Cadernos WGT A negação (Setembro 2010) Os prefixos de negação nas gramáticas históricas do português e do galego Xoán López Viñas & Maria do Céu Caetano Abstract: We intend in this work to analyse the negative prefixes, giving special attention to data from Portuguese and Galician historical grammars. Previous to the study of that kind of prefixes, we will specify what we understand for historical grammar and, subsequently, we will establish the catalogue of Portuguese and Galician grammars comprised under that designation. Afterwards, we will briefly discuss the statute of the prefixes in those grammars, given that some authors include them in the derivation, while for others they are part of compounding. Finally, we attempt to account for the prefixes properties, with special focus on the characterization of a-, anti-, des- and in- negative prefixes. Gramáticas históricas do português least on a considerable scale. […] Every e do galego historical O catálogo de gramáticas históricas do português foi grammar comparative, residing, the is, by minimum definition, comparison we recall, in a point-by-point estabelecido confrontation of two successive, reasonably anteriormente por Martins (1996), distant stages of the same language (Malkiel Penha (1997) e Caetano (2003). Os três 1968: 72-73). autores diferem tanto no inventário de conceito de Partindo desta definição já clássica e gramática histórica, apesar de, tanto de outras sobre o conceito de gramática Martins como Caetano, terem partido histórica, além da análise de diversas da definição de gramática histórica gramáticas históricas, propomos uma proposta série gramáticas como no pelo ucraniano Yakov de características que uma Malkiel (1968), que enunciou num gramática histórica tradicional deve estudo possuir. Assim, deverá tratar-se de um provisório os princípios necessários a que deve obedecer uma estudo gramática histórica: básicas A historical grammar may be defined as a (principalmente, fonética, morfologia e formal arrangement of strictly linguistic data sintaxe), pertaining to structure rather than to the comunicativo, no qual terá de haver lexicon and viewed in diachronic perspective; that is to say, it presupposes at least two parallel sets of forms separated by a diacrónico do isento das sistema de disciplinas gramatical um enfoque uma comparação mínima de dois estádios linguísticos tratados com sufficiently extended period of time for sharply amplitude e profundidade (“breath and marked contrasts between corresponding forms depth” em Malkiel 1968: 73-83). A to have crystallized, if not in every instance, at 5 Cadernos WGT A negação (Setembro 2010) estrutura e o método da obra deverão do corpus, pois apenas é tratada em 17 responder a um parâmetro comparativo obras, portuguesas e galegas. Numa e nelas deverá existir uma finalidade análise mais profunda, comprovamos gramatical com teor histórico, sem que necessariamente se destinar a um dedicam uma atenção breve, por vezes público “científico”. marginal, e manifestam uma tendência Tendo isto como base, o acervo oposta entre incluir a prefixação ou na histórico-gramatical do português é derivação ou na composição, uma constituído, em princípio (já que ainda flutuação talvez devida a uma fraca não pudemos consultar três obras definição deste último processo de brasileiras), formação de palavras. por 20 gramáticas, estas gramáticas históricas elaboradas tanto no território português O estatuto gramatical outorgado à como no brasileiro, enquanto o do prefixação galego 2 maioritariamente, ao de um tipo de marco composição, na sequência de Diez, tal temporal em que se desenvolvem estas como podemos verificar em Braga, obras abrange o arco de 1876 a 1975, Reinhardstoettner, Silva Jr. e Andrade, para o português, e de 1919 a 1997, no Ribeiro de Vasconcelos, Pereira, Mota, caso do galego. Como se pode Sarmento, observar, nos inícios do século XX Coutinho e Câmara. Opondo-se a esta produz-se o apogeu das gramáticas concepção, um número reduzido de históricas do português e do galego (cf. gramáticos (Ali, Huber e Ferreiro), Referências que identifica a prefixação como um tiveram como referência fundamental processo derivativo, à semelhança de as gramáticas históricas de Diez (1836- Meyer-Lübke. 