INVENÇÃO DA
LITERATURA BRASILEIRA
A RECEPÇÃO DE CLÁUDIO MANUEL DA COSTA NA GÊNESE
DA CRÍTICA E DO CÂNONE LITERÁRIO BRASILEIRO
Ricardo Martins Valle
RESUMO
Na constituição retroativa de uma literatura brasileira anterior ao Romantismo, Cláudio Manuel
da Costa (1729-89) é o primeiro poeta a integrar um cânone literário brasileiro. Tributária de
programas políticos historicamente comprometidos, sua recepção crítica nos séculos XIX e XX
delineia a gênese dos critérios valorativos e dos pressupostos ideológicos que forjariam uma
unidade para a literatura brasileira, perspectivada em função do presente ou de sucessivos
presentes.
Palavras-chave: Cláudio Manuel da Costa; literatura brasileira; cânone literário.
SUMMARY
At the retrospective constitution of the Brazilian literature before Romanticism, Cláudio Manuel
da Costa (1729-89) is the first poet that integrated a Brazilian literary canon. Accomplishing
political plans, historically affected, his critical reception at 19th and 20th centuries delineates the
genesis of the esthetic valuing rules and ideological premises that invented a unity for the
Brazilian literature in perspective from the present, or from the successive presents.
Keywords: Cláudio Manuel da Costa; Brazilian literature; literary canon.
A crítica européia no século XIX: a formação dos critérios de leitura
Toda recepção de um determinado autor ou obra subentende e pressupõe critérios e categorias teóricos, juízos e programas ideologicamente
marcados, segundo os limites da própria historicidade dos leitores. Nesse
sentido, os preconceitos e as idealizações— que também são preconceitos
—, os pressupostos e os objetivos — que também são pressupostos —
representam mediadores que só uma leitura histórica dos próprios discursos
críticos pode filtrar. No caso da poesia do século XVIII no Brasil, as primeiras
opiniões e esquemas críticos têm se perpetuado pelas incorporações e
paráfrases de discursos críticos anteriores, de modo que o estabelecimento
do cânone literário atendeu sistematicamente a programas estéticos e políticos que se foram depositando como pó sobre livros há muitos anos fechados.
A primeira referência que se pode chamar crítica a respeito de Cláudio
Manuel da Costa vem da Alemanha, na Geschichte der portugiesischen Poesie
124 NOVOS ESTUDOS N.° 65
RICARDO MARTINS VALLE
(1) In: César, Guilhermino
(org.). Historiadores e críticos
do romantismo — a contribuição européia. São Paulo:
Edusp, 1978, pp. 1-12.
(2) Machado, Diogo B. Biblioteca lusitana, crítica, histórica
e cronológica. Lisboa, 1759.
(3) Cf. Lapa, Manuel R. "Subsídios para a biografia de Cláudio Manuel da Costa". Revista
do Livro. Rio de Janeiro: vol. IX,
MEC/INL, 1958.
und Beredsamkeit(1805) de Friedrich Bouterwek1. Cláudio é provavelmente
o primeiro poeta da tradição portuguesa na América cuja obra recebe uma
apreciação crítica, entendendo-se "crítica literária" como fenômeno tipicamente oitocentista e, portanto, liberal-burguês, na origem. Por um lado, o
advento da crítica, assim entendida, propunha uma instância intelectual que
vinculava as belas-letras a programas políticos nacionais, a começar pela
Alemanha. Por outro, numa sociedade de consumo e de classes não mais
definidas por natureza (ou nascimento), mas pelo poder econômico, a crítica
fazia a mediação intelectualizada da cultura, como valor de troca, entre as
instâncias do público, potencialmente ignaro, e do significado da obra, encastelado em cristal pela hermenêutica moderna de Schlegel e Schleiermacher. Como tal, o século XVIII português não conheceu "crítica literária".
Se considerarmos recepção crítica no sentido mais amplo, durante o
século XVIII houve sobre Cláudio apenas uma pequena notícia na Biblioteca
lusitana (1759) de Diogo Barbosa Machado2, que se limita aos opúsculos em
folhas volantes do tempo em que ele era estudante em Coimbra, não abrangendo as Obras, que são de 1768. É possível encontrar ainda referências à
poesia de Cláudio nos documentos burocráticos da época 3 , os quais, se têm
pouca importância para a leitura dos poemas, dão ao menos idéia de sua fama
como poeta na Vila Rica em que foi secretário de governo e permitem perceber como essa mesma fama era utilizada na requisição de cargos públicos,
de modo que, ao contrário do que quis quase toda a crítica biográfica nacionalista, Cláudio deve ser compreendido, nos termos de Gramsci, como "intelectual orgânico" dentro da estrutura política colonial, e não poderia ser diferente. Compreender a função, politicamente "orgânica", da poesia de Cláudio talvez ajude a desfazer alguns ideais biográficos preconcebidos e a dar maior
complexidade à questão de seu patriotismo literário.
Enfim, em Bouterwek está a primeira nota propriamente crítica sobre
Cláudio, tratado no conjunto da literatura portuguesa como único poeta
"ultramarino" cuja obra é conhecida pelo historiador alemão. As próprias
divisões do volume das Obras organizam a nota crítica de Bouterwek, que
comenta, nesta ordem, o prólogo, os sonetos, epicédios, éclogas, cançonetas
e cantatas, procedimento que mostra terem sido lidas as Obras integralmente
e no original, o que sempre foi e ainda é raro mesmo entre críticos brasileiros.
Já em Bouterwek aparecem alguns dos principais esquemas e opiniões que
se repetirão ao longo de todo o século XIX, chegando até João Ribeiro, em
1901-02, e a partir deste alcançando largamente o século XX.
Baseando-se no "Prólogo ao leitor" das Obras, Bouterwek considera
Cláudio "um dos primeiros que voltaram a introduzir um estilo mais nobre na
poesia portuguesa", mas admite ao mesmo tempo que "a poesia empolada
dos sonetistas do século XVII ainda transparece aqui e ali, nos poemas de
Costa". Eis o esquema que colocaria Cláudio no limiar de dois "estilos de
época". No século XX essa dicotomia seria vincada com mão pesada pelas
categorias "barroco" e "neoclássico", identificadas mecanicamente com estilo
culto, no primeiro caso, e estilo simples ou natural, no segundo, termos que,
diga-se de passagem, já estavam todos em Baltasar Gracián, o grande teo-
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CLÁUDIO MANUEL DA COSTA E A INVENÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA
rizador do século XVII, supostamente cultista-gongórico-conceptista-barroco. Mesmo no início do XIX essa nomenclatura anacrônica ainda não tinha o
sentido que os esquemas didáticos hoje lhe atribuem.
