LIMA BARRETO Afonso Henriques de Lima Barreto (1881 – 1922) • PRINCIPAIS OBRAS: Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909); Triste fim de Policarpo Quaresma (1911); Numa e a Ninfa (1915); Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919); Os Bruzundangas (1923); Clara dos Anjos (1924); Cemitério dos vivos (1957 – edição póstuma). Lima Barreto e a sua biografia • A biografia de Lima Barreto explica o terreno ideológico de sua obra: a origem humilde, a cor, a vida penosa de jornalista pobre e de pobre funcionário público, aliadas à viva consciência da própria situação social, motivaram seu socialismo emotivo nas raízes e nas análises. Lima Barreto e suas contradições ideológicas: • Foi um escritor do seu tempo e de sua terra. Anotou, registrou, fixou asperamente quase todos os acontecimentos da República. Entretanto, o destruidor de tabus detestava algumas formas típicas de modernização que o Rio de Janeiro conheceu nas primeiras décadas do século XX: o cinema, o futebol, o arranha-céu e, o que parece mais grave, a própria ascensão profissional da mulher! Lima Barreto e suas contradições ideológicas: • Chegava, às vezes, a confrontar o sistema republicano desfavoravelmente com o regime monárquico no Brasil. • Origens de suas contradições ideológicas: • A origem suburbana; • O instinto de defesa étnica; • Ojeriza pelos homens e pelos processos da República Velha (oligarquia escravocrata). O ressentimento do mulato • O ressentimento do mulato enfermiço e o suburbanismo não o impediram, porém, de ver e de configurar com bastante clareza e inteligência o ridículo e o patético do nacionalismo tomado como bandeira isolada e fanatizante: no Major Policarpo Quaresma (Triste fim de Policarpo Quaresma) afloram tanto as revoltas do brasileiro marginalizado em uma sociedade onde o capital já não tem pátria, quanto a própria consciência do romancista de que o caminho “meufanista” é fugaz e impotente. O cronista do Rio de Janeiro • Rompendo com as convenções literárias de sua época, buscou revelar sobretudo a tristeza dos subúrbios e sua gente humilde: funcionários públicos aposentados, jornalistas pobretões, tocadores de violão, raparigas sonhadoras, etc. Impregna sua obra de uma justa preocupação com os fatos históricos e com os costumes sociais, tornando-se uma espécie de cronista apaixonado da antiga capital federal. O cronista do Rio de Janeiro • “Sou homem da cidade, nasci, criei-me e eduquei-me no Rio de Janeiro; e, nele, em que se encontra gente de todo o Brasil, vale a pena fazer um trabalho destes, em que se mostre que a nossa cidade não é só a capital política do país, mas também a espiritual, onde se vêm resumir todas as mágoas, todos os sonhos, todas as dores dos brasileiros.” • (LIMA BARRETO) Denúncia social e caricatura • O caráter de denúncia social dos textos de Lima Barreto tem originalidade: ele vê o mundo com o olhar dos “derrotados”, dos injustiçados, dos que são feridos pelo preconceito. O preconceito de cor, especialmente, é o motivo central de sua indignação. Conhecedor da estrutura discriminatória da sociedade brasileira sentiu, muitas vezes, a rejeição aberta ou sutil. Por essa razão protesta com veemência (Ex.: Clara dos Anjos + Recordações do escrivão Isaías Caminha). Denúncia social e caricatura • O detalhado registro dos subúrbios e de suas criaturas ofendidas tem um contraponto: a caricatura, com a qual fulmina os poderosos, os burgueses e os intelectuais da época. Usa e abusa dessa técnica, ridicularizando o grand monde cultural e social do Rio de Janeiro. A caricatura aparece tanto nas narrativas longas quanto nas crônicas publicadas em jornais alternativos. Trata-se da parte mais datada de sua obra, embora algumas de suas farpas sejam eficientes ainda hoje. A simplicidade do estilo • Desprezando a retórica bacharelesca e parnasiana, escreve com simplicidade, mesmo com certo desleixo intencional, querendo aproximar o texto escrito da linguagem coloquial. Acusado de escrever de forma incorreta e de ser incapaz de lidar com os padrões lingüísticos da elite culta, sua obra é julgada gramaticalmente e condenada por suposta vulgaridade. Décadas depois, é reconhecido como o autor mais importante do período e aquele que mais se aproxima da expressão prosaica, conquistada pela geração de 1922. A simplicidade do estilo • O estilo de pensar e de escrever contra o qual se insurgia o autor era o simbolizado por um Coelho Neto ou um Rui Barbosa: o da palavra a servir de anteparo entre o homem e as coisas e os fatos. Em Lima Barreto, ao contrário, as cenas de rua ou os encontros e desencontros domésticos acham-se narrados com uma animação tão simples e discreta, que as frases jamais brilham por si mesmas, isoladas e insólitas (como na linguagem parnasiana), mas deixam transparecer naturalmente a paisagem, os objetos e as figuras humanas. A simplicidade do estilo • Nessa perspectiva, as realidades sociais, isto