Anais do IX Seminário de Iniciação Científica, VI Jornada de Pesquisa e Pós-Graduação
e Semana Nacional de Ciência e Tecnologia
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS
19 a 21 de outubro de 2011
EUFORIA E DESENCANTAMENTO: CAMPO E CIDADE EM TRISTE FIM DE
POLICARPO QUARESMA, DE LIMA BARRETO
Jade Cardozo Magalhães dos Santos (UEG) 1
[email protected]
Ewerton de Freitas Ignácio (UEG) 2
[email protected]
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por finalidade apresentar dados conclusivos de uma análise
de Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, romance publicado em 1915,
no Rio de Janeiro. Trata-se de um romance social, pré-modernista, narrado em terceira
pessoa. Tal obra discute o nacionalismo fanático do protagonista Major Quaresma, além
de criticar vários aspectos da sociedade, seja a que leva um modo de vida urbano, nas
grandes cidades, seja a que tem um modo de vida campestre, rural.
Construída por meio de uma linguagem informal e, portanto, bem próxima à
linguagem carioca, a obra é considerada uma das principais representantes do
movimento pré-modernista no Brasil. Nela, são retratadas as sucessivas desilusões que
Policarpo Quaresma tem com relação ao seu país. Isso pode ser entendido através do
sofrimento intrínseco ao personagem quixotesco, que, além de sua má sina, é um
indivíduo incompreendido por todos ao seu redor.
Partindo dessas breves considerações, o trabalho propõe uma leitura do romance
supracitado, tendo como eixo de análise as maneiras por meio das quais o protagonista
se insere no espaço urbano; já ele mora no Rio de Janeiro – no espaço rural, pois é o que
acontece quando ele, cansado de morar na então capital federal, decide comprar um sítio
no interior e se muda para lá, crente de que a terra daria tudo o que nela se plantasse.
Mas ele se depara com as formigas, com o descaso do governo em relação aos
problemas do pequeno produtor rural e decide voltar para a cidade, onde se depara com
sua própria morte, já que Floriano Peixoto manda matá-lo, por julgá-lo desobediente e
questionador.
OBJETIVOS
A realização do trabalho foi direcionada pelos seguintes objetivos:
1) Averiguar as relações entre o espaço urbano e o espaço rural no contexto
narrativo do romance Triste fim de Policarpo Quaresma;
1
Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do CNPq.
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Pesquisador-líder.
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2) Evidenciar, por meio do recorte proposto, que quanto tanto a cidade quanto o
campo passam por problemas semelhantes e, nesse sentido, não há mais
conformação de um locus amoenus para as personagens;
3) Explicitar o descaso do governo e da sociedade em relação tanto ao campo
quanto à cidade, já que ambos se pautam como locais de miséria e abandono.
METODOLOGIA
Quanto aos procedimentos adotados na análise, primeiramente foi lida o Triste
Fim de Policarpo Quaresma, que, em seguida, foi relida de forma direcionada às
descrições da cidade, do campo e da personagem Policarpo Quaresma. Posteriormente,
houve a leitura de artigos científicos e de importantes livros que fundamentam a
temática do campo e da cidade tanto no contexto da literatura brasileira quanto no das
demais literaturas.
Em meio a essas tarefas de leitura e estudo, havia colóquios entre orientador e
aluna bolsista, durante os quais se promoviam discussões tanto a respeito da obra
quanto explicações mais detalhadas sobre noções teóricas de maior complexidade e que
porventura representassem maior dificuldade de assimilação por minha parte.