É Bouterwek quem primeiro aponta Metastásio como o modelo mais
imediato na reforma que Cláudio teria tentado empreender a partir dos
poemas que incluiu nas Obras. Desde Sismondi e Garret a crítica sempre
reiterou essa informação sem proceder efetivamente à análise comparativa,
permanecendo, até meados do século XX, no nível de uma erudição emprestada, procedimento caro aos críticos da poesia do XVIII e antes. Também
Bouterwek já o equipara a Petrarca, o que será repetido pela crítica lusobrasileira, que desde as primeiras décadas do século XIX lança mão do poeta
italiano como medida atemporal de grandeza literária: ora está abaixo, ora
acima de Camões, e entre os portugueses mais zelosos de seu torrão Petrarca
chega mesmo a ser considerado inferior a Bocage. Assim, Petrarca, Camões
e Bocage tornam-se nomes contíguos numa escala de valor arbitrária, independente de tempo e espaço; e Cláudio, conforme os extremos críticos, foi
sendo situado entre este ou aquele ponto da escala exemplar a priori.
Como se vê, o primeiro texto crítico sobre Cláudio é matriz de quase
todos os outros. As considerações críticas de Sismonde de Sismondi, em Dela
littérature du Midi de 1'Europe (1813)4, já são em tudo conduzidas por Bouterwek, mas é mesmo o autor quem o confessa. Reaparece aqui o esquema
que coloca Cláudio entre dois estilos:
Durante cinco anos, recebeu ele em Coimbra uma educação européia;
mas, nesta cidade, a escola de Góngora dominava ainda, e foi o gosto
pessoal de Costa que o decidiu a buscar modelos nos antigos poetas
italianos e em Metastásio5.
A diferença em relação ao texto de Bouterwek é apenas a substituição de
"Marinismo português" por "escola de Góngora". O esquema, porém, é o
mesmo, e o escritor alemão o extraíra diretamente do "Prólogo ao leitor" de
Cláudio6. Tudo indica que Sismondi não teve acesso ao volume das Obras,
reproduzindo a maior parte dos juízos críticos de Bouterwek, em especial a
hostilidade em relação ao gênero pastoril, o que se tornaria talvez o mais
sólido lugar-comum opiniático da crítica sobre a poesia dos árcades. Bouterwek judica:
... a exemplo da maioria das éclogas portuguesas, são, em parte, também, poesia de ocasião, de caráter bucólico; em parte também poemas
líricos que, salvo os nomes dos pastores, pouco têm de bucólico. A
acentuada preferência que davam os portugueses antigos a essa espécie
de poesia bucólica transmitiu-se, portanto, de geração a geração, até
nossos dias7.
126 NOVOS ESTUDOS N°65
(4) In: César (org.), op. cit., pp.
13-26.
(5) Ibidem, p. 23.
(6) "... a maior parte destas
Obras foram compostas ou em
Coimbra ou pouco depois, nos
meus primeiros anos, tempo
em que Portugal apenas principiava a melhorar de gosto nas
belas-letras" (Costa, Cláudio
Manuel da. "Prólogo ao leitor".
In: Obras. Coimbra: 1768, p.
xxii).
(7) Bouterwek, op. cit., p. 11.
RICARDO MARTINS VALLE
E Sismondi traduz, agregando opinião:
(8) Sismondi, op. cit., p. 25.
Escreveu também vinte éclogas; são quase sempre poesia de circunstância, nas quais os nomes pastoris são uma espécie de disfarce. Não se
pode ver sem espanto essa idéia fixa da poesia pastoril que persegue os
portugueses desde o século XII até nossos dias, dando a toda a sua
literatura um quê de infantil e amaneirado8.
A mesma hostilidade aparece até hoje quando a crítica se refere à parte
"menos importante" ou "mais convencional" da poesia de Cláudio. Sismondi
pouco acrescenta ao texto de Bouterwek, mas pela proximidade da língua o
texto francês terá maior difusão em Portugal e no Brasil, tornando-se o elo
bibliográfico entre as conclusões do alemão e as opiniões dos primeiros
críticos luso-brasileiros.
Sismondi amplia o leque dos poetas brasileiros conhecidos pela historiografia européia, tratando também de Silva Alvarenga, em cuja poesia o
escritor francês interessa-se apenas pela aparente sinceridade e pelo pitoresco da cor local. Sobre os brasileiros, conclui: "Lendo os primeiros poemas
escritos em regiões tão afastadas de nós, pensamos mais no que eles nos
prometem do que no que efetivamente nos dão". Sismondi escreve quando a
família real portuguesa acabava de se mudar para o Brasil:
(9) Ibidem, p. 26.
(10) In: César, (org.), op. cit.,
pp. 87-92.
No mais aprazível dos climas e no mais rico dos solos, fundaram [os
portugueses] uma colônia que ultrapassa doze vezes a superfície da
antiga mãe-pátria; para lá transportaram hoje a sede de seu governo,
sua marinha e seu exército; acontecimentos de todo imprevistos conferem à nação outra juventude e novas energias; e não estarão próximos
os tempos em que o império do Brasil venha a produzir, em língua
portuguesa, dignos sucessores de Camões9.
O critério da cor local, bem como o prognóstico que faz para a literatura
brasileira, no início do século XIX, não têm, como se vê, caráter político no
sentido da diferenciação em relação à metrópole, que aliás havia sido
transplantada. Só a partir de Garret e Denis será cobrado um projeto nacional
em poesia.
Apesar da hostilidade desdenhosa de Almeida Garret em relação a
Sismondi, este representa seguramente uma das matrizes para seu Bosquejo
da história da poesia e língua portuguesas (1826)10. É por intermédio do
texto francês que Garret prosseguirá no esquema básico lançado por Bouterwek, que já havia situado Cláudio entre as poéticas do século XVII e do
XVIII:
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CLÁUDIO MANUEL DA COSTA E A INVENÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA
Deixou-nos alguns sonetos excelentes, e rivalizou no gênero de Metastásio, com as melhores cançonetas do delicado poeta italiano. [...] Notamse em muitas partes dos outros versos dele vários resquícios de gongorismo e afetação seiscentista11.
Contudo, dispondo Claúdio depois de Garção, Diniz e Quita, Garret tira do
"brasileiro" a primazia na restauração do estilo em língua portuguesa, ao
contrário do que havia notado Bouterwek. Com isso, Garret cria uma longa
tradição da historiografia literária que coloca Cláudio como "caudatário" do
movimento "renovador", ao lado dos demais árcades brasileiros. Nessa
esteira, João Ribeiro dirá em 1901 que Cláudio "em raras cousas é o mestre
dos vindouros, em tudo é o discípulo dos que passaram e, mais estreitamente ainda, é o discípulo de sua escola"12. Foi preciso que, bem mais tarde, a
historiografia moderna desfizesse o esquema que, desde Garret, havia simplificado unilateralmente as relações entre "literatura da colônia" e "da
metrópole". A respeito de Cláudio, Antonio Candido parece ter sido o
primeiro a rever o esquema simplificado da "importação literária", de Portugal para o Brasil, sem entrar em querelas de preeminência nacional13.
