Revista dos Transportes Públicos - ANTP - Ano 26 - 2004 - 1º trimestre MEDICINA DO TRABALHO AN P O que pode estressar os motoristas de ônibus? e tensões familiares (Bartone, 1984, apud: Evans & Johansson, 1998; Duffy & Mc Goldrick, 1990; Evans, 1994) são relatados como característicos entre motoristas de ônibus de diversos países, inclusive no Brasil (e.g. Santos Júnior & Mendes, 2000). Abelardo Vinagre da Silva A preocupação com a saúde desses profissionais tem levado pesquisadores a buscar no ambiente de trabalho formas de amenizar a situação. Um dos aspectos mais estudados sobre a influência do ambiente de trabalho no desempenho e saúde dos motoristas de ônibus refere-se ao estresse ocupacional (e.g. Evans & Johansson, 1998; Carrère, Evans, Palsane & Rivas, 1991), especialmente durante as viagens urbanas (e.g. Evans, 1994; Evans & Johansson, 1998; Gardell, Aronsson & Barklof, 1983; Kuhlmann, 1990). Consultor independente, colaborador no Laboratório de Psicologia Ambiental da Universidade de Brasília E-mail: [email protected] Hartmut Günther PhD. coordenador do Laboratório de Psicologia Ambiental da Universidade de Brasília E-mail: [email protected] Prejuízos observados no desempenho do transporte via ônibus fazem parte do cenário de muitas cidades brasileiras e podem ser vistos como fruto da inadequabilidade do modelo de transporte urbano existente no país (ANTP, 1999). Como conseqüência, observam-se elevados índices de reclamação dos usuários. Estas reclamações estão direcionadas a diversos aspectos do sistema de transporte em si e, direta ou indiretamente, a determinados comportamentos inadequados dos profissionais motoristas de ônibus (e.g. ANTP, 1991; ANTP, 1995; Belda, 1985; Cançado, 1996; Frederico, Netto & Pereira, 1997). No entanto, o dia-a-dia dos motoristas não é fácil e diversos estudos demonstram que parte dos problemas de desempenho e saúde destes profissionais está relacionada a aspectos característicos do próprio ambiente de trabalho (Kompier & Di Martino, 1995; Ragland, Krause, Grenier & Fisher, 1998). Deficiências ergonômicas do posto de trabalho como a qualidade dos bancos, altas temperaturas e irregularidades no esquema de trabalho (e.g. Backman, 1983, apud: Meijman & Kompier, 1998; Evans, 1994), além de múltiplas demandas, pressões de horário e as condições desfavoráveis de trânsito podem ser mencionadas para exemplificar as condições de muitos motoristas de ônibus (e.g. Evans, 1994; Carrère, Evans, Palsane & Rivas, 1991; Kompier & Di Martino, 1995). Estas condições têm reflexos negativos na saúde dos motoristas. Problemas cardiovasculares, gastrointestinais, músculo-esqueletais ou ainda do sono (Duffy & Mc Goldrick, 1990; Evans, 1994; Kompier & Di Martino, 1995; Winkleby, Ragland, Fisher & Syme, 1988), elevações nas atividades neuroendocrinológicas e na hemodinâmica cardiovascular (Aronsson & Rissler, 1998; Evans, Palsane & Carrère, 1987; Carrère, Evans, Palsane & Rivas, 1991; Karasek, 1979; Karasek & Theorell, 1990, apud: Meijman & Kompier, 1998), além das aflições 97 Modelos teóricos para representar o constructo “estresse no trabalho” têm sido formulados (e.g. Dawis, England & Lofquist, 1968, apud: Blau, 1981; Gardell, Aronsson & Barklof, 1983, apud: Evans, 1994) e a maioria deles mantém em seu escopo a noção de que as altas demandas e exigências no trabalho podem interferir no desempenho dos motoristas. Considera-se ainda que os padrões de enfrentamento (coping) utilizados pelos profissionais motoristas diante de situações estressoras também são importantes e devem ser avaliados (e.g. Evans, Palsane, Carrère, 1987; Kuhlmann, 1990; Meijman & Kompier, 1998). A identificação dos principais estressores do dia-a-dia dos motoristas pode ser um passo inicial na tentativa de melhorar suas condições de trabalho. Assim, no presente estudo procurou-se (1) identificar alguns estressores das viagens urbanas relatados pelos motoristas e (2) verificar se existe uma relação entre o nível geral de estresse e determinadas reações frente aos estressores. Ressalta-se que as variáveis utilizadas neste estudo são eminentemente investigadas a partir do relato verbal dos motoristas e as relações investigadas são tratadas e discutidas enquanto indicadores verbais do impacto das viagens urbanas sobre motoristas de ônibus. METODOLOGIA Amostra Uma amostra de 306 motoristas de sete diferentes empresas, distribuídos em 211 linhas de ônibus do Distrito Federal, participou do estudo. Considerando os 306 motoristas, observa-se que 67% (N = 205) eram casados, 83,7% tinham primeiro grau completo de escolaridade e o tempo de profissão estava em torno de 12 anos (mín. 5/ máx. 35). Cerca de 61,1% (N = 187) dos motoristas trabalhavam basicamente nos horários de rush (pico), 29,4% (N = 90) no “entre pico” e 9,5% dirigiam nos dois horários. 