Em um segundo momento, deu-se a aplicação da teoria assimilada ao estudo da
obra em análise. Ressaltem-se, nesse sentido, os seguintes autores, cujas obras serviram
como embasamento teórico-crítico da análise do romance em estudo: Ítalo Calvino, com
Cidades Invisíveis, Raquel Rolnik, com O que é cidade, Lucrécia D’Alessio Ferrara,
com As máscaras da cidade, Renato Cordeiro Gomes, com Todas as cidades, a cidade e
Cartografias Urbanas: Representações da cidade na literatura, Fernando Cerisara Gil,
com Experiência Urbana e Romance Brasileiro, Sandra Jatahy Pesavento Muito além
do espaço: por uma história cultural do urbano, Antônio Carlos Gaeta, com Walter
Benjamim e a leitura da cidade moderna, Tânia Pelegrini, com A ficção brasileira hoje:
os caminhos da cidade, e Raymond Williams, com O campo e a cidade na história e na
literatura são obras que relatam aspectos de grande relevância tanto em relação à cidade
quanto em relação ao campo e sua representação na literatura.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em Triste Fim de Policarpo Quaresma há uma evidente denúncia dos sérios
problemas pelos quais a cidade do Rio de Janeiro passava durante o século XIX, tais
como: os processos de modernização que o governo instaurou com o objetivo de fixar
os ideais de progresso e de civilidade advindos das propostas europeias, principalmente
da reforma urbanística que o barão Georges-Eugène Haussmann (1809-1891) realizara
em Paris (GOMES, 1994).
Com isso, a proposta dessa pesquisa é a de mostrar a forma desigual e injusta
com que as mudanças foram sendo impostas no Rio de Janeiro, por meio da análise da
obra de Lima Barreto, já que o autor foi um dos mais importantes intelectuais que fazia
duras críticas a tais transformações.
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Policarpo Quaresma já tem o nome como início de seu desencantamento, já que
o mesmo pode ser traduzido, segundo Lopez (2011), como “poli” – que significa muito
– e “carpo” – que pode significar dor, mas que também significa fruto e maturação se
for relacionada com karpós, do grego. Além disso, seu sobrenome “Quaresma” pode ser
relacionado com um período cristão em que as pessoas se penitenciam e refletem a fim
de obterem uma transformação espiritual.
O momento em que Policarpo Quaresma se desencanta realmente com a vida no
campo e com a vida na cidade aconteceu quando seus planos de provar que o meio rural
era o melhor lugar para se viver não dão certo também. Isso ocorre na segunda parte da
obra – quando Policarpo adquiriu um sítio chamado Sossego –, local onde milhares de
formigas saúvas roubaram-lhe todo o estoque de sementes, tornando-se um inimigo
invencível.
Tudo isso faz com que o personagem principal ficasse muito desiludido com o
campo e com a cidade, graças à enorme sensibilidade crítica que lhe era inerente,
fazendo com que ele nunca estivesse satisfeito com as desigualdades que via através de
seu pince-nez, e com a maneira incompleta e precária com que o governo brasileiro
tentava promover as suas “melhorias” no país, que aproveitava da renda de quem podia
ajudar nas reformas e excluía e repudiava a camada pobre da sociedade.
Depreende-se que governo e sociedade são culpados de toda a desilusão
vivenciada por Quaresma. Isto porque, ao aspirar a uma nação melhor, mais
desenvolvida, mais rica e mais justa para todos os brasileiros, o personagem é
duramente criticado e debochado por seus conhecidos e pelos seus colegas de trabalho e
também por seus vizinhos, que veem em sua idealização uma impossibilidade de
realizações, devido à mediocridade de uma sociedade fútil e ignorante.
O governo – apesar da inocência de Quaresma – também é culpado das aflições
do protagonista, já que se colocou de forma muito insensível e insensata diante das
propostas de Policarpo Quaresma, que podem ser consideradas boas, mas surreais no
que se refere a um país de economia capitalista, totalmente excludente e que se espelha
nas culturas que são consideradas desenvolvidas e melhores que a brasileira.
Assim sendo, enquanto o governo incentivava tal desejo ardente, pelo moderno e
pelo novo, na população, os indivíduos começaram a se integrar no ambiente da
urbanização, em razão da crise de um sistema arcaico que foi a experiência da vida rural
da nação, ou seja, havia um descompasso entre o superficial desejo de urbanização e
modernização brasileiras e a realidade de nossa sociedade agrária e retrógrada.
Quanto às políticas públicas em relação ao agrário, o governo carioca, dos fins
do século XIX ao início do século XX, era relativamente alienado aos interesses do
pequeno produtor rural, isso porque a posse do então presidente da república, Rodrigues
Alves, era voltada para a iniciação de um processo de reforma urbanística na capital
federal – graças ao planejamento engendrado pelo engenheiro Pereira Passos, sem falar
que a maior parte dos auxílios e verbas eram destinadas aos grandes produtores rurais –
cafeicultores de São Paulo e criadores de gado de Minas Gerais – sendo o pequeno
sitiante, como Policarpo, alijado desses auxílios financeiros do governo.