Garret repropõe o critério da cor local que parece faltar a Cláudio e aos
demais poetas brasileiros:
... as majestosas e novas cenas da natureza naquela vasta região
deviam ter dado a seus poetas maior originalidade, mais diferentes
imagens, expressões e estilo, do que neles aparece; a educação européia
apagou-lhes o espírito nacional: parece que se receiam de se mostrar
americanos; e daí lhes vem uma afetação e impropriedade que dá
quebra em suas melhores qualidades14.
Suas críticas a Durão e Gonzaga caminham no mesmo sentido de exigir cor
local à poesia brasileira, como já havia feito Sismondi. O anacronismo é
compreensível por se tratar de escritores do século XIX, mas em Garret o
olhar anacrônico desdobra-se em dois aspectos tipicamente românticos:
lamenta-se a ausência de cor local e de originalidade. A própria exigência da
cor local tinha em Garret sentido diverso, ou mais complexo, em relação a
Sismondi, porque para o português a valorização da cor local entre os
brasileiros deveria ligar-se ao projeto político-ideológico de formação de
uma nacionalidade brasileira: "a educação européia apagou-lhes o espírito
nacional". Politicamente anacrônico, Garret, escrevendo pouco depois da
independência política do Brasil, faz ao poeta do século XVIII uma cobrança
retroativa.
No mesmo ano da publicação do texto de Garret, 1826, sai, também em
Paris, o livro de Ferdinand Denis, Résumé de 1'histoire littéraire du Portugal,
suivi du résumé de 1'histoire littéraire du Brésil15. Trata-se de um divisor de
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(11) Ibidem, p. 90.
(12) Ribeiro, João. "Carta ao Sr.
José Veríssimo". In: Obras poé-
ticas de Cláudio Manuel da
Costa. Rio de Janeiro: Garnier,
1902, vol. I, p. 44-45.
(13) Mello e Souza, Antonio
Candido. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 5a ed. São Paulo/Belo
Horizonte: Ed. da USP/Itatiaia,
1975 [1959], vol. I, p. 93.
(14) Garret, op. cit., p. 92.
(15) In: César (org.), op. cit,
pp. 35-82.
RICARDO MARTINS VALLE
águas tanto para a historiografia quanto para a história do que só então se
passou a chamar "literatura brasileira". Dedicando quase duzentas páginas à
literatura do Brasil, é o primeiro texto que abrange um grande conjunto de
poetas ultramarinos. Articulando a primeira proposta de literatura nacional,
boa parte do livro trata de como deve ser a literatura brasileira. Denis formula
a tese indianista da nacionalidade, indicando um mesmo caminho para escritores de partidos opostos como Gonçalves de Magalhães, José de Alencar e
Gonçalves Dias. E, aplicando a teoria em retrospectiva, verá em Basílio da
Gama e Durão precursores que endossam a possibilidade desse projeto de
nacionalização da literatura.
Além da falta de cor local, Denis reprova nos poetas brasileiros do
século XVIII "o reiterado emprego de metáforas sugeridas pela mitologia e de
formas da poesia pastoril":
(16) Ibidem, pp. 66 e 36.
Se essa parte da América adotou uma língua que a nossa velha Europa
aperfeiçoara, deve rejeitar as idéias mitológicas devidas às fábulas da
Grécia [...]. Nessas belas paragens, tão favorecidas pela natureza, o pensamento deve alargar-se como o espetáculo que se lhe oferece; majestoso,
graças às obras-primas do passado, tal pensamento deve permanecer
independente, não procurando outro guia que a observação. Enfim, a
América deve ser livre tanto na sua poesia como no seu governo16.
A observação imediata da natureza ambiente aparece aqui como um
fundamento universal, já que sustenta a mímesis romântica, wertheriana,
desde a origem. No caso específico da literatura dos países periféricos, o valor
da observação, como método, é somado ao valor do espetáculo natural e do
exotismo, que no século XIX fornecem o pitoresco à necessidade de evasão e
novidade do Velho Mundo — sob uma lógica voraz, que é o mercado das
originalidades em letras e artes.
Tendo em vista que o projeto de literatura brasileira autônoma apoiavase no projeto de autonomia política, Denis encarece teleologicamente o desfecho das biografias de Gonzaga e de Cláudio, por suas implicações políticas.
Certamente, ele conhece Cláudio apenas pelos textos de Bouterwek e Sismondi, e nele vê pouco interesse além do detalhe biográfico. A razão explica-se:
07) Ibidem, pp. 69, grifo meu.
... talvez se tenha tornado demasiado europeu nas suas metáforas; suas
éclogas se nos afiguram submissas às formas poéticas impostas pelos
séculos anteriores, como se os habitantes das campanhas do Novo
Mundo devessem desencavar imagens semelhantes às anteriormente
usadas. É de tal ordem, porém, a poesia convencional, que a observação não lhe faz falta17.
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129
CLÁUDIO MANUEL DA COSTA E A INVENÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA
A desvalorização é compreensível num historiador do início do século XIX,
mas a colocação final sobre o caráter convencional da poesia de Cláudio não
poderia ser mais acertada, pois para a mímesis poética do XVIII a observação
é, de fato, prescindível.
Sinceridade, originalidade, observação, cor local, espírito nacional,
indianismo são critérios de leitura que, como vimos, se foram formando na
primeira quadra do século XIX, paralelamente à formulação de novos
critérios de produção poética ligados à relativa autonomização do escritor —
na verdade, abandonado ao mecenato sem face do mercado. A partir dessa
nova expectativa em relação à "arte poética", Bouterwek, Sismondi, Denis e
Garret estabeleceram os principais esquemas interpretativos e os critérios de
valorização estética em relação a Cláudio e à então fundada literatura
brasileira. Já em Bouterwek (1805) está o esquema que coloca Cláudio no
limiar do novo estilo; em Sismondi (1813), a exigência da sinceridade e da
cor local; em Denis (1826), a restrição ao convencionalismo, em lugar da
observação, e a condenação das "fábulas da Grécia"; e em Garret (1826), por
fim, a crítica à falta de espírito nacional, apagado pela cultura européia. A
aplicação negativa desses critérios por parte da critica posterior disseminará
a depreciação estética de obras e autores do século XVIII, e a sua aplicação
positiva levará à romantização do poeta setecentista. Neste caso, como
forma de reação às ressalvas de Bouterwek, Sismondi, Garret e Denis, a
crítica apologética brasileira viria negar as conclusões dos primeiros críticos,
mas endossando acriticamente os critérios de valor então empregados.
A crítica brasileira no século XIX: assimilação dos critérios e
romantização retroativa
Aceitos os critérios de leitura no contexto romântico da política do
Segundo Império, a crítica brasileira de meados do século XIX, com Varnhagen e Pereira da Silva18, não faz muito mais do que reafirmar os pressupostos
das quatro primeiras leituras. Mas como são outros os objetivos, atenuam-se as
conclusões da crítica européia em nome de certo gênio brasileiro que, aos
olhos românticos, parece por vezes vencer o convencionalismo e a imitação
estrangeira que maculam a poesia brasileira do século XVIII.