98 O que pode estressar os motoristas de ônibus? Revista dos Transportes Públicos - ANTP - Ano 26 - 2004 - 1º trimestre Em relação ao tempo que dirigem a linha de ônibus sobre a qual estavam relacionadas suas respostas, observou-se que, em média, trabalhavam há 44,2 meses (mín. 1/ máx. 240/ moda 24) na mesma linha. Todos os respondentes relataram trabalhar numa jornada mínima de 6 horas diárias, fazendo, em média, 5,26 viagens por dia. Para os itens sobre estressores perguntava-se: Entrevistas/roteiro O nível geral de estresse no trabalho não foi muito alto, mas, a interferência de outros motoristas e dirigir no “horário de pico” foram os estressores mais citados pelos rodoviários (tabela 1). O roteiro de entrevista teve como base informações coletadas junto a uma amostra inicial de 52 motoristas e da escala desenvolvida por Gulian, Matthews, Glendon, Davies & Derbney (1989), utilizada e validada em outros estudos (e.g. Glendon, Dorn, Matthews, Gulian, Davies & Derbney, 1993). Uma das dimensões do inventário de Gulian et col. (1989) refere-se ao estresse geral e nove itens do roteiro utilizado no presente estudo foram semelhantes aos desta dimensão descrita no inventário desses autores. O roteiro final apresentou 12 itens sobre estressores no trabalho e um item sobre nível geral de estresse no trabalho. Os itens foram construídos de tal forma que os estressores e as reações relatadas como conseqüentes dos mesmos fossem mantidos, com a finalidade de se utilizar uma linguagem mais próxima daquela utilizada pelos motoristas (e.g.: “Sinto-me irritado quando tenho que parar muito”). Uma escala visual, na forma de um velocímetro, foi utilizada para facilitar as respostas dos motoristas. As respostas foram apresentadas numa escala de 0 até 100 (ver figura 1). Procedimentos Os motoristas foram abordados em diferentes terminais rodoviários, nos intervalos das viagens, e solicitados a participar de uma pesquisa sobre seu ambiente de trabalho. Figura 1 Escala utilizada como apoio visual nas entrevistas “De 0 até 100, quanto você [item]. Quanto mais você [item] maior o valor no velocímetro.” RESULTADOS Tabela 1 Distribuição de médias para as reações frente a estressores Reações frente a estressores N Min Max Média D.P. Perde o temperamento quando outros motoristas o atrapalham 306 0 100 69,84 21,57 Fica impaciente na hora de pico 306 0 100 66,11 24,15 Fica impaciente quando dirige atrás de carros mais lentos 306 0 100 65,98 28,50 Quando está irritado dirige agressivamente 306 0 100 60,52 30,71 Fica irritado quando os equipamentos do carro não funcionam 306 0 100 60,42 26,64 Fica aborrecido quando não consegue ultrapassar e está atrasado 306 0 100 57,32 27,82 Sente-se impaciente ao tentar cumprir os horários 306 0 100 56,99 21,49 Fica impaciente quando tem que parar muito durante as viagens 306 0 100 50,75 25,37 Irrita-se quando passageiros não solicitam a parada a tempo 306 20 100 50,49 19,30 Fica impaciente enquanto passageiros desembarcam lentamente 306 0 100 44,61 24,96 Fica impaciente quando tem que parar em semáforos 306 0 100 42,71 25,44 Sente-se estressado no trabalho 306 0 100 40,29 24,47 Sente-se agressivo quando dirige 306 0 100 36,67 23,98 Análises de regressão foram realizadas para investigar se o relato sobre o nível geral de estresse que os motoristas sentem nas viagens poderia ser previsto a partir do conhecimento de suas reações frente aos estressores apresentados. Para tanto foram desconsiderados 21 (entre outliers multivariados e outliers na solução). As análises consideraram 285 casos. A tabela 2 apresenta o