativo, as ordenanças de natureza mercantil e civil. Desta proposta surgiu o projeto de código civil brasileiro promulgado em 2002. Ao longo deste período de tramitação, no Congresso Nacional, a atividade econômica, por sua natural evolução, deixou de ser representada apenas pela atividade mercantil, sendo certo que a atividade não mercantil alcançou significativa projeção neste cenário social. As leis federais, 8.245, de 1991 e 8.078, de 1997, dispondo, respectivamente, das locações imobiliárias e da defesa e proteção do consumidor, são alguns exemplos da necessidade de atualização da legislação econômica, com vistas à unificação do direito privado, e que exigiram do legislador ordinário antecipar-se à promulgação do código civil brasileiro. Já não há, nas palavras de José Xavier Carvalho de Mendonça, [3] tanto interesse na distinção entre as sociedades civis e mercantis, tomando-se opor parâmetro as sociedades anônimas, cuja natureza mercantil independe de seu objeto social. Promulgado o Código Civil brasileiro, de 2002, não se vislumbrou alcançar a unificação do direito privado. Mas, no que respeita aos direitos empresariais, reuniu-os em um único livro denominado de direito de empresas encerrando disposições concernentes à atividade empresarial individual e coletiva. Entre as diversas atividades empresariais coletivas, encontra-se a sociedade simples, contemplando os requisitos legais das sociedades de um modo geral, seja como tipo societário próprio, ou modo de integração da lacuna contratual ou legal. 10834 Com estes argumentos, justifica-se a as disposições genéricas das sociedades simples, dentre as sociedades personificadas, no contexto do direito empresarial, mas permanece a imprecisão deste dispositivo como se verá adiante. 3. Sociedades Personificadas. O Código Civil, de 2002, ao dispor sobre as sociedades, inicialmente as classificou em duas categorias: sociedades não personificadas e as sociedades personificadas. Em cada uma destas classes de sociedades enumerou, o código, os respectivos tipos societários. Assim, as sociedades não personificadas se apresentam como sociedades em comum, ou de fato, e as sociedades em conta de participação. As sociedades personificadas têm, entre seus tipos societários ou espécies de sociedade, além daquelas já contempladas pelo Código Comercial revogado, também as sociedades limitadas e as sociedade anônimas. [4] Este modelo, adotado pelo Código Civil brasileiro, tem sido o principal alvo das criticas doutrinárias, como sustenta Luiza Rangel de Moraes,[5] visto que, seguindo as tendências do direito comparado, deveria a meteria ser objeto de legislação codificada do direito societário, ou, ao menos serem disciplinados por leis esparsas, os diversos tipos societários. A razão da crítica ao modelo societário consiste na regulamentação das sociedades de pessoas, sociedades limitadas, pelo Código Civil, enquanto a sociedades anônimas são disciplinadas por norma especial. E citando Arnoldo Wald,[6] justifica as razões de sua crítica: Efetivamente, em relação ao direito das sociedades, três são as soluções existentes no diretio comparado: ou a inclusão de todas as sociedades no Código Civil, abrangendo inclusive as sociedades anônimas, como ocorre na Itália; ou a elaboração de um Código das Sociedades, como acontece em Portugal nos termos do Projeto Raul Ventura, que se transformou em lei; ou, finalmente, a existência de leis especiais referentes aos principais tipos societários, que é a atual solução brasileira. A coexistência de um livro sobre direito de empresas, contendo referencias gerais sobre o direito societário a regras referentes a comandita por ações e à limitada, com leis específicas e separadas para as sociedades anônimas como deflui do Projeto do Código Civil é solução híbrida, que ensejará insegurança jurídica pelos eventuais conflitos entre a legislação geral e a específica. Transcorridos seis anos desde o inicio da vigência do Código Civil brasileiro, a pertinente preocupação esboçada pela doutrina se confirma, em que pese a natural rejeição da nova espécie societária, por sua característica de responsabilidade ilimitada, abandonada desde a primeira metade do século XX, pelo universo empresarial brasileiro. 