A maior parte da crítica romântica brasileira ateve-se exclusivamente,
porém, aos aspectos biográficos, aos quais apela sempre que seja necessário
defender o "espírito nacional", que já se teria manifestado "embrionariamente" no episódio da Inconfidência, no qual Cláudio, Gonzaga e Alvarenga
Peixoto se teriam envolvido: "de mistura com a poesia, se ruminava também
a idéia generosa da libertação da pátria do jugo tradicional que lhe oprimia o
colo abaçanado" 19 . A biografia reinventada torna-se uma compensação para
o desastre lastimável de os árcades não terem sido poetas do século XIX. Com
efeito, no âmbito das suposições biográficas projetam-se homens do XIX
sobre os poetas do XVIII, uma vez que, as vidas, a letra não as deixou
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(18) Varnhagen, Adolfo. Florilégio da poesia brasileira. 2ª ed.
Rio de Janeiro: ABL, 1946, vol.
I; Pereira da Silva, João Manuel. Os varões ilustres do Brasil durante os tempos coloniais.
Paris, 1858.
(19) Teixeira de Melo, José Alexandre. "Cláudio Manuel da
Costa (estudo)". Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, 1876-77, vol. I, p. 378.
RICARDO MARTINS VALLE
(20) Souza Silva, Joaquim Norberto de. "Notas biográficas sobre Cláudio Manuel da Costa".
Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro. Rio de
Janeiro, LIII, parte I, 1890, p.
137. Trata-se de uma edição
comemorativa do centenário
de Cláudio (1789-1889), cujas
solenidades foram abertas pelo
então imperador D. Pedro II,
fundador daquele instituto.
(21) Lima, Manuel de Oliveira.
Aspectos da literatura colonial
brasileira. Leipzig, 1896, pp. vvi.
insepultas, e ao contrário estão enterradas, e bem enterradas. Cláudio foi
então transformado em mártir de uma postura política anacrônica, projetada
retrospectivamente pela mistificação nacionalista dos "heróis nacionais" produzidos pela constituição e declínio do império brasileiro. Em tom elegíaco,
Joaquim Noberto, um dos últimos bastiões intelectuais do imperador, dirigese à memória de Cláudio: "Descansa em paz, alma sublime, que a pátria reabilitou a tua memória ao brado do Ypiranga"20.
Além do desfecho trágico — o suicídio oficial na prisão —; desde a
publicação do Parnaso brasileiro (1831) de Januário da Cunha Barbosa e de
Os varões ilustres de Pereira da Silva (1858) a recepção ocupou-se largamente
em detalhes biográficos inusitados. Fala-se de sua longa e inventada viagem
pela Itália durante os supostos doze anos que teria permanecido fora do
Brasil; fala-se das dores de reumatismo que o acometiam no justo momento
de sua prisão (!). Essas informações, evidentemente inventadas por Cunha
Barbosa e reiteradas pelos textos posteriores, indicam a gênese da biografia,
como gênero, no século XIX. Na época do folhetim, também as biografias se
estabelecem em termos romanescos. A verossimilhança e o interesse da
matéria narrada exigem e permitem tanto os movimentos largos no espaço
como a descida aos pormenores prosaicos: a biografia constitui-se, enfim,
como novela burguesa. Preenchidas as lacunas para a narrativa biográfica,
ajustando-as ainda a um projeto ideológico de formação da nacionalidade, a
crítica romântica brasileira criou uma imagem do poeta que difícil e incompletamente seria desfeita pela crítica do século XX, depois de adotada pelo
historicismo positivista da crítica também nacionalista do final do século XIX
e, a partir desta, incorporada pelos esquemas didáticos.
Isso tudo quanto à romantização do personagem histórico, do Cláudiomártir-inconfidente, que sem dúvida foi inicialmente devida à crítica romântica. Já a romantização da obra e da personalidade literária, do Cláudio-poetavisionário, foi devida sobretudo à crítica das últimas décadas do século XIX,
com Sílvio Romero e Oliveira Lima, que, em razão de uma visão evolutiva da
literatura brasileira, tentaram aproximar do Romantismo todos os árcades.
No prefácio dos Aspectos da literatura colonial brasileira Oliveira Lima
declara que os "esboços" de que se compõe seu livro "estão subordinados [...]
à designação do crescente brasileirismo da nossa produção mental". Sob essa
visão evolutiva de "progressiva particularização"21,
Cláudio Manuel da Costa representa no desenvolvimento da escola
mineira o primeiro degrau da transformação literária por ela iniciada.
A melancolia é o seu terreno da atividade espiritual. É por tal predicado
que o poeta será sempre lembrado entre os precursores do romantismo
português.
Seguindo a interpretação de Sílvio Romero, para quem Cláudio foi um
"predecessor do byronismo de nossos românticos", Oliveira Lima também o
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CLÁUDIO MANUEL DA COSTA E A INVENÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA
considera precursor da "corrente literária de 1830", por sua "tristeza", seu
"pessimismo sombrio", sua "melancolia", que seria o "traço principal da
fisionomia literária de Cláudio"22. Respondia-se assim às primeiras restrições
da crítica romântica, tornando-o um romântico avant la lettre.
Com efeito, não foi propriamente a crítica romântica que fez de Cláudio
precursor do Romantismo, até porque o século XIX se coloca inicialmente
em posição polêmica ante o Classicismo setecentista, buscando portanto o
contraste, não a identidade. O problema é mais complexo porque a própria
formação dos critérios é intrincada. Nesse sentido, é proveitoso retomar a
leitura de Garret, que, poeta romântico, não notara relevo no que as lentes
críticas posteriores destacariam e ampliariam a fim de encontrar pré-romantismo nos árcades. Assim, em 1826 a melancolia de Cláudio passará perfeitamente despercebida para o erudito poeta romântico português; melancolia
que a crítica, desde meados do século XIX, lhe aponta com, digamos, meia
razão. De fato, o temperamento saturnino na poesia de Cláudio tem implicações inúmeras: desde seu nome arcádico até sua tópica da memória da glória
perdida, que remonta ao mito da queda de Cronos e ao fim da Idade do Ouro.
Entretanto, os termos com que se falou do temperamento de Cláudio queriam
aproximá-lo da acepção romântica de melancolia: uma inclinação da sensibilidade distintiva dos gênios e apaixonados (reais e fictícios) e que tornaria
o indivíduo inadequado para o trato social (como Werther e Beethoven). Essa
acepção talvez só se tornasse um diferencial romântico a partir da difusão do
prefácio de Cromwell de Vitor Hugo, que é de 1827 e cujo anticlassicismo
veemente abre um abismo de incompatibilidades entre sua tese sobre a
melancolia romântica e a poesia de Cláudio.