resultado final das análises de regressão (stepwise). O modelo final prediz cerca de 53% (52% ajustado) da variabi99 100 O que pode estressar os motoristas de ônibus? lidade no nível de estresse relatado, com quatro variáveis preditoras ficando no modelo: (1) sentir-se agressivo ao dirigir, (2) ficar irritado quando os equipamentos do carro não funcionam, (3) irritar-se quando passageiro não solicita a parada a tempo e (4) sentir-se impaciente ao tentar cumprir os horários. Tabela 2 Regressão Stepwise Coeficientes observados na seqüência de entrada das VIs preditoras Modelos/Preditora (1) (1) (2) (1) (2) (3) (1) (2) (3) (4) (1) (2) (3) (4) B B ,666 ,616 ,222 ,597 ,221 ,151 ,545 ,206 ,138 ,144 Sr2 ,44 ,37 ,05 ,36 ,05 ,02 ,30 ,04 ,02 ,02 Intercept 17,489 R ,666 R2 ,444 R Ajustado ,442 7,969 ,701 ,491 ,487 -,154 ,716 ,513 ,508 -5,374 ,728 ,530 ,523 Sentir-se agressivo ao dirigir. Ficar irritado quando os equipamentos do carro não funcionam. Irritar-se quando o passageiro não solicita a parada a tempo. Sentir-se impaciente ao tentar cumprir os horários. DISCUSSÃO Nível geral de estresse e principais estressores Em média, os motoristas não relataram um elevado nível de estresse mas, entre os estressores das viagens mais citados encontram-se eventos que produzem perda de tempo: ser atrapalhado por outros motoristas, horário de rush e ficar atrás de carros mais lentos. Notase que estes eventos basicamente relacionam-se a questões do trânsito urbano, sugerindo que este pode ser um importante aspecto estressor a se aperfeiçoar no ambiente de trabalho destes profissionais (Evans & Carrère, 1991; Hennessy & Wiesenthal, 1997; Evans, Wener & Phillips, 2002). A melhoria no trânsito torna-se importante na medida em que esta pode diminuir a perda de tempo nas viagens. Este fato deve ser levado em conta porque a percepção de perda de tempo, aliada à necessidade de cumprir horário, pode ser um dos aspectos que induz os motoristas a ter comportamentos inadequados frente aos usuários (Meijiman & Kompier, 1998; Silva, 1999). A perda de tempo no trânsito, no entanto, parece mais relevante quando é imprevisível. O fato dos motoristas relatarem que parar em semáforos, outro evento do trânsito, é uma situação menos estres101 Revista dos Transportes Públicos - ANTP - Ano 26 - 2004 - 1º trimestre sante que dirigir atrás de veículos mais lentos reforça esta idéia. Durante as viagens, os motoristas podem ter a percepção de ter um menor controle da situação quando estão atrás de veículos mais lentos, especialmente porque o tempo nesta situação pode ser imprevisível, ao contrário do que acontece diante de um semáforo fechado. Os semáforos possuem um tempo fixo para o motorista ficar parado e, apesar de não serem controlados pelos motoristas, eles parecem fazer parte das características relativamente estáticas e previsíveis do itinerário. Certos comportamentos relatados pelos motoristas também parecem relacionados à influência dos contratempos e também reforçam o ponto de vista discutido até aqui. Cerca de 48,4% (N = 148) dos motoristas relataram perder tempo nas viagens e geralmente dirigir atrasados. A tentativa, e a conseqüência negativa, de contornar este atraso pode estar refletida no fato de 63,6% (28/44) dos motoristas terem recebido multas, nos últimos seis meses, devido ao excesso de velocidade. Estes comportamentos são descritos por Meijman & Kompier (1998) como possíveis estratégias para enfrentar o estresse gerado no trabalho, especialmente ao tentar-se cumprir horário. O comportamento inadequado de passageiros nem sempre é visto como estressor. É possível que a preocupação dos motoristas com o atendimento aos passageiros, o reconhecimento de seu papel enquanto condutor e certa compreensão em relação às possibilidades de um passageiro não perceber o ponto de parada-destino ou necessitar desembarcar lentamente estejam refletidas nestes dados. Outra hipótese refere-se ao aspecto já citado sobre a possível relação dos motoristas com eventos onde eles têm pouco controle. Até certo ponto, comportamentos de passageiros podem ser mais facilmente manipulados pelos motoristas e, talvez por isso, encontrem-se entre aqueles eventos nem sempre