10835 3.1 Sociedades Simples: Sociedade empresária ou Sociedade Civil? A novidade, entre estes tipos societários, é exatamente a disposição normativa sobre as sociedades simples. Não obstante, o Código Civil não as definiu, claramente, deixando implícito em alguns dispositivos legais as sua natureza jurídica. Veja-se, por exemplo, o disposto no art. 982 do Código Civil: salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (Art. 967); e, simples, as demais A interpretação deste dispositivo legal conduz, num primeiro momento, à teoria objetiva ou material para caracterização da atividade empresaria, tomando-se por parâmetro o objeto da atividade econômica. Era assim com a antiga figura do comerciante, conforme assinala José Xavier Carvalho de Mendonça,[7] cuja natureza das operações constituía e determinava a índole das sociedades, imprimindo-lhes caráter comercial ou civil. Por outro lado, repetindo antiga disposição do Art. 2.º § 2.º da Lei 6,404/76, o parágrafo único do art. 982 do Código Civil, considera empresárias, as sociedades anônimas, ainda que seu objeto não seja a atividade empresarial, exceto as sociedades cooperativas, consideradas simples. E porque as sociedades cooperativas sempre foram consideradas sociedades civis, sujeitando-se às disposições legais de natureza civil, logo se aquiesceu com a proposta de que as sociedades simples representam as antigas sociedades civis. Entre os articulistas que aceitam este entendimento, veja-se a opinião de Marlon Tomazzete: As sociedades simples foram introduzidas pelo novo Código Civil em substituição às sociedades civis, abrangendo aquelas sociedades que não exercem atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 982), isto é atividades não empresariais ou atividade de empresário rural. Assim, à luz das atividades desenvolvidas pode-se dizer se uma sociedade é simples ou empresária. Assim sendo, a disciplina das sociedades simples não possuiria maior importância, não fosse a opção do legislador pátrio em utilizar as regras das sociedades simples, como regras gerais aplicáveis a todas as sociedades regidas pelo Código Civil. [8] Segundo esta tese, as sociedades simples são as naturais substitutas das sociedades civis, regidas pelo Código Civil. Todavia, em nossa opinião, a distinção não é tão simples, na medida em que atividades de natureza civil possa se revestir do caráter empresarial. Não se pode negar a possibilidade de uma sociedade empresária ter por objeto uma atividade não mercantil, pena de se desconsiderar a abrangência que o legislador civil concedeu a todas as atividades econômicas organizadas. No atual direito empresarial, não se pode conceber a dicotomia entre o ato de comercio e ato não mercantil, antes, abandonando-se aquele critério distintivo da atividade mercantil, das 10836 demais atividades econômicas, reconhecer-se a atividade empresária como atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Rubens Requião,[9] antecipando-se à promulgação do Código Civil brasileiro, de 2002, discorreu sobre as sociedades simples, considerando a tentativa de introdução em nosso ordenamento jurídico pelo Projeto de Código de Obrigações, justificando, no entanto, que esse modelo societário teia sua importância como ponto de partida da legislação sobre as sociedades em geral. Esta é a verdadeira essência das sociedades simples: modelo estrutural de toda e qualquer sociedade empresária, seja qual for seu objetivo social. E para melhor compreender este novel instituto societário e sua evocação pelo direito positivo brasileiro, importa identificar os modelos jurídicos externos que influenciaram o legislador pátrio. Waldírio Bulgarelli, [10] um dos pioneiros doutrinadores pátrios da teoria jurídica da empresa, aponta, como centro de convergência do tema, dois tipos de ordenamentos legais, tendo de uma lado o código napoleônico, de 1807, num primeiro período, e o Código Civil italiano de 1942, assinalando: Concorda de maneira geral a doutrina italiana em que não houve mera substituição do comerciante pelo empresário, e sim a adoção de um sistema dando preeminência a este e assim igualando os agentes das atividades econômicas da produção de bens ou serviços, sob a rubrica de empresários.