A romantização da poesia de Cláudio parece, portanto, menos devida
ao que temos chamado "crítica romântica" do que à posterior reação às restrições por ela postas. Não tendo questionado a pertinência dos critérios estabelecidos pelas primeiras leituras, a crítica e a historiografia do final do século
XIX — no círculo dos periódicos histórico-literários e das primeiras histórias
literárias que pretenderam dar um sentido orgânico à literatura brasileira23 —
aos poucos criaram, por um lado, um Cláudio integrado num projeto de
literatura nacional em termos impensáveis para a sua época e, por outro, um
Cláudio sentimental, romântico, que, como representação ideal do a posteriori malquisto, justificasse o historicamente outro e facilitasse a identificação
entre o outrora presente e o passado perdido na diferença intransponível.
A sedimentação dos pressupostos
A edição, em 1902, das Obras poéticas de Cláudio Manuel da Costa é
um evento do século XIX, entre cartolas, fraques e tílbures em frente do
Theatro Municipal carioca. Mesmo assim, o estudo introdutório de João
Ribeiro será matriz de praticamente toda a sua crítica no século XX, e até a
metade deste permaneceu como a referência mais autorizada sobre Cláudio.
132 NOVOS ESTUDOS N.° 65
(22) Ibidem, p. 251-253.
(23) Refiro-me em particular à
Revista do Instituto Histórico e
Geográfico, aos Anais da Biblioteca Nacionale à Revista Brasileira, e entre as histórias literárias, à História da literatura
brasileira (1888) de Sílvio Romero e aos Aspectos da literatura colonial brasileira (1896)
de Manuel de Oliveira Lima, já
citados.
RICARDO MARTINS VALLE
(24) Ribeiro, op. cit., p. 3, grifos
meus.
(25) Franco, Caio de Melo. O
inconfidente Cláudio Manuel
da Costa. Rio de Janeiro: Schmidt, 1931.
(26) Respectivamente, in: Mello e Souza, op. cit., pp. 88-106;
Holanda, Sérgio Buarque de.
Capítulos de literatura colonial. São Paulo: Brasiliense, 1991.
Trata-se, este último, de um
conjunto de anotações e originais fragmentados, ainda em
primeira ou segunda redação,
e representa um problema delicado para o traçado da recepção crítica devido ao fato de ter
sido redigido na década de
1950 e publicado apenas em
1991.
"O estudo do meio em que se agitou a personalidade do poeta e a meditada
leitura dos seus versos deram-me essa impressão que transmito tão sinceramente quanto senti"24. Eis as diretrizes da leitura de João Ribeiro, que funde
as investigações contextuais e biográficas à leitura impressionista, sem mediações. Seu texto tem atrás de si as notícias biográficas de Pereira da Silva
(1858), Joaquim Norberto (1890) e Ramiz Galvão (1896), e entre os juízos
críticos a apreciação de Garret (1826) parece ser sua base mais segura.
Ao lado da edição de João Ribeiro, e partilhando desses mesmos critérios, figura o livro de Caio de Melo Franco, O inconfidente Cláudio Manuel
da Costa (1931)25. Quase todas as suas hipóteses biográficas e críticas foram
há muito postas de lado, como, por exemplo, a da autoria e significação das
Cartas chilenas, que Melo Franco atribui a Cláudio e acredita terem representado o "primeiro ato de resistência intelectual e moral contra os desmandos
dos grandes". O inconfidente... revela, porém, documentos importantíssimos. São estes, aliás, os responsáveis mais diretos pela invalidação das teses
do arquivista, que dedicadamente projetou um Cláudio ideal, "patriarca da
nossa independência moral", a cuja personalidade atribui a coerência mais
reta. Os documentos revelados, sobretudo os encomiásticos, representam
um verdadeiro incômodo para Melo Franco, pois esse Cláudio a priori, metafísico, precisou ser a todo momento desculpado pelas evidências documentadas que lhe pudessem macular a memória reinventada.
Às linhas traçadas pelo texto de João Ribeiro filiam-se outras duas
importantes apreciações críticas da poesia de Cláudio produzidas por volta da
década de 1950: "No limiar do novo estilo: Cláudio Manuel da Costa", de
Antonio Candido, e "Cláudio Manuel da Costa", de Sérgio Buarque de Holanda26. Candido segue algumas das orientações do estudo de João Ribeiro,
reelaborando-as sob a luz de novos critérios. O estudo que faz da Écloga VIII,
"Polifemo", na Formação da literatura brasileira, é o primeiro a se dispor à
investigação efetiva das fontes e modelos de Cláudio, indo além daquela
erudição emprestada que se costuma escamotear pela alusão. O capítulo segue, porém, a hipótese geral do livro, que postula a literatura brasileira como
"uma literatura empenhada" em afirmar-se perante a européia. Nessa ordem
de idéias, Cláudio, o primeiro árcade, aparece como o primeiro elo da cadeia
formativa. Vê-se que a hipótese de Candido, ao iniciar com os árcades e especificamente com Cláudio o recorte de seus momentos decisivos, refaz o caminho que, de Bouterwek a Denis e depois de Varnhagen a Sílvio Romero, foi
constituindo a "história da literatura brasileira", desdobrando-a a partir de
Cláudio Manuel da Costa. Vimos que o estabelecimento do cânone brasileiro
nos primeiros leitores da poesia do Brasil começava com Cláudio ("sozinho",
em Bouterwek; integrado à "escola mineira", em Varnhagen e nos outros) e vemos que a hipótese da Formação da literatura brasileira começa por Cláudio
e o integra ao "grupo" como confrade mais velho, estímulo dos mais novos.
O texto de Sérgio Buarque, por sua vez, apesar de sua estrutura árida e
difusa, é conduzido por uma linha interpretativa já traçada pelo menos desde
João Ribeiro: "Nos poemas que, restituído à terra natal, passa a compor
Cláudio Manuel da Costa, domina insistente e angustiada a nostalgia de quem
MARÇO DE 2003
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CLÁUDIO MANUEL DA COSTA E A INVENÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA
— são palavras suas — se sente na própria pátria peregrino" 27. A reflexão
dilemática que frisa em Cláudio "o contraste entre o espetáculo da rudeza
americana e a lembrança dos cenários europeus" já aparece em Sérgio Buarque desde Raízes do Brasil, na proposição de seu ensaio, a qual, vale lembrar,
servirá de sugestão à hipótese das idéias fora do lugar de Roberto Schwarz:
A tentativa de implantação da cultura européia em extenso território,
dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à
sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato
dominante e mais rico em conseqüências. Trazendo de países distantes
nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas idéias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil,
somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra28.
É sugestiva a semelhança das duas formulações de Sérgio Buarque:
"quem se sente na própria pátria peregrino" e "somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra"; semelhança tanto mais curiosa sabendo-se que
Cláudio Manuel da Costa sequer é aludido em Raízes do Brasil. Justamente
essa reiterada referência de Cláudio à sua condição de "poeta desterrado" é o
que parece ter movido o interesse do crítico. O que Sérgio Buarque não
revela é que as "palavras suas", de Cláudio, sejam tomadas ao Lope de Vega
do El peregrino en su patria, que é de 1608. Isso torna a questão ainda mais
complicada, porque o que seria distintivo do processo civilizatório no Brasil
foi retirado de um modelo seiscentista espanhol. Vê-se contudo que Cláudio,
ou melhor, as leituras que se fizeram de sua poesia encontram-se definitivamente atreladas à construção do pensamento brasileiro, ainda naqueles autores e textos que não se dedicaram a estudá-lo.