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Esse elemento de alienação do governo foi fundamental para gerar o conflito no
personagem Policarpo Quaresma, que, no desenrolar do enredo, se introduz numa
atmosfera bucólica – quando resolve mudar-se para o campo – que logo é sucedida pelo
fracasso, já que seu sítio é destruído pelas formigas, além do fato de o solo do Sossego
ser infértil. Nessa terra pequena e infértil, o protagonista não recebe qualquer tipo de
auxílio governamental, o que faz com que ele se desencante com o campo.
Como se pode notar, a obra estudada é alicerçada a duras críticas ao governo e à
sociedade brasileiros, e isso ocorre de forma intencional, já que Lima Barreto foi
conhecido por tratar dos problemas sociais pelos quais o Brasil passava – e ainda passa
– e, em Triste Fim de Policarpo Quaresma, não foi diferente: ele apontou
rigorosamente para as questões das injustiças sociais que se verifica(va)m no Brasil.
A crítica em Triste Fim de Policarpo Quaresma traz à tona a realidade da
República Velha no país, que favorecia as famílias aristocráticas, dentre outras classes
sociais consideradas mais importantes, como a dos militares. Lima Barreto expõe,
então, nessa sua obra, a sua aversão a isso tudo que considerava banal, privilegiando os
boêmios, pobres e inocentes – ainda que considerados loucos –, como era o caso de
Policarpo Quaresma e Ricardo Coração dos Outros, um tocador de violão que não tinha
o talento reconhecido mas era desprezado pelos aristocratas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como se buscou evidenciar, no contexto narrativo de Triste fim de Policarpo
Quaresma tanto o espaço da cidade – a ação se passa no Rio de Janeiro – quanto ao
espaço rural do sítio do Sossego constituem espaços que, embora a princípio despertem
sentimentos de euforia no protagonista, com o decorrer da ação mostram-se na condição
de espaços que realmente são: lugares da decepção, do desencanto, lugares em que a
alegria cede espaço à tristeza e que a vida cede espaço à morte. Tanto é assim que, ao
final da narrativa, Policarpo, já de volta à cidade, questiona o tratamento subumano
recebido pelos prisioneiros de Floriano Peixoto e, como paga disso, é fuzilado, a mando
do próprio Floriano.
Nesse sentido, portanto, nesse romance tanto campo como a cidade são
ambientes locais de abandono da classe social desprivilegiada financeiramente, não
existindo lugar para a ascensão e valorização sociais, a menos que o indivíduo pertença
ou à classe militar – obediente às ordens do marechal Floriano Peixoto – ou à
aristocracia dominante.
Como Policarpo, além de visionário, não pertence a nenhuma dessas duas
classes, resta-lhe, tanto na urbe quanto no campo, o abandono, a incompreensão, a
intolerância e, por fim, uma dupla morte: primeiro a dos seus ideais, e depois a sua.
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REFERÊNCIAS
BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. 14. ed. São Paulo: Ática, 1995.
CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. Trad. Diogo Mainard. 2. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990.
GOMES, Renato Cordeiro. Todas as cidades, a cidade: literatura e experiência urbana.
Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
LINS, Osman. Lima Barreto e o espaço romanesco. São Paulo: Ática, 1976.
LOPEZ, Daniel. Disponível em:
http://www.lagoinha.com/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=190
83:os-frutos&catid=516:cotidiano&Itemid=2>. Acesso em 22 ago. 2011.
LÖWY, Michel e SAYRE, Robert. Revolta e melancolia: o romantismo na contramão
da modernidade. Petrópolis: Vozes, 1995.
MORAES, José G. V. de. Cidade e cultura urbana na primeira república. São Paulo:
Atual, 1994.
ROLNIK, Raquel. O que é a cidade. São Paulo: Brasiliense, 1988.
WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade na história e na literatura. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989.
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