[11] Inegavelmente, o direito comercial brasileiro, em 1850, seguiu os passos do código francês, e, na elaboração do Código Civil, afiliou-se ao modelo italiano, olvidando, porém, o legislador brasileiro, que na Itália se extinguiu a dicotomia do direito privado com a unificação das obrigações. Enquanto o código napoleônico inaugurava um novo e revolucionário modelo jurídico a regular as atividades mercantis, considerando-se ainda ser a primeira norma codificada, o Código Civil italiano, de 1942, traduz modelo mais atualizado das atividades econômicas de um modo geral. As questões polemicas em torno do tema se devem à introdução, em nosso sistema jurídico, de uma parte da construção legislativa italiana, tornando-a, em certa media, desfigurada e contraditória. Alterar-se apenas o Código Civil brasileiro, deixando outras normas de natureza essencialmente mercantis, contribuiu para a manutenção da dicotomia do direito privado e a conseqüente autonomia do direito comercial, objeto de análise, a seguir. 3.2. Autonomia do Direito Comercial. 10837 A tentativa de unificação do direito privado, no Brasil, não é recente na nossa história jurídica. Mesmo antes do Código Civil brasileiro, de 1916, já se acenava com a necessidade desta unificação[12] que, no entanto, não se consolidou, nem mesmo com a proposta de Código de Obrigações, apresentada por Orlando Gomes, em 1965. Em que pese a lentidão legislativa, a atividade econômica nacional já não se contentava com a singela conceituação do ato de comércio para indicar uma atividade econômica, e, portanto, com fins puramente lucrativos. Na esteira dessa necessidade por modificações, enquanto o Código Civil brasileiro atravessou todo o século XX, ao longo desse mesmo período, foram elaboradas normas ordinárias com claras inclinações à unificação do direito privado. Foi assim, por exemplo, com a Lei 8.245/91 que reconheceu o direito de ação renovatória, não somente às sociedades comerciais ou industriais, mas também à sociedades civis. De igual modo o Código de Proteção e Defesa do Consumidor definiu o fornecedor sem distinguir-lhe a natureza de sua atividade, se civil ou mercantil, industrial, etc. O Código Civil brasileiro, de 2002, não obstante sua inovadora construção legislativa do Direito de Empresa, derrogando o Código Comercial, de 1850, não logrou êxito na unificação do direito privado. Deste modo se manteve o direito comercial como disciplina autônoma, dentro do direito privado. A derrogação do Código Comercial brasileiro, de 1850, não implicou, necessariamente, na revogação do direito comercial. Aliás, a autonomia do direito comercial, como disciplina jurídica, não depende de um código[13] especial, como de resto não dependem da existência de códigos o direito administrativo ou o direito ambiental, por exemplo. Ademais, o Código Comercial derrogado não representava a única fonte da norma mercantil, persistindo outras normas, não alcançadas pelo efeito revogador do Código Civil, de 2002, como se vê no instituto da falência e no direito cambial.[14] Para Waldemar Ferreira[15] o atributo de excepcionalidade do Direito Comercial, em relação ao Direito Civil, se deve mais a circunstâncias históricas que científicas, assinalando ainda, que esta divergência surgiu do fato de o Código Comercial francês ter sido antecedido pelo Código Civil francês dispondo que o contrato de sociedade se regeria por aquele Código Comercial, pelas leis de comércio e pela convenção das partes. E justificando a sólida posição do direito comercial no contexto jurídico e econômico, prossegue, o eminente tratadista, asseverando: Plasmou-se o Direito Comercial paulatinamente, mas com feitio inconfundível, na prática da vida mercantil e judiciária. Formou todo orgânico e inteiriço. Infiltrou-se por toda a parte, resistente à ação do tempo, que lhe aprimorou o aspecto e lhe consolidou a estrutura.