Sublinhando a questão da transposição dos modelos tradicionais em
contraste com a rudeza dos sertões da capitania de Minas Gerais, Sérgio
Buarque inicia a investigação de suas matrizes mais importantes, em que se
destacam Marino, Quevedo, Lope e sobretudo Góngora, entre os seiscentistas, e Metastásio, como o modelo setecentista mais imediato em que Cláudio
se teria apoiado para a "renovação" do estilo. Já vimos que desde Bouterwek
a crítica aponta o modelo de Metastásio e, pejorativamente, o "gongorismo"
de Cláudio, mas Sérgio Buarque, tendo levantado um considerável aparato
teórico, é o primeiro que se dispõe à investigação sistemática dos modelos.
Entre as décadas de 1950 e 1990, tempo em que ficaram guardados os
originais de Sérgio Buarque, surgiram alguns estudos importantes pelos
dados parciais, empenhados na determinação das fontes. Destacam-se os
estudos de Hélio Lopes, o material mais volumoso dedicado a Cláudio
Manuel da Costa29. As duas obras publicadas em vida do crítico mineiro
repõem os dois pilares do projeto poético que o século XIX constrói para
Cláudio, o patriotismo e a sinceridade dos sentimentos: na Introdução ao
poema Vila Rica está o Cláudio antes de tudo mineiro, descendente de
134 NOVOS ESTUDOS N.° 65
(27) Holanda, op. cit., p. 227,
grifo meu.
(28) Holanda, Sérgio Buarque
de. Raízes do Brasil. 3a ed. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1956,
p. 15, grifo meu.
(29) Lopes, Hélio. Cláudio, o
lírico de Nise. São Paulo: Fernando Pessoa, 1975; Introdução ao poema Vila Rica. Juiz de
Fora: Esdeva, 1985; Letras de
Minas e outros ensaios. São
Paulo: Edusp, 1997.
RICARDO MARTINS VALLE
paulistas, educado no Rio de Janeiro e filiado à Academia dos Renascidos na
Bahia, enfim, o Cláudio brasileiro, falando de assunto brasileiro; em Cláudio,
o lírico de Nise está o poeta sentimental, de personalidade delgada, indivíduo
singular que supera as convenções poéticas de seu tempo pela autenticidade
do sentimento. Não por acaso, mais de um crítico aproximou esse Cláudio de
Gonçalves Dias, com o que os momentos decisivos da "literatura brasileira"
passam a formar um todo uno e um processo conseqüente.
Ao estudo de João Ribeiro articula-se a maior parte da crítica mais
influente, destacadamente Antonio Candido e Sérgio Buarque. Embora tenham formação teórica mais larga que a do crítico do início do século e
procurem mediatizar elementos biográficos e literários, ambos, bem como
Caio de Melo Franco e Hélio Lopes, partem de um dos pressupostos mais
discutíveis de João Ribeiro e de quase toda a crítica brasileira até meados do
século XX: a autenticidade da poesia de Cláudio estaria em suas possíveis
raízes na realidade empírica. Colocado como verdade a priori, esse pressuposto de valor literário precisava ser apenas verificado na própria obra, como ditavam as novas teorias críticas dos anos 1940 e 50, com seus "intrínsecos" e "extrínsecos" textuais. Para verificá-lo, contudo, muitas vezes bastou
escolher adequadamente as lentes, que diminuíssem ou ampliassem conforme a conveniência daquilo que positivamente se queria encontrar: ninguém
até hoje mencionou a Écloga I, "Os maiorais do Tejo", epitalâmio pastoril às
reais núpcias de D. Maria I, princesa do Brasil, e do infante D. Pedro, e, com
lentes de aumento, quase todos citam os títulos, tão localistas, da "Fábula do
ribeirão do Carmo" e do poema Vila Rica.
Especialmente quando se trata de Cláudio e dos demais árcades, duas
categorias problemáticas derivam do pressuposto de autenticidade poética: a
sinceridade do sentimento e o patriotismo — categorias que se pretende
validar pela mediação das "impressões indeléveis" do amor e da terra, como
se fosse possível recompor uma biografia psicológica a partir de determinados leitmotivs supostamente inconscientes ou, ainda, como se fosse possível
postular uma psicologia uniforme e atemporal da produção poética. O problema está na base, nos pressupostos da autenticidade ou da originalidade,
que validam critérios questionáveis que, por sua vez, filtram a leitura pelo
recorte. Em geral, a assimilação que cada discurso crítico faz das conclusões
estabelecidas anteriormente (comprometidas na fonte por suas próprias
historicidades) tem contribuído para a formação de determinadas doxas
críticas que se vão reproduzindo ainda que se alterem na aparência o aparato
metodológico e a contextura da linguagem técnica.
O século XIX no século XX
Até 1902, a única publicação integral das Obras de Cláudio Manuel da
Costa era a própria edição princeps de 1768, disponível em exemplares raros,
segundo notícia de João Ribeiro:
MARÇO DE 2003
135
CLÁUDIO MANUEL DA COSTA E A INVENÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA
Sempre estiveram a lembrar o patriota e a esquecer o poeta. O seu livro
principal é raro [...] E é curioso notar, só o patriotismo ou o sentimento
local é que explica as duas edições da única das suas obras assinaladamente inferior a todas as outras30.
Refere-se ao Vila Rica, publicado em 1839 pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e reeditado apenas em 1897. Nessa pequena notícia, Ribeiro
aponta duas expressões que, como vimos, são caras à crítica do século XIX no
Brasil: patriotismo e sentimento local. Embora tenham sido banidos do
vocabulário teórico mais rigoroso do século XX, os dois termos terão sua
continuidade, de uma forma ou de outra, no nacionalismo que poderíamos
chamar "crítico", "polêmico", "inconformista" — ou como queiram — da
crítica literária modernista ou que dela descende.
Para o século XIX, as duas expressões utilizadas por João Ribeiro para
designar o nacionalismo que tem movido os interesses literários no Brasil —
"sentimento local" e "patriotismo" — associam-se às circunstâncias que
envolveram as duas publicações do Vila Rica: na década de 1830, a euforia
nacionalista em torno do jovem imperador e a introdução oficial do Romantismo no Brasil com Gonçalves de Magalhães, e na última década do século o
furor patriótico sob a ditadura republicana e, no âmbito da crítica literária, o
patriotismo, não mais romântico mas determinista, de Sílvio Romero. Pelo
prisma ideológico desses dois momentos, foi oportuno recuperar no século
XIX justamente o Vila Rica, poema tradicionalmente criticado por fastidioso,
mas louvado pelo "assunto nacional".