estressores. Durante as viagens os motoristas podem ter comportamentos inadequados frente aos passageiros para fazer com que estes (des)embarquem mais rápido. Colocar o veículo lentamente em movimento durante o embarque seria um desses comportamentos. Com isso o motorista tenderia a perceber que menos tempo estaria sendo perdido e que, até certo ponto, ele estaria controlando a situação com os passageiros. No entanto, apesar de não aparecer entre os estressores mais citados, a reclamação sobre o comportamento de passageiros pode ser um indicador poderoso do relato de estresse no trabalho, como será visto adiante. Por que os motoristas relatam estar estressados? Modelos de regressão foram analisados para verificar se o nível de estresse relatado poderia estar relacionado mais especificamente a alguns dos 12 estressores/reações utilizados no estudo. 102 O que pode estressar os motoristas de ônibus? O modelo que melhor prediz o relato de se sentir estressado no trabalho inclui quatro estressores/reações: (1) sentir-se agressivo ao dirigir, (2) ficar irritado com equipamentos que não funcionam, (3) ficar irritado com passageiros que não solicitam embarque/desembarque a tempo e (4) impaciência quanto ao pára e anda durante as viagens. Assim, reclamações ou relatos com conteúdos como os desses quatro pontos podem indicar uma maior probabilidade dos motoristas também dizerem que se sentem estressados no trabalho. Em outras palavras, os motoristas tendem a dizer que estão estressados quando o conjunto desses aspectos os incomoda. A análise deste tipo de relação é importante porque indica alguns dos principais motivos pelos quais os motoristas podem reclamar de seu ambiente de trabalho, revelando estar estressados, e que aspectos mais influenciariam negativamente seu dia-a-dia, sendo importantes dicas verbais de que algo pode não estar muito bem no ambiente diário. Ainda sobre este tipo de relação verbal, nota-se que, com exceção das reclamações quanto ao pára e anda nas viagens, aspectos ligados ao trânsito urbano foram menos relevantes. A ligação com aspectos do trânsito que produzissem perda de tempo era, até certo ponto, esperada, uma vez que os principais aspectos vistos como estressores relacionaram-se a este tipo de evento. A relação com outros aspectos, no entanto, mostra como o relato da interferência de outros eventos pode ser indicador de problemas. O relato de irritação com eventos decorrentes de passageiros e com o próprio veículo podem ser preditores mais eficientes exatamente por entrarem no conjunto de aspectos que só passam a ser relevantes, e relatados, quando o nível de estresse já é elevado. Em outras palavras, reclamar de passageiros e do veículo pode ser um preditor mais poderoso do relato sobre estresse exatamente porque ocorre quando os motoristas já apresentam níveis mais altos de insatisfação. Outros aspectos relacionados ao relato de estresse Apesar de poucos estudos brasileiros investigarem os problemas de saúde de motoristas de ônibus urbano (e.g. Santos Júnior & Mendes, 2000) e suas condições de trabalho (e.g. Araújo & Günther, 1998; Ramos, 1994) alguns dos aspectos encontrados neste estudo sugerem que o ambiente de trabalho destes profissionais pode estar afetando negativamente sua saúde e qualidade de vida. Quanto a possíveis problemas de saúde decorrentes do trabalho, observa-se que 23,5% (N = 72) dos motoristas relatam possuir algum, destacando-se: dores na região lombar (31,9%), costas (23,6%), problemas de pressão (16,7%) e problemas de estômago (9,7%). Perguntados sobre 103 Revista dos Transportes Públicos - ANTP - Ano 26 - 2004 - 1º trimestre alguma dor ao dirigir observou-se que 28,4% (N = 87) disseram sentir dores quando dirigem, especialmente nas costas e pernas. Estes problemas são geralmente citados na literatura como os mais comuns entre motoristas (e.g. Duffy & McGoldrick, 1990; Evans, 1994; Kompier & Di Martino, 1995; Winkleby, Ragland, Fisher & Syme, 1988), sugerindo que, também entre os profissionais da região estudada, a situação de trabalho pode não estar muito saudável. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os aspectos estressores analisados aqui, obviamente, não esgotam a possível lista de estressores existentes nas viagens realizadas por motoristas de ônibus. Nesse sentido, os resultados são discutidos considerando sempre a possibilidade de outros estressores também terem algum impacto sobre motoristas. O discurso dos motoristas deve ser visto como elemento preliminar, indicador verbal ou mesmo possível efeito colateral de uma situação desfavorável de trabalho. Ainda são poucos os estudos que têm abordado a situação dos motoristas de ônibus no Brasil (e.g. Almeida, Montalvão, & Rozestraten, 1997; Ramos, 1994; Santos Júnior & Mendes, 2000) e muito ainda deve ser analisado. O discurso é um destes aspectos. A detecção de eventos específicos do ambiente de trabalho, significativamente relacionados à freqüência de comportamentos inadequados de motoristas e ao estresse ocupacional, tem implicações teóricas e práticas. Do ponto de vista teórico, formulações mais detalhadas e modelos mais precisos da relação entre estresse ocupacional, saúde e desempenho de motoristas de ônibus urbano podem ser desenvolvidas. Na prática, o conhecimento de aspectos específicos do ambiente de trabalho que se relacionam significativamente com o estresse pode favorecer a implementação de mudanças mais eficazes para reduzir efeitos negativos do ambiente de trabalho dos motoristas. É interessante observar que uma aparente preocupação com o cumprimento de horários parece permear o nível de estresse, apesar de motoristas e empresas relatarem não haver nenhuma punição para a chegada com atraso no final do itinerário. Uma possível repreensão ocorre se motorista terminar a viagem antes do tempo previsto, uma vez que este fato pode indicar possíveis “queimas de parada”, “excesso de velocidade” e outros problemas. No entanto, as entrevistas indicaram que a preocupação com horários ocorre e afeta os motoristas de forma negativa. Aumentar o tempo para cumprir os itinerários poderia ajudar. Porém, outros aspectos podem estar atuando negativamente. Vale lembrar que o tempo de percurso deve ser sempre revisto, especialmente porque as condições de trânsito mudam ao longo dos anos e podem dificultar a circulação dos ônibus num tempo determinado. 104 O que pode estressar os motoristas de ônibus? Nas modificações de aspectos relativos ao sistema de transporte via ônibus deve-se manter uma preocupação com o nível de estímulos e com a demanda que recairá sobre os motoristas. Elevações na demanda de trabalho desses profissionais podem resultar em aumento no nível de estresse e problemas de saúde deles, além de uma queda no desempenho frente aos usuários. Uma atenção especial deve ser dada às modificações que podem causar maior possibilidade de perda de tempo, uma vez que este tipo de evento parece relevante no estresse e na freqüência de comportamentos inadequados dos motoristas. Considerações metodológicas ainda devem ser analisadas. Este estudo teve como base o relato dos motoristas e tem suas limitações. Aspectos de origem fisiológica também devem ser analisados ao se falar do constructo estresse no trabalho. Neste contexto, sugere-se que estudos que procurem acompanhar os efeitos das viagens em aspectos da saúde dos motoristas devem ser realizados com maior freqüência. Este tipo de estudo pode ajudar a verificar em que momentos das viagens ocorrem reações fisiológicas relacionadas ao estresse, precisando ainda mais a identificação de aspectos das viagens que prejudicam os motoristas. Observações paralelas do comportamento dos motoristas poderiam ajudar a verificar, por exemplo, se nos momentos de alterações fisiológicas relacionadas ao estresse poderiam ser identificados comportamentos inadequados específicos. Tudo isso sugere que o ambiente de trabalho desses profissionais pode ainda ser muito estudado no Brasil; em favor dos motoristas e do transporte via ônibus em geral. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, K.M.C., MONTALVÃO, T.C & ROZESTRATEN, R.J.A. Representação da vida pessoal e profissional de condutores de ônibus. Anais da XXVII Reunião Anual de Psicologia, Ribeirão Preto, São Paulo: USP, 1997. ANTP. Ônibus, o principal modo de transportar pessoas no Brasil. 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