[16] Esta concepção do direito comercial, como se observa, não está impregnado apenas no pensamento popular, mas também, pesarosamente, no entendimento de muitos operadores do direito. Transcender esta concepção secular, do ato de comércio 10838 para o direito de empresa, é o desafio na formação, principalmente, dos novos profissionais de direito, que se lança ao encargo da docência jurídica. Conclui-se, assim, que a teoria do ato de comercio não está superada, como ressalta Romano Cristiano,[17] apresentando duas razões técnicas: o registro de comércio e o instituto falimentar. Preservada a autonomia do direito privado, com a conseqüente autonomia do direito comercial, reconhecer a natureza das sociedades simples, como sociedade que tenha por objeto atividade não mercantil, é razoável, porém inadequado sob o enfoque da teoria da empresa. 4. Conceito jurídico de empresa A teoria jurídica da empresa, consagrada pelo Código Civil brasileiro, de 2002, conceitua a empresa como uma atividade econômica organizada para a produção e circulação de bens e serviços. Empresa, portanto, sob o enfoque jurídico, é uma atividade econômica organizada, é uma ação do sujeito do direito que se denomina empresário. Caracteriza-se a empresa, precipuamente, pela sua organização econômica, que se traduz por seu objetivo de lucro. Assim como se verifica na atividade mercantil, a onerosidade, a finalidade de lucro e a profissionalidade, constituem elementos essenciais da empresa. José Xavier Carvalho de Mendonça define a empresa: Organização técnico-economica que se propõe a produzir, mediante a combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados a troca (venda) com esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob sua responsabilidade.[18] Esta definição, apresentada pelo eminente tratadista, bem revela o apego à teoria dos atos de comercio, reconhecendo-se na atividade mercantil a base da economia de um modo geral. Mas, não foi esta a intenção do legislador ao definir a empresa, no Código Civil, posto que não é a atividade mercantil o elemento caracterizador da empresa, e sim, a organização econômica para a realização do lucro. 10839 Se a empresa tem esta característica mercantil, seria redundante mencionar-se a empresa mercantil, visto que a utilização da primeira expressão, automaticamente, revelaria a segunda. Antes, a empresa tanto pode ter por objeto a atividade mercantil como atividade e não mercantil. Octávio Médici[19] assevera que o termo empresa não é novidade, no direito ou na economia, mas ultimamente é que se tem tentado defini-lo e este açodamento na busca por uma definição chegou-se a considerar como expressão equivalente a ato de comercio, revelando “quão incerta e vacilante andava a doutrina pela novidade do termo”. Na legislação brasileira tem sido freqüente os equívocos na utilização da expressão “empresa”, equiparando-a com a pessoa jurídica. Veja-se por exemplo o que dispõe o Art. 2.º da Consolidação das Leis Trabalhistas que considera patrão a empresa, quando melhor deveria se dizer empresário. E ainda assim, acentua Waldirio Bulgarelli,[20] que nem toda patrão, ou empregador, é empresário e nem todo empresário é, necessariamente empregador. Na primeira hipótese, o empregador pode contratar o trabalho doméstico e na segunda hipótese, o empresário pode não contratar empregados. A inadequada interpretação do termo, também vem contribuindo, significativamente, na construção equivocada da sinonímia com o comerciante e a pessoa jurídica. De tão largamente profuso o entendimento vulgar de que empresa, pessoa jurídica e comerciante são expressões sinônimas, que grande parcela de operadores do direito a elas se acomodou sem a preocupação de romper a barreira técnica da linguagem jurídica. Waldirío Bulgarelli,[21] analisando a questão, considera como principal razão o fato de não se ter obtido um conceito unitário da empresa sob o aspecto jurídico, mas reconhece que ela está presente em nosso direito sob as mais variadas formas e concepções diversas e exemplifica: Se de um lado o legislador levado por razões de ordem prática