Sentimento local é critério indissociável da crítica romântica brasileira
que, com a primeira edição do Vila Rica, recepciona Cláudio no círculo do
recém-fundado Instituto Histórico e Geográfico (1838), que, aliás, já tem
como membro o futuro protegido do imperador, Gonçalves de Magalhães, o
qual, por sua vez, em 1836, impugnava a poesia brasileira por ser "uma Grega
vestida à Francesa e à Portuguesa, e climatizada no Brasil", e que "sentada à
sombra das palmeiras da América toma por um rouxinol o sabiá que gorjeia
entre os galhos da laranjeira"31... A categoria patriotismo ganha força sobretudo com o avanço dos ideais republicanos e é como que a face política do que,
entre mangueiras, laranjeiras e bananeiras, foi chamado sentimento local.
A discussão entra no âmbito biográfico, do Cláudio inconfidente, morto na
cadeia, por assassínio ou suicídio, vítima da repressão do sistema colonial
etc, questões que até meados do século XX, e além, mal se dissociam do
discurso propriamente crítico. Em alguns casos, as questões biográficas —
que não propomos serem categoricamente "extrínsecas" — são tomadas
como argumento imediato para determinada interpretação. Noutros casos,
tomam-se os poemas como evidências de certas hipóteses biográficas. Na
maior parte dos casos em que se permutam esses argumentos intervém um
ideal moral ou psicológico de Cláudio: patriota, honesto, mártir, frágil, sincero, melancólico, frustrado etc. João Ribeiro chega a distinguir do patriota o
poeta, mas não deixa de aplicar a argumentação biográfica para justificar a
136 NOVOS ESTUDOS N.° 65
(30) Ribeiro, op. cit., p. 2, grifos
meus. Também Sílvio Romero,
em 1888, alude à raridade dessa edição que, porém, recomenda como a única fonte confiável, em virtude dos problemas das transcrições feitas pelas antologias.
(31) Apud Bandeira, Manuel.
Apresentação du poesia brasileira. 3ª ed. Rio de Janeiro: Casa
do Estudante do Brasil, 1957,
pp. 44-45.
RICARDO MARTINS VALLE
(32) "Não permitiu o Céu que
alguns influxos, que devi às
águas do Mondego, se prosperassem por muito tempo: e destinado a buscar a Pátria, que
por espaço de cinco anos havia
deixado, aqui entre a grossaria
dos seus gênios, que menos
pudera eu fazer, que entregarme ao ócio, e sepultar-me na
ignorância!" (Costa, "Prólogo
ao leitor", loc. cit., p. xviii).
(33) Ribeiro, op. cit., p. 10.
(34) Galvão, Ramiz. "Dous documentos novos sobre Cláudio
Manuel da Costa". Revista Brasileira (Rio de Janeiro), II (l),
1896.
(35) Mello e Souza, op. cit., p.
88, grifo meu.
"musa estrangeira" de Cláudio, declaradamente entorpecida nas terras bárbaras da pátria e entre a "grossaria dos seus gênios"32: "ainda que 'entorpecendo o engenho dentro do seu berço', aqui é que se revigoram as impressões
indeléveis dos primeiros anos; o amor da pátria prevalecerá quando a vir
humilhada e por ela enfim dará em holocausto a vida"33.
Vem portanto do século XIX a linha crítico-biográfica que lhe investiga
o "patriotismo" na obra e na vida. Sobretudo no ambiente do início da República, o "patriotismo" é elemento indispensável ao elogio da personalidade. As fontes de João Ribeiro são tanto os biógrafos, que se valem de poemas
em sua argumentação — caso de Ramiz Galvão34 —, como os críticos, que se
apóiam nas hipóteses biográficas em defesa do "patriotismo literário" de
Cláudio — caso de Sílvio Romero. E se a permuta entre os pressupostos
biográficos e os esquemas interpretativos é o fundamento sobre o qual se
desenvolveram as leituras de Caio de Melo Franco e Hélio Lopes, é preciso
anotar que seus parâmetros também aparecem em Antonio Candido e Sérgio
Buarque. Afinal, as "impressões indeléveis dos primeiros anos" de que fala
João Ribeiro são, sem dúvida, a matriz crítica da interpretação bachelardiana
da "imaginação da pedra" que propõe Candido:
De todos os poetas "mineiros" é ele o mais profundamente ligado às
emoções e valores da terra, embora uma inspeção superficial de sua
obra possa sugerir o contrário. [...] Mas o fato é que permaneceu a vida
toda escravo das primeiras emoções, como revela qualquer leitura
cuidadosa, manifestando uma "imaginação da pedra" (dir-se-ia à
maneira de Bachelard) em que se exprime a fixação com o cenário
rochoso da terra natal35.
É bastante clara aqui a relação com o texto de João Ribeiro, que por sua
vez se vincula à tradição da crítica biográfica do século XIX. A interpretação
de Candido, porém, procura fazer a mediação entre a análise dos textos e a
intuição biográfica de Ribeiro. Por meio de uma ponderação psicológica, alia
um método estatístico a um pressuposto realista a fim de encontrar a terra sob
o tópico da pedra. Em se admitindo a validade do método estatístico de
comparar o índice de ocorrência das imagens da pedra na poesia de Cláudio,
Diniz, Garção e Gonzaga, restaria fazer o mesmo levantamento junto aos
poetas seiscentistas espanhóis, principalmente Góngora, e aos neotéricos do
tempo de Augusto e sobretudo Ovídio, o que talvez levasse a resultados nem
tanto surpreendentes. Quanto ao pressuposto realista de ver a paisagem
circunstante poeticamente representada, o mesmo crítico o havia desmontado quando tratara o problema da verossimilhança e o sentido de mímesis
para os árcades. Não se trata de levianamente apontar imperícias no grande
crítico, mas de encontrar os objetivos que estão sob seu método, porque
interessam aqui menos os pressupostos metodológicos do que os pressupostos ideológicos neles contidos. Radicado numa participação de esquerda e
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137
CLÁUDIO MANUEL DA COSTA E A INVENÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA
democrática, cuja utopia não chegava a questionar os princípios do Estado
nacional e da autonomia do indivíduo, o discurso de Candido parece movido
por uma postura defensiva em relação às críticas de fundo romântico que
depreciaram o poeta segundo os critérios da "cor local", do "assunto pátrio"
ou da "originalidade". Mas ao refutar as conclusões deslocadas o crítico acaba
por valer-se dos mesmos critérios:
... enquanto a maioria dos poemas pastoris, desde a Antigüidade, tem
por cenário prados e ribeiras, nos de Cláudio há vultosa proporção de
montes e vales, mostrando que a imaginação não se apartava da terra
natal e, nele, a emoção poética possuía raízes autênticas, ao contrário
do que dizem freqüentemente os críticos, inclinados a considerá-lo
mero artífice36.
(36) Ibidem, p. 89.
Respondendo às "acusações", essa argumentação conclui por admitir a
validade do antigo problema da "cor local" como critério de autenticidade de
uma literatura nacional. O pressuposto é romântico, mas foram, pelo contrário, as críticas posteriores ao Romantismo que, na necessidade de defendê-lo,
em vez de questionarem os critérios empregados pelas críticas depreciativas,
impugnaram as suas conclusões.