1844) e Meyer-Lübke (1890-1902). Por outro lado, a prefixação aparece contém gramáticas unicamente históricas. O Bibliográficas), corresponde, Nunes, Sequeira, Lima englobada na “Formação de palavras” A prefixação nas gramáticas em Reinhardstoettner, Silva Jr. e históricas do português e do galego Andrade, Mota, Sarmento, Nunes, Ali, Se nos centrarmos agora no espaço Huber, Lima Coutinho e Ferreiro. No dedicado à prefixação nas diversas entanto, outros autores inserem este gramáticas em estudo, teremos de processo sob o título “Tematologia”, afirmar, antes de mais, que esta não faz entre os quais temos Vasconcelos e parte de todas as gramáticas históricas Pereira. Num nível superior, a 6 Cadernos WGT A negação (Setembro 2010) disciplina linguística em que se trata a habitualmente indicamos sob uma Formação de Palavras também não é paráfrase unânime: alterna entre a Morfologia, o (incorrecto)); Léxico ou a especificidade enquanto 2. disciplina. reajustamentos: a variação alomórfica Além disto, a identidade gramatical do dos prefixos é pouco frequente (exs. prefixo também sofre de alguma in-, i-legal, ir-romper); indeterminação, pois desde a sua 3. não alteram a posição do acento consideração geral como partícula principal da palavra (exs. legal, ilegal; (Reinhardstoettner, favor, desfavor); Mota, Nunes, (ex. só in- raramente "não X" desencadeiam Sequeira, Câmara), chegamos à sua 4. as propriedades morfológicas de catalogação como palavra (Braga, género, número, tempo-modo e pessoa- Ribeiro de Vasconcelos), termo (Silva número Jr. associação e Andrade), afixo (Pereira, não são de alteradas pela um prefixo (exs. [+fem, + sing], Coutinho) e/ou morfema derivativo organização (Ferreiro). Dentro desta indefinição, há desorganização [+fem, + sing]); que acrescentar a consideração prefixal 5. não alteram a categoria sintáctica da que se concede às palavras bem e mal, base e, por isso, só intervêm em cujas formações em que ocorrem são processos de adjectivação deadjectival, hoje em dia tratadas na composição. nominalização Não obstante, é coincidente a origem verbalização adverbial e preposicional dos prefixos, ilegal; organização, desorganização; relacionada com a separabilidade ou fazer, refazer). Cf., contudo, anti-, em inseparabilidade destes elementos. creme anti-rugas, luta anti-droga; denominal deverbal (exs. e legal, 6. respeitam a hipótese de unicidade da Propriedades dos Prefixos base (ex. in- + Adj (evitável, eficaz, Entre as propriedades geralmente completo)); apontadas aos prefixos, temos as 7. podem alterar a estrutura de seguintes: subcategorização da base à qual se 1. tendencialmente, são monossémicos: associam (ex. confiar (em) / desconfiar os prefixos são responsáveis por uma (de)); alteração regular da 8. a presença de um dado afixo na base semântica das bases, significados interpretação i.e. constantes, têm pode favorecer ou impedir (bloquear) a que associação de um prefixo a essa base. 7 Cadernos WGT A negação (Setembro 2010) Por exemplo, os prefixos des- e in- por acharmos que nas formações em associam-se a Adj e os derivados são que ocorre é o primeiro elemento de parafraseáveis por "não X" (exs. um composto (exs. contraproducente, desleal, incapaz), mas o prefixo des- contra-atacar); não se associa a Adj em –vel, neste Des-: é um dos prefixos de negação caso só o prefixo in- é permitido (exs. mais frequentes em português. Junta-se *desacessível; a N (ex. despreocupação), Adj (ex. inacessível, desatento) e V (ex. desculpar). Sobre insuportável, *desuportável). este prefixo, veja-se a descrição Prefixos de Negação: a-, anti-, des- e efectuada por Brocardo & Caetano in- (1998); A- / An- (gr.): inicialmente, o prefixo In- / Im- (antes de bases iniciadas por só ocorria junto de bases gregas, mas bilabial) / I- (antes de bases que depois começou a juntar-se a bases começam por uma líquida lateral) / Ir- vernáculas, embora confira sempre um (antes de bases iniciadas por líquida aspecto culto. Deixou de se juntar velar): junta-se a Adj (exs. incerto, simplesmente a Adj (ex. acromático) e impróprio, passou também a juntar-se a nomes, mas pode também juntar-se a N (ex. sobretudo inconsciência) N sufixados (ex. ilegível, e irresponsável), a verbos (ex. encontram-se em incapacitar): apolitização); Anti-: tem, segundo Correia (1992), valor semântico de 'oposição': a) contra In- X; b) que se opõe a X. X é competição, embora des- seja muito normalmente um N (ex: anti-religião) mais mas pode também ser um Adj (exs. previsível que in- venha a perder anti-reumático, anti-higiénico). Ainda disponibilidade, de (1992), anteriormente apontada (cf. adj. em – recentemente, parece ter havido uma vel , adj. deverbais que ocorrem em alteração semântica (por exemplo, em grande número, em português). antimíssil, antiaéreo e antitanque, o Segundo Silva Jr. & Andrade ([1887] significado parece ser o de 'defesa'); 19134: 311), in- “Desde o seculo XV Contra-: embora seja incluído pelos que substituiu a negativa não nos gramáticos históricos nos prefixos de compostos, e o seu emprego é hoje negação, não será aqui considerado, familiar e quasi popular. Combina-se acordo com Correia e des- frequente. Contudo, pela não é razão 8 Cadernos WGT A negação (Setembro 2010) com substantivos, mas principalmente ainda que hoje seja praticamente com unânime a inclusão da prefixação na incalculavel, derivação, com excepção da chamada adjectivos ingratidão, incauto, e participios: irreligião, inconsiderado, inconsulto; composição neo-clássica, em que intervêm elementos latinos e gregos. illegal, immoral, irregular.” Os prefixos possuem propriedades bem Não: tal como apontado pelos distintas das dos sufixos. por A existência de vários prefixos de 1878: negação justifica-se pelo facto de os 155), o advérbio de negação é muitas significados de cada um não se vezes usado, como alternativa aos recobrirem na totalidade e ainda pelo prefixos de negação atrás referidos. diferente grau de rentabilidade, o que Permite (sobretudo faz com que os falantes seleccionem o deverbais), como por exemplo, não- prefixo de negação adequado a uma existência e Adj (aspecto não referido determinada base. gramáticos exemplo, históricos (cf., Reinhardstoettner negativizar N pelos gramáticos históricos), como por exemplo em aviões não identificáveis. Referências Bibliográficas Sobretudo Brocardo, Maria Teresa & Maria do com N, parece ter essencialmente uma função prefixal. Céu Este elemento pode substituir todos os morfologia derivacional histórica do outros prefixos de negação, ao passo português: que aos outros não lhes é possível, à Englebert, Annick; Michel Pierrard; partida, comutarem (exs. apolitização / Laurence Caetano. o 1998. prefixo Rosier & "Para des-". Dan uma In Van / *inpolitização; Raemdonck (eds) Actes du XXIIe desatento / não atento / *antiatento; Congrès international de linguistique inconsciência / não consciência / et philologie romanes. Tübingen: Max *desconsciência). Niemeyer Verlag, Tome II, pp. 39-47. não politização Considerações finais Em síntese, como pudemos observar, nas gramáticas históricas reflecte-se sobre o estatuto da prefixação e dos prefixos, debate que continua actual, Caetano, Maria do Céu. 2003. A Formação de Palavras em Gramáticas Históricas do Português. 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