a veio regulando sob vários prismas, notadamente, no campo do Direito Fiscal e do Direito Trabalhista, por outro, os juristas adotando métodos mais realistas, conquanto ainda persigam com afinco um conceito jurídico, diversificado para os vários aspectos das empresas, não mais apenas em relação à sua natureza, mas, principalmente, em relação às suas atividades. O conceito de empresa está, implicitamente, estabelecido no Art. 966 do Código Civil brasileiro, com a ressalva de que nem toda atividade pode ser considerada empresarial. Waldirio Bulgarelli[22] aponta como a principal dificuldade da elaboração de um conceito genérico de empresa a necessidade de se distinguir dos sistemas 10840 primário de produção, tais como o artesanato e, ainda, do trabalho individual, executado pelo próprio artesão só ou com seus familiares. Sebastião José Roque,[23] pretendendo dar uma nova versão ao então vigente Art. 4.º do Código Comercial brasileiro, de 1850, defende que empresa é uma organização constituída de acordo com as exigências legais, devidamente registrada na Junta Comercial. Discordamos desse entendimento, pois a empresa, enquanto atividade econômica organizada pode ser exercida mesmo sem o registro público. Além disso, a empresa não se confunde com organização, mas esta é parte integrante daquela, ou seja, se constitui elemento da empresa. Finalmente, o conceito de empresa, econômica e juridicamente considerado, indica a amplitude da atividade econômica regulamentada pela norma jurídica, não mais se concentrando o ato de comercio como o núcleo da atividade econômica. 5. Sociedade empresária. A partir do conceito de empresa, pode-se extrair o conceito de sociedade empresária. Com efeito, dispõe o Art. 981 do Código Civil brasileiro que celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. É a empresa coletiva, não sendo, necessariamente, revestida pela formalidade do registro que lhe atribuiria a personalidade jurídica. A sociedade empresária deve ter por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro, conforme dispõe o Art. 982 do Código Civil brasileiro. Observe-se que nem toda sociedade é considerada uma sociedade empresária, assim como nem toda sociedade é um suma sociedade simples. Mas, o texto da lei civil não estabelece a distinção entre a sociedade simples e a sociedade empresária, pelo objeto de sua atividade, e sim pela formalidade de sua constituição. Como já afirmado, a sociedade empresária tanto pode ter por objeto uma atividade mercantil, como uma atividade civil. Não este, portanto o critério para se distinguir da sociedade simples. Sobre o tema, veja-se a oportuna opinião de Márcia Carla Pereira Ribeiro:[24] No entanto, sob a égide do Código Civil de 2002, o qual, como vimos, adota a teoria da empresa nos moldes do sistema italiano, alargando a abrangência do direito comercial, fato este que torna objeto de nosso estudo não só os empresários comerciantes, mas também todos os demais empresários, na medida que a amplitude do direito comercial passa a ser medida através da identificação da atividade desenvolvida pela organização empresarial. Dessa forma não existem mais razões para a classificação das sociedades em civis e comerciais como ocorria tempos atrás, 10841 Este pensamento harmoniza-se com o texto civil e com a nova orientação técnica do direto societário. Assim, não há mais que se falar em sociedades civis e mercantis, mas em sociedades empresárias e sociedades simples, anotando-se que a sociedade empresária, tenha o seu objetivo marcado pela atividade mercantil ou civil, se distingue da sociedade simples, que não se reveste da atividade empresária. 