Outra face do critério da autenticidade da expressão poética, que deve
deitar raízes na natureza — em sua acepção romântica —, é a sinceridade,
que distinguiria o "poeta verdadeiro" do "mero artífice". Sob esse aspecto, até
mesmo Sérgio Buarque, que até agora foi quem mais se preocupou com o
rigor dos critérios de abordagem da poesia de Cláudio, procura explicar ou
justificar o convencionalismo de suas fórmulas líricas:
Se Cláudio acreditava firmemente, e sabemos que acreditava, na impossibilidade, para um autor, de bem representar afetos que não tivesse
vivido e sentido em si mesmo, não é obrigatório que tais afetos devessem
ser produzidos sempre pelas mesmas causas. As formas anedóticas que
podem servir de fundamento aparente a um afeto real, essas são mutáveis ao infinito e poderão ser arbitrariamente forjadas, sem que o seja o
estado emotivo correspondente37.
Sua ponderação propõe evitar tanto o anedotário das notas explicativas de
certas edições críticas quanto aquele tipo de arquivismo que sai pelos cartórios de Minas à procura de alguma Inês (de que Nise seria um anagrama)
contemporânea de Cláudio e que possa ter sido a irredutível e inconstante
amada do choroso Glauceste, embora ela também fosse a tirana de Fido,
Algano, Alcino ou algum outro nome de pastor, cujas lágrimas não chegavam
a borrar o pó de arroz, Sérgio Buarque recusa esse tipo de leitura que, sob a
138 NOVOS ESTUDOS N.° 65
(37) Holanda, "Cláudio Manuel
da Costa", loc. cit., p. 301.
RICARDO MARTINS VALLE
(38) "Advertência" de Machado de Assis à reimpressão, em
1907, de Helena, que é de 1876.
(39) Hegel, Georg W. F. "Estética — o belo artístico ou o
ideal". In: Hegel. São Paulo:
Abril, 1974 (col. Os pensadores), p. 250.
(40) Freire, Francisco José
(Cândido Lusitano). Arte poética. Lisboa, 1759, pp. 85-90.
(41) Cf. Castello, José Aderaldo. A literatura brasileira —
origens e unidade (15001960). São Paulo: Edusp, 1999.
suposta confissão em verso, busca a anedota biográfica prosaica. Contudo, a
hipótese inicial de que a poesia deve ser necessariamente a "tradução de uma
experiência pessoal e íntima do próprio poeta" acaba por negar a condição do
que é fictício. E é curioso que, em pleno século de Fernando Pessoa, o problema da "insinceridade" dos árcades ainda embarace os críticos que se põem
a valorizá-los. Ainda que nos doa ou incomode, "cada obra pertence ao seu
tempo" 38 ; por que razão que se perceba temos de negar-lhe essa condição?
A hipótese de Sérgio Buarque, como muitas outras de toda a fortuna
crítica de Cláudio, funda-se sobre o princípio hegeliano de que todo poeta
lírico, ao procurar aliviar o coração, exprime aquilo de que é afetado como
sujeito39. Independentemente da validade desse fundamento, trata-se de um
pressuposto que sai da órbita daquilo que historicamente o tempo de Cláudio
entenderia por expressão poética. As imagens e os afetos que na sua poesia
nos pareçam sentidos e autênticos não podem ser nomeadamente referidos
como sinceros, mas como verossímeis, qualidade essa que para o século
XVIII seria resultado das combinações — ou do comércio — entre o entendimento, "a parte superior e racional da alma", e a fantasia, "a fonte mais
fecunda da maravilha e beleza poética"40. Apesar da solidez e pertinência
dessa nomenclatura de época, a adequação vocabular apenas não chega a
propor uma leitura quando pretende suprimir o leitor, que também pertence
ao seu tempo; por que razão que se perceba temos de negar-lhe essa condição?
A invenção da "nossa" literatura se fez, desde o princípio, a partir de
Cláudio. E na raiz dessa precedência não está necessariamente uma eminência poética, como gostariam as leituras apologéticas. Na raiz desse processo
está, enfim, um acaso bibliográfico: Cláudio foi impresso, circulou consideravelmente em sua época e foi parar nas mãos de um historiador alemão,
precisamente num tempo em que nas Alemanhas estava sendo fundada a
disciplina Literarische Geschichte; o escrito alemão foi livremente vertido
para o francês por um membro do grupo de Genebra ligado à Madame de
Staël, tornando-se acessível a um escritor português muito influente sobre a
primeira crítica literária brasileira. Nesse percurso, em que não se deixou de
agregar novos autores e novas doxas, é que se pode afirmar que a invenção
da "literatura brasileira" se fez a partir de Cláudio. Mas esse mesmo processo,
que (levianamente talvez) chamamos "acaso bibliográfico", inviabiliza (infelizmente talvez) qualquer teleologia literária que se estabeleça a partir de
Cláudio Manuel da Costa e dos outros "árcades ultramarinos" que lhe seguiram, ou não, os passos.
Não creio que se possa falar com rigor em "unidade da literatura
brasileira", como ainda quer Aderaldo Castello41, nem usar com propriedade
a expressão "literatura brasileira" para o século XVIII e antes. No entanto,
assim como a existência de Deus ou do Diabo é irrefutável como idéia para
aqueles que crêem no que crêem — e não há materialismo positivo ou
dialético que desmonte esse teorema —, podemos considerar do mesmo
modo que a "literatura brasileira" existe como idéia em cabeças do século
XIX e XX, como um construto que resultou de sobreposições românticas,
MARÇO DE 2003
139
CLÁUDIO MANUEL DA COSTA E A INVENÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA
positivistas e modernistas historicamente interessadas em seus respectivos
presentes, mas devedoras indébitas de assimilações não declaradas. Não se
trata aqui de negar a idéia de "literatura brasileira" pelo que há nela de
anacronismo e de construção a posteriori. Acontece que os alvos que hoje
devemos acertar talvez já não sejam mais os mesmos.
Talvez fosse o caso de compreendermos criticamente o que há de
sobreposições ideologicamente marcadas nesse conceito de "literatura brasileira", para que possamos rever o interesse de, hoje, prosseguirmos na
reposição de pressupostos cujos objetivos não têm, há muito, representatividade histórica, a não ser como tradições que se deveriam enterrar. E enterrar
tradições não significa necessariamente relegá-las ao olvido (como quer o
presente ostensivo dessa nossa Idade do Ferro, volatilizada na dinâmica do
consumo); é preciso enterrar tradições depositando-as criticamente na memória.
140 NOVOS ESTUDOS N.° 65
Recebido para publicação em
15 de junho de 2002.
Ricardo Martins Valle é mestrando no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da
FFLCH-USP e bolsista da Fapesp.
Novos Estudos
CEBRAP
N.° 65, março 2003
pp. 124-140
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