é, o conteúdo pré-romanesco, embora escolhidas e elaboradas pelo ponto de vista afetivo e polêmico do narrador, não parecem, de modo algum, forçadas a ilustrar inclinações puramente subjetivas. O resultado é um estilo ao mesmo tempo realista e intencional, cujo “limite inferior” é a crônica. Assim, em seus romances há muito de crônica (ambientes, cenas cotidianas de jornal, vida burocrática). Logo o tributo que o romancista pagou ao “bom jornalista” foi considerável e a prosa ficcional brasileira só veio a lucrar com essa “descida de tom”, que permitiu à realidade entrar sem máscara no texto literário. A FICÇÃO LIMA BARRETO Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909) • Narrado em primeira pessoa, esse romance relata a trajetória de um jovem mulato, Isaías, que, vindo do interior, cheio de talento e ilusões, procura vencer na capital federal. Mas, sua crença nas possibilidades do saber e seu sonho de conseguir um título de bacharel desfazem-se pouco a pouco. Em parte por causa de sua origem humilde, mas, sobretudo, devido à sua cor: é filho de uma ex-escrava que se amasiara com um padre. Há, portanto, uma nota autobiográfica ilhada e exasperada nos primeiros capítulos; mas tende a diluir-se à medida que o romance Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909) • Na luta inglória do jovem Isaías, todas as ilusões vão se perdendo. Para sobreviver, consegue um emprego de contínuo no principal jornal da cidade (aqui, a ficção aproxima-se das experiências de Lima Barreto na redação do diário Correio da Manhã + críticas ao dono do jornal = Edmundo Bittencourt + crítica ao universo jornalístico = o tornam persona non grata nos grandes jornais do Rio de Janeiro = intensifica-se sua carreira de cronista na “imprensa alternativa”). Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909) • Nesse ponto, ocorre uma mudança no foco narrativo do romance. O personagem-narrador praticamente desaparece, e o texto concentra-se na apresentação crítica do universo jornalístico, com seus tipos representativos e sua corrupção. Há como que uma fratura no texto, fato que o prejudica. No final, Isaías volta a cena como personagem e, protegido pelo dono do jornal, Ricardo Loberant, ascende rapidamente na carreira. Mas, sua ascensão é paralela ao seu “corrromper-se” e a degradação de sua sensibilidade (Vitória financeira = ideais mortos). Triste fim de Policarpo Quaresma (1911) • É um romance em terceira pessoa, em que se nota maior esforço de construção e acabamento formal. Lima Barreto nele conseguiu criar uma personagem que não fosse mera projeção de amarguras pessoais como o amanuense (escrevente) Isaías Caminha, nem um tipo pré-formado, nos moldes das figuras secundárias que abundam suas obras.O Major Quaresma não se exaure na obsessão nacionalista, no fanatismo xenófobo (aversão ao estrangerismo); Triste fim de Policarpo Quaresma (1911) • pessoa viva, as suas reações revelam o entusiasmo do homem ingênuo, a distanciá-lo do conformismo em que se arrastam os demais burocratas e militares reformados cujos bocejos amornecem os serões do subúrbio. • Policarpo tem algo quixotesco, e o romancista soube explorar os efeitos cômicos que todo quixotismo deve fatalmente produzir, ao lado do patético que fatalmente acompanha a boa-fé desarmada. Triste fim de Policarpo Quaresma (1911) • Obra-prima de Lima Barreto, apresenta o drama de um velho aposentado, Policarpo Quaresma, em sua luta ingênua pela salvação do Brasil. Nacionalista xenófobo, propõe-se a adoção do tupi-guarani como língua oficial, alimenta-se apenas com comidas brasileiras, recebe visitas gesticulando e chorando como um verdadeiro índio goitacaz e se dedica a malsucedidas pesquisas folclóricas (na tapera de uma velha negra que mal recorda cantigas de ninar). Triste fim de Policarpo Quaresma (1911) • Depois de uma passagem pelo hospício, causada pela distância entre seu nacionalismo ufanista e a realidade, Policarpo resolve adquirir um sítio. Quer plantar e, acima de tudo, comprovar a máxima de que, em se plantando, tudo dá nas férteis terras brasileiras. Também nessa experiência o protagonista fracassa (motivos: a esterilidade do solo, o ataque das saúvas, a falta de apoio ao pequeno agricultor). Triste fim de Policarpo Quaresma (1911) • Agora, entretanto, sua visão ingênua e até bizarra vai cedendo lugar à percepção de que os problemas do país são maiores do que ele supunha – a exemplo da questão da má distribuição da terra: • “Mas de quem era então tanta terra abandonada que se encontrava por ai? (...) Por que estes latifúndios improdutivos?” Triste fim de Policarpo Quaresma (1911) • O caso de Policarpo passa do cômico ao dramático. Tanto seu sincero desejo de progresso para a nação quanto a consciência crítica, que aos poucos vai adquirindo, lhe dão grande autenticidade humana e social. Ao estourar a Revolta da Armada, em 1893, ele já tem conhecimento de algumas das verdadeiras