6. Considerações Finais O direito comercial brasileiro se divide em dois períodos: o primeiro influenciado pela direito francês, a partir do Código Napoleônico, contemplando a teoria dos atos de comercio e o segundo período influenciado pelo direito italiano, a partir do Código Civil italiano, de 1942, consagrando a teoria da empresa. Com o advento do Código Civil brasileiro, de 2002, o direito comercial, embora não perca sua autonomia dentro do direito privado, em razão de matérias submetidas à normas esparsas, deixou de ser o centro da atividade econômica, eis que não é só o ato de comercio o núcleo desta atividade econômica, mas igualmente outras atividades não mercantis, como a prestação de serviços. Critica-se o atual modelo jurídico, denominado de direito de empresa, por não absorver todos os tipos societários no mesmo código ou por não excluí-los de vez do texto codificado, transportando-os para a legislação especial. Em síntese, a doutrina considera temerário que as sociedades de pessoas, ou contratuais, sejam regulamentadas pelo Código Civil, enquanto a sociedades por ações, ou anônimas, tenha sua normalização estabelecida em legislação especial. Além disso, a alocação do direito de empresas no contexto da parte especial do Código Civil brasileiro, notadamente pela introdução de novo tipo societário denominado de “sociedade simples”, por influência do Código Italiano, de 1942, não se avista coerente, pois no contexto do direito italiano se consumou a plena unificação do direito privado, enquanto no contexto do direito civil brasileiro, não houve a unificação, sequer das obrigações. Por outro lado, em que pese a sociedade simples ser apresentada, no Código Civil brasileiro, como um “tipo societário” da categoria de sociedades personificadas, não se revela como um tipo societário, propriamente dito, mas como um regulamento aplicável a todos os tipos societários constituídos por contrato. Em virtude da má redação do texto civil, ensejando algumas incongruências entre os termos que conduziriam ao conceito de sociedade simples e sociedade empresária, parte da doutrina se apressou a concluir que as sociedades simples representam, no contexto atual, o que eram as sociedades civis. Nisto reside a nossa dissidência, na medida em que afastada a teoria dos atos de comercio, preconizada pelo 10842 direito francês do inicio do século XIX, e que influenciou o nosso Código Comercial de 1850, não há mais que se falar em distinção entre atos de comercio e atos civis. Mantém-se a autonomia do direito comercial, mas elide-se sua primazia como núcleo da atividade econômica que poderá ser identificada, também pela atividade não mercantil, como ocorre com a prestação de serviços. O que identifica a sociedade simples, não a natureza da atividade econômica, mas sim a sua constituição com os elementos d empresa. Deste modo, pode-se afirmar que uma sociedade empresária tem por objeto atividade própria de empresário sujeito a registro, seja no registro mercantil, seja no registro civil de pessoas jurídicas. A sociedade simples, posto que desenvolva atividade econômica, não se louva de elementos de empresa, como ocorre, mesmo na hipótese de atividade mercantil, se a força do trabalho e capital é exclusivamente familiar ou artesanal. Assim deve ser compreendida a sociedade simples no contexto do direito civil brasileiro. 7. Referencias Bibliográficas. 1. BULGARELLI, Waldirio. Estudos e Pareceres de Direito Empresarial: o direito das empresas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. 2. ___________________. Tratado de Direito Empresarial. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1997. 3. CAVALCANTE, Benigno. Aspectos da Unificação do Direito Privado. Revista de Direito da FMU, São Paulo, 1994. 4. COMPARATO, Fabio Konder. Direito Empresarial: Estudos e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995. 5. CRISTIANO, Romano. Personificação da Empresa. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1982. 6. FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. primeiro volume, São Paulo: Saraiva, 1960. 10843 7. MÉDICI, Octávio. Direito Comercial. Bauru: Jalovi, 1977. 8. MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Comercial. 5. ed. atualizada por Roberto Carvalho de Mendonça, v. III, Rio de Janeiro e São Paulo: Freitas Bastos, 1958. 9. MORAES, Luiza Rangel. Considerações sobre o regime jurídico da administração nas sociedades simples, limitadas e anônimas. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, Ano 5, n. 18, outubro-dezembro de 2002. 10. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. 2, 23 ed. atual por Rubens Edmundo Requião. São Paulo: Saraiva, 2003. 11. RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 4. ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 12. ROQUE, Sebastião José. Teoria Geral do Direito Comercial. Rio de Janeiro: Forense, 1991. 13. TOMAZETTE, Marlon. As sociedades simples no novo Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 91, v. 800, junho de 2002. 14. WALD, Arnoldo. “O Novo Código Civil e o direito empresarial.” Jornal Valor Econômico, p. B-2, São Paulo, 06-09-2001, in MORAES, Luiza Rangel. [1] REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. 2, 23 ed. atual por Rubens Edmundo Requião. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 358. [2] COMPARATO, Fabio Konder. Direito Empresarial: Estudos e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 5. [3] MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Comercial. 5. ed. atualizada por Roberto Carvalho de Mendonça, v. III, Rio de Janeiro e São Paulo: Freitas Bastos, 1958, p. 51. 10844 [4] As sociedades limitadas, codificadas nos artigos 1.052 a 1.086, substituem as disposições estabelecidas pelo Decreto 3.708 de 10.01.1919 que dispunham sobre as sociedades por quotas de responsabilidade limitada. As sociedades anônimas continuam sendo regidas pela Lei. 6.404 de 15.12.1976 com as alterações posteriores. [5] MORAES, Luiza Rangel. Considerações sobre o regime jurídico da administração nas sociedades simples, limitadas e anônimas. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, Ano 5, n. 18, outubro-dezembro de 2002, p. 41. [6] WALD, Arnoldo. “O Novo Código Civil e o direito empresarial.” Jornal Valor Econômico, p. B-2, São Paulo, 06-09-2001, in MORAES, Luiza Rangel. Op. cit. p. 42. [7] MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Op. cit. p. 52 [8] TOMAZETTE, Marlon. As sociedades simples no novo Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 91, v. 800, junho de 2002, p. 36. [9] REQUIÃO, Rubens. Op. cit. P. 400. [10] BULGARELLI, Waldírio. Tratado de Direito Empresarial. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 55. [11] BULGARELLI, Waldirio. Op. cit. p. 59. [12] CAVALCANTE, Benigno. Aspectos da Unificação do Direito Privado. Revista de Direito da FMU, São Paulo, 1994, p. 101. [13] “Por código, em geral, entende-se o documento (que é uma lei) contendo um conjunto de proposições prescritivas (das quais se extraem normas) consideradas unitariamente, segundo uma idéia de coerência e de sistema, destinadas a constituírem uma disciplina tendencialmente completa de um setor. A experiência da codificação – que encontra as suas raízes na revolução francesa e não é característica típica de todo ordenamento estatal – deu vida na Itália, com referencia à disciplina aqui estudada, ao Código Civil de 1865 e àquele (ainda em vigor) de 1942.” In PERLINGGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil – Introdução [14] Relativamente aos Títulos de Crédito, o Código Civil brasileiro, de 2002, reservou, no Livro concernente às obrigações, disposições normativas apenas quanto à teoria geral dos Títulos de crédito, sem interferir nas leis especiais que regulam os títulos de credito em espécie. [15] FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. primeiro volume, São Paulo: Saraiva, 1960, p. 133 [16] FERREIRA, Waldemar. Op. cit., p. 133 [17] CRISTIANO, Romano. Personificação da Empresa. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1982, p 70. 10845 [18] MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Op. cit. Volume I, p. 482. [19] MÉDICI, Octávio. Direito Comercial. Bauru: Jalovi, 1977, p. 172. [20] BULGARELLI, Waldírio. Op. cit. p. 58. [21] BULGARELLI, Waldirio. Estudos e Pareceres de Direito Empresarial: o direito das empresas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 2. [22] Idem. p. 4. [23] ROQUE, Sebastião José. Teoria Geral do Direito Comercial. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 26. [24] RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 4. ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 146. 10846