causas do atraso brasileiro. Mesmo assim, alista-se entre os voluntários defensores do regime republicano, chefiados por Floriano Peixoto. Ele acredita nos princípios do marechal, e essa será a sua última ilusão. Triste fim de Policarpo Quaresma (1911) • Vitorioso e dentro de seu estilo bonapartista, o presidente da República inicia violenta perseguição aos derrotados, que são impiedosamente fuzilados. Policarpo lhe escreve então uma carta de conteúdo áspero e lúcido, solicitando que o terrorismo do estado seja sustado. A resposta do ditador vem em seguida: o “visionário” Policarpo é preso sem qualquer base legal, mandado para uma ilha e lá condenado à morte por fuzilamento. “Triste fim de Policarpo Quaresma” (1911) • A mudança que se opera em Policarpo – da alienação ufanista à consciência real do país – constitui o cerne da narrativa. Sua visão final o leva a analisar corrosivamente as mitologias dos grupos dirigentes e as mistificações de que fora vítima. Quando compreende o papel da ideologia no processo histórico, precisa morrer. Antes de morrer, pensa na falta de sentido do conhecimento que alcançara a respeito da realidade nacional. Fica triste por ter transmitido a ninguém sua percepção crítica, e o seu triste fim chega. Triste fim de Policarpo Quaresma (1911) • Lima Barreto não dá esperanças ao anti-herói que criou (Policarpo), mas, ao término do relato, a jovem Olga (sobrinha do major e diferente das outras mulheres por ser mais independente) apresenta uma perspectiva de futuro. A jovem sabe que, apesar de tudo, a História não pára. Curiosamente, um personagem feminino entende o fluir social. Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919) • Pintura animada e crônica corrosiva da sociedade carioca, esse livro constitui, com seu visível desalinhavo (foge dos padrões tradicionais narrativos = sem enredo e conflitos), a mais curiosa síntese de documentário e ideologia que conheceu o romance brasileiro antes do Modernismo. Um tal Augusto Machado resolve contar sua admiração pelo funcionário público aposentado Gonzaga de Sá. Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919) • Trata-se de um homem culto, sensível que ama ardorosamente o Rio de Janeiro. De manhã à noite, caminha pela cidade , nela flagrando a beleza, o drama e a comédia. Seu olhar enternecido acaba produzindo um conjunto de observações personalíssimas e engenhosas a respeito da cidade e da própria vida. O texto configura-se, assim, como uma grande crônica da paisagem física e humana da antiga capital federal. Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919) • Gonzaga de Sá vem a ser o espectador, interessado e cético, daquele Rio do princípio do século XX, onde os pretensos intelectuais macaqueavam as idéias e os tiques da cultura francesa sem voltar os olhos para os desníveis dolorosos que gritavam ao seu redor (Abolição = não realizou as esperanças dos negros; República = não preparou a democracia econômica e instalou a supremacia oligárquica; Burocracia = alienada; Militarismo = estreito; Imprensa = impotente ou venal). Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919) • Participante e aguerrida desde o título, essa obra sugere, em seu tom irônico, uma que outra semelhança com o andamento da frase machadiana, cuja velada ironia se entremostra nas restrições, nas dúvidas, nas ambíguas concessões à mentalidade que deseja agredir: é a linguagem do “mas”, do “talvez”, do “embora”, sistemática nos romances de Machado, dispersa e isolada na urgência polêmica e emocional desta Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá. Os Bruzundangas (1923) • Obra satírica por excelência. • Um visitante estrangeiro põe-se a descrever a terra de Bruzundanga = Brasil do início do século XX. • Crítica objetiva das estruturas que definiam a sociedade brasileira do tempo. • Crítica aos costumes literários da belle époque. • Fragilidade da economia do país (exportação). • Vaidade dos intelectuais medíocres. • Etc. Clara dos Anjos (1924) • O drama da pobreza e do preconceito racial constitui o núcleo da obra. Romance inacabado, apresenta o drama de Clara, jovem mulata suburbana de origem humilde, que é vítima de um sedutor profissional, Cassi Jones. Esse grotesco galã dos arrabaldes, apesar de sua extração social mais elevada, cria galos de rinha e aproveita-se de donzelas ingênuas. Sua principal arma de sedução é o violão. Hábil intérprete de modinhas, revira os olhos ao tocá-las e, assim, desperta amores ardentes. Clara dos Anjos (1924) • Criada de forma inocente pela família, Clara tornase presa fácil do desprezível sedutor e termina por engravidar. Sua mãe descobre a gravidez e, juntas, as duas vão até a casa de Cassi para exigir o casamento. Na cena mais forte do relato, a mãe do rapaz as expulsa. Desoladas, Clara e a mãe retornam para o subúrbio. A narrativa é interrompida nesse ponto, e o autor não a conclui, por razões jamais esclarecidas.